PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos...

262
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA ADINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA Orientador: Prof.º Phd. Nilson Cortez Crocia de Barros RECIFE, PERNAMBUCO, BRASIL 2010

Transcript of PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos...

Page 1: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA

A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO

BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA

FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA

Orientador: Prof.º Phd. Nilson Cortez Crocia de Barros

RECIFE, PERNAMBUCO, BRASIL2010

Page 2: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO

BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA

Área de Concentração do Curso de Doutorado: Regionalização e Análise Regional

Linha de Pesquisa do Curso de Doutorado: Organização e Dinâmicas Espaciais: teorias e aplicações regionais

Page 3: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA

Professor do Departamento de Geografia e História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO

BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA

Tese apresentada pelo Geógrafo Francisco Fábio

Dantas da Costa ao Programa de Pós-Graduação em

Geografia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas

da Universidade Federal de Pernambuco, sob a

orientação do Professor Phd. Nilson Cortez Crocia de

Barros, enquanto requisito parcial para a obtenção do

título de DOUTOR EM GEOGRAFIA.

Recife, Pernambuco, Brasil 17 de setembro de 2010

Page 4: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

Costa, Francisco Fábio Dantas da A dinâmica da organização do espaço na região do baixo Mamanguape –litoral norte do estado da Paraíba / Francisco Fábio Dantas da Costa. –Recife: O Autor, 2010. 260 folhas: il., tab., graf., mapas, quadros e fotos.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Geografia, 2010.

Inclui: bibliografia e anexos.

1. Geografia. 2. Organização – Espaço. 3. Região – Mamanguape (PB). 4. Litoral – Paraíba. I. Título.

91 910

CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)

UFPE BCFCH2010/34

Page 5: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA

FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA

A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO

BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA

APROVADA em 17 de SETEMBRO de 2010.

BANCA EXAMINADORA

RCMS

Page 6: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

iv

BRAVA GENTE

Aos operários-camponeses que construíram com sonho,

dedicação e muito trabalho a cidade de Rio Tinto. Que esse

legado jamais caia no esquecimento.

Aos índios da nação Potiguara que ainda lutam por um

pedaço de chão, por liberdade, por reconhecimento e por

dignidade. Em particular ao Cacique Aníbal, líder dos humildes

habitantes da aldeia de Jaraguá (Rio Tinto).

Aos camponeses/seringueiros que padeceram na luta pela terra.

Em especial a João Pedro Teixeira, Margarida Maria Alves,

Wilson Pinheiro e Chico Mendes.

No Nordeste e na Amazônia, esses bravos trabalhadores

derramaram o suor e o sangue dos seus próprios corpos e fizeram

germinar na terra a esperança de um futuro melhor para todos.

Page 7: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

v

DEDICATÓRIA

À ADRIANA, minha esposa e minha companheira, mulher determinada que conduz as nossas vidas com ternura,

paixão, dedicação e amor sem limites. Sem a sua ajuda e incentivo jamais teria chegado ao fim

de mais uma longa jornada.

Às minhas filhas, MARIA LETÍCIA e MARIA CECÍLIA. Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse

trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras palavras, e Cecília ensaiava com cautela

os primeiros passinhos. Elas representam, sem nenhum exagero, a maior razão

das nossas vidas.

Aos meus queridos pais, MANOEL e INÊS, por terem me concedido a vida, o pão necessário ao corpo, o amor indispensável

ao espírito e a oportunidade de poder estudar muito.

Page 8: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

vi

AGRADECIMENTOS

Todo trabalho exige o concurso de várias mãos. Por isso gostaria de agradecer...

Ao Deus que ilumina a minha vida e a vida de todos, fonte inesgotável de felicidade,

ternura e sabedoria – o Deus da liberdade, do amor, da solidariedade e da compaixão.

Aos meus familiares e parentes: esposa (Adriana), filhas (Letícia e Cecília), pais (Manoel e

Inês), irmãs (Suzana, Catarina e Fabiana), sogros (Dedé e Geralda), padrinhos (Neto e Gisélia),

tios, sobrinhos, primos, cunhados e cunhadas (Valéria e Carol), pelas infindáveis demonstrações de

amor e carinho.

As primeiras professoras da minha vida: Inês Dantas (minha mãe), Maria Dantas (minha

avó materna), Tia Marisa e Tia Telma (as dedicadas professoras da Rua da Saudade, onde eu nasci

e vivi). Essas mulheres foram muito importantes para a minha formação pessoal e profissional.

Aos amigos do tradicional e popular bairro do Roger, em especial, às famílias do Sr. Pedro

Braz, Sr. Geraldo Cardoso, Prof. Euvaldo, Dona Silvia, Dona Vanda, Dona Severina, Olindina,

Lourdes, Lúcia, Clotilde, Marivan, Manoel (Manu), Paulo Roberto, Totinha, Mauro, Gê, Altamiro

e Elinei, Joaquim e Zileide. Aos amigos do TNT (Paulinho, Gel, Tarcisio, Ernani, Ederle e

Hildegrey), pelas aventuras, pelos acampamentos e pela valiosa AMIZADE.

Aos amigos Sr. Pedro Paulo e Dona Neta, Marileide, Sueli, Sr. Paulo, Dona Eulina, Dona

Rosália, Dona Maria e Sr. José, Ronismar, Vera, Rachel, Francisca (Fan) e Vitor, Graça e Genival,

Alan, Jobson, Lassiê, Adilson e Aldo.

A todos os professores e funcionários das escolas públicas onde eu tive a feliz oportunidade

de estudar: Escola Estadual Milton Campos (atual Escola Estadual Maria Geni), Grupo Escolar

Epitácio Pessoa, Escola Estadual Prof. Tarcísio Burity e Lyceu Paraibano. Neste último colégio, eu

gostaria de deixar registrado os meus sinceros agradecimentos aos professores José Paulo, Abraão,

Agamércia, Jonatan, José Carlos, Jairo, Geraldo Jorge, Inês, Maria de Fátima, Maria do Carmo,

Alexandre e João Damasceno.

Ao professor Phd. Nilson Cortez Crocia de Barros, meu orientador no Mestrado e no

Doutorado, pela paciência, pela dedicação e pelos valiosos ensinamentos ao longo de toda a minha

permanência na Pós-Graduação em Geografia. Por todos esses motivos, posso me considerar uma

pessoa privilegiada.

Aos professores da banca examinadora (Dra. Ana Cristina, Dra. Aldemir Dantas, Dra. Rita

de Cássia e Dr. José Lacerda) por terem aceitado o convite de avaliar este trabalho. Vale lembrar

que as sugestões e críticas produzidas a partir de suas análises serão imprescindíveis para o

enriquecimento da pesquisa em sua totalidade.

Page 9: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

vii

Aos professores do Departamento de Ciências Geográficas e do Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE): Lucivânio Jatobá,

Silvana Moreira Neves, Thaís Correia de Andrade, Rachel Caldas Lins (aposentada), Rui Pordeus,

Jan Bitoun, Alcindo José de Sá, Antônio Carlos de Barros Corrêa, Ana Cristina de Almeida

Fernandes, Marlene Maria da Silva, Edvânia Torres Aguiar Gomes, Hernani Loebler, Cláudio

Jorge Moura de Castilho, Tânia Bacelar de Araújo, Aldemir Dantas Barbosa, Caio Augusto

Amorim Maciel, Beatriz Soares Pontes e Vanice Santiago Frazão Selva.

Aos funcionários do Departamento de Ciências Geográficas e do Programa de Pós-

Graduação: Rosa Marques, Rosaldo, Accioly, Jaci, Rosalva, Domingos, Itamar, Didi e Duprat.

Aos amigos da turma de Doutorado, em particular, a Márcia Braga, Maria Soares, Irecê e

Sandro Virgílio.

Aos professores do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba

(UFPB): Emilia de Rodat Fernandes Moreira (minha primeira orientadora, cujos ensinamentos

foram vitais para o meu amadurecimento intelectual), Eduardo Rodrigues Viana de Lima, Eduardo

Galiza Marinho, Lígia Maria Tavares, Maria de Fátima Rodrigues, Manoel Fernandes de Souza

Neto, Magno Erasto, Paulo Roberto de Oliveira Rosa, Wolf Dietrich Heckendorff, Ana Madruga e

Doralice Sátiro. Gostaria de agradecer também aos professores aposentados: Leda Germóglio, José

Bezerra, Antônio Sérgio Tavares de Melo (in memorian), Eduardo Pazera Junior, Maria do

Rosário, Maria Gelza Fernandes de Carvalho, Vanda Régis, Modesto Seabra, Auxiliadora Lira e

Custódia Magalhães (vocês foram fundamentais para a minha formação pessoal e profissional).

Aos professores do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em

especial, a José Ailton Lira, Elisa Gonsalves, Luizito Rodrigues, Emilia Prestes, Paulo Pinto,

Otaviana Maroja, Ilson Falconi, Espedito Pereira e Esperdito Pedro.

Aos professores do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Acre (UFAC):

Adailton de Souza Galvão, Valtemir Evangelista de Souza, José Alves Costa, Raimundo Muniz

Penha e Miriam Bueno, pelo acolhimento no tempo em que permaneci no quadro daquele

Departamento (1998-2000). Agradeço aos amigos a oportunidade que tive para percorrer e

pesquisar as belas paisagens das áreas drenadas pelo alto curso do rio Acre, na fronteira do Brasil

com a Bolívia e o Peru.

Ainda na Amazônia, gostaria de deixar registrado os meus sinceros agradecimentos aos

amigos Joventina Claro, Maria José, Isaac Ximenes, Waldemir Lima, Marco Antônio, Alexandre

Longin, Alriberto Dourado, Aécio Nogueira e Sibá Machado. Aos demais alunos e funcionários

dos cursos de graduação em Geografia e Sociologia da Universidade Federal do Acre, o meu

reconhecimento.

Aos amigos da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em especial, aos professores

Lanusse Salim Tuma, Marceleuze de Araújo, Belarmino Mariano, Francisco Fagundes e José

Page 10: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

viii

Eduardo de Santana. Vocês são pessoas que apresentam muita atitude – geograficamente falando,

são meus amigos em qualquer LATITUDE e LONGITUDE. Agradeço igualmente aos professores

Ana Glória, Paulo José, Regina Celly, Cléoma Toscano, Maria Aletheia, Robson Pontes, Carlos

Belarmino, Luciene Vieira, Rômulo Sérgio, José Jakson, Waldeci Chagas, Josemar Vieira, Ruston

Lemos, Amanda Marques, Alecsandra Pereira, Edvaldo Carlos, Aldo Gonçalves, Ernani Martins,

Antônio Sérgio, Severino dos Ramos, Anderson Alves, Aline Barboza, Genivaldo Paulino,

Eduardo Jorge, Toninho, Luis Tomaz, Wanilda Vidal, Rosilda Alves, Iara Melo e Rita de Cássia,

pela força e pelas palavras de otimismo e perseverança.

Aos funcionários do Centro de Humanidades do Campus III: Tânia, Severino, Adielson,

Josenilton, Lutélcia, Paula, Marluce, Berta, Josefa, Euda, Luis, Genilda, Amarildo, Baltazar,

Ewerton, Elisângela e Rogério, pelas palavras de carinho, pela dedicação e pela valiosa amizade.

Agradeço ainda aos funcionários da Biblioteca do Campus. Aos amigos Adielson e Maricélia,

pelas boas noites de prosa e descontração.

Aos alunos dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia (Especialização) da

Universidade Estadual da Paraíba, pelas discussões levantadas, pelo respeito e pela atenção em

todos os momentos. Gostaria de registrar ainda a minha gratidão aos geógrafos Jessé Sena, Marcio

Balbino, Pedro Jeremias, Ryan Brito, Gabriel Saturnino, Francisco de Assis, Napoleão Ângelo,

Rafael Farias, Emiliano Melo, Leandro Paiva, Agostinho Queiroga, Fernando Félix, Willian,

Adalto, Edielson Gonçalo, Manoel Vieira, Edinilza Barbosa, Renato Alves e Paulo Nunes.

Aos amigos José Rinaldo, Fernanda Teixeira e Lamartine Candeia, do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), João Pessoa, pelas orientações e pelo fornecimento das

informações censitárias sobre a região do Baixo Mamanguape.

Aos funcionários da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em especial, ao Sr. Marcos

Antônio (Chefe da Coordenadoria Técnica Local), Célia Maria da Silva e Jamerson Bezerra

Lucena, pelo fornecimento dos dados estatísticos e mapas referentes às Terras Indígenas Potiguara.

À Juçara Fonseca, bibliotecária da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

(SUDENE), pelo material bibliográfico fornecido e pela seleção das Cartas Topográficas do Litoral

Norte da Paraíba, indispensáveis ao desenvolvimento da pesquisa.

Aos amigos Lucílio e José Fernando, do Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da

Paraíba (INTERPA).

Por fim, gostaria de deixar registrado os meus sinceros agradecimentos à Universidade

Estadual da Paraíba, pela liberação concedida durante parte do Curso de Doutorado. Gostaria de

estender também a minha gratidão aos moradores dos municípios do Baixo Mamanguape, pessoas

humildes e acolhedoras que me ENSINARAM belas lições que só o tempo é capaz de PRODUZIR.

Francisco Fábio Dantas da Costa Recife, Pernambuco, início da primavera de 2010.

Page 11: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

ix

SUMÁRIO

Índice das Figuras, Mapas, Quadros, Tabelas e Gráficos .................................................... xi

Índice das Fotografias ............................................................................................................. xiv

Siglas e Símbolos Usados ......................................................................................................... xvii

Resumo ..................................................................................................................................... 20

Résumé ..................................................................................................................................... 21

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 22

OBJETIVOS DA PESQUISA ....................................................................................................... 24

METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................................................. 26

O Método de Abordagem ....................................................................................................... 26

Procedimentos Técnicos da Pesquisa .................................................................................... 26

CAPÍTULO 1 – A REGIÃO NO DISCURSO GEOGRÁFICO: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS .............................................................................. 30

1.1 A Importância do Conceito de Região para a Análise Geográfica .................................. 31

1.2 As Principais Tipologias de Regiões .............................................................................. 49

1.3 As Experiências de Interpretação Regional na Paraíba e a Posição Ocupada

pelo Baixo Mamanguape ................................................................................................. 74

CAPÍTULO 2 – CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE ...................................................................................................................... 83

2.1 Situação e Localização ................................................................................................... 84

2.2 O Quadro Natural ............................................................................................................. 88

2.2.1 As Condições Climáticas .......................................................................................... 88

2.2.2 A Rede Hidrográfica ............................................................................................. 97

2.2.3 A Cobertura Vegetal ............................................................................................. 101

2.2.4 O Substrato Geológico ............................................................................................. 111

2.2.5 Os Compartimentos Geomorfológicos .................................................................... 114

2.2.6 Os Solos ................................................................................................................... 122

CAPÍTULO 3 – A EXPERIÊNCIA CANAVIEIRA NA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE ...................................................................................................................... 126

3.1 A Natureza do Projeto Colonial Açucareiro e a Consolidação do

Latifúndio no Nordeste do Brasil .................................................................................... 127

3.2 O Processo Histórico de Ocupação do Baixo Vale do Rio Mamanguape ......................... 136

3.3 O Advento do Proálcool e a Expansão Recente da Cultura

da Cana-de-Açúcar (Pós-1975) ....................................................................................... 153

Page 12: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

x

CAPÍTULO 4 – A EXPERIÊNCIA TÊXTIL NA CIDADE DE RIO TINTO ............................... 172

4.1 A Importância da Cotonicultura no Processo de Industrialização do Nordeste

Brasileiro .......................................................................................................................... 173

4.2 A Experiência Industrial na Cidade de Rio Tinto e o Papel da Família Lundgren ......... 182

4.2.1 Alguns Antecedentes Históricos .............................................................................. 182

4.2.2 A Companhia de Tecidos e o Nascimento do Aglomerado Urbano de Rio Tinto ......... 184

CAPÍTULO 5 – AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE ........................................................................................................................ 204

5.1 Uso do Solo, Impactos Ambientais e Políticas de Proteção do Meio Ambiente ............ 205

5.2 A Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape ......................................... 216

5.3 As Terras Indígenas Potiguaras e o Papel da FUNAI ........................................................ 229

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 236

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 242

ANEXOS ..................................................................................................................................... 253

Anexo 1 – Séries Estatísticas ................................................................................................. 253

Anexo 2 – Artigos de Jornais ................................................................................................. 256

Page 13: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xi

ÍNDICE DAS FIGURAS, MAPAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS

FIGURAS

Figura 1 – Metodologia da Pesquisa ........................................................................................... 29

Figura 2 – As Regiões Geográficas na Concepção de Vidal de La Blache .................................. 54

Figura 3 – Perfil Esquemático das Fisionomias das Áreas de Influência

Marinha (Restinga) ................................................................................................................ 104

Figura 4 – Perfil Esquemático das Formações da Floresta Ombrófila Densa ............................ 109

Figura 5 – Perfil Esquemático das Formações da Savana (Cerrado) ........................................... 111

Figura 6 – Corte Esquemático Representando a Utilização do Solo no Vale

Inferior do Rio Paraíba do Norte ........................................................................................... 150

Figura 7 – Planta Baixa de uma Casa Operária Inglesa no Início do Século XIX ...................... 192

Figura 8 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 1 ........................................... 194

Figura 9 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 1 ........................... 194

Figura 10 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 6 ........................................... 195

Figura 11 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 6 ............................ 195

Figura 12 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 4 ........................................ 195

Figura 13 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 4 ............................ 195

Figura 14 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 5 ........................................... 195

Figura 15 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 5 ............................ 195

Figura 16 – Divisão das Unidades de Conservação Segundo o SNUC ...................................... 217

Figura 17 – A Interceptação das Chuvas pela Vegetação ............................................................ 228

MAPAS

Mapa 1 – Regiões e Civilizações Dominadas pelo Império Romano ........................................ 32

Mapa 2 – Regionalismo Literário ................................................................................................ 48

Mapa 3 – Brasil: Divisão Regional de 1950 (Regiões Naturais) ................................................. 60

Mapa 4 – Brasil: Divisão Regional de 1970 (Regiões Homogêneas) ........................................ 60

Mapa 5 – Brasil: Hierarquia Urbana (2000) ................................................................................. 64

Mapa 6 – Região Metropolitana de Fortaleza .............................................................................. 67

Mapa 7 – Região Metropolitana de Fortaleza Captada pelo Satélite Landsat-5 ........................ 67

Mapa 8 – Divisão do Território Paraibano em 1892 (Segundo a Distribuição da Flora) ............ 79

Mapa 9 – Divisão do Território Paraibano em 1945 (Segundo as Zonas Fisiográficas) ............ 79

Mapa 10 – Divisão do Território Paraibano em 1965 (Segundo os Limites Naturais e

as Formas de Uso da Terra) .................................................................................................... 79

Mapa 11 – Divisão do Território Paraibano em 1968 (Segundo as Microrregiões

Homogêneas) .......................................................................................................................... 79

Mapa 12 – Divisão do Território Paraibano em 1970 (Segundo as Regiões Agrárias) ............... 80

Mapa 13 – A Paraíba no Nordeste do Brasil .............................................................................. 85

Mapa 14 – Mesorregião da Mata Paraibana e Microrregiões ..................................................... 86

Page 14: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xii

Mapa 15 – Projeto Radambrasil – Folha Jaguaribe/Natal: Pluviometria Total

Média Anual (mm) – 1981 ....................................................................................................... 92

Mapa 16 – Imagem do Satélite Meteorológico GOES-12 Mostrando a Intensa

Nebulosidade Sobre o Litoral e Parte dos Estados da Costa Oriental do Nordeste ................ 94

Mapa 17 – As Massas de Ar que Atuam na América do Sul ...................................................... 97

Mapa 18 – Delimitação Espacial das Bacias e Micro-bacias Hidrográficas do

Estado da Paraíba .................................................................................................................... 98

Mapa 19 – As Atividades Econômicas do Território Colonial Português no Início

do Século XVI ....................................................................................................................... 129

Mapa 20 – As Capitanias Hereditárias em 1534 ........................................................................... 131

Mapa 21 – Planta Baixa da Fazenda Leitão em 1942 (Usina Monte Alegre) ............................... 149

Mapa 22 – Zona da Mata Paraibana: Área de Domínio do Sistema Canavieiro (1970-1986) ....... 155

Mapa 23 – A Organização do Espaço na Zona da Mata e Agreste Potiguar,

Paraibano e Pernambucano .................................................................................................... 177

Mapa 24 – Aspectos da Topografia do Sítio Original da Cidade de Rio Tinto ............................ 186

Mapa 25 – Delimitação Espacial da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio

Mamanguape .......................................................................................................................... 219

Mapa 26 – Principais Comunidades Localizadas na Área de Proteção Ambiental da

Barra do Rio Mamanguape e Entorno .................................................................................... 220

QUADROS

Quadro 1 – Relação das Cartas Topográficas que Cobrem a Região do Baixo

Mamanguape e Áreas Adjacentes ............................................................................................ 28

Quadro 2 – A Geografia na Concepção de Alfred Hettner ......................................................... 39

Quadro 3 – O Significado da Palavra Região e de Outras Acepções em Alguns

Idiomas Selecionados ............................................................................................................. 43

Quadro 4 – A Região Natural na Concepção de Fábio Guimarães e Pierre Monbeig ............... 51

Quadro 5 – As Regiões de Planejamento .................................................................................... 58

Quadro 6 – As Ações da SUDENE no Vale do São Francisco e a Visão de

Manuel Correia de Andrade .................................................................................................... 72

Quadro 7 – Divisão do Território Paraibano em 1892 (Segundo a Distribuição da Flora) ......... 75

Quadro 8 – As Regionalizações do Espaço Agrário Paraibano ................................................. 78

Quadro 9 – As Características da Zona Intertropical e o Papel Desempenhado

Sobre o Espaço Brasileiro ....................................................................................................... 89

Quadro 10 – Estratigrafia do Baixo Vale do Rio Mamanguape .................................................. 112

Quadro 11 – A Ocupação do Território Colonial Português Segundo Manuel Correia de

Andrade e Caio Prado Júnior ................................................................................................. 138

Quadro 12 – As Transformações nos Sistemas de Organização Agrária do Nordeste

Canavieiro na Visão de Mário Lacerda de Melo ..................................................................... 151

Quadro 13 – Região do Baixo Mamanguape: Principais Conflitos Fundiários ......................... 167

Quadro 14 – Principais Fábricas Têxteis Instaladas na Região Nordeste Entre

Page 15: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xiii

os Séculos XIX e XX ............................................................................................................. 175

Quadro 15 – Relação das Empresas Compradoras das Terras Pertencentes à

Companhia de Tecidos Rio Tinto .......................................................................................... 199

Quadro 16 – A Ação do Homem na Superfície da Terra e a Ruptura do Equilíbrio

Natural ................................................................................................................................... 207

Quadro 17 – Principais Eventos Internacionais Sobre Questões Ambientais Realizados

Após a Conferência de Estocolmo ....................................................................................... 214

Quadro 18 – Características das Terras Indígenas Potiguaras (Municípios Abrangidos,

Total de Aldeias e População Recenseada) .............................................................................. 231

TABELAS

Tabela 1 – Clima Tropical Litorâneo (As’): Dados de Algumas Estações

Meteorológicas do Litoral da Paraíba (1981) ........................................................................ 93

Tabela 2 – Balanço Pluviométrico de Algumas Estações Meteorológicas do Litoral

da Paraíba – 2003/2004/2005 (abril a julho) ........................................................................... 93

Tabela 3 – A Organização do Espaço na Capitania da Paraíba em 1774 ................................... 141

Tabela 4 – Estado da Paraíba e Região do Baixo Mamanguape: Índice de Gini

(1970, 1980 e 1985) ................................................................................................................. 165

Tabela 5 – Município de Baía da Traição: Estrutura Fundiária (1970, 1980 e 1985) ................ 165

Tabela 6 – Município de Mamanguape: Estrutura Fundiária (1970, 1980 e 1985) ....................... 166

Tabela 7 – Município de Rio Tinto: Estrutura Fundiária (1970, 1980 e 1985) ............................. 166

Tabela 8 – Microrregião do Litoral Norte e Região do Baixo Mamanguape:

População Total, Urbana e Rural (1970, 1980, 1991, 2000 e 2007) ......................................... 169

Tabela 9 – Indústria Têxtil do Nordeste em Relação a do Brasil (em percentagem) .................... 179

Tabela 10 – Produção Pesqueira na Região do Baixo Mamanguape (em toneladas) ................... 233

Tabela 11 – Região do Baixo Mamanguape: Alguns Indicadores Sociais (2000) ....................... 234

GRÁFICOS

Gráfico 1 – Município de Mamanguape: Cultura da Cana-de-Açúcar (1970, 1980,

1996 e 2006) ............................................................................................................................. 160

Gráfico 2 – Município de Rio Tinto: Cultura da Cana-de-Açúcar (1970, 1980,

1996 e 2006) ............................................................................................................................. 160

Gráfico 3 – Município de Mamanguape: Cultura da Mandioca (1970, 1980, 1996 e 2006) ......... 160

Gráfico 4 – Município de Rio Tinto: Cultura da Mandioca (1970, 1980, 1996 e 2006) ............... 160

Gráfico 5 – Município de Mamanguape: Cultura do Feijão (1970, 1980, 1996 e 2006) ............... 161

Gráfico 6 – Município de Rio Tinto: Cultura do Feijão (1970, 1980, 1996 e 2006) ..................... 161

Gráfico 7 – Município de Baía da Traição: Cultura do Arroz (1970 e 1980) .............................. 161

Gráfico 8 – Município de Rio Tinto: Cultura do Arroz (1970 e 1980) ........................................ 161

Page 16: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xiv

ÍNDICE DAS FOTOGRAFIAS

Foto 1 – Vista panorâmica do estuário do rio Mamanguape, com destaque para a grande

amplitude transversal da sua foz. Em primeiro plano, observa-se a sucessão de cordões

arenosos (restinga) com cerca de 10 metros de altitude, colonizados pela floresta baixa

e por vegetação herbácea-arbustiva. .............................................................................................. 103

Foto 2 – Vista parcial da praia do Coqueirinho. À direita, observam-se os meandros e os

manguezais do rio Estiva e, ao fundo, o estuário do rio Mamanguape. ....................................... 103

Foto 3 – Aspecto das dunas baixas colonizadas por plantas alófitas das espécies Ipomoea

pes-caprae Roth. (salsa-da-praia) e Paspalum maritimum Trin. (capim-gengibre). ....................... 106

Foto 4 – Manguezal da espécie Avicennia schaueriana Stap. Lechm (mangue-canoé ou

siriúba), localizado no estuário do rio Mamanguape. .................................................................... 106

Foto 5 – Superfície dos tabuleiros costeiros ocupada pela formação dos cerrados (destaque

para as árvores baixas e para a cobertura de capim sobre o solo). ................................................. 110

Foto 6 – Aspecto das belas falésias vivas situadas ao norte da sede municipal

de Baía da Traição. ......................................................................................................................... 116

Foto 7 – A ação das ondas sobre as falésias provoca a desagregação e o desmoronamento

dos materiais constitutivos, formando um talude na base delas. .................................................... 116

Foto 8 – Vista parcial da restinga situada ao norte da foz do rio Mamanguape. A presença

dessa flecha arenosa impediu o contato do rio Estiva com as águas do oceano (destaque

para os exuberantes meandros dispostos paralelamente à linha de costa e

para a formação de manguezais). .................................................................................................. 119

Foto 9 – Vista panorâmica da planície do rio Sinimbu. Em primeiro plano, destacam-se

os campos de várzea (higrófilos e hidrófilos) e, ao fundo, as falésias mortas

ocupadas por densa vegetação. ..................................................................................................... 122

Foto 10 – Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída pelos padres Jesuítas na vila de

Monte Mor durante a colonização do baixo vale do rio Mamanguape (século XVII). ................... 142

Foto 11 – Os últimos casarões identificados na paisagem urbana testemunham a época de

esplendor da cidade que comandava a dinâmica regional do vale. ................................................. 147

Foto 12 – Aspecto das fachadas das casas comerciais localizadas no centro da cidade

(destaque para as portas em formato de arco). .............................................................................. 147

Foto 13 – Várzea do rio Mamanguape ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. Ao

fundo, observam-se as instalações da usina Monte Alegre. .......................................................... 159

Foto 14 – A presença de uma topografia plana facilitou a propagação da cana-de-açúcar

sobre os tabuleiros costeiros. Antes do PROÁLCOOL essas áreas eram ocupadas pelas

florestas ombrófilas, pelos cerrados e pela pequena produção de alimentos. ................................ 159

Foto 15 – Igreja de Santa Rita de Cássia, construída no ano de 1942 em substituição à

antiga igreja edificada no início dos anos 20 (destaque para o estilo Art Déco). ......................... 188

Foto 16 – A construção de áreas de lazer fazia parte da política utilizada pela Companhia

para controlar de maneira sutil a vida dos operários e moradores de Rio Tinto.

Page 17: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xv

Aspecto do Cine-Teatro Orion, construído em 1944 no centro da cidade. ................................... 188

Fotos 17 e 18 – Antiga locomotiva da Companhia de Tecidos Rio Tinto usada para

transportar matérias-primas e mercadorias para abastecer o parque fabril e as demais atividades.

Origem do equipamento: Berlim – Alemanha. .............................................................................. 190

Fotos 19 e 20 – Máquina utilizada para prensar chapas de ferro e aço.

Origem do equipamento: Stuttgart – Alemanha. ....................................................................... 190

Fotos 21 e 22 – Máquina utilizada para produzir energia termelétrica.

Origem do equipamento: Breslau/Berlim – Alemanha. .............................................................. 190

Foto 23 – Os chalés localizados na praça João Pessoa destinavam-se aos funcionários

mais especializados da Companhia. .............................................................................................. 193

Foto 24 – Mansão da família Lundgren encontrada em estado de abandono. ................................... 193

Foto 25 – Casas da vila operária localizada na lateral da praça João Pessoa (Tipologia 1). ............... 194

Foto 26 – Casas da vila operária localizada na vila de Monte Mor (Tipologia 6). .............................. 195

Foto 27 – Fachada de uma casa localizada na rua Formosa (Tipologia 4). ....................................... 195

Foto 28 – Conjunto formado por pequenas casas localizadas na vila Regina (Tipologia 5). ............. 195

Fotos 29 e 30 – Instalações do antigo hospital da Companhia de Tecidos, prédio hoje

pertencente ao INSS. ..................................................................................................................... 199

Fotos 31 e 32 – Antigo barracão para venda de alimentos aos operários da Companhia de

Tecidos, hoje transformado em garagem da Empresa Viação Rio Tinto. ................................... 199

Foto 33 – Duas gerações de ex-operários da Companhia de Tecidos. ................................................ 203

Foto 34 – Sr. José da Silva Martiniano, ex-operário da Companhia (ao lado, observa-se

um galpão abandonado da antiga tecelagem localizada na vila de Monte Mor). ......................... 203

Foto 35 – Ex-operários da Companhia de Tecidos em uma rodada de bate-papo. ............................ 203

Foto 36 – Instalações abandonadas do setor de carpintaria. ............................................................. 203

Foto 37 – Antigos pavilhões da Companhia localizados na parte norte da cidade

(vila de Monte Mor). ..................................................................................................................... 203

Foto 38 – Pavilhões abandonados da Companhia de Tecidos. .......................................................... 203

Foto 39 (superior) – Viveiro de “propriedade particular” construído no interior da APA da Barra

do Rio Mamanguape para criação de camarão. .............................................................................. 223

Foto 40 (lado esquerdo) – Equipamento usado para retirar água do manguezal para

abastecer os viveiros. ...................................................................................................................... 223

Foto 41 (lado direito) – Canal construído para abastecer os viveiros com água transportada

do próprio manguezal (esse processo acaba contaminando os rios e riachos pelo

vazamento de efluentes). ............................................................................................................... 223

Foto 42 (inferior) – Placa instalada pela FUNAI para delimitar o território indígena Potiguara ...... 223

Foto 43 – Aspecto da aldeia Potiguara Tramataia, localizada na margem esquerda do

estuário do rio Mamanguape. ........................................................................................................ 226

Page 18: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xvi

Foto 44 – Pequenas embarcações utilizadas para a pescaria no manguezal (a pesca artesanal

constitui a principal atividade econômica dos índios que vivem no estuário). ............................. 226

Foto 45 (centro) – Dona Maria da Silva, índia de 68 anos que reside em uma humilde casa

na aldeia Galego (Baía da Traição). .............................................................................................. 235

Foto 46 (canto superior esquerdo) – Aspecto de um pequeno roçado para cultivo da mandioca. ...... 235

Foto 47 (canto superior direito) – A pesca é considerada uma importante fonte de sobrevivência

para os índios Potiguaras. ........................................................................................................ 235

Foto 48 (canto inferior esquerdo) – Pequena escola municipal localizada na aldeia Caieira, municí-

pio de Marcação. ........................................................................................................ 235

Foto 49 (canto inferior direito) – Aspecto de uma pequena casa de pau-a-pique (taipa) com

cobertura de telha de cerâmica. ..................................................................................................... 235

Page 19: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xvii

SIGLAS E SÍMBOLOS USADOS

SIGLAS

AESA – Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba

AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros

APA – Área de Proteção Ambiental

AQUAFER – Aqüicultura Fernando Ltda.

BNB – Banco do Nordeste do Brasil

BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

CAIS’s – Complexos Agroindustriais

CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco

CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CNAT – Commission Nationale à l’Aménagement du Territoire

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

CODER – Commission de Développement Économique Regional

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CSN – Companhia Siderúrgica Nacional

CTP – Companhia de Tecidos Paulista

CTRT – Companhia de Tecidos Rio Tinto

CUT – Central Única dos Trabalhadores

CVRD – Companhia Vale do Rio Doce

DATAR – Délégation à l’Aménagement du Territoire et à l’Action Régionale

DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca

FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

FASASA – Fonds d’Action Sociale pour l’Aménagement des Structures Agricoles

FDES – Fonds de Développement Économique et Social

FORMA – Fonds d’Orientation et de Régularisation des Marchés Agricoles

FPM – Fundo de Participação dos Municípios

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool

IAURP – Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de la Région de Paris

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBG – Instituto Brasileiro de Geografia

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Page 20: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xviii

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

INTERPA – Instituto de Terras e Planejamento Agrícola do Estado da Paraíba

IOCS – Inspetoria de Obras Contra a Seca

IPEA/PNUD – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento

ITR – Imposto Territorial Rural

IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza

MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia

MIN – Ministério da Integração Nacional

MINTER – Ministério do Interior

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MMN – Ministério das Minas e Energia

NEPREMAR – Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONGs – Organizações Não-Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PB – Paraíba

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PE – Pernambuco

PEA – População Economicamente Ativa

PIB – Produto Interno Bruto

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PROÁLCOOL – Programa Nacional do Álcool

PT – Partido dos Trabalhadores

RADAMBRASIL – Projeto Radambrasil de Levantamento dos Recursos Naturais

RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima

RN – Rio Grande do Norte

S.A. – Sociedade Anônima

SEMARH – Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

TERRA – Grupo de Pesquisas Urbanas, Rurais e Ambientais

UEPB/DGH – Universidade Estadual da Paraíba/Departamento de Geografia e História

UFAC/DG – Universidade Federal do Acre/Departamento de Geografia

UFPB/DGEOC – Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Geociências

UFPE/DCG – Universidade Federal de Pernambuco/Departamento de Ciências Geográficas

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNIPÊ – Centro Universitário de João Pessoa

Page 21: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

xix

SÍMBOLOS

% – Percentagem

6º 02’ 12” – Graus, minutos e segundos

a.C – Antes de Cristo

As’ – Clima tropical quente e úmido (chuvas de outono-inverno)

Aw – Clima tropical quente e úmido (chuvas de verão)

Aw’ – Clima tropical quente e úmido (chuvas de verão-outono)

Beaufort – Medida que expressa a velocidade dos ventos em metros por segundo

Bsh – Clima tropical quente e seco (semi-árido com curta estação chuvosa)

EP – ER – Correlação entre a evapotranspiração potencial e real

EP – Evapotranspiração potencial

ER – Evapotranspiração real

FPA – Frente Polar Atlântico

ha – Hectare

hab/km² – Habitante por quilômetro quadrado

km – Quilômetro

km² – Quilômetro quadrado

m – Metro

m/s – Metro por segundo

mm – Milímetro

NE-E – Nordeste-Este

ºC – Grau centígrado

P – ER – Correlação entre a precipitação anual e a evapotranspiração real

s – Sul

SE-E – Sudeste-Este

Tk – Massa de Ar Tépido Calaariano

ton – Tonelada

Tp - Massa de Ar Tépido Atlântico

w – Oeste

ZCIT – Zona de Convergência Intertropical, também chamada de Convergência Intertropical (CIT)

Page 22: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

20

RESUMO

COSTA, Francisco Fábio Dantas da. A Dinâmica da Organização do Espaço na Região do Baixo Mamanguape – Litoral Norte do Estado da Paraíba. Recife, 2010, 260 fls. (Tese do Programa de Pós-Graduação em Geografia. Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco).

O estudo da região não constitui privilégio único da ciência geográfica. No entanto, o geógrafo

vislumbra nessa categoria uma importante ferramenta para a apreensão da realidade, uma vez que a

mesma encerra valores e estilos de épocas, posturas filosóficas e ideológicas, tendências políticas,

níveis diferenciados do próprio processo de conhecimento técnico-científico, entre outros aspectos. Tal

condição ajuda a compreender a estagnação de algumas regiões e o dinamismo alcançado por outras,

ainda que elas façam parte de um mesmo território. Ela explica também o papel desempenhado por

importantes cidades que comandam a organização do espaço no interior das grandes regiões, a exemplo

das metrópoles e das megalópoles. Por fim, ela é imprescindível para o entendimento da complexa

trama que envolve os atores sociais, suas instituições, suas leis, suas vontades, suas necessidades e seus

desejos. A presente pesquisa tem como objetivo estudar a organização espacial na região do Baixo

Mamanguape, desde o período inicial de sua ocupação até os dias atuais, propondo uma TIPOLOGIA

DE FASES DA DINÂMICA REGIONAL com base nas alterações funcionais e morfológicas

identificadas. A partir da análise da literatura e da iconografia existentes; dos dados estatísticos

fornecidos pelo IBGE, FUNAI e FUNASA; das informações obtidas a partir do levantamento

cartográfico e também nos depoimentos colhidos nos trabalhos de campo, foi possível construir um

modelo teórico fundamentado em seis fases, a saber: Fase 1 – o Litoral era habitado por grupos

indígenas tradicionais (Tabajaras e Potiguaras); Fase 2 – o Litoral passou a ser visto como importante

reserva de matérias-primas; Fase 3 – a região do Baixo Mamanguape foi forjada com base nas

atividades econômicas introduzidas pelos colonizadores (a cana-de-açúcar e a pecuária extensiva);

Fase 4 – a crise política e econômica, o progresso técnico e a nova dinâmica regional; Fase 5 – a

expansão recente da cultura da cana-de-açúcar e os seus impactos sobre a região (pós-1975); e Fase 6 –

a institucionalização de áreas de proteção ambiental. Com efeito, a experiência adquirida ao longo

desta pesquisa permitiu que nós fizéssemos algumas propostas para amenizar os problemas sociais e

ambientais da região. São elas: ampliação das políticas de reforma agrária; promoção de melhorias no

interior das aldeias em relação à habitação, ao saneamento básico, à saúde, à educação e à geração de

renda; revitalização da atividade industrial têxtil com base em pequenas e médias unidades de

produção, capazes de absorver expressivo contingente de trabalhadores; incentivo às práticas do

turismo sustentável, aproveitando as imensas potencialidades que a região oferece aos visitantes

(patrimônio cultural, arquitetônico e natural) e integrando as populações tradicionais nesses programas;

e favorecer o desenvolvimento racional da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape,

de modo que as populações possam usufruir das riquezas naturais existentes nesse vasto ecossistema

costeiro.

Palavras-chave: Organização Espacial; Região; Litoral da Paraíba; Baixo Mamanguape.

Page 23: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

21

RÉSUMÉ

COSTA, Francisco Fábio Dantas da. La Dynamique de l'Organisation de l'Espace dans la Région du Bas Mamanguape - Littoral nord de l'État de Paraíba. Recife, 2010, 260 fls. (Thèse du Programe de 3ème cycle en Géographie. Département de Sciences Géographiques de l’Université Fédérale de Pernambuco).

L’étude de la région n’est pas privilège seulement de la science géographique. Cependant, le géographe

entrevoit dans cette catégorie un outil d’importance pour l’appréhension de la réalité, étant donné

qu’elle renferme valeurs et styles d’époques, positions philosophiques et idéologiques, tendances

politiques, niveaux différenciés du propre processus de connaissance technico-scientifique, entre autres

aspects. Pareille condition aide à comprendre la stagnation de certaines régions et le dynamisme atteint

par d’autres bien qu’elles fassent, les unes comme les autres, partie d’un même territoire. Elle explique

aussi le rôle joué par des villes importantes qui commandent l’organisation de l’espace à l’intérieur des

grandes régions, à l’exemple des métropoles et mégapoles. Enfin, elle est incontournable pour la

compréhension de la trame complexe où s’imbriquent les acteurs sociaux, leurs institutions, leurs lois,

leurs volontés, leurs besoins et leurs désirs. La présente recherche a pour objectif l’étude de

l’organisation spatiale dans la région du Bas Mamanguape, depuis la période initiale de son occupation

jusqu’à nos jours; elle propose une TYPOLOGIE DE PHASES DE LA DYNAMIQUE RÉGIONALE, en

se basant sur les altérations fonctionnelles et morphologiques identifiées. À partir de l’analyse de la

littérature et de l’iconographie existantes, des donnéees statistiques fournies par l’IBGE, la FUNAI et la

FUNASA, des informations obtenues à partir du relevé cartographique et également des témoignages

recueillis au cours des travaux de terrain, il a été possible de construire un modèle théorique fondé sur

six phases, à savoir : Phase 1 – le Littoral était habité par des groupes indigènes traditionnels

(Tabajaras et Potiguaras); Phase 2 – le Littoral en est venu à être considéré comme une importante

réserve de matières premières; Phase 3 – la région du Bas Mananguape a été forgée pour être une base

pour les activités économiques introduites par les colonisateurs (la canne à sucre et l’élevage extensif);

Phase 4 – la crise politique et économique, le progrès technique et la nouvelle dynamique régionale;

Phase 5 – l’expansion récente de la culture de la canne à sucre et ses impacts sur la région (après

1975); et la Phase 6 – l’insitutionnalisation d’aires de protection environnementale. L’expérience

acquise au long de cette recherche nous a permis, en effet, de faire quelques propositions afin

d’atténuer les problèmes sociaux et environnementaux de la région. Les voici: amplification des

politiques de réforme agraire; promotion d’améliorations au sein des villages pour ce qui est de

l’habitat, du tout à l’égoût, de la santé, de l’éducation et de la création de revenus; revitalisation de

l’activité industrielle textile basée sur de petites et moyennes unités de production, capables d’absorber

un contingent expressif de travailleurs; incitation aux pratiques du tourisme durable, en profitant du

potentiel immense qu’offre la région aux visiteurs (patrimoine culturel, architectural et naturel) et en

intégrant les populations traditionnelles dans ces programmes; et appui au développement rationnel de

l’Aire de Protection Environnementale de la Barre du fleuve Mamanguape, de façon que les

populations puissent jouir des richesses naturelles existantes dans ce vaste écosystème côtier.

