PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ......Figura 12 – Estabelecimentos turísticos na Estrada...

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL RONAN XAVIER MACHADO ROTEIRO INTEGRADO DE TURISMO FRONTEIRIÇO CORUMBÁ MS 2018

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  • PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

    MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

    FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

    CAMPUS DO PANTANAL

    RONAN XAVIER MACHADO

    ROTEIRO INTEGRADO DE TURISMO FRONTEIRIÇO

    CORUMBÁ – MS

    2018

  • RONAN XAVIER MACHADO

    ROTEIRO INTEGRADO DE TURISMO FRONTEIRIÇO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços

    da Universidade Federal de Mato Grosso do

    Sul, Campus do Pantanal, como requisito

    parcial para obtenção do título de Mestre.

    Linha de Pesquisa: Desenvolvimento,

    ordenamento territorial e meio ambiente

    Orientador: Dr. Edgar Aparecido da Costa

    Coorientador: Dr. Sergio Iván Braticevic

    Corumbá – MS

    2018

  • ROTEIRO INTEGRADO DE TURISMO FRONTEIRIÇO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade

    Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

    Aprovado em __/__/2018, com Conceito _________.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________

    Orientador

    Dr. Edgar Aparecido da Costa

    (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)

    ___________________________

    Coorientador

    Dr. Sergio Iván Braticevic

    (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)

    _____________________

    1° Avaliador

    Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani

    (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/PPGEF)

    ________________________

    2° Avaliador

    Dr. Enrique Duarte Romero

    (Universidade Federal da grande Dourados/UFGD)

  • AGRADECIMENTOS

    Buscar novos desafios e encará-los até sua concretude é o que usualmente se almeja. Contudo,

    só quem toma a decisão de galgar novas condições de vida, sejam elas pessoais ou

    profissionais, sabe o quanto pode ser difícil alcançar o objetivo.

    Durante a caminhada do mestrado, que prolonguei muito para iniciar, foram diversas ocasiões

    de entrave, algumas de natureza pessoal, muitas profissionais e até mesmo financeira durante

    o processo. Mas ninguém está sozinho nesta vida... Eu, que tenho a certeza de ser um amado

    filho de Deus, tive grandes apoios, alguns cruciais para que chegasse ao final desta

    caminhada.

    Por isso sou grato a minha família, a começar pelos meus pais, Amabílio e Terezinha,

    exemplos de perseverança, inclusive nos momentos de dificuldade. A seguir, insiro meus

    irmãos Rodrigo e Rossana, cada um com sua particular maneira de auxiliar neste processo

    (como nos churrascos e risadas) e meu cunhado Raul, também meu companheiro de profissão,

    que, ao enfrentar grandes percalços para concluir sua pós-graduação e, quando pensavam que

    ele fosse “descansar”, iniciar seu doutorado, tornou-se para nós referência de persistência,

    mostrando-nos a importância da busca de mais conhecimento.

    Dirijo, aqui, um agradecimento especialmente fundamental à família que eu construí,

    alicerçada em minha esposa Suzana, que me proporcionou à maior e mais completa alegria de

    um homem: Ser pai.... Minha filha, minha dádiva de Deus. Tantos foram os finais de semana,

    madrugadas, que precisei me ausentar de casa e dos momentos com elas, para pesquisar e dar

    andamento ao mestrado e em todos eles, contei com o apoio e compreensão. Obrigado meus

    amores!

    Ao meu orientador que, somando compreensão pelas minhas ausências, nunca deixou de me

    cobrar e nortear com excelência a conclusão deste trabalho.

    Aos professores do curso, em cada módulo trouxeram conteúdo e discussões que agregaram

    muito na pesquisa.

    Ao Sr. Pedro Flores, agente de turismo na fronteira, fundamental para a elaboração da

    proposta.

    À professora Eulina, que não poupou esforços para me auxiliar na correção gramatical do

    trabalho, mesmo com prazos curtos e muitas perturbações de minha parte.

    Ao meu professor e amigo, Enrique Duarte Romero, que me acompanhou desde os primeiros

    passos da graduação, especialização e me presenteou com a presença na banca de avaliação

    deste trabalho.

    Aos meus colegas do mestrado, pela troca de conhecimento no decorrer do curso.

    A todos, meus sinceros agradecimentos!

  • RESUMO

    A fronteira é comumente entendida enquanto limite territorial entre dois ou mais espaços,

    restringindo seu real significado. O espaço fronteiriço possui, em sua essência, a função de

    comunicação, interação e estreitamento de pessoas e culturas, mas na maioria das vezes, a

    falta de diálogo de cooperação acaba por (sub) desenvolve-la. A expressão da fronteira vai

    muito além ao promover a comunicação biossocial fronteiriça e assumir a função de

    dinamizar os espaços nela compreendidos. Esta pesquisa buscou demonstrar, como uma

    fronteira pode integrar países, aproximando espaços e pessoas através do turismo de fronteira,

    apresentando a importância da fronteira e do turismo como indutor de desenvolvimento

    territorial. Com o objetivo de propor um roteiro integrado de turismo no espaço fronteiriço de

    Corumbá-BR com a Bolívia, utilizou-se da análise das pesquisas realizadas pelo Observatório

    do Turismo do Pantanal, ligado a Prefeitura Municipal de Corumbá, entre os anos de 2013 e

    2016, bem como de revisão bibliográfica. Utiliza-se da pesquisa participante e da etnografia

    como instrumentais de apoio metodológico. Estes procedimentos subsidiaram a coleta de

    dados primários realizada na Estrada Parque Pantanal, em Corumbá e nos municípios e

    povoados da Bolívia– do limite internacional até Santiago de Chiquitos. Propõe-se o roteiro

    integrado de turismo fronteiriço perfazendo uma extensão de 340 km, tendo a cidade de

    Corumbá como centro propulsor. Foram selecionados 7 empreendimentos na Estrada Parque

    Pantanal, que atendem turistas estrangeiros e 7 no trecho boliviano. O estudo apresenta uma

    proposta de roteiro dividida em dois trechos, um do lado brasileiro e o outro na Bolívia, no

    total de 4 dias e 4 noites, priorizando a experiência turística em passeios e atrativos naturais,

    culturais e gastronômicos.

    Palavras-chaves: Desenvolvimento territorial, Fronteira, Integração, Roteiro turístico,

    Turismo.

  • RESUMEN

    La frontera es normalmente entendida como el límite territorial entre dos o mais espacios,

    restringiendo su real significado. El espacio fronterizo, contiene en su esencia, la función de

    comunicación, interactividad e estrechamiento de personas y culturas, aunque muchas veces,

    la falta de diálogo, de cooperación acaba por (sub) desenvolverla. La expresión de la frontera

    es más extensa al promover la comunicación biosocial fronteriza e asumir la función de

    dinamizar los espacios que en ella abarca. Ese estudio buscó demostrar, como una frontera

    puede integrar países, aproximando espacios y personas por meio del turismo de frontera,

    mostrando la importancia de la frontera y del turismo como inductor del desenvolvimento

    territorial. Com el objetivo de proponer un itinerario integrado del turismo en el espacio

    fronterizo de Corumbá-BR com Bolivia, se utilizó una análise de estudios realizadas por el

    “observatorio del Turismo del Pantanal”, vinculado a la “Precectura Municipa de Corumbá”,

    entre los años de 2013 y 2016, asociado con revisión bibliográfica. Se utiliza un estudio

    colaborativo e la etnografia como instrumentos de apoyo metodológico. Estos mecanismos

    alimentaron la colecta de datos primarios realizados en la “Estrada Parque Pantanal”,

    (estrada=carretera) en corumbá y en los municipios y asentamientos de Bolívia- desde el

    límite internacional hasta Santiago de chiquitos. Proponiendo un itinerario integrado de

    turismo fronterizo abarcando una extensión de 340 km, teniendo la ciudad fe Corumba como

    centro propulsor. Fueron selecionados 7 emprendimientos en la “Estrada (carretera) Parque”

    Pantanal, proporciona atención a turistas extranjeros e 7 en el trecho boliviano. El estudio

    apresenta una propuesta de itinerario dividida en dos trechos, uno del lado brasileño e otro en

    Bolívia, en un total de 4 días y 4 noches, dando prioridad a la experiencia turística en paseos y

    atractivos naturales, culturales y gastronómicos.

    Palabras clave: Desarrollo territorial, Frontera, Integración, Ruta turística, Turismo.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 – Fluxo de pessoas na Fronteira, em Corumbá-MS, no ano de 2016. 46

    Tabela 2 – Origem dos turistas estrangeiros, em Corumbá-MS, no ano de 2016. 50

    Tabela 3 – Destino acessado pelo turista ao sair de Corumbá-MS, em 2015 e

    2016.

    51

    Tabela 4 – Destino acessado pelo turista depois de Corumbá-MS, em 2015 e

    2016.

    51

  • LISTA DE GRÁFICOS

    Gráfico 1 – Fluxo de turistas em Corumbá/MS,Brasil. 38

    Gráfico 2 – Gênero do turista, em Corumbá-MS, entre 2013 e 2016. 48

    Gráfico 3 – Nível de renda dos turistas, em Corumbá-MS, de 2013 a 2016. 49

    Gráfico 4 – Origem dos turistas por região, em Corumbá-MS, de 2013 a 2016. 50

    Gráfico 5 – Motivação da viagem do turista, em Corumbá-MS, de 2014 a 2016. 52

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 – Mapa turístico de acesso e localização da Estrada Parque

    Pantanal

    41

    Figura 2 – Fila no posto de Imigração da Polícia Federal em Corumbá-MS. 44

    Figura 3 – Rotas aéreas ligando Corumbá e suas proximidades 55

    Figura 4 – Roteiro Integrado na fronteira Brasil-Bolívia 56

    Figura 5 – Percurso no trecho brasileiro do roteiro 58

    Figura 6 – Início da MS 228. 59

    Figura 7 – Travessia em ponte, pela MS 228. 60

    Figura 8 – Vista panorâmica de uma das pontes na MS 228. 60

    Figura 9 – Vista da margem direita do Rio Paraguai, no Porto da Manga. 61

    Figura 10 – Travessia de balsa pelo rio Paraguai, na região do Porto da

    Manga

    62

    Figura 11 – Casal de araras azuis, durante o percurso na MS 228. 63

    Figura 12 – Estabelecimentos turísticos na Estrada Parque Pantanal, por tipo

    de empreendimento, serviços oferecidos, localização e preço

    médio individual.

