Programa de Pós-Graduação em Economia - Sorocaba ...A adoção de um regime de política...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MODELO GERAL DE ATAQUE ESPECULATIVO _____________________ Gilberto José de Queiroz (Mestrando em Economia) _____________________ Geraldo Edmundo Silva Jr. (Orientador) Sorocaba – SP Março – 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MODELO GERAL DE ATAQUE ESPECULATIVO

_____________________ Gilberto José de Queiroz (Mestrando em Economia)

_____________________ Geraldo Edmundo Silva Jr.

(Orientador)

Sorocaba – SP Março – 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS PARA A SUSTENTABILIDADE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MODELO GERAL DE ATAQUE ESPECULATIVO

_____________________ Gilberto José de Queiroz (Mestrando em Economia)

_____________________ Geraldo Edmundo Silva Jr.

(Orientador) Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de São Carlos, Campus Sorocaba, como parte das exigências para a obtenção do grau de Mestre em Economia.

Sorocaba – SP Março – 2013

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Queiroz, Gilberto José de

Q3m Modelo geral de ataque especulativo / Gilberto José de Queiroz. – – Sorocaba, 2013.

66 f. : il. (color.) ; 28 cm Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de São Carlos, Campus

Sorocaba, 2013 Orientador: Geraldo Edmundo Silva Jr.

Banca examinadora: José Heleno Faro, Maria Aparecida Silva Oliveira. Bibliografia 1. Regime cambial. 2. Ataque especulativo. 3. Teoria dos jogos.

I. Título. II. Sorocaba - Universidade Federal de São Carlos.

CDD 336.2

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Campus de Sorocaba.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus amigos, a minha família e, principalmente, a minha mãe, por todo apoio, compreensão e

carinho fundamentais durante a fase de desenvolvimento desta dissertação.

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AGRADECIMENTO

Gostaria de agradecer ao meu orientador, professor Dr. Geraldo Edmundo Silva Jr., por todo o apoio, paciência e inestimável ajuda, sem a qual este trabalho não teria saído do campo das ideias. Gostaria de agradecer também a professora Dra. Maria Aparecida Silva Oliveira por aceitar, de forma gentil, a revisão do meu trabalho, contribuindo de forma fundamental. Agradeço também aos meus grandes amigos do mestrado com os quais pude compartilhar grandes momentos de estudo, diversão e lazer.

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RESUMO

QUEIROZ, G.J. Modelo Geral de Ataque Especulativo. 2013. 66 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Centro de Ciências e Tecnologias para Sustentabilidade, Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2013. Com o aumento dos fluxos de capitais internacionais e o regime de

câmbio fixo adotado em alguns países, os especuladores veem oportunidades

de ganhos através de ataques especulativos contra a moeda destes países.

Exemplos como os ataques de 1998 e 1999, no Sudeste Asiático e na América

Latina, elucidam o fato e despertam o interesse sobre como ocorrem e qual o

comportamento dos agentes envolvidos. Este trabalho investigou o

comportamento dos especuladores e dos governos durante os ataques, com

base na Teoria dos Jogos. O modelo apresentado descreve os custos e os

possíveis ganhos esperados advindos destes ataques. Tomando esta

modelagem como ponto de partida, evidencia-se, sob condições restritivas, a

fragilidade dos regimes de câmbio fixo, bem como, as dificuldades de sua

manutenção. Ao término do presente trabalho, ficará evidenciada a elevada

propensão dos governos em flexibilizar o regime de câmbio, especialmente, em

situações de crise e ataques especulativos.

Palavras-chave: Ataques Especulativos, Câmbio Fixo, Teoria dos Jogos.

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ABSTRACT

The increasingly international capital flows and the fixed exchange rate

regime, adopted in some countries, make the speculators face the opportunity

to raise their gains through speculative attacks against countries’ pegged

exchange rates. Attacks like the ones that took place in 1998 and 1999, in the

Southeast Asia and Latin America, elucidate the fact and make us think about

how these attacks occur and how the involved agent’s behavior is. This paper

aims to analyze the behavior of the speculators and govern during the attacks,

based on the Game Theory. The model developed in this paper will describe

the costs and possible expected gains, associated with these attacks. Taking

this approach as a starting point, it will be expected to prove, under restrict

conditions, the fragility of the pegged exchange rate regime, as well as, the

difficulties associated with its maintenance. By the end of this paper, it will be

clear the high propensity of the government in order to make the exchange rate

regime flexible, specially, during crises situations and speculative attacks.

Keywords: Speculative Attacks, Pegged Exchange Rate, Game Theory.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 3.1: Diversos regimes de câmbio ........................................................ 28

Tabela 3.2: Forma estratégica do jogo dos criminosos (jogo um) .................... 34

Tabela 3.3: Representação estratégica do jogo do comércio internacional com

informação perfeita ........................................................................................... 43

Tabela 3.4: Cálculo do equilíbrio de Nash do jogo do comércio internacional

com informação perfeita ................................................................................... 44

Tabela 4.1: Dados da economia brasileira no período de dois meses ............ 52

Tabela 4.2: Valores calibrados das recompensas dos especuladores ............ 53

Tabela 4.3: Valores calibrados das recompensas do Banco Central (tipo crível)

......................................................................................................................... 53

Tabela 4.4: Valores calibrados das recompensas do Banco Central (não crível)

......................................................................................................................... 54

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2.1: Oscilações das taxas de juros e das reservas internacionais do Brasil (set. 1998 – jul. 1999) .............................................................................................................. 25

Figura 2.2: Oscilações nas taxas de câmbio, Brasil (set. 1998 – jul. 1999) ..... 26

Figura 3.1: Forma estendida do jogo do comércio internacional (jogo dois) ... 36

Figura 3.2: Representação dos subjogos do jogo de comércio internacional . 39

Figura 3.3: Representação do conceito de conjunto de informação, para o jogo

do comércio internacional, onde a empresa DoceVida possui informação

imperfeita ......................................................................................................... 40

Figura 3.4: Jogo sequencial com informação perfeita do comércio intenacional

......................................................................................................................... 43

Figura 4.1: Jogo sequencial de ataque especulativo na forma estendida ....... 51

Figura 4.2: Recompensas do jogo sequencial de ataque especulativo na forma

estendida ......................................................................................................... 54

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1

O Problema e sua Importância....................................................................................... 2

Objetivos ........................................................................................................................ 5

1.3 Contribuição .............................................................................................. 6

REREFENCIAL HISTÓRICO .......................................................................................... 7

Introdução ...................................................................................................................... 7

Crises do Regime de Câmbio no Período Pós Bretton Woods .................................... 11

2.2.1 A Crise do Sistema Monetário Europeu (SME) ......................................... 11

2.2.1.1 Aspectos Gerais do Sistema Monetário Europeu (SME) ...................... 11

2.2.1.2 Fatores que Levaram à Crise .............................................................. 14

2.2.2 Crise Asiática ............................................................................................ 17

2.2.2.1 Características da Crise Asiática ......................................................... 17

2.2.2.2 O Aprofundamento da Crise ................................................................ 19

2.2.3 A Crise do Real (Brasil 1999) .................................................................... 22

2.2.3.1 Aspectos Gerais .................................................................................. 22

2.2.3.2 A Crise do Real e o Abandono do Regime .......................................... 23

REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................ 28

Regimes de Câmbio ..................................................................................................... 28

Aspectos Gerais da Teoria dos Jogos .......................................................................... 31

3.2.1 Aspectos Históricos da Teoria dos Jogos ................................................. 31

3.2.2 Representação dos Jogos ........................................................................ 34

3.2.2.1 Forma Estratégica (Normal) ................................................................. 34

3.2.2.2 Forma Estendida ................................................................................. 35

3.2.3 Jogos Simultâneos e Jogos Sequenciais ................................................. 37

3.2.3.1 Jogos Simultâneos .............................................................................. 37

3.2.3.2 Jogos Sequenciais ............................................................................... 37

3.2.4 Conceito de Subjogo e Conjunto de Informação ...................................... 38

3.2.5 Jogos com Informação Completa e Incompleta ....................................... 41

3.2.6 O Conceito de Equilíbrio de Nash ............................................................ 42

Equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo ..................................................................... 42

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MODELAGEM E DISCUSSÃO .................................................................................... 46

Os Jogadores ................................................................................................................ 47

4.1.1 Os Especuladores ..................................................................................... 47

4.1.2 O Banco Central ....................................................................................... 48

O Jogo na Forma Sequencial ....................................................................................... 51

Cálculo das Recompensas dos Jogadores .................................................................... 52

4.3.1 Calibragem das Recompensas do Especulador ............................................. 52

4.3.2 Calibragem das Recompensas do Banco Central ..................................... 53

4.3.3 Cálculo do Equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo .................................... 54

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS ........................................................................... 56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 59

ANEXOS .................................................................................................................. 61

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1. INTRODUÇÃO

A adoção de um regime de política monetária baseado em uma âncora

cambial, ou câmbio fixo, tem sido um expediente notório na maioria dos

processos de estabilização observados em fins do século passado. Ainda, a

adoção de uma moeda única entre países de um mesmo bloco, ou

participantes de um sistema financeiro internacional, se constituiu em objeto de

contestação em função da vulnerabilidade do sistema aos ataques contra as

moedas dos participantes.

Ataques especulativos contra a moeda são fenômenos de constante

estudo devido aos seus efeitos desestabilizadores sobre a economia.

Principalmente durante a década de 1990, e começo do século XXI, ataques

contra a moeda de alguns países se tornaram notórios como o caso da crise

financeira do México em 1994 (OBSFELD e ROGOFF, 1995), contra o Rublo1

em 1998, e contra o Real em 1999. A abertura dos mercados de capitais e as

desregulamentações que permitiram maior liberdade para os fluxos de capitais

contribuíram, sobremaneira, para o aumento da atividade dos especuladores.

Segundo Obstfeld e Rogoff (1995), a evolução dos mercados de capitais e a

desregulamentação do sistema financeiro permitiram, a partir de 1950, uma

maior vulnerabilidade da moeda aos ataques. Durante os anos do acordo de

Bretton Woods, o controle de capitais permitiu aos países ajustarem suas taxas

de câmbio frente às instabilidades econômicas sem o risco da fuga exacerbada

de divisas. Entretanto, a queda gradativa dos controles de capitais a partir da

década de 1960, contribuiu para a maior vulnerabilidade da moeda frente os

ataques (EICHENGREEN, 1996).

Entre os anos de 1997 e 1998 países como Cingapura, Malásia e

Tailândia tornaram-se palcos de grandes ataques especulativos que duraram

de semanas a até quase um ano inteiro. Durante este período, a maioria destes

países adotava um regime de câmbio fixo com intervenções sistemáticas de

seus bancos centrais. Segundo Calvo e Mishkin (2003) este foi um fator

1 Moeda oficial da Rússia.

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decisivo para o aprofundamento da crise macroeconômica vivenciada por estes

países naquele período.

Muitos desses ataques estão relacionados ao regime de câmbio adotado

pelos países, bem como a credibilidade do governo perante o mercado, no que

diz respeito a sua capacidade de defender a moeda contra os ataques. Em

governos pouco críveis, ou seja, em que suas promessas de defesa da moeda

não sejam tão confiáveis, a manutenção de um câmbio fixo é muito custosa e

pouco factível em longo prazo (OBSFELD, ROGOFF, 1995). Crises

econômicas são potencializadas, assim como falências nos setores financeiros

e não financeiros, pela queda abrupta2 das taxas de câmbio pós-ataques

especulativos e abandono da paridade da moeda. Tais crises teriam um efeito

mais suave se as taxas de câmbio pudessem se ajustar de maneira menos

tempestiva e abrupta do que o encontrado nos regimes de câmbio fixo

(EICHENGREEN, 1999). A crise do Sistema Monetário Europeu em 1992

exemplifica bem a fragilidade da manutenção do câmbio fixo à longo prazo,

mesmo em um arranjo monetário como o do Euro.

1.1 O Problema e a sua Importância

Um país pode adotar um regime de câmbio fixo quando atrela sua

moeda a um parâmetro, ou moeda estrangeira, ou quando simplesmente

“dolariza” sua economia (CALVO, MISHKIN, 2003). A outra contrapartida é a

adoção de um câmbio flexível ou uma mistura entre os dois tipos diferentes de

câmbio. Nesta mistura, chamada de “flutuação suja”, a autoridade monetária

interfere no mercado de câmbio com o objetivo de garantir que esta flutuação

ocorra dentro de um nível desejado.

Quer uma economia adote um regime de câmbio ou outro, alguns

problemas são inerentes ao regime escolhido. O regime de câmbio fixo pode

garantir maior previsibilidade para os agentes, menor grau de incerteza e uma

maior determinação, por parte do governo, de um controle mais factível contra

a inflação. Entretanto, o regime de câmbio fixo enfraquece a autonomia do

2 A queda abrupta da taxa de câmbio expõe os agentes com elevado grau de risco cambial e

dívidas em moeda internacional.

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governo acerca de uma política monetária mais atuante (OBSFELD, ROGOFF,

1995).

Embora a adoção de um regime de câmbio flutuante permita uma maior

flexibilidade da política monetária, existem alguns riscos que são inerentes à

própria flutuação da taxa de câmbio. Estes riscos cambiais3 são potencialmente

desastrosos para instituições financeiras que se expõem sobremaneira ao

câmbio (CALVO, MISHKIN, 2003).

Os ataques especulativos são motivados pela possibilidade de ganhos

com a desvalorização da moeda doméstica local frente a moeda de referência

como, por exemplo, o dólar. Durante o ataque, a autoridade monetária tenta

defender sua moeda através de algumas estratégias, dentre elas, o aumento

da taxa de juros. O aumento da taxa de juros eleva os custos de oportunidade

e custos financeiros do especulador em manter seu ataque contra a moeda

(GRIER, LIN, 2009). Fora o aumento da taxa de juros, algumas alternativas

podem ser usadas com o objetivo de defender a moeda doméstica do ataque

especulativo. Medidas menos convencionais podem ser adotadas de tal modo

a salvar a paridade da taxa de câmbio. A introdução de um feriado bancário e a

conversão de depósitos privados em títulos do governo são possibilidades

menos ortodoxas de lidar com os ataques e garantir certa proteção à taxa de

câmbio (OBSFELD, ROGOFF, 1995).

As consequências desses ataques podem ser severas, com graves

impactos macroeconômicos. O ataque ao Sistema Monetário Europeu (SME –

1992) fez com que o Reino Unido perdesse cerca de cinco bilhões de suas

reservas na defesa da paridade de sua moeda com o marco alemão. Durante a

crise do México, as autoridades monetárias gastaram cerca de vinte e cinco

bilhões de suas reservas e incorreram em um empréstimo de mesmo valor

apenas para protegerem a paridade de sua moeda doméstica, o peso, com o

dólar americano (OBSFELD, ROGOFF, 1995). A tentativa sueca de defender a

paridade de sua moeda durante a crise do SME em 1992 elevou em

quinhentos por cento a sua taxa de juros e manteve este patamar por quatro

3 Entende-se por riscos cambiais toda a exposição de instituições financeiras ou não, às

variações na taxa de câmbio. Pode-se citar, como exemplo, empresas que contraiam dívidas em moeda estrangeira.

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dias. Apesar de todo esse esforço, em 19 de novembro de 1992 o governo

sueco desistiu de proteger a sua moeda e o câmbio flutuou. Os exemplos

citados anteriormente mostram como um ataque especulativo pode provocar

sérias crises financeiras e, inclusive, o abandono por parte do governo do

regime de câmbio até então vigente.

Entretanto, os danos causados pelos ataques vão além de reduções nas

reservas internacionais e o abandono do regime de câmbio. O aumento da taxa

de juros, como estratégia de defesa, eleva o custo dos investimentos, bem

como mitiga o crédito e o consumo no curto prazo. Além disso, o aumento

excessivo dos juros fragiliza o sistema financeiro e eleva a dívida pública,

prejudicando ainda mais a credibilidade do governo em proteger a paridade de

sua moeda. Segundo estimativas desenvolvidas por REINHART (2000), os

custos de reestruturação do setor financeiro após as crises pode superar vinte

por cento do produto interno bruto e a queda no produto pode chegar a

quatorze por cento, dependendo das características e profundidade dos

ataques e dos países e seus respectivos governos.

