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1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM DIREITOS HUMANOS VICKI ARAÚJO PASSOS SÉRGIO E MEDEIROS O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES Brasília Distrito Federal 2010 Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Direitos Humanos Trabalho de Conclusão de Curso O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES Brasília - DF 2010 VICKI ARAÚJO PASSOS SÉRGIO E MEDEIROS Orientador: Prof. Carlos Daniel Dell´Santo Seidel.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM DIREITOS HUMANOS

VICKI ARAÚJO PASSOS SÉRGIO E MEDEIROS

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

Brasília – Distrito Federal

2010

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Lato Sensu em Direitos Humanos

Trabalho de Conclusão de Curso

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS

NORTEADORES

Brasília - DF

2010

VICKI ARAÚJO PASSOS SÉRGIO E MEDEIROS

Orientador: Prof. Carlos Daniel Dell´Santo Seidel.

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Lato Sensu em Direitos Humanos

Trabalho de Conclusão de Curso

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

Autora: VICKI ARAÚJO PASSOS SÉRGIO E MEDEIROS

Orientador: Prof. Carlos Daniel Dell’Santo Seidel.

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Lato Sensu em Direitos Humanos

Trabalho de Conclusão de Curso

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

Autora: VICKI ARAÚJO PASSOS SÉRGIO E MEDEIROS

Orientador: Prof. Carlos Daniel Dell’Santo Seidel.

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Especialista em Direitos Humanos.

Brasília - Distrito Federal

2010

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Dedico este trabalho ao meu esposo e aos meus filhos, esperançosa de que minha descendência gozará de uma efetiva política que atinja seus objetivos garantindo a aplicação dos direitos humanos a todos.

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Agradecimentos

A Deus, meu pilar, que me faz forte quando estou fraca.

Ao meu esposo, Leonardo Luiz, que com muito amor, dedicação e

empenho, me apoiou incondicionalmente.

Aos meus filhos Maria Luiza e Eduardo por, mesmo sem entender, deixar a

mamãe ir trabalhar, resolver problemas e estudar.

A minha irmã, muito amada, que me ajudou muito com discussões que

enriqueceram este trabalho.

Ao meu orientador, prof. Carlos Daniel, que deu o rumo para a construção e

concretização desse trabalho, mas, mais do que isso, me mostrou que eu

seria capaz.

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RESUMO

Referência: MEDEIROS, Vicki Araújo Passos Sérgio e. O Programa de Proteção e seus Princípios Norteadores. 2010. 64 páginas. Monografia de Especialização em

Direitos Humanos – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.

O Programa de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas Brasileiro vem sendo construído e desenvolvido ao longo dos anos. O país é signatário de diversos acordos internacionais que auxiliaram na elaboração da Lei 9.807/1999, regulamentada pelo Decreto 3.518/2000, servindo de base também à própria Constituição Federal de 1988.

Os principais acordos relacionados à proteção a vítimas e testemunhas que o Brasil participa baseiam-se especialmente em três princípios básicos dos Direitos Humanos: Universalidade, Indivisibilidade e Interdependência. Observa-se neste trabalho que a legislação contempla de forma satisfatória aos princípios básicos, mas comenta-se também que a efetividade do programa precisa evoluir sobremaneiramente para atingir seu objetivo final.

Palavras Chave: Direitos Humanos, princípios. Lei 9.807/1999, decreto 3.518/2000.

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ABSTRACT

Reference: MEDEIROS, Vicki Araújo Passos Sérgio e. The Protection Program and its Guiding Principles. 2010. 64 pages. Monograph Specialization in Human

Rights – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.

The Program of Assistance to Victims and Threatened Witnesses Brazilian has been constructed and developed over the years. Our country is signatory to several international agreements that helped in drafting the Law 9.807/1999, regulated by Decree 3.518/2000, also serves as the basis of the Constitution of 1988.

The main agreements related to the protection of victims and witnesses that Brazil participates especially based on three basic principles of Human Rights: Universality, indivisibility and interdependence. It is noted here that the legislation provides a satisfactory basic principles, but said also that the effectiveness of the program needs to evolve considerably to achieve their ultimate goal.

Key Words: Human Rights, principles. Law 9.807/1999, decree 3.518/2000.

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ABREVIAÇÕES

a.C. – antes de Cristo

Art. – artigo

CF – Constituição Federal

CGPT – Coordenação-Geral de Proteção as Testemunhas

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

d.C – depois de Cristo

GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares

MJ – Ministério da Justiça

MP – Ministério Público

ONG – Organização não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PNDH – Programa Nacional Direitos Humanos

PROVITA – Programa de Proteção a Testemunhas, Vítimas e Familiares

de vítimas de violência.

SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos

V. - volume

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................11

CAPÍTULO I – História dos Direitos Humanos..............................................15

1.1 Breve histórico dos Direitos Humanos.........................................................16

1.2. A Primeira geração de Direitos: Os Direitos de Liberdade.........................18

1.3 A Segunda Geração de Direitos: Os Direitos de Igualdade........................20

1.4.A Terceira Geração de Direitos: Os Direitos dos Povos .............................22

CAPÍTULO II - O Programa de Proteção e Assistência a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas...............................................................................24

2.1 Origem.........................................................................................................24

2.2 Necessidade de criação do Programa ........................................................26

2.3 Necessidade de normatização do Programa...............................................28

2.4 Regras dos Programas................................………………..........................29

CAPÍTULO III – Princípios Norteadores do Programa de Proteção............35

3.1 Princípios Básicos dos Direitos Humanos...................................................35

3.2 Universalidade em um mundo globalizado..................................................35

3.3 Indivisibilidade..............................................................................................38

3.4 Interdependência.........................................................................................42

CAPÍTULO IV – Recomendações da ONU.....................................................43

4.1 Recomendações da ONU para o Programa de Proteção............................43

4.2 Assistência à Vítima.....................................................................................43

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CAPÍTULO V – Análise ...................................................................................48

5.1 Sob a ótica do princípio da universalidade..................................................48

5.2 Sob a ótica do princípio da indivisibilidade.................................................51

5.3 Sob a ótica do princípio da interdependência.............................................52

5.4 Análise das recomendações da ONU sob a luz dos princípios dos Direitos

Humanos............................................................................................................57

CONCLUSÃO....................................................................................................61

BIBLIOGRAFIA.................................................................................................63

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INTRODUÇÃO

Com a prática profissional que a autora teve, de 2004 a 2008 - na

Coordenação-Geral de Proteção a Testemunhas - CGPT, ela aprendeu que a

teoria do Programa não necessariamente é vivenciada na prática e que a

burocracia exigida para a inclusão é um fator que gera insegurança, criando na

autora um sentimento de frustração.

Para entender melhor este trabalho convém destacar qual o motivo

ensejador da criação de tal política pública e qual sua estrutura.

O principal motivo da implantação do Programa é o aumento dos crimes

violentos em todo país, sobretudo nas grandes cidades. Apesar do crescimento

da violência, o Estado se mostra ineficaz para garantir a segurança da

população, o que gera um sentimento difundido de impunidade e medo.

Cita-se a afirmação de Valdênia Brito Monteiro:

“Pode-se dizer que o aumento da criminalidade, no

contexto da baixa eficiência das instituições do

sistema de justiça criminal, combinado aos seus

efeitos sobre a sensação de insegurança, constitui

uma ameaça do ponto de vista objetivo e/ou

subjetivo, uma vez que ambos comprometem a

capacidade da vítima/testemunha de fazer valer

seus direitos”. (2002: 10)

Em consequência do aumento da criminalidade cresce

consideravelmente o número de pessoas que presenciam esses crimes e que

começam a ser intimidadas. As ameaças comprometem a mobilização das

testemunhas para o depoimento, dentre outras limitações.

Vale destacar a importância da prova testemunhal no direito penal

brasileiro:

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“o silêncio das testemunhas é o termômetro mais

evidente a compelir a angustiante procura de

mecanismos efetivos e visíveis, que atuem como

instrumentos alternativos na tentativa por buscar

formas de solução dos conflitos sociais”.

(VELÔSO,1999:3)

O fito do processo penal é cumular a ação com provas que convençam o

juiz para solucionar o crime e o depoimento testemunhal é uma dessas provas.

Provar um fato é possibilitar a certeza judiciária sobre o que aconteceu. A

prova testemunhal é de fundamental importância para a realização da justiça

penal, tendo em vista que a dificuldade ou a impossibilidade da produção da

prova tem levado a um acentuado aumento da impunidade, mesmo

reconhecendo-se que a prova testemunhal tem suas falhas.

Vale mencionar que em matéria penal a palavra testemunha vem de

testibus, que significa confirmar, asseverar, expressar a veracidade de algum

fato. Testemunha vem a ser, no latu senso, toda coisa ou pessoa que assiste a

determinado fato.

Portanto, dá para entender que testemunha é:

“todo homem, estranho ao feito e eqüidistante às

partes, capaz de depor, chamado ao processo para

falar sobre fatos caídos sob seus sentidos e relativos

ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das

partes convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a

pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos

sabidos e concernentes à causa”.

(ARANHA, 1999: 140).

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Para sanar ou amenizar a situação de ameaça vivida pelas

testemunhas, foi criado o Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas

Ameaçadas.

O Programa é gerenciado pela Secretaria Especial dos Direitos

Humanos – SEDH, da Presidência da República, que, por meio da

Coordenação-Geral de Proteção a Testemunhas, é o órgão responsável por

implementá-lo, mantê-lo e aprimorá-lo. A execução das atividades é

descentralizada por meio da assinatura de convênios com as Secretarias

Estaduais, na maioria das vezes, aquelas responsáveis pela área de direitos

humanos. Estas, por sua vez, firmam parcerias com ONGs que atuam na área

de direitos humanos e que serão responsáveis diretas pelo acolhimento dos

beneficiários do programa.

O Decreto n˚ 3.518/00, ao regulamentar o Programa, prevê uma série de

medidas a serem adotadas, visando garantir a integridade física e psicológica

das pessoas que devem cooperar com o sistema da justiça, valorizando a

segurança e o bem-estar dos beneficiários. Pretende-se também, além da

proteção à vida, promover a reinserção social dos beneficiários em novas

comunidades, de forma sigilosa e contando com a participação de entidades da

sociedade civil na formação de uma rede solidária de proteção.

O Programa apresenta um aspecto distinto em relação às experiências

internacionais mais relevantes. A execução das ações de proteção a

testemunhas está centrada na sociedade civil, ao contrário do caráter mais

estatal em outros países. Esse formato é resultado de processo histórico

desenvolvido em um ambiente com níveis ainda elevados de corrupção dos

agentes públicos. Se, por um lado, o Programa tem sido bem sucedido nesse

contexto, também é necessário reconhecer a existência de dificuldades que

podem comprometer seu desempenho, especialmente diante da perspectiva de

ampliação da sua cobertura e do contato com níveis crescentes de influência

do crime organizado.