    64

    Figura 13 – Ilustração do roteiro em Corumbá. 65

    Figura 14 – Vista do redário de um dos meios de hospedagem da Estrada

    Parque.

    66

    Figura 15 – Placa de sinalização na rodovia, passando o acesso a Puerto

    Suárez

    70

    Figura 16 – Hotel em Yacuses, único meio de hospedagem do povoado. 71

    Figura 17 – Posto de atendimento médico em El Carmen Rivero Torres 72

    Figura 18 – Praça em El Carmen Rivero Torres, com vista para a igreja

    matriz.

    73

    Figura 19 – Fervores de água no balneário Los Hervores, Águas Calientes. 74

    Figura 20 – Infraestrutura do balneário El Playón. 74

    Figura 21 – Água cristalina do rio Águas Calientes, na altura do balneário El

    Playón com vista ao balneário Los Hervores.

    75

    Figura 22 – Antiga estrutura de captação de água no Balneário El Burriño. 76

    Figura 23 – Camping e antigo equipamento da captação de água, Balneário

    El Burriño.

    76

    Figura 24 – Ponte de madeira que dá acesso à ilha, no balneário El Puente. 77

    Figura 25 – Meio de hospedagem em Águas Calientes. 78

    Figura 26 – Majadito, servido no restaurante do hotel em Águas Calientes. 79

    Figura 27 – Tabela de preços no restaurante do hotel em Águas Calientes. 79

    Figura 28 – Acesso à Calvário, pela RN 4. 80

    Figura 29 – Acesso à Calvário. 80

    Figura 30 – Trajeto de acesso à Santiago de Chiquitos, com vista para

    morraria.

    82

  • Figura 31 – Cemitério do povoado, na entrada de Santiago de Chiquitos. 82

    Figura 32 – Rua de acesso ao povoado, na entrada de Santiago de Chiquitos. 83

    Figura 33 – Fazenda dos missioneiros com vista para o atrativo. 84

    Figura 34 – Entrada do atrativo, La Antesala Del Cielo. 84

    Figura 35 – Trilha ecoturística La Antesala Del Cielo, estreita e íngreme. 85

    Figura 36 – Vista do Valle Tucabaca. 86

    Figura 37 – Vista de Santiago de Chiquitos, na primeira parada

    contemplativa.

    86

    Figura 38 – Vista do segundo ponto de contemplação da trilha ecoturística 87

    Figura 39 – Escalada em rochas para chegada do ponto mais alto da trilha

    ecoturística.

    88

    Figura 40 – Formações rochosas no alto da trilha ecoturística Ante sala Del

    Cielo.

    89

    Figura 41 – Entrada da Pensão El Achaicharú, Santiago de Chiquitos. 90

    Figura 42 – Saltenhas bolivianas na pensão El Achaicharú. 90

    Figura 43 – Praça de Santiago de Chiquitos e a Igreja Jesuíta. 91

    Figura 44 – Instalações escolares dos jesuítas e seus sinos. 92

    Figura 45 – Escultura na praça de Santiago de Chiquitos. 93

    Figura 46 – Hotel em Santiago de Chiquitos, no antigo colégio evangélico 94

  • SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11 1.1. Procedimentos metodológicos ........................................................................................... 16

    2. TURISMO E FRONTEIRA ............................................................................................ 20 2.1. Contextualização do Turismo ............................................................................................ 20

    2.2. Turismo de fronteira .......................................................................................................... 24

    2.3. Turismo como indutor do desenvolvimento territorial ...................................................... 28

    2.4. Diálogos e cooperação fronteiriça ..................................................................................... 33

    3. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ATIVIDADE TURÍSTICA NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA ................................................................................................................. 39 3.1. Os turistas da Estrada Parque ............................................................................................ 40

    3.2. Os turistas do posto de passagem no limite internacional ................................................. 43

    3.3. Reflexões sobre o perfil dos turistas de Corumbá ............................................................. 47

    4. PROPOSIÇÃO DE ROTEIROS INTEGRADOS ........................................................ 54 4.1. Corumbá e suas conexões .................................................................................................. 54

    4.2. Roteiro integrado efetivo ................................................................................................... 55

    4.2.1. O trecho em território brasileiro ............................................................................. 58 4.2.2. O trecho em território Boliviano ............................................................................ 68

    4.3. Problemas a serem resolvidos para efetivação dos roteiros .............................................. 94

    REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 99 APENDICE ........................................................................................................................... 107

  • 11

    INTRODUÇÃO

    A fronteira entre o Brasil e a Bolívia acontece em diversos pontos no território

    nacional, em uma extensa linha de contato que ocorre por terra e pela água, como aponta o

    Observatório Geográfico da América Latina (2011):

    A divisa entre Brasil e Bolívia tem uma extensão de 3.423 km, ou seja, 20% da linha

    divisória continental do Brasil com os países vizinhos. Desse total, 751 km é

    fronteira seca e 2.672 km de água (fluvial). A zona de fronteira formada pelos dois

    países engloba faixas fronteiriças pertencentes a quatro estados brasileiros (Acre,

    Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) e três departamentos bolivianos

    (Pando, Beni e Santa Cruz de La Sierra)

    No Estado de Mato Grosso do Sul, uma importante aglomeração de fronteira se

    destaca envolvendo a cidade de Corumbá, cuja fundação remete ao século XVIII, com

    extensão territorial de 64.962.854 km² e população de 103.703 habitantes, de acordo com o

    último censo, com os municípios do Departamento de Santa Cruz de La Sierra, Puerto

    Quijarro e Puerto Suárez. Atualmente estima-se que 109.294 pessoas residem em Corumbá,

    cidade que se destaca pela representatividade histórica enquanto as ocupações militares

    durante a guerra do Paraguai, 1864-1870, bem como suas riquezas, que vão da cultura aos

    minerais e as belezas naturais, sendo esta última de relevância substancial, haja vista que 60%

    do seu território refere-se ao pantanal (IBGE, 2016).

    Com atividade turística presente e potencial, conforme identificado por Mariani et al

    (2014), em diversos segmentos como a pesca, ecoturismo e turismo cultural, tem ainda na

    fronteira um potencial estratégico. Além da fronteira internacional com a Bolívia, no lado

    brasileiro, faz divisa com o município de Ladário. Corumbá e Ladário, distantes a mais de 200

    km da cidade brasileira mais próxima (Miranda/MS), podem ser acessados a menos de 10 km

    pelos bolivianos, o que torna esta fronteira internacional de grande proximidade e

    oportunidades, visto que conta com uma conurbação de, aproximadamente, 160 mil habitantes

    (COSTA, 2013, p. 66).

    Fronteira possui diversos entendimentos, haja vista sua condição de comunicação que

    preconiza a definição de limite, esta última sendo a mais associada. Raffestin (2005) escreve

    sobre a função exercida pela fronteira, que não se restringe às questões de divisa, elencando a

    comunicação existente no território fronteiriço. Para ele:

    A fronteira não é uma linha, a fronteira é um dos elementos da comunicação

    biossocial que assume uma função reguladora. Ela é a expressão de um equilíbrio

    dinâmico que não se encontra somente no sistema territorial, mas em todos os

    sistemas biossociais (RAFFESTIN, 2005, p.13).

    Para Grinsom (2000, p. 164) “Las fronteras son espacios de condensación de procesos

    socioculturales”, envolvendo perspectivas com o Estado, onde “... ledan a las fronteras

  • 12

    configuraciones políticas específicas que hacen que las relaciones con sus gobiernos sean

    extremadamente conflictivas”.

    A fronteira não se restringe a uma ou outra definição, nem mesmo a uma ou outra

    função, como ponderam Benedetti e Salizzi (2011, p. 153).

    Las fronteras, como los territorios, son entidades históricas, que se construyen por

    las prácticas materiales y simbólicas de la sociedad. Por ello, emergen, se

    transforman –con el tiempo cambian en su extensión, sus funciones y su fisonomía.

    Outro aspecto relevante, entre tantos que uma fronteira pode apresentar, refere-se a

    mobilidade dos agentes que se envolvem com a mesma, sendo estes residentes da

    aglomeração fronteiriça, ou mesmo os que transitam por ela. A mobilidade é entendida como

    uma mudança de localização de pessoas ou de seus bens, entre diferentes espaços, sendo essa

    uma relação social entre os agentes, que pode ocorrer na fronteira. Benedetti y Salizzi (2011)

    analisam a mobilidade sobre três aspectos: como estratégia de reprodução social, como

    processo social e como categoria de análise. Nas suas palavras:

    Los diferentes agentes sociales adoptan la movilidad como una estrategia de

    reproducción social, para ocupar sucesivamente diferentes lugares, para controlar o

    apropiarse de un área, para sostener o crear vínculos sociales entre grupos distantes,

    para forjar identidades culturales (...) La movilidad como proceso social excede a la

    mera relocalización, al viaje, a los desplazamientos, a los transportes, a los flujos y a

    la circulación. La movilidad es una categoría genérica por excelencia para referir a

    toda relación espacial entre localizaciones concretada mediante el movimiento de

    bienes y personas (BENEDETTI y SALIZZI, 2011, p.154)

    Assim, a mobilidade enquanto a ocupação de diferentes lugares, bem como pela sua

    criação de vínculos sociais entre as pessoas, neutralizando o distanciamento geográfico

    através do forjar de uma identidade, pode ser identificada nas fronteiras em movimento. É o

    caso de Corumbá que apresenta, cotidianamente, um fluxo de residentes da conurbação que a

    envolve, tal como aborda Paixão (2006, p. 100):

    Por conta do distanciamento dos municípios que compõem essa região para com

    seus centros administrativos e financeiros nacionais, houve uma situação de contato

    maior entre os mesmos do que aquele estabelecido para com seus pares nacionais.