O que garante o sucesso ou não da defesa da moeda contra ataques

especulativos é a credibilidade do governo e bons fundamentos

macroeconômicos como, por exemplo, um grande volume de reservas

internacionais (OBSFELD, ROGOFF, 1995).

Os ataques coordenados variam quanto à intensidade e duração.

Ataques são feitos em ondas4 que podem levar de algumas semanas a um ano

inteiro. Embora os ataques possam proporcionar ganhos aos especuladores

(caso o governo abandone a defesa à moeda), que lucram através da

arbitragem com os diferenciais de taxa de câmbio, os custos são elevados. O

governo pode tanto defender sua moeda, de forma mais acirrada, quanto

abandonar após um tempo relativamente curto de ataque. A manutenção deste

jogo de ataque é custosa tanto para o especulador quanto para o governo

(GRIER e LIN, 2005). Os custos do especulador dependem, sobremaneira, do

tempo em que o ataque é realizado.

4 Vale ressaltar que o modelo desenvolvido por este trabalho considera o jogo de ataque

especulativo como sendo um jogo de apenas um período ou uma repetição.

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Esta dissertação considera, como especulador, todo agente que visa

auferir lucros no processo de ataque a uma moeda.

Os ataques especulativos podem ser bem sucedidos, como os ataques

contra a moeda sueca (1992), ou frustrados, como os ataques à moeda de

Hong Kong (1997 – 1998). No primeiro caso, o governo abandona o regime de

câmbio fixo fazendo sua moeda flutuar como decorrência do ataque. Como

mencionado anteriormente, o ataque sofrido pelo governo sueco foi um

exemplo de ataque bem sucedido. Embora o governo daquele país tenha

defendido sua moeda de forma intensa, no começo do processo (primeira onda

de ataques), após alguns meses a moeda sueca flutuou. Isto demonstra que a

estratégia de defesa da moeda, baseada no aumento da taxa de juros, pode

não ser suficiente para deter a desvalorização do câmbio.

Segundo Grier e Lin (2009), os ataques especulativos possuem um

caráter de jogo dinâmico (sequencial) com informação incompleta. Os

jogadores não possuem informações completas quanto ao comportamento e

estratégia uns dos outros. Os especuladores não possuem informações acerca

do tipo de governo que estão lidando, bem como, o governo não possui

informações acerca das características dos atacantes5.

A hipótese deste trabalho é que em um Banco Central sempre

desvalorizará a moeda no longo prazo e abandonará o regime de câmbio fixo.

Portanto, os regimes de câmbio fixo não são críveis.

1.2 Objetivos

O objetivo principal deste trabalho é criar um modelo que explique, de

forma geral, a interação entre o Banco Central e os especuladores e,

consequentemente, como a solução aponta para um abandono do regime de

câmbio fixo. Esta modelagem deve levar em conta a possibilidade de defesa da

taxa de câmbio por parte do governo. Da mesma forma, o modelo também

contemplará os diferentes perfis dos jogadores (banco central), bem como, os

ganhos dos especuladores e do governo durante o jogo.

5 Este trabalho não considera, para efeitos do modelo, diferentes tipos de especuladores.

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No próximo capítulo o leitor perceberá, antes da construção formal do

modelo em si, uma breve discussão histórica das principais crises pós Bretton-

Woods. Esta discussão histórica fornece subsídios concretos que dão suporte

à hipótese principal deste trabalho. Seguindo na leitura, no capítulo três, uma

breve discussão sobre os fundamentos da teoria dos jogos se faz

indispensável, ao entendimento do modelo, por fornecer conceitos e métodos

relevantes utilizados pela teoria dos jogos, que é, sobretudo, a base de toda a

construção teórica deste trabalho. Nos dois capítulos finais o leitor entrará em

contato com a construção do modelo em si e, posteriormente, as conclusões

finais do trabalho.

1.3 Contribuição

O comportamento dos especuladores durante um ataque pode ser

estudado segundo modelos econométricos, que buscam prever as decisões e

motivações que os levam a atacar. Nestes modelos, levantam-se as

probabilidades de que um ataque ocorra ou não, mediante situações políticas e

econômicas em que o país se encontra. Variáveis macroeconômicas tais como

o nível de reservas internacionais, dívida pública, nível de inflação, etc. podem

contribuir para o aumento da probabilidade de ataque, segundo estes modelos.

Características políticas como eleições também causam impactos nas

probabilidades de ataque.

A contribuição deste trabalho, portanto, está em construir um modelo

que descreva os ataques especulativos utilizando o ferramental da teoria dos

jogos, ao invés de uma metodologia econométrica. A escolha desta abordagem

(teoria dos jogos) leva em conta a relativa praticidade e facilidade em se avaliar

jogos, situações estratégicas, bem como, prováveis comportamentos dos

agentes envolvidos.

2. REFERENCIAL HISTÓRICO

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2.1 Introdução

O regime de câmbio fixo tem sido frequentemente utilizado por países

que visam a estabilidade monetária e os benefícios ao comércio internacional

inerentes a este tipo de regime cambial. Desde o padrão-ouro, no começo do

século XX, até Bretton Woods e, mais recentemente, o Sistema Monetário

Europeu (SME), países têm usado diversas formas de atrelar suas moedas

nacionais a âncoras tais como o dólar ou o marco alemão.

Em um regime de câmbio fixo a ancoragem da moeda doméstica a uma

moeda estrangeira tornou-se o procedimento padrão, principalmente após o

abandono do padrão-ouro e a sua substituição pelo Sistema de Bretton-Woods

em 1946. O Regime de Bretton-Woods se baseava na ancoragem de diversas

moedas ao dólar que, por sua vez, estaria atrelado ao ouro. O Regime de

Bretton-Woods era um regime de câmbio fixo ajustável onde os países podiam

ajustar a paridade de suas moedas ao dólar, em situações específicas como

“grandes desequilíbrios” (EICHENGREEN, 1996). Além da paridade ao dólar, o

regime contava com mais dois “pilares” de sustentação: A criação do Fundo

Monetário Internacional (FMI), com o objetivo de “monitorar” a política dos

países que fosse possivelmente danosa ao sistema e socorrer em caso de

crises, e o controle de capitais.

Com a adoção do regime de Bretton-Woods esperava-se estabilidade de

preços relativos entre as diversas moedas o que, por sua vez, dinamizaria o

comércio internacional e o crescimento no período pós-guerra.

Segundo Eichengreen (1996) dos três pilares do regime apenas um

funcionou conforme o planejado: o controle de capitais. O controle de capitais

permitiu que o sistema funcionasse relativamente bem até meados da década

de 1960 e início da década de 1970. O crescente descontentamento europeu

acerca do regime (que favorecia sobremaneira os Estados Unidos) e o maior

fluxo de capitais, resultante do rápido desenvolvimento dos mercados de

capitais, na década de 1960, foram os motivadores do colapso do regime de

Bretton-Woods em 1973.

Após Bretton-Woods seguiu-se um período de grande instabilidade e

volatilidade das taxas de câmbio, em especial do dólar. Do governo Carter ao

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governo Reagan a moeda americana vivenciou períodos de forte

desvalorização (frente ao marco e ao iene – no período Carter) e alta

valorização no período seguinte, no governo Reagan. Os governos da

Alemanha e Japão insistiam na manutenção da estabilidade do preço da

moeda americana em relação às suas moedas. Entretanto, para o governo

americano, o foco estava em sua política monetária voltada, no primeiro

momento, ao fomento da atividade interna e, no segundo momento, ao controle

da inflação no governo Reagan. O descompasso vivenciado acerca da

coordenação de políticas entre esses países chave (Alemanha, Japão e

Estados Unidos), fizeram com que a Europa, em particular, procurasse

estabilizar as moedas entre seus países membros. Como forma de se proteger

da danosa volatilidade do dólar e fortalecer o comércio na região foi criado um

acordo chamado de “Snake”.

Aos moldes do acordo de Bretton-Woods, o “snake” pressupunha a

paridade entre as moedas europeias em um sistema de câmbio fixo ajustável,

com uma banda de quatro e meio por cento de ajuste. Similar ao papel que o

FMI prestava durante a época do acordo de Bretton-Woods, foi criado o Fundo

Europeu de Cooperação Monetária onde os líderes dos diversos bancos

centrais dos países membros se propunham a monitorar e socorrer possíveis

economias em crise.

Embora previsse uma futura união europeia, o “snake” não obteve muito

êxito. As crises do petróleo e o aumento do preço das commodities atingiram

os países europeus com intensidade diferente (EICHENGREEN, 1996). A falta

de coordenação de políticas entre países como França (mais expansionista) e

Alemanha (mais austera) levou o acordo ao colapso. Aliado a este fato o Fundo

Europeu de Cooperação Monetária não foi suficiente para socorrer países mais

frágeis da crise e, já após a segunda metade da década de 1970, várias

moedas europeias se viram obrigadas a flutuar perante o marco.

A mal sucedida experiência com o “snake” não foi, contudo, inócua. Uma

vez aprendida a lição, a Europa estava pronta para por em prática o Sistema

Monetário Europeu (SME), encabeçado pela França e Alemanha. A Alemanha

(assim como os Estados Unidos em Bretton-Woods) seria o país ofertante da

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moeda âncora cambial, o marco. Os outros países atrelariam sua moeda ao

marco com uma banda de dois e um quarto por cento de variação. Entretanto,

diferentemente do “snake”, o Banco central alemão – Bundesbank faria o papel

de emprestador “ilimitado” de recursos aos países em dificuldades.

Naturalmente, dado o caráter austero da Alemanha e sua preocupação com a

inflação, esta função de emprestador “ilimitado” estava sujeita ao

comprometimento das nações de moedas mais frágeis à manutenção da

estabilidade de preços. O controle de capitais foi introduzido com o intuito de

facilitar o ajuste das taxas de câmbio ao marco e restringir a política monetária

dos países, em especial, os de moeda mais frágil.

Mesmo com toda a experiência acumulada ao longo dos anos, o

Sistema Monetário Europeu não estava imune a crises. Logo no começo da

década de 1980 o governo socialista de François Mitterrand adotou um

conjunto de políticas expansionistas que culminaram com a forte

desvalorização do franco em relação ao marco alemão no começo da década.

O banco central alemão foi obrigado a intervir para socorrer o franco em um

contexto de possível saída da França do SME (EICHENGREEN, 1996). Com o

problema da França superado e com a recuperação econômica mundial, os

anos seguintes foram relativamente tranquilos para o Sistema Monetário

Europeu.

Embora o otimismo se espalhasse por toda a comunidade europeia no

final da década de 1980 e início dos anos 1990, o Sistema Monetário Europeu

enfrentaria, em 1992, a sua pior crise desde o fim do regime “Snake”. Como

forma de enfrentar a concorrência e a perda de produtividade para os Estados

Unidos e Japão, os países membros da comunidade europeia vislumbravam a

união monetária do continente com uma forma eficiente para aumentar a

produtividade via ganhos de escala e escopo (EICHENGREEN, 1996). A união

monetária não ocorreria de imediato, mas durante alguns anos de ajustes e

regras que deveriam ser cumpridas entre os países membros e os que

desejariam juntar-se ao bloco europeu. Dentre as regras a serem cumpridas

estavam a de um histórico de baixa inflação, baixo nível da dívida pública e

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nível da taxa de juros compatível com os outros países do bloco (ditos como

referência).

Uma vez acertados os detalhes, os países buscaram adequar-se aos

padrões impostos para que a união monetária europeia se tornasse realidade e

mantiveram a paridade de suas moedas ao marco alemão. Todavia,

acontecimentos como a união da Alemanha, o fim da guerra fria e a queda da

União Soviética (final da década de 1980 e início da década de 1990) atingiram

os países da comunidade europeia de formas diferentes. O desemprego na

comunidade europeia diferia entre seus países membros forçando os governos

a adotarem políticas contra o desemprego que, por fim, mitigavam as tentativas

de adequação à união monetária através do tratado de Maastricht de 1991. A

falta de coordenação entre as políticas adotadas pelos países europeus aliada

à percepção da fragilidade de alguns governos, em manter a paridade de suas

moedas, segundo o tratado, estimularam uma onda de ataques especulativos

contra diversas moedas do bloco europeu no ano de 1992. Segundo

Eichengreen (1996), a pressão política em alguns países pelo combate ao

desemprego fez com que a opção pelo aumento da taxa de juros fosse muito

onerosa e politicamente danosa. Essa fragilidade dos governos em defender a

paridade da moeda nacional ao marco alemão foi percebida pelo mercado,

ocasionando grandes ataques especulativos que se espalharam por todos os

países da união europeia, no que foi chamada de a crise do Sistema Monetário

Europeu (SME).

Os ataques especulativos durante a crise do SME (1992) ocorreram de

forma rápida e sem qualquer previsibilidade. No ápice da crise muitos países

como a Itália, Portugal, Espanha e Suécia foram obrigados a flutuar suas

moedas em relação ao marco alemão. O caso mais dramático foi o da Suécia

que, em face aos ataques, viu suas reservas “derreterem” de forma alarmante.

O banco central sueco – Riksbank sofreu uma perda equivalente a mais de dez

por cento do PIB sueco em termos de reversas internacionais (marcos) na

defesa da moeda (coroa sueca).

Casos como a fracassada defesa sueca de sua moeda, aliada à

percepção dos mercados da fragilidade dos governos em manter o câmbio fixo

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11

e a falta de coordenação política entre os países, mostraram quão custoso é a

manutenção de um câmbio fixo por um longo prazo.

2.2 Crises do Regime de Câmbio no Período Pós Bretton Woods

O objetivo desta seção é discorrer sobre algumas crises importantes no

período pós Bretton Woods, especificamente, durante a década de 1990.

O estudo destas crises é de fundamental importância para o escopo do

trabalho, pois, ilustram de forma clara os possíveis problemas em se adotar um

regime de câmbio fixo (ou bandas cambiais) em ambiente de crescente

fomento à livre mobilidade de capitais6. É sobre este pano de fundo histórico

que a hipótese deste trabalho está erigida.

Em todas as crises que serão expostas, posteriormente, ataques

especulativos contribuíram para, na maioria dos casos, o abandono do regime

de câmbio vigente e o aprofundamento da crise econômica.

2.2.1 A Crise do Sistema Monetário Europeu (SME)

2.2.1.1 Aspectos Gerais do Sistema Monetário Europeu (SME)

Desde os tempos do padrão-ouro e Bretton Woods, os países europeus

têm buscado a integração monetária e o câmbio fixo, movidos pela bandeira da

estabilidade.

Somente após o fim do acordo de Bretton Woods em 1973 que alguns

países europeus iniciaram um processo de integração que culminaria no

Sistema Monetário Europeu.

Inicialmente a Europa experimentou um sistema de unificação da moeda

chamado “Snake in the Tunnel”7, no início da década de 1970. Neste sistema,

o marco alemão estaria pareado contra o dólar americano em um regime de

bandas cambiais. Com a flutuação do dólar americano em Março de 1973,

inicia-se um processo de divergência entre moedas ditas “fracas” e “fortes”8

6 Note que esta é a hipótese do trabalho. 7 O “Snake in the Tunnel” era um sistema de câmbio 8 São consideradas fortes as moedas da Alemanha e da Holanda, por estes países apresentarem uma política austera de controle inflacionário. Países menos comprometidos, como a Itália, Grécia, etc. corresponderiam às moedas ditas fracas.

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(SKROBISZ, 2005). Esta tentativa fracassou uma vez que os países não

possuíam coordenação econômica e política necessárias para tal objetivo.

Algum tempo após o “Snake in the Tunnel”, a Europa novamente

entraria em um processo de unificação monetária que se chamaria “European

Monetary Sistem” (Sistema Monetário Europeu) ou SME. Ao contrário do

regime anterior, o SME seria composto apenas de membros da comunidade

europeia e gozaria de uma coordenação de políticas muito maior, porém, ainda

insuficiente para evitar a crise de 1992.

A ideia de unificação europeia não surgiu apenas após o fim de Bretton

Woods. Logo após o final da segunda guerra já se cogitava em união europeia

(SKROBISZ, 2005). No final da década de 1960, Pierre Werner (1913 – 2002)9

propôs um relatório em como atingir, até 1980, a unificação monetária na

Europa. Nesta unificação, as moedas deveriam ser totalmente conversíveis,

com câmbio fixo e livre mobilidade de capitais. Embora o relatório previsse a

unificação, ele não tratava com cautela e minúcia os aspectos institucionais de

como essa unificação se daria. O relatório apenas previa um sistema de

bancos centrais que conduziriam as políticas fiscais e monetárias (SKROBISZ,

2005).