Mots-clés: Organisation Spatiale; Région; Littoral de la Paraíba; Bas Mamanguape.

Page 24: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

INTRODUÇÃO

De acordo com Milton SANTOS (1994, p. 45), as mudanças que os territórios e as regiões

vêm conhecendo, nas formas de sua organização, acabam por invalidar os conceitos herdados do

passado e a obrigar a atualização das categorias de análise. No entanto, esse movimento de

renovação não se apresenta de maneira linear, direta. Ao contrário, os momentos de crises e as

rupturas, as inovações técnicas, a eclosão de novos modelos e paradigmas constituem fatos

essenciais no contexto da ciência que é o da busca da maturidade técnico-científica.

Tal assertiva pode ser buscada também em Fred SCHAEFER (1977, p. 5), quando recorda

que em um campo ativo da ciência, certos conceitos são constantemente aperfeiçoados ou então

abandonados de vez; leis e hipóteses são, conforme o caso, confirmadas ou invalidadas, ou, talvez,

reduzidas à condição de não mais oferecerem aproximações aceitáveis.

Com efeito, pode-se afirmar que desde a formação da Geografia como ciência autônoma,

no final do século XIX, geógrafos e não-geógrafos de várias partes do mundo vêm realizando

intensos debates envolvendo questões de natureza metodológica e epistemológica. Tem sido assim

com o estudo do espaço, da paisagem, do território, do lugar e, porque não dizer, com o estudo da

região. Por outro lado, como esses conceitos estão relacionados a uma série de particularidades

(históricas, culturais, filosóficas, políticas e econômicas), os desafios para quem busca através

deles a compreensão dos fatores responsáveis pelas transformações espaciais ganham novos

contornos, novas dimensões.

O estudo da região, objeto desta pesquisa, não constitui privilégio único da ciência

geográfica. No entanto, o geógrafo vislumbra nessa categoria uma importante ferramenta para a

apreensão da realidade, uma vez que a mesma encerra valores e estilos de épocas, posturas

filosóficas e ideológicas, tendências políticas, níveis diferenciados do próprio processo de

conhecimento técnico-científico, entre outros aspectos.

Tal condição ajuda a compreender a estagnação de umas regiões e o dinamismo alcançado

por outras, ainda que elas façam parte de um mesmo território. Ela explica também o papel

desempenhado por importantes cidades que comandam a organização do espaço no interior das

grandes regiões, a exemplo das metrópoles e das megalópoles. Por fim, ela é imprescindível para o

entendimento da complexa trama que envolve os atores sociais, suas instituições, suas leis, suas

vontades, suas necessidades e seus desejos, relações essas quase sempre entremeadas por

interesses, conflitos, violência e destruição.

Por esses e outros motivos, Roberto Lobato CORRÊA (2005, p. 194) afirmou que a região,

essa particularidade dinâmica, continua ainda hoje a despertar interesses e a desafiar os geógrafos

em sua tarefa de tornar inteligível a ação humana no tempo e no espaço, ação esta responsável pela

ocorrência de significativos impactos sociais e ambientais.

Page 25: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

23

A importância da tradição regional na Geografia estimulou o nosso interesse para a

realização de um trabalho de tese sobre a dinâmica da organização do espaço na região do Baixo

Mamanguape, Litoral Norte do Estado da Paraíba, a partir da compreensão das diversas formas de

organização e utilização do solo verificadas ao longo da história regional, passando pela fase das

culturas da cana-de-açúcar, do algodão e de outros gêneros agrícolas; pela fase industrial

representada pela experiência do grupo Lundgren; até o estágio mais recente, caracterizado pela

criação de áreas institucionalizadas (reservas do patrimônio ambiental e terras indígenas) e pela

expansão das vilas de veraneio ao longo da costa.

É importante salientar, segundo SANTOS (1994, p. 46), que a compreensão dessa dinâmica

passa pelo entendimento do funcionamento da economia ao nível mundial e seu rebatimento no

território de um país, com a intermediação do Estado, das demais instituições e do conjunto de

agentes da economia, a começar pelos seus atores hegemônicos. Estudar uma região significa,

pois, penetrar em um mar de relações, formas, funções, organizações, estruturas, etc., com seus

mais distintos níveis de interação, contradição e escalas.

Neste sentido, entendemos que a categoria região poderá fornecer suporte teórico-

metodológico a uma pesquisa empírica que acreditamos ser capaz, em seus resultados, de subsidiar

políticas de gerenciamento e planejamento sócio-ambiental voltadas para a realidade das áreas

costeiras tropicais. Esta pesquisa representa ainda um esforço de ampliação dos nossos

conhecimentos no campo da Geografia. Esperamos que ela possa contribuir para a bibliografia em

Geografia dedicada ao tratamento das questões regionais, bem como ao estudo da Geografia Física

e Humana do território do Estado da Paraíba.

Por fim, queremos ressaltar que o tema escolhido enquadra-se na linha de pesquisa

Organização e Dinâmicas Espaciais: teorias e aplicações regionais, oferecida pelo Programa de

Doutoramento em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e que a região do

Baixo Mamanguape apresenta alguns aspectos importantes, tanto do ponto de vista dos elementos

físicos (naturais) como do ponto de vista dos elementos humanos, fatos estes que chamaram a

nossa atenção. Ademais, nenhum estudo em nível de doutorado teve esta região como objeto

empírico específico para uma análise sobre a dinâmica da organização do espaço. Daí a grande

responsabilidade e o grande desafio da pesquisa ora proposta.

Page 26: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

24

OBJETIVOS DA PESQUISA

Geral

���� Estudar a organização espacial na região do Baixo Mamanguape, Litoral Norte do Estado da

Paraíba, desde o período inicial de sua ocupação até os dias atuais, propondo uma TIPOLOGIA

DE FASES DA DINÂMICA REGIONAL com base nas alterações funcionais e morfológicas

identificadas.

De acordo com JOHNSON (1997, p. 240), uma tipologia é um conjunto de categorias usadas

para classificação. Sociedades, por exemplo, podem ser categorizadas usando-se uma tipologia

de sistemas econômicos, que inclui várias fases: caça, pesca e coleta, pastoril, agrária,

comercial, industrial, entre outras. Ainda segundo ele, as tipologias são úteis por chamar

atenção para características particulares do que observamos, o que nos habilita a fazer

comparações em relação aos aspectos sociais, culturais, religiosos, políticos e econômicos.

Para a construção da tipologia de fases da dinâmica regional do Baixo Mamanguape, foram

adotadas duas escalas de observação – uma TEMPORAL e a outra ESPACIAL. Para BARROS

(1998, p. 25-26), trata-se de um procedimento metodológico de grande importância para a

pesquisa em Geografia, uma vez que possibilita a elaboração de representações de agentes

(atores sociais), ações e efeitos territoriais. Por fim, convém salientar que esta tipologia poderá

servir de modelo teórico ao estudo de outras áreas semelhantes ao Baixo Mamanguape, desde

que sejam resguardadas as devidas particularidades.

Específicos

���� Caracterizar o quadro natural da região do Baixo Mamanguape, destacando a relação entre os

elementos físicos (clima, solos, cobertura vegetal, rede hidrográfica, substrato geológico e

compartimentos geomorfológicos) e a configuração das paisagens criadas pelos grupos

humanos;

���� Resgatar o processo histórico de ocupação do Litoral da Paraíba a partir da introdução da

principal atividade econômica: a monocultura da cana-de-açúcar;

���� Compreender o apogeu e a decadência política e econômica das duas principais cidades que

comandavam a dinâmica espacial do baixo vale: Mamanguape e Rio Tinto;

���� Identificar e analisar os impactos sociais, econômicos e ambientais presentes na área em

questão, com o propósito de compreender as suas repercussões sobre o modo de vida/sistema

Page 27: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

25

de uso dos recursos das populações tradicionais (pequenos agricultores dos tabuleiros e da

planície, pescadores caiçaras e índios);

���� Destacar a presença das Reservas Indígenas Potiguaras, administradas pela Fundação Nacional

do Índio (FUNAI);

���� Evidenciar a importância da criação da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio

Mamanguape, como forma de garantir institucionalmente a conservação dos elementos naturais

e culturais presentes nesse ecossistema costeiro;

���� Contribuir, através dos resultados alcançados com a pesquisa, para a criação e implementação

de uma política de gestão integrada dos recursos costeiros.

Page 28: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

26

METODOLOGIA DA PESQUISA

O MÉTODO DE ABORDAGEM

O método científico, consoante BARBOSA FILHO (1994, p. 44), consiste em um processo

de investigação dos fenômenos da realidade em que a observação é feita de modo sistemático. Os

fatos são tratados de maneira racional, por argumentação lógica, leis apropriadas e teste crucial de

prova. Ele estabelece os conceitos e princípios gerais, os procedimentos e processos básicos, as

técnicas e instrumentos de observação, aplicáveis a qualquer ramo do conhecimento.

Para o desenvolvimento desta proposta de trabalho, foram adotados os princípios do

método ESTRUTURALISTA, uma vez que o mesmo respondia aos anseios da pesquisa e

possibilitava uma análise coerente e aprofundada dos fenômenos observados na teoria e na prática.

Desenvolvido pelo antropólogo francês Lévi-Strauss, este método, segundo LAKATOS e

MARCONI (2000, p. 95), parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se, a seguir, ao

nível abstrato, por intermédio da constituição de um modelo que represente o objeto de estudo,

retomando, por fim, ao concreto, desta vez com uma realidade estruturada e relacionada com a

experiência do sujeito social.

Através do método Estruturalista é possível entrar na realidade concreta e em seguida

construir modelos que não são diretamente perceptíveis (modelos teóricos). Tais modelos facilitam

a análise e a compreensão dos diversos fenômenos observados no espaço: dinâmica das formas de

ocupação e uso do solo, conseqüências sociais e ambientais provocadas pelas mudanças, papel do

poder público e dos agentes privados no processo transformador, etc.

Não obstante, as mudanças que se processam em uma dada sociedade (a nível espacial,

mais precisamente) devem ser analisadas através do Estruturalismo, pois elas ocorrem em espaços

considerados como uma totalidade, que, por sua vez, pode ser fragmentada e estudada cada

caractere que a compõe, enfocando sempre sua relação com os demais. Vale ainda ressaltar que a

mudança em uma das partes da estrutura implica variações em toda sua totalidade, conforme

lembra SANTOS (1988, p. 50; 71):

“Estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de organização ou construção. (...)”.

“A estrutura interna, assim considerada, permite verificar as articulações do fenômeno estudado com outros fenômenos e com a totalidade dos fenômenos. É, por isso, um bom método de trabalho.”

PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA PESQUISA

De acordo com FRÈMONT (1983, p. 93; 97), para estudar e investigar os fenômenos torna-

se necessário o uso de instrumentos e documentos. Este último constitui um precioso intermediário

Page 29: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

27

entre o investigador e a realidade que se pretende descobrir. Ele não é a realidade propriamente

dita, mas transcreve-a ou reflete-a.

Ainda segundo o autor, o documento pode ser visual (um mapa, uma imagem de radar e/ou

satélite, uma fotografia aérea e/ou convencional); narrativo (um texto, um artigo); ou numérico

(tabelas, gráficos, séries estatísticas). Ele nos permite reconstituir o passado através de arquivos

históricos, revelar aspectos imperceptíveis como situações fundiárias, fluxos de capitais ou de

informações, bem como condensar uma situação em listas de recenseamentos, inventários

descritivos, monografias, etc. Cada vez mais indispensável, o documento invadiu paulatinamente a

área de investigação dos geógrafos (FRÈMONT, op. Cit., p. 97), assim como de outros profissionais

preocupados com o tratamento das questões que envolvem o espaço de vida das sociedades –

historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, planejadores, urbanistas, engenheiros, para

citar apenas alguns exemplos.

Partindo das considerações apresentadas anteriormente, fez-se necessário dividir a pesquisa

em duas etapas principais, a saber:

I) Pesquisa de Gabinete

Constituiu uma etapa essencial na busca de subsídios teórico-metodológicos para a

realização da tese. Para isso, várias atividades foram desenvolvidas simultaneamente durante o

período de elaboração da mesma. Foram elas:

���� Leitura, compilamento e fichamento do material bibliográfico específico (livros, artigos de

revistas especializadas, periódicos, dissertações, teses, relatórios de pesquisas, etc.);

���� Levantamento, processamento e análise dos dados secundários dos Censos Demográficos e

Agropecuários da Paraíba e da Produção Agrícola Municipal, ambos publicados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); dos laudos e cadastros do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto de Terras e Planejamento Agrícola do

Estado da Paraíba (INTERPA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Fundação Nacional de saúde

(FUNASA), Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), Agência Executiva de Gestão das Águas do

Estado da Paraíba (AESA), entre outros;

���� Levantamento, análise e interpretação do material cartográfico do Ministério do Exército; da

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e do Projeto RADAMBRASIL,

referente ao período mais recente do estudo (1970-2000);

���� Elaboração de representações cartográficas esquemáticas de uso do solo (mapas temáticos)

evidenciando a dinâmica da organização espacial na região do Baixo Mamanguape;

���� Elaboração do texto final da tese.

Page 30: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

28

II) Pesquisa de Campo

Esta etapa consistiu em trabalhos na área com a finalidade de realizar observações diretas

necessárias ao estudo. A partir destas observações, foi possível confrontar as informações contidas

na literatura pesquisada, nos arquivos das instituições citadas anteriormente, bem como no

levantamento cartográfico, com o propósito de esclarecer algumas dúvidas, corrigir possíveis

falhas e levantar novas informações.

A área escolhida para a realização dos trabalhos compreendeu todo o Baixo Mamanguape,

localizado no Litoral Norte do Estado da Paraíba. Trata-se de uma porção territorial que mede

aproximadamente 640 km², abrangendo terras de quatro municípios: Mamanguape, Rio Tinto,

Marcação e Baía da Traição.

Durante as pesquisas de campo foram utilizadas as cartas topográficas discriminadas a

seguir:

QUADRO 1 – RELAÇÃO DAS CARTAS TOPOGRÁFICAS QUE COBREM A REGIÃO

DO BAIXO MAMANGUAPE E ÁREAS ADJACENTES

Cartas Topográficas Escala Índices das Folhas Edição/Ano Instituição Barra de Mamanguape 1:25.000 SB.25-Y-A-VI-3-NO 1ª/1974 SUDENE

Baía da Traição 1:25.000 SB.25-Y-A-VI-1-SO 1ª/1974 SUDENE

Rio Tinto 1:25.000 SB.25-Y-A-V-4-NE 1ª/1974 SUDENE

Rio Grupiúna 1:25.000 SB.25-Y-A-V-2-SE 1ª/1974 SUDENE

Pindobal 1:25.000 SB.25-Y-A-V-4-SE 1ª/1974 SUDENE

Rio Soé 1:25.000 SB.25-Y-A-VI-3-SO 1ª/1974 SUDENE

Itapororoca 1:25.000 SB.25-Y-A-V-4-NO 1ª/1974 SUDENE

Fonte: Elaborado com base em: BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Recife: SUDENE, 1974.

Vale ressaltar que as alterações mais recentes, do ponto de vista da organização espacial,

assim como depoimentos sobre aspectos da paisagem anterior, foram registradas ao longo desta

etapa. Esta fase envolveu:

���� A Realização das Entrevistas

Conforme LAKATOS e MARCONI (op. Cit., p. 107), a entrevista é uma conversação

realizada frente a frente e de maneira metódica, proporcionando ao entrevistador o acesso às

informações que deseja.

Em nosso trabalho, as entrevistas apresentaram questões abertas e fechadas. Desta forma,

foram levantadas informações quantitativas e qualitativas. Elas também eram diferenciadas de

acordo com o objetivo e o público entrevistado.

O público contemplado nesta fase da pesquisa compreendeu os seguintes segmentos: as

populações nativas da área, os atuais trabalhadores, os representantes das instituições públicas, dos

sindicatos e cooperativas, entre outros. Algumas informações referentes à mobilidade

Page 31: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

29

populacional, condições de vida e trabalho, aspectos históricos e socioculturais, principais

reivindicações junto aos poderes públicos, entre outras, puderam ser aferidas.

Com esta etapa, pretendeu-se, pois, resgatar um pouco da história da região do Baixo

Mamanguape, seu processo de crescimento econômico e político, sua estagnação e sua decadência.

Essa trajetória permitiu lançar um lampejo sobre o futuro da região, com vistas a uma tentativa de

(re) inserção na vida econômica do Litoral.

���� O Registro Documental em Fotografias

A imagem representa um dos mais antigos e preciosos documentos utilizados pelos

geógrafos (GEORGE, 1980, p. 22). Com efeito, a elaboração de um documento-imagem sobre a

dinâmica espacial da região do Baixo Mamanguape, dinâmica esta provocada pela ação conjunta

de elementos naturais e humanos, além de constituir parte integrante da pesquisa ora proposta,

representa um valioso acervo para as gerações futuras e para a Geografia como um todo.

FIGURA 1 – METODOLOGIA DA PESQUISA

Organizada pelo autor.

� Princípios do Estruturalismo

� Modelo Teórico

Adoção de Escalas de Observação:

Temporal e Espacial

Construção de Uma Tipologia de Fases da Dinâmica Regional

� A Importância doConceito de Região para a

Análise Geográfica

� As Principais Tipologiasde Regiões

Região Natural

Região Geográfica

Regiões Econômicas (região homogênea, região

polarizada e região-plano)

� As Experiências deInterpretação Regional na

Paraíba e a PosiçãoOcupada pelo Baixo

Mamanguape

A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA

Método de Abordagem Procedimentos Técnicos Capítulo 1 da Tese:Referencial Teórico-

Metodológico

� Pesquisa de Gabinete:

Revisão da Literatura

Coleta de Dados Secundários

Levantamento Cartográfico

Produção de Materiais Derivados

� Pesquisa de Campo:

Realização de Entrevistas

Cobertura Fotográfica

Page 32: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

CAPÍTULO 1

A REGIÃO NO DISCURSO GEOGRÁFICO: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

Page 33: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

31

CAPÍTULO 1

A REGIÃO NO DISCURSO GEOGRÁFICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

EPISTEMOLÓGICAS

“Vista à distância, em suas relações com o homem, a Geografia não é mais do que a História no espaço, do mesmo modo que

a História é a Geografia no tempo.” RECLUS, Élisée. L’Homme et la Terre.

1.1 A IMPORTÂNCIA DO CONCEITO DE REGIÃO PARA A ANÁLISE GEOGRÁFICA

Falar de região não é uma tarefa fácil, uma vez que se trata de uma categoria que está

presente no trabalho de inúmeros profissionais: biólogos, geólogos, geomorfólogos, economistas,

sociólogos, historiadores, literatos, artistas, arquitetos e urbanistas, geógrafos, para citar apenas

alguns exemplos. Além disso, o conceito está relacionado a uma série de circunstâncias históricas,

culturais, filosóficas, políticas e econômicas, o que torna ainda maior o grau de complexidade para

aqueles que buscam através do seu estudo a explicação dos diversos fenômenos que se manifestam

em uma dada fração do espaço.

Apesar do seu emprego nas diversas esferas do saber científico, o vocábulo região também

faz parte da linguagem popular. Paulo César da Costa Gomes lembra que, neste caso, a noção de

região parece estar relacionada a dois princípios fundamentais: o de localização e o de extensão.

Sendo assim, no cotidiano as pessoas utilizam com freqüência expressões do tipo: “a região mais

pobre da cidade”, “a região que oferece maiores oportunidades de emprego”, “a região Sul é muito

fria”, “a região Amazônica é coberta por florestas”, etc., como referência a um conjunto de área

onde existe o domínio de determinados atributos espaciais que ajudam na diferenciação daquele

lugar em relação aos outros (GOMES, 2005, p. 53). E foi justamente com base nesse entendimento

que, a partir da década de 1960, os geógrafos teorético-quantitativistas passaram a definir as

regiões homogêneas como parte da estratégia do planejamento regional em vigor em diversos

países do mundo, inclusive no Brasil, conforme será discutido mais adiante.

De acordo com a etimologia, a palavra região deriva do latim regere, palavra composta

pelo radical reg, que deu origem a outras palavras como regente, regência, regra, etc. Regione, nos

tempos do Império Romano, era a denominação utilizada para designar unidades territoriais

(províncias) que, ainda que dispusessem de uma administração local, estavam subordinadas às

regras hegemônicas ditadas pelas magistraturas sediadas em Roma (GOMES, op. Cit., p. 50).

De fato, os romanos começaram a conquista territorial por volta da segunda metade do

século IV a.C. e, durante os cinco séculos seguintes, tornaram-se detentores de um vasto império

que se estendeu por parte considerável da Europa, atingindo inclusive as ilhas Britânicas em seu

Page 34: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

32

limite mais ao norte; da Ásia Menor; do Oriente Médio e uma estreita e contínua faixa ao norte do

deserto do Saara, já em continente africano. Tal fato só foi possível graças à intensa centralização

do poder, processo este garantido através da organização de um eficiente aparato militar e

burocrático-administrativo.

A coleta sistemática de pesados tributos (impostos) em favor do soberano garantia a

execução de obras de infra-estrutura em todas as partes do império (fortificações, canais,

aquedutos, pontes, portos, estradas), facilitando o domínio e o controle do território por parte das

legiões romanas. A respeito dessa última consideração, BENEVOLO (2005, p. 185) fornece-nos

uma idéia clara da importante rede de estradas que ligava diversos pontos do império, destacando

inclusive os nós de ligação entre várias cidades e regiões. Por fim, observe que o Mapa 1 retrata os

limites alcançados pelo mais poderoso império da Antiguidade, identificando em letras menores os

nomes das cidades existentes e/ou fundadas pelos romanos em suas incursões e, em letras maiores,

os topônimos de importantes regiões e/ou civilizações do Velho Mundo.

MAPA 1 – REGIÕES E CIVILIZAÇÕES DOMINADAS PELO IMPÉRIO ROMANO

Fonte: Adaptado de: ARRUDA, José Jobson de A. Atlas Histórico. São Paulo: Ática, 14ª edição, 1996, p. 11.

O esfacelamento deste império seguiu, a princípio, estas linhas de fraturas regionais e a

subdivisão destas áreas foi a origem espacial do poder autônomo dos feudos e das comunidades

eclesiásticas predominantes na Idade Média (GOMES, op. Cit., p. 51). Durante esse período que se

estendeu aproximadamente por dez séculos, o fenômeno urbano retrocedeu consideravelmente,

Page 35: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

33

muitas cidades desapareceram, as regiões foram se desarticulando, o comércio perdeu a

importância de outrora e os feudos tiveram que se tornar auto-suficientes, conforme aponta BEZZI

(2004, p. 30):

“A economia feudal era organizada em torno da grande propriedade, que bastava a si mesma. A carência de meios de transporte rápido implicou a concentração da população em áreas reduzidas, dentro das quais podiam ser satisfeitas todas as necessidades da estrutura social. Desse modo, embora o comércio à longa distância e as colônias mercantis tivessem representado um papel decisivo na origem das cidades, convém lembrar de que, durante um longo período histórico, elas formaram regiões economicamente fechadas, também por força de leis e de costumes sociais.”

Todo esse panorama só começou a sofrer alterações a partir do século XIV, momento em

que se verifica lentamente o renascimento urbano e, com ele, o reativamento do comércio com as

regiões mais distantes. Na ocasião, as cidades localizadas no Mediterrâneo voltaram a realizar o

comércio com o Oriente, através das lucrativas rotas das especiarias. Esses produtos entravam nos

mercados europeus por intermédio dos portos de Constantinopla, Gênova e Veneza,

principalmente.

É importante destacar, segundo SPÓSITO (2001, p. 32), que por volta do ano 1400 as terras

habitadas da Europa Central e Ocidental já contavam com uma malha relativamente densa de

cidades, cuja base de sustentação era o comércio e o artesanato. Essas atividades criaram as

condições necessárias para a estruturação do modo de produção capitalista e, simultaneamente,

para a dissolução dos dois pilares que sustentavam a economia feudal, quais sejam: o latifúndio,

sua economia “fechada” e a servidão. Convém lembrar ainda que as transformações sociais,

políticas e econômicas responsáveis pela transição do feudalismo para o capitalismo foram se

processando de maneira lenta e gradual.

Não obstante, a aventura comercial da burguesia enquanto classe emergente no seio dessa

nova sociedade inaugurou uma fase de acumulação de riquezas nunca antes vista nas cidades

européias. Isso trouxe repercussões positivas nas conquistas territoriais dos séculos seguintes, uma

vez que impulsionou a revolução marítimo-comercial encabeçada pelos povos da Península

Ibérica. Com efeito, novas rotas comerciais foram traçadas nos mapas com o propósito de atingir

as costas da África, Ásia e América.

A partir dessas considerações, é possível perceber que a noção de região ganhou novos

enfoques, ou seja, de acordo com BEZZI (op. Cit., p. 31), enquanto na Antiguidade e na Idade

Média ela estava relacionada apenas a uma condição de domínio e poder, com o advento dos

tempos modernos e com a expansão capitalista ela passou a ter uma importância preponderante em

função dos recursos econômicos nela existentes. Por isso, o interesse dado ao trabalho de

Page 36: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

34

localização e descrição das potencialidades naturais das áreas a serem conquistadas, visando ao seu

aproveitamento econômico mais racional.

Entretanto, a autora salienta ainda que a região continuava sendo vista apenas como uma

possibilidade sobre a qual se organizava uma dada sociedade em determinado período histórico. A

mesma não era considerada de forma elaborada, enquanto concepção científica. As descrições que

sobre ela incidiam nasciam de uma necessidade cujo método, obrigatoriamente, era o empírico

(BEZZI, op. Cit., p. 31).

De fato, até o final do século XVIII boa parte dos conhecimentos produzidos nesse campo

estava desprovida de qualquer rigor formal, ou seja, apresentava-se de maneira desarticulada,

fragmentada e sem unidade metodológica. A “Geografia das Regiões” era construída quase sempre

a partir de relatórios de viagens, contatos com povos distantes, inventários sobre recursos naturais,

recensões e recenseamentos desenvolvidos pelos Estados Modernos. A elaboração desses materiais

não exigia preparo erudito e por isso mesmo podia ser realizada por pessoas comuns (viajantes,

aventureiros, comerciantes, funcionários do governo, colecionadores, artistas, etc.).

Todo esse cabedal de informações reunidas no transcurso de vários séculos foi fundamental

para a constituição de sociedades científicas na Europa, entidades estas financiadas pelos governos

locais e pela classe dominante (burguesia), ambos interessados pelas possibilidades de acumulação

de riquezas a partir do projeto imperialista em curso.

Também nesse sentido, ANDRADE (1987, p. 48) destaca que:

“Os conhecimentos sobre as áreas novas deslumbravam a classe dominante européia, que procurava explicações para as diferenças existentes entre as várias regiões e países, impressionando-se com as diferenças de hábitos, de costume, de alimentação, de crenças, etc. Isso alimentou a produção de numerosos livros, provocou, a médio prazo, a fundação de sociedades científicas e de exploração, estimulou a organização de expedições militares e o surgimento de correntes que tentavam explicar essas diferenças. Os europeus, com condições superiores às dos povos com que se defrontavam, tanto em função do domínio econômico, das forças políticas, como da tecnologia militar, deram margem a que se atribuísse a eles uma superioridade sobre os outros povos, uma suposta superioridade racial conseqüente de uma influência climática.”

Esse discurso ideológico vai justificar e incentivar as práticas imperialistas em várias

regiões do mundo, práticas essas voltadas para a pilhagem dos recursos naturais, para o controle

das fontes de matérias-primas, para o domínio das populações locais e para a destruição e/ou

subordinação das antigas estruturas produtivas. Foi assim no Egito, no Sudão, na Nigéria, no

Quênia, na Tanganica, no Iraque e na Índia a partir da dominação britânica; na Argélia, no

Marrocos, na Tunísia, na Síria e na Península da Indochina a partir do expansionismo francês.

Page 37: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

35

Outros países europeus, ao lado dos Estados Unidos e Japão, também tiveram participação ativa na

partilha dos territórios coloniais e no controle de importantes regiões da África e Ásia1.

Críticas contundentes acerca desse estágio avançado do capitalismo, também conhecido

como capitalismo monopolista, foram formuladas por Vladimir Ulianov (Lênin) na obra

Imperialismo, escrita em Zurique no ano de 1916 e publicada um ano depois em Petrogrado, na

Rússia (CATANI, 1994, p. 10-11), e por Karl Marx e Friedrich Engels no livro Sobre o

Colonialismo (MARX e ENGELS, 1978, passim). Também merece destaque o geógrafo-anarquista

francês Élisée Reclus, que em sua Nouvelle Géographie Universele dedicou um capítulo inteiro

sobre a colonização do subcontinente indiano, demonstrando a exploração dessa região e dos

povos que nela habitam pelo poderoso Império Britânico. Nesse trabalho, ele apresenta através de

uma minuciosa descrição os objetivos geopolíticos e econômicos traçados na Ásia Meridional a

partir da segunda metade do século XIX (RECLUS, 1985, p. 119 seq.).

É oportuno lembrar que a Geografia enquanto saber institucionalizado nasceu na Alemanha

por volta dessa mesma época. Na ocasião, inúmeras questões relacionadas à organização e às

dinâmicas espaciais, às identidades culturais e regionais e ao avanço imperialista das principais

potências do continente estavam em evidência e ocupavam o centro das discussões nos mais

diferentes ambientes das academias alemãs.

Segundo MORAES (1990, p. 46), durante todo o século XIX a Alemanha conviveu com a

sombra do expansionismo territorial dos seus vizinhos, sobretudo dos franceses comandados por

Napoleão Bonaparte. Além disso, a falta da constituição de um Estado Nacional, ou seja, a

ausência de uma unidade social, política e econômica, a extrema diversidade entre os vários

membros da Confederação Germânica instaurada em 1815, a ausência de relações duráveis entre

eles, a inexistência de um centro organizador do espaço ou de um ponto de convergência das

relações econômicas, vão conferir à discussão geográfica uma relevância especial, atraindo a

atenção das classes detentoras de poder político, econômico e intelectual.

Com efeito, o processo de sistematização da Geografia testemunhou todas essas

inquietações que culminaram tardiamente com a formação do Estado Nacional e com o

desenvolvimento do capitalismo. Em meio a esse contexto histórico particular, destacam-se as

obras escritas por dois cientistas prussianos ligados às classes supracitadas: o geólogo e naturalista

Alexandre von Humboldt (1769-1859) e o historiador e filósofo Karl Ritter (1779-1859).

Humboldt admitia que a Geografia seria a parte terrestre da ciência do cosmos, isto é, uma

espécie de síntese de todos os conhecimentos relativos à Terra (MORAES, 1990, p. 47). Em suas

longas viagens exploratórias pela Europa, Ásia Central e Setentrional, América do Sul e do Norte,

procurou coletar amostras de vários elementos naturais (plantas, animais, solos, rochas) para em

1 Convém lembrar que o processo de descolonização das áreas supracitadas só teve início a partir da Segunda Guerra Mundial, no momento em que se assiste ao enfraquecimento dos países europeus arrasados pelos conflitos.

Page 38: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

36

seguida realizar exaustivas classificações e análises pormenorizadas, fazendo sempre correlações

entre o clima e a existência de certo domínio vegetal e animal, entre o clima e a ocorrência de certa

variedade edáfica, entre o clima e a configuração do relevo. As comunidades humanas também

despertaram a curiosidade desse cientista, na medida em que procurava também compreender as

diversas formas de organização do espaço a partir do contato que os homens estabeleciam com a

natureza.

Uma idéia mais detalhada do princípio da causalidade (relação de causa e efeito entre os

fenômenos observados) pode ser constatada nas análises feitas pelo autor quando incursionava

pelas florestas americanas. Em suas palavras:

“Particularidades – Causas que tendem a fazer diminuir a secura e o calor do Novo Continente.

(...) Nas proximidades do equador, e debaixo do céu nublado do Orenoco superior, do rio Negro, e do rio das Amazonas, as planuras estão cobertas de bosques virgens muito profundos; (...) A região florestal tem tríplice influência; actua, a um tempo, pela frescura da sombra que espalha, pela evaporação das águas que absorve, e pela irradiação que refresca a temperatura. Os bosques (...) estão misturados, nos trópicos, com espécies distintas que protegem a terra da irradiação directa do sol, fazem evaporar as águas que os próprios bosques condensam por si, e resfriam as camadas de ar, aproximando-as, pela emissão de calor que irradiam os órgãos apendiculares foleáceos.” (HUMBOLDT, 1952, p. 111 seq.).

E acrescentou ainda:

“Quando a irradiação começa, de todas as folhas que formam a copa de uma árvore, e que em parte se cobrem umas às outras, as que primeiro resfriam são as que irradiam livremente para o céu. O resfriamento causado pela perda de calórico é tanto mais considerável quanto mais delgadas são as lâminas foleáceas.” (HUMBOLDT, 1952, p. 114).

A sua longa experiência de cientista-viajante permitiu a produção de um notável material

bibliográfico, tanto em termo quantitativo quanto qualitativo. Dentre as suas obras mais

conhecidas estão Quadros da Natureza e Cosmos, todas compostas por uma série de grandes

volumes que foram publicados na primeira metade do século XIX.

Karl Ritter, por sua vez, descreveu uma trajetória intelectual totalmente oposta em relação

ao seu contemporâneo, não apenas no que diz respeito ao aspecto acadêmico propriamente dito,

mas também em termo de influência filosófica. Segundo CLAVAL (1974, p. 29-30; 34), enquanto

Humboldt sofreu profunda influência da tradição racionalista francesa do século XVIII, do

idealismo alemão e do projeto positivista, Ritter pertenceu a uma nova escola filosófica,

espiritualista e histórica da Alemanha do princípio do século XIX.

Page 39: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

37

Preceptor de filhos de famílias nobres, Ritter dedicou boa parte da sua carreira profissional

ao ensino de crianças e jovens, tendo assumido a Cátedra de Geografia na Universidade de Berlim

apenas na fase madura de sua vida, momento em que ajudou a formar as primeiras turmas de

geógrafos.

Em certa medida, o seu método de trabalho aproxima-se daquele proposto por Humboldt,

ou seja, para ele o sistema natural corresponde a uma área da superfície terrestre delimitada e

dotada de certa individualidade. A Geografia deveria estudar estes arranjos individuais e compará-

los. Cada arranjo abarcaria um conjunto de elementos, representando uma totalidade, onde o

homem seria o principal personagem. Trata-se, portanto, de uma proposta de estudo que valoriza o

antropocentrismo (o homem é o sujeito da natureza) e o regional, apontando sempre para o estudo

das individualidades (MORAES, 1990, p. 48-49).

As obras de Ritter foram, sem dúvida, muito importantes para o processo de sistematização

da Geografia, uma vez que contemplaram aspectos gerais e regionais da disciplina, bem como

aspectos ligados ao conteúdo metodológico propriamente dito. Tanto ele quanto Humboldt

livraram a Geografia das descrições enfadonhas e volumosas, das classificações estanques e

obsoletas e passaram a entender essa ciência a partir da necessidade de buscar explicações para os

fenômenos naturais e humanos que se manifestam no espaço, explicações estas baseadas no

reconhecimento de leis.

Fred SCHAEFER (op. Cit., p. 7) chama a atenção para esse aspecto ao apontar que:

“Na Geografia, as mais importantes variáveis produtoras de padrões são, naturalmente, as variáveis espaciais. Humboldt, que é oriundo das ciências naturais, e também Ritter aceitaram a tese de que todas as relações naturais e, portanto, todas as relações espaciais, eram governadas por leis.”

E destacou mais:

(...) a Geografia deve “ser concebida como a ciência incubida da formulação de leis que governam a distribuição espacial de certas características da superfície da Terra. (...) Ela deverá dedicar mais atenção à distribuição espacial dos fenômenos em determinada área do que aos fenômenos em si. As relações espaciais, e nenhuma outra, são as que importam na Geografia.”

As idéias formuladas por Humboldt, principalmente, passaram a influenciar diretamente os

trabalhos desenvolvidos no campo da Geografia Física (Geral), trabalhos estes preocupados com a

elaboração de leis gerais capazes de explicar, por exemplo, a manifestação de determinado

fenômeno natural em uma ou em outra parte da superfície do globo. Trata-se, portanto, de um

enfoque sistemático, de uma Geografia Sistemática que se apóia na construção de modelos

passíveis de observação e experimentação.

Page 40: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

38

A impossibilidade de aplicação desses modelos (leis) aos fenômenos sociais contribuiu

para que a Geografia Humana e Regional caísse no esquecimento durante as últimas décadas do

século XIX, fato este que passou a ser alterado, ainda que de maneira tímida, nas primeiras décadas

do século seguinte quando os estudos regionais começaram a ganhar prestígio em várias Escolas

de Geografia da Europa. Como exemplos desses estudos podem-se citar os trabalhos

desenvolvidos por Paul Vidal de La Blache, na França, Andrew Herbertson, na Inglaterra, e

Giuseppe Ricchieri, na Itália.

Nos Estados Unidos, conforme lembra JOHNSTON (1986, p. 63), as idéias e os métodos da

Geografia Regional só foram aceitos um pouco mais tarde, ou seja, no final dos anos 30 dois não-

geógrafos publicaram um grande levantamento sobre o regionalismo americano (Odum e Moore,

1938) e, em 1939, a Associação dos Geógrafos Americanos publicou uma monografia intitulada

The Nature of Geography, de autoria do professor Richard Hartshorne, trabalho este que alcançou

grande repercussão em vários países.

Apesar da importância dessa obra, Hartshorne não foi o primeiro e nem o único geógrafo a

tratar esse paradigma. Nesse sentido, é oportuno ressaltar que Imanuel Kant (século XVIII), Karl

Ritter (século XIX), Paul Vidal de La Blache e Alfred Hettner (séculos XIX e XX) já haviam

dedicado especial atenção aos estudos sobre o método regional. No entanto, foi através de

Hartshorne que a Geografia Regional alcançou maior complexidade teórico-metodológica.

Para a construção das idéias acerca da Filosofia e Metodologia da Geografia, o próprio

Hartshorne fez um resgate e uma interpretação dos trabalhos escritos por esses importantes

geógrafos, notadamente aqueles deixados por Hettner, de quem partilha da seguinte opinião: “a

Geografia é o estudo da diferenciação de áreas”.

O Quadro 2 destaca trechos das obras de Hettner, transcritos por Hartshorne em seu livro

Perspectives on the Nature of Geography, publicado originalmente em 1966 pela Associação dos

Geógrafos Americanos.

Hettner e Hartshorne são enfáticos ao afirmarem que a Geografia é a ciência que estuda a

diferenciação das áreas encontradas na superfície do globo, tanto em relação aos aspectos físicos

(climas, solos, relevo, hidrografia, cobertura vegetal, distribuição faunística), quanto em relação

aos aspectos humanos (agricultura e criação, atividades industriais, comerciais e de serviços,

crescimento urbano, comportamentos demográficos, etc.). Para eles, o foco central da discussão

geográfica – o cerne da disciplina – encontra-se no estudo dessas regiões, cujas diferenças são

evidenciadas a partir da distribuição espacial dos elementos anteriormente mencionados, presentes

na natureza e na sociedade. Paul CLAVAL (2003, p. 15) esclarece ainda que essa diferenciação

regional da Terra aparece, de certa maneira, como um produto da evolução na medida em que

resulta da ação conjugada das forças naturais e da ação humana.

Page 41: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

39

Sobre esse aspecto é possível observar que as sociedades mais avançadas do ponto de vista

econômico, científico e tecnológico são capazes de promover significativas transformações na

epiderme da Terra, ao passo que aquelas mais atrasadas estarão subordinadas às intempéries do

meio natural. Para ilustrar bem esse panorama basta considerar, de um lado, as regiões urbanizadas

e industrializadas da Europa e, de outro, as regiões dominadas pelo pastoreio seminômade na

África das Savanas.

QUADRO 2 – A GEOGRAFIA NA CONCEPÇÃO DE ALFRED HETTNER

1. A matéria específica da Geografia, desde os tempos mais remotos até os dias de hoje, consiste no conhecimento das áreas da terra na medida em que diferem umas das outras; que o homem está incluído como parte integrante da natureza de uma área (‘Landesnatur’) e que, dado o avanço geral da ciência, a mera descrição foi substituída, em todos os ramos da Geografia, pela busca das causas.

HETTNER, Alfred. Die Entwicklung der Geographie im 19. Jahrhunder. Geographische Zeitschrift, IV, 1898, p. 305-20.

2. Ciência Corológica2 da terra ou a Ciência das áreas e lugares terrestres em termos de suas diferenças e de suas relações espaciais ou a Ciência da superfície da terra em termos de suas diferenças regionais, isto é, como um complexo de continentes, terras (‘lands’), distritos e localidades.

HETTNER, Alfred. Das Wesen und die Methoden der Geographie. Geogra- phische Zeitschrift, IX, 1905, p. 545-64, 615-29, 671-86.

3. A meta do ponto de vista corológico consiste em conhecer o caráter das regiões e lugares, através da compreensão da existência em conjunto e das inter-relações dos diferentes domínios da realidade e suas variadas manifestações, e em compreender a superfície da terra como um todo, em sua organização natural, por continentes, regiões maiores e menores e lugares.

HETTNER, Alfred. Die Geographie, ihre Geschicht, ihr Wessen und ihre Methoden. Breslau, 1927.