    Mesmo hoje, com a evolução dos transportes e dos meios de comunicação, as

    cidades bolivianas de Puerto Quijarro e Puerto Súarez, tanto quanto a de Ladário, no

    Brasil, tem buscado em Corumbá os bens e serviços de que não dispõem.

    Além do fluxo dos seus residentes, também apresenta uma demanda entre os turistas

    que buscam o portão internacional para acesso ao Brasil ou a América do Sul.Este portão

    internacional é reconhecido pelo governo brasileiro e é considerado como das variáveis que

    inserem Corumbá entre os 65 destinos indutores do desenvolvimento turístico do Ministério

    do Turismo, levando ao monitoramento constante pela Fundação Getúlio Vargas, ao menos

    duas vezes por ano1.

    1 Em http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/dadosefatos/espaco_academico/destinos_indutores/index.html.

  • 13

    A relevância desse portão internacional pode ser observada pelo fluxo de pessoas, que

    segundo o Departamento de Polícia Federal, 109.040 pessoas passaram pela fronteira em

    2013 e mais de 163.800 mil em 20162, sugerindo que, entre diversas funcionalidades, o

    turismo se faz presente de maneira relevante.

    Percebe-se, também, que a mobilidade retratada pelo fluxo migratório está relacionada

    ao turismo, aproximando daquilo que descrevem Benedetti e Salizzi (2011, p. 159-160):

    Además, diferentes tipos de movilidades son realizadas por un mismo sujeto. Para

    construir la tipología de movilidades, hemos considerado cuatro escalas: 1. Local.

    Relaciones horizontales entre aglomeraciones vecinas a ambos lados del puente; la

    frontera es el espacio de vida, marcado por la cotidianeidad; 2. Extralocal en ambas

    direcciones. Relaciones verticales entre ciudades y regiones interiores alejadas de la

    frontera; la frontera tiene la función de zona de paso; 3. Extralocal en una dirección.

    Conexiones entre las ciudades fronterizas con localizaciones distantes, en el propio

    país o en el país vecino; la frontera es el destino de la movilidad; 4. Extralocal

    articulado con local. Se refiere a movilidades que, en principio, surgen por la

    vinculación de lugares distantes, pero que aprovechan organizaciones fronterizas; la

    frontera es un recurso para la movilidad transfronteriza.

    As tipologias de mobilidade na região de fronteira apresentam como o fluxo de

    pessoas podem se relacionar com este local. Essa mobilidade é realizada por algum propósito,

    conforme descrito por Benedetti e Salizzi (2011, p. 160):

    Además, identificamos cinco propósitos: 1. Migraciones laborales; 2. Organización

    de las prácticas pastoriles, trashumantes y cazadora/recolectoras; 3. Dinámica de la

    vida cotidiana en las conurbaciones transfronterizas; 4. Comercio; 5. Turismo, 6.

    Movimiento ilegal y criminalizado de bienes y personas.

    O turismo corresponde a uma das seis motivações para a mobilidade de pessoas na

    fronteira. No caso de Corumbá essa motivação é percebida para o turismo de compras, que

    após a política econômica brasileira em meados da década de 1990 resultou em uma

    valorização da moeda nacional (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JUNIOR,

    2002). Isso favoreceu a aquisição de produtos importados na Bolívia, trazendo mudanças para

    este território fronteiriço, com destaque ao lado boliviano, cuja evolução foi significativa no

    período, com a construção de empreendimentos e suas consequências para a economia da

    localidade (PAIXÃO, 2006).

    Ainda considerando o processo evolutivo e produtivo presente nas fronteiras, como

    aborda Braticevic (2013) dos avanços de uma fronteira, ao autor apresenta as variações

    presentes em territórios inicialmente orientados ao desenvolvimento agrário, pecuário, etc.

    Deste modo, Braticevic prossegue apontando as transformações destes territórios dinâmicos,

    cujas potencialidades se moldam, como no desenvolvimento pelo turismo e nas relações da

    formação social das fronteiras.

    2Dados obtidos no Departamento de Imigração da Polícia Federal.

  • 14

    O turismo no espaço fronteiriço entre Corumbá e Puerto Quijarro não se limita ao

    segmento de compras, principalmente quando consideramos a riqueza natural do Pantanal e

    seus atrativos, que oportunizam o desenvolvimento de outros segmentos, conforme Moretti

    (2000, p. 17):

    A partir da “decadência da pecuária”, mas não como um processo de causalidade,

    tem início o desenvolvimento da atividade turística no Pantanal em sua forma

    empresarial, ou seja, a partir da década de 70, de forma incipiente, começam a ser

    organizados os chamados “pacotes turísticos” no Pantanal, formando-se pequenos

    grupos para desenvolvimento desta atividade na região (pescaria, contemplação e

    ponto de passagem para turistas que se dirigiam a outros países da América Latina –

    Bolívia, Peru e Chile – utilizando-se da ferrovia Noroeste Brasil).

    Esse movimento turístico iniciado no século passado permanece e ganha novas

    leituras, haja vista que a fronteira deixa de ser utilizada somente pelos turistas de compras,

    mas também como um atrativo para turistas de lazer que visitam Corumbá anualmente.

    O fluxo de turistas que utilizam o portão internacional de Corumbá e se dirigem para

    outros países é corroborado com os dados da imigração da Polícia Federal, analisados pelo

    Observatório do Turismo do Pantanal (trata como Demanda Turística Internacional)

    abordando perfil, hábitos e percepções destes turistas. Muitos dos que visitam o Pantanal

    seguem para outros destinos através da Bolívia (CORUMBÁ, 2014).

    Estes turistas comumente consomem3 o Pantanal nos empreendimentos localizados no

    meio rural, principalmente na Estrada Parque Pantanal, associando a eles o contexto de

    turismo rural, ou ainda melhor, turismo no meio rural (PAIXÃO, 2006, p. 140).

    Segundo dados levantados pelo Observatório do Turismo do Pantanal, através do

    Documento Referencial do Turismo de Corumbá, no ano de 2014 estiveram em Corumbá

    mais de 214 mil turistas, onde 3,1% tiveram como finalidade exclusiva de viagem o turismo

    de compras na Bolívia, e 58,5% foram motivados pelo lazer. Desses, mais de 71 mil turistas

    afirmaram ter realizado algum tipo de compra na Bolívia, ao consumir a fronteira como um

    dos atrativos turísticos de Corumbá.

    O Documento também descreve que, entre os visitantes, 13,7% são oriundos de outros

    países e que desse total, quase 27 mil buscaram o turismo no meio rural, através dos

    empreendimentos localizados na Estrada Parque Pantanal.

    Entre os turistas do meio rural, após a experiência no Pantanal de Corumbá, mais da

    metade segue para o município de Bonito, que oferece atrativos naturais. Porém, 13%, cerca

    de 3.500 turistas, afirmaram seguir para a Bolívia em busca de experiências turísticas

    congruentes, que encaixam ao perfil do mesmo (CORUMBÁ, 2014).

    3A expressão consumir refere-se ao fato do turista que visita o destino, adquirir produtos e serviços que

    subsidiam sua permanência para o lazer, estudos e demais finalidades.

  • 15

    Isto posto, nos permite acreditar que existe um potencial turístico a ser explorado de

    forma integrada/articulada entre Corumbá e as cidades próximas da fronteira, em especial as

    bolivianas. Para tanto, observamos a necessidade de análise por meio de uma rota turística

    integrada.

    Sobre o entendimento de rota, o Dicionário online da Língua Portuguesa4descreve

    como “Itinerário que se percorre para ir de um lugar a outro, especialmente por via marítima

    ou aérea; caminho; direção, rumo”. Ainda, para analisar melhor o entendimento sobre rota, a

    Camara Municipal de Sintra, Portugal, apresenta a seguinte análise explicativa:

    Rota: Sinónimo de itinerários, em sentido restrito, em que a saída e a chegada não

    são coincidentes no mesmo ponto. O conceito de Rota e Itinerário podem ser

    considerados sinónimos embora seja de realçar o facto de Rota estar associada a uma

    direcção, a um percurso dirigido. Por outro lado, o conceito de Rota tem sido usado

    preferencialmente em termos institucionais e promocionais. Relativamente ao

    conceito de Roteiro está quase sempre associado a uma descrição, mais ou menos

    exaustiva, dos aspectos mais relevantes da viagem e, particularmente, dos principais

    locais de interesse turístico (SINTRA, 2010,p. 2).

    A rota está associada a uma direção como a que está sendo citada como existente no

    espaço fronteiriço de Corumbá com a Bolívia. Conforme destacado por Sintra (2010), o

    roteiro apresenta uma peculiaridade, se assim possa ser dito, visto que elenca os atrativos

    turísticos existentes em determinada rota, o que não se encontra como opção para os visitantes

    desta fronteira, onde expressa-se a observação para análise de um roteiro integrado de turismo

    nesta fronteira.

    Bahl (2005, p.3) aponta que “um roteiro turístico resume todo um processo de

    ordenação de elementos intervenientes na efetivação de uma viagem, podendo estabelecer as

    diretrizes para desencadear a posterior circulação turística”. O autor ainda menciona que um

    roteiro tem possibilidade de idealizar trajetos “criando fluxos e possibilitando um

    aproveitamento racional dos atrativos a visitar” (BAHL, 2005, p.3) logo, a proposição de um

    roteiro turístico antecede ao da rota, tornando-a viável.

    Essa rota, bem como seus demandantes, foi identificada por Paixão (2006) ao

    descrever o turismo na província de German Buch5, quando menciona uma onda de

    ecoturistas instalada na província, ressaltando a importância deste público para o

    desenvolvimento do turismo.

    Considerando os aspectos abordados, os atrativos de interesse do perfil turístico

    existente, pergunta-se: como um roteiro integrado de turismo pode dinamizar o espaço

    fronteiriço do Brasil com a Bolívia?

    4Ver mais em: https://www.dicio.com.br/rota/

    5 Composta por 3 seções municipais: Puerto Súarez (Capital), Puerto Quijarro e El Carmen Rivero Torrez.

  • 16

    Assim, o objetivo geral desta pesquisa é propor um roteiro integrado de turismo no

    espaço fronteiriço de Corumbá-BR com a Bolívia. Especificamente, se busca: a) analisar o

    perfil da demanda turística no espaço fronteiriço de Corumbá com a Bolívia; b) descrever os

    atrativos turísticos em Corumbá / na Estrada Parque Pantanal, e na Bolívia até Santiago de

    Chiquitos, distante cerca de 220 km de Puerto Quijarro; c) propor um roteiro de turismo

    integrado no espaço fronteiriço de Corumbá com a Bolívia.