O Sistema Monetário Europeu (SME), segundo SKROBISZ (2005), é

composto de dois mecanismos:

• Exchange Rate Mechanism (ERM);

• European Currency Unit (ECU).

O ERM é baseado em um sistema de taxa de câmbio com bandas

cambiais. O ECU se equivale a uma “cesta de moedas” dos países membros.

Cada país membro do SME teria sua moeda atrelada ao ECU. As moedas dos

países membros poderiam oscilar ± 2,25% em relação ao centro da taxa e

países como Itália poderia, inicialmente, oscilar cerca de ± 6,0% em relação ao

centro.

9 Foi ministro das finanças de Luxemburgo em 1953 e primeiro ministro de 1959 a 1974. Foi

precursor do processo de unificação monetária europeia.

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Caso a taxa de câmbio de um país membro oscile e se aproxime de uma

das bandas, o banco central deste país deveria intervir no mercado de câmbio

com o objetivo de assegurar a paridade da moeda.

O Sistema Monetário Europeu funcionou bem até o início dos anos

1990. Em setembro de 1992 toda esta estrutura “pendeu” na balança. As

causas que levaram à crise de 1992 são complexas. Autores como

Eichengreen (2000) discorrem acerca dos possíveis problemas enfrentados

pelos países membros do SME, no ápice da crise em 1992.

Assim como a crise europeia (crise do SME), a década de 1990 foi

repleta de grandes crises ligadas ao regime de câmbio fixo ou sistema de

bandas cambiais. Em 1994, o México enfrentou uma grave crise econômica.

No final da década de 1990 a Ásia e a América Latina enfrentaram, igualmente,

uma grave crise que fez, a exemplo do Brasil, mudar o regime de câmbio para

o câmbio flutuante em 1999.

É notório observar que crises na América Latina eram previsíveis, dada

a maior fragilidade de seu sistema financeiro, menor coordenação de suas

políticas econômicas, grande inflação e governos pouco críveis na manutenção

do sistema como um todo. Entretanto, mesmo os países europeus sendo mais

coordenados, mais críveis e com sistema financeiro mais enraizado e maduro,

sofreram ataques especulativos que fizeram países como a Itália e o Reino

Unido abandonarem o ERM (EICHENGREEN, 2000).

A manutenção de um regime de câmbio fixo ou um regime de bandas é

custosa para qualquer governo. Com o objetivo de atrelar sua moeda a uma

âncora externa e convergir suas economias para àquelas de moeda forte, os

governos devem, a um custo social e econômico, manterem suas taxas de

juros em um nível mais alto. Vale salientar por que os países fizeram isso ou

adotaram tal escolha10. Uma vez que um governo não adotasse políticas de

estabilização da sua moeda, não poderiam participar do Sistema Monetário

Europeu e, com isso, não poderiam aproveitar os louros comerciais que tal

participação lhes traria.

10

Vale salientar que a escolha dos países de participar do SME foi ratificada pelo tratado de Maastricht (assinado em 7 de fevereiro de 1992, na Holanda) que previa, além da unificação monetária, a meta dos países de contenção da inflação e da dívida pública.

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14

2.2.1.2 Fatores que Levaram à Crise

Segundo Eichengreen (2000), o quase colapso completo do sistema se

dá segundo aspectos externos, políticos e econômicos.

Dentre as possíveis causas que levaram o sistema à crise de 1992,

destaca-se a falta de coordenação entre as políticas econômicas dos países

membros. Como exemplo máximo desta falta de coordenação destacam-se a

França e a Alemanha, países centrais no sistema. Mesmo antes da formação

do SME, as visões de ambos os países não poderiam divergir mais.

A França defendia uma unificação monetária baseada no câmbio fixo

entre as moedas como meta inicial (visão Monetarista). O câmbio fixo entre as

moedas levaria à união política entre os países membros e, por fim, à união

monetária. A Alemanha, por outro lado, defendia que a união monetária deveria

passar, inicialmente, por uma “adequação” e convergência entre as economias

dos países membros com o objetivo de garantir, de forma mais sustentável, a

unificação da moeda (visão Economista). Com o tratado de Maastricht, a visão

francesa sobressaiu e a unificação se daria através da convergência entre as

moedas.

Além das disparidades filosóficas entre os países membros, a falta de

coordenação das políticas fiscais e políticas monetárias, tiveram seu papel na

crise. A Alemanha, notoriamente mais austera, aumentava sua taxa de juros

com o objetivo de impedir a contaminação do marco pela inflação e garantir a

estabilidade da moeda. Países como a França e a Espanha11, cujo

desemprego era fator relevante em suas decisões adotavam políticas mais

amenas. Não é de se estranhar que o marco alemão tenha se tornado a moeda

chave ou âncora do sistema. Sua política austera era o exemplo de

estabilidade da moeda e combate à inflação.

No ápice da crise, a manutenção da política restritiva alemã fez com que

países membros do Sistema Monetário Europeu fossem forçados a flutuar sua

moeda e abandonar o ERM. A Itália, por exemplo, era particularmente

11

No ápice da crise, o desemprego na Espanha chegou a espantosos 20%. Tal indicador revelava para o mercado uma incerteza de que este governo conseguiria aumentar a taxa de juros ainda mais e, assim, garantir a paridade de sua moeda (Eichengreen, 2000).

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vulnerável a qualquer crise ou ataque especulativo contra sua moeda. Dona de

uma dívida pública considerável e alta inflação, se comparada à inflação alemã,

a Itália enfrentou fortes ataques especulativos que fizeram a lira abandonar o

sistema.

Os mercados perceberam a fragilidade dos países de “moeda fraca” em

manter a paridade da sua moeda e permanecerem no ERM. O desemprego, a

alta dívida pública e a inflação impediram que os países aumentassem

indefinidamente suas taxas de juros como resposta aos ataques sofridos12. As

reservas internacionais “despencaram”, como o caso da Suécia cuja perda em

suas reservas registrou cerca de 10% de seu PIB (EICHENGREEN, 2000) em

seis dias durante o mês de novembro de 1992. O aumento da taxa de juros na

Alemanha durante a crise foi o “golpe de misericórdia”.

É muito difícil dizer se essa crise poderia ser evitada uma vez que não

se pode voltar ao passado e reescrever a história. Entretanto, a falta de

coordenação de políticas fez com que países divergissem em seus

fundamentos macroeconômicos13, necessários no processo de unificação

monetária. O fracasso em suas tentativas de alinhamento político-econômico

aliadas a não cooperação alemã demostraram para o mercado (especuladores)

a fragilidade da manutenção do ERM.

Em seu texto, Eichengreen (2000) discute o motivo pelo qual a

Alemanha manteve sua política austera de aumento da taxa de juros, mesmo a

contragosto dos seus parceiros do bloco econômico europeu. Inicialmente vale

lembrar que o Bundesbank (banco central alemão) é independente das

decisões do governo, ou seja, mesmo que o governo alemão seja pressionado

acerca de uma política mais frouxa em relação à taxa de juros, o banco central

possui total autonomia e, sendo assim, pode continuar com sua política de

contenção da inflação.

12

O aumento da taxa de juros, como resposta à crise e aos ataques especulativos, é especialmente danoso quando se trata de governos com alto desemprego e dívida pública. O aumento da taxa de juros eleva ainda mais o desemprego, reduzindo o crescimento econômico, fazendo com que a opinião pública fique insustentável. 13

Entende-se por fundamentos macroeconômicos a inflação, a dívida pública e o aumento da competitividade da indústria nacional.

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Outro fato histórico importante interferiu nas decisões do governo

alemão e, sobretudo, na sua autoridade monetária. Com o final da década de

1980, a Alemanha passou pelo processo de unificação com a queda do muro

de Berlim. Tal acontecimento provocou um grande impacto na economia

alemã. Em um curtíssimo período de tempo, os gastos com infraestrutura e o

crescente aumento do consumo pressionaram a demanda agregada forçando

para cima os preços domésticos dos bens e serviços (EICHENGREEN, 2000).

Com o objetivo de manter a estabilidade da moeda frente a este aumento da

demanda agregada, no que ficou conhecido como o “Choque da Unificação

Alemã”, o Bundesbank se viu obrigado a um aperto monetário.

Percebe-se que vários fatores contribuíram para o agravamento da crise

de 1992. Embora muitos possam alegar a falta de coordenação política e

econômica como a principal causa, é importante notar que o choque da

unificação também teve seu papel. Aliado a estes fatores, com o objetivo de se

formar um mercado único de capitais foi instituído, em 1986, o “Single Market

Agreement” que previa a remoção de barreiras ao fluxo de capitais. Mal se

sabia, na época, que durante a crise de 1992 essa remoção de barreiras

facilitaria a fuga de capitais e perda de reservas, agravando ainda mais a

situação dos governos de moeda fraca, frente às ondas de ataques

especulativos.

Os ataques aconteceram, pois, o mercado anteviu a fragilidade dos

governos. Em um ambiente de livre mobilidade de capitais e com um governo

não crível acerca da sua capacidade de manutenção do câmbio fixo, as

expectativas de lucro cresceram muito, tornando os ataques factíveis e

frequentes como observados pela história.

2.2.2 Crise Asiática

2.2.2.1 Características da Crise Asiática

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A crise do sudeste asiático é notória por seu caráter de imprevisibilidade

e contágio, além de que, atingiu as economias mais crescentes no mundo,

naquela época, até então (RADELET e SACHS, 2000).

Quando se fala em crise no sudeste asiático é importante salientar os

cinco países que foram o palco deste episódio. Destacam-se, portanto, a

Tailândia, a Coreia do Sul, a Malásia, Filipinas e Indonésia. A crise de 1997

atingiu esses países com intensidades diferentes. O país que mais sofreu com

a crise asiática foi, sem dúvidas, a Indonésia com uma redução em seu PIB da

ordem de 15% após o recrudescimento da crise (CANUTO, 2000).

O que chamou a atenção dos economistas e analistas acerca da crise

asiática foi o caráter de imprevisibilidade. Até as vésperas da crise tanto as

agências de “rating” quando os analistas de mercado e, inclusive, o FMI não

conseguiram antever os efeitos desastrosos que se seguiriam a partir da

segunda metade de 1997. Muitas instituições financeiras e não financeiras

eram avaliadas com baixo risco de crédito momentos antes de se encontrarem

em sérios problemas de solvência. Mesmo o FMI, o mais cauteloso de todos,

avaliava a situação asiática, antes da crise, com certo receito e cuidado,

porém, jamais acenando para uma crise ou algo do tipo (RADELET e SACHS,

2000).

Muitos autores tentam avaliar os motivos que fizeram desta crise algo

tão imprevisível. Muitos autores como Radelet e Sachs (2000) e Canuto (2000)

atribuem esta característica ao fato de serem, até o momento, economias que

batiam recordes de crescimento no mundo e, além do mais, apresentavam

bons fundamentos macroeconômicos e baixos níveis de endividamento público.

Outra característica relevante observada durante da turbulência asiática,

levantada pela literatura, foi o rápido contágio da região após o estouro da

crise. Uma vez que o pânico se instalou entre os agentes do mercado, a crise

logo se espalhou pelas cinco economias e seus arredores, com efeitos

desastrosos tanto no âmbito financeiro quanto no âmbito da economia real.

Radelet e Sachs (2000) se referem a este episódio como sendo uma

“crise do sucesso”. A própria situação econômica dos “tigres” asiáticos (como

eram chamados na época) atrelada com baixos níveis de endividamento

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público, liberalização dos fluxos de capitais e modernização do mercado

financeiro atraíram volumes significativos de capitais internacionais vindos dos

Estados Unidos, Europa e Japão.

Grandes bancos comerciais e instituições não financeiras das

economias desenvolvidas (onde as taxas de juros eram baixas) vislumbravam

grandes oportunidades de diversificarem as suas carteiras de investimento e,

com isto, auferirem lucros nos países do sudeste asiático (CANUTO, 2000).

Uma vez que os riscos eram baixos (como avaliados pelas agências de

avaliação de risco) e havia maior liberdade de fluxo de capitais, os

investimentos cresceram de forma vertiginosa. Segundo Radelet e Sachs

(2000) o fluxo de capitais para o sudeste asiático cresceu de 1,4% do PIB da

região, em média, no período de 1986-1990 para 6,7% do PIB da região, em

média, no período seguinte de 1990-1996.

Esses maciços investimentos iam desde investimentos diretos

estrangeiros (IDE) de caráter produtivo até investimentos em portfolio, com

caráter mais especulativo. Embora os investimentos em portfolio sejam mais

instáveis, dado o seu caráter volátil, eles dominaram os investimentos diretos

em grande parte do período anterior à crise, despencando, posteriormente, ao

amadurecimento desta.

Grande parte dos investimentos estrangeiros, captados pelas economias

do sudeste asiático, tinha como destino o setor privado com emprego,

inclusive, no desenvolvimento do setor imobiliário (RADELET e SACHS, 2000).

Empresas financeiras (bancos) e não financeiras captavam recursos externos,

principalmente, de grandes bancos comerciais europeus, japoneses e

americanos, através de títulos de dívida de curto prazo.

Anteriormente à crise, o grande fluxo de capitais e a forte liquidez

impulsionaram a economia local e o desenvolvimento, via crédito abundante,

da região.

2.2.2.2 O Aprofundamento da Crise

O ambiente externo e interno favorável impulsionou o otimismo dos

mercados até segunda metade de 1997. Até então, o fluxo de capitais externos

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dinamizava e movimentava a economia e o desenvolvimento local. As agências

de “rating” e analistas avaliavam positivamente as condições do mercado e a

saúde aparente de suas instituições.

Embora todo o otimismo, segundo Radelet e Sachs (2000), as

economias da região mostravam alguns indícios de risco crescente que foram,

contudo, totalmente ignorados pelo mercado e pelos analistas.

O excesso de fluxo de capitais estrangeiros gerou grandes déficits em

transações correntes nos cinco países descritos no início desta seção, bem

como, contribuiu para uma queda gradativa da competitividade externa em se

tratando do comércio internacional. Além do mais, o risco de crédito das

instituições aumentara sobremaneira uma vez que a captação de recursos se

dava via títulos de dívida de curto prazo, entretanto, o período de maturação

dos investimentos era de médio e longo prazo.

Fora o risco de crédito de instituições financeiras e não financeiras,

descrito acima, os governos destes cinco países fixaram sua moeda ao dólar

americano, com maior ou menor rigor no controle da taxa de câmbio,

dependendo de cada país. O câmbio fixo ao dólar gerou, além do risco de

crédito, um risco cambial às instituições. Como os recursos vinham do exterior

e financiavam investimentos domésticos, o passivo das instituições era em

dólar, porém, seus ativos na moeda local (CANUTO, 2000).

Inicialmente, a tentativa de fixar a moeda ao dólar americano, adotada

pelos cinco países mais envolvidos durante a crise, no sudeste asiático, teve

seu impacto positivo em fomentar o grande fluxo de capitais estrangeiros. A

paridade das moedas ao dólar eliminava possíveis riscos cambiais e garantia,

num primeiro momento, maior estabilidade da moeda e combate à inflação.

Estes fatores influenciaram fundamentalmente o ingresso de capitais nas

economias do sudeste asiático. Contudo, às vésperas da crise, a tentativa dos

governos em manter a paridade de suas moedas e o câmbio fixo em si,

mostraram-se fatores de aumento dos riscos e aprofundamento da crise.

Embora, como visto acima, estas situações e riscos expusessem certa

fragilidade do sistema financeiro destes países, não são, em si, motivos para o

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desencadeamento de uma crise nas proporções que se seguiu, a partir da

segunda metade de 1997.

Muitos autores concordam que os riscos enfrentados pelos países às

vésperas da crise, não são condições suficientes para desencadeá-la.

Contudo, buscam fatores que, segundo a literatura, podem desencadear uma

crise de confiança com efeitos adversos em cada país. Os riscos são, portanto,

fatores que podem agravar esta crise de desconfiança ou, como Radelet e

Sachs (2000) se referiram: “Pânico Financeiro”.