Fonte: Elaborado com base em: HARTSHORNE, Richard. Propósitos e Natureza da Geografia. São Paulo: Hucitec/Edusp, 2ª edição, 1978, p. 14.

Para os defensores dessa corrente de pensamento geográfico, o estudo dessas variações

espaciais/regionais só poderá se concretizar através de um método particular: o método regional.

Este por si só daria à Geografia um status único, uma identidade capaz de diferenciá-la das demais

ciências.

Em suas proposições, o próprio Hartshorne não admite a região como o objeto da

Geografia. Segundo ele, importante é o método de identificar as diferenciações de área, que

resultam de uma integração única de fenômenos heterogêneos em seções do espaço terrestre

(CORRÊA, 1995, p. 15-16). A Geografia tem por objeto proporcionar a descrição e a interpretação

de maneira precisa, ordenada e racional do caráter variável da superfície da Terra

2 Hettner retomou as idéias de Richthofen, que, já em 1883, propunha um retorno à tarefa tradicional dos geógrafos, quando insistia que a Geografia deveria ser uma ciência corológica. Choros é a palavra grega que designa lugar ou área. Corografia significa a descrição do lugar e corologia a compreensão das inter-relações de coisas e pessoas que dão caráter aos lugares (BROEK, 1967, apud BEZZI, op. Cit., p. 105).

Page 42: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

40

(HARTSHORNE, 1978, p. 22) e, nesse caso, o método regional constitui importante ferramenta de

análise.

Por fim, torna-se oportuno destacar que, enquanto Humboldt e Ritter enquadram a

Geografia no domínio das ciências nomotéticas, isto é, entre aquelas que procuram nos fenômenos

algo que é regular, geral e comum com o propósito de se estabelecer modelos abstratos; Hettner e

Hartshorne defendem que tanto ela quanto a História devem ser enquadradas entre as ciências

idiográficas, uma vez que são descritivas e tratam de fenômenos não repetitivos e não

reprodutíveis, sem aspectos regulares que possam fundamentar leis ou normas gerais (GOMES, op.

Cit., p. 58; SCHAEFER, op. Cit., p. 7; 18; 24).

Ao pensar dessa forma, Hettner acredita que os geógrafos não devem “produzir” leis ou

modelos abstratos, mas sim compreender de que maneira os fenômenos espaciais se manifestam

em determinada situação, lembrando sempre que os mesmos não se manifestam de maneira

idêntica em todos os lugares (princípio da unicidade).

Analisando a clássica obra de Hartshorne, publicada em 1939 pela Associação dos

Geógrafos Americanos, Leonard Guelke pôde concluir que ele nunca havia rejeitado a idéia de

Geografia (incluindo a Geografia Humana) como uma ciência interessada na procura de leis, mas

sobre bases mais pragmáticas que lógicas, pensava que dificilmente a Geografia se tornaria uma

ciência nomotética (GUELKE, 1985, p. 215-216).

Percebe-se, dessa maneira, que a postura assumida por Hettner e Hartshorne é um reflexo

direto da influência que ambos sofreram ao fazer a leitura das obras de Kant, filósofo e geógrafo

alemão responsável pela reivindicação excepcionalista para a Geografia e para a História. De

acordo com SCHAEFER (op. Cit., p. 13), essa atitude excepcional proposta por Kant e por seus

seguidores contribuiu para que a Geografia se afastasse das ciências sistemáticas (nomotéticas) e

passasse a incorporar o sofisma de uma ciência metodologicamente única.

Com efeito, essa característica vivenciada pela Geografia Clássica teve profunda

ressonância durante as duas décadas seguintes à publicação de The Nature of Geography (não por

acaso este livro escrito por Hartshorne tornou-se uma referência mundial sobre o assunto). No

entanto, a partir de meados da década de 1950, com a eclosão da Nova Geografia, críticas incisivas

passaram a ser feitas à perspectiva idiográfica da Geografia e, conseqüentemente, ao método

hartshorniano uma vez que o mesmo apresentava grandes limitações ao trabalho dos geógrafos,

agora preocupados com as transformações que se processavam de maneira acelerada sobre o

espaço. Aliás, com a Nova Geografia o conceito de região deixa de ser encarado como elemento-

chave na discussão geográfica, dando lugar a duas novas categorias: espaço e organização espacial.

A expansão das modernas atividades agropecuárias; a destruição dos antigos modos de

vida; o avanço da urbanização; as transformações no cenário industrial; a emergência do setor

terciário; o fortalecimento dos grandes conglomerados capitalistas a partir da formação de trustes e

Page 43: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

41

cartéis; a difusão de novas tecnologias baseadas na cibernética; o aumento exagerado do consumo

de energia e matérias-primas; os problemas ecológicos oriundos do progresso; as novas tendências

demográficas; a dinâmica das fronteiras políticas e a disputa por novos territórios e regiões são

exemplos concretos dessa realidade vivida pelos habitantes do planeta. Com isso, inúmeros

desafios são lançados aos cientistas sociais, sobretudo aos geógrafos, que se deparam com

situações cada vez mais complexas, imbricadas, multifacetadas.

Esse novo paradigma, entretanto, não chega a romper com os fundamentos do pensamento

tradicional, uma vez que ocorre apenas a transição do positivismo clássico para o neopositivismo

(positivismo lógico). A grande mudança de enfoque diz respeito ao uso de nova metodologia, de

uma linguagem mais sofisticada e de técnicas e instrumentos de trabalho que estão agora a

disposição dos geógrafos. Assim, enquanto a Geografia Tradicional limitava-se ao trabalho

retrospectivo, a Nova Geografia vai desenvolver uma série de estudos prospectivos, permitindo a

elaboração de diagnósticos e prognósticos sobre uma determinada região, sobre uma determinada

fração do espaço (uma área rural, uma grande cidade, uma bacia hidrográfica, etc.).

CORRÊA (1995, p. 18) lembra que, ao contrário do paradigma possibilista e da Geografia

hartshorniana, a Nova Geografia procura leis ou regularidades empíricas sob forma de padrões

espaciais. O emprego de técnicas estatísticas dotadas de maior ou menor grau de sofisticação –

média, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise fatorial, cadeia de Markov, etc. –, a

utilização da geometria, exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de modelos normativos, a

adoção de certas analogias com as ciências da natureza e o emprego de preceitos da economia

caracterizam o arsenal de regras e princípios adotados por ela. Por esses motivos, a Nova

Geografia ficou conhecida também como Teorética-Quantitativista.

Trata-se de uma corrente de pensamento fortemente engajada com a manutenção da

realidade, ou seja, comprometida com a legitimação das relações capitalistas sobre o espaço e com

o papel intervencionista dos aparelhos estatais. Nesse caso, o planejamento desponta como um

instrumento eficaz para a ação dos agentes públicos e privados na busca da satisfação dos seus

anseios. Segundo ANDRADE (1987, p. 95 seq.), essas políticas de planejamento tiveram grande

difusão na Europa durante e após a Segunda Guerra Mundial: na Inglaterra, ficou conhecida como

política de Town and Country Planning e, na França e na Bélgica, recebeu o nome de política de

Aménagement du Territoire. No Brasil, elas só foram implementadas no final da década de 1950 e

início da década seguinte, já em pleno governo militar, e contaram com o apoio de importantes

instituições públicas para a sua disseminação, a exemplo do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da

Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Universidade Estadual

Paulista, em Rio Claro, através do Departamento de Geografia. Por outro lado, as assembléias

Page 44: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

42

promovidas pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) foram também utilizadas como

tribunas de divulgação dessa “revolução quantitativista”.

Em resumo, o dualismo observado ao longo de todo o processo de amadurecimento da

disciplina está longe de ser resolvido. Há quem defenda a idéia de uma ciência sistemática; outros

acreditam que a Geografia seja de fato uma ciência corológica, idiográfica; alguns preferem ainda

enquadrar a Geografia Geral no campo das ciências sistemáticas e a Geografia Regional no campo

das ciências idiográficas. Todo esse debate, no entanto, tem servido para acalentar grandes

discussões acerca da natureza da Geografia, divergências essas que perduram até os dias atuais, no

momento em que os conceitos de região, paisagem, lugar, território e espaço reaparecem

revestidos com novas perspectivas de análise e interpretação.

Antes mesmo de apresentar as principais tipologias de regiões – lembrando sempre que a

categoria região constitui o objeto central dessa discussão – faz-se necessário tentar responder a

seguinte pergunta: qual a origem e o significado do vocábulo região?

De acordo com SORRE (1984-a, p. 163), a explicação para esse questionamento passa pelo

reconhecimento da linguagem (oral e escrita) enquanto meio de comunicação e instrumento de

agrupamento. No interior da sociedade, a linguagem torna-se depositária dos modos de

pensamento e por seu intermédio são transmitidas as tradições, as percepções, os valores e tudo

aquilo que constitui a individualidade do conjunto formado por todos que cotidianamente se

servem dela.

Com efeito, através da lexicologia foi possível estudar a etimologia da palavra região, bem

como analisar a existência de outras acepções muito próximas do ponto de vista do significado

original. O resultado pode ser observado no Quadro 3, exposto logo a seguir. Vale ressaltar que

todos os idiomas pesquisados fazem parte do tronco lingüístico indo-europeu. São eles: o grego e o

latim, cujos primeiros registros datam, respectivamente, de 34 e 27 séculos atrás; o português, o

espanhol, o francês e o italiano, também chamados de neolatinos ou românicos, uma vez que se

originaram a partir do latim praticado pelas classes menos favorecidas (latim vulgar); e o inglês e o

alemão, idiomas pertencentes ao grupo germânico.

Page 45: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

43

QUADRO 3 – O SIGNIFICADO DA PALAVRA REGIÃO E DE OUTRAS ACEPÇÕES EM ALGUNS

IDIOMAS SELECIONADOS

Idiomas Vocábulo Região Outras Acepções

Do grego

Xώρα – Espaço, extensão, trecho, sítio, localidade, praça forte, fortaleza, terra, terra pátria, região, terreno, campo, campina, herdade, situação, colocação, posição (p. 635).

Πολιτεία – Governo dum Estado, regime (p. 251).

PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto: Apostolado da Imprensa, 1957.

Do latim Rĕgĭonĭs – Logar, região, plaga, paiz; districto, comarca; bairro d’uma cidade (p. 1015).

Rĕgĭmĕntŭm – Direcção, mando, regimen, governação, governo, administração (p. 1015).

QUICHERAT, L. Novíssimo Dicionário Latino-Português. Rio de Janeiro: Garnier, 10ª edição, sem data.

Do português

Região – Grande extensão de superfície terrestre, incluindo também os mares; extensão considerável do território dum país, com características evidentes que o distinguem dos outros territórios; cada uma das divisões e sub-divisões da administração pública (p. 1507).

Régie – Administração exercida pelo Estado, de qualquer ramo dos serviços públicos, por meio de agente que ele indirectamente nomeia (p. 1507).

FONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Porto: Domingos Barreira, sem data.

Do espanhol

Región – Zona; comarca; espacio; país; nación; provincia; division administrativa o militar de un país; territorio; esfera de actividad; cada una de las partes en que se supone divididos los espacios terrestres; parte de un todo (p. 1093).

Espacio – Capacidad de terreno; zona, área, extensión de una superfície; intervalo de tiempo; transcurso; distancia (p. 584).

CAVER, David Ortega. Diccionario Portugués-Español. Barcelona: Ramón Sopena, 1966.

Do francês

Région – Entendue de pays caractérisée soit par une unité administrative ou économique, soit par lasimilitude du relief, du climat, de la végétation; une région industrielle, agricole; les régions polaires, tempérées (p. 1105).

Terroir – Province; campagne considérées comme le refuge d’habitudes, de goûts typiquement ruraux ou régionaux (p. 1136).

LAROUSSE DICTIONNAIRE DU FRANÇAIS CONTEMPORAIN. Paris: Larousse, 1971.

Do italiano

Regiône – Provincia, paese esteso in gènere; tratto di terreno caratterizzato da una particolare vegetazione o caràttere, e per est.; parte, plaga, zòna (p. 701).

Território – Tutto il paese soggètto alla giurisdizione d’un potere governativo o municipale (p. 1120).

PETRÒCCHI, P. Novo Dizionàrio Universale della Língua Italiana. Milano: Fratélli Tréves, Volume II, 1924.

Do inglês

Region – Area or division with or without definite boundaries or characteristics: the forest, the water, the solos, the agrupament huimem (p. 709).

Zone – One of the five parts into which the earth’s surface is divided by imaginary lines parallel to the equator (the torrid, temperate and frigid) (p. 1002).

OXFORD ADVANCED LEARNER’S DICTIONARY OF CURRENT ENGLISH. Oxford: University Press, 1990.

Do alemão Gebiet – Das G. eines Staates, einer Herrschaft; auf diesem G. der Kunst, der Wissenschaft (p. 225).

Gebieten – Ruhe g. (befehlen); die Klugheit gebietet, vorsichtig zu sein; über etwas g.; er hält, erachtet es für (dringend) geboten (erforderlich); Rücksicht scheint hier geboten (p. 225).

GREBE, Paul e STREITBERG, Gerhart. Der Grobe Duden. Mannheim: Dudenverlag des Bibliographischen Instituts, 1993.

Organizado pelo autor.

Page 46: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

44

A partir do exposto no quadro e ainda com base na literatura pesquisada, foi possível

constatar que o vocábulo região revela algumas características fundamentais.

De acordo com GOMES (op. Cit., p. 50-51), durante a Antiguidade alguns filósofos

passaram a interpretar o conceito de região a partir de um momento histórico em que, pela primeira

vez, surgiu de maneira ampla a relação entre a centralização do poder em um local e a extensão

dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial. De posse desse

entendimento, outros conceitos de natureza espacial passaram também a ser enunciados nesta

mesma época, como o conceito de espaço (spatium), visto como “contínuo” ou como “intervalo”,

no qual estão dispostos os elementos seguindo uma certa ordem neste vazio, ou ainda o conceito de

província (provincere), área submetida ao controle hegemônico dos romanos.

Percebe-se, assim, que em sua estrutura original o conceito de região apresenta uma

conotação eminentemente política, uma vez que está associado à idéia de governar, dominar,

controlar, estabelecer o poder e a legitimidade de um Império, de um Estado ou de qualquer outra

instituição, como foi o caso da igreja durante o período medieval.

Na língua grega, por exemplo, o vocábulo Xώρα representa também a idéia de região,

território, terra-pátria, sítio urbano, praça forte, fortaleza e a palavra Πολιτεία quer dizer governo

de um Estado, regime. Na língua latina, Rĕgĭmĕntŭm significa, entre outras coisas, direção,

governo, administração. Na língua portuguesa, Régie é a administração exercida pelo Estado e na

língua espanhola, Región é a divisão administrativa ou militar de um país.

Uma segunda abordagem do conceito de região revela a associação do termo à idéia de país

(plaga), lugar, zona, espaço, território, área, comarca, província, etc. Tal fato pôde ser comprovado

em todos os idiomas pesquisados, o que demonstra a versatilidade do emprego dessa palavra.

Entretanto, dentre as definições analisadas duas merecem especial atenção:

Para o dicionarista português, o termo região diz respeito a uma grande extensão da

superfície terrestre, incluindo também os corpos líquidos, ou ainda, a extensão do território de um

país com características evidentes que o distinguem dos outros territórios. Já para o lexicógrafo

francês, région é a porção de um país caracterizada seja por uma unidade administrativa ou

econômica, seja por apresentar semelhança em relação aos elementos naturais (relevo, clima,

solos, vegetação).

Neste sentido, torna-se oportuno salientar que o vocábulo região está profundamente

relacionado a dois princípios básicos da Geografia – o de localização (onde?) e o de extensão (até

onde?), segundo destacou Paulo César da Costa Gomes no início desse capítulo. Ele também está

associado à idéia de Geografia como estudo da diversidade zonal ou corologia (JOHNSTON et al.,

1987, p. 356), conforme foi visto em Hettner e Hartshorne. BARROS (1998, p. 3) lembra ainda que

na Geografia possibilista francesa a idéia de região pode ser associada à noção de lugar. Os lugares

Page 47: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

45

lablachianos seriam, na verdade, o resultado de um quadro complexo de relações estabelecidas

entre o homem (populações) e o meio natural, dando origem a regiões e/ou paisagens peculiares.

Por fim, uma terceira abordagem revela a aproximação do conceito de região à idéia de

província, campo, herdade, campina, terra, terreno, etc. Na língua francesa, por exemplo, a palavra

terroir expressa de maneira eloqüente essa perspectiva interiorana ao considerar o campo como

refúgio dos hábitos e gostos tipicamente rurais e regionais.

O próprio movimento regionalista do final do século XIX floresceu em meio a esse

ambiente idílico, nostálgico, rústico, bucólico, atingindo não só as artes plásticas, mas também a

música e a literatura. Neste último caso, VAINFAS (2002, p. 625) lembra que a produção literária

brasileira das décadas finais do Império esteve ambientada no universo rural, nas roças e nos

sertões, em locais distantes da vida urbana e cosmopolita.

Esses cenários serviram de palco para o desencadeamento de inúmeros romances

regionalistas, tais como os escritos por Bernardo Guimarães (O Seminarista, 1872; O Garimpeiro,

1872; O Índio Afonso, 1873), Franklin Távora (O Matuto, 1878; o Sacrifício, 1879) e José de

Alencar (O Guarani, 1857; Iracema, 1865; O Gaúcho, 1870; O Tronco do Ipê, 1871; Ubirajara,

1874; O Sertanejo, 1875).

Em todas essas narrativas, é possível perceber com clareza a descrição pormenorizada das

paisagens do interior do país e a valorização dos tipos humanos característicos de cada um desses

ambientes, com grande destaque para o elemento indígena, para o camponês e sua vida rústica,

para o vaqueiro das coxilhas do Sul, para o matuto (caipira) da porção central e para o sertanejo

das caatingas da região Norte.

Esse perfil literário só experimentará mudanças significativas (em relação à forma e não ao

conteúdo propriamente dito) a partir da segunda década do século XX, período esse marcado por

importantes transformações sociais, culturais, políticas e econômicas. A Semana de Arte Moderna

em São Paulo, a recessão mundial provocada pela queda da bolsa de valores de Nova Iorque e a

ascensão de Getúlio Vargas ao poder após a Revolução de 30 são apenas alguns exemplos dessa

fase de grande convulsão social.

A literatura modernista/regionalista em sua segunda fase vai consagrar importantes obras

de autores nordestinos, como A Bagaceira, O Boqueirão e Coiteiros, de José Américo de Almeida;

Caetés, São Bernardo e Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Menino de Engenho, Doidinho,

Bangüê, O Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto, de José Lins do Rego; O Quinze e João

Miguel, de Rachel de Queiroz; Terras do Sem Fim, Cacau e São Jorge dos Ilhéus, de Jorge

Amado.

A Bagaceira, publicado em 1928, foi o primeiro romance representativo do novo

regionalismo nordestino, movimento este que teve o seu ponto de partida no Manifesto

Regionalista de 1926. Verdadeiro marco da história literária do Nordeste, sua importância deve-se

Page 48: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

46

mais à temática (a seca, os retirantes, o engenho) e ao caráter social do romance, do que aos

valores estéticos em si (FERNANDES NETO, 2008, s.p.). Por outro lado, BARROS (2006-a, p. 27)

destaca que nos romances escritos por Graciliano Ramos e José Lins do Rego as descrições do

ambiente rural nordestino são extremamente ricas em detalhes, o que as tornam memoráveis do

ponto de vista paisagístico, estético e simbólico. Em Vidas Secas, por exemplo, Graciliano Ramos

demonstra uma complexa elaboração artística ao narrar o drama vivido pelos flagelados do Sertão

do Nordeste e em Menino de Engenho, livro inaugural do ciclo da cana-de-açúcar publicado em

1932, José Lins do Rego revela através de uma narrativa própria a exuberância dos cenários e os

detalhes da vida das pessoas que moravam nas terras do engenho. Em suas próprias palavras:

“Ainda tudo estava escuro com a madrugada. A névoa dos altos chegava até os cajueiros. Tudo parecia branco daquele lado, como grandes paióis de algodão. Pelo curral começavam a tirar o leite; ouvia-se o bate-boca dos moleques na manjedoura. Mas o carro já deixara o cercado do engenho, ganhava a estrada de São Miguel. Vinham cargueiros com sacos brancos de farinha e caçuás cheios de louças de barro para a feira do Pilar. O chicote deles estalava naquele silêncio bom da madrugada. Passava-se por casas de moradores ainda com as portas fechadas; os homens, nus da cintura para cima, já estavam olhando o tempo, enquanto os meninos e a mulher se encolhiam no pobre quente das camas de vara. Os bogaris das biqueiras cheiravam no ar frio. Galinhas empoleiradas em pés de pau, com preguiça de deixar o seu sobrado de galhos. Mais adiante o sol espelhava pelos partidos, esquentando a folha da cana ainda pingando de orvalho. As casas dos moradores abertas, de porta e janela, com a família inteira no terreiro tomando o seu banho de sol, de graça. Às vezes o carro parava para minha tia falar com as comadres, que vinham alegríssimas dar duas palavras com a senhora. E os meninos de camisa comprida tomando a bênção à madrinha.

– Deus te abençoe. E eram mesmo abençoados por Deus, porque não morriam de fome e

tinham o sol, a lua, o rio, a chuva e as estrelas para brinquedos que não se quebravam.” (REGO, 2003, p. 56).

Por fim, a literatura modernista/regionalista da fase ulterior, denominada por alguns de

neo-modernista, vai ser marcada também pela publicação de obras de grande envergadura que

retratam as paisagens naturais e humanas da região semi-árida do Nordeste e do Norte de Minas

Gerais (Vale do Jequitinhonha). Destaque para O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, de

Ariano Suassuna; Sagarana e Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa e Morte e Vida

Severina, de João Cabral de Melo Neto.

Ao contrário dos livros escritos no final do período imperial, considerados pelos críticos

literários como “ingênuos e despolitizados”, esses vão tocar profundamente nas feridas herdadas

do passado colonial e que ainda se fazem presentes na paisagem regional, tais como: o domínio do

latifúndio e a política do coronelismo; a submissão do homem do campo; o beatismo, os

Page 49: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

47

movimentos messiânicos e o banditismo (cangaço); o fenômeno da seca e o drama dos retirantes; a

decadência social, econômica e política das áreas produtoras de algodão, cana-de-açúcar e cacau; a

expropriação dos trabalhadores rurais face ao processo de modernização conservadora

(substituição das antigas unidades produtivas – os engenhos e os bangüês – por modernas usinas);

os conflitos envolvendo a posse da terra, etc.

Esses temas, no dizer de ALBUQUERQUE JÚNIOR (2006, p. 120), presentes na literatura

popular, nas cantorias e no discurso político das oligarquias, foram agenciados por essa produção

literária, tomando-os como manifestações que revelariam a essência regional. Eles foram também

resgatados para participarem de uma estratégia política de denúncia das condições regionais.

Estratégia de trazer à tona suas misérias e tudo aquilo que podia servir de indício de

descontentamento com a nova sociedade que se instaurava. Além de impressionarem, de

chamarem a atenção dos leitores de classe média e das grandes cidades, esses temas permitiam

calcar a própria idéia de Nordeste no pólo oposto da modernização capitalista. Estes ofereceriam

uma visão de síntese do que seria esta realidade social regional, pensada como totalidade. Além

disso, as manifestações de revolta popular recebiam a solidariedade de intelectuais também

indignados com as mudanças na sociedade tradicional, que, segundo eles, tinham mecanismos de

controle mais eficazes.

O Nordeste, e não mais o “Norte”, começou a ser gestado, forjado, produzido mentalmente

e intelectualmente a partir dessas contribuições artísticas, literárias e, porque não dizer, históricas e

geográficas, uma vez que em cada uma dessas grandes obras existia uma forte referência temporal

e espacial. O Mapa 2, elaborado pelo IBGE, sintetiza parte dessa discussão ao referenciar e

delimitar no espaço regional brasileiro os cenários descritos em algumas das obras citadas

anteriormente. Ele representa ainda uma visão dos pesquisadores em relação à possibilidade de se

estabelecer novas formas de regionalização do espaço, tomando sempre como ponto de partida

critérios pré-definidos.

Page 50: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

48

MA

PA

2 –

RE

GIO

NA

LIS

MO

LIT

ER

ÁR

IO

Font

e: I

BG

E. A

tlas

Geo

gráf

ico

Esc

olar

. Rio

de

Jane

iro:

IB

GE

, 200

2, p

. 161

.

Page 51: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

49

1.2 AS PRINCIPAIS TIPOLOGIAS DE REGIÕES

Conforme foi discutido no início desse texto, o estudo da categoria região não representa

uma tarefa fácil, haja vista a complexidade das relações entre os fenômenos naturais e humanos

que se manifestam em uma dada porção do espaço terrestre. Assim sendo, de acordo com a visão e

o propósito do pesquisador é possível identificar vários tipos de regiões: naturais, geográficas,

econômicas (região homogênea, região polarizada e região plano), etc. Apesar de parecer estanque,

tal classificação sintetiza a própria evolução do pensamento geográfico, uma vez que cada uma

delas encerra valores de época, ideologias, percepções dos múltiplos elementos da paisagem, entre

outros aspectos.

A seguir será apresentado um quadro sinótico dos principais tipos de regiões, a saber:

a) A Região Natural

A região natural constitui uma das mais antigas noções geográficas, baseada no decisivo

papel desempenhado por certos elementos físicos na organização do espaço (DOLFUS, 1978, p.

101-102). No entanto, torna-se conveniente ressaltar que foram os geólogos, os geomorfólogos e os

botânicos os primeiros especialistas a empregarem, já na primeira metade do século XIX, o termo

região natural nos trabalhos de reconhecimento das províncias geológicas, na delimitação das

bacias hidrográficas e no mapeamento das áreas ocupadas por determinada espécie vegetal.

Entre os geógrafos, a noção de região natural prevaleceu ativa por mais de cinco décadas

(do final do século XIX, quando a Geografia foi institucionalizada nas universidades européias, até

as primeiras décadas do século XX), tendo sido introduzida em suas pesquisas a partir das idéias

deterministas. Estas, por sua vez, foram edificadas com base nas teorias defendidas por Jean-

Baptiste Lamarck (1744-1829), naturalista francês que afirmou que as espécies compartilhavam

caracteres adquiridos com a hereditariedade e, por Charles Robert Darwin (1809-1882), naturalista

e viajante inglês que reuniu em seu famoso livro A Origem das Espécies subsídios que

comprovavam que a evolução dos seres vivos seria produto da seleção natural, ou seja, através

desse processo apenas as espécies com maior poder de adaptação (as mais fortes) conseguiriam

sobreviver.

Essas idéias naturalistas foram transplantadas para as ciências humanas através do

pensamento de Herbert Spencer, filósofo inglês que alcançou grande prestígio no século XIX.

Neste contexto histórico particular, é interessante destacar, segundo ANDRADE (1987, p. 50), que:

“Se a seleção natural, como ensinava Darwin, se realizava através da luta entre as espécies, vencendo os mais capazes, transportando este axioma para as ciências sociais poderiam os capitalistas justificar a vitória dos bem-sucedidos como o resultado de sua capacidade superior e a derrota dos demais em face da sua incapacidade natural. Este pensamento, no plano individual, justificava os grandes desníveis sociais, a presença dos muito ricos ao lado dos miseráveis, e

Page 52: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

50

no plano coletivo justificava a dominação dos estados mais fortes, mais capazes sobre os mais fracos, os dominados e explorados. Justificaria assim, a um só tempo, as desigualdades sociais no plano interno e a dominação colonial no plano externo. Naturalmente, estas idéias não passariam despercebidas aos fundadores da Geografia.”

De fato, na Geografia o grande introdutor das idéias lamarckianas e darwinistas foi o

alemão Friedrich Ratzel. Em sua Geografia do Homem (Antropogeografia), ele se utiliza das

expressões variabilidade, hereditariedade e seleção natural, chegando a propor no lugar desta

última o uso de três conceitos bastante utilizados pelos geógrafos: difusão, migração e isolamento.

Para ele, as influências fisiológicas (naturais) e as condições geográficas exerciam forte

papel no desenvolvimento de um povo, uma vez que permitiam ampliar ou reforçar cada uma de

suas características ou adquirir outras através de associações adequadas. Assim sendo, um

território fechado em si mesmo favorecia a formação de um povo homogêneo, impedindo ou

limitando a penetração de elementos alóctones. Por esta razão, as ilhas se caracterizam, em geral,

por uma grande homogeneidade étnica. Ao contrário, um território muito aberto favorece a

miscigenação e o cruzamento dos povos (RATZEL, 1990, p. 59).

Sobre esses aspectos, BARROS (2006-b, p. 461) acrescenta ainda que o próprio Ratzel

reconhecia que o foco das explicações das variações nos padrões culturais era o espaço, a terra, o

meio, o teatro da história e, particularmente, os empréstimos de características culturais mediante

as difusões/migrações neste espaço, não o interior biológico do homem (gene), como admitiam

alguns autores de sua época.

Em sua proposta de estudo, Ratzel encara o homem como uma espécie que precisa lutar

para ampliar a sua área de domínio, o seu território, denominado por ele de espaço vital. Ele

observou que, assim como os animais mais aptos conseguem sobreviver, as sociedades mais

avançadas e organizadas são impelidas sobre aquelas mais fracas e estagnadas. Nessa luta

constante o meio natural desempenha papel importantíssimo, uma vez que pode representar grande

obstáculo à propagação dos grupos e é justamente nesse ponto que voltamos à discussão inicial

sobre o conceito de região natural, no momento em que Dolfus afirma que os elementos físicos

(montanhas, escarpas e vales, condições dos solos, disponibilidade de água potável, densidade da

cobertura vegetal, características do clima) são imprescindíveis no trabalho de organização do

espaço.

Com efeito, ao definir uma região natural os geógrafos davam grande ênfase ao conjunto

dos elementos citados anteriormente, demonstrando inclusive as relações de reciprocidade entre os

mesmos, e quase sempre deixavam em um plano secundário as ações exercidas pelos grupos

humanos na superfície da Terra. Essa posição fortemente determinista pode ser evidenciada no

artigo escrito pelo geógrafo Fábio de Macedo Soares Guimarães e publicado na Revista Brasileira

Page 53: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

51

de Geografia no ano de 1941. Por outro lado, ao estudar o dinamismo do espaço paulista a partir da

segunda metade do século XIX, o renomado professor Pierre Monbeig propôs uma definição de

região natural menos conservadora. Observe o Quadro 4.

QUADRO 4 – A REGIÃO NATURAL NA CONCEPÇÃO DE FÁBIO GUIMARÃES E PIERRE

MONBEIG

1. Os geógrafos há muito já fixaram o conceito de região natural, de modo relativamente simples. Deriva de dois dos grandes princípios que servem de base à Geografia moderna: o princípio da extensão, que serve de base ao estudo da distribuição dos fenômenos pela superfície terrestre, respondendo às perguntas “onde” e “até onde”, aliado ao princípio da conexão, do qual resulta o estudo das interrelações existentes entre os fenômenos que ocorrem no mesmo local. Uma região natural só pode, pois, ser determinada, após a análise da distribuição dos fatos geográficos e das influências recíprocas que êsses fatos exercem entre si numa dada extensão. Ela é definida assim, por um conjunto de caracteres (nunca por um único isoladamente) correlacionados entre si, pois tal correlação é que confere a cada região natural a sua unidade característica (GUIMARÃES, 1941, p. 325-326). 2. Uma região natural é uma parte da superfície da terra no interior da qual os diferentes elementos físicos e biológicos, em ação recíproca e inseparáveis, constituem uma unidade. Esta provém da combinação de fatôres que resulta, por sua vez, da situação presente e passada dos elementos. Uma região natural, portanto, é um complexo geográfico. Sua individualidade se concretiza na paisagem. Se paisagens vizinhas diferem, é porque há complexos diferentes no interior dos quais a combinação dos elementos físicos e biológicos se efetuou de modo diferente. O homem se acha integrado no conjunto de fatôres que constituem o complexo quer por sua ação direta sôbre a cobertura vegetal e os solos, quer indireta pelas mudanças decorrentes da primeira (evolução do modelado, por exemplo). A pesquisa regional não deve, pois, deter-se na delimitação espacial da região, nem na enumeração e simples descrição dos elementos que formam a região natural. Mais do que isso, deve prender-se à explicação estrutural, isto é, demonstrar o mecanismo que une entre si os agentes formadores dêsse complexo geográfico (MONBEIG, 1957, p. 127).

Fonte: Elaborado com base em: GUIMARÃES, Fábio de Macedo Soares. Divisão Regional do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 3, nº 2, abril a junho de 1941. MONBEIG, Pierre. Novos Estudos de Geografia Humana Brasileira. São Paulo: Difel, 1957.

Ao considerar uma determinada região natural os geógrafos perceberam que os elementos

do meio físico se distribuíam pela superfície e, ao mesmo tempo, mantinham entre si estreita

ligação, formando uma combinação própria. Tal constatação pode ser observada nas duas

definições expostas no quadro. Por outro lado, GUIMARÃES (1941, p. 326-327) acrescenta que

algumas regiões se destacavam pela evidência de certo elemento em relação aos demais, ou seja,

enquanto na Amazônia a cobertura vegetal representada pela Hiléia assumia grande importância na

caracterização regional (uma espécie de síntese dos outros fatores), na região Alpina, o grande

destaque ficava por conta do relevo e, no deserto do Saara, o clima com sua aridez peculiar seria o

fator determinante.

Vale lembrar que o pensamento de Fábio Guimarães sofreu profunda influência dos

trabalhos produzidos por Giuseppe Ricchieri e Delgado de Carvalho, no início da década de 1920.

De acordo com BARROS (2008, p. 321), Delgado de Carvalho foi um grande estimulador da

Geografia no Brasil durante a fase da pré-institucionalização. Além disso, ele ajudou a difundir o

discurso regional e a criar os primeiros sítios de produção geográfica, tendo a cidade do Rio de

Janeiro como ponto de partida. Em suas pesquisas, sempre demonstrou notável interesse pelos

Page 54: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

52

sertões, ou seja, pelas paisagens agrícolas do interior do território brasileiro ainda despovoado e

desconhecido.

E foi assim, imbuído por essas contribuições, que duas décadas mais tarde Fábio Guimarães

seria convidado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para elaborar a divisão oficial

do território brasileiro, divisão esta baseada em cinco grandes regiões naturais (Norte, Nordeste,

Leste, Sul e Centro-Oeste) que exibiam no seu interior uma quantidade expressiva de unidades

regionais menores, denominadas de zonas fisiográficas. Essa nova regionalização serviria de base

para o desenvolvimento de pesquisas em várias direções, tanto no campo da Geografia Física

quanto no campo da Geografia Humana e Regional. Além disso, ela teria uma finalidade prática

uma vez que permitiria o levantamento periódico de dados censitários em todo o território

nacional.

Mesmo estabelecendo uma definição clássica, Pierre Monbeig, ao contrário de Fábio

Guimarães, deu bastante ênfase às ações dos grupos humanos no trabalho de remodelagem das

regiões naturais. Para ele, tais ações se processam de forma direta ou indireta, afetando com isso o

equilíbrio natural das paisagens. A curto prazo os efeitos decorrentes delas seriam observados na

cobertura vegetal, na fauna e nos solos e a médio prazo poderiam ser notados em algumas unidades

do relevo (praias e vales, por exemplo) e no microclima de um lugar.

A rápida expansão dos cafezais sobre as terras do ocidente paulista, áreas anteriormente

cobertas pela exuberante floresta tropical de altitude, chamou a atenção desse renomado mestre

francês. Em seus estudos sobre a Geografia de São Paulo ele chega a falar de uma certa revolução,

em comparação ao que ocorreu no continente europeu no final do século XVIII: “(...) Amplia-se ao

mesmo tempo o movimento de expansão para oeste, desembarcam imigrantes em massa e firma-se

o império do café. Revolução técnica, revolução social, revolução demográfica com a imigração,

revolução econômica com o afluxo de capitais, revolução geográfica também, uma vez que se

quebram os moldes territoriais até então suficientes.” (MONBEIG, 1957, p. 142-143).

De resto, vale ressaltar que nesse mesmo estudo Monbeig chega a introduzir o conceito de

região geográfica em substituição ao velho conceito de região natural, conforme será discutido a

seguir.

b) A Região Geográfica

A noção de região geográfica, também conhecida como região humana ou ainda região-

paisagem, surge como uma reação às idéias deterministas que sustentavam a importância e o uso

corrente do conceito de região natural. Ademais, pode-se dizer que ela é fruto de um novo

paradigma que se instaura no ambiente geográfico: o possibilismo.

O termo possibilismo foi criado pelo historiador francês Lucien Febvre, e sistematizado por

Vidal de La Blache através dos seus inúmeros trabalhos. Trata-se de uma reação ao determinismo

alemão, defendido por Ratzel e seus seguidores. Assim, na visão lablachiana o meio natural passou

Page 55: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

53

a ser encarado não mais como determinante das condições de vida de um grupo social, mas sim

como um quadro de possibilidades para a atuação deste grupo que, de posse de técnicas e

instrumentos de trabalho, seria capaz de promover importantes transformações na superfície da

Terra. Para La Blache, o conjunto dessas técnicas e instrumentos, associado aos hábitos, crenças,

valores e costumes transmitidos de uma geração para outra, seria responsáveis pela criação do que

ele próprio denominou gêneros de vida (LA BLACHE, 1954, p. 377 seq.).

A despeito desse intenso debate envolvendo essas duas correntes de pensamento geográfico

(o determinismo e o possibilismo), bem como o desdobramento do conceito de região (natural e

geográfica), GOMES (op. Cit., p. 55-56) escreveu o seguinte:

“A natureza pode influenciar e moldar certos gêneros de vida, mas é sempre a sociedade, seu nível de cultura, de educação, de civilização, que tem a responsabilidade da escolha, segundo uma fórmula que é bastante conhecida – ‘o meio ambiente propõe, o homem dispõe’. A região natural não pode ser o quadro e o fundamento da geografia, pois o ambiente não é capaz de tudo explicar. Segundo esta perspectiva ‘possibilista’, as regiões existem como unidades básicas do saber geográfico, não como unidades morfológica e fisicamente pré-constituídas, mas sim como o resultado do trabalho humano em um determinado ambiente. São assim as formas de civilização, a ação humana, os gêneros de vida, que devem ser interrogados para compreendermos uma determinada região. São eles que dão unidade, pela complementariedade, pela solidariedade das atividades, pela unidade cultural, a certas porções do território. Nasce daí a noção de região geográfica, ou região-paisagem na bibliografia alemã e anglo-saxônica, unidade superior que sintetiza a ação transformadora do homem sobre um determinado ambiente, este deve ser o novo conceito central da geografia, o novo patamar de compreensão do objeto de investigação geográfica.”

Apesar de não reconhecer a região natural como a principal entidade geográfica, as

monografias regionais propostas pela Escola Francesa, cujo grande mestre foi Vidal de La Blache,

partiam sempre das descrições dos elementos do meio físico para em seguida realizar descrições

das características da população e de suas atividades econômicas de uso do solo (agricultura,

criação, extrativismo, comércio, transporte, etc.). A região geográfica seria, portanto, um produto

sintético dessa combinação de elementos presentes em uma dada fração do espaço. No entanto, é

importante reconhecer que nesses trabalhos não era possível verificar ainda uma integração, no

sentido mais amplo da palavra, dos elementos naturais e humanos, mas sim uma justaposição

destes últimos sobre uma base física.

A Figura 2, exposta a seguir, exibe vários esquemas organizados por CORRÊA (1995, p.

29-31) a partir das idéias de Yves Lacoste acerca do debate envolvendo as regiões geográficas

vidalinas. Observe que o autor propõe, inicialmente, a compartimentação de uma área e a

identificação de quatro regiões (pedológicas, climáticas, fitogeográficas e etnolingüísticas)

Page 56: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

54

contidas nesse mesmo espaço. As regiões geográficas, por seu turno, vão surgir da justaposição das

regiões identificadas anteriormente, com os seus respectivos elementos constitutivos.

FIGURA 2 – AS REGIÕES GEOGRÁFICAS NA

CONCEPÇÃO DE VIDAL DE LA BLACHE

Fonte: Adaptada de: CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 5ª edição, 1995, p. 30.

Para se compreender a gênese, o desenvolvimento e a singularidade de cada região, La

Blache vai propor que os geógrafos realizem contatos diretos com a realidade através dos trabalhos

de campo. Ele vai indicar também o emprego do método descritivo como ponto de partida para

esse entendimento, conforme pode ser percebido no seu discurso: a Geografia distingue-se como

ciência essencialmente descritiva. Não seguramente que renuncie à explicação dos fenômenos,

uma vez que o estudo das suas relações, de seu encadeamento e de sua evolução é também

caminho que leva a ela. Mas esse objeto a obriga, mais que em outra ciência, a seguir

minuciosamente o método descritivo (LA BLACHE, 1985, p. 45).

Assim como qualquer outra manifestação do pensamento, as idéias construídas e

defendidas por La Blache receberam muitos elogios e, ao mesmo tempo, experimentaram críticas

contundentes.

Page 57: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

55

Em primeiro lugar, o seu modo de pensar e fazer Geografia encontrou terreno profícuo em

seu próprio país, mobilizando setores da sociedade para a importância de se combater o

expansionismo do Estado Alemão e a doutrina do espaço vital, preconizada por Ratzel. Na

verdade, a derrota francesa diante da Prússia, em 1870, custou a perda de dois territórios ricos em

reservas de carvão mineral: a Alsácia e a Lorena. Foi a partir daí que a Geografia ganhou grande

reconhecimento e passou a ocupar lugar de destaque nas escolas de nível secundário e nas

universidades, tendo a figura de La Blache papel decisivo.

Outro ponto relevante do seu discurso diz respeito à rejeição ao paradigma

naturalista/derterminista da Escola Alemã que colocava o homem como um ser miniaturizado,

passivo e submisso diante da natureza. Ao contrário, para a Geografia possibilista francesa o

homem representa o principal agente transformador, na medida em que se apropria de técnicas e

instrumentos capazes de interferir no equilíbrio natural das paisagens.