    1.1. Procedimentos metodológicos

    Trata-se de uma pesquisa aplicada para o desenvolvimento, ordenamento territorial e

    meio ambiente, que tem como público alvo os turistas que demandam o espaço fronteiriço

    entre Corumbá e a Bolívia.

    Godoy (1995, p.62), ao tratar sobre as possibilidades da pesquisa qualitativa, dialoga

    sobre a destreza da mesma nos “estudos denominados qualitativos têm como preocupação

    fundamental o estudo e análise do mundo empírico em seu ambiente natural”, defendendo

    ainda o contato entre pesquisador e ambiente a ser pesquisado, como valorização do que será

    estudado. A autora ainda salienta que “o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida

    são a preocupação essencial do investigador” (GODOY, 1995, p.63).

    Desta feita, esta pesquisa está balizada na pesquisa qualitativa, por meio da qual serão

    observadas as variáveis necessárias para o alcance do objetivo.

    Considerando a necessidade de conhecer as características dos visitantes que já

    demandam os atrativos em Corumbá, propõe-se uma análise por meio de revisão documental.

    Foram utilizadas as informações do Observatório do Turismo do Pantanal, Núcleo de estudos

    e pesquisas da atividade turística em Corumbá, ligado à Prefeitura Municipal por meio da

    Fundação de Turismo do Pantanal, que disponibiliza o perfil do visitante que demanda os

    atrativos da Estrada Parque Pantanal, bem como os dados do último destino acessado e

    posterior à Corumbá6. Analisou-se os documentos entre os anos de 2013 e 2016, período

    monitorado pelo órgão.

    Na análise documental estão considerados os dados disponibilizados pelo

    Departamento de Polícia Federal, por meio da imigração, referentes ao período de janeiro a

    dezembro de 2016, com intuito de comparar com os dados do Observatório, subsidiando uma

    análise evolutiva do quantitativo de pessoas que utilizam o portão de acesso internacional,

    6Ver em corumba.travel/#/downloads

  • 17

    localizado na passagem de fronteira entre Corumbá e Puerto Quijarro, bem como os

    respectivos países de origem.

    A pesquisa bibliográfica foi fundamental para subsidiar os conceitos necessários para

    o arcabouço textual, bem como o uso da pesquisa por levantamento de dados em campo, os

    quais serão críveis para o alcance dos objetivos propostos.

    Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva. O levantamento de campo foi

    realizado através de visita in loco a todos os empreendimentos localizados no percurso da

    proposta de roteiro. Em Corumbá, foram visitados os empreendimentos turísticos localizados

    na Estrada Parque Pantanal, MS 228, com extensão aproximada de 120 km. Foi priorizado o

    acesso pela estrada a fim de facilitar a constituição das propostas de roteiro. São conhecidos

    10 estabelecimentos com acesso ao longo da MS 228, onde as instalações para hospedagem e

    alimentação, em sua maioria, distam poucos quilômetros do portão de entrada. Todos foram

    visitados, mas somente selecionados para entrevistas aqueles que atendem ecoturistas, cuja

    verificação foi realizada in loco por meio da identificação dos produtos turísticos oferecidos

    (passeios). Assim, compuseram o roteiro proposto 7 estabelecimentos. Estão situados em três

    áreas nucleares da Estrada Parque Pantanal: no porto da Manga, na curva do Leque e na

    região denominada passo do Lontra localizada à margem direita do rio Miranda.

    A pesquisa necessária para identificação dos destinos e empreendimentos que

    poderiam compor o roteiro no trecho boliviano teve sua fundamentação na pesquisa

    qualitativa. Para tanto, o método utilizado para buscar o referido detalhamento foi

    preconizado na visão de Triviños (1987, p.121), que contextualiza a pesquisa qualitativa com

    a etnografia, entendo que sua prática está “estabelecida em relação ao nível de conhecimento

    da realidade em estudo ao qual aspiramos alcançar”. O autor ainda apresenta que a etnografia

    “baseia suas conclusões nas descrições do real cultural que lhe interessa para tirar delas

    os significados que têm para as pessoas que pertencem a essa realidade”.

    Para alcançar o detalhamento necessário, buscou-se a observação direta pela

    participação efetiva de um sujeito na pesquisa, atuando como depoente e participante durante

    todo o trecho boliviano, guiando o pesquisador por ser um agente de turismo cadastrado no

    Brasil e na Bolívia, com conhecimento dos destinos e atrativos no percurso determinado.

    Noemi Marujo discorre em seu trabalho sobre a complexidade da pesquisa em

    turismo, corroborando a necessidade da aplicação de métodos de interação e inter-relação do

    pesquisador com o seu objeto. Em suas palavras, “A complexidade do fenômeno turístico faz

    com que ele seja baseado em interações e inter-relações. Observar e analisar o fenômeno para

  • 18

    compreendê-lo constitui um fator essencial para obter conhecimento sobre o turismo”

    (MARUJO, 2012, p.2).

    O método escolhido, balizado pelos conceitos etnográficos de Triviños, buscou a

    determinação dos destinos e a descrição dos potenciais atrativos, visto que o método “obriga

    os sujeitos e o investigador a uma participação ativa onde se compartilham modos

    culturais (tipos de refeições, formas de lazer etc.). Isto é, em outros termos, o pesquisador não

    fica fora da realidade que estuda” (TRIVIÑOS, 1987 p.121).

    Desta forma, por meio da participação efetiva do depoente e da observação constante

    do pesquisador, foram escolhidos os empreendimentos/destinos turísticos do lado boliviano

    da fronteira. A intenção foi conhecer melhor o meio de acesso para a realização das visitas in

    loco, buscar orientações quanto ao tempo de viagem entre um destino e outro na Bolívia, para

    verificar os locais adequados para alimentação e pernoite.

    Assim, para a pesquisa na Bolívia, o apoio técnico de um agente de turismo boliviano,

    que atuou como depoente participante da pesquisa balizou a proposta de um produto turístico

    que outros agentes poderão comercializar. Este agente indicou quais os destinos turísticos a

    serem visitados até o povoado de Santiago de Chiquitos, bem como os tipos de serviços

    oferecidos pelos empreendimentos existentes (se integram hospedagem, alimentação e

    passeios, por exemplo). Foram visitadas 9 cidades e povoados ao longo dos mais de 290 km

    na RN 4, denominada carretera, rodovia com início em Puerto Quijarro. Em

    sequência: Puerto Quijarro, Puerto Suárez, Yacuces, El Carmen Rivero Torres, Santa Ana de

    Velasco, Estancia Águas Calientes, Santiago de Chiquitos, Roboré até o povoado de Chochis.

    Nos destinos acessados, os empreendimentos turísticos foram visitados para identificação da

    capacidade de atendimento dos meios de hospedagem, alimentação e dos atrativos turísticos,

    bem como a média de preço dos serviços oferecidos, além das percepções locais, como

    melhor época de visitação e as observações do pesquisador.

    Para o mapeamento dos atrativos, propôs-se o detalhamento de variáveis cruciais para

    viabilização de um atrativo como produto da oferta turística, contida em um roteiro, elencados

    a seguir:

    a) Localização: descrição da localização geográfica do atrativo, bem como seu registro

    fotográfico;

    b) Acesso: identificação dos meios de acesso disponíveis para cada atrativo, terrestre,

    rodoviário e/ou fluvial;

    c) Meios de hospedagem e alimentação: identificação de quantos e quais são os meios

    de hospedagem e alimentação disponíveis no atrativo ou próximo a ele;

  • 19

    d) Potencialidades de atrativos: identificação e análise dos recursos do atrativo, pela

    ótica do turismo, apontando quais as opções de lazer para o visitante, no contexto histórico,

    cultural, aventura, natureza, etc.

    Para levantar os dados relativos aos meios de hospedagem e alimentação, bem como

    as atividades oferecidas nos atrativos turísticos, foram realizadas entrevistas baseadas em

    roteiro previamente definido (Apêndice A), contendo indagações como: Qual a capacidade de

    atendimento do estabelecimento (quantos leitos, caso seja hotel; quantos assentos, caso seja

    um meio de alimentação). Também, qual a média de preço do estabelecimento e quais as

    opções de lazer oferecidas (quando for o caso). Visando obter informações relevantes

    quanto à rotina de atendimento e curiosidades, se questionou ao empresário ou responsável

    pelo estabelecimento sobre qual a nacionalidade de maior demanda (nacional ou estrangeira)

    e se há alguma dificuldade encontrada para o desenvolvimento do negócio que, na visão dele,

    possa ser resolvida pelo poder público ou privado. Foi entrevistada uma pessoa (proprietário

    ou gerente) por empreendimento, contemplando 100% do universo da pesquisa, dos

    empreendimentos visitados.

    Também foi utilizada a técnica da observação com apoio de material

    iconográfico para incorporar as percepções do pesquisador durante o acesso aos

    empreendimentos, o impacto visual, a sinalização, a sensação do atendimento ao turista etc.

    A perspectiva de análise para o turismo, conforme aponta Marujo (2013)

    ao escrever sobre a abordagem da pesquisa em turismo apresenta duas tendências

    distintas, que são utilizadas nesta pesquisa: uma positivista, ligada a abordagem quantitativa e

    outra mais flexível, ligada a qualitativa.

  • 20

    2. TURISMO E FRONTEIRA

    2.1. Contextualização do Turismo

    A economia e suas relações evoluem constantemente por conta das variáveis que

    fazem parte dela. Conforme Araújo (2005, p.18), “as variáveis econômicas são medidas

    referenciais adotadas por um sistema econômico[...]objetivando o acompanhamento de cada

    setor da economia ou crescimento econômico global”.