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Essa monografia tem o objetivo de contribuir criticamente para ampliar

as discussões sobre o tema em tela.

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CAPÍTULO I – História dos Direitos Humanos

A partir da concepção fundamental de dignidade humana, a qual que

permeia a vida das mais remotas civilizações, a população começou a criar

consciência da necessidade de mudança nas relações entre si e entre homem

e poder político. Essa observação só pôde se efetivar a partir da noção básica

de dignidade humana.

Comparato (1997: 29) explica que a dignidade de cada homem consiste

em ser um ser cujo valor ético seja superior a todos os demais, ou seja, para

ele a ética deveria prevalecer sobre outros valores. O mais importante é que o

fato sobre o qual se funda a titularidade dos direitos humanos é, pura e

simplesmente, a existência do homem, sem necessidade alguma de qualquer

outra característica ou especificação. É que os direitos humanos são direitos

próprios de todos os homens, enquanto homens. Trata-se, em suma, por esta

natureza, de direitos universais.

Consta na Declaração Universal dos Direitos do Homem a visão de que

os Direitos Humanos deva ser um “ideal comum a ser atingido por todos os

povos e todas as nações”. Além disso, propõe a Declaração que os direitos

humanos sejam “Consciência moral da humanidade”, “horizonte moral”,

“consciência moral universal”. Esses são modos distintos de assimilar o caráter

essencialmente ético dos Direitos Humanos, que nada mais é que o conjunto

de valores básicos e irrenunciáveis para o homem.

O aspecto de maior relevância acerca do conceito de Direitos Humanos

é o reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Tal dignidade tem o

papel de guiar a ordem jurídica vez que estabelece “o bom e o justo” para o

homem. Portanto, estabelece o “dever de ser” da ordem jurídica.

Neste inacabado processo de definição da dignidade humana, Sorondo

(2010: 5) menciona duas questões importantes: a definição do papel do

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governante e os limites de seu poder, e a preocupação em estabelecer o ideal

de dignidade do homem.

Em um primeiro momento, é necessário esclarecer que no caso da

legislação brasileira, tanto a ordenação constitucional como a

infraconstitucional, reconhecem os direitos humanos como valores éticos a

serem seguidos e por eles se norteiam.

Em um segundo momento, talvez até mais importante que o simples

estabelecimento de normas, é necessário que os direitos reconhecidos pela

constituição e pelas leis, quando são transgredidos legitimem os titulares

ofendidos para pretenderem dos tribunais de justiça o restabelecimento da

situação e a proteção do direito subjetivo, utilizando, se for necessário, o

aparato coercitivo do Estado.

Levando-se em consideração a importância dos direitos humanos, é de

se notar os efeitos que estes projetam no ordenamento jurídico das

sociedades: os Direitos Humanos orientam a ordem jurídica e exercem uma

função crítica sobre a ordem existente por ser formador de opinião pública e

questionador dos fatores econômicos, sociais e políticos que impedem sua

completa realização.

1.1 Breve histórico dos Direitos humanos

Para entender melhor a história dos Direitos Humanos é necessário

destacar as grandes etapas que assinalam a progressão do conteúdo e do

conceito:

Formulação de princípios e reivindicações que constituem o embrião do

conceito de direitos humanos, esta foi uma grande etapa que vem das

origens da História e chega ao século XVIII.

A organização dos Direitos de Primeira Geração, que consagram as

liberdades civis e os direitos políticos. São chamados “Direitos de

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Liberdade” e são afirmados para contrapor ao Estado absolutista,

protegendo assim, o indivíduo em relação ao poder estatal.

A conquista dos direitos sociais, econômicos e culturais, denominados

Direitos de Segunda Geração ou Direitos de Igualdade. Essa etapa foi

criticada por pensadores socialistas, mas significaram mudanças

importantes na consciência sobre quais seriam as necessidades básicas

do homem.

A etapa de formulação dos Direito dos Povos, que constituem a Terceira

Geração de Direitos Humanos, chamados direitos de solidariedade,

onde os povos são vistos como sujeitos de direito.

A humanidade, desde as mais diversas culturas, procura ideais e

aspirações que respondem à variedade de suas condições materiais de

existência, de seu desenvolvimento cultural, de sua circunstância política.

Percebe-se que os direitos humanos nascem com o homem e as raízes de seu

conceito se fundem com a origem da História percorrendo-a em todos os

sentidos.

Portanto, assinalar traços comuns a todo este período não é tarefa

possível, mas se constata que muitos princípios de convivência, de justiça, e a

própria idéia de dignidade da pessoa humana são colocados em prática entre

diferentes povos em períodos distintos. Não foi uma evolução padronizada,

igual em todas as comunidades, mas cada uma se desenvolveu com um

prisma e um nível de progressão diferente.

Primitivamente, no código de Hamurabi (1700 a.C.), já se tem a

definição da lei como garantia dos mais fracos, ou seja, a idéia inicial dos

direitos humanos. A civilização egípcia é profunda em expressões que definem

o poder como serviço.

A respeito do Código de Hamurabi, afirma Bouzon:

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“O código não permite leis ou normas legais, mas

apresenta as medidas sociais adotadas para coibir

os abusos e corrigir as injustiças”.

(1987: 22)

Na Grécia a comunidade supervisiona as magistraturas do Estado (a

polis) e as instituições são dirigidas pelo povo. Consegue, assim, limitar o

poder dos governantes, vez que exercem o pleno direito como cidadãos em

participar dos assuntos públicos.

Na busca por garantir condições mais justas e humanitárias, a

humanidade organiza vários princípios relativos à conduta dos governantes,

para que estes cumpram a missão de distribuir a justiça de forma igualitária.

Essa movimentação transcorre entre os séculos VIII a.C. e XVIII d.C. sendo

marcante o modo freqüente de guiar os detentores do poder ao caminho mais

próximo à justiça.

A construção do conceito de dignidade humana passa pelos princípios

da tolerância, respeito, reta conduta, que resulta dos pensamentos e atuações

de Buda, Lao-Tsé e Confúcio, e dos profetas judeus que colocam a ação

benéfica sendo mais importante e valiosa do que um ritual vazio.

Assim, com esta construção, tem-se que a dignidade é dada pelo modo

de atuar frente aos semelhantes, por antepor a generosidade ao egoísmo, o

respeito à vida em vez da violência, a honradez nos procedimentos e a

proteção que o forte deve dar aos que são fracos em vez dos abusos e da

opressão.

1.2 A primeira geração de Direitos: Direitos de Liberdade

Quando a burguesia começa a se fortalecer, surge-lhe a consciência de

que necessitava garantir direitos para si, no século XII, na medida em que a

rígida sociedade estamental européia a cedia espaço. Desta forma, a

burguesia ingressou na luta visando desenvolver suas atividades mercantis e

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expressar suas idéias participando do poder. Com essa postura da nova

classe, a soberana autoridade dos nobres e monarcas é colocada em questão,

exigindo-se novo formato de sociedade onde se admita a prática de idéias

concebidas por uma classe emergente à luz das mudanças sócio-políticas e

econômicas que estavam surgindo.

Os renascentistas italianos com fito de retomar a inclusão do homem

como principal foco, ou seja, o homem como “medida de todas as coisas” deixa

para trás a idéia de que Deus é o centro de tudo e de que a Igreja os comanda.

Os ilustrados explicitam o conceito de Direitos Humanos, e colocam a idéia de

dignidade humana no centro de uma eclosão antropocentrista impulsionada

pela fé na razão

Tem papel importante para a geração dos direitos de liberdade e para

evolução dos direitos humanos o “Habeas Corpus Act”, de 1679, a Declaração

de Direitos, de 1689, resultado da “Revolução Gloriosa”, da Inglaterra, as

grandes declarações de Virgínia (1779) e a francesa (1789), que se

converteram, um século mais tarde, na nova arrancada para a grande etapa de

evolução: a incorporação dos Direitos Civis e os Direitos Políticos à ordem

jurídica.

Com esses avanços, consagra-se a igualdade de todos os homens

perante a lei, sem privilégios de qualquer natureza. São proclamados os

direitos naturais e imprescritíveis do homem, como: a liberdade, a propriedade,

a segurança e a resistência à opressão. Com isso é garantida a liberdade de

pensamento e opinião, estabelecida a divisão de poderes, imposta as garantias

perante os que aplicam as leis. A liberdade não tem outros limites a não ser o

que é permitido pela lei.

Renova-se a função do poder político, tendo agora a vertente de controle

e se abstendo em intervir na vida da comunidade, exceto nos casos em que as

leis sejam infringidas. Tal modificação só é possível devida a possibilidade do

homem em exercer a capacidade de atuação política com caráter

representativo.

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Com o novo contexto, a burguesia, sendo a classe social dominante,

consagrou a nova ordem e seu pensamento, resultado de circunstâncias

históricas concretas que transcendeu os limites sócio-históricos originais.

Portanto, o conceito atual de Estado de Direito se sustenta nos princípios e

garantias que emergiram dos processos revolucionários norte-americano e

francês.

Sorondo pontua que:

“Na evolução dos Direitos Humanos as conquistas

do passado transcendem, pelo seu conteúdo e não

só por sua forma, o marco histórico que as originou,

incorporando-se, assim, ao patrimônio de toda

espécie.

Na medida em que a sociedade se transforma,

produz-se também uma nova definição de

aspirações, um novo estado de consciência que leva

a novas exigências a fim de fazer as necessidades

básicas do homem. Os Direitos Humanos são um

fato dinâmico, e a Segunda geração de Direitos é

uma boa prova disso”.

(2010: 9)

1.3 A Segunda Geração de Direitos: Os direitos de Igualdade

Iniciaram, na Revolução Francesa, as criticas à nova ordem,

denunciando-se a discrepância entre igualdade proclamada e desigualdade

real entre os cidadãos.

A Revolução Industrial promoveu uma nova fase, a etapa de consciência

sobre as necessidades básicas do homem. As transformações sociais e

econômicas que provocou tiveram seu efeito mais dramático na conformação

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de uma classe social de operários assalariados, submetida a desumanas

condições de exploração.

O que a burguesia impôs, ou seja, a “nova ordem”, enfrenta, então, a

crítica dos pensadores socialistas, que pleiteiam uma mudança completa nas

condições materiais de existência da classe de trabalhadores.

A concepção liberal dos Direitos Humanos é abandonada por Marx, que

nega sua universalidade. Mas, identifica-se com os interesses da classe social

dominante, que era a existência individual.

Essa posição reflete na sociedade atual que nada mais é que a

realização do principio do individualismo, ou seja, tem-se a pessoa humana

como objetivo primordial, sendo seu trabalho, atividade e conteúdo, meros

instrumentos.

Em torno dos centros mineiros e fabris agrupam massas sociais, essa

experiência inspira a busca por condições de vida mais dignas, se organizando

em sindicatos. Por isso a segunda geração de direitos é reivindicada durante o

século XIX visando melhores condições de vida, de trabalho de bem estar

social.