Por outro lado, Yves LACOSTE (1988, p. 60) adverte que os trabalhos escritos por La

Blache, bem como aqueles produzidos por seus discípulos, apresentavam uma idéia de região

geográfica pronta, acabada. Ou seja, apesar de compreender a região como o resultado da

superposição ao longo da história, das influências humanas e dos dados naturais, as monografias

regionais davam grande destaque para as permanências (heranças de um passado remoto) e

deixavam de lado os fenômenos espaciais recentes, tais como os processos de urbanização e

industrialização, a modernização dos meios de transporte e comunicação, o dinamismo alcançado

pelas atividades agropecuárias, etc.

Nesse sentido, o professor André Cholley, da Universidade de Sorbonne, é enfático ao

afirmar que o conceito de região geográfica é extremamente complexo e dinâmico. Ainda segundo

ele, a idéia de região indica sempre o resultado de uma organização, daí a sua preferência em

reservar esta expressão exclusivamente às organizações realizadas pelo homem na superfície do

planeta. Com efeito, o termo domínio torna-se mais conveniente para designar as unidades físicas

(climáticas, botânicas, pedológicas e morfológicas) de um determinado lugar, bem como para

destacar os fenômenos ligados à atividade humana quando considerados apenas sua extensão:

domínio do trigo, domínio da vinha, domínio da pecuária de corte, etc. (CHOLLEY, 1951, apud

ANDRADE, 1990, p. 43).

Roberto Lobato Corrêa lembra ainda que dois conceitos amplamente usados pela Geografia

possibilista também suscitaram muitas críticas, conforme podem ser observados em suas próprias

palavras: primeiro, os gêneros de vida “exprimiam uma situação de equilíbrio entre população e os

recursos naturais”; segundo, a “região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial,

onde se entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos e natureza.” (CORRÊA, 1995, p.

13; 28).

Page 58: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

56

Na verdade, a idéia de uma relação equilibrada e harmoniosa entre o homem e o meio

ambiente só poderia ser aplicada às sociedades mais tradicionais (povos extratores das florestas,

camponeses, pastores, pescadores, etc.). Para LACOSTE (op. Cit., p. 61), o homem-habitante, ou o

homem-vidalino, não habitava as cidades. Ele era um personagem do campo, um habitante de

paisagens que seus ancestrais longínquos modelaram e organizaram.

Em contrapartida, as sociedades que atingiram níveis mais complexos de desenvolvimento

social, político e econômico estariam de fora desses esquemas, uma vez que as relações

estabelecidas entre elas e o meio ambiente são caracterizadas por tensões, conflitos e

desequilíbrios. O que dizer, por exemplo, do poder transformador da grande indústria? Como

empregar o termo gênero de vida aos habitats urbanos (as metrópoles e as megalópoles) da

segunda metade do século XX? Como explicar a efervescência da sociedade de consumo de

massa? Como compreender a velocidade das mutações, o encurtamento do tempo e o dinamismo

do espaço geográfico? Como analisar os desequilíbrios regionais?

A tentativa de encontrar respostas para esses e para outros questionamentos deixou

evidente as limitações da Geografia Tradicional diante da nova realidade que se apresentava aos

geógrafos. A esse respeito, BARROS (2003, p. 8) assim se manifestou:

“O conceito de espaço geográfico e os temas e procedimentos metodológicos decorrentes dele, como as monografias regionais, tendiam a produzir uma Geografia descritiva, corográfica, dos lugares, e por isto pré-científica segundo os cânones do neopositivismo. A representação topográfica e empírica da superfície da Terra, uma vez que refletiria a singularidade dos lugares, serviria mais propriamente aos estudos idiográficos e concretos, mas não era suficiente ao estudo científico que necessitaria testar hipóteses (suspendê-las) e identificar regularidades nos assentamentos e comportamentos espaciais humanos.”

A busca por essas regularidades passou, então, a ser tarefa da Nova Geografia, paradigma

este que emerge no ambiente geográfico europeu e norte-americano por volta de meados da década

de 1950. Com ele, novas categorias serão elaboradas a partir do desdobramento das idéias acerca

das regiões econômicas, também conhecidas como regiões de planejamento.

c) As Regiões Econômicas

Conforme já foi analisado anteriormente, as grandes transformações espaciais que se

processaram em diversas escalas e em diversos lugares do planeta, sobretudo a partir da Segunda

Guerra Mundial, foram determinantes para acentuar a crise que se instalou em vários campos do

conhecimento científico. Com a Geografia, é claro, essa realidade não foi diferente.

Antes de qualquer coisa, torna-se oportuno lembrar que o panorama social, político e

econômico da primeira metade do século XX foi marcado pelas duas grandes guerras mundiais,

pela recessão originada a partir da queda da bolsa de valores em 1929 (Nova Iorque), pelo

Page 59: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

57

fortalecimento das idéias do economista inglês John Maynard Keynes, idéias essas em favor da

presença estatal na regulamentação da economia, pela disseminação do sistema fordista de

produção e, por fim, pela passagem do capitalismo para a sua fase ulterior: o capital monopolista.

Com efeito, todas essas transformações repercutiram diretamente sobre o espaço

geográfico, alterando a sua forma e o seu conteúdo, ou seja, uma nova divisão social e territorial

do trabalho passou a reger as relações entre os países industrializados e os países de base agrária,

aumentando ainda mais a dependência desses últimos; novos territórios foram conquistados pelas

grandes corporações capitalistas, agora organizadas em trustes e cartéis; regiões anteriormente

esquecidas ocuparam lugar de destaque no novo mapa político e econômico. De resto, todas essas

relações/transformações sociais, culturais, políticas e econômicas foram beneficiadas pela

ampliação e modernização das redes de comunicação e transporte, cujos reflexos podem ser

observados no “encurtamento” do espaço-tempo.

Já do ponto de vista filosófico, é importante destacar o enfraquecimento dos postulados

positivistas face a esse conjunto de fatores. Nesta época, algumas ciências já haviam dado passos

decisivos na intenção de encontrar novos caminhos, novos suportes teóricos e novas propostas

metodológicas, como forma de tentar superar a crise dos paradigmas. Especificamente falando, a

Geografia (ou a Nova Geografia) iria experimentar a transição do positivismo clássico

(positivismo empírico) para o neopositivismo (positivismo lógico ou empirismo lógico). Este

método buscaria auxílio nas chamadas ciências exatas, notadamente na Matemática, na Estatística

e na Cibernética.

Sandra LENCIONI (1999, p. 191-192) lembra que, por intermédio dos modelos matemáticos

aplicados à Geografia, buscou-se encontrar uma ordem no real, uma lógica na organização do

espaço. A possibilidade de estimar projeções e de fazer prognósticos tornou-se então factível. Por

isso é que, nesse momento, desvendar a ordem subjacente do espaço e estimar projeções

aproximou a Geografia do planejamento. Em particular, desenvolveu-se uma íntima relação entre

os estudos regionais e o planejamento regional e, como decorrência disso, a região tornou-se um

instrumento técnico-operacional a partir do qual procurou-se organizar o espaço.

Na prática, as regiões econômicas, ou regiões de planejamento como preferem alguns,

nasceram da estreita ligação que se estabeleceu entre os profissionais da Geografia, da Economia e

do Urbanismo.

Partindo do conceito econômico de espaço, François Perroux admitiu que o mesmo pudesse

ser encarado sob três ângulos: a) o espaço econômico como conteúdo de um plano; b) o espaço

econômico como um campo de forças; c) o espaço econômico como um conjunto homogêneo. Daí

em conseqüência, os três tipos de regiões econômicas: a) a região-plano; b) a região polarizada; c)

a região homogênea (PERROUX, 1964, apud ANDRADE, 1990, p. 45).

Page 60: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

58

Já o engenheiro civil e urbanista Celson FERRARI (2004, p. 317), definiu a região de

planejamento como uma área contínua delimitada segundo critérios previamente estabelecidos. Por

sua vez, a fixação desses critérios depende dos objetivos buscados pelo processo de planejamento.

Assim, podem ser eles: critérios de homogeneidade, de interdependência ou interação e,

finalmente, da política do governo para uma região já existente. As definições dos três tipos de

regiões de planejamento, segundo o autor, estão expostas no quadro abaixo.

QUADRO 5 – AS REGIÕES DE PLANEJAMENTO

1. Região Homogênea (região formal ou uniforme): Região de planejamento caracterizada pela presença uniforme de alguns elementos físicos, econômicos e sociais, chamados fatores ou elementos de homogeneização ou de uniformidade. Dada a uniformidade de elementos na região homogênea, pode ela ser definida como sendo a região que apresenta idênticos problemas em toda a sua extensão. Uma região homogênea é simples quando caracterizada por um só fator de homogeneização, como uma região climática, uma região geomorfológica, uma região fitogeográfica, etc. Diz-se complexa quando são dois ou mais fatores de uniformidade a delimitá-la, como por exemplo as bacias hidrográficas (fatores prováveis: vegetação, clima, solo, semelhanças culturais, renda per capita, agricultura, etc). As regiões homogêneas são, de um modo geral, complexas; a simples é uma abstração teórica, a não ser que seja de pequena dimensão. E, de certa forma, jamais uma região é perfeita ou totalmente homogênea. 2. Região Polarizada (região nodal ou funcional): Região de planejamento resultante da ação recíproca das atividades econômicas e sociais entre um pólo de dominância principal e outros de dominância secundária. É a região de influência resultante de uma forte concentração de atividades econômicas existentes no pólo principal, bastante interdependentes com as atividades de toda a região. De acordo com o geógrafo Jacques R. Boudeville, região polarizada “é um conjunto de unidades ou pólos econômicos que mantêm com um pólo, de ordem imediatamente superior, mais relações de troca ou conexões que com qualquer outro pólo de mesma ordem.” A cidade-pólo ou, simplesmente, o pólo pode ser entendido como uma área de atividade econômica muito concentrada e que mantém forte interdependência com outros pólos. As regiões ou áreas metropolitanas são exemplos de regiões fortemente polarizadas pela metrópole. 3. Região-plano (região-programa ou região-problema): Região de planejamento previamente delimitada, cujos problemas principais já são conhecidos das autoridades governamentais que estabelecem para ela objetivos econômicos, sociais, administrativos e físico-territoriais a serem atingidos por um plano integrado.

Fonte: Elaborado com base em: FERRARI, Celson. Dicionário de Urbanismo. São Paulo: Disal, 2004, p. 318-319.

Antes de discutir as três categorias propostas pelo autor, vale ressaltar que a Nova

Geografia apresenta uma visão própria do conceito de região, visão esta que se distancia daquela

construída pelo determinismo alemão e pelo possibilismo francês. Além disso, para os

formuladores dessa corrente de pensamento geográfico, a compreensão da região enquanto

entidade espacial passa a exigir o emprego da teoria das classificações e enumerações, também

denominada de taxonomia pelas ciências naturais, bem como a utilização de métodos quantitativos

aplicados ao estudo regional.

Não obstante, regionalizar passou a ser a tarefa de agrupar objetos e/ou variáveis em classes

determinadas de acordo com o grau de semelhança entre os mesmos. Logo, uma “região Y” será

constituída a partir da analogia em relação a alguns critérios preestabelecidos, como por exemplo,

o número de habitantes, a densidade demográfica, a estrutura etária, o grau de escolaridade, a

renda per capita (poder de compra), etc. Outros critérios também poderão ser considerados, tais

Page 61: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

59

como o tamanho médio dos estabelecimentos rurais, o emprego de mão-de-obra, a utilização de

implementos agrícolas, as principais atividades de uso da terra, o valor total da produção, a área

cultivada e a quantidade produzida, etc.

Com efeito, a adoção de tais medidas representa a base para a estruturação da região

homogênea que, segundo BEZZI (op. Cit., p. 136-137), GOMES (op. Cit., p. 63-64) e FRIEDMANN

(1960, p. 33-34), é aquela cuja identidade sempre se relacionará com as características físicas,

econômicas, sociais, políticas, culturais, entre outras, presentes em uma determinada área.

Entretanto, para sua delimitação é necessário que essa uniformidade seja contígua no espaço. Para

isso, parte-se do pressuposto de que selecionando-se variáveis estruturantes, os intervalos, nas

freqüências e na magnitude dessas variáveis estatisticamente mensuradas, definem espaços mais

ou menos homogêneos (regiões isonômicas).

No caso do espaço brasileiro, é possível perceber que a divisão oficial do território,

proposta pelo IBGE no início da década de 1950, considerava a existência de grandes regiões

naturais e de unidades espaciais menores (zonas fisiográficas). Por outro lado, a divisão realizada

pelo órgão em 1968 e reformulada em 1970 estabeleceu-se com base no conceito de regiões

homogêneas. Na oportunidade, foram definidas cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Sudeste,

Sul e Centro-Oeste) e 360 microrregiões homogêneas, unidades essas que passaram a substituir as

antigas zonas fisiográficas.

Essa nova divisão regional não chegou a alterar os limites territoriais das unidades da

federação. No entanto, algumas mudanças foram significativas. Observe os Mapas 3 e 4.

���� A região Leste foi substituída pela região Sudeste, agora composta pelos Estados do Espírito

Santo, Guanabara3, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Ademais, a criação dessa nova

região demonstrava a intenção dos geógrafos de concentrar, em um mesmo espaço, esses três

últimos Estados, considerados os mais importantes da federação;

���� A região Nordeste ganhou novos contornos a partir da inclusão dos Estados da Bahia e Sergipe,

antes pertencentes à região Leste;

���� A região Norte não sofreu nenhuma alteração, apenas dois Territórios Federais mudaram de

nome: Guaporé recebeu a denominação de Rondônia, em 1956, e Rio Branco passou a se

chamar Roraima, em 1962. Neste mesmo ano, o Território Federal do Acre foi elevado à

categoria de Estado;

���� A região Sul perdeu o Estado de São Paulo, já mencionado anteriormente;

���� Por fim, com a inauguração da cidade de Brasília, em abril de 1960, a região Centro-Oeste

passou a sediar o Distrito Federal.

3 Em 1974, o Estado da Guanabara foi extinto e seu território foi incorporado ao Estado do Rio de Janeiro.

Page 62: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

60

Da mesma forma que a divisão anterior, a regionalização de 1970 tinha como objetivos

permitir a coleta de dados estatísticos em todo o território nacional, fornecer elementos para o

ensino da Geografia ministrado em diversos níveis, além de nortear as ações e as políticas públicas

voltadas para a realidade de cada região do país. Todavia, ao contrário da regionalização de 1950,

esta levou em consideração principalmente a combinação de fatores demográficos e

socioeconômicos, uma vez que o país vivia as fases da maturidade industrial alcançada com o

Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961); da modernização das atividades

agrárias em amplas porções do território e da urbanização acelerada, fenômeno confirmado pelos

dados do Censo Demográfico de 1970. Definitivamente a noção de região natural já não podia mais

ser aplicada à realidade brasileira.

MAPA 3BRASIL: DIVISÃO REGIONAL DE 1950

(REGIÕES NATURAIS)

MAPA 4BRASIL: DIVISÃO REGIONAL DE 1970

(REGIÕES HOMOGÊNEAS)

Fonte: Adaptado de: IBGE. Atlas Geográfico Escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2002, p. 100.

Fonte: Adaptado de: IBGE. Atlas Geográfico Escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2002, p. 101.

O conceito de região polarizada, por sua vez, só pode ser entendido a partir da constituição

de uma rede urbana que interliga pontos distintos – e não apenas homogêneos – da superfície de

uma região ou mesmo de um país. Esses pontos podem se apresentar afastados ou próximos uns

dos outros e, neste caso, o que vai determinar o distanciamento entre eles é o grau de centralidade

de uma cidade principal que comanda toda essa dinâmica espacial.

Em outras palavras, a rede urbana é formada por uma cidade principal que exerce

influência direta sobre uma quantidade variável de cidades menores, o que vai configurar uma

relação hierárquica entre elas. Assim, de acordo com o tamanho e a importância das atividades

econômicas, notadamente a indústria, o comércio e os serviços, as cidades são classificadas

segundo níveis hierárquicos.

Page 63: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

61

Esse fenômeno espacial chamou a atenção de inúmeros geógrafos, que passaram a produzir

estudos sistemáticos sobre a formação de regiões polarizadas (regiões funcionais), o papel

desempenhado pelas cidades-pólos, a importância dos atores sociais envolvidos no processo, a

infra-estrutura criada para dar suporte a essa nova realidade, etc. Nesse sentido, merecem destaque

os trabalhos de Claude Raffestin (Por Uma Geografia do Poder), Pierre George (Geografia Ativa e

Geografia Urbana), Michel Rochefort (A Concepção Geográfica da Polarização Regional e Redes

e Sistemas), Bernardo Kayser (La Région comme Objet d’Etude de la Géographie), Paul Claval (A

Nova Geografia), Brian Berry (The Funcional Bases of the Central Place Hierarchy), Milton

Santos (Manual de Geografia Urbana e Economia Espacial), Roberto Lobato Corrêa (A Rede

Urbana e Região e Organização Espacial), Manuel Correia de Andrade (Espaço, Polarização e

Desenvolvimento), entre outros.

O francês Michel Rochefort pode ser considerado, sem nenhum exagero, um dos pioneiros

no tratamento da questão urbana e regional. No final da década de 1950, ele escreveu e defendeu

uma tese de doutoramento que ganhou grande expressividade em vários lugares do mundo,

inclusive aqui no Brasil. Trata-se de um estudo acerca da Organização Urbana da Alsácia,

localizada no Nordeste da França, estudo no qual ele passou a discutir, analisar e aplicar os

conceitos de rede e hierarquia urbanas.

Em Redes e Sistemas: ensinando sobre o urbano e a região, livro publicado no final da

década de 1990, Rochefort chama a atenção para a formação das redes urbanas não apenas nos

países de industrialização clássica, mas também em outras partes do mundo subdesenvolvido.

Segundo ele:

“As redes urbanas são muito diferentes umas das outras de acordo com as regiões e os países. Sua variedade resulta da maior ou menor multiplicidade dos tipos de centros; ela depende também das formas de interdependência e dos laços existentes entre esses tipos de centros.” (ROCHEFORT, 1998, p. 30).

E acrescentou ainda:

“As redes urbanas são infinitamente mais complexas quando se trata de velhos países e regiões de alto nível de desenvolvimento econômico e social. Surgem então numerosos tipos intermediários de centros que são um pouco mais que centros locais e um pouco menos que centros de sub-regiões. Em sentido contrário, no caso de um espaço muito pouco povoado ou de nível de vida muito baixo, a rede urbana se reduz com muita freqüência a um pequeno número de centros locais diretamente ligados à capital regional, sem que haja centros de sub-regiões ou centros intermediários.” (ROCHEFORT, 1998, p. 30-31).

Em países como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Holanda, Alemanha e Japão, as

redes urbanas exibem grande poder de articulação entre vastas áreas dos territórios nacionais,

Page 64: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

62

graças aos modernos e eficientes sistemas de transporte e comunicação. Para ilustrar bem essa

situação, basta citar a megalópole da costa leste dos Estados Unidos, área fortemente urbanizada

que abriga mais de 30 milhões de habitantes e que se estende de Boston a Washington, passando

por importantes cidades como Providence, Hartford, Stamford, Nova Iorque, Filadélfia e

Baltimore.

A Europa Central também conta com uma importante rede urbana. Trata-se da região

localizada na bacia do rio Reno, importante curso d’água que nasce na fronteira da Suíça com a

Alemanha e atravessa boa parte do território germânico até desaguar no mar do Norte, já em

território holandês. Ao descrever a dinâmica do espaço na região supracitada, JUILLARD, 1968,

apud FRÈMONT (op. Cit., p. 188-189), assim se manifestou:

“A Europa renana, de Basiléia aos grandes portos holandeses, constitui incontestavelmente um grande espaço de tipo funcional. As burguesias das grandes cidades mercantis do período pré-industrial, e depois os magnates do Ruhr do séc. XIX, tinham preparado a emergência de um espaço aberto para relações internacionais. A época contemporânea consagra a supremacia desse eixo na Europa. As mais fortes densidades de população, muitas vezes superiores a várias centenas de habitantes por quilómetro quadrado, acumulam-se na sua vizinhança, produtores de grande tecnicidade, consumidores de alto nível de vida também estão presentes ali. Caminhos de ferro, estradas, auto-estradas duplicam a via fluvial do Reno, tornando fáceis os transportes de toda a natureza. Aos portos (entre os quais Roterdão, o mais importante na Europa) acrescentam-se os nós rodoviários e os aeroportos internacionais. Por fim, algumas das maiores firmas mundiais (suíças, alemãs e holandesas) têm aqui os seus lugares de origem, o seu terreno de eleição, os seus centros de decisão. A penetração dos capitais americanos acrescenta a este espaço económico uma dimensão suplementar, a inter-continental. Zurique, Frankforte e Dusseldorf tornaram-se lugares de irradiação mundial.”

No Brasil essas redes urbanas refletem sobre uma base territorial níveis diferenciados de

desenvolvimento técnico, científico, político e econômico. Assim, enquanto as regiões Sul e

Sudeste apresentam grandes e importantes cidades que articulam uma vasta hinterlândia por meio

de modernos corredores rodoviários, ferroviários, hidroviários e aeroviários, bem como por

intermédio de cabos de fibra ótica (infovias), boa parte das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste

(à exceção da Zona da Mata) exibe um panorama que chega a se assemelhar com outras regiões

subdesenvolvidas do mundo: presença de algumas cidades importantes, precariedade dos sistemas

de transporte e comunicação e incipiente atividade econômica no campo e nas cidades.

No interior da Amazônia brasileira, por exemplo, “a distância entre os centros urbanos é, ao

mesmo tempo, sinal e causa da fraqueza das trocas.” (SANTOS, 1981, p. 140). Tal constatação

aplica-se também a um grande número de cidades localizadas no interior do Nordeste (Agreste e

Sertão), onde a vida urbana repousa sobre uma base econômica muito limitada, o que acaba

Page 65: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

63

corroborando para a constituição de uma região periférica/deprimida com fortes conseqüências

para a vida dos seus habitantes (concentração da renda, deficiência dos serviços públicos, elevadas

taxas de desemprego, aumento do saldo migratório, sobretudo entre a população jovem e adulta).

Ainda segundo SANTOS (1981, p. 140-141), nessas regiões, os fluxos são, ao mesmo

tempo, pouco complexos e pouco intensos, principalmente nas áreas onde a penetração da

economia monetária é fraca. Daí a formação de redes rudimentares, geralmente animadas por

correntes comerciais intermitentes em virtude das condições naturais desfavoráveis (estação das

chuvas, no caso da Amazônia), mas, principalmente, em virtude de uma produção regional pouco

diversificada, que não permite uma atividade contínua.

A análise detalhada do Mapa 5 permite constatar essa diversidade espacial descrita

anteriormente. Em primeiro lugar, pode-se observar o expressivo número de cidades de vários

níveis hierárquicos que compõem a estrutura urbana das regiões Sul e Sudeste, regiões que,

segundo SANTOS e SILVEIRA (2005, p. 53), refletem de maneira contínua sobre o território a

complexidade dos meios técnicos, científicos e informacionais. Com efeito, nesse espaço ultra-

dinâmico encontram-se desde centros sub-regionais de nível 2 (Santa Maria, Chapecó, Governador

Valadares, Cabo Frio, etc.), até metrópoles de influência global (Rio de Janeiro e São Paulo).

Dezenas de outras cidades vão complementar essa hierarquia, fato este que contribui para a

formação de sofisticadas redes onde circulam diariamente pessoas, mercadorias, serviços, capital e

informação. A expansão desse fenômeno espacial, cujo ponto de partida é a moderna cidade

capitalista, foi retratada em duas obras de grande repercussão no cenário acadêmico: As Cidades

na Economia Mundial (SASSEN, 1998, p. 75 seq.) e A Sociedade em Rede (CASTELLS, 1999,

passim).

Por outro lado, a região Nordeste exibe importantes cidades-pólos ao longo da estreita

franja litorânea: Fortaleza, Recife e Salvador, classificadas como metrópoles nacionais, e Natal,

João Pessoa, Maceió e Aracaju, classificadas como centros regionais. Já no interior da região

alguns centros sub-regionais de nível 1 podem ser destacados (Vitória da Conquista, Juazeiro,

Petrolina, Caruaru, Campina Grande, Juazeiro do Norte e Imperatriz). No entanto, vastas áreas

ainda apresentam centenas de pequenas cidades classificadas como centros locais. Elas ocupam o

nível mais elementar na hierarquia urbana.

Já a região Norte apresenta poucas cidades importantes que se distribuem difusamente

sobre uma superfície territorial que alcança milhões de quilômetros quadrados. Este fato reforça as

idéias de Rochefort quando afirma que nessas áreas fracamente povoadas ou de nível de vida

muito baixo, os pequenos núcleos urbanos estão ligados diretamente aos centros regionais (caso de

Rio Branco e Porto Velho) ou até mesmo aos centros sub-regionais (caso de Boa Vista, Macapá e

Palmas). No topo da hierarquia encontram-se as duas metrópoles (Manaus e Belém), cidades que

exibem forte polarização em toda região.

Page 66: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

64

MAPA 5 – BRASIL: HIERARQUIA URBANA (2000)

Fonte: Adaptado de: IBGE. Atlas Nacional do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p. 162.

Por fim, a região Centro-Oeste vai demonstrar dois aspectos interessantes. Enquanto a

porção setentrional do Estado do Mato Grosso guarda as mesmas características da região Norte

(isolamento geográfico e ausência de cidades importantes), as cidades localizadas no Mato Grosso

do Sul e em Goiás vão apresentar forte conexão com as principais cidades das regiões Sul e

Sudeste. Destaque para Brasília (metrópole nacional), Goiânia (metrópole regional), Cuiabá e

Campo Grande (centros regionais).

A partir do exposto, foi possível apreender que as cidades que são capazes de oferecer uma

quantidade expressiva de bens e serviços sofisticados ocupam os pontos mais altos da hierarquia.

Com isto, elas tendem a ampliar a influência sobre outras cidades menos importantes, chegando,

inclusive, a ultrapassar os limites da própria região onde se localizam. Nesse caso, pode-se dizer

que toda essa área de domínio representa a região polarizada pelas cidades em questão.

A constituição de áreas metropolitanas também está associada à idéia de região polarizada

(região funcional urbana, no dizer de FRIEDMANN, op. Cit., p. 37), uma vez que as mesmas são

formadas pelas cidades principais (as metrópoles ou as cidades-pólos) e por outras que apresentam

Page 67: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

65

forte dependência em relação a essas cidades, haja vista o dinamismo econômico alcançado por

elas.

Esse dinamismo, por sua vez, pode ser representado pela diversidade e complexidade das

estruturas industriais, pela ampliação das atividades comerciais (redes de atacado e varejo) e pela

oferta de serviços sofisticados que muitas vezes não são encontrados em outros municípios da

própria região metropolitana ou até mesmo do interior do Estado, tais como: hospitais, laboratórios

e clínicas especializadas; escolas técnicas, universidades e institutos de pesquisa; agências

bancárias; corretoras e seguradoras; assessorias contábil e jurídica, entre outros. Na área de lazer,

entretenimento e informação, essas cidades-pólos contam ainda com grandes redes de hotéis e

pousadas, parques temáticos, museus, cinemas, teatros, agências de viagem e publicidade,

emissoras de rádio e televisão, jornais e editoras, etc.

Vale ressaltar que ao lado de todos esses aspectos econômicos positivos, existem também

problemas sócio-espaciais consideráveis, uma vez que a possibilidade de melhoria das condições

de vida e trabalho, aliada ao crescimento econômico dessas regiões, acabou atraindo milhares de

pessoas das pequenas cidades do interior e até mesmo das áreas rurais, que passaram a residir nas

cidades centrais e nas cidades circunvizinhas. A intensificação desse fluxo migratório, sobretudo

no período 1970-1980, contribuiu para o crescimento desordenado das regiões metropolitanas

(fenômeno conhecido como metropolização) e para a deterioração das condições ambientais, cujos

reflexos podem ser vistos na própria paisagem urbana: forte adensamento populacional; falta de

moradias adequadas para as famílias de baixa renda; precariedade dos serviços públicos (escolas,

creches, hospitais, postos de saúde, delegacias de polícia, coleta e destino do lixo, abastecimento

de água potável, canalização e tratamento dos esgotos, pavimentação e iluminação de ruas, etc.).

Problemas como deficiência do sistema de transporte coletivo, aumento da informalidade em

função do desemprego e agravamento da violência urbana também podem ser observados no

cotidiano desses municípios.

O recrudescimento dessa situação chamou a atenção dos profissionais de diversas áreas

(sociólogos, economistas, urbanistas, engenheiros e geógrafos), que passaram a produzir estudos

sobre a realidade urbana, ao mesmo tempo em que começaram a exigir dos legisladores e

governantes medidas no sentido de corrigir e/ou atenuar as disparidades encontradas no espaço

metropolitano.

E foi com base nesse entendimento que o governo federal, através da Lei Complementar n°

14, de 8 de junho de 1973, instituiu oficialmente a idéia de região metropolitana. Trata-se, portanto,

de uma área territorial formada pela cidade principal e pelas cidades polarizadas por ela. Assim,

quando se verifica uma integração física (expansão contígua da mancha urbana) entre os

municípios da região metropolitana, ocorre o que os geógrafos chamam de conurbação. Em outros

Page 68: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

66

casos, quando alguns municípios fazem parte desse conjunto, mas são separados por áreas rurais,

diz-se que houve apenas uma integração funcional.

De acordo com FERRARI (op. Cit., p. 318), a região metropolitana nada mais é que uma

região polarizada definida e delimitada pelo IBGE e pelo IBG a partir de três critérios:

demográficos, estruturais e de integração. Sendo assim, a metrópole ou a cidade central deve ter

uma população mínima de 400 mil habitantes e seu distrito deve ter uma densidade demográfica

mínima de 500 hab/Km² (5 hab/ha). Além disso, um município só poderá pertencer à região

metropolitana se, no mínimo, 10% de sua população potencialmente ativa se ocupar em atividades

industriais e também quando o valor total da sua produção industrial for, no mínimo, o triplo do

valor de sua produção agrícola. Finalmente, o município para pertencer à região metropolitana

deve ter pelo menos 10% de sua população trabalhando na metrópole ou na cidade central.

Na prática, a região metropolitana representa um recorte espacial destinado ao

planejamento territorial, ou seja, na medida em que os problemas descritos anteriormente fugiam

do controle e da competência individual de cada município, fez-se necessário pensar toda a

dinâmica espacial em conjunto, com vistas à elaboração e execução de um plano integrado do

desenvolvimento urbano.

As ilustrações exibidas a seguir sintetizam parte da discussão acerca das regiões

polarizadas. O Mapa 6 destaca os 13 municípios que fazem parte da região metropolitana de

Fortaleza, espaço ocupado por 2.974.915 habitantes, dos quais 2.138.234 habitantes residem na

capital (IBGE, 2003). Observe ainda que Fortaleza, no papel de cidade-pólo, organiza a sua

hinterlândia por meio de corredores ferroviários e, sobretudo, rodoviários (presença de rodovias

estaduais e federais que partem do núcleo central em direção aos municípios da região). O

aeroporto internacional, ampliado recentemente, e o porto de Fortaleza vão funcionar também

como elos de ligação da região com o restante do Brasil e com o exterior.

Nesse sentido, torna-se oportuno lembrar que a cidade-pólo representa o centro econômico

e que o seu dinamismo se faz sentir sobre a região que o cerca, de vez que ele cria fluxos da região

para o centro e refluxos do centro para a região. O desenvolvimento regional estará, assim, sempre

ligado ao da cidade-pólo, conforme escreveu PERROUX, 1964, apud ANDRADE (1990, p. 59).

Já o Mapa 7, produzido a partir de uma imagem de satélite, representa a importância dos

modernos recursos tecnológicos colocados à disposição do planejamento territorial. Através dele é

possível perceber com maior exatidão a dinâmica da organização espacial em um dado período.

Observe, por exemplo, os limites entre os municípios, as áreas de forte adensamento populacional

(zonas conurbadas), as áreas ocupadas pelas atividades agropecuárias, a distribuição da cobertura

vegetal, a presença dos corpos líquidos (oceano, rios, lagoas e açudes), entre outros elementos.

Informações como essas são imprescindíveis ao trabalho dos gestores públicos, uma vez que os

mesmos serão os responsáveis pela implementação de grandes obras de infra-estrutura.

Page 69: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

67

MAPA 6 – REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA

Fonte: Adaptado de: GIRARDI, Gisele e VAZ ROSA, Jussara. Novo Atlas Geográfico do Estudante. São Paulo: FTD, 2005, p. 76.

MAPA 7 – REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA CAPTADA PELO

SATÉLITE LANDSAT-5

Fonte: Adaptado de: GIRARDI, Gisele e VAZ ROSA, Jussara. Novo Atlas Geográfico do Estudante. São Paulo: FTD, 2005, p. 77.

Page 70: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

68

Por fim, deve-se deixar claro que a região metropolitana pode também ser classificada

como uma região-plano (região-programa), haja vista que os “problemas principais já são

conhecidos das autoridades governamentais que estabelecem para ela objetivos econômicos,

sociais, administrativos e físico-territoriais a serem atingidos por um plano integrado.” (FERRARI,

op. Cit., p. 319).

A noção de região-plano (região-programa) foi aplicada com bastante êxito na Europa

Ocidental, particularmente na Inglaterra e na França, a partir da década de 1940. Este último país

instituiu uma ampla política de Aménagement du Territoire, dentro da qual foram traçadas

inúmeras estratégias de développement régional, tais como: grandes investimentos públicos

direcionados para a agricultura de mercado, fato que colocou o país em uma posição privilegiada

em termos de competitividade; ampliação das políticas voltadas à reforma agrária; recuperação das

estruturas destruídas com a guerra (estradas, pontes, ferrovias, parques industriais, usinas de

energia); criação de programas de desenvolvimento social e econômico dos espaços urbanos,

incluindo desde a ampliação da oferta de serviços em cada Departamento, até políticas de

incentivo à descentralização industrial, etc. (ROCHEFORT et al., 1970, passim).

Tais medidas objetivavam também diminuir a concentração econômica e demográfica na

região parisiense. Para tanto, inúmeros organismos, em sua maior parte ligados ao Ministère de la

Construction, foram criados: Commission Nationale à l’Aménagement du Territoire (CNAT),

Commission de Développement Économique Régional (CODER), Délégation à l’Aménagement du

Territoire et à l’Action Régionale (DATAR), Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de la Région

de Paris (IAURP), Fonds de Développement Économique et Social (FDES), Fonds d’Action

Sociale pour l’Aménagement des Structures Agricoles (FASASA), Fonds d’Orientation et de

Régularisation des Marchés Agricoles (FORMA), para citar apenas alguns exemplos.

No Brasil, pode-se afirmar que a idéia de região-plano foi forjada pela Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), órgão de planejamento estatal criado em 1959 durante o

governo do presidente Juscelino Kubitschek.

Na verdade, a SUDENE começou a ser gestada em 1956, através do Grupo de Trabalho

para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), grupo que passou a ser coordenado em 1958 pelo

economista paraibano Celso Furtado, então diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico (BNDE). De acordo com ANDRADE (1988-a, p. 6; 8), o GTDN elaborou um

diagnóstico sucinto da região, demonstrando que o grande problema da mesma não era de ordem

climática, como se afirmava, mas de ordem econômica, face ao atraso em que se encontrava em

relação às outras regiões brasileiras e ao fato de a economia, planejada a nível nacional, fazer com

que a região mais pobre subsidiasse o desenvolvimento das regiões economicamente mais

desenvolvidas.

Page 71: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

69

Durante mais de um século, a elite regional, representada por políticos, empresários e

grandes fazendeiros, utilizou o problema hídrico como mecanismo para conseguir verbas públicas

que seriam destinadas ao “combate às secas”. Foi assim com a Inspetoria de Obras Contra a Seca

(IOCS), criada em 1909, com o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), criado

em 1945 durante o Estado Novo, e com o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), criado durante a

seca que assolou a região em 1952.

Com efeito, os recursos públicos que foram destinados ao Nordeste acabaram beneficiando

essa elite, em detrimento da grande parcela da população empobrecida que sofria cada vez mais

com os efeitos das longas estiagens. Essa prática clientelista conduziu políticos inescrupulosos ao

poder, aumentou a concentração das terras e da renda, estagnou a economia local, agravou a

questão migratória (a região tornou-se uma área de repulsão) e promoveu a morte de milhares de

pessoas vitimadas pelas doenças e pela fome.

A SUDENE foi instituída para promover uma grande mudança nesse cenário. Seria ela mais

um órgão público, porém, com outras estratégias capazes de estimular de maneira duradoura o

desenvolvimento social e econômico em toda a região. Neste contexto, é interessante destacar,

segundo SOUZA et al. (2008, p. 225), que:

Ela “foi criada tanto como resultado da perspectiva desenvolvimentista do governo JK, quanto da necessidade de se dar uma resposta às demandas sociais por desenvolvimento. Era na verdade uma idéia inovadora. Tanto que na sessão congressual em que a lei que fundaria a Sudene foi votada, parlamentares nordestinos ligados às antigas oligarquias se posicionaram contra a sua criação, muito provavelmente pela possibilidade de mudança do caminho dos recursos públicos direcionados ao Nordeste. Como a Sudene possuiria um corpo extenso de burocratas, os créditos para a liberação de recursos seriam técnicos. Isso certamente dificultaria o clientelismo, marca dos políticos da região.”

Na perspectiva de Celso Furtado, primeiro superintendente do órgão, era preciso antes de

mais nada por fim ao clientelismo, para em seguida transformar as estruturas sociais responsáveis

pela estagnação econômica e pela disseminação da pobreza. Assim sendo, enquanto os órgãos de

combate à seca adotavam uma política de armazenamento de água através da construção de

grandes reservatórios de superfície (barragens e açudes) e de instalação de poços artesianos, a

SUDENE propunha um programa muito mais amplo, calcado nas seguintes bases:

���� Promoção da industrialização por meio da concessão de incentivos fiscais e creditícios, como

forma de atrair para a região empresas do Centro-Sul do país. A Lei de Incentivos Fiscais, por

exemplo, baseou-se em uma legislação criada para promover o desenvolvimento do

Mezzogiorno, região italiana com características sociais e econômicas semelhantes as do

Nordeste;

Page 72: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

70

���� Ampliação da oferta de energia através da construção de usinas hidrelétricas ao longo dos

principais rios da região: o São Francisco e o Parnaíba. Na ocasião, a Companhia Hidrelétrica

do São Francisco (CHESF) tornou-se uma das grandes parceiras da SUDENE na promoção de

estratégias para o desenvolvimento regional;

���� Intensificação da exploração de jazidas minerais de grande valor econômico para a indústria

regional, nacional e mundial, com destaque para o ferro, o manganês, a bauxita, a cassiterita, a

xelita e o calcário;

���� Ampliação e melhoramento da malha rodoviária que atravessa a região, com o propósito de

facilitar o transporte de matérias-primas, mercadorias e pessoas;

���� Captação de água através da construção de açudes e barragens. Vale lembrar que, ao contrário

das estratégias adotadas no passado, esse importante recurso deveria estar disponível também

para as populações menos favorecidas;

���� Adoção de uma política de reforma agrária capaz de promover a desapropriação de grandes

propriedades na Zona da Mata e no Sertão e o posterior assentamento de famílias camponesas;

���� Apoio aos pequenos e médios produtores rurais através de linhas de financiamento condizentes

com a realidade. Assim, por meio do crédito bancário esses produtores poderiam investir no

melhoramento do solo, na seleção de espécies, na irrigação, na compra de maquinário, no

armazenamento e no transporte;

���� Aumento dos investimentos nas áreas de educação e saúde, como forma de garantir a melhoria

da qualidade de vida da população, etc.

Essas metas estabelecidas por Celso Furtado e por sua equipe de trabalho não foram

totalmente concretizadas. Com o golpe militar de abril de 1964, Furtado foi destituído do cargo de

superintendente, teve os seus direitos políticos cassados e foi obrigado a deixar o país para viver no

exílio. Yná ANDRIGHETTI (1998, p. 31) lembra que a partir daí muitas propostas sugeridas

anteriormente foram abandonadas e a SUDENE transformou-se em mais um organismo voltado

aos interesses das camadas política e economicamente influentes. Assim, deu-se continuidade às

grandes obras e à política de favorecimentos – mas, desta vez, basicamente a serviço de poderosos

grupos econômicos nacionais e estrangeiros, e não da oligarquia tradicional do Nordeste.

No plano econômico é inegável a contribuição da SUDENE, uma vez que houve um

aumento do produto per capita nordestino a taxas anuais de 3,1%, enquanto que o restante do país,

no conjunto, via seu produto per capita crescer apenas 2,8% ao ano. O crescimento da participação

do setor industrial na economia nordestina também foi expressivo. Entre os anos de 1960 e 1996,

as atividades produtivas industriais expandiram-se em mais de 40%, fazendo com que o setor

secundário respondesse por cerca de 29% da produção econômica regional (SOUZA et al., op. Cit.,

p. 227).

Page 73: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

71

O setor agropecuário também experimentou modificações substanciais ao longo desse

período. No entanto, as inovações privilegiaram alguns atores sociais, algumas culturas e/ou

espécies de animais e alguns territórios. Na Zona da Mata, por exemplo, destaca-se o pólo agrícola

da porção meridional de Sergipe, onde a laranja é produzida por grandes empresas. A pecuária

semi-intensiva desenvolveu-se em certas áreas do Agreste pernambucano e alagoano, onde a

produção de carne e leite vem ganhando cada vez mais espaço em um cenário tradicionalmente

ocupado pela policultura de alimentos praticada por pequenos sitiantes.

Algumas áreas do Sertão semi-árido vão testemunhar a decadência do trinômio

“pecuária–cotonicultura–agricultura de sequeiro” e a implantação de grandes fazendas que

desenvolvem a fruticultura a partir de modernas técnicas de irrigação, melhoramento dos solos e

das plantas, colheita e armazenamento. Com efeito, os vales dos rios São Francisco

(Pernambuco/Bahia), Mossoró (Rio Grande do Norte), Piranhas-Açu (Paraíba/Rio Grande do

Norte) e Jaguaribe (Ceará) passaram a produzir uva, caju, manga, melão, melancia, abacaxi,

banana, goiaba, coco, entre outras frutas, para abastecer os mercados do Centro-Sul do país e até

do exterior. Além da exportação de frutas in natura, as empresas nacionais e transnacionais

exportam também sucos processados industrialmente e castanha de caju, atividades que geram

vantagens competitivas (menos concorrentes e preços mais estáveis e elevados) quando

comparadas a produtos tradicionais como o algodão, o milho e a cana-de-açúcar.