    Os agentes econômicos são instrumentos na estrutura de mercado e, entre eles, estão

    os segmentos, ao qual se refere à diferenciação do mercado pelos ofertantes, visando atender à

    demanda. Como apontam Pereira, Martins e Carmo (2012, p.3) a segmentação ocorre quando

    há “visualização de que a demanda poderia ser quebrada em diversas demandas”.

    Pelo olhar da economia, a demanda, representada pelos consumidores, é motivada por

    vários aspectos, mas, principalmente, são determinadas por algumas variáveis comuns como

    preço do bem ou serviço, preço do bem substituto ou concorrente, preço do bem

    complementar, quando for o caso, a renda do consumidor e o gosto ou hábito do demandante.

    Este último é o de maior desafio para quem oferta produtos e serviços, visto que, de certa

    forma, não possui controle pelo ofertante (VASCONCELLOS, 2004).

    Para que os ofertantes possam obter ganhos frente à demanda, precisam lançar mão de

    inúmeras estratégias de mercado como promoções e descontos. Ainda para isso, uma decisão

    estratégica sucede ao levantamento de informações que subsidiam a tomada de decisão.

    No turismo, entre tantos segmentos existentes no mercado, a necessidade de obtenção

    de informações para auxiliar na tomada de decisão é ainda maior, haja vista que o mesmo se

    destaca pelo caráter de inovação, relacionado à necessidade de adaptação constante ao perfil

    dos consumidores. Nota-se isso pelos grandes avanços em pesquisas realizadas por órgãos

    oficiais, visando alimentar o banco de dados, promovendo suporte a tomada de decisão dos

    envolvidos no segmento, como aponta Borges (2016), ao expressar os trabalhos realizados

    pela Organização Mundial do Turismo - OMT, ou ainda pelo próprio Ministério do Turismo

    brasileiro, que oferece uma plataforma atualizada específica de estudos e pesquisas do

    turismo7.

    A OMT aponta como o turismo vem se destacando e crescendo, pela intensa

    diversificação a qual está relaciona enquanto segmento de mercado, levando ao crescimento

    7O Ministério do Turismo do Brasil disponibiliza uma plataforma online com estudos e pesquisas do turismo,

    nomeada de dados e fatos. Ver mais em http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/.

    http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/

  • 21

    econômico, entre os quais que mais desponta entre os setores no mundo, com participação de

    10% no PIB mundial (OMT, 2016).

    Outros dados disponibilizados pela OMT (2016), que expressam a realidade do

    turismo, posicionam o setor com um dos mais importantes do mundo, correspondendo a 1 em

    cada 11 empregos, 30% das exportações em serviços e 7% do comércio internacional. Ainda

    menciona que o volume de negócios do turismo, já supera as exportações de petróleo e

    automóveis.

    Em 2015, o turismo foi a terceira maior categoria de exportação em valores

    comercializados, superada apenas pelos combustíveis e produtos químicos, respondendo por

    7% das exportações mundiais de bens e serviços (OMT, 2016). As receitas do turismo

    internacional aumentaram de US$ 495 bilhões em 2000 para US$ 1260 bilhões em 2015,

    decorrente do grande volume de pessoas que viajaram no respectivo ano. O continente

    europeu liderou o ranking no número de visitantes, foram 608 milhões em 2015, seguido da

    Ásia e do Pacífico que juntos receberam 279 milhões. Em terceiro lugar está o continente

    americano, que recebeu 193 milhões de turistas, seguido da África com 53 milhões e do

    Oriente Médio com o mesmo quantitativo, aproximadamente. Juntos, foram 1186 bilhões de

    pessoas (OMT, 2016).

    A América do Sul recebeu 30,8 milhões de turistas, o que representou 2,6% dos

    turistas visitaram as Américas. Em relação à receita gerada, em 2015 foram cerca de US$ 25,6

    bilhões, dado curioso, pois em 2014 a América do Sul recebeu 29,1 milhões de pessoas, ou

    seja, houve um crescimento de 5,8% entre os anos. Contudo, a receita gerada pelo turismo em

    2014 foi de US$ 25,7 bilhões, ou seja, em 2015, mesmo recebendo um maior número de

    turistas, a receita gerada foi 0,4% menor que 2014(OMT, 2016).

    Nos países da América do Sul, Paraguai, Colômbia, Chile, Peru e Uruguai tiveram

    crescimento no recebimento de turistas internacionais. Contudo, Brasil e Argentina, os dois

    principais países em recebimento de turistas, apresentaram queda no período apresentado.

    (OMT, 2016).

    O Brasil recebeu mais de 6,3 milhões de turistas em 2015, 2% menos que no ano de

    2014, quando registraram mais de 6,4 milhões de turistas no país (BRASIL, 2016). Tal

    resultado pode ser visto como positivo, quando consideramos que no ano de 2014 o país

    sediou a copa do mundo, um grande evento alavancador de fluxo turístico, que levou o país a

    superar a marca de 6 milhões de visitantes, nunca anteriormente registrada, e que foi mantida

    em 2015 (BRASIL, 2015).

  • 22

    O Estado de Mato Grosso do Sul, que recebeu cerca de 62 mil turistas estrangeiros em

    2014, apresentou uma redução de 8,7% em 2015, registrando a entrada de 56.601 visitantes de

    outros países (BRASIL, 2016).

    Já o município de Corumbá no ano de 2014, estimou cerca de 29.392 visitantes

    estrangeiros, com crescimento de 39,5% em 2015, quando a estimativa foi de mais de 41 mil

    estrangeiros (CORUMBA, 2016).

    A expressão do turismo em números, como relatado, segue uma vertente

    contemporânea que o entende enquanto uma atividade econômica, proveniente e intensificada

    pelo fenômeno da globalização. Tal fenômeno, que é refletido na interação cultural das

    pessoas, além das fronteiras físicas dos países, promove e estimula o turismo, tanto pela

    oferta, representada pelas empresas privadas que investem nos diversos segmentos existentes

    e também pela iniciativa pública que, muitas vezes, fica a cargo da adequação na

    infraestrutura necessária; quanto pela demanda, que exige e suscita o turismo a se reinventar

    constantemente, para preservar e despertar o interesse da experiência oferecida nos atrativos

    (SEVERO SOARES, 2007).

    Retomando o caráter de inovação, relacionado à segmentação de mercado, o turismo

    apresenta uma diversidade de opções para seu desenvolvimento, para cada qual deve-se

    considerar o potencial turístico de cada espaço, para depois considerar sua exploração.

    O turismo já se consolidou enquanto importante atividade econômica, principalmente

    pelos produtos e serviços que são acionados por ele. Para tanto, o processo evolutivo do

    turismo caminha para a segmentação, como efeito da sofisticação do mesmo “em que,

    entendida por suas parcelas, o mercado turístico potencial possa ser atingido por suas

    necessidades específicas” (ALLIS, 2008, p.6).

    Inicialmente, enquanto segmentação de mercado, Kotler (2009, p.279) apresenta

    contribuições importantes em sua obra quanto a alguns critérios para definição de um

    segmento, que “consiste em um grande grupo que é identificado a partir de suas preferências,

    poder de compra, localização geográfica, atitudes de compra e hábitos de compra similares”.

    Ainda, aborda sobre a captação de oferta que a segmentação acarreta, beneficiando a

    demanda, já que “os segmentos são grandes e atraem vários concorrentes”.

    Enquanto segmentos que o turismo pode apresentar, Ansarah e Netto (2010) discorrem

    sobre quão recente é esta abordagem no turismo brasileiro. Somente na última década do

    século passado, passou-se a discutir as frações de mercado do turismo na grade curricular dos

    profissionais da área. Um contraponto, se considerarmos que em 1950 já se discutia a

    temática da segmentação turística em âmbito mundial.

  • 23

    Ansarah (1999), em sua obra que trata especificamente sobre a segmentação do

    mercado turístico, apresenta oito segmentos: turismo de negócios; turismo de incentivos,

    referente aos promovidos pela organização como premiação para os colaboradores,

    resumidamente; turismo de eventos; os parques temáticos, este com uma demanda bastante

    específica; turismo religioso; turismo no espaço rural; turismo para single, ou seja, para os

    que viajam sozinhos e buscam experiências que incluem a socialização durante o percurso e;

    o turismo GLS8.

    Já com relação à segmentação pelo Ministério do Turismo, no ano de 2014, foi

    apresentado o documento intitulado Marcos Conceituais, reunindo os segmentos turísticos

    desenvolvidos no país. Em uma relação com maiores especificidades, o documento destaca

    doze segmentos: turismo social, cultural, ecoturismo, esporte, rural, sol e praia, náutico,

    negócios e eventos, aventura, estudos e intercambio, saúde e o turismo de pesca. Contudo,

    como já mencionado anteriormente, o turismo está em constante inovação e até mesmo, em

    adaptação, quando se consideram as preferências e potenciais da demanda.

    Com efeito, a alternância no turismo pode ser entendida como uma verdadeira

    adequação entre os agentes envolvidos, oferta e demanda, haja vista o atendimento dos

    interesses comuns entre estes. Guimarães (2006) discute a evolução do setor que, mesmo

    sendo contemporâneo, apresenta atualizações constantes decorrentes do influente processo

    capitalista. Em suas palavras:

    Isso significa que o turismo, assim como outros fenômenos estudados pelas Ciências

    Humanas, tem sido analisado como tendo um “antes” e um “depois”, ou seja, o

    turismo aparece como fenômeno da modernidade associado à industrialização e à

    produção em massa, mas passa, na contemporaneidade, a sofrer modificações, como

    reflexo das mudanças no processo produtivo capitalista mais global (2006, p.2).

    Guimarães (2006) ainda apresenta considerações importantes que auxiliam no

    entendimento do processo evolutivo do turismo, visto, por exemplo, na crescente

    segmentação deste. Em sua análise acerca de Bauman9, a autora destaca o comportamento

    humano no consumo do lugar, onde o turista busca uma experiência e quando essa se esgota,

    parte em busca de outra que lhe remeta o mesmo sentimento de saciedade.

    Neste sentido, podemos compreender o movimento da segmentação do turismo, haja

    vista a constante necessidade em aprimorar as especificidades do turismo e adaptá-las ao

    consumo dos turistas.

    8Termo utilizado para especificar gays, lésbicas e simpatizantes.