Foi o pânico financeiro que deu à crise asiática de 1997-1998 seu

caráter contagioso. O exemplo mais ilustre da crise causada pelo contágio,

através do pânico, foi o caso da Indonésia. Como descreve Radelet e Sachs

(2000), apesar da sua boa situação macroeconômica, a Indonésia enfrentou

uma grande reversão em seus fluxos de capitais, bem como, grande queda em

suas reservas internacionais. Esta situação adversa se deu por conta do pânico

que se instalou entre os investidores estrangeiros, conforme a crise na região

se aprofundava.

Contudo, a crise asiática teve como cerne uma crise de confiança do

mercado acerca da capacidade de seus devedores de fazerem frente ao

volume de capital investido.

Segundo Radelet e Sachs (2000) falências como a da empresa coreana

Hanbo Steel em 1997 (com uma dívida de seis bilhões de dólares) aliadas com

a ajuda do Banco da Tailândia (da ordem de oito bilhões de dólares), para

socorrer instituições em dificuldades, foram o gatilho da crise provocando

grande stress, pânico e desconfiança do mercado quanto à saúde das

economias do sudeste asiático. O crescente stress dos mercados em conjunto

com exportações menos vigorosas, fizeram os especuladores atacarem o

câmbio destes países, antevendo o colapso do regime atrelado ao dólar.

Em poucos meses os cincos países observaram uma abrupta reversão

em seus fluxos externos de capitais, o completo esgotamento das linhas de

crédito internacionais, a suspensão dos empréstimos bancários e a grave

queda em suas reservas internacionais. Tal contração financeira logo se

espalharia pela economia real, comprimindo o crédito, o consumo e o

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investimento produtivo. Entre 1996 e 1997 o sudeste asiático experimentou

uma reversão nos fluxos de capitais equivalente a US$ 105 bilhões (11% do

PIB da região) (CANUTO, 2000).

Os credores, movidos pelo medo de não receberem seu capital

investido, anteciparam o resgate de seus títulos e os preços das ações

despencaram em todas as bolsas da região. Bancos comerciais interromperam

projetos de investimentos domésticos antevendo um maior risco de “default”,

de inúmeras empresas que se tornariam, momentos depois, insolventes. A

liquidez do sistema financeiro simplesmente desapareceu. Para as empresas

em dificuldades financeiras a obtenção de empréstimos e de capital de giro se

tornara cada vez mais escassa. Além destes fatores, a possível desvalorização

da moeda doméstica e, consequentemente, o aumento da demanda por

divisas, inclusive através de ataques especulativos, faziam as reservas

internacionais “derreterem” em poucos meses.

Segundo Canuto (2000), ainda existiram alguns fatores externos que

contribuíram para o agravamento da crise. Estes fatores não explicam a crise

em si, porém, contribuíram para o seu aprofundamento. A crise econômica do

Japão contribuiu para a diminuição do volume de exportação de bens e

serviços desta região do globo. Aliado a isto, têm-se uma maior competição

das exportações chinesas que ganhavam, cada vez mais, o mercado

consumidor norte-americano. Contribuindo ainda para uma maior perda de

competividade no comércio internacional, a apreciação do dólar sobrevalorizou

as moedas dos países mais atingidos do sudeste asiático (via o regime de

câmbio fixo) (CANUTO, 2000).

Independentemente de causas internas ou externas, a crise asiática

mostra como um ambiente favorável logo se torna caótico, com fuga em massa

de capitais e queda abrupta na liquidez. A livre mobilidade de capitais permite

que grandes somas de divisas entrem e saiam dos países em poucas horas.

Qualquer ameaça que cause pânico entre os investidores pode desencadear

crises profundas, tais como, a descrita acima. Quando um país fixa sua moeda

a uma âncora cambial, a crise pode se tornar ainda mais grave, permitindo

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ondas de ataques especulativos contra a moeda e queda abrupta das reservas

internacionais.

Mais uma vez a lição da crise asiática demonstra como, em um

ambiente adverso e de livre mobilidade de capitais, é oneroso e difícil um

governo manter um regime de câmbio fixo no curto prazo.

2.2.3 A Crise do Real (Brasil 1999)

2.2.3.1 Aspectos Gerais

A crise sofrida pelo Brasil no início de 1999 culminou com o abandono

do regime de câmbio, vigente até então, pela autoridade monetária. Alguns

fatores e aspectos são relevantes e merecem consideração quando se

pretende analisar, sem uma pretensão ambiciosa, o que foi esta turbulência.

A globalização dos anos 1990 permitiu maior liberdade do fluxo de

capitais no mundo, fazendo com que grandes “Hedge Funds” internacionais

buscassem, em economias em desenvolvimento, oportunidades de lucros

extraordinários. A relativa estabilidade da economia brasileira conquistada,

recentemente, através do plano real (1994) e a adoção de altas taxas de juros,

permitiam que os grandes fundos de investimento viessem para o Brasil, em

sua maioria, na forma de capital especulativo (investimento em carteira).

Aliado a estes fatos, o desenvolvimento do mercado de capitais interno e

o advento dos títulos de derivativos, nos mercados futuros, potencializavam os

ganhos dos investidores. Segundo Farhi (2001), o advento dos títulos de

derivativos proporcionavam vultosos ganhos aos investidores, dado o alto nível

de alavancagem permitida por este tido de aplicação. Utilizando-se de títulos

de derivativos, muitas instituições se expunham a valores muitas vezes

superiores ao seu próprio patrimônio. Ainda, segundo Farhi (2001), da mesma

forma que os ganhos são grandes, em momentos de volatilidade do mercado

as perdas podem ser insuportáveis.

Em momentos de instabilidade financeira ou pânico, o mercado de

derivativos se comporta de forma peculiar. Para que sejam negociados tais

títulos no mercado futuro, é necessária a divergência de expectativas dos

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23

agentes. Como durante uma crise as expectativas convergem, percebe-se,

todavia, baixo nível de negociação no mercado de derivativos (FAHRI, 2001).

Do ponto de vista dos especuladores, o contrato de derivativos se

apresentou como uma nova forma de fazer frente ao regime de bandas

cambiais adotado pelo Brasil antes da crise (1999). Como, segundo a lei

brasileira, o comprador do contrato futuro de derivativos não necessita, ao

vencimento deste, entregar a mercadoria física, os especuladores, portanto,

poderiam atacar a moeda com um forte nível de alavancagem sem, contudo,

terem que desembolsar grandes somas de recursos.

Foi neste ínterim que a autoridade monetária se viu, no início de 1999,

frente a uma forte saída de divisas e ataques contra a moeda (real) que

obrigaram o banco central a recuar da sua posição de emprestador de recursos

de última instância.

Obviamente, esses ataques não foram motivados apenas pelas

oportunidades de vultosos ganhos. A partir do plano Real, a economia

brasileira vivenciou um longo período de crescentes déficits em sua balança

comercial e aumento da fragilidade externa, através da necessidade de

constantes refinanciamentos da dívida (PAULA, ALVES JUNIOR, 1999). Estes

desequilíbrios externos, motivados por uma taxa de câmbio incompatível,

promovem no mercado uma descrença quanto à capacidade do governo em

manter o regime e motivam os especuladores quanto ao provável sucesso de

um ataque contra a moeda.

2.2.3.2 A Crise do Real e o Abandono do Regime

A crise mexicana (1994-1995) e a crise asiática (1997-1998) provocaram

ecos que perduraram até a crise brasileira de 1999. Durante estes dois

episódios o Brasil e outros países da América Latina sofreram ataques contra

seus regimes de câmbio. Em ambos os casos, a autoridade monetária

conseguiu defender o regime por apresentar um bom nível de reservas

internacionais, bem como, grande entrada de capitais estrangeiros (FAHRI,

2001). Foi após a crise da moratória russa (1998) que a situação se complicou.

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Segundo Fahri (2001), as consecutivas crises elevaram tanto a demanda

por divisas, quanto as dúvidas dos investidores em relação ao poder do Banco

Central em manter o regime. Além do mais, em momentos de crise, o

abandono de posições com alto risco cambial se torna imperativo e os agentes

anseiam em trocar seus títulos e moeda doméstica por divisas.

Instituições que estavam alavancadas em posições de risco, sensíveis à

variação cambial, tentavam, via mercado de derivativos, reduzir seus riscos em

operações de “hedge”. Por outro lado, especuladores vislumbravam a iminente

queda do regime e apostavam fortemente na desvalorização da moeda. Para

tal, mantinham alavancadas posições compradas em títulos derivativos de

câmbio. Neste ponto é interessante observar que, segundo PAULA e JUNIOR

(1999), o grau de fragilidade de uma economia está atrelado ao perfil das

instituições que compõem esta economia. Este perfil pode ser caracterizado

como “hedge”, especulador ou “Ponzi”. A diferença entre os perfis das

instituições é a sua capacidade de fazer frente às obrigações, mediante

choques econômicos, tais como, variações nas taxas de juros e câmbio. O

perfil “hedge” refletiria as instituições mais sólidas e preparadas para uma

provável crise, enquanto que, no outro extremo, as instituições com perfil

“Ponzi” seriam aquelas mais vulneráveis, ou seja, com menor capacidade de

fazer frente às suas obrigações em momentos de desajustes econômicos. A

alta exposição de várias instituições brasileiras e o alto grau de alavancagem,

vivenciado durante a crise de 1999, as classificaria, segundo PAULA e JUNIOR

(1999), como sendo especulativas ou “Ponzi”, aumentando assim, a

vulnerabilidade da economia como um todo.

Com o intuito de proteger a moeda, a única alternativa para o Banco

Central do Brasil (Bacen) era fazer a outra ponta da história no mercado futuro.

Para acalmar o mercado, o Bacen manteve forte posição vendida, garantindo

assim liquidez no mercado futuro. Fora o mercado futuro, para proteger a

moeda, o Banco Central abriu mão de uma parte de suas reversas com o

objetivo de vender divisas no mercado à vista. Outro mecanismo usado para

garantir a defesa foi o aumento da taxa de juros e a emissão de títulos de

dívida atrelados ao dólar. Embora o Bacen tentasse defender o regime, via

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aumento da dívida pública, a confiança na instituição já estava abalada. Isto

fica evidenciado pelo aumento no volume dos títulos públicos indexados ao

dólar. Já no início de 1999, 21% da dívida pública estava atrelada aos títulos

indexados à moeda norte-americana (CARDOSO, 2001).

Segundo Fahri (2001), a vantagem do Banco Central em operar a defesa

do regime no mercado futuro é que não era necessária uma redução nas

reservas internacionais (as operações eram feitas em reais). Entretanto, a

posição vendida no mercado futuro causava prejuízos às contas da instituição.

As flutuações das reservas internacionais e da taxa de juros, durante

este período de incertezas, podem ser observadas pela figura abaixo:

Figura 2.1: Oscilações das taxas de juros e das reservas internacionais do

Brasil (set. 1998 – jul. 1999):

Fonte: Banco Central do Brasil (Bacen), 2013. TBC: Taxa básica de juros do Bacen. Percebe-se (figura 2.1) uma persistente queda das reservas

internacionais a partir do final de 1998 e início de 1999. Este fato está

acompanhado da crescente deterioração das expectativas dos agentes quanto

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Taxa Básica de Juros e Nível de Reservas

Taxas de Juros (% TBC

a.a.)

Reservas Internacionais

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à economia brasileira e quanto ao futuro do regime de câmbio, potencializados

pela recente moratória russa.

A crítica de entidades patronais brasileiras ao regime de câmbio e

rumores quanto à saída do, então presidente de Banco Central, Gustavo

Franco, causaram pânico no mercado e fizeram com que a autoridade

monetária adotasse o regime de “Banda Diagonal Exógena”14 (no dia 13 de

janeiro de 1999). Entretanto, apenas dois dias após, o Brasil já tinha perdido,

segundo Fahri (2001), cerca de US$ 3,92 bilhões em fuga de capitais e

ataques especulativos contra o real.

Em 15 de janeiro de 1999 o Banco Central oficializou sua saída do

mercado futuro e o abandono definitivo da defesa do regime de bandas

cambiais deixando, portanto, o real flutuar frente às imensas pressões e

ataques especulativos contra o regime de bandas. Segundo CARDOSO (2001),

de 15 de janeiro de 1999 até o final de fevereiro, o real já havia se

desvalorizado em mais de 35%. Neste contexto, a taxa de câmbio sofreu uma

forte oscilação como mostra a figura abaixo:

Figura 2.2: Oscilações nas taxas de câmbio, Brasil (set. 1998 – jul. 1999):

Fonte: Banco Central do Brasil (Bacen), 2013.

14 O regime de banda diagonal endógena teve duração efêmera na economia brasileira. Neste regime o Banco Central ampliaria as bandas de oscilação do câmbio e as alteraria a cada três dias úteis.

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Com o abandono do regime pela autoridade monetária, fica evidenciada

a forte desvalorização do câmbio (figura 2.2) a partir da segunda metade do

mês de janeiro de 1999.

Embora tenha sido traumático o abandono do Banco Central do regime

de bandas cambiais, o mercado mostrou sinais de aceitação do novo regime de

câmbio flutuante. A saída de divisas recuou, bem como, as bolsas subiram ao

redor do mundo (FAHRI, 2001).

O caso brasileiro assim como os outros descritos nesta seção ilustram o

papel das crises, das mudanças de expectativas e o risco em se manter a

paridade da moeda doméstica com uma âncora cambial. Ataques

especulativos geram pânico e forçam os governos a reduzirem suas reservas

internacionais. Como estratégia de defesa a autoridade monetária se vê

obrigada a tomar medidas de política monetária amplamente criticada pelo

resto da sociedade.

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3. REFERENCIAL TEÓRICO

Na realização de um jogo sequencial entre o Banco Central e os

especuladores, a dinâmica decorre da interação sequenciada entre os ataques,

por parte dos especuladores, e as respostas da autoridade monetária em

relação aos ataques e a conduta da política monetária.

O elemento importante é que a autoridade monetária anuncia

procedimentos a serem executados com vistas à eliminação dos efeitos dos

ataques sobre o comportamento do câmbio.

Em um regime de câmbio fixo, portanto, não se pode esperar um

comportamento passivo dos agentes privados, principalmente quando

oportunidades de realização de lucros são crescentes.

Neste capítulo será discutido o arcabouço teórico básico da Teoria dos

Jogos, bem como, alguns regimes de câmbio adotado pelos países ao longo da

história.

3.1 Regimes de Câmbio

Como visto anteriormente, países que fixam suas taxas de câmbio

expõem a sua moeda a ataques especulativos. Embora os economistas sejam

cientes dos danos causados pelos ataques especulativos, ainda existe muita

divergência acerca da escolha do regime de câmbio a ser adotado por um país.

Trabalhos como o de Bordo (2003) fazem referência a diversas formas de se

operar o câmbio. Segundo citação feita no trabalho de Bordo (2003), Frankel

(1999) expõe várias formas de regime de câmbio que vão desde o câmbio fixo

propriamente dito até o câmbio flutuante livre, passando por estágios

intermediários, conforme verifica-se abaixo:

Tabela 3.1: Diversos regimes de câmbio:

CÂMBIO FIXO NÍVEL INTERMEDIÁRIO CÂMBIO FLUTUANTE

União monetária Conselho monetário

Câmbio realmente fixo

Câmbio ajustável Minidesvalorização Cesta de moedas Regime de bandas

Flutuação suja Flutuação livre

Fonte: Frankel (1999).

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Na união monetária países adotam uma mesma moeda entre si, como o

caso da zona do euro. No Conselho monetário, a autoridade monetária mantém

reservas em moeda estrangeira equivalente a 100% da base monetária de tal

sorte que, uma expansão da base monetária só se dá caso aumente as

reservas em moeda estrangeira (BORDO, 2003). Na dolarização (tendo a

Argentina como exemplo) a moeda nacional é substituída pela moeda

estrangeira (o dólar). Neste regime o país abre mão totalmente do controle da

política monetária.

Figurando no nível intermediário tem-se o exemplo do câmbio ajustável,

o regime de minidesvalorizações, o regime de cestas de moeda onde a moeda

nacional é comparada frente a uma média entre uma cesta de moedas e o

regime de bandas cambiais onde a autoridade monetária faz intervenções

assim que a taxa de câmbio atinja certos limites pré-estabelecidos (adotado

durante os anos do regime de Bretton-Woods e SME).

No nível de câmbio flutuante tem-se a flutuação suja onde a autoridade

monetária intervém no câmbio vez ou outra e a flutuação livre onde o câmbio é

inteiramente determinado pelas forças de mercado (BORDO, 2003).