Em resumo, a associação entre capital, conhecimento científico, tecnologia de ponta e

informação reorganizou profundamente esses espaços que, segundo SANTOS (1997, p. 191),

passaram a atender aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política, ao

mesmo tempo em que foram integrados aos mercados globalizados. Por outro lado, as

transformações desencadeadas por essa agricultura empresarial colocou em discussão as idéias

deterministas defendidas pelas oligarquias tradicionais, idéias que atribuíam ao clima semi-árido o

“fracasso” da economia e a miséria que pesa sobre parcela considerável da população regional.

Por fim, observa-se o avanço da monocultura do arroz, do feijão, do milho e,

principalmente, da soja nas áreas anteriormente ocupadas pela formação dos cerrados (oeste da

Bahia e porção meridional do Maranhão e Piauí). Essas culturas foram trazidas por grandes

fazendeiros, especialmente gaúchos, atraídos pela oferta de terras baratas e pelos incentivos

concedidos pelos governos estaduais e municipais. Em pouco mais de duas décadas essas áreas

experimentaram forte crescimento populacional, impulsionado pela expansão recente da fronteira

agrícola. Entretanto, como a monocultura constitui uma atividade poupadora de mão-de-obra por

excelência, as taxas de desemprego também atingiram patamares significativos. O mito do

eldorado da soja, no dizer de Rogério HAESBAERT (1996, p. 382 seq.), contribuiu para o aumento

brutal das desigualdades sociais (concentração da terra, violência no campo, marginalização dos

pequenos produtores rurais, migrações e favelização das cidades do interior) e para o surgimento

Page 74: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

72

de graves impactos ambientais em todo o bioma (devastação da cobertura vegetal original, erosão

dos solos, comprometimento dos mananciais hídricos em função da irrigação sem planejamento e

da poluição provocada por agroquímicos, etc.).

Como ficou também evidente, no plano social a SUDENE não conseguiu equacionar os

principais problemas que afetam as populações menos favorecidas. Para ilustrar bem essa situação,

estão expostos no quadro abaixo trechos selecionados de um discurso elaborado e proferido pelo

professor emérito Manuel Correia de Andrade na Assembléia Legislativa de Pernambuco, que

analisou e interpretou o Brasil e o Nordeste a partir de uma visão dinâmica, crítica e multifacetada.

Na ocasião, o autor questionou as ações e os projetos desenvolvidos pela SUDENE nas áreas

drenadas pelo médio curso do rio São Francisco, entre os Estados da Bahia e Pernambuco.

QUADRO 6 – AS AÇÕES DA SUDENE NO VALE DO SÃO FRANCISCO E A VISÃO DE

MANUEL CORREIA DE ANDRADE

(...) No Projeto de Sobradinho pude observar o uso de uma tecnologia de engenharia do mais alto nível, mas um total desprezo pelos programas de assistência à população rural. E retirou-se a população de beira-rio, onde eles faziam uma cultura de vazante, de pesca. Alguns foram colocados em campos da caatinga, onde não havia nenhuma adaptação e que só prestava para a pecuária, outros foram transferidos para a serra do Ramalho, na Bahia, a 1.700 Km de distância, no município de Bom Jesus da Lapa. A maioria não suportou as condições do local, abandonou o Programa e voltou. Quer dizer, houve um desprezo total pelo homem. Entretanto, o homem deve ser o elemento prioritário, deve-se levar em conta o atendimento às suas necessidades para poder utilizar a tecnologia, e é preciso saber que tecnologia se adapta ao semi-árido. Eu não sou contra a irrigação, ela é necessária, mas as grandes obras de irrigaçãobeneficiaram quem? [grifo nosso] As grandes empreiteiras, que têm um poder de pressão enorme para construção de obras de irrigação. As mesmas que em outros momentos foram contratadas para a construção de estradas na Amazônia, cujas manutenções eram inviáveis, e todo mundo sabia. (...) Em segundo lugar, o que é que se observa no São Francisco? As grandes culturas irrigadas são culturas de exportação para os grandes centros populacionais ou até para o exterior. Uma vez, em Petrolina, um comerciante disse-me que estava exportando aspargos para a Espanha. Eu disse que era melhor quetivesse produzindo milho ou sorgo para a população do Nordeste. Temos hoje vinhos da melhor qualidade, que competem com os melhores vinhos europeus, produzidos no São Francisco. Mas será queé essa a prioridade que deveria ser dada? [grifo nosso]. Acompanhei a implantação do Projeto Bebedouro. (...) Fiquei entusiasmado com o começo da implantação, mas sei os percalços por que passou este projeto e, no fim, os grandes beneficiados não são os agricultores da área, mas quem vem de fora, trazendo grandes capitais, conseguindo investimentos via Sudene, para aplicar na área. Acho que deveria haver também uma preocupação em fixar a população da área, evitar sua saída, até porque ela está congestionando as grandes cidades. E aí agravam-se os problemas sanitários, educacionais, de segurança nas grandes cidades, devido à migração desordenada. As cidades não têm capacidade de absorver uma mão-de-obra que é especializada em atividades agrícolas, primárias.

Fonte: Elaborado com base em: ANDRADE, Manuel Correia de. O Desafio Ecológico: utopia e realidade. São Paulo: Hucitec, 1994, p. 96-98.

Passadas cinco décadas da criação da primeira superintendência de desenvolvimento

regional, muita coisa mudou na região Nordeste e muita coisa também permaneceu praticamente

inalterada. O processo de industrialização intensificou-se e os parques fabris expandiram-se pelas

principais capitais da região, o setor terciário também foi impulsionado por esse crescimento. A

agropecuária experimentou progressos seletivos, como foi visto anteriormente. Por outro lado, a

Page 75: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

73

tão sonhada reforma agrária jamais saiu do papel, fazendo com que os pequenos produtores

sobrevivam em condições realmente precárias.

A fala de Manuel Correia de Andrade não deixa nenhuma dúvida nesse sentido: enquanto

as modernas empresas agrícolas instalaram-se na região e aproveitaram as benesses do Estado,

milhares de famílias camponesas migraram para as periferias das cidades na tentativa de fugir da

fome e da miséria. Uma vez nas cidades, essas pessoas acabaram engrossando as estatísticas que

colocam o Nordeste em uma posição desconfortável em relação às demais regiões do país,

exibindo altos índices de mortalidade infantil e adulta, baixa esperança de vida ao nascer, elevadas

taxas de analfabetismo e evasão escolar e insignificante nível de renda da maior parte da

população.

A respeito desse último indicador sócio-econômico, ARAÚJO (1995, p. 147) destacou o

seguinte:

“No Nordeste, o crescimento econômico fez triplicar o PIB (de US$ 20,8 bilhões em 1970 atingiu US$ 65,3 bilhões em 1993, medidos a preços de 1993 pela SUDENE), enquanto o produto per capita apenas duplicou no mesmo período (passou de US$ 740 para US$ 1.486). Esse já é um primeiro indicador importante de que a elevação do padrão de vida não decorre linearmente do mero crescimento econômico, embora seja ainda imperfeito, pois o PIB per

capita esconde um dos mais graves problemas do Nordeste: a forte concentração da riqueza e, portanto, da renda regional.”

Esse triste panorama reflete-se ainda na posição ocupada pelos Estados nordestinos em

termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador criado pela Organização das

Nações Unidas (ONU) para medir a qualidade de vida de uma determinada população. Com efeito,

todos os Estados nordestinos estão entre os piores IDH’s do Brasil, segundo dados do IPEA/PNUD,

2003, apud BRASIL (2006-a, p. 39). Observe os números: Pernambuco (0,705), Rio Grande do

Norte (0,705), Ceará (0,700), Acre (0,697), Bahia (0,688), Sergipe (0,682), Paraíba (0,661), Piauí

(0,656), Alagoas (0, 649) e Maranhão (0,636).

Page 76: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

74

1.3 AS EXPERIÊNCIAS DE INTERPRETAÇÃO REGIONAL NA PARAÍBA E A POSIÇÃO OCUPADA

PELO BAIXO MAMANGUAPE

Antes de estabelecer algumas considerações acerca do tema proposto, faz-se necessário

entender o significado da palavra regionalização. Não obstante, do mesmo modo que o conceito de

região está relacionado a uma série de circunstâncias e particularidades, as formas de

regionalização também vão variar conforme a própria evolução do pensamento geográfico.

A regionalização nada mais é que a divisão de um território em unidades menores, com

finalidades que variam de acordo com os interesses e o propósito de cada pessoa, pesquisador ou

instituição. Para BERNARDES (s.d., p. 30), trata-se de um instrumento ou estratégia de ação para a

complementação de uma política de desenvolvimento regional e urbano, assim como para o

planejamento setorial, a descentralização administrativa ou qualquer outro tipo de intervenção em

um espaço territorial.

O geógrafo Pedro GEIGER (1969, p. 11) lembra ainda que o termo refere-se a um processo

tanto mais profundo e nítido quanto mais desenvolvido o país, e inexistente ou inexpressivo nos

territórios mais subdesenvolvidos, onde permanecem diferenciações tradicionais do espaço.

Vale ressaltar que as regiões fluídas, identificadas por Armand Frèmont, encaixam-se

perfeitamente neste último quadro. Segundo ele, nos espaços “inóspitos” do globo (determinados

trechos da Amazônia, parte considerável do deserto do Saara, algumas colinas e planaltos do

interior da Indochina, confins da Sibéria e do Pólo Ártico), a natureza parece apagar a presença dos

homens e a região torna-se de tal modo fluída. Em outras palavras, a região existe de fato, mas

com certa fluidez. Fluidez quer dizer o caráter daquilo que, como um líquido, é facilmente

deformável, móvel e cambiante e, deste modo, bastante difícil de captar. As constantes migrações

dos povos que habitam essas áreas, associadas ao baixo nível técnico apresentado por eles,

dificultam a delimitação precisa das regiões humanas (FRÈMONT, 1983, p. 170 seq.).

No caso do Estado da Paraíba, pode-se observar que as primeiras tentativas de repartição do

território (termo mais apropriado que regionalização) foram elaboradas no final do século XIX a

partir da noção de região natural, conceito prevalecente no meio geográfico de então. Em virtude

das condições operacionais vivenciadas na época – distâncias, isolamento geográfico, precariedade

dos meios de transporte e comunicação e ausência de recursos técnicos – esses trabalhos

apresentam algumas lacunas, algumas imperfeições. No entanto, eles servem de ponto de partida

para estudos mais aprofundados e mais detalhados sobre o mosaico de paisagens naturais e

humanas que compõem o território paraibano.

De acordo com MOREIRA (1988, p. 11), no ano de 1861 o Tenente-Coronel Henrique de

Beaurepaire Rohan baseou-se na cobertura vegetal e no relevo para dividir o território paraibano

em três grandes zonas: o domínio das Matas, das Caatingas e dos Tabuleiros; o domínio do

Page 77: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

75

planalto da Borborema (área de ocorrência das cactáceas e das bromeliáceas); e o domínio do

Sertão (área de maior concentração das cactáceas e dos carnaubais).

Três décadas após a realização desse estudo, o magistrado Irenêo Joffily sugeriu uma nova

divisão do território, baseada nas características da cobertura vegetal dominante em cada secção.

Neste trabalho ele relacionou, ainda que de forma sinótica, a distribuição da flora às condições

climáticas e edáficas e destacou algumas intervenções feitas pelo homem nesses ambientes

(Quadro 7 e Mapa 8).

QUADRO 7 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1892(SEGUNDO A DISTRIBUIÇÃO DA FLORA)

Secções Espécies Vegetais Observações

Litoral e Tabuleiros

Coqueirais (praias arenosas), manguezais (embocadura dos rios até o limite das mares altas), jatobá, cedro, angelim, sucupira, pau d’arco, pau brasil, louro, mangabeira, cajueiro, etc.

Extração de madeira para a construção de casas e para a produção de combustível. As formações florestais encontram-se bastante destruídas pela ação do homem.

Caatingas (Zona Seca)

Flora adquire características das zonas contíguas (Litoral, Brejo e Sertão).

Terrenos mais férteis (argilosos), bastante aproveitados para a agricultura. Destaque para a cotonicultura e para a criação de animais.

Brejos Massaranduba, camucá, pirauá, pitombeira, guararema, jurema, gameleira, jaracatiá, etc.

Terrenos mais elevados e acidentados. Clima mais ameno e solos que exibem elevada fertilidade natural. Processo gradativo de substituição das matas pelos roçados.

Agreste Vegetação rasteira, jaboticaba, araçá, murta, quina, etc.

Faixa de terra localizada ao ocidente dos brejos. Destaque para a criação de animais e para a agricultura.

Sertão

Cariri: Facheiro, mandacaru, macambira, coroa de frade, umbuzeiro, angico, catingueira, baraúna, aroeira, etc. Alto Sertão: Vegetação rasteira (campos abertos), carnaúba, oiticica, faveleiro, catolé, etc.

Plantas usadas na alimentação dos animais e na alimentação humana (períodos de secas prolongadas).

Fonte: Elaborado com base em: JOFFILY, Irenêo. Notas Sobre a Parahyba. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1892, p. 43 seq.

Apesar de meramente descritivo, Joffily demonstrou neste trabalho certo domínio ao

apresentar as paisagens naturais encontradas em cada porção do território. Na verdade, os seus

conhecimentos no campo da Botânica e da História Natural foram adquiridos no colégio do padre

Ignácio Rolim, localizado na cidade de Cajazeiras, entre os anos de 1856 e 1857. Além disso, as

incursões realizadas pelo interior da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará também ajudaram a

formar a base da sua regionalização.

Ao longo da primeira metade do século XX outras tentativas de regionalização foram

elaboradas para o Estado da Paraíba, todas seguindo as mesmas características dos trabalhos

mencionados anteriormente. Dentre elas, convém destacar a divisão do território em zonas

Page 78: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

76

fisiográficas, proposta elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no ano de 1945

(Mapa 9). Em síntese, as zonas fisiográficas constituíam unidades espaciais menores inseridas no

contexto das grandes regiões naturais e eram formadas por municípios que apresentavam

semelhanças sociais e econômicas. Essa divisão serviu de base para a coleta e publicação dos

dados estatísticos dos Censos de 1950 e 1960. Além disso, ela foi importante para fornecer

conteúdos para o ensino da Geografia ministrado em diversos níveis, bem como para nortear as

ações do poder público em diversas escalas.

Por fim, deve-se ressaltar que a própria composição do Mapa 9 (Divisão do Território

Paraibano em Zonas Fisiográficas) assinalou uma evolução em termos de conceituação,

metodologia e delimitação das unidades espaciais. Com efeito, os progressos observados no campo

da Geografia e da Cartografia contribuíram de maneira decisiva para a representação espacial das

distintas zonas fisiográficas que integram o território paraibano. Segundo o estudo elaborado pelo

IBGE, a Paraíba foi dividida em 8 zonas fisiográficas: Litoral e Mata, Agreste e Caatinga

Litorânea, Brejo, Agreste e Caatinga Central, Médio Sertão dos Cariris Velhos, Seridó, Baixo

Sertão do Piranhas e Alto Sertão (Mapa 9).

A partir da década de 1960, novas formas de regionalização foram desenvolvidas para o

Estado em questão. Em 1965, por exemplo, Bernard Issler repartiu o território estadual em 5

grandes unidades (Litoral, Depressão, Brejos Serranos, Borborema e Sertão), dentro das quais

destacavam-se 12 subunidades, a saber: Praias, Tabuleiros, Planícies, Brejo, Serras, Agreste,

Cariris do Paraíba, Curimataú, Cariris de Princesa, Sertão do Seridó, Baixo Sertão do Piranhas e

Alto Sertão (Mapa 10). Essa divisão levou em consideração alguns componentes do meio natural

(relevo dominante, presença de rios, tipos de solos, etc.). Entretanto, as principais formas de uso da

terra também foram consideradas como critério para a delimitação das respectivas unidades e

subunidades espaciais, conforme apontou MOREIRA (1988, p. 16-17).

Vale lembrar que as décadas de 1960 e 1970 vão ser marcadas pela retomada das discussões

acerca do processo de regionalização em todo o território nacional, tendo o IBGE e a SUDENE

papéis de destaque na elaboração desses estudos. Sobre esse aspecto, DUARTE (1980, p. 9)

esclarece que duas características podem ser delineadas nessa fase. Uma refere-se à relação entre

os conceitos de região e regionalização e o planejamento regional. Esta foi a época dos “modelos

desenvolvimentistas”, sobretudo na América Latina, e os geógrafos na condição de técnicos do

planejamento regional, produziram estudos sobre regionalização voltados para o desenvolvimento

econômico. A outra é que o espaço geográfico passou, para fins de regionalização, a ser analisado

dualisticamente em regiões homogêneas (formais ou uniformes) e regiões funcionais urbanas

(polarizadas ou nodais).

Ainda de acordo com o autor, as regiões funcionais foram privilegiadas como a base para a

operacionalização das estratégias para se alcançar o desenvolvimento. Com isso, nos países ou nas

Page 79: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

77

áreas mais desenvolvidas técnica e economicamente, procurar-se-ia planejar através delas. Já nos

países ou nas áreas menos desenvolvidas, as regiões homogêneas representavam a base espacial

mais apropriada para o planejamento regional (DUARTE, op. Cit., p. 15). As mesmas seriam

caracterizadas a partir da identificação das formas de povoamento, das atividades econômicas

dominantes e dos principais produtos cultivados (GEIGER, op. Cit., p. 5).

Com base nesses critérios, em 1968 o IBGE dividiu o Brasil em 360 regiões homogêneas

(microrregiões homogêneas), 127 delas localizadas na região Nordeste. Na ocasião, o território

paraibano foi dividido em 12 microrregiões, a saber: Catolé do Rocha (89), Seridó Paraibano (90),

Curimataú (91), Piemonte da Borborema (92), Litoral Paraibano (93), Sertão de Cajazeiras (94),

Depressão do Alto Piranhas (95), Cariris Velhos (96), Agreste da Borborema (97), Brejo Paraibano

(98), Agro-pastoril do Baixo Paraíba (99) e Serra do Teixeira (100) (Mapa 11).

No que se refere à regionalização do espaço agrário paraibano, uma série de trabalhos

foram desenvolvidos por importantes pesquisadores, em sua maioria nas décadas de 1970 e 1980.

O Quadro 8, exposto logo a seguir, apresenta um breve resumo dos mesmos.

Como o propósito desse estudo não é realizar uma análise exaustiva das formas de

regionalização, serão destacados apenas alguns pontos relevantes desse processo, na intenção de

que se possa compreender a dinâmica da organização do espaço agrário a partir da visão de vários

especialistas do assunto.

Em primeiro lugar, todos os trabalhos, à exceção daquele produzido por José Ferreira

Irmão, correlacionaram as atividades econômicas de uso da terra aos principais elementos naturais

(fatores climáticos, tipologias de solo, características do relevo, disponibilidade de água). Na

verdade, o entendimento desses mecanismos contribui para uma visão mais abrangente do

processo de organização espacial. Entretanto, alguns cuidados devem ser tomados a fim de que não

se tire conclusões embasadas em premissas deterministas.

Dentre os trabalhos de regionalização, o da professora e pesquisadora Emília de Rodat

Fernandes Moreira apresenta importantes aspectos do processo de transformação recente do espaço

agrário paraibano. Assim sendo, para a identificação dos diferentes subespaços, denominados por

ela de regiões agrárias, a mesma tomou como referência as formas de organização da produção,

que por sua vez passaram a ser definidas pela combinação de diferentes variáveis: modalidades de

uso da terra, características da estrutura fundiária, distribuição espacial da população rural,

relações de trabalho e emprego de tecnologia. O resultado dessas pesquisas apontou, em 1970, a

existência de 13 regiões agrárias, conforme podem ser observadas no Mapa 12.

Page 80: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

78

QUADRO 8 – AS REGIONALIZAÇÕES DO ESPAÇO AGRÁRIO PARAIBANO

Regionalizações Divisões do Território Metodologias e/ou Critérios Utilizados

As Zonas Agrícolas da

Paraíba – 1923

(Segundo a Inspetoria Agrícola Estadual)

I – Litoral: Praia – Zona do coqueiro. Várzea – Zona da cana-de-açúcar. Caatinga Litorânea – Zona do algodão de fibra curta. Arisco – Zona da mandioca. Tabuleiro – Zona da mangaba e do batiputá.

II – Serra: Brejo – Zona do café e do fumo. Caatinga Serrana – Zona do algodão e da criação. Agreste – Zona da batata americana e do fumo.

III – Sertão: Caatinga Sertaneja – Zona exclusiva da criação. Várzea – Zona do algodão de fibra longa.

Determinação das regiões de cultura (zonas de cultura) a partir do reconhecimento dos aspectos físicos (formas do terreno, modalidades do clima e composições geológicas).

ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e Seus Problemas. Brasília: Senado Federal, 4ª edição, 1994, p. 566.

As Regiões Agrárias da

Paraíba – 1970

(Segundo Emília de Rodat F.

Moreira)

1) Região latifundiária de fraca ocupação do solo. 2) Região canavieira. 3) Região de pecuária de corte e de policultura diversificada. 4) Região canavieira-policultora do Brejo Paraibano. 5) Região minifundiária policultora do Agreste de Esperança. 6) Região de pecuária leiteira do Agreste Meridional.7) Região de policultura industrial e de pecuária extensiva. 8) Região pecuarista-cotonicultora de muito baixa ocupação

populacional. 9) Região de policultura diversificada e de pecuária de médio

porte. 10) Região cotonicultora de Patos. 11) Região serrana de fraca atividade policultora alimentar. 12) Região serrana de fraca atividade policultora. 13) Região do gado-algodão-policultura alimentar tradicional

e diversificada.

Compartimentação do territó-rio em regiões agrárias, a partir da análise das formas de organização da produção.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João Pessoa: Gaplan, 1988, p. 22.

As Regiões Agrárias da

Paraíba – 1973

(Segundo José Ferreira Irmão)

1) Região do gado-algodão-policultura alimentar. 2) Região do gado e da policultura mista. 3) Região do gado e da policultura. 4) Região canavieira. 5) Região do algodão e da produção de alimentos. 6) Região das serras úmidas.

Compartimentação do territó-rio em regiões agrárias, a partir da análise dos sistemas de produção.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João Pessoa: Gaplan, 1988, p. 29.

As Regiões Agrárias da

Paraíba – 1978

(Segundo Mário L. de Melo)

1) Área do sistema canavieiro. 2) Área do sistema gado-policultura (Agreste). 3) Área do sistema gado-algodão (Sertão).

Divisão do território a partir da identificação e caracteriza-ção dos sistemas/subsistemas de uso dos recursos.

MELO, Mário Lacerda de. Regionalização Agrária do Nordeste. Recife: SUDENE, 1978, p. 16-17; 133 seq.

Os Espaços Agrários do

Sertão da Paraíba – 1982

(Segundo Marlene M. da Silva e Diva M.

de A. Lima)

1) Área do subsistema gado-sisal. 2) Área do subsistema gado-policultura alimentar tradicional. 3) Área do subsistema gado-fruticultura. 4) Área do subsistema gado-algodão.

Divisão do território a partir da identificação e caracteriza-ção dos sistemas/subsistemas de uso dos recursos.

SILVA, Marlene Maria da e LIMA, Diva Medeiros de Andrade. Sertão Norte: área do sistema gado-algodão. Recife: SUDENE, 1982, p. 259 seq.

Organizado pelo autor.

Page 81: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

79

MA

PA

8 –

DIV

ISÃ

O D

OT

ER

RIT

ÓR

IO P

AR

AIB

AN

O E

M 1

892

(SE

GU

ND

O A

DIS

TR

IBU

IÇÃ

O D

A F

LO

RA

) M

AP

A9

– D

IVIS

ÃO

DO

TE

RR

ITÓ

RIO

PA

RA

IBA

NO

EM

194

5(S

EG

UN

DO

AS

ZO

NA

S F

ISIO

GR

ÁF

ICA

S)

MA

PA

10 –

DIV

ISÃ

O D

OT

ER

RIT

ÓR

IO P

AR

AIB

AN

O E

M 1

965

(SE

GU

ND

O O

S L

IMIT

ES

NA

TU

RA

IS E

AS

FO

RM

AS

DE

USO

DA

TE

RR

A)

MA

PA

11 –

DIV

ISÃ

O D

OT

ER

RIT

ÓR

IO P

AR

AIB

AN

O E

M 1

968

(SE

GU

ND

O A

S M

ICR

OR

RE

GIÕ

ES

HO

MO

NE

AS)

Font

e: A

dapt

ados

de:

MO

RE

IRA

, Em

ília

de

Rod

at F

erna

ndes

. Mes

orre

giõe

s e

Mic

rorr

egiõ

es d

a P

araí

ba: d

elim

itaç

ão e

car

acte

riza

ção.

Joã

o P

esso

a: G

apla

n, 1

988,

p. 1

4 se

q.

Page 82: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

80

MAPA 12 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1970(SEGUNDO AS REGIÕES AGRÁRIAS)

Fonte: Adaptado de: MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João Pessoa: Gaplan, 1988, p. 23.

Em uma outra escala de observação, encontra-se o trabalho produzido por José Ferreira

Irmão, trabalho este que se propôs a regionalizar o Nordeste rural com base no sistema de

produção, unidade de análise resultante da combinação de vários indicadores essencialmente

quantitativos relativos ao valor da produção, à área cultivada e à utilização do trabalho. A partir

desse estudo, o Nordeste foi dividido em 17 regiões agrárias, das quais 6 localizavam-se na Paraíba

(MOREIRA, 1988, p. 29).

Seguindo essa mesma escala de observação, estão os trabalhos produzidos pelos geógrafos

Mário Lacerda de Melo (Regionalização Agrária do Nordeste), Marlene Maria da Silva e Diva

Medeiros de Andrade Lima (Sertão Norte: área do sistema gado-algodão), trabalhos esses

desenvolvidos no Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco

(UFPE) através de um convênio estabelecido com a Superintendência do Desenvolvimento do

Nordeste (SUDENE), órgão que ficou responsável pelo financiamento das pesquisas e pela

publicação dos resultados obtidos.

Page 83: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

81

De acordo com a regionalização proposta pelas autoras, o Sertão paraibano foi dividido em

4 subsistemas agrários. Já a regionalização feita por Mário Lacerda de Melo destacou 3 grandes

regiões agrárias no Estado. Não obstante, esses trabalhos objetivavam regionalizar amplas áreas da

superfície macrorregional a partir da identificação e da caracterização dos sistemas/subsistemas de

uso dos recursos. Eles buscavam ainda compreender os mecanismos e os processos responsáveis

pelas diferentes formas de organização do espaço, bem como os fatores que concorriam para

explicar as causas do subdesenvolvimento regional.

De posse das informações apresentadas até aqui, foi possível destacar a posição ocupada

pela região do Baixo Mamanguape, objeto dessa pesquisa, tomando como base os critérios

utilizados por cada pesquisador e/ou instituição para a regionalização do Estado da Paraíba.

Assim posto, na regionalização feita por Beaurepaire Rohan no ano de 1861, o Baixo

Mamanguape estava inserido na zona de domínio das Matas e dos Tabuleiros. Situação semelhante

pode ser observada no trabalho desenvolvido por Irenêo Joffily em 1892. Segundo a sua divisão, o

Baixo Mamanguape enquadrava-se na secção Litoral e Tabuleiros, área de ocorrência dos

coqueirais das praias arenosas, dos manguezais dos estuários e das matas que cobriam os

interflúvios. Nesse trabalho, inclusive, o autor já destacava o processo de transformação dessas

formações vegetais pela ação antrópica (Quadro 7 e Mapa 8).

Na divisão elaborada pelo IBGE em 1945 (primeira divisão oficial do território paraibano),

o Baixo Mamanguape integrava a zona fisiográfica do Litoral e Mata. Conforme foi visto

anteriormente, em 1968 o IBGE substituiu as zonas fisiográficas pelas microrregiões homogêneas.

A partir dessa nova regionalização o Baixo Mamanguape passou a integrar a microrregião

homogênea 93, doravante denominada Litoral Paraibano. Observe os Mapas 9 e 11.

Em termos de nomenclatura, a divisão feita por Bernard Issler no ano de 1965 não

apresentou grandes diferenças em relação aos trabalhos apontados até agora. No entanto, o autor

destacou em seu mapa as três subunidades espaciais presentes no Litoral: as praias, os tabuleiros e

as planícies aluviais, entre elas, a do rio Mamanguape (baixo vale) (Mapa 10). Vale lembrar ainda

que tanto a sua regionalização quanto aquela feita pelo IBGE em 1968, deram grande ênfase as

formas de ocupação do espaço e as atividades econômicas de uso da terra, demonstrando, com

isso, a própria evolução do conhecimento geográfico.

No que concerne às regionalizações do espaço agrário, pode-se destacar um trabalho

pioneiro desenvolvido no início da década de 1920 pela Inspetoria Agrícola do Estado. Naquela

oportunidade o território da Paraíba foi repartido em 3 grandes porções, dentro das quais foram

classificadas várias zonas de cultivo. Observe que, no Litoral, os técnicos identificaram a zona do

coqueiro (praia), a zona da cana-de-açúcar (várzea), a zona da mandioca (arisco) e a zona da

mangaba e do batiputá (tabuleiro) (Quadro 8).

Page 84: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

82

De acordo com a regionalização elaborada pela professora Emília de Rodat Fernandes

Moreira, o Litoral Paraibano apresentava, em 1970, as seguintes regiões agrárias: uma região

latifundiária de fraca ocupação do solo, uma região canavieira e uma região de pecuária de corte e

de policultura diversificada (Mapa 12). Com efeito, dos 3 municípios que integravam o Baixo

Mamanguape naquele momento, apenas Mamanguape foi classificado como uma área

tradicionalmente produtora de cana-de-açúcar. Rio Tinto e Baía da Traição foram enquadrados no

domínio da região latifundiária de fraca ocupação do solo. Torna-se oportuno esclarecer que a

compreensão desses cenários possibilitará o entendimento da dinâmica espacial do Litoral e, em

particular, da região do Baixo Mamanguape, uma vez que toda a paisagem sofrerá profundas

modificações no último quartel do século XX, a partir do advento do Programa Nacional do Álcool

(PROÁLCOOL).

Por fim, a regionalização produzida por José Ferreira Irmão, em 1973, considerava a

existência de 2 regiões agrárias no Litoral da Paraíba: uma canavieira e a outra dominada pela

associação gado-policultura. Já a regionalização concebida pelo geógrafo Mário Lacerda de Melo

entendia o Litoral apenas como uma área de domínio da monocultura da cana-de-açúcar. Assim

sendo, tanto na primeira quanto na segunda, o Baixo Mamanguape vai se enquadrar como uma

região tipicamente canavieira (Quadro 8).

Page 85: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

CAPÍTULO 2

CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE

Page 86: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

84

CAPÍTULO 2

CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE

“O geógrafo segue o conselho dado pelo pintor Paul Klee a um de seus

alunos: aprendemos, desta maneira, a olhar para além das aparências, a fim de alcançar a raiz das coisas.”

DOLFUS, Olivier. L’Analyse Géographique.

2.1 SITUAÇÃO E LOCALIZAÇÃO

Antes de apresentar uma descrição sobre os aspectos físicos da região do Baixo

Mamanguape, objeto desse estudo, torna-se prudente esclarecer que o conhecimento geográfico

não pode ser visto apenas como um mero estudo descritivo dos locais, isoladamente considerado.

Olivier DOLFUS (1973, p. 18) lembra que Paul Vidal de La Blache, precursor da escola

geográfica francesa no final do século XIX, definia essa disciplina como sendo a “ciência dos

locais”. A sua intenção, contudo, não era restringir a contribuição da Geografia apenas a este

conhecimento, uma vez que pretendia salientar a importância dos problemas de localização para a

análise geográfica4. Atualmente, esses problemas ganham um relevo ainda maior, tendo em vista

os avanços técnicos e científicos colocados à disposição de alguns agentes sociais, econômicos e

políticos que comandam a dinâmica da organização espacial em diversas partes do mundo.

Observe, por exemplo, as disputas envolvendo a localização das reservas petrolíferas, a

(re)localização dos parques fabris, os territórios fornecedores de produtos primários, a

disseminação dos resorts turísticos pelas áreas tropicais do planeta, etc.

Ainda de acordo com esse autor, cada um dos pontos do espaço geográfico está localizado

na superfície terrestre (daí a noção de espaço localizável e diferenciado). Define-se, portanto, por

suas coordenadas, por sua altitude, assim como por seu sítio – o qual é como que o seu receptáculo

– e por sua posição. Este último aspecto evolui de acordo com as relações estabelecidas, levando

em conta outros pontos e outros espaços. Sendo um espaço localizável, o espaço geográfico é

susceptível de ser representado cartograficamente (DOLFUS, 1978, p. 7).

Assim sendo, com o propósito de facilitar a compreensão dos agentes físicos (naturais) e

sociais que interagem no conjunto regional denominado Baixo Mamanguape, várias representações

cartográficas – mapas, perfis longitudinais do relevo, imagens de satélites – serão expostas e

analisadas ao longo dos textos dos capítulos desse trabalho.

4 A importância dos estudos de localização estratégica ficou evidente no momento de eclosão da guerra franco-prussiana (1870). Terminada a guerra, a França havia perdido para a Prússia os territórios da Alsácia e Lorena, territórios esses vitais para a sua industrialização uma vez que neles encontravam-se as principais reservas carboníferas (MORAES, 1990, p. 63).

Page 87: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

85

O Estado da Paraíba está localizado na parte mais oriental do Nordeste do Brasil, entre as

coordenadas geográficas de 6º 02’ 12” e 8º 19’ 18” de latitude sul e 34º 45’ 54” e 38º 45’ 45” de

longitude oeste. Na porção setentrional limita-se com o Estado do Rio Grande do Norte, na

meridional com o Estado de Pernambuco, na ocidental com o Estado do Ceará e na oriental com o

oceano Atlântico (Mapa 13).

MAPA 13 – A PARAÍBA NO NORDESTE DO BRASIL

Fonte: Adaptado de: RODRIGUEZ, Janete Lins (Coordenadora). Atlas Escolar da Paraíba: espaço geo-histórico e cultural. João Pessoa: Grafset, 3ª edição, 2002, p. 11.

Consoante MOREIRA (1985, p. 12), o território paraibano exibe uma forma alongada no

sentido leste-oeste, marcada por duas saliências (a da região de Catolé do Rocha, a noroeste, e a do

platô dos Cariris Velhos na porção centro-sul) e por duas vastas reentrâncias nas proximidades do

meridiano de Patos, representadas, ao norte, pelas bacias dos rios Seridó e Espinharas e, ao sul,

pelo alto vale do rio Pajeú, já em território pernambucano.

A Paraíba possui uma área de 56.439,838 km², o que corresponde a 0,66% da superfície do

Brasil e 3,6% da superfície da macrorregião Nordeste. Seu território está dividido em 4

mesorregiões (Zona da Mata, Agreste, Borborema e Sertão) e 23 microrregiões geográficas,

totalizando 223 municípios e 278 distritos.

Page 88: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

86

O Estado apresenta ainda grande diversidade paisagística, favorecida, sobretudo, pela ação

de cinco elementos que se diferenciam e se articulam, a saber: os climas, os solos, a

geomorfologia, a vegetação e as formas de ocupação humana e uso do solo. Neste último caso,

observa-se que a história da ocupação territorial e do uso do solo no Estado, assim como as

tendências atuais de dinâmica econômica, cultural e social, levaram à criação de um notável

mosaico de paisagens, fato que pode ser comprovado na própria organização do espaço. Esta

diversidade foi expressa, esquematicamente, por denominações regionais como Litoral, Agreste,

Borborema e Sertão, embora a heterogeneidade seja muito mais ampla no momento em que se

detalha a escala de observação. É o caso, por exemplo, do Litoral, onde estuários, tabuleiros

costeiros, praias e restingas representam cada qual unidades paisagísticas individualizadas,

conforme será abordado na próxima seção.

A região do Baixo Mamanguape está inserida territorialmente na zona fisiográfica do

Litoral, também conhecida como mesorregião da Mata Paraibana ou mesorregião Canavieira da

Paraíba (MOREIRA, 1988, p. 31-32). Com 5.231 km² (9,3% do território paraibano), a mesorregião

da Mata Paraibana corresponde ao menor compartimento mesorregional, limitando-se ao norte

com o Estado do Rio Grande do Norte, ao sul com o Estado de Pernambuco, a oeste com a

mesorregião do Agreste Paraibano e a leste com o oceano Atlântico (Mapa 14).

MAPA 14 – MESORREGIÃO DA MATA PARAIBANA E MICRORREGIÕES

Fonte: Adaptado de: RODRIGUEZ, Janete Lins (Coordenadora). Atlas Escolar da Paraíba: espaço geo-histórico e cultural. João Pessoa: Grafset, 3ª edição, 2002, p. 15.

Page 89: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

87

Apesar da diminuta extensão territorial, a Zona da Mata abriga a maior concentração

populacional e exibe a maior densidade demográfica do Estado. De acordo com o Censo

Demográfico, 1.193,459 habitantes estão distribuídos de maneira irregular em 30 municípios, o que

corresponde a mais de 228 hab/km² (IBGE, 2000). A microrregião de João Pessoa abriga o maior

efetivo populacional de todo o Litoral da Paraíba, com destaque para a capital do Estado.

O baixo curso do rio Mamanguape drena áreas de quatro municípios que integram a

microrregião do Litoral Norte – Mamanguape, Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição (Mapa 14),

perfazendo uma superfície de 640 km², aproximadamente. Suas coordenadas geográficas são as

seguintes: 6º 41’ 28” e 6º 52’ 18” de latitude sul e 34º 52’ 30” e 35º 08’ 41” de longitude oeste

(SILVA, 1995, p. 15).

Page 90: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

88

2.2 O QUADRO NATURAL

2.2.1 AS CONDIÇÕES CLIMÁTICAS

O clima pode ser considerado um dos mais importantes elementos naturais, sendo

responsável direta ou indiretamente pelas modificações observadas no arcabouço físico do planeta

(formação, composição e textura dos solos; morfologia e dinâmica do relevo; comportamento e

distribuição das massas líquidas superficiais e de sub-superfície, etc.). Ele é também fator

determinante, ou melhor, condicionante das diferentes formas ou manifestações de vida

encontradas na superfície da Terra, desde os organismos mais simples e comunidades mais

primitivas, até as modernas aglomerações humanas dotadas de grande poder transformador dos

espaços.

Não obstante, essas modificações do ambiente original provocadas pelas atividades

antrópicas, notadamente a expansão dos campos de cultivo de alimentos e de criação de animais e

o crescimento da urbanização e da industrialização, repercutem sobre o equilíbrio climático em

diversas escalas (macro, meso e micro), desencadeando prejuízos econômicos, sociais e ambientais

muitas vezes irreversíveis.

Segundo a clássica definição do geógrafo francês Maximilien Sorre, o clima pode ser

entendido como a sucessão habitual de alguns aspectos do tempo (estados da atmosfera) que se

manifestam em uma dada porção do espaço. Por seu turno, cada tempo define-se por uma

combinação de propriedades a que chamamos elementos do clima: pressão, temperatura,

precipitação, umidade, insolação, nebulosidade, ventos, entre outros (SORRE, 1984-b, p. 32).

O biólogo inglês Henry Art amplia de maneira tímida esse conceito ao acrescentar que o

clima é o conjunto de fenômenos do tempo que ocorrem em um lugar ou em uma região por um

número extenso de anos, levando em consideração a topografia e a proximidade dos oceanos ou

correntes oceânicas (ART, 1998, p. 102).

Como se pôde perceber, apesar de apresentarem certa “analogia”, tempo e clima não

significam a mesma coisa. CONTI e FURLAN (2000, p. 79) lembram que, enquanto o primeiro

corresponde a uma situação transitória da atmosfera, com mudanças diárias e até horárias, o

segundo define-se por padrões estabelecidos após trinta anos de observações, apresentando, no

mínimo, um perfil relativamente estável. Por isso mesmo é fácil detectar modificações no tempo,

porém, difícil demonstrar alterações no clima, principalmente em escala global. Em outras

palavras, nem mesmo as modernas ciências do clima (a meteorologia e a climatologia) conseguem

enxergar com certo grau de clareza os efeitos negativos advindos das transformações

empreendidas pelo homem sobre os ecossistemas do planeta.

Para a compreensão dos fenômenos atmosféricos que individualizam o Litoral Oriental do

Nordeste e, em particular, o Litoral do Estado da Paraíba, torna-se necessário apresentar de

Page 91: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

89

maneira sucinta, pois a intenção desse estudo não é realizar uma análise exaustiva das

características bioclimáticas, a principal marca do território brasileiro: a tropicalidade.

Não seria nenhum exagero afirmar que o Brasil é um país-continente, uma vez que o seu

território exibe uma grande dimensão (mais de 8,5 milhões de km²), alongando-se tanto na direção

norte-sul, quanto na direção leste-oeste. Tal característica vai ser responsável pela ocorrência de

três domínios climáticos (equatorial, tropical e sub-tropical) e pelas respectivas massas de ar que

atuam em cada porção desse território.

A maior parte das terras brasileiras encontra-se inserida na zona tropical do planeta, o que

lhe confere temperatura e umidade elevadas e chuvas abundantes e bem distribuídas ao longo do

ano. Esses dois últimos elementos (umidade e precipitação), por seu turno, deixam de ser

expressivos apenas na zona dominada pelo clima tropical semi-árido (BSh), presente em boa parte

do interior do Nordeste.

O quadro exposto a seguir aponta cinco características do ambiente tropical e suas

repercussões sobre o território brasileiro.

QUADRO 9 – AS CARACTERÍSTICAS DA ZONA INTERTROPICAL E O PAPEL

DESEMPENHADO SOBRE O ESPAÇO BRASILEIRO

Características Papel no Espaço Brasileiro 1. Temperaturas médias superiores a 18ºC e diferenças sazonais marcadas pelo regime de chuvas.

Ocorre em 95% do território.

2. Amplitude térmica anual inferior a 6ºC(isotermia).

Registra-se desde o extremo norte até o paralelo de 20º de latitude sul, aproximada- mente.

3. Circulação atmosférica controlada pela ZCIT, baixas pressões equatoriais (doldrums), alísios e altas pressões subtropicais.