    9BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

  • 24

    Exemplo disso é o turismo de fronteira, que vem sendo discutido pelo próprio

    Ministério desde 2004, por meio do FRONTUR10

    e que ganhou espaço nos últimos anos, pois

    a fronteira e o turismo estão ligados intimamente, como será tratado em seguida.

    2.2. Turismo de fronteira

    O turismo, enquanto setor que está em constante movimento, como fora discutido

    anteriormente, transfere tal característica aos seus segmentos, como podemos verificar no

    turismo de fronteira. Para este entendimento, devemos, a priori, considerar as premissas que

    uma fronteira carrega consigo, como argumenta Pesavento (2006) ao destacar o contato entre

    dois ou mais espaços, como uma margem que as aproxima, proporcionando trocas e diálogos

    entre os envolvidos.

    Santos (1996) expressa à relação que a localização da fronteira contribui para que o

    espaço esteja em constante mudança e formação, ainda que o dinamismo presente esteja

    ligado às prioridades do capital, neste caso, ligado aos interesses da oferta sob à demanda.

    A riqueza que envolve o espaço fronteiriço, desperta, intriga e convida para as

    relações existentes e que possam existir, promovendo uma experiência demandada por

    muitos, como discorre Cavalcante (2014, p.9):

    Na região de fronteira a circulação de um país ao outro permite aos turistas a

    convivência com o diferente, sendo este, muitas vezes, o maior atrativo turístico

    dessas regiões. A diversidade cultural consome positivamente a ideia do

    desconhecido, do novo, proporcionando aos turistas uma troca salutar de

    informações que possibilitam integração entre diferentes culturas e um crescente po-

    tencial a desenvolver nas regiões fronteira.

    O turismo de fronteira pode ser encarado como a relação entre um espaço e um setor

    pulsante, que se materializa em um segmento intimamente ligado a economia e seu

    desenvolvimento, como aborda Santos e Ruckert (2014, p.1107):

    Nos últimos anos, a questão sobre fronteira está sendo utilizada também no setor de

    turismo. Onde, estes estudos surgem nas questões governamentais e acadêmicas

    levando ao turismo a existência de uma nova modalidade, uma vez que o turismo se

    desenvolve como uma atividade dinâmica. No entanto, foi com processo de

    integração econômica que tais oportunidades começaram a surgir.

    Os autores ainda conceituam o turismo de fronteira, em uma visão que o relaciona ao

    movimento entre fronteiras, ou seja, a transfronteirização. Em suas palavras:

    10

    Referente aos Seminários Internacionais de Turismo de Fronteira, que ocorreram entre 2004 e 2010, cujas

    discussões foram sistematizadas e publicadas. Ver mais em:

    http://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Frontur_2004

    _2010_MTur_10_12_14_-_Ana_Luxsa_Figueiredo3.pdf

    http://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Frontur_2004_2010_MTur_10_12_14_-_Ana_Luxsa_Figueiredo3.pdfhttp://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Frontur_2004_2010_MTur_10_12_14_-_Ana_Luxsa_Figueiredo3.pdf

  • 25

    Diante disso, a conceituação do turismo de fronteira está ligada a viagem aos

    territórios transfronteiriços, entre países para poder aproveitar seus diferentes

    potenciais turísticos, quer seja a paisagem natural, aventura, lazer, eventos culturais,

    gastronomia entre outros tantos (FERREIRA; TAVARES, 2012, p.3).

    Sobre a transfronteirização há diversos entendimentos apresentados por pesquisadores

    da área. Ruckert e Gransland (2012, p.94-95) reuniram alguns desses, discorrendo sobre a sua

    incorporação nas políticas dos países, promovendo uma mudança positiva aos territórios

    transfronteiriços “mesmo em cenários de redobradas vigilâncias sobre as fronteiras, controles

    tecnológicos e novas políticas de defesa externa”.

    Por transfronteirização entende-se o conjunto de processos de utilização e da

    importância dada a uma fronteira, e se materializa quando “los habitantes de ambos lados

    transcienden La frontera (impuesta o heredada) y la incorporan en sus estrategia de vida

    através de múltiples modalidades” (GUILBERT; LIGRONE, 2006, p.534)

    Desse modo, podemos dizer que o turismo de fronteira se trata de uma curiosidade

    individual pela cultura do outro, buscando através da experiência empírica, absorver uma

    realidade diferente e, portanto, desenvolver um conteúdo de vida.

    Para que o turismo de fronteira possa existir e se desenvolver, a integração entre os

    territórios é necessária, inclusive enquanto meio de crescimento econômico e

    desenvolvimento para o espaço, reforçando os benefícios que o segmento pode proporcionar.

    Como discorre Ferreira e Tavares (2012, p. 3):

    Sendo esta integração, um elo promotor do crescimento das atividades ligadas ao

    turismo, a qual estará inserida em um contexto de desenvolvimento marcado pelo

    crescimento econômico e sustentável dos lugares. Além disso, o processo de

    integração permitirá aos turistas uma maior acessibilidade e mobilidade entre os

    atrativos turísticos existentes nas fronteiras.

    A fronteira é um espaço que proporciona e oportuniza o turismo. Isto pode ser

    evidenciado nas características de uma fronteira, como apontam Castrogiovanni e Gastal

    (2006, p.8), ao expressar que a fronteira é um “espaço de fixos (casas, lojas, praças,

    monumentos...)”, mas salienta que é muito mais um “espaço de fluxos: moradores de lado a

    lado, turistas, caminhoneiros, comércio, trocas...”. O fluxo de turistas é presente no espaço

    fronteiriço.

    Tão logo, percebe-se que o turismo de fronteira se constrói em algumas premissas.

    Uma delas está ligada à população local, de ambos os territórios fronteiriços que, pelo

    cotidiano, transformam o espaço constantemente, visualizando oportunidades, enfrentando

    dificuldades, tudo no intuito de sanar suas necessidades, muitas vezes referentes à economia,

    haja vista a amplitude de oportunidades que nascem incessantemente na fronteira. A outra

    ainda está ligada à população local, mas com vias em atender aos não-residentes, ou seja, aos

  • 26

    turistas que visitam um destino. Isto porque a fronteira proporciona, em maioria, a

    oportunidade do seu desenvolvimento pelo turismo, que atrai visitantes pela dupla experiência

    sociocultural em um espaço dinâmico, intrigante e específico.

    Isto se dá pelo ambiente de complementaridade exercido pela fronteira, a qual se

    adapta ao cotidiano da mesma e incorpora uma relação articulada independente dos centros

    urbanos (ARAÚJO, B., 2016).

    A complementariedade é, também, expressa na conveniência que a fronteira

    oportuniza às pessoas, principalmente aos residentes, que escolhem utilizar as vantagens

    proporcionadas pelo outro lado, diariamente (LAMOSO, 2016; ALLIS, 2008).

    Casos onde a interação social abrange a econômica, por meio do turismo, têm maior

    facilidade em ocorrer no caso das cidades gêmeas, ou seja, municípios que apresentam uma

    verdadeira aderência e que se funde em uma zona urbana pulsante, separadas somente por

    uma linha política que demarcam os territórios (PRADO,2014). Para efeitos de planejamento,

    o status de cidade gêmea é dado a 32 municípios no Brasil, sendo 12 no estado do Rio Grande

    do Sul, 7 no Mato Grosso do Sul, 4 no Acre, 3 no Paraná, 2 em Roraima e 1 no Amapá,

    Rondônia e Amazonas, sendo que para estes ou qualquer outro espaço fronteiriço tenham

    desenvolvimento, há necessidade de formulação de políticas públicas integradas, com diálogo

    de ambos os lados (BRASIL, 2016).

    Muitas vezes o diálogo ocorre de maneira insipiente, como apontado por Soares,

    Scherer e Madruga (2016), ao discorrer sobre a questão da implementação da lei 12.723/2012,

    também chamada de lei dos free shops. As autoras expressam a realidade de dois pares de

    cidades gêmeas no Rio Grande do Sul, (Chui-BR com Chuy-UR e Jaguarão-BR com Rio

    Branco-UR), onde os municípios brasileiros carecem de desenvolvimento, decorrente, em

    partes, dos free shops localizados no lado Uruguaio da fronteira, que favorecem os gastos dos

    brasileiros por seus produtos serem isentos de tributos, potencializando o turismo de compras

    na fronteira. Nesta nuance, é provocada a ideia de que a ausência de integração e

    complementariedade em territórios fronteiriços podem desfavorecer a equidade destes

    espaços.

    Contudo, o turismo de compras na fronteira, quando promovido para benefício do

    território fronteiriço bilateral, pode ser um indutor de desenvolvimento ao contemplar

    serviços turísticos de um lado (hospedagem, alimentação, transporte, etc) e os produtos

    importados com preços atrativos pela isenção fiscal do outro lado da fronteira (além de

    alimentação parcial, programas de lazer etc.) (ALLIS, 2008).

  • 27

    Entretanto, quando há integração pelo turismo, os resultados, ainda que não sejam

    ideais, agregam o espaço fronteiriço, como no caso da tríplice fronteira entre Brasil,

    Argentina e Paraguai. Biesek e Palhares (2011, p.10) destacam o cenário turístico desenhado

    pelo roteiro Iguassu Missiones, primeiro roteiro turístico do Mercosul, sendo “um excelente

    espaço para mostrar a integração do Mercosul, e uma oportunidade única de fortalecimento

    das relações entre os países e, consequentemente, de estímulo à integração entre seus povos,

    na busca da melhoria da qualidade de vida”. As autoras afirmam, ainda, o caráter

    desenvolvimentista do turismo para o espaço fronteiriço, o qual deve ser constantemente

    construído pela visão integrada entre os países envolvidos.

    Banducci Junior (2011), ao apresentar a integração do turismo de fronteira pela cultura

    e a identidade entre o Brasil e o Paraguai, traz à discussão do turismo e seus efeitos quando

    desenvolvido na fronteira. Em suas palavras:

    O turismo, da mesma forma, na medida em que propicia o contato entre distintas

    culturas, não apenas promove o encontro e o diálogo de identidades, mas cria

    ambientes de negociações e conflitos sociais, de resistência e confrontos políticos

    que advêm de condições históricas internas, assim como das contradições colocadas

    pela situação de contato entre sociedades e culturas diversas (2011, p.10).