No século XIX esforçou-se insistentemente no sentido de incorporar

esses direitos à ordem jurídica, mas, isso só ocorreu efetivamente no início do

século XX, como na Constituição Mexicana, de 1917 e na Russa, de 1918.

A diferença entre direitos de primeira e segunda geração, é que neste

passou a reivindicar a efetivação desses direitos, obrigando uma ação dos

poderes públicos.

Registra-se, que no “Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais”, firmado pela ONU em 1966, contém dos direitos de Segunda

Geração.

O direito de trabalhar, à remuneração que assegure condições de

existência digna, à sindicalizar-se, ao descanso, à segurança social

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encabeçaram os artigos do Pacto. Recomenda-se ainda proteção e assistência

à família, à mãe, às crianças, assim como se reconhece os direitos à saúde e à

educação. A eles se agregam ainda outros direitos culturais.

O contraste entre o que se proclama e o que é realidade mais uma vez

originou um debate acerca do conceito de Direitos Humanos Trataremos neste

trabalho em especial do direito à segurança social, reclamado desde o início do

século XIX como direito fundamental.

1.4 A Terceira Geração de Direitos: Os Direitos dos Povos

Após a 2º Guerra Mundial houve um significativo avanço no que

concerne os direitos humanos. Primeiro porque foi assinada, por 51 países, a

Carta Fundadora das Nações Unidas, onde se proclamou “a fé nos direitos

fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana”. Além disso,

em 1948, os países-membros das Nações Unidas, dentre eles o Brasil,

proclamam a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Desta forma, as duas primeiras gerações de Direitos Humanos são

reconhecidas oficialmente por parte dos países signatários da Declaração.

Vários pactos fazem com que os países incorporem às suas normas jurídicas

constitucionais e infraconstitucionais os direitos proclamados na Declaração de

1948.

Os povos do mundo não-desenvolvido tomam consciência da

necessidade de mudar a situação que vivem, fazendo vigir plenamente os

Direitos Humanos, assim surge a terceira geração de direitos.

Além disso, a crescente desigualdade nos acordos de intercâmbio,

sempre desfavorecendo os países produtores de matérias primas é um dos

motivos ensejadores desta revolução que ajudou a evoluir. O predomínio

econômico, iniciado na etapa colonial, é seguido pelo domínio dos meios de

comunicação e de informação.

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Por isso, um grupo de países do mundo não-desenvolvido aproveitou a

Conferência de Argel (1976), para proclamar a Declaração dos Direitos dos

Povos. Nessa Declaração busca-se uma “nova ordem política e econômica

internacional”, em um contexto em que se possa dar o respeito efetivo dos

Direitos Humanos.

Especialistas provenientes tanto de países desenvolvidos como de

países de Terceiro Mundo produziram o documento de San Marino

reconhecendo a existência de direitos cujo titulares são “os povos”, tanto

individualmente como coletivamente, e proclamando os seguintes direitos:

direito de existência dos povos, à livre disposição dos recursos naturais

próprios, o direito ao patrimônio natural comum da humanidade, a

autodeterminação, à paz e à segurança, à educação, à informação e à

comunicação, à um meio-ambiente são e ecologicamente equilibrado.

É de se notar que desde essa fase os direitos do homem necessitam ser

um complexo integral, interdependente e indivisível, que deve compreender os

direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. É preciso

destacar que os “novos” direitos não substituem os demais, mas os

complementam, ampliando e enriquecendo o núcleo dos direitos humanos.

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CAPÍTULO II – O Programa de Proteção e Assistência a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas

A criminalidade cresceu junto com as grandes cidades, e quem

testemunhava os crimes acabava tornando-se alvo fácil. Cada vez mais a

ameaça se tornava realidade, visto que a testemunha não tinha por parte do

Estado suporte para enfrentar os criminosos nos tribunais. A “queima de

arquivo” foi uma tática usada com muita freqüência durante os anos 50 e 60,

onde os esquadrões da morte executavam as vítimas.

Neste ínterim, surgiu da própria população pressões no sentido de

proteger essas testemunhas e diminuir ou liquidar a impunidade. As primeiras

iniciativas foram de projetos de lei apresentados no Congresso Nacional em

1994.

2.1 Origem

Em 1995, começou em Pernambuco, por iniciativa do Gabinete de

Assessoria Jurídica às Organizações Populares - Gajop, uma resposta à

necessidade de preservação das testemunhas de homicídios cometidos por

policiais, grupos de extermínio ou crime organizado. A idéia do Gajop ao iniciar

tal política era contribuir com a redução dos elevados índices de impunidade, e

assim apresentou ao governo pernambucano uma proposta para a criação do

“programa de apoio e proteção a vítimas, testemunhas e familiares de vítimas

da violência”.

O programa pernambucano teve início efetivamente em 1996. A

proposta, inédita, refletia as transformações que o país atravessava com o

retorno ao Estado Democrático de Direito e estava em sintonia com o cenário

internacional de fortalecimento da luta pelos Direitos Humanos após a

Conferência das Nações Unidas, ocorrida em Viena, em 1993. Até esse

momento as testemunhas eram tratadas com total descaso pela legislação

brasileira.

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Em 1998, a então Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do

Ministério da Justiça (SEDH/MJ) e o Governo de Pernambuco assinaram um

acordo para implantação do programa Provita. Devido aos resultados, a

SEDH/MJ adotou o Provita como modelo a ser expandido para outros Estados.

Com o apoio do Movimento Nacional de Direitos Humanos, outras

entidades foram aderindo à execução dessa política pública, como foi o caso

do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) que em seu capítulo

dedicado à “luta contra a impunidade” estipula com meta a implementação de

serviços de proteção a testemunhas ameaçadas.

Ao longo do tempo vários Projetos de Lei foram elaborados objetivando

a proteção de testemunhas e vítimas no Brasil. Em 1994, no Governo Itamar

Franco, elaborou-se Projeto de Lei que impunha ao Governo Federal a

centralização dos programas de proteção, tendo como base o modelo italiano.

Este projeto não prosperou, em face do alto custo financeiro e material que

gerava aos cofres públicos federais. Em 1995, o deputado Humberto Costa

apresentou Projeto sucinto, objetivando a proteção apenas de testemunhas.

Em 1997, o então Ministro da Justiça, Íris Rezende, inspirado no

programa de proteção de Pernambuco, elaborou Projeto de Lei que estabelecia

programas especiais de proteção a vitimas e testemunhas ameaçadas e

instituía o programa federal de assistência as vitimas e as testemunhas

ameaçadas. O projeto, entretanto, restringia seu âmbito de aplicação a alguns

crimes, por isso, sofreu algumas modificações.

Enfim, no ano de 1999 houve a promulgação da lei n.º 9.807, momento

em que a política de proteção a vítimas e testemunhas passou a ter o marco

legal de sua institucionalização, estabelecendo normas gerais para a

organização dos programas estaduais e criou o Programa Federal de Proteção

a Testemunhas, lançando as bases para o Sistema Nacional de Proteção a

Testemunhas. O Programa Federal está regulamentado pelo Decreto n.º 3.518,

de 20 de junho de 2000, que também dispõe sobre o Serviço de Proteção ao

Depoente Especial – SPDE, cuja execução cabe ao Departamento de Polícia

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Federal. A Lei criou ainda a figura do réu colaborador, definindo regras para a

redução da pena e o perdão judicial de criminosos arrependidos.

2.2 Necessidade de criação do Programa

A justificativa da necessidade de uma política pública voltada à proteção

a testemunhas reside no fato de ser significativa a quantidade de pessoas que

solicitam garantias a integridade física para colaborarem com a apuração de

delitos que tenham presenciado ou de alguma forma testemunhado.

Em alguns casos, as circunstâncias e a gravidade das ameaças

relatadas indicam a impossibilidade de atendimento pelos meios convencionais

de segurança destinados a coletividade e ao cidadão comum, exigindo-se,

assim, medidas especiais de proteção aos indivíduos. Estas medidas não

podem ser aplicadas indiscriminadamente, posto que podem restringir ou afetar

as liberdades individuais dos protegidos. Ademais, por serem restritivas, há

necessidade de prévia e integral concordância dos protegidos.

O Programa surge então como uma esperança no controle da

criminalidade, num quadro social e político marcado pelo medo e pela

banalização da violência.

O breve histórico traçado acima, pontuando alguns dos principais

marcos históricos e políticos que permeiam o surgimento e o estabelecimento

dos programas federal e estaduais de proteção a testemunhas, ajuda a

entender e delinear os pontos mais importantes da estruturação do Sistema de

Proteção a Testemunhas e permite, principalmente, o diagnóstico de como o

Estado e a população têm se esforçado para que as testemunhas tenham sua

dignidade preservada durante o passar dos anos.

Como dito, a necessidade de implantação de uma política pública que

proteja as testemunhas advém da crescente onda de criminalidade que tem

gerado enorme temor social, e este, por sua vez, está impedindo o auxílio da

sociedade na investigação criminal, ante o receio de ameaças e retaliações de

toda ordem.

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O receio em testemunhar acerca de um ilícito penal gera a indigesta

impunidade, o que nos leva a entender a grande importância da preservação

da testemunha. A política em comento visa garantir a integridade física e

psíquica da pessoa que tem elementos elucidativos acerca de algum crime,

crime este que a polícia e a justiça brasileira não conseguem desvendar por

meio de provas materiais, sendo, nestes casos, irrefutável a importância do

testemunho.

Assim, a Lei nº 9.807/99 cria mecanismos legais na tentativa de reduzir

a impunidade e solucionar os delitos de grande alcance e repercussão social,

fazendo prevalecer às garantias individuais dos cidadãos evidenciadas na

Declaração Universal dos Direitos Humanos. A clara intenção do legislador é

garantir a produção da prova testemunhal, a mais importante das provas

admitidas no direito processual penal brasileiro, bem como permitir que as

vítimas possam noticiar o fato vivenciado às autoridades e fornecer

informações importantes para apuração das ações criminosas que sofreram,

combatendo-se a criminalidade e a impunidade.

Levy Cruz ensina que:

“a impunidade é o gozo da liberdade, ou de isenção

de outros tipos de pena, por uma determinada

pessoa, apesar de haver cometido alguma ação

passível de penalidade. É a aplicação de pena, mas

também o não cumprimento seja qual for o motivo,

de pena imposta a alguém que praticou algum

delito.”

(2002: 1)

Para concluir se há ou não impunidade é necessário verificar a

existência de alguns requisitos como: ocorrência de infração legal, desfecho

processual, resultado do julgamento condenatório, não cumprimento da pena

imposta.