Afeta quase todo o espaço do nosso país, exceto ao sul do trópico de Capricórnio e onde a ação da frente polar é mais relevante.

4. Cobertura vegetal que vai do deserto quente à floresta ombrófila, passando pela savana.

Embora os desertos quentes estejam ausentes, a floresta ombrófila e as savanas cobriam 94% do território brasileiro origi- nalmente*.

5. Regimes fluviais controlados pelo comporta-mento da precipitação.

É o que se verifica em todas as bacias hidrográficas, com exceção da Amazônia, onde alguns afluentes dependem da fusão das neves andinas.

* Apenas 5,63% eram ocupados por formações não-tropicais: araucárias e campos meridionais. Fonte: Adaptado de:

CONTI, José Bueno e FURLAN, Sueli Angelo. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, Jurandyr Luciano Sanches (Org.) Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 3ª edição, 2000, p. 102.

Todas as marcas da tropicalidade exibidas anteriormente podem ser facilmente

identificadas na região escolhida para o desenvolvimento desta pesquisa, conforme passaremos a

discutir nesta e em outras seções do capítulo em apreço.

A região do Baixo Mamanguape localiza-se ao norte do Litoral da Paraíba e de acordo com

a classificação proposta pelo alemão Wilhelm Köppen, baseada na distribuição sazonal da

precipitação e nas características adicionais de temperatura, encontra-se sob influência do clima

Page 92: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

90

As’. Esta nomenclatura indica a presença de um clima tropical chuvoso, quente e úmido, cujas

máximas pluviométricas têm início na estação do outono (março a junho), intensificando-se até

agosto, mês que antecede o fim do inverno no hemisfério sul.

Para ANDRADE (1977, p. 12), trata-se de um clima “pseudo-tropical” da costa nordestina,

devido à posição anômala da estação chuvosa, ou seja, com chuvas concentradas no outono-

inverno e não no verão, como é característico dos climas tropicais (Aw e Aw’)5.

É prudente destacar que, nos climas tropicais chuvosos, a precipitação pluvial anual é

sempre superior a evapotranspiração anual (AYOADE, 2002, p. 233), fato que contribui para

promover um excedente hídrico. As temperaturas médias ultrapassam 20ºC e freqüentemente estão

acima de 25ºC, com pequena variação anual (inferior a 6ºC), fenômeno denominado de isotermia

(CONTI e FURLAN, op. Cit., p. 100). Observe a Tabela 1.

Ao analisar os dados das três principais estações meteorológicas do Litoral paraibano,

localizadas nos municípios de Mamanguape, Mataraca e João Pessoa, pode-se traçar um perfil

climático com algumas particularidades. Apesar da proximidade entre elas, denunciada através das

coordenadas geográficas, alguns indicadores atmosféricos como a pluviosidade e o balanço hídrico

ostentam certa discrepância.

���� A Pluviometria

De acordo com os dados apresentados na tabela, em 1981 a região do Baixo Mamanguape

apresentou uma pluviometria média anual de 1.557,0 mm, índice superior à média histórica de

1.467,0 mm/anuais correspondente aos decênios 1910-1980 (BRASIL/MINTER/SUDENE, 1973, p.

8-9; FAUSTINO NETO et al., 1981, p. 569). Dados mais recentes, relacionados ao triênio

2003/2004/2005, apontam uma distribuição espacial da precipitação ora superior, ora inferior à

média histórica. Vale ressaltar que os números coletados referem-se ao período mais chuvoso do

ano, ou seja, os meses de abril a julho (Tabela 2).

Dentre os municípios supracitados, apenas o de João Pessoa exibiu precipitação acima da

média histórica em todos os anos pesquisados, com destaque para 2004, cujo valor atingiu 1.391,9

mm (desvio positivo de 307,2 mm).

Os municípios localizados no Litoral Norte do Estado apresentaram comportamentos

semelhantes: em 2003, Mataraca e Mamanguape tiveram um outono-inverno atípico. Enquanto o

primeiro registrou um índice de 716,6 mm (236,4 mm abaixo da média histórica para o período), o

segundo registrou apenas 617,2 mm (desvio negativo de 251,6 mm); no ano de 2004 observou-se

um período bastante chuvoso em todo o Litoral da Paraíba. Em Mataraca, foram assinalados

1.235,0 mm (desvio positivo de 282,0 mm) e, em Mamanguape, 1.101,1 mm (desvio positivo de

5 A nomenclatura Aw representa o clima tropical propriamente dito: quente e úmido com chuvas de verão. Já o termo Aw’ indica a presença do clima tropical quente e úmido com chuvas de verão-outono (variação regional do Aw) (ANDRADE, 1977, p. 12).

Page 93: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

91

232,3 mm); em 2005 as chuvas estiveram abaixo da média em Mataraca e ligeiramente acima da

média em Mamanguape.

Regra geral, a pluviosidade no Litoral decresce de leste para oeste, conforme demonstra o

comportamento das isoietas (Mapa 15). Os postos meteorológicos de Mamanguape, Mataraca e

João Pessoa apresentam longitudes decrescentes – 35º 07’ w, 35º 03’ w e 34º 52’ w,

respectivamente. Teoricamente, este fato explicaria por si a diferença entre o maior índice que

seria registrado em João Pessoa e o menor registrado em Mamanguape.

No entanto, ao observar as séries estatísticas expostas nas Tabelas 1 e 2 percebe-se

claramente as vicissitudes do clima: em 1981 o posto de João Pessoa registrou uma precipitação

bem inferior àquela registrada no posto de Mataraca (1.728,0 contra 1.870,0 mm/anuais). No

período de abril a julho de 2005, o posto de Mataraca assinalou uma precipitação ligeiramente

inferior àquela notificada em Mamanguape.

Uma análise mais acurada desses dados chama a atenção para dois aspectos:

Primeiro, que as distâncias entre os postos meteorológicos em questão são muito pequenas,

o que explica a oscilação sazonal das precipitações. Diferenças decrescentes efetivas podem ser

notificadas na medida em que as isoietas dirigem-se para oeste, penetrando no Agreste. Na região

do alto curso do rio Mamanguape, por exemplo, elas flutuam entre 600,0 e 800,0 mm/anuais, ao

passo que na porção terminal do referido rio, já no Litoral, as isoietas vacilam entre 1.800,0 e

2.000,0 mm/anuais (Mapa 15).

Segundo, que as diferenças entre os totais pluviométricos precipitados nos distintos anos,

em regiões tropicais úmidas, são bastante elevadas, dificultando a obtenção de valores médios nos

postos isolados. Para a obtenção de tais informações seria necessário 50 a 70 anos

(HECKENDORFF e LIMA, 1985, p. 38), fato só possível no posto de Mamanguape, onde os

registros começaram a ser feitos na primeira década do século XX.

���� O Balanço Hídrico

O balanço hídrico em uma dada área pode ser determinado a partir da relação entre o índice

de precipitação e a taxa de evapotranspiração.

A evapotranspiração é o processo simultâneo em que ocorre a evaporação de água contida

em uma superfície líquida (mar, lago, rio, etc.) ou sólida (solo desprovido de vegetação) e a

transpiração da água presente nos diversos tipos de vegetação. Quanto mais elevada for a

temperatura do ar e mais expressivos forem os reservatórios de água e o tamanho da vegetação, em

termos de densidade e porte, tanto maior será a evapotranspiração.

A evapotranspiração potencial (EP) indica a quantidade, teoricamente necessária, de água

no solo para que a planta mantenha-se verde o ano inteiro e possa desempenhar suas funções

biológicas de maneira satisfatória (AZEVEDO e MOREIRA, 1981, p. 706).

Page 94: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

92

MAPA 15 – PROJETO RADAMBRASIL – FOLHA JAGUARIBE/NATAL: PLUVIOMETRIA TOTAL

MÉDIA ANUAL (mm) – 1981

Fonte: Adaptado de:AZEVEDO, Lorisa Maria Pinto e MOREIRA, Rita de Cássia. Climatologia. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981, p. 708.

No entanto, em determinadas épocas a quantidade de água e umidade varia

consideravelmente, afetando o comportamento da cobertura vegetal sob alguns aspectos

(crescimento, expansão, nível de clorofila, entre outros). A partir desse entendimento foi criada a

idéia de evapotranspiração real (ER), excedente hídrico e deficiência hídrica, conforme salientam

AZEVEDO e MOREIRA (op. Cit., p. 706):

“A evapotranspiração real corresponde à quantidade de água que, nas condições reais, se evapora do solo e transpira das plantas.

O excedente hídrico é a quantidade de água precipitada que não é absorvida pelo solo e não é evapotranspirada, incorporando-se à rede de drenagem superficial ou aos aqüíferos subterrâneos.

Deficiência hídrica é o saldo negativo que ocorre após o início da estação seca, perdurando até depois do início da estação chuvosa.”

Como pode ser observado na Tabela 1, a região do Baixo Mamanguape, objeto de

investigação desta pesquisa, apresentou um índice de precipitação de 1.557,0 mm/anuais e uma

evapotranspiração real de 1.155,0 mm. Com efeito, a correlação entre a precipitação anual e a

evapotranspiração real, obtida através da equação P – ER, apontou um excedente hídrico da ordem

de 402,0 mm, distribuídos entre o final do outono e início do inverno (maio a julho).

Page 95: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

93

TA

BE

LA

1–

CL

IMA

TR

OP

ICA

LL

ITO

NE

O (

As’

):D

AD

OS

DE

AL

GU

MA

SE

STA

ÇÕ

ES

ME

TE

OR

OL

ÓG

ICA

S D

OL

ITO

RA

L D

AP

AR

AÍB

A (1

981)

Eva

potr

ansp

iraç

ão

Def

iciê

ncia

E

xced

ente

Est

açõe

s M

eteo

roló

gica

s A

ltit

ude

(m)

Índi

ce

Agr

oclim

átic

o (%

)

Plu

viom

etri

a T

otal

Méd

ia

Anu

al (

mm

)

Tem

pera

tura

M

édia

Anu

al

(ºC

)

Pot

enci

al

(mm

) R

eal

(mm

) T

otal

(m

m)

Dis

trib

uiçã

o A

nual

(m

eses

) T

otal

(m

m)

Dis

trib

uiçã

o A

nual

(m

eses

)

Mam

angu

ape

(06º

50´

s –

35º

07´

w)

54,0

91

1.

557,

0 25

,4

1.46

7,0

1.15

5,0

312,

0 N

ovem

bro-

jane

iro

402,

0 M

aio-

julh

o

Mat

arac

a (0

6º 3

6´ s

– 3

5º 0

3´ w

) 35

,0

104

1.87

0,0

25,6

1.

474,

0 1.

284,

0 19

0,0

Nov

embr

o-de

zem

bro

586,

0 A

bril

-jul

ho

João

Pes

soa

(07º

06´

s –

34º

52´

w)

28,0

10

4 1.

728,

0 25

,2

1.35

4,0

1.14

5,0

209,

0 N

ovem

bro-

jane

iro

583,

0 A

bril

-ago

sto

Fon

te: A

dapt

ada

de:

FA

US

TIN

O N

ET

O,

Man

oel

(et

al.)

. C

apac

idad

e de

Uso

dos

Rec

urso

s N

atur

ais

Ren

ováv

eis.

In:

BR

AS

IL.

Min

isté

rio

das

Min

as e

Ene

rgia

. P

roje

to R

adam

bras

il.

Lev

anta

men

to d

e R

ecur

sos

Nat

urai

s: g

eolo

gia,

geo

mor

folo

gia,

ped

olog

ia, v

eget

ação

e u

so p

oten

cial

da

terr

a. R

io d

e Ja

neir

o: S

ecre

tari

a G

eral

, Fol

has

SB

.24/

25-J

agua

ribe

/Nat

al, V

olum

e 23

, 198

1, p

. 569

.

TA

BE

LA

2–

BA

LA

OP

LU

VIO

TR

ICO

DE

AL

GU

MA

SE

STA

ÇÕ

ES

ME

TE

OR

OL

ÓG

ICA

S D

OL

ITO

RA

L D

AP

AR

AÍB

A–

2003

/200

4/20

05(A

BR

IL A

JU

LH

O)

Fon

te: E

labo

rada

com

bas

e em

:P

AR

AÍB

A. G

over

no d

o E

stad

o. S

ecre

tari

a E

xtra

ordi

nári

a do

Mei

o A

mbi

ente

, dos

Rec

urso

s H

ídri

cos

e M

iner

ais.

Mon

itor

amen

to d

o C

lim

a: p

erío

do c

huvo

so 2

003/

2004

/200

5.

João

Pes

soa:

AE

SA

, 200

6.

Mam

angu

ape

(06º

50´

s –

35º

07´

w)

Mat

arac

a (0

6º 3

6´ s

– 3

5º 0

3´ w

) Jo

ão P

esso

a (0

7º 0

6´ s

– 3

4º 5

2´ w

)

Ano

s Ín

dice

(m

m)

Méd

ia (m

m)

Des

vio

(mm

) Ín

dice

(m

m)

Méd

ia (m

m)

Des

vio

(mm

) Ín

dice

(m

m)

Méd

ia (m

m)

Des

vio

(mm

)

2003

61

7,2

868,

8 −

251,

6 71

6,6

953,

0 −

236,

4 1.

268,

5 1.

084,

7 18

3,8

2004

1.

101,

1 86

8,8

232,

3 1.

235,

0 95

3,0

282,

0 1.

391,

9 1.

084,

7 30

7,2

2005

88

9,4

868,

8 20

,6

874,

4 95

3,0

−78

,6

1.16

0,4

1.08

4,7

75,7

Page 96: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

94

O déficit hídrico, estabelecido a partir da correlação entre a evapotranspiração potencial e

real (EP – ER), assinalou um índice relativamente baixo: 312,0 mm, distribuídos entre os meses de

novembro e janeiro.

Vale ressaltar que as estações de Mataraca e João Pessoa registraram números ainda mais

expressivos. Na primeira, o excedente hídrico foi de 586,0 mm (4 meses) e o déficit hídrico de

190,0 mm (2 meses). Na segunda, o excedente foi de 583,0 mm (5 meses) e o déficit de 209,0 mm (3

meses). Não por acaso a umidade relativa do ar no Litoral oscila entre 80 e 85%, fato que contribui

para a formação de uma intensa nebulosidade ao longo do ano (Mapa 16).

MAPA 16 – IMAGEM DO SATÉLITE METEOROLÓGICO GOES-12MOSTRANDO A INTENSA NEBULOSIDADE SOBRE O LITORAL E PARTE

DOS ESTADOS DA COSTA ORIENTAL DO NORDESTE

Fonte: Adaptado de: PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais. Proposta de Instituição do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte. João Pessoa: SEMARH, 2004.

No que se refere ao índice agroclimático, todas as estações analisadas apresentaram valores

superiores a 90%. Isso significa dizer que são áreas onde a demanda hídrica anual das plantas está

quase ou plenamente satisfeita (FAUSTINO NETO et al., op. Cit., p. 569). Não obstante, todas essas

características descritas confirmam a presença de um fitoclima superúmido em todo o Litoral da

Paraíba, cujas regiões fitoecológicas serão representadas pelas florestas ombrófilas e, em menor

Page 97: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

95

proporção, pela floresta estacional semidecidual (SALGADO et al., 1981, p. 525-526), ambas

profundamente devastadas pelo avanço da monocultura canavieira na região, tema que será

abordado no próximo capítulo.

A seguir, serão apresentados os principais sistemas de circulação atmosférica (sistemas

produtores de tempo) que individualizam o Litoral Oriental do Nordeste e, em particular, o Litoral

da Paraíba (Mapa 17). Segundo AYOADE (op. Cit., p. 98), esses sistemas são responsáveis pelas

variações diárias e semanais no tempo e são muitas vezes mencionados como sendo perturbações

atmosféricas ou meteorológicas. Essas perturbações são extensas ondas, turbilhões ou vórtices de

ar inseridos na circulação geral da atmosfera.

a) Massas de Ar Tépido Calaariano (Tk) e Tépido Atlântico (Ta)

Essas duas massas de ar tépido influenciam as condições climáticas da região Nordeste.

Elas originam-se no centro de altas pressões subtropicais do Atlântico Sul, são dotadas de

movimento de ar advectivo (horizontal) e compõem o sistema dos alísios austrais (ANDRADE,

1977, p. 16).

ANDRADE e LINS (1965, p. 23) acrescentam ainda que o ar da Tk é límpido, estável e

constitui uma projeção das condições térmicas verificadas no deserto de Kalahari, localizado na

porção sudoeste do continente africano. Ao atravessar uma superfície oceânica aquecida, essa

massa vai absorvendo quantidade expressiva de vapor d´água até atingir o Litoral Oriental do

Nordeste.

Vale lembrar que a estabilidade mencionada anteriormente vai ser alterada quando a

mesma, deslocando-se pelo continente, deparar-se com os contrafortes do planalto da Borborema.

Nessa ocasião, o ar carregado de umidade é impelido para camadas mais altas e o vapor d´água se

condensa, desencadeando precipitação em forma de chuva. Por estar condicionada às linhas de

relevo, essa chuva recebe o nome de orográfica.

Os ventos da Tk, também conhecidos como alísios de SE-E em função da trajetória que

descrevem, são classificados como moderados, uma vez que atingem a velocidade de 3 a 4

beaufort, ou seja, são capazes de percorrer 3,4 a 7,9 m/s. Apesar de soprarem durante boa parte do

ano (cerca de 9 meses), não são eles os responsáveis pela ocorrência dos regimes pluviométricos

no Litoral. No entanto, eles são importantes para a compreensão de alguns processos verificados

na área em questão, pois exercem influência sobre parte da dinâmica costeira (morfogênese,

correntes marítimas, balanço hídrico, etc.).

Page 98: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

96

b) Frente Polar Atlântico (FPA)

Essa massa de ar frio e úmido tem origem na porção mais meridional do continente

americano (Patagônia Argentina) e apresenta características peculiares, conforme aponta NIMER

(1972, p. 5):

“As correntes perturbadas de S são representadas por invasões de frentes polares. Estas descontinuidades, oriundas do choque entre os ventos anticiclônicos da massa polar e massa tropical, somente poucas vezes conseguem ultrapassar as vizinhanças do trópico de capricórnio durante a primavera e verão, e quando conseguem, o fazem ao longo das áreas litorâneas, raramente ultrapassando o paralelo de 15º lat. sul, aproximadamente, provocando chuvas frontais e pós-frontais ao longo do litoral e encosta do planalto até o sul da Bahia.”

No inverno, por seu turno, essa massa ganha ainda mais força e se introduz sob o ar tépido,

avançando mais para o norte até alcançar a costa dos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio

Grande do Norte. E é justamente nesse período que ela transporta o ar frio em direção a toda a

costa do país, momento em que observam-se grandes descargas de chuvas.

c) Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)

Em linhas gerais, pode-se afirmar que a Zona de Convergência Intertropical nada mais é

que uma faixa paralela traçada junto ao equador, para onde convergem os ventos alísios dos

hemisférios boreal e austral. Trata-se, portanto, de um fenômeno atmosférico que se manifesta em

uma área de baixa pressão caracterizada pelas calmarias ou ausência de ventos (doldrums).

Com efeito, durante o verão no hemisfério norte a ZCIT desloca-se para áreas localizadas

bem acima da linha do equador. Por sua vez, durante o verão e o outono no hemisfério sul esse

deslocamento repete-se, agora em sentido oposto. A respeito dessas considerações, ANDRADE

(1977, p. 15) acrescenta:

“No início do verão austral (dezembro-janeiro) suas características verticais de estrutura manifestam-se enfaticamente ao sul do equador geográfico e começam a se alastrar pela costa setentrional do Brasil a partir do Amapá. O alcance desse alastramento inclui quase sempre a costa oriental do Nordeste ao sul do Cabo de São Roque e nos anos de maior energia a instabilidade atmosférica generaliza-se em latitudes mais altas até além da costa alagoana. No fim do outono austral (março, abril, maio) a CIT retrai-se para o setentrião e logo depois do solstício de junho passa ao hemisfério norte, no verão boreal.”

É prudente lembrar que a instabilidade atmosférica mencionada anteriormente vai dar

origem a eventos chuvosos bastante intensos, quase sempre acompanhados ou precedidos de

rajadas de ventos fortes e trovoadas.

Page 99: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

97

d) Correntes Perturbadas de Leste (Ondas de Leste-Oeste)

As ondas de Leste-Oeste constituem um sistema de correntes perturbadas característico dos

litorais tropicais dominados pelos ventos alísios. De acordo com NIMER (op. Cit., p. 6), esses

fenômenos ocorrem no seio dos anticiclones tropicais sob a forma de “pseudo frentes”, sobre as

quais desaparece a inversão térmica superior, o que permite a mistura de ar das duas camadas

horizontais dos alísios e, conseqüentemente, chuvas mais ou menos abundantes anunciam a sua

passagem. Tais precipitações diminuem bruscamente para oeste e raramente ultrapassam as

escarpas do planalto da Borborema e da chapada Diamantina, sendo mais freqüentes no inverno.

Estas ondas, associadas à ação dos ventos alísios, à insolação, à pluviosidade e à

evapotranspiração representam fatores importantes no trabalho de modelagem do Litoral Oriental

do Nordeste. Elas manifestam-se com maior nitidez no trecho que vai da Zona da Mata de

Pernambuco à Zona Cacaueira da Bahia.

MAPA 17 – AS MASSAS DE AR QUE ATUAM NA AMÉRICA DO SUL

Convenções:

Ep – Equatorial pacífico Ec – Equatorial continental Ea – Equatorial atlântico Tk – Tépido calaariano Ta – Tépido atlântico Tc – Tépido continental Tp – Tropical pacífico Pa – Polar atlântico FPA – Frente Polar Atlântico CIT – Convergência Intertropical ZD – Posição média anual da zona de divergência dos alísios (no litoral) Trajetórias descritas pelas descargas de ar frio da FPA

Fonte: Adaptado de: ANDRADE, Gilberto Osório de e LINS, Rachel Caldas. Os Climas do Nordeste. In: Notas e Comunicações de Geografia. Recife: UFPE/DCG, Série B, Textos Didáticos nº 11, dezembro de 1992, p. 39.

2.2.2 A REDE HIDROGRÁFICA

Várias bacias e micro-bacias hidrográficas estão presentes na estreita faixa de terra que

compreende o Litoral da Paraíba, região denominada também de Zona da Mata em alusão à antiga

cobertura vegetal que dominava a área em questão. Assim sendo, de norte para sul destacam-se as

seguintes: Guajú, na fronteira com o Estado do Rio Grande do Norte, Camaratuba, Mamanguape

Page 100: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

98

Miriri, Paraíba do Norte, Gramame, Abiaí e Goiana, esta última na fronteira com o Estado de

Pernambuco (Mapa 18).

Dentre essas bacias, duas merecem destaque por apresentarem dois aspectos: a expressão

espacial uma vez que drenam áreas significativas (são consideradas, portanto, bacias de grande

porte6); e a importância histórica para a região em função de abrigarem ainda hoje em seus vales a

imponente monocultura da cana-de-açúcar. Trata-se das bacias dos rios Mamanguape e Paraíba do

Norte7.

A bacia do rio Mamanguape, objeto de investigação deste trabalho, drena uma superfície

aproximada de 3.525,0 km². Ela está inserida entre os paralelos de 6º 41’ 57” e 7º 15’ 18” sul e

entre os meridianos de 34º 54’ 37” e 36º oeste (PARAÍBA/SEMARH, 2004, p. 7), limitando-se ao

norte com as bacias dos rios Curimataú e Camaratuba, ao sul com as bacias dos rios Miriri e

Paraíba do Norte, a oeste com as bacias dos rios Curimataú e Paraíba do Norte e a leste com o

oceano Atlântico (Mapa 18).

MAPA 18 – DELIMITAÇÃO ESPACIAL DAS BACIAS E MICRO-BACIAS HIDROGRÁFICAS DO

ESTADO DA PARAÍBA

Bacias e Micro-baciasHidrográficas:

1 – Rio Guajú 2 – Rio Camaratuba 3 – Rio Mamanguape 4 – Rio Miriri 5 – Rio Paraíba do Norte 6 – Rio Gramame 7 – Rio Abiaí 8 – Rio Goiana 9 – Rio Curimataú 10 – Rio Jacú 11 – Rio Piranhas

Fonte: Adaptado de: PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais. Proposta de Instituição do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte. João Pessoa: SEMARH, 2004.

6 Em geral, costuma-se considerar como grandes bacias aquelas com área superior a 1.000 km². Essas bacias possuem redes de canais bem desenvolvidos e são menos sensíveis às precipitações de curta duração (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 13). 7 Devido à importância dessa atividade econômica, esses cursos d’água foram batizados de “Rios do Açúcar do Nordeste Oriental”, conforme ANDRADE, Manuel Correia de (1957-b, p. 5) e ANDRADE, Gilberto Osório de (1957-a, p. 5).

Page 101: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

99

Assim como o rio Paraíba do Norte, o rio Mamanguape exibe o seu alto curso sobre o

planalto da Borborema. A sua nascente encontra-se na lagoa Salgada, município de Pocinhos

(mesorregião do Agreste Paraibano e microrregião do Curimataú Ocidental). A lagoa supracitada,

de regime intermitente, é formada pela convergência de vários riachos e encontra-se a cerca de 600

metros acima do nível do mar. Apresenta elevada salinidade, pouca profundidade e avançado

processo de colmatagem. A pouca espessura da lâmina d´água corrobora ainda para o aumento da

concentração de sais, advinda da forte evaporação da região (MARINHO, 2002, p. 52).

O Mamanguape percorre cerca de 140 quilômetros até encontrar o oceano Atlântico, na

divisa dos municípios de Marcação e Rio Tinto, Litoral Norte do Estado da Paraíba. Da sua

nascente até a cidade de Mulungu, já no médio curso, ele desenvolve um percurso no sentido

oeste-leste. Em Mulungu ele toma direção sudoeste-nordeste até o trecho em que recebe as águas

do rio Araçagi, seu mais importante tributário, na cidade de mesmo nome. Daí até o mar, toma

novamente uma direção aproximadamente oeste-leste, formando na foz ampla “ria”, hoje bastante

dissimulada (ANDRADE, 1957-b, p. 11-12).

Ao longo de todo esse percurso o Mamanguape recebe importantes afluentes, a exemplo

dos rios Pirpirituba, Quandu, Araçagi e Saquaiba e dos riachos Bloqueio, Bananeiras, Tanque e

Itapororoca. Segundo ANDRADE (1957-b, p. 12-13), o Quandu e o Araçagi nascem e têm grande

parte dos seus cursos no Brejo, região bastante úmida e chuvosa situada no rebordo oriental do

planalto da Borborema8. São eles os responsáveis pela contribuição de grande parte do volume de

água do Mamanguape, uma vez que contam com uma série de afluentes perenes.

Ao atravessarem essa porção da Borborema (o Brejo), os referidos rios encontram-se

encaixados em profundos vales. Nesse local verifica-se um intenso processo erosivo em função da

forte declividade do terreno. Com efeito, o processo erosivo linear, ou vertical, só vai dar lugar a

erosão areolar, ou horizontal, quando esses cursos d’água penetrarem no Agreste. Ao se reportar ao

rio Mamanguape, ANDRADE (1957-b, p. 13-14) chama atenção para esse aspecto:

“Ao penetrar no Agreste, quando a atividade erosiva linear é atenuada pela menor inclinação do seu perfil longitudinal, exerce grande trabalho de erosão lateral, alargando o seu leito, como costuma acontecer com vários rios nordestinos da área semi-árida. Nêsse trecho, a grande quantidade de lagôas existentes, denunciada até pela toponímia – Alagôa Grande, Alagôa Nova, Alagoinha, Alagôa da Roça – indica uma intensa erosão areolar.”

8 O segmento espacial denominado Brejo Paraibano, segundo Mário Lacerda de Melo, pode ser considerado uma grande mancha de exceção situada no interior dos espaços agrestinos da Paraíba. Trata-se de uma área ou mancha territorial de maior pluviosidade (médias anuais de 900 a 1.300 mm), correspondente à escarpa oriental dissecada do planalto da Borborema. Como acontece normalmente, a essas características dos planos climático e geomorfológico, correspondem repercussões positivas nos planos dos recursos edáficos, florísticos e hídricos (MELO, 1988, p. 297).

Page 102: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

100

Já no baixo curso do rio Mamanguape verifica-se uma importante atividade deposicional.

Esse trabalho é tão intenso que o seu leito chega a exibir grandes bancos de sedimentos, sobretudo

na porção estuarina (Foto 1). MARINHO (op. Cit., p. 55), lembra que nesses terrenos sedimentares

o rio supracitado atingiu, em alguns pontos, o embasamento cristalino que dá suporte à Bacia

Sedimentar Pernambuco-Paraíba, exumando-o. Tal fato pode ser facilmente constatado entre as

cidades de Mamanguape e Rio Tinto, a mais ou menos 15 metros de altitude.

Vários rios e riachos estão presentes na região do Baixo Mamanguape. Eles nascem nos

topos dos tabuleiros costeiros, onde exibem vales bem encaixados e notável atividade erosiva

sobre esses interflúvios. Dentre eles, os mais significativos estão situados nos tabuleiros ao norte

da várzea do Mamanguape (margem esquerda), a exemplo dos riachos Sertãozinho, Jangada,

Balanças, Passagem da Cobra, Arrepia, Catolé, Bica, Gurubu, São Francisco e Lagoa; e dos rios

Tinto, Jacaré, Grupiúna, Estiva e Sinimbu.

Vale ressaltar que os rios mencionados anteriormente são os mais expressivos desse setor,

pois além de extensos, possuem maior vazão, sobretudo o rio Estiva. Após percorrer longo trecho

sobre os interflúvios, sempre na direção oeste-leste, o referido rio passa a receber as águas dos rios

Jacaré e Sinimbu, este último já na área pantanosa da planície costeira, momento em que muda de

trajetória e toma a direção norte-sul até encontrar o estuário do rio Mamanguape, no limite

meridional da praia do Coqueirinho (Foto 2).

Por outro lado, os cursos d’água que nascem nos tabuleiros situados ao sul da várzea

(margem direita do Mamanguape) são considerados mais modestos em relação àqueles descritos

anteriormente. Em função disso, esse setor evidencia processos erosivos menos acentuados.

Destaque para os riachos Cascata, Taxa, Banco, Goité, Taberaba, Cravaçu, Manimbu e para o rio

Velho.

Os rios Caracabu e Açu nascem e divagam sobre uma área bastante plana (menos de 10

metros de altitude). Este último descreve exuberantes meandros na zona dominada pelos

manguezais, característica também observada ao longo da calha do próprio rio Mamanguape,

sobretudo no trecho compreendido entre a sede municipal de Rio Tinto e a sua desembocadura9.

É prudente lembrar que, mesmo em seu alto curso, o Mamanguape apresenta-se como um

rio intermitente, situação esta que será modificada apenas na sua porção terminal (região do baixo

curso), quando o mesmo torna-se perene em função da combinação de três importantes fatores: os

elevados índices pluviométricos que caracterizam o Litoral, já demonstrados na seção anterior; a

presença de inúmeros afluentes permanentes e a própria dinâmica das marés oceânicas durante a

9 Segundo MARINHO (op. Cit., p. 57), a foz do rio Mamanguape exibe uma grande amplitude transversal e encontra-se protegida da ação marinha em virtude dos recifes dispostos de modo oblíquo à desembocadura. Esta individualidade confere ao Mamanguape um estuário com atributos lagunares (Foto 1).

Page 103: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

101

preamar (maré alta) e a baixamar (maré baixa). Esse movimento de fluxo e refluxo, por sua vez, é

responsável pela ocorrência de pequenos cursos d’água, conhecidos localmente como gamboas,

que se formam próximos ao oceano.

Destarte, todos os rios e riachos que drenam a região do Baixo Mamanguape encontram-se

bastante alterados pelas atividades humanas (desmatamento das cabeceiras ou áreas próximas,

destruição das encostas íngrimes, assoreamento dos canais, poluição causada pelo uso

indiscriminado de agroquímicos nas lavouras, canalização dos leitos para uso econômico e/ou

doméstico, entre outros fatores). Nas partes mais elevadas dos tabuleiros a cana-de-açúcar foi a

grande responsável pela destruição. Na planície costeira, os loteamentos imobiliários, as

residências de veranistas e as casas comerciais (bares, restaurantes, pousadas e hotéis) construídas

em locais de grande sensibilidade ecológica promoveram também profundas alterações no

equilíbrio da paisagem, acarretando, assim, prejuízos muitas vezes irreversíveis aos ecossistemas

aquáticos e terrestres. Na zona estuarina as maiores alterações estão sendo produzidas pela

carcinicultura, atividade responsável pela degradação de amplas áreas de manguezais. A análise

pormenorizada desses efeitos negativos será realizada nos capítulos seguintes.

2.2.3 A COBERTURA VEGETAL

Conforme foi visto no final do capítulo anterior, as primeiras tentativas de

compartimentação do território paraibano foram elaboradas por dois não-geógrafos: Henrique de

Beaurepaire Rohan (1861) e Irenêo Joffily (1892), divisões essas que assinalavam de maneira

pouco precisa a distribuição de alguns conjuntos florísticos.

Não obstante, só a partir das décadas de 1970, com a utilização das imagens de radar do

projeto RADAMBRASIL, e de 1990, a partir do uso de imagens semicontroladas de satélites

remotos, notadamente os satélites do programa LANDSAT, foi que os estudos fitogeográficos

ganharam novas bases conceituais e metodológicas, auxiliando o trabalho de pesquisadores das

mais diferentes áreas do conhecimento (biólogos, geógrafos, engenheiros florestais, agrônomos,

etc.).

Ao longo dessa fase, torna-se oportuno destacar a contribuição de inúmeros trabalhos sobre

os aspectos fitogeográficos do Brasil, em geral, e do Nordeste, em particular, trabalhos esses

desenvolvidos por importantes pesquisadores. São eles: Estudos Fitogeográficos de Pernambuco e

as Matas do Engenho São Paulo (Paraíba), de Dárdano de Andrade Lima (1966 e 1970); As

Regiões Naturais do Nordeste, de João de Vasconcelos Sobrinho (1971); As Regiões

Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos, de Odilon Albino Salgado et al.

(1981); Diferentes Combinações do Meio Natural na Zona da Mata Nordestina, de Gilberto Osório

Page 104: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

102

de Andrade e Rachel Caldas Lins (1983); L’ Organization des Paysages dans l’Est de La Paraíba

et du Rio Grande do Norte, de Antônio Sérgio Tavares de Melo (1983) e Aspectos da Vegetação

do Brasil, de Dora de Amarante Romariz (1996).

Com efeito, as classificações e as descrições das principais formações vegetais encontradas

na região do Baixo Mamanguape foram baseadas em alguns desses trabalhos, bem como em outras

obras de grande relevância para a pesquisa em apreço. Assim sendo, foram identificadas as

seguintes formações: edáficas, climáticas e relictuais.

Vale lembrar ainda que a delimitação espacial dessas unidades vegetais não representa uma

tarefa simples, uma vez que quase sempre ocorre a interpenetração de espécies de formações

distintas, dando origem aos ecótonos, também chamados de zonas de transição ou áreas de tensão

ecológica. Além disso, a dificuldade para estabelecer os limites de cada formação torna-se ainda

maior quando a transição no interior do ecótono acontece de maneira lenta e gradual. Nesse

sentido, MELO, 1988, apud SILVA (1995, p. 55) adverte que as fronteiras existentes entre as várias

paisagens botânicas são mais nítidas nas planícies litorâneas e nos vales. Por outro lado, nos topos

planos dos baixos planaltos costeiros elas desaparecem: é o domínio de uma vegetação denominada

localmente como “tabuleiro”, secundária sem nenhuma dúvida, decorrente da degradação das antigas

florestas, cujas capoeiras de substituição foram invadidas por espécies litorâneas e dos cerrados.

a) As Formações Edáficas

– O Agrupamento Pioneiro das Praias, dos Terraços Litorâneos e das Dunas

Trata-se das formações localizadas ao longo da estreita faixa de terras que recobre o Litoral

de maneira descontínua. São predominantemente herbáceas, representadas pelo agrupamento

pioneiro pantropical, apresentando plantas halófilas, ou seja, com grande adaptação a ambientes

com elevado teor de salinidade (solos, respingos da arrebentação das ondas, submersão provocada

pela elevação das marés). A pequena variedade de tipos de plantas é também outra característica

desse agrupamento. As principais espécies encontradas são as seguintes: Iresine portulacoides

Moq. (bredo-da-praia), Ipomoea pes-caprae Roth. (salsa-da-praia), Ipomoea stolonifera Poir.

(salsa-branca), Paspalum maritimum Trin. (capim-gengibre), Sporobolus virginicus Kunth.

(capim-barba-de-bode), Crotalaria retusa L. (gergelim), Polygala coriosoides St. Hil.

(pinheirinho-da-praia), etc. (SALGADO et al., op. Cit., p. 508).

Por fim, torna-se oportuno esclarecer que essas formações sofrem diretamente os efeitos da

dinâmica dos agentes naturais presentes no Litoral, ou seja, elas são condicionadas pela deposição

de sedimentos provocada pela ação dos ventos, dos rios e das correntes marítimas. Na área da

pesquisa elas são facilmente encontradas nas praias do Oiteiro, Campina, Barra de Mamanguape,

Coqueirinho, Trincheira e Forte (Foto 3).

Page 105: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

103

Foto 1 – Vista panorâmica do estuário do rio Mamanguape, com destaque para a grande amplitude transversal da sua foz. Em primeiro plano, observa-se a sucessão de cordões arenosos (restinga) com cerca de 10 metros de altitude, colonizados pela floresta baixa e por vegetação herbácea-arbustiva. Praia Barra de Mamanguape, município de Rio Tinto, Paraíba. Foto: Ricardo Paulo de O. Silva (data desconhecida).

Foto 2 – Vista parcial da praia do Coqueirinho. À direita, observam-se os meandros e os manguezais do rio Estiva e, ao fundo, o estuário do rio Mamanguape. Município de Marcação, Paraíba. Foto: Ricardo Paulo de O. Silva (data desconhecida).

Page 106: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

104

– A Floresta Baixa e as Formações Arbustivas e Herbáceas da Restinga

Nessa área, à medida que começa a diminuir o grau de salinidade e a aumentar a

quantidade de matéria orgânica nos solos, a vegetação começa a apresentar outras feições,

assumindo um porte arbóreo baixo e adensado. Entretanto, a restinga vai ser também o lugar de

ocorrência de espécies arbustivas e herbáceas (Foto 1 e Figura 3). De acordo com SALGADO et al.

(op. Cit., p. 496; 508), as principais espécies encontradas nesse ambiente são essas: Anacardium

occidental L. (cajueiro), Coccoloba sp. (coaçu), Hancornia speciosa Gomez (mangabeira),

Manilkara sp. (maçaranduba), Tabebuia roseo-alba [Ridley] Sandw. (pau-d’arco), Chrysobalanus

icaco L. (guajiru), Ximenia americana L. (ameixa), Pilosocereus hapalacanthus Werd. (facheiro),

Byrsonima gardneriana Juss. (murici-da-praia), Moquilea tomentosa Benth. (oiti-da-praia), etc.

FIGURA 3 – PERFIL ESQUEMÁTICO DAS FISIONOMIAS DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA MARINHA (RESTINGA)

1) Arbórea 2) Arbustiva 3) Herbácea

Fonte: Adaptada de:SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981, p. 497.

– Os Manguezais

Segundo VASCONCELOS SOBRINHO (1971, p. 40), a existência dos manguezais decorre

de condições especiais de habitat edáfico, o substrato no qual se encontram implantadas as

espécies que os habitam e criando condicionantes de uma fauna típica. Eles representam, na visão

do autor, a mais exclusiva e mais facilmente identificável das formações litorâneas, haja vista a

homogeneidade, a densidade e a localização de suas colônias.

As plantas encontradas nesse ecossistema apresentam aspectos peculiares, uma vez que

conseguem se desenvolver e se reproduzir em um ambiente constantemente e/ou periodicamente

alagado pelas marés oceânicas. Com efeito, ao se estabelecer uma análise mais detalhada é

possível identificar inúmeras espécies de manguezais, variação esta decorrente de 3 fatores,

conforme assinalou ROMARIZ (1996, p. 56): 1º) em relação à duração e ao grau de submersão; 2º)

em relação a maior ou menor tolerância das espécies aos diferentes teores de salinidade e de suas

Page 107: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

105

variações; e 3º) em relação aos diversos graus de adaptação ao tipo de solo, sempre variável e

inconsistente.

No Estado da Paraíba, segundo MELO e RODRIGUEZ (2003, p. 24), os manguezais são

associados aos estuários e às planícies de maré que ocupam a porção terminal dos rios que

deságuam no Atlântico. Menores ocorrências são encontradas em torno de lagoas litorâneas e

pequenas desembocaduras de riachos barrados por cordões arenosos acumulados pela ação do mar,

chamadas regionalmente de maceiós.

Na área escolhida para o desenvolvimento dessa pesquisa eles são encontrados

principalmente no estuário do rio Mamanguape, ocupando ainda as porções terminais dos

tributários que para ali convergem, a exemplo dos rios Estiva, Velho, Açu, Caracabu e Gelo, e dos

riachos Manimbu, Tijuca, Três Rios, Porto Velho, Bica, Caibá, Cravaçu e Taberaba. Eles também

são vistos na lagoa do Saco, localizada no município de Rio Tinto.

Com efeito, a partir das características apresentadas anteriormente foi possível identificar

as seguintes variações: Rhizophora mangle L. (mangue-verdadeiro ou vermelho), localizado nas

áreas em que os rios e/ou riachos fazem contato direto com o mar; Conocarpus erectus L.

(mangue-do-botão ou cinzento), Avicennia schaueriana Stap. Lechm. (mangue-canoé ou siriúba) e

Laguncularia racemosa Gaertn. f. (mangue-manso ou branco), encontrados nas áreas que sofrem

periodicamente as inundações, ocasionadas durante as preamares (Foto 4). Estas últimas espécies

ocupam, portanto, locais em que o grau de salinidade da água e do solo já está bastante reduzido,

haja vista a distância que guardam em relação à linha de costa.

Ainda sobre esse último aspecto, vale ressaltar que a cidade de Rio Tinto, localizada a

cerca de 17 quilômetros da desembocadura do rio Mamanguape, exibe belas florestas de

manguezais das espécies Laguncularia racemosa Gaertn. f. e Avicennia schaueriana Stap. Lechm.