    Nesta nuance, o diálogo e a integração propostos pelo turismo fronteiriço, despertam

    discussões que devem ser trabalhadas em conjunto no espaço fronteiriço, convergindo para o

    benefício comum, onde o “contato propiciado pelo turismo é uma circunstância de

    permanentes negociações identitárias e políticas, um contexto marcado por uma linha tênue

    entre o intercâmbio e o conflito de ideias e valores históricos, sociais e culturais”

    (BANDUCCI JUNIOR, 2011, p.16).

    Quando tratamos do turismo de fronteira, enquanto setor de desenvolvimento para o

    espaço fronteiriço, não são poucos os exemplos de ocorrência, como no caso do Rio Grande

    do Sul, o qual possui maior quantitativo de cidades gêmeas do país, cujo fluxo de chegada de

    turistas internacionais foi de 1.080.478 turistas em 2015, 19,04% mais que em 2014, um

    verdadeiro corredor de turistas, se compararmos com a entrada de turistas internacionais no

    Paraná (758.973 turistas em 2015) e Santa Catarina (149.133 turistas em 2015), ambos na

    região sul do país, ou ainda no Mato Grosso do Sul que foi o acesso escolhido por mais de

    56.600 turistas em 2015, para entrar no Brasil (BRASIL, 2016).

    O fluxo turístico fronteiriço é um movimento de soma e de busca, visto que a fronteira

    ganha vida com os saberes e fazeres dos espaços envolvidos, como destacado por Biesek e

    Palhares (2011, p.5) “As fronteiras são espaços de justaposição de referentes significados,

    significa um espaço entre dois ou mais espaços estáveis que compreende uma grande mistura

    cultural”.

  • 28

    Allis (2008), em seu trabalho sobre o turismo de compras na fronteira do Brasil com a

    Venezuela, destaca os atrativos que envolvem o espaço fronteiriço, ressaltando outras

    peculiaridades do Estado Bolivar para a atração de turistas, como no acesso as praias

    caribenhas. Contudo, ainda que variáveis econômicas como câmbio e isenções fiscais possam

    ser de grande importância para o fluxo turístico fronteiriço, estes não são os únicos, pois a

    fronteira em si, já desponta como grande atrativo, como destaca o autor.

    No estado do Mato Grosso do Sul, os municípios considerados cidades gêmeas são

    Bela Vista, Coronel Sapucaia, Corumbá, Mundo Novo, Paranhos, Ponta Porã e Porto

    Murtinho. Entre estes, destacamos Ponta Porã cuja cidade gêmea é Pedro Juan Caballero no

    Paraguai, com o turismo de fronteira consolidado pelas compras internacionais (PEREIRA et

    al, 2014) e Corumbá, que faz fronteira com a Bolívia, cuja presença de turistas no espaço

    fronteiriço apresentou crescimento superior a 6% nos últimos quatro anos(CORUMBA,

    2016).

    Como podemos perceber, conforme conceitos e dados expressos anteriormente, a

    fronteira é um meio e não um fim. É um espaço de grande conteúdo e o fluxo existente mostra

    sua dinâmica. Uma das dinâmicas existentes na fronteira se materializa pelo turismo, sendo o

    turismo de fronteira um grande integrador dos territórios fronteiriços, podendo ser

    compreendido como condutor de desenvolvimento, pelo acionamento econômico

    proporcionado pela atividade, como será abordado no próximo item.

    2.3. Turismo como indutor do desenvolvimento territorial

    Para que possa observar o desenvolvimento em um espaço, há de se entender o que

    isso configura. Diferentemente de crescimento, que está associado às variáveis quantitativas,

    índices e números, o desenvolvimento é muito mais abrangente. No contexto econômico, por

    exemplo, crescimento está relacionado ao resultado positivo que o produto interno bruto de

    um país apresenta de um ano para outro, já desenvolvimento econômico ocorre concomitante

    ao crescimento e proporciona mudanças sociais, sendo estas ligadas a melhoria da qualidade

    de vida da população (SIEDENBERG, 2006).

    Tão logo, podemos perceber que o desenvolvimento está ligado a mudanças mais

    profundas e até mesmo específicas, quando nos deparamos a gama de desenvolvimentos

    particulares como o sustentável, rural e o territorial. Lima (2012, p.173) aborda essa

  • 29

    perspectiva multidimensional do desenvolvimento enquanto um avanço na noção

    simplificada, sendo que pelo viés territorial:

    [...]convida a valorização da dimensão espacial nos processos de planejamento das

    políticas públicas, a partir do estreitamento da relação entre Estado Sociedade e do

    olhar híbrido e multidimensional sobre o então chamado território.

    Ainda enquanto a noção de território, e para o melhor entendimento do

    desenvolvimento territorial, Saquet e Briskievicz (2009) tratam o território enquanto a sua

    dimensão física, tamanho, localidade, e a territorialidade como o resultado dos processos

    produtivos de cada território, efetivadas pelas relações sociais dos que ali habitam ou

    transitam. Ou seja, “A territorialidade corresponde às relações sociais e às atividades diárias

    que os homens têm com sua natureza exterior. É o resultado do processo de produção de cada

    território” (SAQUET e BRISKIEVICZ, 2009, p.8).

    Enquanto desenvolvimento territorial, Pecqueur (2005, p.12) define que:

    O desenvolvimento territorial designa todo processo de mobilização dos atores que

    leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na base de

    uma identificação coletiva com uma cultura e um território.

    O desenvolvimento territorial, apresentado por Pecqueur (2005), incorre da relação

    de três afirmações, as quais envolvem o entrosamento dos atores locais envolvidos com

    auxílio ou não de políticas públicas e ainda, que tal desenvolvimento seria uma consequência

    da globalização, por meio de estratégias, que agiriam enquanto uma promotora das mudanças

    no território. O autor sintetiza:

    Trata-se de uma estratégia de adaptação na medida em que esse processo é reativo

    em relação à globalização. Em outros termos, essa estratégia visa permitir aos atores

    dos territórios reorganizarem a economia local face ao crescimento das

    concorrências na escala mundial. (PECQUEUR, 2005, p.12)

    No Brasil, o conceito de desenvolvimento territorial foi amplamente discutido com

    ênfase ao ambiente rural. Kloster e Cunha (2014), ao realizarem um resgate histórico da

    segunda metade do século passado, quanto aos movimentos de industrialização urbana e de

    modificações das estruturas rurais brasileiras, apontam as políticas públicas que estimularam

    o desenvolvimento territorial rural. Nesta nuance, pelo viés das políticas públicas, destacam as

    variáveis que abarcam o desenvolvimento territorial, onde há necessidade fundamental de se

    considerar os aspectos endógenos do território, bem como a integração do diálogo entre os

    agentes envolvidos.

    A concepção de desenvolvimento territorial procura valorizar as potencialidades

    locais e regionais e observar as variáveis endógenas que podem explicar as

    dinâmicas de desenvolvimento diversificadas, concretizadas em trajetórias

    particulares destes locais e regiões (KLOSTER; CUNHA, 2014, p.10).

    Lima (2012) ainda menciona a renúncia sobre a ação política verticalizada do Estado,

    reforçando que o desenvolvimento de um território pode ser alcançado quando os diálogos,

  • 30

    proposições e instituições de políticas públicas passam a ser, prioritariamente, realizados no

    espaço, valorizando as peculiaridades existentes e acionando, de maneira endógena, as ações

    de desenvolvimento.

    Renato Maluf (2010), em sua palestra11

    , adiciona a importância da valorização e do

    reconhecimento do território, este enquanto construção social, como o resultado da

    conformação que prioriza os atores sociais e as especialidades do território, para o alcance do

    desenvolvimento territorial.

    Para que haja o desenvolvimento territorial, além do estreitamento das tratativas

    territoriais para a esfera local, há de se promover a descentralização de políticas públicas e da

    tomada de decisão, onde a organização de grupos integrados deve agir como demandantes de

    ações, agentes cobradores de soluções para o território, mas também sejam ofertantes

    propositivos, colaboradores de soluções para o desenvolvimento territorial.

    Ainda, para que ocorra o desenvolvimento territorial, é vital a interação e integração

    do território compreendido, respeitando os agentes locais e sua história. Saquet e Briskievicz

    (2009, p.15) sustentam que:

    Desenvolvimento territorial significa considerar, tanto no nível teórico como no

    real, os componentes do território e da territorialidade numa concepção renovada

    histórico-crítica e o desenvolvimento como processo histórico de luta pela conquista

    de melhores condições de vida, seja no campo seja na cidade.

    A interação e o aproveitamento do território, enquanto suas potencialidades, está

    ligada a diversificação das atividades que possam ser aperfeiçoadas no território, pois dessa

    forma “surge a possibilidade de inovação com projetos de natureza estratégica, despertando os

    potenciais locais que podem vir a gerar riquezas[...]surge a possibilidade da criação de novas

    atividades econômicas não agrícolas como o turismo”. (KLOSTER; CUNHA, 2014, p.12)

    Abella (2008, p.105), em sua tese sobre o turismo e o desenvolvimento territorial,

    corrobora ao conceito das novas formas de uso do território, por meio das variáveis

    endógenas, para o desenvolvimento, onde “las estrategias de desarrollo local, apoyándose en

    una nueva conceptualización del espacio, hallanen el territorio un recurso y un potencial de

    desarrollo endógeno”. O autor ainda contribui ao discorrer que o turismo passa a converter-se

    em um fator de desenvolvimento de territórios antes excluídos, indo de encontro com a

    demanda globalizada, estimulada por novos espaços.

    Atingir o patamar de desenvolvimento, considerando um espaço fronteiriço, pode

    apresentar sua complexidade, visto que o diálogo necessário para a obtenção deste patamar

    precisa envolver todo o espaço fronteiriço, ou seja, ambos os lados do limite fronteiriço,

    11

    IV Fórum Internacional de Desenvolvimento Territorial

  • 31

    sendo este um diálogo integrado no território, bem como a descentralização das proposições e

    políticas públicas.