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É de imperiosa necessidade distinguir a demora judicial da verdadeira

impunidade. Partindo da premissa de que para se ter impunidade são

necessários os requisitos acima indicados, chega-se a conclusão de o que gera

sentimento de impunidade na sociedade nem sempre é a impunidade

propriamente dita. Assim sendo, ocorrendo um crime e não tendo ainda trânsito

em julgado de sentença condenatória, em um longo lapso temporal, não há que

se falar em impunidade, mas lentidão processual.

Levy Cruz,( 2002: 4), partindo do princípio de que a sociedade não usa a

idéia de impunidade em seu sentido estritamente legal, mas o mistura com

sentimentos de não castigo ou injustiça, faz menção a impunidade judicial e a

impunidade sociológica.

Registra-se ainda que o sentimento de impunidade não é absoluto, ou

seja, a sede de justiça não é generalizada. Quem reclama por punição aos

autores de delitos, na verdade não o deseja a todos indiscriminadamente, mas

aos autores de determinados crimes. Em geral pede-se punição para pessoas

e conjuntos específicos e para determinadas infrações em determinados

momentos.

Em geral a impunidade resulta das dificuldades inerentes aos

procedimentos de julgar, condenar e punir. Os impunes não constituem um

grupo especial que se caracterize por um perfil socioeconômico de uma

determinada classe. Exemplo disso é o que se observa em nosso país, onde os

impunes pertencem aos mais variados grupos classistas, desde o morador da

favela até os grandes e poderosos políticos.

2.3. Necessidade de normatização do Programa

Diversos motivos são ensejadores para a promulgação da lei protetiva,

como exemplo, a necessidade de adoção de mecanismos novos capazes de

fazer frente à criminalidade organizada, e de coibir a ocorrência de crimes

produzidos por grupos de extermínio. Ademais, há grande necessidade de se

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combater a impunidade no país, no caso, com a viabilização da prova

testemunhal, sobretudo a que possibilita a identificação e responsabilização

penal dos criminosos.

Visa-se também coibir as situações de coação e ameaça que pairam

sobre as vítimas sobreviventes e as testemunhas de crime, fazendo com que

deixem de testemunhar, o que gera graves prejuízos para a investigação

criminal e para a instrução processual. Evidente que o objetivo maior da

proteção especial é a preservação de vidas humanas, assegurando-se a

integridade física dessas vítimas e testemunhas dispostas a colaborar com a

justiça brasileira.

Observando-se sob um prisma ainda maior, a lei nº 9.807/99 e o decreto

que a regulamenta estão inseridos na ordem jurídica brasileira com a finalidade

de prover aos usuários do programa as garantias impressas nos acordos

internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A Lei nº 9.807/99 trata de forma detalhada sobre os programas

protecionistas a vítimas, testemunhas e acusados, em caso de ameaças. Tal

instituto busca sem dúvidas, preservar o interesse da justiça penal, através da

preservação da instrução criminal, por intermédio da proteção estatal, porém

dosada através da efetiva gravidade da ação e da ameaça, bem como a

dificuldade de preveni-la e a importância relacionada para a produção da prova.

2.4. Regras do Programa

Como exposto nos capítulos anteriores, o Programa de Proteção a

Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas é uma política pública vivenciada em

várias Unidades Federadas, porém, para atender as demandas oriundas dos

Estados que ainda não implantaram esta política pública, foi necessária a

criação de um Programa Federal para atender o pleito nacional e os casos de

competência da Justiça Federal.

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Vale destacar que o principal objetivo do Programa Federal é proteger

indivíduos que sofram coação em razão de terem colaborado com investigação

ou processo criminal, visando assim ser instrumento no combate a impunidade.

Como meta secundária, porém não menos importante, visa-se a

promoção da reinserção social dos beneficiários em novas comunidades, de

forma sigilosa e para tanto conta-se com a participação de entidades da

sociedade civil na formação de uma rede solidária de proteção.

A seguir a autora traçará comentários acerca das regras explicitadas na

Série Legislação em Direitos Humanos, publicação feita pelo Departamento de

Promoção dos Direitos Humanos em 2001.

Para atender a demanda foi instituída a Lei n˚ 9.807/99 que estabelece

normas para a organização e a manutenção de programas especiais de

proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de

Assistência a Vitimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção

de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva

colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

As medidas de proteção mencionadas neste trabalho serão prestadas

pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas

competências, conforme dispõe o artigo 1˚ da citada lei.

A Lei atribui legitimidade para apresentar solicitação de ingresso no

programa ao próprio interessado, ao Ministério Público, ao Delegado de

Polícia, ao Juiz e aos demais órgãos públicos e privados com atribuições de

defesa dos direitos humanos, conforme reza o artigo 5º.

O pedido deve ser apresentado ao órgão executor, que o remeterá à

avaliação do Conselho Deliberativo, instruído da manifestação do Parquet e

dos pareceres jurídico e psicossocial do caso. Enquanto se desenvolve esse

procedimento de triagem, e dependendo da gravidade do caso, o órgão

executor pode requerer aos órgãos de segurança pública que sejam

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providenciadas medidas cautelares para garantir provisoriamente a segurança

dos interessados.

Toda admissão no programa ou exclusão dele será precedida de

consulta ao Ministério Público e deverá ser comunicada à autoridade policial ou

ao juiz competente.

Para analise positiva de ingresso existem requisitos a serem

preenchidos, conforme a lei em comento. Um dos requisitos mais importantes

analisados para o possível ingresso no programa é aduzido pelo artigo 2˚.

Leva-se em conta a gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou

psicológica, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios

convencionais e a sua importância para a produção da prova. Obviamente não

é necessário que a coação ou ameaça já se tenha consumado, sendo bastante

a existência de elementos que demonstrem a probabilidade de que tal possa vir

a ocorrer. A situação de risco, entretanto, deve ser atual.

Este mesmo artigo reza que a proteção poderá ser estendida ou mesmo

dirigida unicamente ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e

dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha.

Outro requisito, previsto no artigo 1˚, é a colaboração, a situação de

risco em que se encontra a pessoa deve decorrer, numa relação de

causalidade, da colaboração por ela prestada a procedimento criminal em que

figura como vítima ou testemunha. Assim, pessoas sob ameaças ou coação

motivadas por quaisquer outros fatores não são passíveis de ingressar nos

programas.

Personalidade e conduta compatíveis com o programa também

configuram um requisito. As pessoas cuja personalidade ou conduta sejam

incompatíveis com as restrições de comportamento exigidas pelo programa

não poderão ser incluídas no mesmo. E, caso, um protegido reitere a conduta

incompatível será excluído (art. 10,II,”b”).

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Inexistência de limitações à liberdade é fator condicional para a inclusão

pois os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados

sob prisão cautelar em qualquer modalidade estarão excluídos da proteção.

Estas pessoas poderão ser assistidas pelos órgãos de segurança pública.

O ingresso no programa, as restrições de segurança e demais medidas

por ele adotadas terão sempre a anuência da pessoa protegida, ou de seu

representante legal. Após o ingresso o protegido ficará obrigado ao

cumprimento das normas por ele prescritas. Este configura o requisito da

anuência.

Para a segurança do próprio protegido, do sistema, dos profissionais que

fazem o acompanhamento do núcleo familiar e até da equipe técnica, é de

suma importância, que todos, guardem o devido sigilo acerca das medidas e

providências relacionadas com os programas.

Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas,

aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida,

segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso: segurança na

residência, incluindo o controle de telecomunicações; escolta e segurança nos

deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a

prestação de depoimentos; transferência de residência ou acomodação

provisória em local compatível com a proteção; preservação da identidade,

imagem e dados pessoais; ajuda financeira mensal para prover as despesas

necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa

protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de

inexistência de qualquer fonte de renda; suspensão temporária das atividades

funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando

servidor público ou militar; apoio e assistência social, médica e psicológica;

sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida; apoio

do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e

administrativas que exijam o comparecimento pessoal, artigo 7˚.

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Prevê o artigo 9˚ que em casos excepcionais, e considerando as

características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho

deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente

para registros públicos objetivando a alteração de nome completo. Essa

alteração pode ser estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes,

descendentes e dependentes que tenham convívio habitual com a vítima ou

testemunha, inclusive aos filhos menores.

A proteção que estudamos terá a duração máxima de dois anos,

podendo ser em circunstâncias excepcionais enquanto perdurarem os motivos

que autorizaram a admissão, conforme artigo 11.

A exclusão da pessoa protegida de programa de proteção a vítimas e a

testemunhas poderá ocorrer a qualquer tempo por solicitação do próprio

interessado ou por decisão do conselho deliberativo em consequência da

cessação dos motivos que ensejaram a proteção ou conduta incompatível do

protegido, conforme artigo 10.

O Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas

Ameaçadas está regulamentado também pelo Decreto n˚ 3.518, de 20 de junho

de 2000, que entre outras coisas dispõe sobre o Serviço de Proteção ao

Depoente Especial – SPDE, que fica a cargo do Departamento de Polícia

Federal.

Entende-se por depoente especial o réu detido ou preso, aguardando

julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas

modalidades, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a

colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal,

desde que dessa colaboração possa resultar a identificação de autores, co-

autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com sua

integridade física preservada ou a recuperação do produto do crime, conforme

artigo 10,I, do decreto em pauta.

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Considera-se também réu colaborador a pessoa que não admitida ou

excluída do programa, corra risco pessoal e colabore na produção da prova.

Aduz o artigo 11 do citado decreto que o Serviço de Proteção ao

Depoente Especial consiste na prestação de medidas de proteção

assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial,

aplicadas isolada ou cumulativamente, consoante as especificidades de cada

situação.

Compete ao SPDE acompanhar a investigação, o inquérito ou processo

criminal, receber intimações endereçadas ao depoente especial ou a quem se

encontre sob sua proteção, bem como providenciar seu comparecimento,

adotando as medidas necessárias a sua segurança.

A exclusão do SPDE, reza o artigo 13, também poderá ocorrer a

qualquer tempo mediante solicitação expressa pessoal ou do representante

legal, ou ainda, por decisão da autoridade policial ou por deliberação do

Conselho.

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CAPITULO III – Princípios Norteadores do Programa de Proteção

3.1 Princípios Básicos dos Direitos Humanos

O embasamento dos direitos humanos não é outro senão o próprio

homem em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual,

especificações individuais e grupais são sempre secundárias.

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena, em

1993, foi de extrema importância para traçar a perspectiva contemporânea dos

Direitos Humanos, vez que foi a oportunidade em que se chegou ao conceito

atual de Direitos Humanos, com a confecção da Declaração dos Direitos

Humanos, alicerçada sobre alguns fundamentos.

Comparato (1997: 5) explica que a noção de fundamento diz respeito à

validade das normas jurídicas e à fonte da irradiação dos efeitos delas

decorrentes. O fundamento dos direitos humanos à luz das normas jurídicas

encontra-se na Declaração em seu artigo 5°, que, dentre outros aspectos,

estabelece: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e

inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos

globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma

ênfase”.