Além das espécies arbóreas descritas anteriormente, uma série de plantas herbáceas

também são observadas nesse complexo ecossistema, notadamente nas regiões periféricas. Dentre

elas destacam-se: Acrostichum aureum L. (samambaia-açu ou samambaia-do-mangue), Hibiscus

tiliaceus L. (algodão-do-mangue), Montrichardia linifera (aninga) e, por último, os apicuns, que

são terrenos arenosos colonizados por vegetação de gramíneas.

– Os Campos de Várzea

Como a própria nomenclatura sugere, os campos de várzea são formações herbáceas,

densas, compostas em sua maioria de gramíneas e ciperáceas que ocupam as áreas úmidas e

alagadas das planícies aluviais ou depressões pantanosas próximas à linha de costa, onde a

influência das marés é ainda notável. Suas espécies vegetais são perfeitamente adaptadas aos

terrenos úmidos e/ou constantemente alagados, seja pela vazão dos rios e riachos, pelo acúmulo

das águas das chuvas ou pelos ciclos das marés (movimento de fluxo e refluxo).

Page 108: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

106

Foto 3 – Aspecto das dunas baixas colonizadas por plantas alófitas das espécies Ipomoea pes-caprae Roth. (salsa-da-praia) e Paspalum maritimum Trin. (capim-gengibre).Ponta da Jangadinha, município de Marcação, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Foto 4 – Manguezal da espécie Avicennia schaueriana Stap. Lechm (mangue-canoé ou siriúba), localizado no estuário do rio Mamanguape.Aldeia Potiguara Tramataia, município de Marcação, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (maio/2007).

Page 109: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

107

Nesses campos podem-se distinguir dois setores. O das áreas úmidas, não-alagadas

(higrófilos), composto por algumas espécies como Panicum sp. (canarana) e Cyperus giganteus

(junco); e o setor das áreas encharcadas e alagadas (hidrófilos), onde aparecem diversas espécies,

como por exemplo, Cyperus surinamensis (capim-rosa) e Nymphaea rudgeana (lírio d’água)

(SILVA, 1995, p. 62).

Essas formações podem ser facilmente encontradas nos fundos dos vales dos rios que

entalham os tabuleiros costeiros e subcosteiros, a exemplo dos rios Sinimbu (próximo à aldeia

potiguara Laranjeira), Estiva (próximo à fazenda Grota do Bento e ao povoado Estiva Velha) e

Jacaré (nas adjacências do povoado Jacaré de Cima). Elas também estão presentes na periferia do

estuário do rio Mamanguape, bem como em uma ampla planície alagada nas cercanias da cidade

de Baía da Tração, ao longo da calha do rio Sinimbu.

b) As Formações Climáticas

A maior parte dos tratados e manuais de botânica enquadra as formações florestais do

Litoral do Nordeste no bioma Mata Atlântica. Entretanto, após vários anos de intensas pesquisas

de campo e de gabinete, técnicos e pesquisadores do projeto RADAMBRASIL resolveram

compartimentar esse bioma em regiões distintas. No caso específico desta pesquisa foi possível

identificar três formações climáticas, a saber:

– A Floresta Ombrófila Densa Aluvial

Trata-se de uma formação que apresenta estratos arbóreo e arbóreo-arbustivo de porte

mediano, cuja ocorrência está associada aos terraços das planícies dos rios e riachos que drenam a

região litorânea (Figura 4). Também conhecida como mata-galeria ou mata de várzea, essa

floresta foi gradativamente substituída pela monocultura da cana-de-açúcar, cujos primeiros

registros datam da época da colonização.

Ao estudar a associação dessa formação vegetal com o clima e a topografia, SALGADO et

al. (op. Cit., p. 526) escreveram o seguinte:

“Correspondendo ao intervalo de 15 (quinze) a 30 (trinta) dias secos, encontrou-se um núcleo remanescente da Floresta Ombrófila Densa Aluvial, caracterizada pela comunidade Buchenavia–Lecythis–Tapirira. Ocupando a porção média do vale do rio Mamanguape, este fitoclima tem, em Rio Tinto (PB), sua comunidade remanescente. Embora menor a pluviosidade (em torno de 1.750 mm), as condições de umidade são asseguradas pela contribuição das águas que se acumulam nos locais mais deprimidos das planícies aluviais. Constituem-se dessa forma os vales de paul (...), típicos das planícies aluviais que se limitam com os Tabuleiros Costeiros.”

Na área em questão, podem-se observar ainda alguns exemplares dessa floresta ao longo

dos riachos Cravaçu e Taberaba, localizados na zona rural do município de Rio Tinto. Dentre as

Page 110: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

108

espécies mais comuns, consoante SALGADO et al. (op. Cit., p. 520; 522), estão: Buhenavia capitata

[Vahl] Eichl. (embirindiba), Caraíba sp. (camaçari), Erythrina velutina Willd. (mulungu), Inga sp.

(ingá), Lecythis sp. (sapucaia), Platymiscium floribundum Vog. (rabuge), Sclerolobium

densiflorum Benth. (ingá-porco), Tapirira guianensis Aubl. (cupiúba), etc.

– A Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas (Floresta Subperenifólia dos Tabuleiros)

Ao contrário da formação descrita anteriormente, a floresta ombrófila densa das terras

baixas ocupa os topos mais argilosos, as vertentes e os pequenos vales, conhecidos localmente

como grotões, dos tabuleiros litorâneos. Segundo COSTA (1998, p. 62), essa floresta foi bastante

descaracterizada nas últimas décadas em virtude da expansão da monocultura da cana-de-açúcar

que, através do auxílio de inovações tecnológicas (correção dos solos, irrigação, produção de

sementes melhoradas, etc.), conseguiu superar os limites naturais (vales dos rios) e chegar até essas

áreas de solos mais pobres e arenosos, adaptando-se a tais condições.

Ao percorrer a zona rural dos municípios que compõem a região do Baixo Mamanguape é

possível perceber com facilidade a evolução dessa paisagem. Nesse sentido, alguns remanescentes

da antiga floresta que recobria originalmente vastas áreas ainda podem ser identificados ao longo

de alguns cursos d’água que entalham os tabuleiros, a exemplo dos rios Grupiúna, Tinto e Jacaré.

A Figura 4 retrata de maneira esquemática o perfil da floresta ombrófila que recobre os

terraços aluviais (várzeas quaternárias) e os topos dos interflúvios, estes últimos apresentando

cotas médias em torno de 100 metros de altitude. Através dessa figura, também é possível

visualizar a exuberância, a densidade e o porte desse conjunto florístico, cujas espécies mais

significativas atingem cerca de 40 metros de altura. Convém lembrar ainda que o estrato superior é

composto por algumas árvores caducifólias e que o estrato intermediário é formado por árvores

totalmente perenifólias. Já o estrato inferior é constituído por plantas arbustivas e herbáceas.

As principais espécies encontradas nesse ambiente são as seguintes: Bowdichia virgilioides

(sucupira), Dialium guianense [Aubl.] Stend. (pau-ferro), Hymenaea courbaril L. (jatobá),

Manilkara sp. (maçaranduba), Parkia pendula Benth. (visgueiro), Tabebuia ipe Standl. (pau-

d’arco roxo), Tabebuia caraíba [Mart.] Bur. (caraúba), Tabebuia serratifolia Vahl. (pau-d’arco

amarelo), Tabebuia sp. (peroba), Ocotea glomerata [Ness] (louro), Caesalpinia echinata Lam.

(pau-brasil), Andira sp. (angelim), Lecythis sp. (sapucaia), Cedrela odorata L. (cedro), Swartzia

flaemingii Raddi (jacarandá), Tapirira guianensis Aubl. (cupiúba), Pera ferruginea Muell. Arg.

(sete-cascos), Luehea ochrophylla Mart. (pereiro), etc. (SALGADO et al., op. Cit., p. 520-522).

– A Floresta Estacional Semidecidual das Terras Baixas (Floresta Subcaducifólia dos Tabuleiros)

Como a própria nomenclatura sugere, a floresta semidecidual das terras baixas apresenta

como particularidade principal a estacionalidade (sazonalidade) foliar de parte considerável das

espécies dominantes (atingindo até 60% do conjunto florestal). Trata-se de uma formação que

Page 111: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

109

exibe árvores finas e com copas pouco desenvolvidas, apresentando menor riqueza fisionômica em

relação às florestas ombrófilas.

Na região do Baixo Mamanguape ela pode ser encontrada em alguns trechos dos tabuleiros

costeiros, notadamente nos locais onde a pluviosidade exibe decréscimo significativo (em torno de

1.000 mm/anuais), conforme aponta o texto de SALGADO et al. (op. Cit., p. 520) :

“Posicionada numa parcela dos Tabuleiros Costeiros com mais de 30 dias secos na relação ombrotérmica, a área do Rio Tinto possui uma estrutura de árvores relativamente finas e baixas, mas erectas. Suas duas sinúsias fanerofíticas são bem nítidas: a meso (árvores em torno de 20 m) é quase toda constituída de espécies caducifólias e a nano (arvoretas de mais ou menos 10 m de altura) é totalmente perenifólia. O número de epífitas é bem menor em relação às comunidades anteriores e a sinúsia gramíneo-lenhosa quase não existe. Assim, esta comunidade faz parte da Região Fitoecológica da Floresta Estacional Semidecidual, com uma formação das Terras Baixas, tendo na época desfavorável (meses secos) uma paisagem florestal parcialmente desfolhada (menos de 50% de árvores sem folhas).”

Dentre as espécies mais conhecidas, estão: Buhenavia capitata [Vahl] Eichl. (embirindiba),

Pterocarpus violaceus Vag.(pau-sangue), Protium heptaphyllum [Aubl] March. (amescla), Cássia

apoucouita Aubl. (coração-de-negro), Tabebuia serratifolia Vahl. (pau-d’arco amarelo), Tabebuia

ipe Standl. (pau-d’arco roxo), Luehea ochrophylla Mart. (pereiro), Caesalpinia echinata Lam.

(pau-brasil), Clarisia racemosa Ruiz (oiticica-da-mata), Peltophorum dubium Taub. (favinha),

Copaifera langsdorffii Desf. (pau-d’óleo), etc. (SALGADO et al., op. Cit., p. 518-519).

Assim como as florestas ombrófilas, essa formação também se encontra bastante

descaracterizada pelas atividades antrópicas (criação de animais e expansão da monocultura da

cana-de-açúcar e do abacaxi).

FIGURA 4 – PERFIL ESQUEMÁTICO DAS FORMAÇÕES DA FLORESTA OMBRÓFILA DENSA

1) Terras baixas 2) Aluvial

Fonte: Adaptada de:SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981, p. 495.

Page 112: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

110

c) As Formações Relictuais

– Os Cerrados dos Tabuleiros

Os cerrados são conceituados como uma vegetação xeromorfa, preferencialmente de clima

estacional, com cerca de seis meses secos, podendo, todavia, ser encontrada também em áreas

dominadas pelo clima ombrófilo. Eles revestem solos pobres, lixiviados, tóxicos (aluminizados) e

apresentam sinúsias de hemicriptófitos, geófitos, fanerófitos e oligotróficos de pequeno porte, com

ocorrência por toda a zona Neotropical (BRAZÃO e SANTOS, 1997, p. 117).

No Litoral do Nordeste do Brasil os cerrados recebem a denominação particular de

“tabuleiro”, apresentando-se como uma formação arbórea e herbáceo-arbustiva similar – apesar da

menor quantidade de espécies – àquelas encontradas nas Savanas africanas, em boa parte do

Centro-Oeste do Brasil, em alguns trechos do norte da Amazônia (Roraima) e no sul da Venezuela.

Trata-se, pois, de um manto de capim espalhado por todo o solo, com árvores baixas, de troncos e

galhos retorcidos, com cascas grossas, copas abertas e raízes geralmente muito profundas,

características explicadas a partir da deficiência edáfica e hídrica.

Apesar do avanço da monocultura da cana-de-açúcar sobre os tabuleiros, na área dessa

pesquisa ainda é possível encontrar algumas áreas ocupadas pelos cerrados (tanto ao norte como ao

sul do vale do rio Mamanguape), com destaque para as formações herbáceas, arbustivas e arbóreas

(aberta e densa) (Foto 5). Vale lembrar que à medida que diminui a concentração de alumínio e

aumenta a quantidade de fósforo no solo, a vegetação torna-se maior e mais adensada, conforme

pode ser observado na Figura 5.

Foto 5 – Superfície dos tabuleiros costeiros ocupada pela formação dos cerrados (destaque para as árvores baixas e para a cobertura de capim sobre o solo). Zona rural do município de Baía da Traição, Paraíba.Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Page 113: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

111

Dentre as espécies mais características, estão: Anacardium occidental L. (cajueiro),

Hancornia speciosa Gomez (mangabeira), Byrsonima blanchetiana Miq. (murici), Caryocar

coriaceum Wittn. (piqui), Curatella americana L. (lixeira), Anacardium humile St. Hil. (cajuí),

Ouratea fieldingiana Engl. (batiputá), Stryphnodendron coriaceum Benth. (barbatimão), Myrcia

sp. (murta), Coccoloba sp. (coaçu), Parkia platycephala Benth. (faveira), etc. (MELO, 1958, p. 74).

FIGURA 5 – PERFIL ESQUEMÁTICO DAS FORMAÇÕES DA SAVANA (CERRADO)

1) Arbórea densa 2) Arbórea aberta

Fonte: Adaptada de:SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981, p. 493.

2.2.4 O SUBSTRATO GEOLÓGICO

Uma análise global da litologia paraibana mostra uma predominância do complexo

cristalino sobre os terrenos sedimentares. Estes últimos, encontrados no Litoral, constituem

afloramentos calcários ou relevos planos, pouco elevados (os tabuleiros), além de planícies

marinhas e flúvio-marinhas. Já no interior do Estado podem ser identificadas as chapadas

sedimentares e a Bacia Sedimentar do Rio do Peixe (ASSIS, 1985, p. 22).

A litologia da região do Baixo Mamanguape é basicamente constituída por rochas

sedimentares do Grupo Barreiras que datam do Cretáceo ao Holoceno. De acordo com SOUTO

MAIOR FILHO (1966, p. 183), essas rochas repousam sobre o escudo Pré-Cambriano, que por sua

vez é formado por rochas do embasamento cristalino (gnaisses e micaxistos) e rochas intrusivas

(granitos) (Quadro 10).

De forma resumida, este cenário está representado pelos (as):

a) Sedimentos Quaternários Holocênicos

O Quaternário foi um período da história geológica do planeta marcado, sobretudo, pela

ocorrência de grandes fases glaciais.

Segundo JATOBÁ (1993, p. 14-15), durante essa época inúmeros fenômenos geográficos se

processaram na superfície da Terra, dentre eles convém destacar: as variações climáticas; a

expressiva regressão marinha; a diminuição da temperatura das massas líquidas; o avanço das

Page 114: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

112

geleiras continentais nas zonas de médias e altas latitudes; as mudanças nas características da

cobertura vegetal, etc.

As áreas de baixas latitudes experimentaram significativas oscilações no regime

pluviométrico e no nível do mar (a temperatura, por sua vez, variou muito pouco). Ao longo da

costa, por exemplo, esses eventos contribuíram para a formação de depósitos sedimentares de duas

origens: os depósitos marinhos (areias dunares, recifes, sedimentos de praias, manguezais, etc.) e

os depósitos continentais, associados à períodos de variações do nível do mar (fluviais, lagunares,

aluviões, etc.).

QUADRO 10 – ESTRATIGRAFIA DO BAIXO VALE DO RIO MAMANGUAPE

Eras Períodos Principais Características

Quaternária(Antropozóica)

Holoceno

Sedimentos holocênicos englobando aluviões, dunas, areias das praias, recifes de arenito, várzeas, restingas e sedimentos vasosos dos mangues.

Terciária (Cenozóica) Neogeno

Sedimentos do Grupo Barreiras representados por argilas variegadas, arenitos avermelhados com níveis cauliníticos, cascalhos, areias, siltes e fragmentos de couraças lateríticas.

Secundária (Mesozóica)

Cretáceo Grupo Paraíba: calcários da Formação Gramame.

Pré-Cambriano Rochas do embasamento cristalino (gnaisses e micaxistos) e rochas intrusivas (granitos).

Fonte: Adaptada de:SOUTO MAIOR FILHO, Joel. Estudo Hidrogeológico do Baixo e Médio Mamanguape, PB.In: Boletim de Recursos Naturais. Recife: SUDENE, Volume 5, n° 2 e 4, abril a dezembro de 1966, p. 183.

Com efeito, as praias, as restingas e os campos de dunas vão ser marcados pela

predominância dos depósitos marinhos representados por sedimentos variados: areias quartzosas,

areias ricas em fragmentos de conchas (areias calcárias) e concentração de alguns minerais pesados

em determinados lugares.

Já nas depressões alagadas da planície costeira, nas desembocaduras dos rios e riachos e em

toda a porção estuarina do rio Mamanguape é fácil perceber a ocorrência de sedimentos arenosos,

argilosos, argilo-siltosos, vasosos, geralmente associados a uma quantidade muito expressiva de

material orgânico em decomposição (folhas, cascas, raízes, frutos, restos de animais, etc.).

Para o interior, os sedimentos do Holoceno restringem-se às partes de cotas mais baixas,

compreendidas entre elevações, ocupando os fundos dos vales encaixados nos baixos planaltos

costeiros, sopés de encostas, terraços fluviais, várzeas antigas, lagoas e depressões.

Litologicamente, esses depósitos são de natureza, granulometria e composição heterogênea, sendo

encontrados sedimentos argilosos, siltosos, argilo-arenosos, deposições orgânicas e material

grosseiro, incluindo seixos rolados (SILVA, 1995, p. 38).

Page 115: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

113

b) Depósitos Sedimentares do Grupo Barreiras

Consoante ANDRADE (1977, p. 25), os depósitos Cenozóicos costeiros da antiga

‘Formação’ ou ‘Série’ Barreiras – para a qual se propõe modernamente a denominação de Grupo

Barreiras, uma vez que não se trata de uma só unidade litocronológica nem tampouco de uma só

unidade litológica genética – são sedimentos afossilíferos de origem continental, pouco

consolidados, às vezes sub-aquáticos, mas quase sempre sub-aéreos.

Esses depósitos ocorrem de forma contínua em toda a faixa costeira, desde o estado do Rio

de Janeiro até a foz do rio Amazonas, penetrando ainda na calha do grande rio. A sua idade varia

entre o Terciário Superior e o Quaternário.

Na Bacia Pernambuco-Paraíba os depósitos sedimentares, regra geral, recobrem

desigualmente as Formações Beberibe e Gramame. Em inúmeros pontos da costa chegam a formar

tabuleiros. Estes apresentam inclinações, ora suaves, ora abruptas, em direção ao mar, dando

origem às vertentes e às falésias vivas ou mortas. CARVALHO (1982, p. 28) lembra que aos pés

dessas falésias, mais frequentemente das vivas, são comuns os terraços de abrasão, constituídos

principalmente por blocos angulosos mais resistentes, originados da crosta laterítica (óxido de

ferro) que ocorre no Grupo Barreiras.

De uma maneira geral, os sedimentos desse grupo são constituídos por argilas variegadas,

arenitos de coloração amarelada e/ou avermelhada (ferruginosos), areias e siltes, todos

apresentando granulometria bastante variada.

c) Sedimentos Mesozóicos do Grupo Paraíba

Após a realização de inúmeras pesquisas sobre a Bacia Sedimentar Pernambuco-Paraíba,

MABESSONE e SILVA (1991, p. 119) concluíram que entre as cidades de Recife (Pernambuco) e

Mamanguape (Paraíba) aparece o Grupo Paraíba com as seguintes formações sedimentares:

Beberibe (arenitos quartzosos e calcíferos), Maria Farinha (calcários detríticos e argilas) e

Gramame (calcários micríticos, calcarenitos e fosforitos).

Com efeito, a estratigrafia da região do Baixo Mamanguape vai ser marcada pela presença

de rochas calcárias oriundas da Formação Gramame (período Cretáceo), conforme pode ser

constatado no Quadro 10.

De acordo com SILVA (1995, p. 40), no Litoral Setentrional essas rochas ocorrem sob a

forma de pequenos afloramentos na margem esquerda do rio Jacaré (fazenda Caieira de Baixo), no

piso da gamboa do rio Estiva em sua margem direita (próximo ao povoado de Vau) e no riacho

Grota do Fedorento (próximo ao povoado Estiva Velha).

As maiores reservas de calcário da Paraíba, no entanto, são encontradas nos municípios do

Litoral Meridional (João Pessoa, Conde, Alhandra e Pitimbu). Devido a sua larga utilização como

matéria-prima (indústrias de cimento e cal, pedras para a construção civil, fabricação de vidros e

Page 116: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

114

mármores, preparação de corretivos de solos, etc.), esse recurso natural ocupa importante lugar na

economia regional e local.

d) Rochas do Embasamento Cristalino

As rochas do embasamento cristalino são aquelas que tiveram origem durante a era Pré-

Cambriana, ou seja, durante o período de formação da crosta terrestre. O granito e o gnaisse, por

exemplo, são as principais rochas constitutivas do escudo Brasileiro, cuja idade remonta ao

Arqueano.

Na região objeto dessa pesquisa, os granitos, micaxistos e gnaisses podem ser encontrados

em alguns pontos da várzea do rio Mamanguape, na margem da rodovia BR 101-norte e entre as

cidades de Mamanguape e Rio Tinto (próximo ao povoado de Salema). Entretanto, GATTO et al.

(1981, p. 158) lembram que muitas vezes torna-se bastante difícil estabelecer a separação do Grupo

Barreiras Indiviso, da capa de intemperismo de litologias pré-cambrianas, já que em ambos

ocorrem solos arenosos. Em alguns lugares a separação só é possível quando ainda existem

resquícios de estruturas metamórficas, como foleação ou fragmentos de veios de quartzo.

2.2.5 OS COMPARTIMENTOS GEOMORFOLÓGICOS

De acordo com GUERRA e GUERRA (2005, p. 303), a Geomorfologia é a ciência que

estuda as formas de relevo, tendo em vista a origem, estrutura, natureza das rochas, o clima da

região e as diferentes forças endógenas e exógenas que, de maneira geral, atuam como fatores

construtores e destruidores do relevo terrestre.

JATOBÁ e LINS (1998, p. 10) acrescentam ainda que o seu objeto de estudo é o relevo da

superfície do planeta, em seus aspectos genéticos, cronológicos, morfológicos, morfométricos e

dinâmicos. Esse objeto está situado na zona de contato entre a litosfera, a atmosfera e a biosfera.

Já a Geomorfologia Litorânea, segundo Antônio CHRISTOFOLETTI (1980, p. 128-129),

tem como preocupação estudar as paisagens resultantes da morfogênese marinha, na zona de

contato entre as terras e os mares. Em seus detalhes, a morfologia litorânea torna-se muito

complexa por causa da interferência de processos marinhos e subaéreos sobre estruturas e

litologias muito variadas. Além disso, os processos morfogenéticos que atuam sobre as formas de

relevo das costas, dando origem a paisagens diversificadas, são controlados por inúmeros fatores

ambientais (geológicos, climáticos, bióticos, oceanográficos, etc.), que, por seu turno, chegam a

variar de uma área para outra da costa, bem como na escala de variação temporal.

Do ponto de vista da topografia e da geomorfologia, observa-se na região do Baixo

Mamanguape algumas compartimentações litológico-estruturais, a saber:

Page 117: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

115

a) Os Baixos Planaltos Costeiros (Tabuleiros)

Os baixos planaltos costeiros constituem uma superfície sub-estrutural semi-tabular que

marca nitidamente a morfologia costeira do Estado da Paraíba. Alcançam, aproximadamente, 60

quilômetros de leste para oeste, com altitudes que vão aumentando no mesmo sentido, de 30-40

metros até 200 metros (CARVALHO, op. Cit., p. 27).

Os seus principais sub-compartimentos são:

– As Falésias

Ao se dirigirem para a costa, os baixos planaltos vão dar origem a grandes escarpas

abruptas, normalmente atingindo 45º de inclinação. Essas escarpas recebem o nome de falésias

vivas e mortas, estas últimas também são chamadas de falésias inativas.

Por estarem em contato direto com o mar, as falésias vivas exibem notável atividade

erosiva (processo de solapamento da base em função da ação das vagas oceânicas e

desmoronamento das partes superiores em função do efeito da gravidade). Esse fato é intensificado

pela fragilidade dos materiais constitutivos, normalmente sedimentos areno-argilosos, pela quase

ausência de cobertura vegetal e pelas atividades praticadas pelo homem no topo dos interflúvios

(corte de estradas, retirada de material para abastecer a construção civil, criação de loteamentos e

avanço da agricultura).

Por outro lado, as falésias mortas encontram-se totalmente protegidas da abrasão marinha,

uma vez que não sofrem mais os efeitos das ondas durante as preamares. Na verdade, elas balizam

uma antiga posição da linha de costa. Entretanto, outros fatores oriundos da própria dinâmica

continental podem ser notados nesse ambiente, tais como: ravinamento, desmoronamento,

deslizamento, solifluxão, etc. As ações humanas, descritas anteriormente, também são evidentes

sobre elas.

Na área em estudo, as falésias vivas chegam a medir entre 10 e 40 metros de altitude. Belas

feições podem ser observadas na praia do Oiteiro, município de Rio Tinto, bem como ao norte da

sede municipal de Baía da Traição, nas praias do Giz Branco, Tambá e Cardosas (Fotos 6 e 7). Já

as falésias mortas atingem até 50 metros de altitude, apresentando, contudo, inclinações menos

acentuadas. Destaque para aquelas localizadas ao norte da aldeia Tramataia, no município de

Marcação, e para as que estão situadas ao sul da sede municipal de Baía da Traição, distando cerca

de 1,3 quilômetro da linha de praia.

– As Vertentes

Vários são os processos responsáveis pela morfologia das vertentes, entre eles destacam-se

as características litológicas (natureza das rochas), as condições climáticas da região, a estrutura do

relevo e os efeitos do tectonismo.

Page 118: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

116

Foto 6 – Aspecto das belas falésias vivas situadas ao norte da sede municipal de Baía da Traição. Praia do Giz Branco, aldeia Potiguara Galego. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Foto 7 – A ação das ondas sobre as falésias provoca a desagregação e o desmoronamento dos materiais constitutivos, formando um talude na base delas. Praia do Giz Branco, aldeia Potiguara Galego, município de Baía da Traição, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Page 119: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

117

Segundo CARVALHO (op. Cit., p. 29), o modelado das vertentes que compõem os baixos

planaltos costeiros é variado. Sendo assim, elas exibem formas alongadas, côncavas e,

predominantemente, convexas; são bem dissecadas, com sulcos e ravinas alargadas pela ação do

escoamento superficial pluvial e pela interferência humana. Algumas vezes, apresentam-se

lobuladas ou com festões devido aos entalhes fluviais, caracterizando os grotões. Estes coincidem

quase sempre com áreas de cabeceiras cobertas com mata úmida, dando origem a anfiteatros com

declives acentuados.

As vertentes dos cursos d’água situados à esquerda do baixo vale do Mamanguape são mais

expressivas e apresentam inclinações bastante significativas. Destaque para os riachos Jangada,

Arrepia, Gurubu, Catolé e para os rios Tinto, Grupiúna e Jacaré. A análise da altimetria permite

também constatar a presença de belas vertentes na margem esquerda do estuário do rio

Mamanguape (nas proximidades do rio do Gelo, do porto de Marcação e dos povoados Brejinho de

Baixo e Boi Choco).

– Os Vales

No dizer de GUERRA e GUERRA (op. Cit., p. 627), os vales são formas topográficas

constituídas por talvegues e duas vertentes com dois sistemas de declives convergentes. Nesses

locais o processo de dissecação fluvial é notável, mas não único, ou seja, a forma e o traçado dos

vales estão em função de alguns elementos, a saber: o clima, a natureza das rochas, o volume do

relevo e a fase em que ele encontra-se dentro do ciclo morfológico.

Na área dessa pesquisa todos os vales foram entalhados verticalmente sobre os sedimentos

do Grupo Barreiras, atingindo em alguns pontos o embasamento cristalino. Muitos deles são

estreitos e apresentam a forma de V, característica essa que passa a ser modificada quando os rios e

riachos que divagam sobre eles atingem as áreas mais amplas das várzeas, geralmente nas porções

terminais. É o caso do rio Jacaré e do riacho São Francisco (margem esquerda do vale do

Mamanguape) e dos riachos Goité, Freve, Taberaba e Cravaçu (margem direita do referido rio).

Por fim, os vales de maior expressão são os dos rios Estiva, Sinimbu e Mamanguape, cujas

várzeas chegam a contrastar com os compartimentos mais elevados. O leito maior do rio

Mamanguape, por exemplo, chega a medir cerca de 6 quilômetros de largura na área dominada

pelos manguezais (estuário).

– Os Topos (Interflúvios)

Os topos dos baixos planaltos costeiros na Paraíba correspondem a uma superfície

aplainada ou suavemente ondulada que exibe graus diferenciados de dissecação. Regra geral,

aqueles que estão localizados no Litoral Meridional apresentam processo mais avançado de erosão,

fato explicado, principalmente, pela ocorrência de índices mais elevados de umidade e

precipitação.

Page 120: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

118

Conforme já foi discutido anteriormente (Seção 2.2.2 – A Rede Hidrográfica), os

interflúvios situados ao sul da várzea do Mamanguape encontram-se mais preservados. Além

disso, eles exibem cotas altimétricas inferiores a 90 metros, decrescendo na direção oeste-leste. Por

outro lado, os interflúvios situados na porção norte são mais dissecados e mais elevados,

ostentando cotas que atingem aproximadamente 200 metros de altitude na margem direita da

rodovia BR-101 (cerca de 10 quilômetros ao norte da cidade de Mamanguape).

b) A Planície Costeira

A planície costeira corresponde a uma faixa descontínua disposta ao longo do Litoral,

formada durante o Quaternário (Holoceno) a partir da acumulação de sedimentos de origem

marinha, fluvio-marinha, lacustre e eólica.

Na região objeto dessa pesquisa ela apresenta três feições bem distintas: ao sul do grande

estuário ela chega a medir cerca de 1,5 quilômetro de largura e exibe certa linearidade. O trecho

localizado ao norte da foz do rio Mamanguape apresenta largura semelhante. No entanto, algumas

enseadas podem ser observadas na paisagem (na praia do Coqueirinho e na ponta da Jangadinha).

Por fim, o trecho compreendido entre a porção norte da praia do Forte e a praia das Cardosas

corresponde ao mais estreito de toda a área estudada, devido à presença das imponentes falésias

vivas.

No que concerne às feições morfológicas, a planície costeira está dividida em:

– Praias Arenosas

As praias são formadas pelo conjunto de sedimentos depositados ao longo do Litoral e são

consideradas os ambientes mais dinâmicos em virtude das forças que atuam sobre elas: ação dos

ventos, dos rios, das ondas, das correntes marítimas, das tempestades, etc. A origem, composição e

preservação dos sedimentos das praias (areias, siltes, argilas, cascalhos, conchas, entre outros)

resultam da ação combinada desses fatores. Não obstante, ao considerar o trabalho realizado pelas

ondas, LEINZ e AMARAL (1985, p. 185) escreveram o seguinte:

“Numa praia ocorrem fenômenos de construção e destruição. Na época das ressacas predomina a destruição, sendo grande a quantidade de água que avança por sobre as praias (...). O contínuo vaivém das ondas seleciona os grãos ou os detritos existentes nas praias segundo o peso; os mais leves sendo carregados, ficando os mais pesados, geralmente dispostos sob a forma de cordões.”

Com efeito, a morfologia das praias vai depender da amplitude das marés, da declividade

do terreno e da intensidade do remanejamento eólico.

Page 121: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

119

– Restingas

São faixas ou línguas de areia depositadas paralelamente ao Litoral, graças ao dinamismo

das águas oceânicas. Do ponto de vista geomorfológico, o Litoral de restinga possui aspectos

típicos, tais como: faixas paralelas de depósitos sucessivos de areias, lagoas resultantes do

represamento de antigas baías, pequeninas lagoas formadas entre as diferentes flechas de areias,

dunas resultantes do trabalho do vento sobre as areias, formação de barras obliterando a foz de

alguns rios e/ou riachos, etc. (GUERRA e GUERRA, op. Cit., p. 542-543).

Duas grandes restingas podem ser facilmente identificadas na área dessa pesquisa. A

primeira estende-se por cerca de 8 quilômetros ao longo do Litoral do município de Rio Tinto,

sendo interrompida pela foz do rio Mamanguape (Foto 1). A lagoa do Saco e a lagoa da Praia,

ambas localizadas no município supracitado, constituem evidências do processo de barramento dos

pequenos riachos pelos sucessivos depósitos de areias (cordões ou flechas).

A segunda restinga rolonga-se pelo Litoral dos municípios de Marcação e Baía da Traição,

perfazendo aproximadamente 10 quilômetros de extensão. A sua formação impediu o contato dos

rios Sinimbu e Estiva com as águas do oceano Atlântico, obrigando os mesmos a caminharem

paralelamente à linha de costa. Vale lembrar que o rio Sinimbu despeja as suas águas no rio Estiva

e este despeja as suas águas no estuário do rio Mamanguape (Foto 8).

Foto 8 – Vista parcial da restinga situada ao norte da foz do rio Mamanguape. A presença dessa flecha arenosa impediu o contato do rio Estiva com as águas do oceano (destaque para os exuberantes meandros dispostos paralelamente à linha de costa e para a formação de manguezais). Praia do Coqueirinho, município de Marcação, Paraíba. Foto: Ricardo Paulo de O. Silva (data desconhecida).

Page 122: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

120

– Dunas

São montes de areia móveis depositados em uma área pela ação dos ventos dominantes. A

sua formação só é possível em locais onde existe uma grande quantidade de sedimentos

disponíveis para serem transportados pelos ventos.

Segundo PRATES et al. (1981, p. 316), as dunas apresentam diferentes colorações

relacionadas com a idade, a alteração e a mobilidade. A respeito desses dois últimos aspectos, os

autores lembram que geralmente as dunas móveis possuem cores claras. Já aquelas que são

parcialmente fixadas pela vegetação arbóreo-arbustiva exibem coloração variando de creme ao

vermelho. As de cor creme são mais altas, estão situadas próximas ao mar e constantemente são

reativadas em decorrência de processos naturais e artificiais.

Na área dessa pesquisa, as dunas estão distribuídas de forma oblíqua ao Litoral e são

formadas pela ação dos ventos alísios de SE-E. Com efeito, podem-se destacar dois setores

dunares, ambos separados pela foz do rio Mamanguape. Um deles compreende o trecho entre as

praias do Oiteiro e Barra de Mamanguape (porção sul da várzea) e o outro compreende o trecho

entre as praias do Coqueirinho e Trincheira (porção norte da várzea).

Vale ressaltar que o setor sul exibe as dunas mais significativas, conforme destacou

CARVALHO (op. Cit., p. 21-22):

“Na Barra de Mamanguape, as dunas ocorrem em dois alinhamentos paralelos que separam a praia da planície marinha. O mais antigo constitui formações semi-fixa e fixa, com altitude média de 10-12 metros acima do nível do mar, para as dunas mais elevadas, e de 4-6 metros, para as mais baixas, apresentando declives acentuados em ambas as faces. A face externa, voltada para o mar, encontra-se coberta por vegetação rala de praia (...), que deixa grande parte do terreno exposto; esses terrenos são constituídos por areias quartzozas, de granulação média a fina, remanejadas por rastejamento e pela ação eólica. (...) Na face interior, a vegetação é ainda rala, com trechos exíguos de vegetação arbustiva. (...)

O segundo alinhamento compreende uma formação em franco desenvolvimento que se coloca ao pé do anterior. Apresenta altitude média entre 1,0 e 1,5 metros da crista à base, medidos na face interna, onde o declive é bem acentuado. Na face a barlavento a inclinação é pequena e pode-se perceber uma superfície rugosa (riple marks) refletindo uma ação constante dos ventos de sudeste que emprestam mobilidade a esta forma de relevo litorânea.”

– Estuários

Os estuários são ecossistemas representados pela comunicação de um rio com o mar

(flúvio-marinho), constituindo assim um ambiente relativamente complexo onde geralmente

ocorrem formações de manguezais. Eles apresentam ainda propriedades inerentes aos sistemas

Page 123: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

121

dulciaqüícola e marinho, com certo gradiente de salinidade e propriedades peculiares (GRISI, 2000,

p. 79).

Na região em apreço, pode-se destacar o grande estuário do rio Mamanguape, cuja

exuberante floresta de mangue estende-se até a cidade de Rio Tinto, formando uma bela paisagem.

O rio Estiva, principal tributário do Mamanguape, exibe um pequeno trecho coberto por essa

vegetação e ambos descrevem notáveis meandros nas proximidades das desembocaduras (Fotos 2 e

8), dando origem, inclusive, a inúmeras gamboas.

Por fim, os estuários apresentam grandes concentrações de areias, argilas, siltes,

sedimentos vasosos, material detrítico e restos de animais e plantas em processo de decomposição.

A associação dessas características com as condições climáticas e botânicas contribui para

transformar esses locais em áreas propícias à alimentação e à reprodução de várias espécies de

animais (peixes, crustáceos, répteis, aves, insetos, etc.).

– Lagoas e Depressões

As lagoas são corpos de água que mantêm conexão mais ou menos restrita com o mar

aberto, ligadas a ele por intermédio de barras que permanecem fechadas durante certo período.

Regra geral, no Litoral elas apresentam formas alongadas, são rasas, estreitas e separadas do mar

por uma barreira arenosa de largura variada (duna e/ou restinga) (NEVES, 1993, p. 39).

A lagoa do Saco e a lagoa da Praia, mencionadas anteriormente, representam bons

exemplos dessa dinâmica costeira. Elas são abastecidas pelas fontes subterrâneas (lençol freático),

pelas águas dos riachos existentes e pelas descargas pluviométricas, o que lhes confere a presença

de uma água com característica salobra.

As depressões, por sua vez, ocupam as porções mais baixas da planície costeira e estão

dispostas entre as dunas e os cordões arenosos ou entre os cordões e as escarpas dos baixos

planaltos (falésias mortas). Nesse aspecto, destacam-se as amplas áreas encharcadas ao longo da

calha do rio Sinimbu, nas cercanias da cidade de Baía da Traição, onde dominam os campos de

várzea com espécies higrófilas, hidrófilas e halófilas (Foto 9). Essas depressões podem também ser

encontradas na periferia do estuário do rio Mamanguape.

c) As Planícies Aluviais (Várzeas)

Assim como a planície costeira, as planícies aluviais (várzeas) também foram formadas

durante o Quaternário (Holoceno) a partir da acumulação de depósitos de natureza variada

(materiais arenosos, argilosos, areno-argilosos, orgânicos, cascalheiros, etc.). Na verdade, o

pequeno gradiente dos rios e a maior capacidade erosiva a montante dos mesmos são responsáveis

pela elaboração dessas áreas, também chamadas de planícies de inundação porque, por ocasião das

cheias, a elevação do nível das águas provoca o transbordamento sobre as margens, inundando as

áreas baixas marginais (NEVES, op. Cit., p. 45-46).

Page 124: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

122

Vale ressaltar que as planícies aluviais adquirem maior expressividade espacial quando os

rios de maior vazão atingem superfícies planas e com baixos níveis altimétricos, ou seja, nas

porções terminais. Nesses locais, os processos de deposição de sedimentos são mais intensos em

relação aos processos de erosão. Na área objeto dessa pesquisa destacam-se as planícies dos rios

Mamanguape, Estiva, Sinimbu (Foto 9) e Jacaré. No caso dos dois primeiros, ressalta-se a

ocorrência de áreas cobertas por manguezais e, no caso dos dois últimos, a existência de grandes

áreas pantanosas (encharcadas).

Foto 9 – Vista panorâmica da planície do rio Sinimbu. Em primeiro plano, destacam-se os campos de várzea (higrófilos e hidrófilos) e, ao fundo, as falésias mortas ocupadas por densa vegetação. Município de Baía da Traição, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

2.2.6 OS SOLOS

De acordo com SOUZA (1997, p. 76), o solo diz respeito a uma parcela dinâmica da

superfície terrestre que suporta e mantém as plantas. Suas características são decorrentes da

combinação de vários fatores, tais como: material de origem (rocha matriz), formas de relevo,

condições climáticas, ação dos seres vivos, evolução do tempo, acrescidos dos efeitos de uso pelo

homem.

A região do Baixo Mamanguape, objeto de investigação desta pesquisa, apresenta uma

grande variedade de tipos de solos decorrente da integração dos fatores apontados anteriormente.

Com efeito, os principais tipos encontrados na área são os seguintes:

Page 125: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

123

a) Areias Quartzosas Marinhas Distróficas

São solos brutos, muito profundos, de baixa fertilidade natural, excessivamente drenados,

ácidos a fortemente ácidos, que apresentam sérios problemas de erosão nas áreas expostas à ação

dos ventos (SILVA, 1995, p. 75).

Eles estão dispostos na estreita faixa de terras que acompanha o Litoral, área essa dominada

pelas praias, pelas dunas e pelas restingas. Outras características também podem ser destacadas – a

topografia relativamente plana e as baixas altitudes, quase sempre inferiores a 10 metros.

Vale lembrar que esses solos foram constituídos durante o Holoceno e que o material

originário é composto basicamente por sedimentos de origem marinha e eólica (areias quartzosas

não consolidadas) cuja coloração que varia do branco ao cinzento. Os principais tipos de vegetação

encontrados sobre eles são as formações pioneiras pantropicais, as formações da restinga e os

coqueirais, todos já bastante descaracterizados pela ação do homem (construção de loteamentos,

casas de veraneio, bares, pousadas, etc.).

b) Areias Quartzosas Distróficas

Esta classe compreende solos areno-quartzosos, muito profundos e com baixos teores de

argila. São também excessivamente drenados, possuem baixa fertilidade natural e horizonte A

fracamente desenvolvido (NEVES, op. Cit., p. 89).