Independentemente do tipo de regime adotado em um país (se fixo ou

flutuante ou intermediário) prós e contras são levantados por economistas

céticos e defensores de um regime ou outro.

Os defensores do câmbio fixo justificam o seu uso sob a bandeira da

estabilidade e dedicação, por parte do governo, com a manutenção dos níveis

de preços (controle da inflação). Além do mais, a estabilidade do câmbio

favorece o comércio internacional mitigando qualquer possibilidade de

desajustes e incertezas advindos da flutuação. Os céticos deste regime

atribuem o agravamento das diversas crises financeiras sofridas ao longo do

tempo ao regime de câmbio fixo, dada a sua exposição a ataques

especulativos, motivados pela oportunidade de ganhos frente à

maxidesvalorização da moeda nacional. Além do mais, países que adotam este

regime abrem mão do uso mais efetivo da política monetária (OBSTFELD e

ROGOFF, 1995) em momentos de crise em detrimento do controle e

manutenção da taxa de câmbio.

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Para os defensores do câmbio flutuante, as crises financeiras são

amenizadas em detrimento ao câmbio fixo, uma vez que as taxas de câmbio se

acomodam mais suavemente e, com isso, o efeito é minimizado. Além do mais,

países que adotam o regime de câmbio flexível possuem mais autonomia para

usarem a política monetária com o objetivo de estimular a demanda interna ou

mesmo controlar a inflação.

Os possíveis efeitos danosos do câmbio flutuante como a instabilidade e

a falta de previsibilidade (como argumentam os céticos desse regime) não

foram observados. Além do mais, percebeu-se que em países que adotaram o

câmbio flutuante, após um período de adaptação, a taxa de câmbio oscilou

menos (convergiu para um equilíbrio) que em países que utilizaram o câmbio

fixo ou variações dele (EICHENGREEN, 1996).

Embora a maioria dos países tenha optado, mais recentemente, pela

adoção do câmbio flutuante, ou variações dele, muitos países ainda possuem o

que Reinhart (2000) chama de “medo de flutuar”. Ou seja, alguns países dizem

possuírem câmbio flutuante, entretanto, segundo observações feitas acerca

das variações de suas reservas internacionais, comportamento das taxas de

juros (doméstica e internacional) e variação da taxa nominal de câmbio, de fato

são países que ainda possuem medo de flutuar sua taxa de câmbio no sentido

que os Estados Unidos o fazem, intervindo constantemente (REINHART,

2000). Esse “medo de flutuar” tem raízes em diversos fatores. Em momentos

de crise, os países impedem que o câmbio flutue com medo dos efeitos

inflacionários advindos desse fenômeno, do contrário, estes países impedem

que o câmbio se valorize temendo queda na competitividade de seus produtos

no mercado externo. A esses problemas Reinhart (2000) chamou de

“problemas de credibilidade”.

Quer os países adotem um regime de câmbio fixo ou flutuante, ou

mesmo, possuam o “medo de flutuar”, uma valorosa lição pode-se tirar acerca

da busca dos países pela manutenção do câmbio fixo. Em um ambiente de

pouco controle de capital é extremamente difícil manter a paridade da moeda a

uma âncora nominal. Esta dificuldade se dá pelo simples fato de expor a

moeda a ataques especulativos. Embora regimes de câmbio fixo tenham

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mostrado períodos de calmaria, como o regime de Bretton-Woods (até meados

dos anos 1960 e início dos anos 1970), com controle de capitais, os regimes de

câmbio fixo não perduram por um longo tempo.

Sobre o alicerce da hipótese da não longevidade dos regimes de câmbio

fixo, a teoria dos jogos se mostra como uma ferramenta capaz de modelar os

ataques especulativos contra a moeda, vivenciado por diversos países em

diversas crises financeiras ao longo da história.

Na literatura econômica poucos trabalhos visaram explicar os ataques

especulativos sobre moedas em regimes de câmbio fixo sob o arcabouço da

Teoria dos Jogos. Grier e Lin (2009) propuseram um modelo que considera o

comportamento estratégico dos conluios e dos oligopólios, ao provocarem

ataques especulativos contra a moeda e as possíveis reações do governo,

como sendo um jogo com informação incompleta15.

3.2 Aspectos Gerais da Teoria dos Jogos

3.2.1 Aspectos Históricos da Teoria dos Jogos

O modelo que será desenvolvido neste presente trabalho está alicerçado

sobre os pilares da Teoria dos Jogos. Embora os teóricos discordem acerca do

fundador da Teoria dos Jogos, pode-se claramente afirmar que o seu

desenvolvimento e criação contribuiu enormemente para o desenvolvimento de

ciências sociais como a Economia e a Administração.

Alguns teóricos creditam o surgimento da teoria dos jogos ao

matemático francês Antoine Augustin Cournot (1801-1877) e seu famoso

modelo de duopólio onde duas empresas, agindo de forma coordenada e

racional, decidem acerca das suas quantidades de produção visando a

maximização de lucros. Outros teóricos adversos creditam a origem da teoria

dos jogos ao matemático húngaro John von Neumann (1903-1957) em sua

obra: “Zur Theorie der Gesellschaftsspiele” (Mathematische Annalen 100, 295-

320). Mais tarde, em 1944, com a coautoria do economista alemão Oskar

15

A definição de informação incompleta, na Teoria dos Jogos, será comentada brevemente, neste capítulo.

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Morgenstern (1902-1977) o livro “The Theory of Games and Economic

Behavior” solidificou as bases do estudo da teoria dos jogos com soma zero.

Inicialmente, a característica predominante nos jogos era a “soma zero”

ou jogos de soma zero. Neste tipo de jogo um jogador ganha enquanto o outro

perde. Embora muitos jogos possam ser descritos segundo a característica de

soma zero, em Economia e outras ciências sociais, não necessariamente os

jogos se comportam dessa maneira. Neste ínterim o matemático norte-

americano John F. Nash Jr. (1928 - ), o economista húngaro John C. Harsanyi

(1920-2000) e o economista e matemático alemão Reinhard Selten (1930 - )

tiveram contribuições extremamente valorosas para o desenvolvimento da

teoria dos jogos muito além dos jogos de soma zero.

Os conceitos de equilíbrio de Nash, de informação incompleta de

Harsanyi e equilíbrio perfeito em subjogos de Selten renderam-lhes o prêmio

Nobel de economia em 1994.

Embora alguns possam pensar que a Teoria dos Jogos possui pouca

relação com a Economia ou áreas afins da ciência, a sua aplicabilidade e

utilidade nestas ciências é inestimável.

A Teoria dos Jogos se aplica onde quer que haja comportamento

estratégico ou decisões estratégicas16. Em Economia, por exemplo, podem-se

citar vários fenômenos onde as decisões estratégicas possuem um papel de

destaque. No que tange à Economia Internacional pode-se descrever, por

intermédio de um jogo, a decisão de uma empresa em abrir uma filial

(multinacional) em outro país; na Microeconomia têm-se os casos clássicos de

duopólio de Bertrand e de Cournot que envolvem estratégias de preço e

quantidades, respectivamente; na Organização Industrial podem-se citar as

estratégias de empresas que visam aumentar seu poder de mercado, etc.

Em todos os casos citados acima a Teoria dos Jogos se faz presente e é

uma ferramenta útil na análise das situações e descrição de possíveis

resultados lógicos. Como diz Fiani (2009): “A Teoria dos Jogos ajuda a

16

Entende-se por decisões estratégicas toda decisão tomada por um agente que possui impacto na decisão que será tomada por outro agente.

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entender teoricamente o processo de decisão de agentes que interagem entre

si, a partir da compreensão da lógica da situação em que estão envolvidos”.

O princípio da racionalidade também é extremamente importante para a

interpretação dos jogos. Todo comportamento estratégico, modelado pela

teoria dos jogos, tem como cerne a tomada de estratégias baseadas na

racionalidade dos jogadores. Todo jogador escolhe suas ações, motivados pela

maximização de ganhos ao final do jogo e não o contrário. Situações de

comportamento não racional17 não são consideradas no escopo deste trabalho.

Embora a Teoria dos Jogos seja uma ferramenta importante e consiga

facilitar a compreensão dos fenômenos que envolvem decisões estratégicas, é

fundamental afirmar que os jogos são representados através de modelos.

Esses modelos são simplificações da realidade (invariavelmente muito

complexa) na qual o jogo está inserido. Todavia, enquanto alguns aspectos do

jogo devem ser salientados, outros devem ser descartados. A previsibilidade do

jogo está intimamente ligada aos fatores que julgamos relevantes e aos que

julgamos desnecessários. Caso fatores relevantes sejam descartados ou

fatores desnecessários sejam levados em conta, o poder de explicação e

análise do jogo fica comprometido.

“A análise de qualquer jogo ou situação de conflito deve se iniciar com a especificação de um modelo que descreva o jogo. Assim, a forma ou a estrutura geral dos modelos que utilizarmos para descrever jogos deve ser cuidadosamente considerada. Uma estrutura de modelo que seja simples demais pode forçar a ignorar aspectos vitais dos jogos reais que desejamos estudar. Uma estrutura de modelo excessivamente complicada pode impedir nossa análise, obscurecendo as questões essenciais.” (Myerson 1991)18

Fica evidenciada, doravante, a importância da correta adequação do

modelo de jogo ao comportamento estratégico que se deseja descrever. Com

base nesta afirmação é salutar perceber que a teria dos Jogos não fornece um

modelo único, que prevê todos os possíveis resultados de um comportamento

estratégico, do contrário, cada jogo possui características próprias e seguem

diferentes modelagens de jogos. 17

Considera-se como comportamento não racional o fato dos agentes tomarem decisões, que não visam ou não garantam a melhor resposta possível ao final do jogo. 18 MYERSON, R.B. “Game Theory: Analysis of Conflict. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1991, p. 37.

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3.2.2 Representação dos Jogos

Uma vez que o jogo é definido deve-se modelá-lo de forma a tornar sua

compreensão mais fácil. Os jogos podem ser descritos através da forma

estratégica (forma normal) ou da forma estendida.

3.2.2.1 Forma Estratégica (Normal)

Para exemplificar a representação de um jogo em sua forma estratégica,

imagine a seguinte situação:

• Jogo um: Uma dupla de criminosos foi capturada pela polícia após indícios de

terem realizado um roubo, em uma loja de jóias. Durante o interrogatório, os

dois criminosos são colocados em locais diferentes, de modo que um não sabe

qual será a decisão do outro. O detetive deseja que eles confessem a autoria

do crime. Para que tal objetivo seja alcançado, ele garante, a cada um,

separadamente, que se confessarem o crime, a pena será reduzida para um

ano de cadeia. Caso apenas um criminoso confesse a autoria do crime, o outro

será liberado e o criminoso que confessou pegará uma pena de dez anos de

cadeia. Caso os dois não confessem, ficarão presos por três anos segundo a

legislação local e devido a provas circunstanciais.

A situação descrita acima é um jogo famoso na literatura da teoria dos

jogos19. Fica clara a interação estratégica entre os agentes, ou seja, a decisão

de um impacta nos ganhos do outro. A representação estratégica do jogo

acima deverá conter todos os possíveis ganhos ou recompensas, que os

jogadores podem ter, segundo o conjunto de estratégicas que tomarão no

decorrer do jogo. Logo, com este objetivo, a forma estratégica de representá-lo

é a seguinte:

Tabela 3.2: Forma estratégica do jogo dos criminosos (jogo um):

Criminoso 2 Criminoso 1 Confessa Não Confessa Confessa (1,1) (10,0)

Não Confessa (0,10) (3,3)

19 Na literatura este jogo é dito como o dilema do prisioneiro. Neste tipo de jogo, o equilíbrio não é Pareto ótimo, ou seja, não é o melhor resultado social para todos os jogadores envolvidos.

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Os números entre parênteses (tabela 3.2) correspondem aos ganhos de

cada jogador, respectivamente. O primeiro número corresponde ao ganho20 do

primeiro jogador (criminoso um) e, da mesma forma, o segundo número ao do

segundo. As ações disponíveis para ambos os jogadores é confessa ou não

confessa o crime.

Esta forma de representação do jogo descreve, de forma explícita, os

ganhos de cada jogador ao final das estratégias tomadas.

3.2.2.2 Forma Estendida

Outra forma para representar um jogo é a forma estendida. Esta forma

de representação é mais indicada para jogos sequenciais, embora, jogos

simultâneos também possam ser descritos por esta forma.

Com o objetivo de descrever o jogo em sua forma estendida, segue-se o

exemplo abaixo:

• Jogo dois: Imagine uma empresa multinacional que deseja desenvolver parte

da sua produção de refrigerantes em outro país. Chamaremos essa empresa

de FreshSabor. O conjunto de ações disponíveis para esta empresa é

externalizar a produção ou não externalizar a sua produção. Caso decida

externalizar, a Freshsabor aumentará os lucros, pois, aumentará seu mercado

consumidor e se beneficiará por uma mão-de-obra mais barata no país

estrangeiro. Caso ela decida não externalizar, esta obterá o lucro de vendas

apenas no mercado doméstico de seu país sede. Entretanto, no país

estrangeiro existe uma empresa chamada DoceVida. Caso a FreshSabor

decisa externalizar, a DoceVida poderá retalhar a provável concorrente

aumentando a sua produção. Se a DoceVida aumentar a produção, como

forma de retalhar a possível concorrente, esta terá um custo maior e verá seu

lucro diminuir. Entretanto, caso não retalhe, perderá grande parte de seu

mercado consumidor para a concorrente. Logo, o conjunto de ações da

empresa DoceVida é aumentar ou não a sua produção. Imagine que a

empresa DoceVida irá decidir se aumenta ou não a sua produção após a

decisão da FreshSabor. O lucro de ambas as empresas (recompensas),

20 Os ganhos ou recompensas dos jogadores são descritos, na literatura da teoria dos jogos, como “pay-offs”.

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dependente de suas ações e estratégias, serão representados na forma

estendida do jogo.

O jogo descrito acima pode ser representado sob a forma estendida da

seguinte maneira:

Esquema 3.1: Forma estendida do jogo do comércio internacional (jogo dois):

*Recompensas (lucro) expressas em milhões de dólares.

É importante entender o significado dos nós decisórios deste tipo de

representação. Os nós decisórios são representados pelas circunferências

pretas. Eles se referem ao momento do jogo onde cada jogador deverá

escolher uma ação de um conjunto de ações possíveis. As setas representam

a ação efetivamente tomada e, ao final, o par de recompensas de cada

jogador, entre parênteses, na sua respectiva ordem.

A forma estendida de representar o jogo é adequada a jogos

sequenciais, pois, desta maneira, fica clara a ordem21 em que cada jogador

deverá escolher suas ações e os resultados advindos destas escolhas.

21

Existe um componente temporal na forma estendida de representar os jogos. Esta ordenação de ações faz com que os jogos sequenciais sejam bem representados pela forma estendida.

Externaliza

Aumenta

FreshSabor

DoceVida

(2,4)*

Não-Externaliza

Não-Aumenta

DoceVida

Aumenta

Não-Aumenta

(10,2)

(1,3)

(1,5)

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37

3.2.3 Jogos Simultâneos e Jogos Sequenciais

Na literatura acerca da teoria dos jogos é comum a separação dos jogos

em dois tipos básicos: Os jogos Simultâneos e os Jogos Sequenciais.

3.2.3.1 Jogos Simultâneos

Os jogos simultâneos são bem comuns na teoria dos jogos. Nos jogos

simultâneos, os jogadores devem escolher suas ações, de um conjunto

possível de ações, sem saber qual foi a ação adotada pelos outros jogadores

participantes do jogo. Neste ínterim, o jogador não conhece a história do jogo

(informação imperfeita)22 ou, da mesma forma, deve adotar uma ação no

mesmo instante em que o outro adota a sua.

O exemplo clássico deste tipo de jogo é o descrito pelo jogo um (tabela

3.2), na seção anterior. Aquele jogo é um jogo simultâneo, na medida em que,

um criminoso deveria confessar ou não o crime sem saber qual foi a ação

adotada pelo outro criminoso (estavam em salas diferentes de interrogatório).

Embora o jogo simultâneo descreva bem algumas interações

estratégicas, é o jogo sequencial que mais se adapta a algumas situações

relevantes observadas em ciências como a Economia, a Política, o Comércio

Internacional e na arte da guerra.