Como a Declaração dos Direitos Humanos é baseada em alguns

fundamentos trataremos a seguir dos princípios norteadores dos Direitos

Humanos.

3.2. Universalidade em um mundo globalizado

Para a universalidade, o importante é o reconhecimento de que todos os

indivíduos tem direitos pelo mero fato de serem humanos, ou seja, somos

todos iguais em relação a direitos e por possuirmos todos a mesma dignidade.

Tal perspectiva propiciou a percepção de que o individuo é sujeito de direitos

por ser uma pessoa, e não somente por ter nascido ou ser membro

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reconhecido de um determinado Estado. Assim, consolidou-se a idéia de que o

individuo é um sujeito de direitos no âmbito internacional.

Foi reafirmado, na Conferência Mundial sobre Direitos do Homem, o

empenho solene dos Estados em cumprir seus deveres acerca da promoção

do respeito universal, observância e proteção dos Direitos Humanos e das

liberdades fundamentais, fazendo valer assim a Carta das Nações Unidas,

instrumentos de Direitos Humanos e o direito internacional. Com esse

compromisso a natureza universal destes direitos e liberdades torna-se

inquestionável.

Em conseqüência do empenho assumido reconheceu-se o princípio de

que cada um tem direito à dignidade e respeito, e de ser reconhecido em

qualquer lugar como pessoa diante da lei, não podendo ser excluído das

vantagens do direito e da justiça. Tal reconhecimento representa uma ruptura

fundamental com um passado no qual os Direitos Humanos só evocavam os

privilegiados. É significativo que, em várias sociedades, o direito de participar

do governo e o de possuir bens foram, por muito tempo, privilégio e domínio

exclusivo de limitadas categorias de pessoas. As relações humanas – em nível

nacional e internacional – tanto em base individual quanto coletiva, consistiam

freqüentemente em relações semelhantes às de bens materiais e mercadorias.

Para melhor compreensão da visão dos direitos humanos versus a

perspectiva neoliberalizante da globalização, onde surgiu o debate relativo aos

direitos de terceira geração, é importante destacar o entendimento acerca do

neoliberalismo, que é uma prática político-econômica baseada nas idéias dos

pensadores monetaristas Milton Friedman e Friedrich August Von Hayek. O

neoliberalismo defendeu a idéia de que o governo não poderia mais manter os

pesados investimentos que haviam realizado após a II Guerra Mundial, pois

tinham déficits públicos, balanças comerciais negativas e inflação. Defendia-se,

portanto, uma redução da ação do Estado na economia, ou seja, uma espécie

de intervenção mínima. Desde então o Estado passou apenas a preservar a

ordem política e econômica, deixando as empresas privadas livres para

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investirem como quisessem. Além disso, os Estados passaram a

desregulamentar e a privatizar inúmeras atividades econômicas que antes

controlava.

Chacon (2010: 8) afirma que a globalização pode ser definida como o

processo de internacionalização das práticas capitalistas, com forte tendência à

diminuição das barreiras alfandegárias, significando liberdade total para o fluxo

de Capital no mundo.

Sob o prisma dos direitos humanos, a globalização apresenta como

aspecto positivo a força de comunicação global ao atuar como um despertador

da consciência cívica e política internacional. Muitos dos casos de violação dos

direitos humanos são hoje resolvidos graças à denúncia midiática. A

comunicação social pode ser o fator de maior pressão frente aos governos na

tentativa de correção ou intervenção em situações de ameaça dos direitos

humanos.

A globalização neoliberal surge no fim da segunda guerra mundial, onde

prevalecia na ordem econômica mundial as políticas do New Deal norte-

americano e do Estado Social tendente à afirmação do seu aprimoramento, o

Wellfare State (Estado do Bem Estar Social). A tese da presença do estado nas

questões sociais (saúde, previdência, ensino, trabalho) rompia com o

liberalismo econômico clássico. Tal tese responde também às lutas operárias

travadas desde o final do século XIX, e também sobre a inexorabilidade da

revolução face ao insuperável conflito decorrente da contradição da ordem

social capitalista: a socialização na produção de riquezas e a apropriação

privada das mesmas por parte de um grupo seleto de proprietários dos meios

de produção.

Houve, então, o recrudescimento da experiência capitalista mundial,

apresentada em sua forma mais realista como neoliberal, desenvolvendo-se

assim um novo sistema de dominação, a globalização.

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Nesse contexto, o Welfare State entra em crise e abre-se um grande

debate em torno dos “sistemas de proteção social”. Pensando em alternativas

de política social chegou-se aos programas de garantia de renda mínima, vez

que havia inadequação entre o histórico Welfare State e as mudanças

econômicas ocorridas a partir dos anos de 1970.

Porém, não obstante o caráter social das políticas implantadas – renda

mínima -, foram percebidos alguns pontos negativos que afrontavam os direitos

humanos já conquistados, pois tratava-se de uma política setorizada,

centralista e institucionalista, e além disso limitava a liberdade de escolha dos

indivíduos. Ademais, o sistema não se fazia universal vez que não era voltado

a todos, mas aqueles que sofriam com o alto nível de desemprego, o que é

diametralmente oposto a universalidade dos direitos humanos.

Vivenciava-se, dessa forma, uma forte tendência de reversão dos

direitos sociais, sob o argumento da crise de financiamento do estado

capitalista, bem como a idéia de maximização dos lucros, com a exploração de

novos negócios sob a proteção do Estado, na perspectiva de implantação do

Estado Mínimo, onde as relações sociais pudessem se regular pelo mercado e

não pela intervenção estatal.

Desta forma, com a globalização econômica, os excluídos dos mercados

de trabalho e consumo perdem progressivamente as condições materiais para

exercer e para exigir o cumprimento dos direitos humanos, passando assim a

viver sem leis protetoras efetivamente garantidas em sua universalidade.

3.3. Indivisibilidade

Como visto nas páginas iniciais deste trabalho, os chamados Direitos

Humanos, entendidos assim como direitos positivados constitucionalmente nos

Estados Contemporâneos, foram surgindo gradualmente ao longo da história.

A primeira leva de direitos humanos a surgir foram os direitos individuais,

dos quais se destacam os direitos à vida, à locomoção, à liberdade de

expressão, de consciência religiosa, de associação, à intimidade, à

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privacidade, dentre outros. Alguns estudiosos se referem a esses direitos como

o sendo de primeira geração pelo fato de terem sido os primeiros a surgir.

Após o surgimento destes direitos individuais apareceram os direitos

políticos. Tais direitos consistiam basicamente no direito de votar, ser votado, o

referendo e o plebiscito. Por terem aparecido logo após os direitos individuais,

foram classificados como direitos de segunda geração.

Posteriormente as idéias políticas do século XIX e com à crescente

insatisfação decorrente das péssimas condições de vida da maior parte da

população, nasciam os direitos sociais. Esses direitos, tais como a proteção

trabalhista, o direito à saúde, à educação, à previdência, ao lazer, à segurança

pública, representaram a tentativa do capitalismo de se adequar às

necessidades sociais, como forma de acalmar a tensão social da época. Eram

os direitos de terceira geração.

Por último, surgiram os direitos econômicos que consiste nos direitos à

livre iniciativa, à livre concorrência, ao meio ambiente, os direitos do

consumidor. Apesar de terem surgido paralelamente aos direitos sociais, esses

receberam a identificação de direitos de quarta geração.

Como visto, os direitos humanos surgiram e foram sendo incorporados

ao modo de vida dos indivíduos em momentos históricos diferentes, por isso,

separados em distintas gerações. Vale frisar, portanto que, ao falar em

“gerações de direito”, este conceito só nos serve de base para traçarmos uma

linha temporal e não para separarmos os direitos humanos em compartimentos

estanques e independentes entre si. Por isso se fala em Indivisibilidade dos

direitos humanos. Eles formam apenas um conjunto, o dos direitos

fundamentais. É claro que essa classificação continuará possuindo relevância,

principalmente para fins didáticos, mas é mister ressaltar que nenhum desses

grupos terá prevalência sobre o outro.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi introduzida

uma linguagem renovada aos Direitos Humanos. Nesta oportunidade o

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catálogo dos direitos civis e políticos conjugam-se ao elenco dos direitos

sociais, econômicos e culturais. A Declaração afirma que sem liberdade não há

igualdade possível e, por sua vez, sem igualdade, não há efetiva liberdade.

Consolida-se então a concepção contemporânea de Direitos Humanos, que

estabelece a natureza indivisível, interrelacionada e interdependente dos

direitos humanos. A dicotomia do passado passa a ser superada. Além desta

inovação, a Declaração destaca a abrangência dos Direitos Humanos que

devem ser respeitados independentemente da diversidade cultural, política,

econômica, religiosa de cada sociedade.

Sobre o assunto Flávia Piovesan pondera que:

“A Declaração Universal, ao traduzir a mais

significativa expressão do movimento internacional

dos direitos humanos, representa o amplo consenso

alcançado acerca dos requisitos minimamente

necessários para uma vida com dignidade”.

(2010: 2)

A Declaração visa restaurar o valor dos Direitos Humanos, como modelo

e referência ética a orientar a ordem internacional. Acreditar que a proteção

dos Direitos Humanos não deva se reduzir ao domínio reservado do Estado

implicou não apenas no processo de flexibilização do antigo conceito de

soberania, como também na idéia de que o indivíduo deve ter direitos

protegidos na esfera internacional na condição de sujeito de direito.

Os importantes avanços enunciados pela Declaração Universal há

quase cinquenta anos foram reiterados na Conferência Mundial de Viena de

1993. A Declaração de Direitos Humanos de Viena afirma, no parágrafo 5o, que

"todos os direitos humanos são universais e interrelacionados e devem ser

tratados globalmente, de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a

mesma ênfase”. Viena realça, deste modo, o alcance universal dos Direitos

Humanos, bem como a sua natureza indivisível e interdependente.

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Legitimou-se de forma definitiva em Viena o princípio da indivisibilidade

dos direitos humanos, devendo aplicar tal princípio aos direitos civis, políticos,

econômicos sociais e culturais. Foram enfatizados também, pela Declaração de

Viena, os direitos de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento

e os direitos ambientais.

Urge registrar que o Brasil subscreveu as Declarações Universal e a de

Viena, incorporando na Carta Magna de 1988 o princípio da universalidade e a

da indivisibilidade dos Direitos Humanos. A partir disso, a percepção de

cidadania ganhou maior amplitude e abrangência. A cidadania, alicerçada no

valor da dignidade humana, significa basicamente a igualdade no exercício dos

direitos fundamentais, sejam civis e políticos, como direitos sociais,

econômicos e culturais. Isto implica diretamente na responsabilidade dos

agentes sociais, que passam a orientar suas ações pela lógica democrática e

humanista consagrada nos instrumentos internacionais de proteção dos

Direitos Humanos e reforçada agora pela Carta constitucional de 1988.