    Nesta nuance, ainda que conceituando amplamente o tema, José Luis Coraggio

    (1997, p.10) defende a integração necessária para o desenvolvimento, sem que haja a

    necessidade de um novo setor socioeconômico, mas sim “de verlo como un eje-interactuante

    con otros subsistemas económicos: la economía empresarial capitalista, la economía

    públicadel desarrollo de la sociedad y la economía local en su conjunto”

    O desenvolvimento do território está intimamente ligado as mudanças sociais que

    promovem a construção e apropriação territorial. Essa visão, definida por Cammarata (2006),

    coloca o turismo como gerador de efeitos sociais, e suas práticas “constituy em implicâncias

    territoriales económicas, sociales y de modo de vida”. A autora ainda discorre que o

    diferencial está no uso do território pelo homem, sendo que a atitude natural deste não é de

    guardar coisas sem antes usar, mas sim de dar uma nova vida e reutilizar. Neste contexto, a

    chave está no processo de utilização de um território e das atividades turísticas, “que éstas se

    conviertan em herramientas para el desarrollo” (CAMMARATA, 2006, p.354).

    Um espaço fronteiriço apresenta, por si só, ganhos de competitividade no

    desenvolvimento, haja vista sua funcionalidade e oportunidades implícitas na

    transfronteirização, acarretando vantagens para induzir ao desenvolvimento. Exemplo disso

    foi destacado por Ruckert e Grasland (2012), ao abordarem conceitos sobre a pujança

    constante da fronteira, que se reinventa com frequência, se abrindo e/ou fechando, garantindo

    seu papel fundamental para o espaço fronteiriço12

    .

    Ser um indutor de desenvolvimento é entendido como ser um promotor deste,

    proporcionando ganhos para si e para quem está próximo. No turismo, um destino indutor de

    desenvolvimento tem a capacidade de atrair ou distribuir um fluxo de turistas para seu

    entorno, por meio da infraestrutura básica e turística instalada e seus atrativos, granjeando

    valências para todo o território (EMMENDOERFER et al., 2012).

    Cabe ressaltar como o turismo vem sendo utilizado como meio de desenvolvimento

    de diversos países, de grandes ou pequenas dimensões, como destaca Chicico (2012, p.14):

    “O turismo é uma atividade que tem sido apontada como estratégica para impulsionar o

    desenvolvimento tanto de nações hegemônicas, bem como das nações periféricas”. A autora

    ainda contextualiza, por meio da revisão de literatura, a postura de diversos pesquisadores que

    entendem o turismo enquanto um vetor de desenvolvimento, sendo este um produto que

    12

    AMILHAT-SZARY, Anne-Laure. Les frontières: peuvent-ellesêtre mobiles ...et comment? XIth BRIT

    Conference. Geneva, Grenoble. 6-9 Septembre 2011.

  • 32

    contribui significativamente no contexto da economia mundial, bem como sendo um meio de

    melhoria social (CHICICO, 2012, p.36).

    Para que um espaço seja compreendido enquanto desenvolvido, as variáveis

    econômicas estão implícitas no processo, visto que a melhora na condição de vida da

    população tem relação com a melhoria na renda e na cesta de consumo que possam adquirir

    (ROSSETTI, 2010). Muitas vezes um setor pode promover saltos de crescimento, inclusão

    social e envolvimento de outros segmentos, possibilitando o desenvolvimento através dele,

    como o caso do turismo.

    Kunz (2012, p.8-9) apresenta elementos que auferem ao turismo o potencial de

    indutor de desenvolvimento, mencionando a ação includente da sua cadeia produtiva. Em suas

    palavras:

    O turismo tem sido apontado, desde há muito anos, porém com um vigor cada vez

    maior, como um setor da economia dos mais promissores, tanto pela extensão da sua

    cadeia produtiva, quanto pelo efeito multiplicador que desencadeia, configurando,

    assim, importantes oportunidades de mercado e alternativa de desenvolvimento

    econômico.

    Como papel de indutor de desenvolvimento territorial, Beni (2007) entende que o

    turismo segue como promotor, gerando fluxo de divisas em seu entorno. Para Moesch (2000,

    p.100) pode ser um recurso estratégico e neutro, do ponto de vista político, resultando num

    maior equilíbrio, no que tange ao nível de renda, infraestrutura, justiça social e qualidade de

    vida da população envolvida. Em suas palavras, “o turismo seria capaz de “diluir divisores

    físicos” e “limites políticos” e tem cumprido, além disso, o papel de “alavanca simbólica” de

    desenvolvimento integrado, atuando, também, como “balizador da integração regional”.

    Ainda cabe salientar que o turismo, enquanto indutor de desenvolvimento territorial,

    proporciona uma gama considerável de empregos, diretos e indiretos, como exemplo do

    período de 2002 a 2008, onde a taxa de crescimento anual das ocupações formais e informais

    na cadeia produtiva do turismo foi de 3,6%, superando a média nacional de 2,6%, conforme

    apontou o Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada-IPEA (IPEA, 2010, p.334).

    Buscando retratar, de forma clara e precisa, a função desenvolvimentista e

    integradora que o turismo tem capacidade de apurar, o próximo tópico tem a finalidade de

    expor algumas tratativas coadjuvadas pelo turismo, com ênfase em espaços fronteiriços.

  • 33

    2.4. Diálogos e cooperação fronteiriça

    As discussões apresentadas, acerca da interação e o uso do território, convergem em

    um fator principal: a necessidade de diálogo. Os diálogos entre territórios, fundamentais para

    o pensar e o envolver, requerem algumas premissas críveis para sua efetividade. Costa e Costa

    (2015) discorrem sobre o assunto, apontando o que já fora mencionado no item 2.3, acerca da

    descentralização do estado na tomada de decisão, bem como reforça, corroborando com Fuini

    (2012), quanto à necessidade de articulação dos agentes entre territórios, com destaque aos

    territórios fronteiriços.

    Costa e Costa (2015, p.1) ainda reforçam que essa articulação pormenorizada,

    intensifica os processos para tomada de decisão, ancorados na gestão participativa “que

    atendam as singularidades e particularidades de cada território”.

    Ao se considerar a comunicação presente em um espaço fronteiriço, levanta-se

    inquietações sobre de quais formas ela pode ocorrer. Para pensar em um desenvolvimento de

    fronteira, deve-se pensar em inclusão, fundamentalmente, pois sem ela a fronteira poderá

    pender o desenvolvimento para um só lado. Para este trabalho, consideraremos as

    colaborações acerca da mobilidade na fronteira, enquanto premissa de diálogo e indutor para

    o processo de desenvolvimento.

    Pensar fronteira é pensar em mobilidade, como menciona Benedetti (2011, p. 3)

    quando considera uma relação contraposta em que a existência da fronteira depende da

    mobilidade que ela promove, pelo simples fato de existir, onde “existe, pues, uma relación

    dialéctica entre movilidad y frontera: los lugares de frontera atraen movilidades y las

    movilidades dan vida a esas localizaciones”. O autor ainda sintetiza que há fronteira caso haja

    mobilidade, e que esta é condicionada ao interesse de se conectar com o que está do outro

    lado da fronteira.

    Contudo, vale ressaltar que muitas vezes, infortunadamente, a fronteira é associada e

    resumida a espaços de tensão, desconforto, militarização e fiscalização, que restringem e

    limitam o seu desenvolvimento (PAIXÃO, 2006).

    Todavia, conforme os referenciais trazidos neste trabalho existem estudos e pesquisas

    que retratam as potencialidades das fronteiras, tais como os interesses que surgem entre os

    residentes no espaço, pelas oportunidades que se apresentam “do outro lado”. Neste contexto,

    a amenização da hostilidade desenhada na fronteira, ocorre em uma verdadeira relação de

    troca entre os lados, onde deve prevalecer o diálogo convergente ao desenvolvimento comum.

  • 34

    Andreatta (2016) aborda o “vanguardismo da cooperação transfronteiriça” nas regiões

    européias, que sofreram diversas transformações após a segunda guerra mundial13

    . Nela, o

    autor relaciona o uso dos territórios e os fluxos de materiais, recursos financeiros e

    informacionais, os quais “desencadearam experiências de integração pacífica e voluntária,

    sendo de longe, respostas significativas e de maior alcance em direção à concepção de

    cooperação para o desenvolvimento” (ANDREATTA, 2016, p.47).

    Este diálogo de cooperação fronteiriça ganhou força com o processo de globalização

    mundial, que passou a provocar a aproximação entre os países na busca pelos seus interesses

    (MARTINS, 2008). A autora relaciona a globalização e a aproximação, com a integração

    entre os envolvidos, enquanto uma consequência dessa relação que, conforme Tomassini

    (1988) provocou uma queda das prerrogativas nacionais, em vista de comunidade mundial.

    Martins (2008, p.13) aponta que os diálogos de cooperação fronteiriça podem ocorrer

    por dois estímulos econômicos:

    [...] o das atividades comerciais, porque com a regionalização se conforma um

    espaço protegido e seguro à realização das mercadorias dos países membros; os

    investimentos, pois as regiões integradas tendem a aumentar a área de atuação das

    empresas transnacionais, impulsionando com isso a estruturação de um mercado

    regional.

    Corroborando, Ferreira e Tavares (2012, p.2) discorrem sobre as oportunidades que

    surgem nas fronteiras, que teve seu início “com o processo de integração econômica que tais

    oportunidades começaram a surgir”.

    É sabido que a economia está intimamente ligada ao desenvolvimento, e na fronteira

    não é diferente. As diferenças de cultura, que normalmente já dinamizam a mobilidade entre

    os lados, são potencializadas pela economia e os atrativos postos por ela em uma efetiva

    relação de troca, como exemplifica Cavalcante (2014) ao estudar a fronteira de Pacaraima, em

    Roraima (Brasil) e Santa Helena de Uairén, na Venezuela. No seu estudo, a autora apresenta o

    consumo realizado pelos brasileiros no país vizinho, como serviços de táxi, por exemplo, com

    taxas de serviço atrativas que auxiliam a manutenção da oferta do referido segmento, bem

    como se beneficiam no consumo do combustível venezuelano, cujo valor é retratado como

    insignificante pela autora, estimulado em determinadas épocas, pelas variações no câmbio.

    Exis