3.2.3.2 Jogos Sequenciais

Do contrário dos jogos simultâneos, os jogos sequenciais são definidos

pela ordenação em que os jogadores tomam suas ações e formam suas

estratégias. Pode-se observar, claramente, este tipo de descrição no jogo dois

(esquema 3.1) da seção anterior. Naquele jogo, a empresa DoceVida deveria

decidir se aumenta ou não sua produção tendo pleno conhecimento da ação

tomada pela sua concorrente (informação perfeita)23, a empresa FreshSabor24.

Contudo, vale lembrar, que jogos simultâneos também podem ser descritos pela forma estendida, bem como, jogos sequenciais podem ser descritos pela forma estratégica. 22 Um jogo é dito de informação imperfeita quando os jogadores não sabem a história do jogo, ou seja, não sabem em que nó decisório eles estão. Neste tipo de jogo os jogadores não conhecem as ações tomadas pelos outros jogadores. 23 Ao contrário de um jogo de informação imperfeita, em um jogo de informação perfeita considera que os jogadores sabem, com certeza, em que nó decisório eles estão, ou seja, os jogadores conhecem toda a história do jogo até então.

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38

Ou seja, a DoceVida sabe, no momento em que deverá tomar uma de suas

possíveis ações, qual foi a ação tomada pela sua concorrente, anteriormente.

Esta forma de representar o jogo muda totalmente os possíveis resultados,

uma vez que, as estratégias da DoceVida são condicionadas às estratégias

anteriores da FreshSabor.

Neste tipo de jogo é importante diferenciar os conceitos de ação e

estratégia. Nos jogos simultâneos, a ação que cada jogador deve tomar

equivale a sua estratégia, uma vez que cada jogador pode escolher a sua ação

(ou estratégia) apenas uma vez. Entretanto, nos jogos sequencias, a estratégia

que cada jogador pode tomar corresponde a um conjunto de ações,

condicionadas às estratégias adotadas pelos outros jogadores, anteriormente

no jogo.

3.2.4 Conceito de Subjogo e Conjunto de Informação

Outros conceitos fundamentais presentes na teoria dos jogos são os

conceitos de conjunto de informação e subjogo.

Em um jogo sequencial, podemos definir vários subjogos a partir de um

jogo principal. Segundo Fiani (2009), um subjogo representa todos os possíveis

desdobramentos de um jogo, em que se verificam interações estratégicas entre

os jogadores. O conhecimento do conceito de subjogo é fundamental para o

entendimento do equilíbrio de Nash perfeito em subjogos. O equilíbrio de Nash

perfeito em subjogo é um aprimoramento do equilíbrio de Nash (em jogos

simultâneos) para os jogos sequenciais.

Logo, considera-se como subjogo toda e qualquer parte de um jogo que

deva, segundo Fiani (2009), seguir as seguintes propriedades:

• O subjogo sempre se inicia em apenas um nó decisório;

• O subjogo deve conter todos os nós seguintes ao nó inicial;

• O subjogo deve conter todos os nós de um mesmo conjunto de informação.

Antes que o conceito de subjogo possa ser exemplificado, vale definir o

conceito de conjunto de informação.

24 Vale lembrar que as ações possíveis da empresa FreshSabor são: externaliza ou não sua produção.

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39

Conjunto de informação corresponde ao conjunto de nós decisórios onde

um jogador acredita que alcançou, em uma dada etapa do jogo. O conjunto de

informação pode conter apenas um nó decisório (conjunto de informação

unitário) ou mais de um nó. Ainda segundo Bierman e Fernandez (2011), um

conjunto de informação é um conjunto de nós, dos quais, os jogadores não

conseguem distinguir em que nó eles estão (caso o conjunto de informação

não seja unitário).

O conceito de conjunto de informação é fundamental quando queremos

expressar jogos simultâneos na forma estendida.

Seguindo o modelo do conceito de subjogo, o conceito de conjunto de

informação também deve seguir algumas regras, segundo Bierman e

Fernandez (2011):

• Todos os nós de um conjunto de informação só podem pertencer a um único

jogador;

• Nós decisórios antecessores e predecessores não podem pertencer a um

mesmo conjunto de informações;

• Os nós decisórios contidos em um conjunto de informação devem permitir o

mesmo conjunto de ações ao jogador.

Uma vez definidos os conceito de subjogo e conjunto de informação,

com um propósito didático, vale representá-los como se segue:

Esquema 3.2: Representação dos subjogos do jogo de comércio internacional:

*Recompensas (lucro) expressas em milhões de dólares.

Externaliza

Aumenta

FreshSabor

DoceVida

(2,4)*

Não-Externaliza

Não-Aumenta

DoceVida

Aumenta

Não-Aumenta

(10,2)

(1,3)

(1,5)

Subjogo 1

Subjogo 2

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40

Percebe-se, pela figura acima (esquema 3.2), que o jogo do comércio

internacional pode ser subdivido em dois subjogos distintos, cada um contendo

seus nós decisórios.

Ainda utilizando-se como exemplo o jogo do comércio internacional, para

representar o conceito de conjunto de informação, uma pequena mudança

deve ser realizada. Imagine agora, que a empresa DoceVida deve escolher se

aumenta ou não sua produção sem saber qual foi a decisão anterior da

FreshSabor. Este é um tipo clássico de jogo simultâneo ou jogo sequencial

com informação imperfeita. Para representar essa falta de informação da

empresa DoceVida, devemos utilizar o conceito de conjunto de informação da

seguinte forma:

Esquema 3.3: Representação do conceito de conjunto de informação, para o

jogo do comércio internacional, onde a empresa DoceVida possui informação

imperfeita:

*Recompensas (lucro) expressas em milhões de dólares.

Percebe-se, pela figura acima (esquema 3.3), que a empresa DoceVida

não sabe em que nó decisório está, ou seja, ela não sabe qual foi a decisão

Externaliza

Aumenta

FreshSabor

DoceVida

(2,4)*

Não-Externaliza

Não-Aumenta

DoceVida

Aumenta

Não-Aumenta

(10,2)

(1,3)

(1,5)

Conjunto de Informação

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41

anterior da empresa FreshSabor25. Isto fica claro, uma vez que o conjunto de

informação da empresa DoceVida contém os seus dois nós de decisão do jogo.

3.2.5 Jogos com Informação Completa e Incompleta

Dentre os principais tipos de jogos ou modelos têm-se os jogos com

informação completa e os jogos com informação incompleta. Cada tipo de jogo

se adequa a um comportamento estratégico em particular e é baseado no

comportamento racional dos agentes.

O comportamento estratégico dos especuladores, ao provocarem os

ataques contra a moeda e as possíveis reações do governo, pode ser descrito

ou representado como sendo um jogo com informação incompleta. Como

dizem Grier e Lin (2009): “In this paper, we argue that an interest rate defense

during speculative attacks can be well modeled as a war of attrition game

between speculators and the government under asymmetric information”26.

Diferentemente dos jogos com informação completa27, nos jogos com

informação incompleta os jogadores não possuem total informação do perfil

uns dos outros e, tão pouco, conhecem as estratégicas que serão adotadas

pelos seus adversários, bem como suas recompensas (FIANI, 2009). Neste

caso, a estratégia de um jogador (i) dependerá da “crença” deste acerca do

perfil dos outros. Sendo assim, existirá uma probabilidade (p�� de que um

comportamento seja adotado e uma probabilidade (1 � p�� de que outros

comportamentos sejam adotados pelos outros jogadores.

Os resultados (“pay-offs”) do jogo com informação incompleta

dependerão, todavia, das probabilidades p� e (1 � p��.

25 O conceito de conjunto de informação é fundamental na descrição de um jogo simultâneo pela forma estendida. O jogo do comércio internacional, representado pelo esquema três, é um jogo sequencial com informação imperfeita, porém, poderia ser, naturalmente, encarado como um jogo sequencial onde um jogador deve tomar uma decisão, sem saber qual foi a decisão tomada pelos outros jogadores. 26 GRIER, K.; LIN, S. Speculative Attacks and Defenses as Wars of Attrition: Theory and an Example. June - 2005 p. 1. 27 São ditos jogos com informação completa aqueles onde os jogadores conhecem as recompensas uns dos outros, ou seja, cada jogador conhece o perfil do outro, uma vez que este perfil está atrelado às recompensas ganhas ao final do jogo.

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42

3.2.6 O Conceito de Equilíbrio de Nash

Em qualquer jogo os participantes escolhem o perfil de estratégias28 que,

sobre suas crenças, lhes proporcionará o melhor resultado possível, dado o

conjunto de estratégias escolhido pelos outros jogadores. É neste ínterim, que

se deseja saber que estratégias levarão o jogador à melhor resposta possível,

dado as escolhas dos outros participantes do jogo.

Na intenção de descobrir, portanto, qual é a solução mais “estável” para

um jogo, John Nash (1928 - ) desenvolveu o que, a posteriori, se chamaria de

equilíbrio de Nash.

Apesar da importância do conceito do equilíbrio de Nash para a teoria

dos jogos, este foi ampliado e modificado por outros teóricos importantes como

John C. Harsanyi (1920-2000), com sua teoria sobre o equilíbrio Nash-

Bayesiano e o economista e matemático alemão Reinhard Selten (1930 - ) com

o conceito de equilíbrio de Nash perfeito em subjogos.

Na seção posterior o conceito de equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo

será discutido brevemente. Vale salientar que este conceito é o mais

importante para o escopo deste trabalho, no que diz respeito à modelagem

proposta dos ataques especulativos.

3.3 Equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo

Do mesmo modo que se obtém o equilíbrio de Nash em jogos

simultâneos, pode-se também obter o equilíbrio em jogos sequenciais com

informação completa.

Uma vez que os jogos são sequenciais, a decisão de um jogador está

condicionada a ação de outro imediatamente anterior. Em muitos casos, alguns

equilíbrios de Nash se tornam incoerentes (nas situações onde existam mais

de um equilíbrio). Para corrigir este problema e adotar um equilíbrio único e

coerente, Reinhard Selten (1930 - ) propôs o conceito de equilíbrio de Nash

perfeito em subjogos.

28 Considera-se perfil de estratégias o conjunto de estratégias adotado pelo jogador durante o jogo.

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43

Um equilíbrio de Nash será perfeito em subjogo se ele representar um

equilíbrio não apenas no jogo, como um todo, mas também constituir um

equilíbrio em todos os subjogos que compõem o jogo inteiro.

Em ordem de se obter o equilíbrio de Nash perfeito em subjogo,

considera-se o caso do jogo dois (esquema 3.1): jogo do comércio

internacional.

Esquema 3.4: Jogo sequencial com informação perfeita do comércio

internacional:

*Recompensas (lucro) expressas em milhões de dólares.

Percebe-se, pela figura acima (esquema 3.4), a divisão do jogo principal

em dois subjogos próprios distintos.

Com o objetivo de calcular o equilíbrio de Nash perfeito em subjogos,

transcreve-se o jogo, da forma estendida para a forma estratégica conforme

tabela abaixo:

Tabela 3.3: Representação estratégica do jogo do comércio internacional com

informação perfeita.

DoceVida FreshSabor

aumenta, aumenta

aumenta, não aumenta

não aumenta, aumenta

não aumenta, não aumenta

externaliza (2,4)* (2,4) (10,2) (10,2) não externaliza (1,3) (1,5) (1,3) (1,5)

*Recompensas (lucro) expressas em milhões de dólares.

Externaliza

Aumenta

FreshSabor

DoceVida

(2,4)*

Não-Externaliza

Não-Aumenta

DoceVida

Aumenta

Não-Aumenta

(10,2)

(1,3)

(1,5)

Subjogo 1

Subjogo 2

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44

Os dados da tabela acima (tabela 3.3) representam todas as possíveis

combinações estratégicas dos dois jogadores e suas possíveis recompensas.

De posse desses dados, calcula-se o equilíbrio de Nash do jogo.

Tabela 3.4: Cálculo do equilíbrio de Nash do jogo do comércio internacional

com informação perfeita.

DoceVida FreshSabor

aumenta, aumenta

aumenta, não aumenta

não aumenta, aumenta

não aumenta, não aumenta

externaliza x (2,4)* x x (2,4) x x (10,2) x (10,2) não externaliza (1,3) (1,5) x (1,3) (1,5) x

*Recompensas (lucro) expressas em milhões de dólares.

Vê-se, conforme a tabela acima, que existem dois equilíbrios de Nash

que correspondem aos seguintes conjuntos de estratégias:

• Estratégia um: (externaliza; aumenta, aumenta);

• Estratégia dois: (externaliza; aumenta, não aumenta).

Cabe descobrir se os dois equilíbrios de Nash são, também, equilíbrios

de Nash em cada um dos subjogos deste jogo.

Para descobrirmos se estes dois equilíbrios são, efetivamente,

equilíbrios perfeitos em subjogos, devemos utilizar o método da indução

reversa29 analisando a forma extensa do jogo.

Inicialmente, considera-se o segundo subjogo (esquema 3.4). Fica claro

que se a empresa FreshSabor adotar a estratégia “não externaliza”, a melhor

opção para a empresa DoceVida é “não aumentar” a sua produção. Isso faz

com que o equilíbrio (externaliza; aumenta, aumenta) seja um equilíbrio de

Nash do jogo como um todo, porém, não é um equilíbrio no segundo subjogo.

Isto faz com que este equilíbrio não seja um equilíbrio de Nash perfeito em

subjogo. O único equilíbrio, portanto, que é também um equilíbrio de Nash

perfeito em subjogo é: (externaliza; aumenta, não aumenta).

Logo, o equilíbrio deste jogo sequencial com informação perfeita

(equilíbrio de Nash perfeito em subjogo) será a estratégia em que a empresa

29 O método da indução reversa é uma forma de olhar os equilíbrios de trás para frente, ou seja, a partir do nó decisório terminal (recompensas) até o nó decisório inicial do jogo.

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FreshSabor irá externalizar a sua produção e a empresa DoceVida irá

aumentar a sua produção, caso a FreshSabor externalize, e não aumentará a

sua produção, caso a FreshSabor não externalize.

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4. MODELAGEM E DISCUSSÃO

O objetivo deste trabalho é provar a hipótese de que o câmbio fixo, em

um ambiente de livre mobilidade de capitais, não se mantém no longo prazo.

Para tal, foi desenvolvido um modelo de ataque especulativo, apresentado

neste capítulo, e baseado na Teoria dos Jogos. Nos capítulos precedentes

verificou-se que, historicamente, os países que decidiram adotar tal regime,

sofreram com ondas de ataques especulativos que os forçaram a abandonar o

regime e a flutuarem suas moedas.

O jogo, como será determinado a partir de agora, será composto,

portanto, de dois jogadores principais:

• Jogador 1 (i = 1): O especulador;

• Jogador 2 (i = 2): O governo, no caso, a autoridade monetária (Banco

Central).

O especulador é representado pelos agentes do mercado como

empresas, bancos, entre outros, que vislumbram a possibilidade de lucros

elevados mediante uma desvalorização da moeda nacional, atrelada a uma

âncora cambial em um regime de câmbio fixo ou de bandas cambiais.

O governo é representado pela autoridade monetária, ou banco central

do país, que irá, segundo suas possibilidades, defender ou não o regime de

câmbio contra os ataques.

O jogo apresentado é um jogo simples, como uma repetição, ou seja,

dado que o especulador (jogador um) ataque, o governo irá defender ou não

sua moeda.

O especulador irá atacar segundo sua expectativa de lucro que

depende, contudo, do abando do regime pelo banco central. Do lado do banco

central, a estratégia de defesa é custosa uma vez que para defender sua

moeda este deverá elevar a taxa de juros doméstica. O poder de defesa do

governo está atrelado a quão crível este será em defender sua moeda e o

quanto está disposto a arcar com os custos da defesa.

É importante ressaltar que a estratégia de defesa do câmbio, baseado

no aumento da taxa de juros, não garante o sucesso da manutenção do regime

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de câmbio. Casos como o da Suécia, descrito em capítulos anteriores, ilustram

como o aumento da taxa básica de juros (cerca de 500%) não impediu que a

moeda sueca desvalorizasse, dada a onda de ataques especulativos. Contudo,

este trabalho considerará a elevação da taxa básica de juros, como sendo a

estratégia adotada pelos governos em defesa da moeda.