Percebe-se que no decorrer dos anos a humanidade vem edificando

conquistas no campo dos direitos fundamentais. Estes direitos conquistados

não têm sido apenas agregados aos já existentes, mas foram estabelecendo

entre si correlação e, com isso, alterando o seu próprio teor.

De uma forma resumida, a teoria da indivisibilidade dos direitos

humanos prega que os direitos fundamentais (individuais, políticos, sociais e

econômicos) devem coexistir. Além disso, tais direitos estabelecem relações

entre si e participam do mesmo rol indivisível de direitos fundamentais.

Na moderna conceituação Direitos Humanos, indivisibilidade é a

percepção de que não se pode buscar a dignidade humana focando-se apenas

na satisfação de direitos civis e políticos. Em complemento a isto, é primordial

que se garanta concomitantemente a satisfação dos direitos econômicos,

sociais e culturais.

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Normalmente é reconhecido que os direitos civis e políticos e os direitos

econômicos, sociais e culturais, formam um conjunto de essencial importância

para a conservação da dignidade, da liberdade e do bem-estar dos homens. A

indivisibilidade e a interdependência destes direitos foram abonadas em várias

ocasiões, como na recente Declaração sobre o direito ao desenvolvimento:

“Todos os direitos humanos e todas as liberdades

fundamentais são indivisíveis e interdependentes; a

realização, a promoção e a proteção dos direitos

civis, políticos, econômicos, sociais e culturais

devem se beneficiar de uma atenção igual e ser

encaradas com uma urgência igual” .

(MBAYA, 1995: 14).

3.4. Interdependência

A interdependência aponta para a ligação necessária que existe entre os

diversos aspectos dos Direitos Humanos. A efetivação de um direito político

depende da garantia de um direito social, por exemplo.

Logo, percebe-se que a função dos Direitos Humanos é proteger os

indivíduos das arbitrariedades, do autoritarismo, da prepotência e dos abusos

de poder. E representam a liberdade dos seres humanos, e o seu nascimento

está ligado ao individualismo das sociedades e por conseqüência levou a

necessidade de limitar o poder do Estado sobre os indivíduos. Desta forma,

estão associados a uma idéia de civilização, de democracia, que em conjunto

refletem uma imagem de igualdade e de dignidade para todos os seres

humanos.

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CAPÍTULO IV – Recomendações da ONU

4.1. Recomendações da ONU para o Programa de Proteção

Logo no artigo 2º da Declaração Universal de 1948, é ressaltado o

caráter de igualdade dos direitos humanos, pois dispõe que:

“cada qual pode se prevalecer de todos os direitos e

todas as liberdades proclamadas na presente

Declaração, sem distinção de espécie alguma,

notadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de

religião, de opinião pública ou de qualquer outra

opinião, de origem nacional ou social, de fortuna, de

nascimento ou de qualquer outra situação”.

Assim sendo, todo e qualquer indivíduo que integre os programas de

proteção tem e devem usufruir o direito à vida e à dignidade tão enaltecido na

Declaração Universal.

A resolução das Nações Unidas de número 40/34 de 29 de novembro de

1985, denominada Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de

Delitos e do Abuso de Poder marcou sobremaneira o estabelecimento dos

programas de proteção, sendo adotada pela Assembléia Geral da ONU no VII

Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do

Delinqüente.

A resolução se assemelha a uma carta de princípios e/ou

recomendações para que sejam tomadas medidas em nível internacional e

regional que sane ou amenize as conseqüências dos delitos vivenciados.

Nesse sentido, afirmou a Assembléia Geral da ONU a necessidade de adotar

tais medidas visando o reconhecimento universal e eficaz dos direitos das

vítimas de crimes e de abuso de poder.

Este reconhecimento é a mais importante meta e a mais difícil de ser

alcançada tanto nacional como internacionalmente quando nos referimos aos

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programas de proteção. O documento faz questão de sublinhar a necessidade

de encorajar todos os Estados signatários a empreenderem esforços nesse

sentido, vejamos as medidas que são recomendadas:

Aplicar medidas nos domínios da assistência social, da saúde, incluindo

a saúde mental, da educação e da economia, bem como medidas

especiais de prevenção criminal para reduzir a vitimização e promover a

ajuda às vítimas em situação de carência;

Incentivar os esforços coletivos e a participação dos cidadãos na

prevenção do crime;

Examinar regularmente a legislação e as práticas existentes, a fim de

assegurar a respectiva adaptação à evolução das situações, e adotar e

aplicar legislação que proíba atos contrários às normas

internacionalmente reconhecidas no âmbito dos direitos do homem, do

comportamento das empresas e de outros atos de abuso de poder;

Estabelecer e reforçar os meios necessários à investigação, processo e

condenação dos culpados da prática de crimes;

Promover a divulgação de informações que permitam aos cidadãos a

fiscalização da conduta dos funcionários e das empresas e promover

outros meios de acolher as preocupações dos cidadãos;

Incentivar o respeito dos códigos de conduta e das normas éticas, e,

nomeadamente, das normas internacionais, por parte dos funcionários,

incluindo o pessoal encarregado da aplicação das leis, o dos serviços

penitenciários, o dos serviços médicos e sociais e o das forças

armadas, bem como por parte do pessoal das empresas comerciais;

Proibir as práticas e os procedimentos suscetíveis de favorecer os

abusos, tais como o uso de locais secretos de detenção e a detenção

em situação incomunicável;

Colaborar com os outros Estados, no quadro de acordos de auxílio

judiciário e administrativo, em domínios como o da investigação e da

ação penal dos delinqüentes, da sua extradição e da penhora dos seus

bens para os fins de indenização às vítimas.

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Ponto importante levantado pelo documento é a necessidade de

reestruturação de setores da sociedade para que a proteção às vítimas se dê

de forma mais eficaz. E, mais do que nunca, as nações devem incentivar os

esforços coletivos e a participação dos cidadãos na prevenção do crime.

As Organizações não Governamentais que já atuavam na construção

dos programas de proteção e da redução da violência e criminalidade passam

a ser legalmente reconhecidas pela ONU para atuação junto aos governos na

construção de uma sociedade mais pacífica. A declaração da ONU solicita aos

seus próprios órgãos e a todas as instituições governamentais ou não, bem

como aos cidadãos em geral, que cooperem na aplicação das disposições da

Declaração.

A ONU reconhece que a impunidade e a morosidade da justiça são

fatores que levam os indivíduos a serem submetidos aos programas de

proteção a vítimas e testemunhas, por meio da resolução em epígrafe.

Recomenda que os signatários estabeleçam e reforcem os meios necessários

à investigação, julgamento e à condenação dos culpados da prática de crimes.

A ONU aponta a necessidade da celeridade nas investigações e nas ações da

justiça para que os protegidos pelos programas de proteção tenham, quando

possível, a oportunidade de voltar a viver normalmente sem a proteção do

Estado.

Sabendo também da extensa e extremamente organizada

internacionalização do crime, e da dificuldade de se investigar e agir em

território estrangeiro, a ONU recomenda que os países colaborem uns com os

outros no campo das investigações, da ação penal dos delinqüentes e de sua

extradição para coibir e punir as ações do crime organizado que não reconhece

fronteiras geográficas. A assembléia é muito feliz ao estimular que os Estados

cooperem entre si e que a ONU coopere com todos para alcançar tais

objetivos.

Para acompanhar a evolução das ações e se as medidas de proteção

estão surtindo efeito o Secretário-Geral solicita que os países a informem

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periodicamente à Assembléia Geral sobre a aplicação da Declaração, bem

como sobre as medidas que tomem para tal efeito.

4.2. Assistência à vítima

A teoria do jusnaturalismo defende que existem indivíduos num estado

de natureza anterior à criação do Estado civil. Estes indivíduos vivem numa

condição de igualdade diante da necessidade e da morte e gozam de direitos

naturais intrínsecos, tais como o direito à vida, base dos Direitos Humanos,

assim como alicerça a construção de qualquer programa de proteção às

testemunhas, dentre eles o brasileiro.

A dignidade de cada homem tem por base essencialmente ser uma

pessoa, ou seja, um ser no qual o valor ético é superior a todos os demais no

mundo.

Alicerçada no reconhecimento dos direitos naturais e na razão de ser da

dos direitos humanos, a ONU afirma que as vítimas devem ser tratadas com

compaixão e respeito pela sua dignidade e que tem o direito ao acesso à

justiça com vistas à corrigir o prejuízo sofrido pela pessoa.

É sabido que a nossa Constituição de 1988 põe como um dos

fundamentos da República "a dignidade da pessoa humana" (art. 1º - III). Na

verdade, este deveria ser apresentado como o fundamento do Estado brasileiro

e não apenas como um dos seus fundamentos.

Uma das recomendações mais importantes da declaração dos Princípios

Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder

está no reaparelhamento do Estado. A ONU orienta que se deve criar e

reforçar mecanismos judiciários e administrativos que dêem às vítimas a

condição de obter reparação através de procedimentos, oficiais ou baseados

nestes, que sejam rápidos, equitativos, de baixo custo e acessíveis. É

importante que seja reforçada e incrementada a capacidade judiciária e

administrativa do Estado para que as vítimas tenham suas necessidades

atendidas, prestando às vítimas a assistência adequada ao longo de todo o

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processo. Este é um desafio que demanda esforços humanos e, principalmente

político-financeiros dos Estados membros.

As instituições estatais e as de voluntariado e comunitárias devem se

esforçar em facilitar às vítimas o acesso à assistência material, médica,

psicológica e social de que precisam. Além disso, as vítimas devem ser

informadas e, principalmente, ter rápido e fácil acesso aos serviços sociais de

saúde, sociais e de outras formas de assistência que lhes possam ser úteis.

Uma das grandes dificuldades na acessibilidade e na resolutividade dos

serviços prestados às vítimas é a formação adequada dos profissionais

envolvidos. Estes profissionais (como os do serviço de polícia, justiça, saúde e

serviços sociais e o de outros serviços interessados) devem receber uma

formação que os torne sensíveis às necessidades das vítimas e serem

instruídos no sentido de garantir pronta e adequada assistência às vítimas.

A intenção primeira da ONU com este documento, portanto, foi e

continua sendo a de promover a garantia dos direitos de vítimas e de

testemunhas, incentivando os signatários a tomar medidas para minimizar as

dificuldades encontradas pelas vítimas, proteger a sua vida privada e garantir a

sua segurança, bem como a da sua família e a das suas testemunhas,

preservando-as de manobras de intimidação e de represálias.

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CAPÍTULO V - Análise

Primeiramente cabe relembrar os princípios de Direitos Humanos

aplicados à Proteção a Testemunhas Ameaçadas, para depois analisarmos a

aplicabilidade deles à luz da Lei e do Decreto que regulam o tema em pauta.

Universalidade, Indivisibilidade e Interdependência.

5. 1. Sob a ótica do princípio da universalidade

Destacou-se em momento oportuno, que a universalidade é o

reconhecimento de que todos os indivíduos tem direitos pelo mero fato de

serem humanos, pois todos tem em comum a mesma origem.

Seguindo o raciocínio colocado acima temos a certeza de que em tese a

Lei e o Decreto que regulam o Programa de Proteção a Testemunhas acolhem

e praticam o princípio em pauta, vejamos o preâmbulo da Lei n˚ 9.807/99:

“Estabelece normas para a organização e a

manutenção de programas especiais de proteção a

vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o

Programa Federal de Assistência a Vítimas e a

Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção

de acusados ou condenados que tenham

voluntariamente prestado efetiva colaboração à

investigação policial e ao processo criminal”.

(BRASIL/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2001: 23)

Se visualizarmos todo ser humano em suas características personificadas

não se aplica o princípio da universalidade, pois não é qualquer pessoa –

mesmo sendo ameaçada - que tem o direito de gozar de tal política. Ao

tomarmos o cuidado de dar características às pessoas, nota-se que o princípio

é usado pelo legislador apenas no preâmbulo, pois lá não faz distinção, dentro

do universo das testemunhas ameaçadas, para usufruir do Programa.

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Entretanto, no decorrer dos artigos percebe-se não se tratar de uma Lei

voltada para todos, pois não abrange a todas as pessoas ameaçadas, tem

muitas vírgulas, exigências e características, e, além do quê, não tem vaga

ilimitada.

Ao analisar a aplicabilidade de tal princípio, observamos que há regras

específicas para acesso ao Programa, como seguem:

Ser testemunha OU ser vítima de um crime;

Sofrer coação OU exposição a grave ameaça;

Colaboração com investigação OU processo criminal.

Ser a prova importante para a investigação;

A coação ou ameaça tem que ser graves;

Coação e ameaça de difícil repressão por parte dos meios

convencionais;

Existência de personalidade e conduta compatíveis com as regras do

Programa;

Tem que gozar de sua liberdade;

Pedido de admissão junto ao Programa feito pelo Promotor, autoridade

policial, Juiz competente, órgãos públicos ou entidades com atribuições

de defesa dos direitos humanos, além do próprio interessado.

Além disso, o pedido de admissão deve vir acompanhado de Parecer

Ministerial, analise do perfil do interessado, sua vida pregressa e outros.

Foi realizado pelo Tribunal de Contas da União – TCU auditoria visando

avaliar o Programa de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas entre

agosto e novembro de 2004. A auditoria buscou examinar se a concentração

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de atribuições na sociedade civil está comprometendo o alcance dos resultados

esperados pelo Programa.

Nesse sentido o TCU corrobora com essa tese, pois, cita em sua

avaliação o seguinte:

“Para o ingresso dos beneficiários no programa, a

Lei nº 9.807/99 prevê certos requisitos, tais como:

iminente situação de risco, decorrente da

colaboração prestada a procedimento criminal, ou

seja, deve estar caracterizada a relação de

causalidade, entre a situação de risco e a

colaboração prestada (art. 1º, caput). Assim, não

estão incluídas as pessoas sob ameaça ou

coação motivadas por quaisquer outros fatores”.

(destaque meu).

(Relatório TCU, 2005: 09)

Indagando se todos requisitos forem preenchidos pelo pretenso

beneficiário se ele terá direito constituído de entrar no programa a resposta é

negativa, pois ainda necessitará de análise e aprovação do Conselho

Deliberativo. Após aprovação do Conselho ainda tem averiguação da

disponibilidade orçamentária do programa, motivo que nunca é evidenciado

pelos responsáveis à execução da política pública.

Em não sendo possível financeiramente a proteção da testemunha

dentro do programa especializado, a pessoa ameaçada é direcionada ao

Serviço de Proteção ao Depoente Especial – SPDE, onde esperará até que tal

circunstância seja resolvida.

Ao que consta, isso não configura universalidade, pois não é qualquer

pessoa que mesmo preenchendo os requisitos pode entrar no Programa de

Proteção a Vitimas e a Testemunhas, não sendo assim, uma política para

todos ameaçados, indistintamente.

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É necessário também olhar o princípio da universalidade sob outro

prisma, no caso, a publicidade. Para que a população faça uso de uma política

pública primeiramente é imperioso que essa política seja conhecida, do

contrário ninguém irá recorrer a ela, torna-se inacessível. Seguindo por este

caminho e tendo em pauta o princípio da universalidade é de se concluir que o

mesmo não é vivenciado plenamente pelo Programa, conforme a análise do

TCU:

“Observou-se, nas visitas de estudo aos programas

estaduais, que a maioria das entidades executoras

não realiza ações de divulgação de forma

sistemática. Há pouca disseminação de informações

direcionadas para as camadas menos favorecidas

da população, as quais representam a quase

totalidade dos beneficiários atendidos.”

“(...) a divulgação nas instituições que interagem

com o Programa é feita principalmente pelos seus

representantes no Conselho Deliberativo. Porém,

estas ações não são fruto de uma orientação

centralizada, dependendo basicamente da iniciativa

pessoal dos representantes (...)”.

(Relatório TCU, 2005: 14-15)

5. 2. Sob a ótica do princípio da indivisibilidade

Ao analisar a presença do princípio da indivisibilidade no Programa de

Proteção faz-se necessário recapitular o conceito do princípio dentro dos

direitos humanos, ou seja, lembrar que a dignidade humana não pode ser

buscada apenas pela satisfação de direitos civis e políticos, mas é necessária a

garantia simultânea dos direitos econômicos, sociais e culturais.

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Sob esse prisma pode-se notar que o princípio é aplicado, pois quem é

beneficiário da Política Pública em pauta não recebe apenas a proteção em si,

o que garanta apenas a preservação da sua vida, mas faz uso de:

Escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para

fins de trabalho;

Ajuda financeira mensal;

Preservação da identidade, imagem e dados pessoais;

Apoio e assistência social, médica e psicológica;

Possibilidade de troca de nome;

Possibilidade de ingresso de cônjuge ou companheiro, ascendentes,

descendentes e dependentes que tenham convívio habitual.

A autora entende estar presente o princípio no Programa pois, uma vez

incluído, todas as demandas do beneficiário são atendidas. O protegido pode

trabalhar, pode estudar, tem acompanhamento médico, odontológico e

psicológico. Recebe auxílio financeiro para custear a alimentação, transporte,

vestimenta e lazer. Ademais, findada a proteção, não é abandonado a própria

sorte, vez que o Programa se preocupa em reinseri-lo no meio social em que

escolher como nova moradia.

5. 3. Sob a ótica do princípio da interdependência

O princípio da interdependência é de suma importância para a garantia

de segurança dentro do Programa, para a reinserção social após o Programa e

para a manutenção da qualidade de vida do beneficiário enquanto protegido. É

nesse princípio que está inclusa a articulação do Programa com outras políticas

públicas de primeira necessidade, como a saúde, trabalho, cidadania,

segurança pública, entre outros.

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A autora adota a compreensão que este princípio também se desdobra

na necessária interdependência entre os órgãos e entidades que têm a

responsabilidade de garantir e promover o acesso aos direitos humanos às

pessoas incluídas nos programas de proteção e assistência às vítimas e

testemunhas ameaçadas.

Urge ressaltar que nesse sentido pode-se contar com a participação do

Serviço de Proteção ao Depoente Especial – SPDE que atua junto aos casos

em que o Programa de Proteção não possa incluir, ou seja, quando se trata de

réu preso ou detido que aguarda julgamento, indiciado ou acusado sob prisão

cautelar ou ainda, aqueles casos que não foram admitidos ou foram excluídos

do Programa de Proteção, e ainda, os casos em que se preenchem os

requisitos e se tem decisão favorável do Conselho para o ingresso, mas que o

Programa não dispõe de recursos para a inclusão.

O SPDE consiste na prestação de medidas de proteção assecuratórias

da integridade física e psicológica do depoente especial, aplicadas isolada ou

cumulativamente, consoante as especificidades de cada situação.

Portanto, é de se notar que a articulação entre o Programa e o

SPDE/DPF configura a pratica do princípio da interdependência, porém não no

nível desejável. O TCU demonstra a mesma visão ao esclarecer que:

“Os programas estaduais também ressentem da

dificuldade de encaminhamento de casos que não se

encaixam no perfil definido para o Programa e não

preenchem os pré-requisitos de admissão. Nessa

situação deveria haver proteção especial da

segurança pública local para a pessoa que, não

admitida ou excluída do Programa pelos mais

variados motivos (não preenchimento dos pré-

requisitos, quebra de sigilo, comportamento

inadequado no programa), corra risco pessoal de

vida e colabore na produção da prova. Todavia, para

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esses casos, existe apenas o Serviço de Proteção

ao Depoente Especial – SPDE, operado pelo

Departamento de Polícia Federal, o qual não tem

condições de atender a toda a demanda”.

(destaque meu).

(Relatório TCU, 2005: 13-14)

Continuando a colocação acerca do item segurança, vale destacar que,

a Equipe Técnica que trabalha diretamente com os beneficiários precisariam de

aparato do Estado que resguardasse a integridade física dos mesmos, vez que

se envolvem com as histórias de vida, com os relatos dos crimes

testemunhados pelos usuários do Programa. Porém, não existe uma

articulação/interdependência entre Programa de Proteção e órgãos de

segurança que respaldem a troca de identidade dos profissionais envolvidos na

proteção.

Cita-se a visão do TCU sobre o tema:

“Da mesma forma, verificou-se que os membros das

equipes técnicas não possuem documento

específico que resguarde sua identidade pessoal.

Como implicação, os técnicos acabam se expondo

quando necessitam acompanhar as testemunhas

para atendimento médico, fóruns, encaminhamento

para treinamentos, empregos, matrículas em

escolas, já que tem que utilizar seus documentos

pessoais para se identificarem. Com isso, aumenta a

probabilidade de comprometimento do sigilo das

ações do Programa”.

(Relatório TCU, 2005: 14).

Seria necessário, além da interdependência entre Programa de Proteção

e Órgãos de Segurança Pública, um relacionamento estreito com Ministério do

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Trabalho, Ministério da Saúde e suas Secretarias, Ministério da Educação e

suas Delegacias de Ensino, vejamos o que coloca o TCU:

“Foi observado que o acesso aos serviços de saúde,

educação e assistência social não é garantido de

forma institucional nos estados, sendo fruto de

articulações pessoais das entidades gestoras ou

membros da equipe técnica com secretários

estaduais, diretores de escolas ou de postos de

saúde. O inconveniente reside no caso de haver

mudança dos ocupantes desses cargos, quando há

grande risco de perda de todo o trabalho já feito,

sendo necessário o estabelecimento de novos

contatos e articulações com a pessoa que assumiu o

posto”.

(Relatório TCU, 2005: 17).