4.1 Os Jogadores

4.1.1 Os Especuladores

O lucro do especulador depende, sobremaneira, da ação adotada pelo

banco central. Caso o banco central defenda a moeda, o especulador incorrerá

em um prejuízo. Caso o banco central decida abandonar o regime, o

especulador lucrará pelo diferencial de taxa de câmbio.

A função de lucro do especulador irá, portanto, depender da

desvalorização da moeda nacional em relação a uma âncora cambial, ou seja,

ao abandono do câmbio fixo e à flutuação da moeda de modo que:

Π� � K� � �K� (4.1)

A equação (4.1) reflete o lucro do especulador após o ataque sendo que:

Π� = Lucro do especulador “i” que depende da ação adotada pelo banco

central;

K� = Volume de capital empregado pelo especulador (i) durante o ataque;

= É a taxa nominal de câmbio “ex-post” após a ação do banco central e sua

política de defesa da moeda;

� = É a taxa nominal de câmbio paga por unidade de moeda estrangeira

futura.

O ataque realizado pelos especuladores se dá pela compra de moeda

estrangeira futura (pelo volume de capital K�), atrelada a uma taxa de câmbio

futura “�” na data inicial. Espera-se uma desvalorização da moeda no período

entre a data presente e a data do vencimento do contrato futuro de câmbio.

Uma vez que o governo abandone sua defesa da moeda, a taxa “ex-post” (�

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48

aumentará, proporcionando um lucro efetivo aos especuladores por meio do

diferencial entre as taxas de câmbio.

Portanto, a taxa de câmbio “ex-post” (� dependerá das ações do banco

central envolvido no jogo. Caso o banco central abandone sua política de

defesa, o câmbio flutuará fazendo com que a taxa presente e “ex-post” divirjam.

Caso o governo decida defender a moeda, a política de defesa fará com que a

taxa de câmbio presente e futura não divirjam (ou o valor da taxa “ex-post”

fique menor que a taxa presente), anulando assim os ganhos extraordinários

dos especuladores (ou induzindo-os a prejuízos).

Este trabalho considerará o caso de “overshooting” da taxa de câmbio.

Neste caso, a defesa da moeda pelo banco central pode provocar uma queda

da taxa de câmbio além do valor inicial fixado pelo especulador, na data

presente, no momento do ataque. Caso isto ocorra, o especulador incorrerá em

prejuízos advindos do ataque à moeda.

4.1.2 O Banco Central

A função da autoridade monetária, por sua vez, é manter o sistema de

câmbio fixo30 defendendo a moeda contra os ataques. Tomando como exemplo

a União Europeia, é importante para um governo manter o regime de câmbio

em nome da estabilidade de sua moeda, imagem do país no exterior e

benefícios comerciais advindos da estabilidade econômica.

Durante um ataque especulativo contra a moeda, o banco central irá

decidir se intervém no mercado, em resposta ao ataque, ou, simplesmente,

abandonará o regime deixando a moeda flutuar. Caso a autoridade monetária

intervenha, esta fará aumentando a taxa de juros da economia31.

O aumento da taxa de juros não só proporciona uma entrada maior de

divisas (mais liberdade do governo em promover a sua política cambial) como

aumenta o custo de oportunidade do especulador em manter o ataque.

30

Ou o regime de bandas cambiais. 31

Este trabalho considera o aumento da taxa básica de juros como sendo, de modo simplificado, a única estratégia a ser adotada pela autoridade monetária durante o ataque.

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49

Entretanto, esta estratégia de defesa da moeda adotada pelos governos

tem um custo. O custo de defender a moeda através do aumento dos juros tem

impacto econômico, social e político.

Como no caso da crise do SME (1992), os governos possuem

tolerâncias diferentes ao aumento contínuo das taxas de juros como resposta

aos ataques. Com base nessas diferenças podem-se traçar perfis distintos que

a autoridade monetária pode assumir. Abaixo seguem os tipos de perfis

diferentes para a autoridade monetária, segundo a crença do mercado:

• Tipo Crível (T�): Quando o banco central demonstra ao mercado que irá

defender sua moeda contra qualquer ataque e possui estrutura para isso.

Além do mais, este tipo de banco central pode suportar períodos maiores

de altas taxas de juros;

• Tipo Não Crível (T��): Quando o banco central demonstra fragilidade ao

mercado de que irá manter sua política de defesa da moeda. Este tipo de

banco central não consegue defender por muito tempo o regime e não

suporta muito tempo o aumento contínuo das taxas de juros.

Para o mercado, a probabilidade do banco central ser crível ou não

depende de uma série de fundamentos macroeconômicos, dentre os quais se

destacam:

• O nível de inflação (�);

• O nível da dívida pública (DP)32;

• O desemprego (D);

• O nível de reservas internacionais em moeda forte (R�);

• A competitividade da indústria nacional33.

Logo, de acordo com os fundamentos macroeconômicos e sinalizações

do próprio banco central, os agentes do mercado (possíveis especuladores)

32

O nível da dívida pública (DP) é considerado como a dívida de um país em termos do seu produto interno (relação dívida-PIB). 33

A competitividade da indústria nacional está atrelada ao nível de inflação (bem como a taxa de câmbio), uma vez que a inflação doméstica altera o nível de preços relativos com os bens produzidos no exterior.

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formulação suas crenças (probabilidades) acerca do tipo do banco central em

questão. Estas crenças e probabilidades dirão, aos agentes do mercado, se ele

será crível ou não em sua estratégia de defesa do regime de câmbio (antes do

ataque propriamente dito). Para os especuladores a chance do banco central

adotar uma ação de defesa ou não da moeda, depende do tipo de autoridade

monetária que ele, especulador, imagina enfrentar.

Governos com alta inflação, baixo volume de reservas internacionais,

alto desemprego, alto volume de dívida pública e baixa competitividade

mostram-se, ao mercado, mais frágeis e, portanto, menos críveis de que irão

defender sua moeda por um longo tempo e aguentar os custos de se manter

uma taxa de juros mais alta. Neste caso, como evidenciado pela história, os

ataques serão frequentes. Caso contrário, o governo dará sinais claros de que

pode defender sua moeda contra qualquer ataque (governo do tipo crível) e

possui fundamentos para isso. Neste ínterim, o risco de perda para o

especulador é maior e, portanto, os ataques tem menor probabilidade de

ocorrência.

O custo do governo34 em se manter o regime pode ser dado pela

seguinte função:

C���Δn� � α � β����Δn�� (4.2)

Δn � n � n�, n n� (4.3)

Onde:

n = Taxa de juros após o ataque como estratégia de defesa do governo;

n� = Taxa de juros inicial, antes do ataque;

α = Constante que reflete o custo natural do governo em se manter o regime; e,

�� = Constante que reflete a sensibilidade do custo de cada tipo diferente de

governo, em relação a variações nas taxas de juros.

A função custo do governo, equação (4.2), é descrita por uma função

quadrática em relação à variação da taxa de juros. Isto se deve ao fato de que

34 É importante perceber que a função custo do governo, neste modelo, reflete o custo político e econômico do governo em manter o regime de câmbio fixo. Este custo não tem relação com o custo de investimento público e custeio.

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os custos do governo crescem a taxas crescentes, à medida que o governo

aumenta a taxa de juros para defender sua moeda. Assim temos:

!����"#�

!"# 0,

!%����"#�

!"#% 0 (4.4)

4.2 O Jogo na Forma Sequencial

Uma vez descrito os comportamentos dos dois jogadores e as funções

relevantes, pode-se representar este jogo sequencial em sua forma estendida.

O primeiro jogador (especuladores) irá decidir se ataca ou não, mediante

sua expectativa de lucro e sua crença acerca do suposto tipo de banco central.

Do outro lado, dado o ataque, o banco central (segundo jogador) decidirá se

mantém ou flexibiliza a taxa de câmbio. Nestes termos, segue o esquema do

jogo:

Esquema 4.1: Jogo sequencial de ataque especulativo na forma estendida:

Dada a figura acima (esquema 4.1), percebe-se que o tipo de banco

central é definido pela natureza (pseudo-jogador). O especulador, ao fazer o

seu ataque, não sabe exatamente que tipo de banco central irá enfrentar (o

Especulador

Banco Central

Banco Central

Banco Central

Banco Central

Natureza

Tipo Crível (T�)

Tipo Não-Crível (T��)

Ataca

Ataca

Não Ataca

Não Ataca

Especulador

Mantém

Mantém

Flexibiliza

Flexibiliza

Mantém

Mantém

C

Flexibiliza

Flexibiliza

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especulador possui apenas uma probabilidade acerca do tipo de banco central

que está enfrentando), mesmo que este sinalize para o mercado. Isto é

verificado pelo conjunto de informação35 C, descrito no esquema acima.

4.3 Cálculo das Recompensas dos Jogadores

Segundo as funções de lucro do especulador (equação 4.1) e custo do

governo (equação 4.2), podemos simular as recompensas para cada jogador.

Para achar o equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo do jogo descrito

nas seções anteriores, serão utilizados dados referentes à economia Brasileira,

fornecidos pelo Banco Central do Brasil (ver Anexo A), no período em que o

real ficou suscetível aos ataques especulativos de 1999.

Consideram-se duas datas aleatórias (do conjunto de dados extraídos

do Banco Central), conforme a tabela abaixo:

Tabela 4.1: Dados da economia brasileira no período de dois meses:

Data Taxa de Câmbio Nominal

Taxa de Juros36 (% a.a.)

Reservas Internacionais (US$ Bilhões)

05/01/1999 1,2077 29,00 44 05/03/1999 1,9926 44,92 34

Fonte: Banco Central do Brasil (Bacen).

Com os dados da tabela (4.1) pode-se calibrar o modelo com o objetivo

de calcular o equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo.

4.3.1 Calibragem das Recompensas do Especulador

Com o objetivo de se calcular a recompensa do especulador, serão

atribuídos os seguintes valores às variáveis:

• K� � 10 bilhões de dólares (valor hipotético);

• � � 1,2077;

35 Conjunto de informação é um conjunto de nós decisórios onde o jogador acredita estar antes de efetuar uma ação possível no jogo. 36

Observa-se que mesmo com o aumento da taxa de juros o câmbio não conseguiu se manter, considerando-se o caso brasileiro. Isto ilustra que a defesa do câmbio baseado no aumento da taxa e juros é um recurso importante, porém não suficiente na defesa da moeda.

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• � 1,9926 (caso a autoridade monetária abandone o regime);

• � 1,1877 (caso a autoridade monetária mantenha o regime)37.

Com base nesses valores e na equação do lucro do especulador,

equação (4.1), podem-se descrever as recompensas do especulador conforme

tabela abaixo:

Tabela 4.2: Valores calibrados das recompensas dos especuladores:

Especulador Banco Central Mantém Flexibiliza

Ataca - 0,20* 7,85 Não ataca 0 0

*Valores em bilhões de reais.

4.3.2 Calibragem das Recompensas do Banco Central

Analogamente ao caso anterior, a calibragem das recompensas do

banco central segue a seguinte atribuição de valores hipotéticos abaixo:

• α = 10;

• β�� � 0,6;

• β�+� � 0,838;

• Δn � 15,92 (caso o banco central mantenha a taxa nominal de câmbio);

• Δn � 0 (caso o banco central abandone o regime de câmbio fixo).

Com os valores hipotéticos acima e a equação do custo do governo

(equação 4.2) pode-se calcular as recompensas da autoridade monetária, no

jogo do ataque especulativo, dados os seus perfis.

Tabela 4.3: Valores calibrados das recompensas do banco central (tipo crível):

Especulador Banco Central Mantém Flexibiliza

Ataca -162,07* -10 Não ataca -10 -10

*Valores negativos, pois reflete o custo do banco central em manter o regime.

37

Considera-se < � no caso onde a autoridade monetária mantenha o regime como efeito de um possível “overshooting” na taxa de câmbio, resultado da política de defenda da moeda. 38

Considerou-se β�+� > β��, neste modelo, pelo fato de um governo, considerado não crível pelo mercado, sentir maior impacto de uma política de aumento dos juros na defesa da moeda, do que um país considerado crível (com fundamentos macroeconômicos mais sólidos).

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54

Tabela 4.4: Valores calibrados das recompensas do banco central (não crível):

Especulador Banco Central Mantém Flexibiliza

Ataca -212,76* -10 Não ataca -10 -10

*Valores negativos, pois reflete o custo do banco central em manter o regime.

4.3.3 Cálculo do Equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo

Com os valores das recompensas calculados (através da simulação),

pode-se reescrever a forma estendida jogo e, com isto, calcular o equilíbrio de

Nash Perfeito em Subjogo.

Para tal, observa-se, novamente, o esquema abaixo:

Esquema 4.2: Recompensas do jogo sequencial de ataque especulativo na

forma estendida

Pelo esquema descrito acima (esquema 4.2) pode-se calcular o

equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogo. Para tal, aplica-se a metodologia da

indução reversa.

Especulador

Banco Central

Banco Central

Banco Central

Banco Central

Natureza

Tipo Crível (T�)

Tipo Não-Crível (T��)

Ataca

Ataca

Não Ataca

Não Ataca

Especulador

Mantém

Mantém

Flexibiliza

Flexibiliza

Mantém

Mantém

C

Flexibiliza

Flexibiliza

(-0,20; -162,07)

(7,85; -10)

(0; -10)

(0; -10)

(0; -10)

(0; -10)

(7,85; -10)

(-0,20; -212,76)

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55

Independentemente do tipo de banco central que o especulador acredita

estar enfrentando, o resultado é o mesmo uma vez que existe uma simetria

entre os valores das recompensas. Neste caso, considera-se o caso onde o

mercado acredita que a autoridade monetária é crível e, portanto, tem maior

chance de defender a moeda contra os ataques.

Utilizando-se a metodologia da indução reversa percebe-se que, dado

que o especulador ataque, a melhor resposta do banco central é flexibilizar.

Conjuntamente, caso o especulador não ataque, o banco central é indiferente

entre manter e flexibilizar o regime. Nesta mesma lógica, dado que a melhor

resposta do banco central é flexibilizar, a melhor resposta do especulador será

atacar a moeda.

Com isto, o equilíbrio do Nash Perfeito em Subjogo conterá o seguinte

conjunto de ações: o especulador sempre atacará e o banco central sempre

flexibilizará o regime. Como o jogo só possui um subjogo, o equilíbrio deste

subjogo é o próprio equilíbrio do jogo como um todo, ou seja, é o equilíbrio de

Nash Perfeito em Subjogo.

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56

5. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Mesmo antes do acordo de Bretton Woods, com o padrão ouro, a

adoção de regimes cambiais baseados em uma âncora tem sido

frequentemente almejada pelos mais diversos países. O controle da inflação, a

estabilidade econômica e os ganhos comerciais baseados na produtividade,

advindos da constância dos preços relativos, fazem com que a adoção do

câmbio fixo seja implementada sem ressalvas. Entretanto, casos icônicos como

a crise do SME (1992), a grande crise do sudeste asiático (1997) e a crise

financeira, no final da década de 1990, que assolou os países da América

Latina, tem demonstrado que manter um regime de câmbio fixo não é tão

simples assim, principalmente, com o aumento dos riscos financeiros que a

liberalização de capitais traz consigo (EICHENGREEN, 2000).

O controle cambial faz com que os países abram mão de sua política

monetária, quer seja para controlar a inflação ou para dinamizarem a

economia. A manutenção de elevadas taxas de juros contribui para o

estrangulamento da atividade econômica e investimentos produtivos. Uma vez

que o governo se compromete com a manutenção de uma taxa de câmbio,

este deverá suportar uma elevação da taxa de juros com o objetivo de agregar

reservas internacionais.

Embora o regime de câmbio fixo possa proporcionar um período de

relativa estabilidade econômica, é inevitável que crises aconteçam e que, por

intermédio do regime, possam ser potencializadas. Para Obstfeld e Rogoff

(1995) existem fatores que levam um governo a adotar o regime de câmbio

fixo. A paridade da moeda doméstica a uma âncora de baixa inflação ajuda a

manter a estabilidade de preços, além do mais, a instabilidade cambial

(advinda das flutuações) é danosa para o comércio internacional e decisões de

investimentos (OBSTFELD e ROGOFF, 1995).