Diariamente o Programa de Proteção contradiz suas próprias diretrizes,

vez que trabalha com sigilo e por falta de uma interdependência mais efetiva se

vê obrigado a quebrar uma das regras mais importantes previstas na Lei do

Programa. Ao precisar de um médico, de uma escola ou no caso de emprego,

o usuário do programa não conta com intervenção no sentido de resguardar

sua real identidade. Observe-se a avaliação do TCU:

“Como forma de melhor explicitar a questão, pode-se

pensar num beneficiário que necessite de

atendimento médico do SUS e apresente sua própria

carteira de identidade, passando, assim, a figurar em

banco de dados específico que revele a localização

de sua residência. O risco é extensível a seus

dependentes quando se matriculam em escolas

públicas.”

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(Relatório TCU, 2005: 18)

Nota-se que a articulação e a interdependência entre o Programa e

outros órgãos existem, ou seja, o principio em comento está atendido pela Lei e

pelo Decreto que regulamentam o Programa, no entanto a crítica que se faz é

que essa articulação ainda não é suficientemente estreita a ponto de garantir

que todos os casos tenham a mesma cobertura de serviços como saúde,

educação, segurança e trabalho.

No que tange a parceria que deveria ser estabelecida com o Ministério

do Trabalho e Emprego, ressalta-se que tal interdependência é de suma

importância para a reinserção social da testemunha. O colaborador da justiça

abandona todo seu estado a quo para ingressar em uma política pública que

mudará sua vida como um todo, inclusive a profissional. O objetivo dos

técnicos do Programa é propiciar um dia a dia mais próximo possível do que

outrora era vivenciado pela testemunha, e nisso está incluída a história

profissional que se tinha.

Não é possível, por falta de interdependência mais apurada, criar uma

Carteira de Trabalho onde conste a experiência profissional da testemunha

sem que explicite sua real personalidade. Sem experiência profissional

comprovada é muito difícil a recolocação no mercado de trabalho, nesse

sentido diz o TCU:

“A obtenção de trabalho e a reinserção social do

beneficiário fica prejudicada nos casos em que há

mudança de identidade, devido à impossibilidade de

comprovação de experiência profissional em carteira

de trabalho. Os novos documentos emitidos não

apresentam dados de empregos anteriores à

mudança de nome, tais como atividades

profissionais desenvolvidas, tempo de trabalho e

empregadores, entre outros. Tal fato dificulta a

recolocação profissional dos egressos do programa”.

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(Relatório TCU, 2005: 18)

Além disso, muito interessante seria se houvesse relação de

interdependência com o Poder Judiciário, vez que os incluídos no Programa de

Proteção não contam com uma estratégia governamental no sentido de

acelerarem o processo no qual testemunham. Se houvesse um atendimento

prioritário nos processos em que há testemunhas admitidas em Programas de

Proteção pouparia tempo de limitação à liberdade da testemunha e orçamento

do Estado para custear a proteção.

Ademais, é nesse sentido que se colocou o TCU:

“Por sua vez, os processos criminais que contem

testemunhas dos programas estaduais não são

priorizados pelo Poder Judiciário dos estados. Nota

técnica da CGPT menciona casos em que, após o

ingresso, os respectivos processos judiciais ficaram

paralisados, permanecendo a testemunha até quatro

anos e meio sem que fosse convocada para oitiva

em nenhum procedimento formal. A morosidade

desestimula o possível ingresso de testemunhas em

potencial, frustra os beneficiários e tende a

sobrecarregar as entidades executoras, já que

prolonga o tempo de permanência das testemunhas

no programa”.

(Relatório TCU, 2005: 16)

A inclusão está interligada ao fato da pessoa ser testemunha ou vítima,

estar colaborando com a investigação ou processo, a colaboração está

necessariamente ligada ao fato de ser importante para a produção da prova, e

assim acontece com os demais critérios de ingresso do Programa. Mas, mais

que isso o princípio está presente no aspecto de acolhimento no Programa.

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Ao interligar proteção física, psicológica, atendimento médico, custeio de

alimentação, vestuário e lazer, fica evidente a interdependência de direitos

junto à execução do Programa, porém não o suficiente para resguardar a

mantença da qualidade de vida que se espera para pessoas que já passaram

por um processo de desequilíbrio de vida tão intenso.

5.4. Análise das Recomendações da ONU, sob a ótica dos

princípios dos Direitos Humanos

Tendo em vista as Recomendações da ONU para o Programa de

Proteção é imperioso destacar o artigo 2˚ da Declaração Universal de 1948:

“Cada qual pode se prevalecer de todos os direitos e

todas as liberdades proclamadas na presente

Declaração, sem distinção de espécie alguma,

notadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de

religião, de opinião pública ou de qualquer outra

opinião, de origem nacional ou social, de fortuna, de

nascimento ou de qualquer outra situação”.

(Declaração Universal de 1948)

Fica claro, a meu ver, o respeito ao princípio da universalidade. Com

essa visão macro, de que a Lei e o Programa não foram feitos para uma

determinada classe, etnia ou grupo específico cria-se um descompasso de

propósitos: a Declaração é ampla o suficiente para atingir o princípio da

universalidade, mas sua execução é burocrática suficientemente para criar

barreiras excessivas à efetiva Proteção. Autora reconhece boa a intenção da

Lei, mas o propósito por si só não protege ninguém, precisaria rever a

execução do Programa para atingir um número maior de pessoas que vivem

cercadas de ameaças.

Pessoas que não concordam com essa visão, alegam que muitas

pessoas já passaram pelo Programa e receberam Proteção, mas números

isolados não servem como parâmetro já que não citam quantas pessoas no

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país estão abrangidas pela condição de testemunhas ameaçadas e não são

incluídos porque acabou orçamento, ou porque demora-se excessivamente

para analisar o caso, para levar o caso para Deliberação, dentre outros motivos

que impedem a inclusão.

Observe-se o que diz a avaliação do TCU sobre orçamento do

programa:

“(...) as secretarias estaduais não mantêm um

repasse regular de recursos financeiros para as

ONG, o que compromete o funcionamento do

programa e desestimula os gestores das entidades

executoras estaduais. Os entrevistados informaram

que algumas secretarias estaduais recebem os

recursos federais em parcela única, mas parcelam e

retardam os repasses para as entidades executoras.

Com isso, muitas delas tem realocar recursos

próprios na “entressafra” – período de escassez dos

recursos públicos – o que depende da saúde

financeira da entidade e pode comprometer suas

demais ações e mesmo a manutenção e custeio das

atividades de proteção a testemunhas ameaçadas”.

(Relatório TCU, 2005: 16)

Ainda sob o prisma orçamentário, destaca-se a precariedade da

fiscalização sobre os processos de prestação de contas do Programa, vez que

não se criou um mecanismo de análise sem que comprometa a segurança dos

envolvidos na proteção, veja a posição do TCU:

“As prestações de contas são apresentadas aos

órgãos convenentes e à CGPT por meio de planilhas

com indicação dos custos, mas sem os documentos

comprobatórios das despesas. Assim, verifica-se

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que a sistemática não oferece garantia da efetiva

aplicação dos recursos públicos”.

(Relatório TCU, 2005: 17).

Na Declaração Universal é perceptível ainda o atendimento aos

princípios de indivisibilidade e de interdependência. A recomendação da ONU

é que os Programas de Proteção ofereçam aos seus beneficiários o direito à

vida, ou seja, condições de preservação da vida – a proteção propriamente dita

– e, não separado, mas cumulado, o direito à dignidade.

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CONCLUSÃO

Com este estudo a autora procurou identificar se no Programa de

Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, gerenciado pela Secretaria

Especial dos Direitos Humanos – SEDH da Presidência da República, que foi

construído ao passar dos anos e estabelecido através da Lei nº 9.807/99 e

regulamentado pelo Decreto nº 3.518/00, existe uma correspondência direta do

mesmo com os princípios básicos dos Direitos Humanos e as recomendações

internacionais celebradas através de acordos diversos.

Para concluir a observância ou não dos princípios básicos de Direitos

Humanos pelo Programa, a autora se vale do conceito e conteúdo de cada

princípio, do Relatório do Primeiro Monitoramento elaborado em 2006 e da

Avaliação do Programa de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas

realizado em 2005, ambos de responsabilidade do Tribunal de Contas da

União.

As análises e propostas da avaliação realizada pelo TCU concluem a

necessidade de reforçar a participação estatal do programa. Esta conclusão

não significa críticas à atuação da sociedade civil, mas apenas constatação da

necessidade de uma divisão igualitária das atribuições entre os setores, em

benefício da segurança pública do país.

A autora também faz uso da Declaração dos Princípios Básicos de

Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, a qual foi

adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas na resolução 40/34. O

estudo de tal declaração clarifica que a negligência com os direitos humanos

representa a incapacidade do Estado de proteger as pessoas sob sua

jurisdição.

A partir desse documento a Assembléia Geral da ONU assevera a

necessidade de adoção de medidas nacionais e internacionais que garantam o

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reconhecimento universal e eficaz e, ainda, o respeito pelos direitos das vítimas

de crimes e de abuso de poder.

Analisando a aplicabilidade de cada princípio pode-se concluir que o

princípio da universalidade pode ser visto sob dois prismas. O primeiro deles é

o alcance do Programa, se atinge ou não a todos, e sob essa ótica a autora

conclui não ser observado, pois não é toda pessoa ameaçada que está apta a

receber proteção da política em comento. Em relação ao prisma da

publicidade, se vê que o mesmo não é atendido vez que não se produz de

forma sistêmica e nacional, a divulgação do Programa de Proteção, não sendo

assim uma política conhecida por todos.

O princípio da indivisibilidade é atendido, vez que a testemunha goza de

proteção policial, custeio financeiro, acompanhamento médico, odontológico e

psicológico, e, ainda, tem acesso à educação e lazer. Não se faz análise, neste

princípio, da qualidade desses serviços, mas da previsão legal que contemple

tais medidas, e, no caso, a Lei nº 9.807/99 disciplina tais necessidades.

Em relação ao princípio da interdependência a autora o analisou sob

prisma da execução entre os órgãos que atuam na esfera dos direitos

humanos, e pode-se perceber que tal princípio é atendido tendo em vista que

há relação entre serviços de saúde, educação, segurança. Mas, neste princípio

a análise da qualidade se fez imperiosa, pois na prática há grande déficit na

efetivação de tais medidas. Conclui-se portanto, que o princípio é observado

pelo Programa, porém não de forma plena, no nível desejado para uma política

de direitos humanos.

Com tudo isso, foi possível concluir que é fundamental a assistência à

vítima/testemunha, no sentido de oferecer-lhes condições materiais, médicas,

psicológicas e sociais que sejam necessárias, através dos meios

governamentais, voluntários e comunitários. Assim, conjugando todos os

setores e fazendo valer o caráter dos direitos humanos na proteção,

atingiríamos com plenitude o objetivo que se espera da Lei Protetiva.

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