Mesmo que alguns países optem pelo regime de câmbio fixo, em

momentos de crise o mercado percebe a fragilidade dos governos em continuar

mantendo a paridade de sua moeda. É neste ínterim que ataques

especulativos contra a moeda acontecem, potencializando os efeitos de uma

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crise sobre o sistema financeiro, com repercussão na economia real. Isto

ocorre mesmo com uma maior integração e coordenação de políticas

econômicas (tratado de Mäastricht), verificadas no caso do Sistema Monetário

Europeu em 1992.

Durante os ataques especulativos os governos, em sua desesperada

tentativa de manter o regime de câmbio, aumentam a taxa de juros a

patamares elevados. Como a literatura e a história mostram, essas tentativas

não impediram, ao longo do tempo, a fuga de divisas, a quebra de instituições

financeiras e não financeiras e, por fim, o abandono do regime de câmbio fixo.

Segundo Grier e Lin (2005); a tentativa da autoridade monetária em

defender a moeda contra os ataques é custosa tanto para o governo, quanto

para o especulador. O aumento das taxas de juros eleva o custo de

oportunidade do especulador em apostar pela desvalorização da moeda

atacada, enquanto que, pelo lado do governo, gera maior déficit público e

desestímulos econômicos como a queda do crédito e dos investimentos.

Este trabalho buscou ilustrar os fatos acima através de uma modelagem

simples dos ataques, mediante o arcabouço teórico da teoria dos jogos. Os

ataques especulativos são interações estratégicas e podem ser modelados

segundo um jogo com informação incompleta (GRIER e LIN, 2005).

O presente modelo de ataque especulativo (com base na teoria dos

jogos) mostrou como resultado que, Independentemente do perfil do banco

central (que o especulador acredita estar enfrentando), a estratégia dominante

para a autoridade monetária será flexibilizar a moeda, dado um ataque. Ou

seja, uma vez que o especulador atacar um regime de câmbio fixo, o banco

central sempre irá flexibilizar. Isto ocorre, pois, é muito custoso para um

governo manter a taxa de juros em patamares elevados, por muito tempo.

Neste caso, os custos seriam politicamente e economicamente muito elevados.

Caso o governo seja não crível (mais vulnerável), os custos tendem a ser ainda

maiores.

Portanto, pode-se inferir que o modelo descrito nos capítulos anteriores

corrobora a conjectura de que um câmbio fixo não se mantém por muito tempo

quer a autoridade monetária seja considerada crível ou não pelo mercado.

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Ataques à moeda sempre ocorrerão dada a expectativa de lucros

extraordinários por parte dos especuladores. Uma vez que o ataque ocorra,

não restará alternativa à autoridade monetária senão abandonar o regime.

A maior contribuição deste trabalho está em apresentar uma modelagem

nova e alternativa às já existentes acerca de ataques especulativos. A inclusão

da teoria dos jogos como uma valorosa ferramenta de análise se faz

necessária e pode abrir portas para novos estudos e construção de novos

modelos mais elaborados.

Embora o modelo desenvolvido neste trabalho seja simples e não

considere várias nuances de um ataque efetivo, é interessante verificar quão

amplas são as possibilidades de modelagem.

Como prováveis desdobramentos do modelo e evolução natural, a

adoção da teoria das coalizões e, consequentemente, os custos advindos do

conluio entre especuladores enriqueceriam a análise e tornariam os resultados

mais realistas. Da mesma forma, modelos dinâmicos com interações repetidas

entre os jogadores explicariam, de forma mais detalhada, ataques como os

sofridos por Hong Cong, onde, mesmo sofrendo várias ondas de ataques

consecutivos, a autoridade monetária conseguiu defender com sucesso o

regime de câmbio.

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6. REFERÊNCIAS

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BERNHEIM, B.; WHINSTON, M. Common agency. Econometrica, v. 54, n. 4, p. 923-942, 1986b.

BIERMAN, H. S.; FERNANDEZ, L. Teoria dos jogos. 2. ed. São Paulo: Pearson, 2011.

BORDO, M. D. Exchange rate regime choice in historical perspective. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2003. (Working Paper, n. 9654)

CALVO, G. A.; MISHKIN, F. S. The mirage of exchange rate regimes for emerging market countries. Journal of Economic Perspectives, v. 17, n. 4, 2003.

CANUTO, O. A crise asiática e seus desdobramentos. Revista Econômica, Niterói, RJ, v. 11, n. 4, dez. 2000.

CARDOSO, E. A crise monetária no Brasil: migrando da âncora cambial para o regime flexível. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 21, n. 3, jul./set. 2001.

EINCHEGREEN, B. Globalizing capital: a history of the international monetary system. New Jersey: Princeton University Press, 1996.

EINCHEGREEN, B. Toward a new international financial architecture: a practical post-Asia agenda. Washington, DC: Institute for International Economics, 1999.

EINCHEGREEN, B. The EMS crisis in retrospect. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2000.

Page 72: Programa de Pós-Graduação em Economia - Sorocaba ...A adoção de um regime de política monetária baseado em uma âncora cambial, ou câmbio fixo, tem sido um expediente notório

60

FARHI, M. Dinâmica dos ataques especulativos e regime cambial. Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, dez. 2001.

FIANI, R. Teoria dos jogos com aplicações em Economia, Administração e Ciências Sociais. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

GRIER, K.; LIN, S. Speculative attacks and defenses as wars of attrition: theory and an example. European Journal of Political Economy, v. 25, n. 4, dez. 2009.

HEINHART, C. M. The mirage of floating exchange rates. American Economic Review, v. 90, n. 2, 2000.

MYERSON, R. B. Game theory: analysis of conflict. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991.

OBSTFELD, M.; ROGOFF, K. The mirage of fixed exchange rates. Journal of Economic Perspectives, v. 9, n. 4, 1995.

OSBORNE, M.; RUBINSTEIN, A. A course in game theory. Cambridge, MA: The MIT Pres., 1994.

PAULA, L. F. R.; ALVES JÚNIOR, A. J. Fragilidade financeira externa e os limites da política cambial no real. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 19, n. 1, jan./mar., 1999.

RADELET, S.; SACHS, J. D. The onset of the east asian financial crisis. In. KRUGMAN, P. (ed.) Currency crises. Chicago: National Bureau of Economic Research: University of Chicago Press, 2000. p. 105-162.

SKROBISZ, M. European monetary integration – from the beginnings to the SEM crises of 1992-1993.The Poznán University of Economics, v. 5, n. 1, 2005.

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ANEXO A – DADOS

Dados diários acerca da taxa de juros, taxa de câmbio e reservas internacionais para o Brasil no período de 1998 e 1999.

Data Taxas de

Juros Taxa de Câmbio Reservas

Internacionais

(% TBC a.a.) (R$/US$) (US$ Bilhões)

1/9/1998 19,75 1,1764 65

2/9/1998 19,75 1,1766 63

3/9/1998 19 1,1772 61

4/9/1998 19 1,1776 60

8/9/1998 19 1,1761 59

9/9/1998 19 1,1784 55

10/9/1998 19 1,1786 55

11/9/1998 19 1,1785 54

14/09/1998 19 1,1795 52

15/09/1998 19 1,179 50

16/09/1998 19 1,1788 49

17/09/1998 19 1,1793 49

18/09/1998 19 1,18 49

21/09/1998 19 1,1808 49

22/09/1998 19 1,1822 48

23/09/1998 19 1,183 48

24/09/1998 19 1,1827 47

25/09/1998 19 1,184 47

28/09/1998 19 1,1841 47

29/09/1998 19 1,1842 46

30/09/1998 19 1,1848 45

1/10/1998 19 1,1799 45

2/10/1998 19 1,1829 46

5/10/1998 19 1,1852 46

6/10/1998 19 1,1841 46

7/10/1998 19 1,1823 46

8/10/1998 19 1,1838 46

9/10/1998 19 1,1859 46

13/10/1998 19 1,1869 47

14/10/1998 19 1,188 45

15/10/1998 19 1,1878 45

16/10/1998 19 1,1878 44

19/10/1998 19 1,1891 44

20/10/1998 19 1,1888 44

21/10/1998 19 1,1891 45

22/10/1998 19 1,1897 45

23/10/1998 19 1,1903 45

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62

26/10/1998 19 1,1905 44

27/10/1998 19 1,1914 44

28/10/1998 19 1,1916 44

29/10/1998 19 1,1914 43

30/10/1998 19 1,1924 42

3/11/1998 19 1,1921 42

4/11/1998 19 1,1908 41

5/11/1998 19 1,1897 41

6/11/1998 19 1,1876 41

9/11/1998 19 1,1891 41

10/11/1998 19 1,1903 42

11/11/1998 19 1,19 42

12/11/1998 19 1,1905 42

13/11/1998 19 1,1907 41

16/11/1998 19 1,1901 41

17/11/1998 19 1,1901 41

18/11/1998 19 1,1905 41

19/11/1998 19 1,1924 41

20/11/1998 19 1,1942 41

23/11/1998 19 1,1966 41

24/11/1998 19 1,197 41

25/11/1998 19 1,1974 41

26/11/1998 19 1,1984 41

27/11/1998 19 1,1995 41

30/11/1998 19 1,2004 41

1/12/1998 19 1,2008 41

2/12/1998 19 1,2005 41

3/12/1998 19 1,2015 40

4/12/1998 19 1,2018 40

7/12/1998 19 1,2021 40

8/12/1998 19 1,2027 40

9/12/1998 19 1,2029 40

10/12/1998 19 1,2026 40

11/12/1998 19 1,2032 40

14/12/1998 19 1,204 40

15/12/1998 19 1,2044 44

16/12/1998 19 1,2045 44

17/12/1998 29 1,2057 43

18/12/1998 29 1,206 48

21/12/1998 29 1,2061 48

22/12/1998 29 1,2066 47

23/12/1998 29 1,207 47

24/12/1998 29 1,2071 47

28/12/1998 29 1,2076 47

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63

29/12/1998 29 1,2076 47

30/12/1998 29 1,2075 46

31/12/1998 29 1,2079 44

4/1/1999 29 1,207 44

5/1/1999 29 1,2077 44

6/1/1999 29 1,2088 44

7/1/1999 29 1,2093 44

8/1/1999 29 1,2096 44

11/1/1999 29 1,2101 44

12/1/1999 29 1,2106 43

13/01/1999 29 1,3185 43

14/01/1999 29 1,3186 41

15/01/1999 29 1,4651 39

18/01/1999 29 1,5376 39

19/01/1999 25 1,5572 36

20/01/1999 25 1,5727 36

21/01/1999 25 1,6594 36

22/01/1999 25 1,7041 36

25/01/1999 25 1,7598 36

26/01/1999 25 1,8762 36

27/01/1999 25 1,8878 36

28/01/1999 25 1,9198 36

29/01/1999 25 1,9824 36

1/2/1999 25 1,963 36

2/2/1999 25 1,7972 35

3/2/1999 25 1,7701 35

4/2/1999 25 1,8132 35

5/2/1999 25 1,8309 35

8/2/1999 25 1,8601 35

9/2/1999 25 1,9325 35

10/2/1999 25 1,8945 35

11/2/1999 25 1,886 35

12/2/1999 25 1,8976 35

17/02/1999 25 1,9171 35

18/02/1999 25 1,9021 35

19/02/1999 25 1,92 35

22/02/1999 25 1,9348 35

23/02/1999 25 2,012 35

24/02/1999 25 2,0025 35

25/02/1999 25 2,0343 35

26/02/1999 25 2,064 35

1/3/1999 25 2,0276 35

2/3/1999 25 2,13 35

3/3/1999 25 2,1639 35

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64

4/3/1999 25 2,1014 34

5/3/1999 44,92 1,9926 34

8/3/1999 44,97 1,97 34

9/3/1999 44,84 1,9048 34

10/3/1999 44,91 1,8623 35

11/3/1999 44,97 1,8776 35

12/3/1999 44,96 1,9043 35

15/03/1999 44,96 1,8817 34

16/03/1999 44,96 1,8513 34

17/03/1999 44,96 1,8769 34

18/03/1999 44,96 1,8588 34

19/03/1999 44,99 1,8499 34

22/03/1999 44,98 1,8607 34

23/03/1999 44,95 1,8508 34

24/03/1999 44,94 1,842 34

25/03/1999 41,96 1,8092 34

26/03/1999 42,02 1,7742 34

29/03/1999 41,99 1,7647 34

30/03/1999 41,97 1,7326 34

31/03/1999 41,93 1,7212 33

5/4/1999 41,91 1,7243 34

6/4/1999 39,47 1,7306 39

7/4/1999 39,44 1,7287 38

8/4/1999 39,44 1,7198 38

9/4/1999 39,42 1,7082 43

12/4/1999 39,41 1,7046 44

13/04/1999 39,4 1,6712 44

14/04/1999 39,39 1,6567 43

15/04/1999 33,9 1,668 43

16/04/1999 33,96 1,6692 43

19/04/1999 33,94 1,6713 42

20/04/1999 33,94 1,7093 42

22/04/1999 33,93 1,7006 42

23/04/1999 33,92 1,6843 42

26/04/1999 33,89 1,697 42

27/04/1999 33,89 1,7061 42

28/04/1999 33,89 1,6955 42

29/04/1999 31,97 1,6668 42

30/04/1999 31,93 1,6599 44

3/5/1999 31,9 1,6727 44

4/5/1999 31,92 1,6726 44

5/5/1999 31,9 1,6839 44

6/5/1999 31,88 1,6721 44

7/5/1999 31,87 1,6704 44

Page 77: Programa de Pós-Graduação em Economia - Sorocaba ...A adoção de um regime de política monetária baseado em uma âncora cambial, ou câmbio fixo, tem sido um expediente notório

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10/5/1999 29,67 1,651 44

11/5/1999 29,46 1,646 44

12/5/1999 29,45 1,6606 44

13/05/1999 27,04 1,6502 44

14/05/1999 27,03 1,6562 44

17/05/1999 26,94 1,6662 44

18/05/1999 26,91 1,6651 44

19/05/1999 26,89 1,6628 44

20/05/1999 23,53 1,6826 44

21/05/1999 23,46 1,6955 44

24/05/1999 23,43 1,6977 44

25/05/1999 23,42 1,7472 44

26/05/1999 23,39 1,7178 44

27/05/1999 23,38 1,7129 44

28/05/1999 23,35 1,7303 44

31/05/1999 23,34 1,7232 44

1/6/1999 23,28 1,7328 44

2/6/1999 23,29 1,7534 44

4/6/1999 23,28 1,7357 44

7/6/1999 23,28 1,7404 44

8/6/1999 23,27 1,7471 44

9/6/1999 21,99 1,7483 44

10/6/1999 21,98 1,7589 44

11/6/1999 21,97 1,7722 44

14/06/1999 21,95 1,7775 44

15/06/1999 21,92 1,7884 44

16/06/1999 21,92 1,7667 44

17/06/1999 21,9 1,7597 44

18/06/1999 21,89 1,7477 42

21/06/1999 21,88 1,7628 42

22/06/1999 21,87 1,768 42

23/06/1999 21,84 1,784 42

24/06/1999 20,98 1,7995 42

25/06/1999 20,97 1,7896 42

28/06/1999 20,97 1,7892 42

29/06/1999 20,96 1,7664 42

30/06/1999 20,96 1,7687 41

1/7/1999 20,94 1,7567 41

2/7/1999 20,93 1,7698 41

5/7/1999 21,05 1,7655 41

6/7/1999 20,93 1,7746 41

7/7/1999 20,9 1,7807 41

8/7/1999 20,9 1,7903 41

9/7/1999 20,88 1,8036 41

Page 78: Programa de Pós-Graduação em Economia - Sorocaba ...A adoção de um regime de política monetária baseado em uma âncora cambial, ou câmbio fixo, tem sido um expediente notório

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12/7/1999 20,89 1,8182 41

13/07/1999 20,87 1,8384 41

14/07/1999 20,86 1,8101 41

15/07/1999 20,86 1,8273 41

16/07/1999 20,84 1,8099 41

19/07/1999 20,83 1,7921 41

20/07/1999 20,82 1,7974 41

21/07/1999 20,81 1,8163 41

22/07/1999 20,79 1,8163 41

23/07/1999 20,79 1,8139 41

26/07/1999 20,78 1,8195 41

27/07/1999 20,77 1,8165 41

28/07/1999 20,76 1,7907 41

29/07/1999 19,52 1,7931 42

30/07/1999 19,51 1,7884 42

Fonte: dados obtidos do Bacen.