Esses solos podem ser vistos nos topos dos tabuleiros costeiros e exibem várias limitações

às práticas agrícolas, tais como: baixa fertilidade natural, já referida anteriormente; acidez elevada;

pouca capacidade de retenção de água e nutrientes; dificuldade para a realização de processos de

adubação e correção, entre outras. As formações vegetais dominantes nesses locais são os cerrados

e alguns pequenos trechos de floresta subperenifólia.

c) Solos Aluviais Eutróficos

Classe integrada por solos pouco desenvolvidos, cuja profundidade varia de

moderadamente a muito profundos, formados a partir de deposições de sedimentos aluviais e

colúvio-aluviais não consolidados, de natureza e granulometria bastante variadas, referidos ao

Holoceno (SOUZA et al., 1981, p. 407).

Além disso, eles exibem grande fertilidade natural devido à heterogeneidade dos

sedimentos que são transportados e depositados ao longo das várzeas dos rios e riachos que

drenam a área em questão, locais ocupados tradicionalmente pela monocultura da cana-de-açúcar

e, em menor proporção, pela pequena agricultura de vazante (roças) em função das próprias

condições já referidas.

d) Solos Indiscriminados de Mangues

Esses solos ocorrem, do ponto de vista geomorfológico, nas planícies de marés localizadas

principalmente no complexo estuarino dos rios Mamanguape e Estiva. Eles são salinos

Page 126: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

124

(halomórficos), bastante saturados de água e possuem alto teor de matéria orgânica em função da

intensa atividade biológica existente nesses ambientes (MARINHO, op. Cit., p. 58). Além disso,

podem-se encontrar também sedimentos argilosos, argilo-siltosos, vasosos e arenosos, estes

últimos ocupando principalmente as áreas periféricas dos estuários.

Os manguezais representam a formação vegetal dominante nesses locais, uma vez que

conseguem se desenvolver e se adaptar a essas condições particulares. Apesar desses solos

apresentarem significativas limitações para uso humano (agricultura, criação de animais,

construção civil, etc.), devido a grande quantidade de sais e água decorrentes do movimento de

fluxo e refluxo das marés, podem-se observar algumas alterações recentes na paisagem

relacionadas ao processo de aterramento para construção de estradas, casas e abertura de tanques

para a criação de camarão (carcinicultura).

e) Solos Podzólicos Vermelho-Amarelo Distróficos

São aqueles desenvolvidos a partir de sedimentos argilo-arenosos do Grupo Barreiras,

aparecendo sobre os baixos planaltos costeiros. Em geral, são solos profundos, ácidos e com

drenagem imperfeita. Por razão da baixa disponibilidade de nutrientes em sua composição química

e ao alto teor de acidez, oferecem restrições consideráveis ao cultivo de produtos agrícolas,

necessitando, portanto, de adubação e aplicação de corretivos para minimizar as deficiências

(NEVES, op. Cit., p. 92).

Inúmeras culturas agrícolas podem ser encontradas sobre esses solos, destacando-se,

contudo, as culturas da cana-de-açúcar e do abacaxi. Na verdade, elas são responsáveis pela

destruição dos cerrados e da floresta subcaducifólia que recobriam originalmente os topos dos

tabuleiros.

f) Solos Podzólicos Vermelho-Amarelo Eutrófico

São solos desenvolvidos a partir de rochas do Pré-Cambriano e em áreas de contato destas

como os sedimentos do Barreiras. Eles exibem horizonte B textural, não hidromórficos, com argila

de atividade baixa e saturação de bases média e alta, apresentando, em geral, baixa saturação com

alumínio. É característico nesses solos a presença de um horizonte A proeminente (SILVA, 1995, p.

77).

Sobre eles podem ser encontrados ainda alguns remanescentes das formações florestais dos

tabuleiros: a floresta ombrófila densa (floresta subperenifólia) e a floresta estacional semidecidual

(floresta subcaducifólia), ambas bastante devastadas pelo avanço da pecuária extensiva e da

monocultura da cana-de-açúcar na região.

g) Solos Podzol Hidromórfico

Esta classe é constituída por solos com horizonte B podzol, hidromórficos, muito arenosos,

bem diferenciados, profundos, ácidos, com saturação de bases muito baixa e alta saturação com

Page 127: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

125

alumínio. São solos de fertilidade natural excessivamente baixa, com drenagem imperfeita ou má.

A permeabilidade, entretanto, é rápida no horizonte A e lenta ou imperfeita nas demais camadas, o

que contribui para acumulação de água na superfície durante a época das chuvas (SILVA, 1995, p.

78-79).

Eles podem ser observados nos topos dos tabuleiros e em alguns terrenos arenosos da

planície costeira. As vegetações identificadas sobre esses solos – os cerrados e a restinga (floresta

baixa e formações arbustivas e herbáceas) – encontram-se bastante alteradas pelas ações do

homem.

h) Solos Gley Distróficos Indiscriminados

Estes solos desenvolvem-se a partir de sedimentos não consolidados, referidos ao

Holoceno. São hidromórficos gleizados, com baixa saturação de bases e textura desde arenosa até

argilosa, formados em terrenos baixos sob influência do lençol freático durante todo o ano ou pelo

menos durante um longo período, em decorrência do relevo que condiciona má drenagem (NEVES,

op. Cit., p. 93-94).

Estes sedimentos aluviais e colúvio-aluviais são provenientes de áreas mais distantes e

foram depositados nas porções terminais dos principais rios que drenam a região, a exemplo do

Mamanguape, Estiva, Sinimbu e Jacaré. Eles podem também ser vistos nas proximidades das

lagoas do Saco e da Praia e sobre os mesmos desenvolvem-se os campos de várzea com espécies

higrófilas, hidrófilas e halófilas.

Page 128: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

CAPÍTULO 3

A EXPERIÊNCIA CANAVIEIRA NA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE

Page 129: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

127

CAPÍTULO 3

A EXPERIÊNCIA CANAVIEIRA NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE

“O Santa Fé ficava encravado no engenho do meu avô. As terras do Santa

Rosa andavam léguas e léguas de norte a sul. O velho José Paulino tinha este gosto: o de perder a vista nos seus domínios. Gostava de descansar os

olhos em horizontes que fossem seus. Tudo o que tinha era para comprar terras e mais terras. Herdara o Santa Rosa pequeno, e fizera dele um reino,

rompendo os seus limites pela compra de propriedades anexas.” REGO, José Lins do. Menino de Engenho.

3.1 A NATUREZA DO PROJETO COLONIAL AÇUCAREIRO E A CONSOLIDAÇÃO DO

LATIFÚNDIO NO NORDESTE DO BRASIL

O surgimento da grande propriedade rural no Brasil, comumente denominada de latifúndio,

remonta ao período da colonização lusitana nas terras localizadas à leste do meridiano de

Tordesilhas, linha divisória estabelecida a partir do acordo celebrado com a Espanha em 1494.

Com efeito, esse processo de conquista territorial está também relacionado aos principais

acontecimentos observados na Europa, África e Ásia a partir do século XV.

Segmentos da burguesia comercial e da nobreza lusitanas, esta última representada pela

dinastia de Avis, haviam se empenhado com firmeza no projeto de devassar os longínquos oceanos

com o propósito de encontrar uma saída para a crise que enfrentavam naquela ocasião: de um lado,

a concorrência política e econômica com outras nações européias (Espanha, Itália, Holanda, França

e Inglaterra) e, de outro, o bloqueio das cidades de Constantinopla e Alexandria10 pelos turcos-

otomanos, gerando problemas de abastecimento de produtos oriundos dos distantes mercados

orientais (seda, chá, lã, pimenta, gengibre, cravo-da-índia, noz-moscada, essências aromáticas,

papiro, etc.).

O descobrimento de um caminho para as Índias, através do Atlântico, tornara-se possível

graças ao grande aperfeiçoamento técnico alcançado na Península Ibérica, tendo Portugal papel de

vanguarda. De fato, foram os portugueses os responsáveis pelas maiores conquistas no campo da

navegação, uma vez que inventaram a caravela, aperfeiçoaram o uso dos instrumentos de

orientação (bússola, astrolábio e quadrante) e desenvolveram uma cartografia moderna, voltada

para as necessidades dos exploradores. Toda essa revolução significava para os portugueses o

monopólio sobre o comércio dos produtos citados anteriormente, quebrando a hegemonia dos

10 Em 1453 Constantinopla foi dominada pelos turcos, tornando-se a capital do Império Otomano. Na ocasião, passa a se chamar Istambul (ARRUDA, 1996, p. 18). Alexandria era uma grande cidade portuária localizada no delta do rio Nilo, às margens do mar Mediterrâneo. Devido à localização privilegiada, elas formavam importantes centros comerciais, elos de ligação entre o oriente e o ocidente.

Page 130: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

128

italianos e dos mouros, limitados ao mar Mediterrâneo e às rotas que atravessavam os inóspitos

desertos da Àsia Menor e Central.

A epopéia marítima lusitana ganhara ressonância em todos os cantos do planeta, alargando

de maneira significativa os horizontes geográficos da época e contribuindo decisivamente para as

explorações dos continentes africano, asiático e americano. Ademais, ela foi vital para a

consolidação do capitalismo comercial enquanto modo de produção e organização do espaço-

mundo.

Fernando PESSOA (1980, p. 46), grande personagem da cultura portuguesa no século XX,

imortalizou através da poesia a fase áurea dessas conquistas. Em seus versos:

“(...) A alma é divina e a obra é imperfeita Este padrão sinala ao vento e aos céus Que, da obra ousada, é minha a parte feita: O por-fazer é só com Deus

E ao imenso e possível oceano Ensinam estas quinas, que aqui vês Que o mar com fim será grego ou romano: O mar sem fim é português [grifo nosso]

E a cruz ao alto diz que o que me há na alma E faz a febre em mim de navegar Só encontrará de Deus na eterna calma O porto sempre por achar.” [grifo nosso].

Ao longo de todo o século XV, os navegadores que estavam a serviço da Coroa portuguesa

concentraram esforços na exploração da costa ocidental da África, em busca de ouro e escravos,

bem como na colonização das ilhas do Atlântico Norte (Madeira, Açores, São Tomé e Cabo

Verde), onde realizaram com sucesso o cultivo da cana-de-açúcar. No início do século seguinte

eles já haviam ultrapassado o Cabo da Boa Esperança, porção mais meridional daquele continente,

ávidos pelas riquezas das Índias. Nessa mesma época atingiram o Litoral brasileiro, donde

começaram a exploração de maneira tímida.

Durante as três primeiras décadas do século XVI, a extração de árvores, notadamente o pau-

brasil (Caesalpinia echinata), representou a principal atividade econômica do território brasileiro

recém-descoberto. Encontradas em grande quantidade no interior da exuberante formação vegetal

que recobria o Litoral Oriental do Brasil (Mapa 19), sua exploração não exigia a ocupação

definitiva das terras e nem muito menos a presença constante dos colonizadores. Estes,

aproveitando-se da benevolência dos nativos, estabeleceram as bases de um comércio nos quais os

produtos da floresta eram trocados por quinquilharias e transportados até os navios que, após o

carregamento, seguiam além-mar em direção às principais metrópoles européias onde seriam

Page 131: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

129

finalmente utilizados na produção de remédios, na indústria de tingimentos, na fabricação de

embarcações e móveis e na construção civil.

MAPA 19 – AS ATIVIDADES ECONÔMICAS DO TERRITÓRIO

COLONIAL PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XVI

Fonte: Adaptado de: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de (et al.). Atlas Histórico Escolar. Rio de Janeiro: FAE, 8ª edição, 1988, p. 20.

O fato de não ter firmado as bases de uma política estável de exploração do solo, fez com

que Portugal sentisse de perto a intromissão de corsários ingleses, holandeses e, sobretudo,

franceses, conforme salienta ALMEIDA (1997, p. 41):

“Desde o Tratado de Tordesilhas, 1494, celebrado entre Portugal e Espanha, mostrou-se a França inconformada por não ser admitida a participar da partilha das terras que viessem a ser descobertas no aquém mar. Em represália, estimulou o corso e a pirataria, sob a proteção da bandeira francesa, no deliberado intuito de apoderar-se de um pedaço do novo mundo.

Os destemidos corsários da Normandia e da Bretanha não cessavam de saltear as costas brasileiras e de atacar os navios portugueses que demandavam os portos do reino, carregados de pau brasil ou de especiarias da Índia.”

Celso FURTADO (1991, p. 6) lembra ainda que a ocupação sistemática desse território seria

uma conseqüência da pressão política exercida sobre Portugal pelas demais nações européias.

Nestas últimas, prevalecia o princípio de que os portugueses não tinham direito senão àquelas

terras que houvessem efetivamente ocupado.

Page 132: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

130

De posse desse entendimento, o rei D. João III incubiu Martim Afonso de Souza,

importante homem da Corte, de realizar a ocupação e a divisão político-territorial do Brasil. Assim

sendo, no ano de 1531 foram distribuídas as primeiras sesmarias àquelas pessoas que tivessem

interesse de morar e fazer produzir a terra. Na verdade, os primeiros colonos assentados não eram

pessoas ligadas à elite lusitana, mas sim médios comerciantes, militares, navegadores e burocratas

que, de algum modo, haviam prestado serviços à Coroa.

Essa primeira tentativa de ocupação teve fôlego curto. As dificuldades encontradas pelos

sesmeiros obrigaram o governo português a instaurar, em 1534, o sistema de capitanias

hereditárias, com o propósito de dinamizar o povoamento e expandir os campos cultivados com a

cana-de-açúcar. Tal experiência já havia logrado êxito nas ilhas do Atlântico, conforme foi

mencionado anteriormente.

As capitanias, ou donatarias como também eram conhecidas, constituíam grandes porções

de terra, de larguras que variavam entre 30 e 100 léguas, que se estendiam do Litoral até o limite de

Tordesilhas. Com efeito, as linhas paralelas (imaginárias) que delimitavam cada uma delas foram

traçadas de maneira arbitrária, uma vez que não levavam em consideração a existência de serras,

chapadas, vales, florestas, campos, territórios indígenas, etc., denunciando o desconhecimento dos

aspectos naturais e sociais do imenso território colonial.

De acordo com BUENO (2003, p. 42-43), do atual Maranhão às proximidades de Laguna

(Santa Catarina), o território brasileiro foi repartido em 15 capitanias, distribuídas a 12 donatários

(Mapa 20). Ao contrário das sesmarias, elas foram doadas a figuras importantes da Corte que, de

imediato, ficariam encarregados pela sua colonização, assumindo inclusive os custos do

empreendimento. Entretanto, a falta de interesse dos donatários acabou frustrando essa nova

tentativa de ordenamento territorial. Algumas capitanias jamais chegaram a ser ocupadas, outras

experimentaram tímidas tentativas de povoamento. De todas elas, apenas duas conseguiram se

manter desde o início: São Vicente, concedida a Martim Afonso de Souza, e Pernambuco,

concedida e administrada com muito sucesso por Duarte Coelho.

Vale ressaltar que essas unidades territoriais eram autônomas e profundamente

desarticuladas entre si. Segundo o professor Manuel Correia de ANDRADE (1995, p. 30), elas não

atingiram o êxito esperado pela Coroa em função de alguns fatores, a saber: a grande extensão dos

lotes (o maior deles chegava a medir cerca de 600 quilômetros de largura), a falta de recursos

pecuniários para manter o empreendimento (gastos com infra-estrutura, emprego de força de

trabalho), a dificuldade de adaptação dos colonizadores ao ambiente tropical e a forte resistência

por parte dos grupos indígenas que habitavam o território.

Apesar dos êxitos e fracassos observados nos primeiros tempos da colonização, esse

modelo de estrutura fundiária que começou a ser esboçado iria se reproduzir pelos cinco séculos

seguintes. Em outras palavras, ele seria o embrião do latifúndio canavieiro, algodoeiro, cacaueiro e

Page 133: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

131

pecuarista no Nordeste; do latifúndio cafeicultor no Sudeste; das estâncias de gado no Sul; do

latifúndio da borracha e da pecuária na Amazônia, para citar apenas alguns exemplos.

MAPA 20 – AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS EM 1534

Fonte: Adaptado de: ARRUDA, José Jobson de A. Atlas Histórico. São Paulo: Ática, 14ª edição, 1996, p. 36.

O Litoral Oriental do Nordeste, mais especificamente a área compreendida entre a

capitania de Itamaracá, passando pela próspera capitania de Pernambuco, até a capitania da

Bahia de Todos os Santos, foi o palco onde floresceu a chamada civilização do açúcar (Mapas 19

e 20).

Os portugueses ali estabelecidos encontraram condições bastante favoráveis à expansão da

monocultura açucareira. A própria localização da Zona da Mata corroborava para que o tempo e os

custos de transporte do açúcar e de outros produtos em direção aos mercados metropolitanos

fossem reduzidos, fato que colocou o Nordeste em uma posição confortável em relação às demais

áreas do Litoral (Mapa 19). Além disso, outros fatores de ordem natural devem ser destacados: a

presença de um clima chuvoso, quente e úmido, associado à ocorrência de um solo argiloso de

elevada fertilidade natural (massapê) e de uma topografia suave, contribuíram para que os partidos

Page 134: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

132

de cana-de-açúcar se alastrassem rapidamente pelas várzeas de importantes rios que drenam a área

em questão, a exemplo do Mamanguape, Paraíba do Norte, Goiana, Igarassu, Capibaribe,

Pirapama, Ipojuca, Serinhaém, etc.

Esse processo foi acompanhado pela derrubada de longos trechos de floresta e instalação de

unidades produtivas (engenhos reais e engenhocas), onde eram fabricados além do açúcar –

principal produto destinado aos mercados supracitados – o mel de furo, a rapadura e a aguardente,

sendo esta última um subproduto consumido na colônia e exportado em quantidades significativas

para as costas africanas, onde servia para alimentar o tráfico negreiro11 (PRADO JÚNIOR, 1987, p.

38). Ao lado do comércio de açúcar, o comércio de homens proporcionava vultosos rendimentos

aos aristocratas, latifundiários e traficantes, fato que fez com que a escravidão se difundisse por

mais de três séculos, perdurando mesmo depois da decadência econômica do Nordeste.

O aumento considerável da população escrava que desembarcava dos “tumbeiros”, ainda

que em condições deploráveis, podia ser interpretado como um indicador positivo do crescimento

da economia açucareira, cujos reflexos estavam associados também ao aumento do número de

engenhos, conforme destaca FERLINI (1988, p. 24):

“Os primeiros engenhos de Pernambuco começaram a funcionar a partir de 1535, com Duarte Coelho. Em 1550, já eram 4 os estabelecimentos, 30 em 1570 e 140 na época da conquista holandesa. A produção canavieira avançava para a Paraíba e para o Rio Grande do Norte, que em meados do século XVII possuíam cerca de 22 engenhos.

No século XVI, a produção também prosperava na Bahia. O Recôncavo, que em 1570 contava com 18 engenhos, em 1584 já atingia 40 unidades de produção.

Ao final do primeiro século de colonização, o Brasil produzia anualmente 350 mil arrobas de açúcar,” contribuindo para reduzir os preços desse produto nos mercados europeus e para disseminar o seu consumo entre a população.”

Caio PRADO JÚNIOR (1987, p. 32) lembra que antes da introdução dos canaviais no

Nordeste do Brasil, o açúcar chegava à Europa em pequenas quantidades e por isso era vendido em

boticas, pesado em gramas. O mesmo era fornecido pela Sicília, Madeira, Cabo Verde e pelo

oriente de onde chegava por intermédio dos árabes e dos traficantes italianos do Mediterrâneo.

Tratava-se, portanto, de um artigo de luxo consumido exclusivamente pelas pessoas mais

abastadas da sociedade.

O Nordeste açucareiro viu nascer importantes cidades, todas erguidas na franja litorânea:

Recife, Igarassu (1535), Olinda (1537), Salvador (1549) e Nossa Senhora das Neves, atual João

11 Na África, milhares de negros (homens, mulheres e crianças) passaram a ser sistematicamente capturados por outros negros e conduzidos até às feitorias localizadas no Litoral para serem trocados por cachaça e tabaco. Essa mão-de-obra representou, sem sombra de dúvidas, a grande força motriz que esteve por trás da grande empresa agrícola colonial.

Page 135: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

133

Pessoa (1585)12. Para elas convergiam os capitais provenientes de banqueiros e negociantes

holandeses, quase sempre judeus, que seriam utilizados não apenas na constituição e expansão das

lavouras, mas também na infra-estrutura necessária ao funcionamento de todo o empreendimento

colonial (melhoramento dos portos, compra de equipamentos, construção de estradas, casas,

edifícios públicos, igrejas, cemitérios, oficinas, armazéns, etc.).

Com o tempo essas cidades passaram a atrair cada vez mais pessoas da Europa, motivadas

pela possibilidade de conseguir terra para cultivar ou mesmo trabalho nas instalações urbanas.

Alimentar toda essa população, juntamente com o grande contingente de escravos, exigia certo

esforço no que concerne à produção de gêneros de subsistência como a mandioca, o cará, o feijão,

o arroz e o milho, produtos cultivados no interior dos próprios engenhos, normalmente em áreas

que foram relegadas pela monocultura da cana-de-açúcar em função das limitações edáficas, como

é o caso dos tabuleiros arenosos.

Regra geral, as terras dos engenhos exibiam nítida espacialização da produção. De um lado,

os partidos de cana ocupando os melhores “nichos”; de outro, as atividades complementares –

áreas destinadas às culturas de subsistência, pastagens e reservas florestais de onde se extraia as

madeiras de jacarandá, sucupira, cedro, ipê, visgueiro, pau-d’árco, entre outras que eram utilizadas

na construção de embarcações, casas, móveis e na produção de lenha, fonte energética

indispensável ao funcionamento das fornalhas.

A intensificação da produção de açúcar significava maior demanda desse combustível,

acarretando assim o definhamento dos bosques localizados nos arrabaldes dos engenhos. Diante

desta situação, restava ao proprietário ordenar a procura por madeiras em terras cada vez mais

distantes, sendo que, para isso, contava com a ajuda de escravos e animais de tração (cavalos,

éguas e bois) que foram trazidos pelos europeus. Esses animais eram utilizados ainda no transporte

da cana, no processo de moagem e no escoamento do produto final (açúcar e aguardente) em

direção aos terminais de exportação (portos).

Percebe-se, dessa maneira, que a monocultura foi introduzida nas terras do Nordeste de

maneira voraz, impiedosa, destruindo tudo o que encontrava pelo caminho. Com efeito, a

diversidade dos ecossistemas foi rompida pela uniformidade dos canaviais e os espaços coletivos

das nações indígenas, anteriormente destinados ao roçado, à pesca, à caça e à coleta, foram

suprimidos em nome do processo “civilizatório”. A esse respeito, o sociólogo Gilberto FREYRE

(1967, p. 45) escreveu o seguinte:

“Sabe-se o que era a mata do Nordeste, antes da monocultura da cana: um arvoredo ‘tanto e tamanho e tão basto e de tantas plumagens que não podia homem dar conta.’

12 De acordo com MORAES (1999, p. 31), essas cidades funcionavam como centros de atração e difusão dos fluxos comerciais e financeiros, articulando a hinterlândia explorada com as rotas oceânicas. Daí a razão dos seus sítios urbanos estarem situados nas margens de rios, baías e/ou estuários.

Page 136: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

134

O canavial desvirginou todo êsse mato grosso do modo mais cru: pela queimada. A fogo é que foram se abrindo no mato virgem os claros por onde se estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador [grifo nosso].

O canavial hoje tão nosso, tão da paisagem desta sub-região do Nordeste que um tanto irônicamente se chama ‘a zona da mata’, entrou aqui como um conquistador em terra inimiga: matando as árvores, secando o mato, afugentando e destruindo os animais e até os índios, querendo para si tôda a fôrça da terra. Só a cana devia rebentar gorda e triunfante do meio de tôda essa ruína de vegetação virgem e de vida nativa esmagada pelo monocultor.”

E acrescentou ainda:

“A floresta tropical, devastada pelo colonizador português no interêsse quase exclusivo da monocultura da cana ou da Metrópole faustosa, era um obstáculo enorme a ser vencido pela colonização agrária do Nordeste. O colonizador português venceu tão poderoso inimigo, destruindo-o.” (FREYRE, op. Cit., p. 54).

Assim sendo, na medida em que os solos ocupados pela cana-de-açúcar iam demonstrando

sinais de esgotamento, os senhores de engenho necessitavam ocupar novas áreas para recomeçar o

ciclo destrutivo, seguindo sempre a mesma seqüência: coivara – cultivo – colheita – abandono dos

terrenos. Esta prática perdurou durante séculos e provocou a degradação dos recursos naturais

(água, solos, fauna e flora), sem falar nos danos sociais desencadeados a partir do avanço da

monocultura.

Esse modelo de exploração praticado sem a devida preocupação com os elementos do meio

físico, associado à ausência de aperfeiçoamento técnico da produção agrícola, contribuiu para a

decadência social, política e econômica da empresa portuguesa nas terras do Nordeste brasileiro. O

açúcar produzido pelos holandeses nas Antilhas (Caribe), em meados do século XVII, chegaria à

Europa em condições econômicas mais vantajosas, uma vez que o cultivo e a industrialização

experimentaram progressos substanciais. Além disso, o açúcar de beterraba já estava sendo

produzido em larga escala no velho continente.

De acordo com PRADO JÚNIOR (1987, p. 87), o desenvolvimento da agricultura brasileira

nesse período, embora bastante considerável, era muito mais quantitativo que qualitativo. No que

se refere ao aperfeiçoamento técnico, o progresso observado era praticamente nulo. Veja as razões

apontadas pelo autor:

���� O método empregado no preparo do terreno era bastante pernicioso ao meio ambiente: a coivara

figurava como um poderoso instrumento de destruição dos recursos faunísticos, florísticos e

edáficos;

���� Os instrumentos agrícolas estavam limitados à enxada e ao machado;

Page 137: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

135

���� Os senhores de engenho sequer cogitavam usar o bagaço da cana-de-açúcar como adubo

orgânico e/ou combustível, coisa que nas colônias inglesas, francesas e holandesas já se tornara

processo rotineiro. O próprio esterco dos animais era desperdiçado;

���� A irrigação tão necessária em muitos lugares e relativamente fácil em vários casos, devido à

presença de importantes cursos d’água, era desprezada;

���� A drenagem dos solos e outros processos de regularização do fornecimento da água eram

praticamente desconhecidos na colônia;

���� Não existia preocupação com a escolha ou seleção de variedades de cana. Até o início do século

XIX só se conhecia uma variedade de cana-de-açúcar, a mesma que se cultivava desde o início

da colonização (cana crioula);

���� Os engenhos continuavam operando com aparelhagem obsoleta, resultando numa produção com

baixo rendimento. Apenas algumas fábricas utilizavam a água corrente como força motriz e a

maioria dos engenhos se restringia ao uso da força animal (animais de tiro) (PRADO JÚNIOR,

1987, p. 87-90).

Page 138: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

136

3.2 O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DO BAIXO VALE DO RIO MAMANGUAPE

Antes de discorrer sobre a ocupação do vale em apreço, torna-se oportuno lembrar que,

segundo Ambrósio Fernandes BRANDÃO13 (Diálogos das Grandezas do Brasil) apud ALMEIDA

(1997, p. 172), as riquezas do Brasil, no início do século XVII, consistiam em seis coisas: a

primeira, a lavoura do açúcar; a segunda, a mercancia; a terceira, o pau a que chamam Brasil; a

quarta, o algodão e as demais espécies de madeira; a quinta, a lavoura de mantimentos; a sexta e

última, a criação de gado. De todas estas coisas, o principal nervo e substância da riqueza da terra

era a lavoura do açúcar.

De fato, o relevo dado à grande lavoura açucareira vai estar presente também nas

descrições feitas por outros cronistas que percorreram esse território, como André Antonil, Adrien

van der Dussen e Elias Herckman. Além disso, a importância dessa atividade para a formação

social, cultural, política e econômica do Brasil pode ser observada ainda nas obras de grandes

cientistas sociais brasileiros, a exemplo de Casa Grande & Senzala e Sobrados & Mocambos, de

Gilberto Freyre; Geografia da Fome, de Josué de Castro; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de

Holanda; A Terra e o Homem no Nordeste e Os Rios do Açúcar do Nordeste Oriental, de Manuel

Correia de Andrade; O Açúcar e o Homem, de Mário Lacerda de Melo; Formação Econômica do

Brasil, de Celso Furtado; História Econômica do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo, de

Caio Prado Júnior, entre outras.

A respeito desse último trabalho, o próprio Caio Prado Júnior reforça a idéia de Ambrósio

Fernandes Brandão ao afirmar que a lavoura açucareira significava a espinha dorsal da sociedade

colonial, servindo de esteio econômico durante os primórdios da conquista e de base material para

o estabelecimento do europeu neste território que haveria de constituir o Brasil (PRADO JÚNIOR,

1999, p. 143-144).

Entretanto, conforme foi analisado na seção 3.1 (A Natureza do Projeto Colonial

Açucareiro e a Consolidação do Latifúndio no Nordeste do Brasil), antes da introdução das

primeiras mudas de cana-de-açúcar ao longo dos vales fluviais, a atividade de extração do pau-

brasil (Caesalpinia echinata), inicialmente praticada por corsários franceses, representou a

primeira manifestação econômica do território recém-conquistado. Através do auxílio dos índios

que habitavam a extensa faixa costeira, estes puderam se apropriar de grandes carregamentos da

“madeira de tinta”.

Ao se reportar aos índios que viviam na porção norte do Litoral paraibano, JOFFILY (1892,

p. 22-23) destacou o seguinte:

13 Oficial de infantaria nas primeiras expedições da conquista do território paraibano, Brandão foi também um dos primeiros a receber sesmarias da Coroa, estabelecendo com isso a ocupação da terra através da edificação de dois engenhos (MARIZ, 1978, p. 4).

Page 139: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

137

“Os Potyguaras tinhão como limite meridional do extenso territorio que dominavão, a margem esquerda do Parahyba, occupando, portanto, metade do litoral (...).

Por muitos annos forão alliados dos francezes, os quaes tinhão na foz doParahyba e na bahia da Traição feitorias [grifo nosso]; e oppuzerão tenaz resistencia ao estabelecimento do dominio portuguez.

De Potyguaras erão os diversos aldêamentos estabelecidos antes da invasão hollandeza, ás margens dos rios Mamanguape e Camaratuba e na bahia da Traição, dos quaes desapparecêrão uns, e outros servirão de nucleos ás actuais cidades de Mamanguape e villa da Bahia da Traição, onde ainda hoje se vê prevalecendo o seu sangue na maioria da população.”

Vale ressaltar que esta aliança com os franceses foi reprimida de maneira impiedosa pelas

tropas militares a serviço da Coroa portuguesa, de modo que muitas aldeias foram totalmente

destruídas, centenas de índios fugiram para o interior ou foram mortos violentamente e outros

tiveram que se submeter ao trabalho cativo. Não obstante, da mesma forma que os franceses

conquistaram a confiança dos Potiguaras, os portugueses encontraram nos Tabajaras seus grandes

aliados na luta contra aqueles que, não concordando com as determinações impostas pelo Tratado

de Tordesilhas, tentavam penetrar no território em questão. Sobre esse aspecto, o historiador José

Octávio de Arruda MELLO (1995, p. 29) lembrou que os portugueses aproveitaram-se das

divergências existentes entre as tribos indígenas para jogar umas contra as outras e, com isso,

poder prevalecer. Assim, aliás, atuou sempre o colonialismo, no Brasil, na América, na Ásia, na

África e na Oceania, ou seja, sem a cisão dos povos nativos os representantes do Império não

teriam dominado parte alguma do mundo.

Apesar de pertencerem ao mesmo grupo étnico-lingüístico (tronco tupi-guarani), os

Tabajaras e os Potiguaras viviam em conflitos constantes. Seus territórios estavam separados pelo

grande estuário do rio Paraíba do Norte e ambos praticavam uma economia semi-nomâde de

caráter coletivo, baseada no extrativismo (caça, pesca, coleta de frutos, cascas e raízes) e numa

incipiente agricultura de subsistência (roçado), onde cultivavam fumo, milho, feijão, batata,

inhame, mandioca (para a produção de bebida e farinha) e algodão (para a confecção de peças de

tecidos). Além disso, produziam também esteiras, redes, cestos, cerâmicas e alguns adereços.

Com efeito, a ruptura desse modo de vida/utilização dos recursos naturais começou a se

configurar com a exploração desmedida das florestas localizadas próximas à costa e,

posteriormente, com a implantação dos partidos de cana-de-açúcar e instalação de unidades fabris

– os engenhos, tendo a figura do colonizador papel de destaque. Na verdade, o que se observou no

território paraibano a partir desse momento foi apenas a continuação de um processo mais amplo e

complexo que teve início em outras partes do território colonial português nos primórdios do

século XVI, conforme destacaram Manuel Correia de Andrade e Caio Prado Júnior. Observe o

Quadro 11.

Page 140: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

138

QUADRO 11 – A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO COLONIAL PORTUGUÊS SEGUNDO

MANUEL CORREIA DE ANDRADE E CAIO PRADO JÚNIOR

1. O povoamento da costa nordestina se iniciaria por Itamaracá onde, admite-se, tenha sido instalada uma feitora desde 1515, e onde foi implantada, após a criação das capitanias, uma vila – a de Nossa Senhora da Conceição, atual Vila Velha – e em Pernambuco, então chamada a Nova Lusitânia, com a criação, na quarta década do século XVI, das vilas de Igarassu e de Olinda. Na verdade, Olinda seria, por cem anos, o grande centro irradiador de povoamento do Nordeste, competindo com a Capital da Colônia, Salvador, fundada em 1549. De lá partiram as diretrizes para a ocupação dos vales que seriam, depois, produtores de cana-de-açúcar como o do Capibaribe, do Ipojuca, do Una, do Manguaba, do Mundaú, do Paraíba do Meio e do Jequiá, situados na Capitania, de que era a Capital. De lá também partiram os povoadores e as tropas que, para combater franceses e índios, a eles aliados, ocupariam, em território de outras Capitanias, os vales do Goiana, do Paraíba do Norte, do Mamanguape, do Trairi, do Ceará-Mirim e a costa setentrional do Rio Grande do Norte e do Ceará, levando o povoamento até o Maranhão e ao Pará, onde foi fundada a cidade de Belém. A conquista da Paraíba, do atual espaço territorial paraibano, ocorreu nas duas últimas décadas do século XVI, em função da necessidade de conquistar terras para a cultura da cana e criação de gado e atenuar a ameaça francesa que pesava sobre a Capitania (ANDRADE, 1984, p. 110-111). 2. A distribuição geográfica da cana é ampla; encontramo-la disseminada por todo o litoral, do Extremo-Norte, no Pará, até o sul, em Santa Catarina; e no interior, salvo nas regiões semi-áridas do sertão nordestino, ela aparece, em maior ou menor escala, por todas as zonas habitadas do território da colônia. É quase como a mandioca, um acompanhamento necessário do Homem. Os seus grandes centros produtores todavia, aqueles que “contam”, restringem-se a algumas poucas e restritas áreas do litoral. É aí que se localiza o que propriamente constitui a grande lavoura açucareira. No mais, trata-se apenas de uma pequena produção local, onde aliás a cana é muito menos aproveitada para fabricação do açúcar que para a da aguardente, do melado ou da rapadura; e de pequena expressão no conjunto da economia canavieira. O litoral nordeste, da Paraíba a Sergipe, e os contornos do Recôncavo baiano, formam as duas áreas mais importantes e mais antigas. Naquele, as plantações de cana e os engenhos se condensam no baixo curso destes pequenos rios que, todos paralelos, se sucedem de norte a sul, desde o Mamanguape, na Paraíba, multiplicando-se consideravelmente em Pernambuco, até o rio Real em Sergipe. Cursos dágua que serviram de vias de penetração, comunicação e transporte dos produtos; de fertilizadores do “massapê” em que a cana se encontra tão à vontade. No Recôncavo baiano, similarmente, as culturas se concentram também no estuário dos numerosos rios, braços de mar e endentações que retalham o contorno. Pontos de acesso e de comunicação fáceis (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 144).

Fonte: Elaborado com base em: ANDRADE, Manuel Correia de. Poder Político e Produção do Espaço. Recife: Massangana, 1984. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999.

Especificamente falando, no final do século XVI a região do baixo curso do rio

Mamanguape, Litoral Norte da Paraíba, despertou a cobiça de contrabandistas de madeira

interessados na coleta do pau-brasil (Caesalpinia echinata). Essa exploração, no dizer de

ANDRADE (1957-b, p. 25-26), teve como ponto de partida a praia de Baía da Traição, situada entre as

desembocaduras dos rios Mamanguape (ao sul) e Camaratuba (ao norte). Além disso, ela foi realizada

desenfreadamente, com caráter de verdadeira devastação, provocando o esgotamento da madeira

nas poucas matas litorâneas que circunscreviam os vales dos rios. Em virtude dessas

características, não houve a ocupação definitiva das terras, nem por parte dos contrabandistas,

sobretudo franceses, nem por intermédio dos portugueses, interessados nas riquezas advindas com

o lucrativo comércio do Oriente (especiarias). Nesse momento é possível perceber que o gentio

não ofereceu nenhuma resistência ao colonizador, tendo, inclusive, colaborado com a extração e o

transporte da madeira. Para o professor Manuel Correia de ANDRADE (1979, p. 12), a região ainda

Page 141: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

139

não existia enquanto fração do espaço organizado, uma vez que o colonizador não havia instalado

o seu “aparelho de exploração.”

O Baixo Mamanguape enquanto região geográfica resultou, a princípio, da implantação de

uma estrutura espacial produtiva no contexto colonial exportador do açúcar. A localização dos

partidos de cana-de-açúcar ao longo dos solos de aluvião dos rios e riachos que drenam a área e a

concentração produtiva e demográfica resultante, produzia uma denominação regional com base

no próprio curso d’água, o rio. Este exerceu importante papel no transporte da produção

(cabotagem), de sorte que se verifica uma estreita vinculação entre os assentamentos humanos

(cluster econômico e demográfico) e a rede de drenagem, à época.

Com efeito, a presença de uma extensa rede hidrográfica na porção litorânea da Paraíba

contribuiu também para facilitar a ocupação e o controle do território por parte dos colonizadores

portugueses, que logo trataram de fundar os primeiros núcleos populacionais (cidades, vilas e

povoados), quase sempre protegidos por grandes fortificações. Ademais, esses rios funcionaram

durante muitos anos como via de penetração para o interior e como palco onde floresceu a

civilização do açúcar.

Na verdade, durante o período colonial é possível identificar no Nordeste três grandes

núcleos difusores de povoamento. O primeiro deles estava representado pela cidade de Salvador,

de onde partiam tropas de homens e animais para colonizar o interior da região, seguindo sempre o

curso do rio Jacuípe, onde fundaram a cidade de Feira de Santana, e do rio Itapicuru, onde

fundaram a cidade de Jacobina, até atingir o vale do São Francisco na porção oeste da Capitania. O

segundo núcleo tinha a cidade de Recife como ponto de partida para as incursões pelos rios

Capibaribe e Ipojuca, alcançando ainda os vales do Pajeú e do São Francisco na área dominada

pelo clima semi-árido. Nesse longo trajeto, inúmeras cidades foram surgindo para dar suporte à

expansão da pecuária, a exemplo de Limoeiro, Pesqueira, Sertânia, Serra Talhada e Cabrobó. Por

fim, o terceiro núcleo partia da cidade de Olinda em direção ao Litoral setentrional, alcançando

pontos extremos dos territórios da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Convém ressaltar

ainda que, em A Terra e o Homem no Nordeste, Manuel Correia de Andrade citando o grande

folclorista Luís da Câmara Cascudo descreve os caminhos das boiadas que demandavam de Recife

e Olinda em direção ao interior da região, passando por várias povoações localizadas no Litoral, a

exemplo de Goiana, També, Mamanguape, Canguaretama e Natal (CASCUDO, 1956, apud

ANDRADE, 2005, p. 189).

Os textos expostos no Quadro 11 realçam ainda a importância que os rios tiveram na

ocupação do território colonial luso-brasileiro, destacando, inclusive, a função que os vales do

Paraíba do Norte e do Mamanguape desempenharam nesse processo.

Entretanto, é forçoso reconhecer que ao contrário do que ocorreu no vale do Paraíba do

Norte, durante essa fase a cana-de-açúcar não constituía a atividade econômica dominante no

Page 142: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

140

Baixo Mamanguape, uma vez que dividia espaço com outras culturas (algodão, agave, milho,

mandioca, arroz, feijão, fava) e com a pecuária bovina e eqüina, atividades que ocupavam as

porções elevadas dos tabuleiros e eram responsáveis pelo fornecimento de animais de tração para

as atividades rurais e de alimentos para os habitantes dos engenhos e das cidades litorâneas que

não paravam de crescer.

Sobre esse aspecto, Manuel Correia de ANDRADE (1957-b, p. 26-27) escreveu o seguinte:

“À conquista portuguêsa seguiu-se a introdução da cana de açúcar na região, mas, apesar do vale do Mamanguape ser o mais amplo e prestar-se melhor à fundação de engenhos, os engenhos do Norte da Paraíba, por ocasião da conquista holandesa, eram apenas o Camaratuba (VERDONK, Adrien, 1949) e o Miriri (DUSSEN, Adrien van der, 1947), situados nas bacias dos rios do mesmo nome. Todos os demais engenhos paraibanos localizavam-se na várzea do Paraíba, que teve para o Estado dêste nome uma função povoadora semelhante à exercida em Pernambuco pelo Capibaribe.”

E destacou ainda:

“A cultura da cana era feita na várzea quaternária, em proporções ínfimas, de tal forma que em 1774 (...) existiam aí apenas quatro engenhos, ao lado de setenta e cinco fazendas. Era, assim, a pecuária, a atividade econômica dominante, fazendo-se ao seu lado a cultura do algodão e de produtos de subsistência, sobretudo a mandioca (Manihot utillissima Pohl).” (ANDRADE, 1957-b, p. 28).

Os dados apresentados na Tabela 3 sintetizam a evolução da organização do espaço na

Capitania da Paraíba no final do século XVIII, oportunidade em que se pode destacar os dois

aglomerados urbanos presentes na região do Baixo Mamanguape: a vila de Monte Mor e a vila da

Traição.

No entanto, antes de estabelecer algum comentário acerca das informações constantes na

tabela, torna-se oportuno esclarecer, segundo RODRIGUES (2008, p. 39-40), que a vila de Monte

Mor, atualmente localizada no município de Rio Tinto com a denominação de vila Regina, foi

construída pelos padres Jesuítas em uma colina mais próxima do mar para abrigar os índios

Potiguaras que viviam em constantes desavenças com os colonos portugueses (Foto 10). Assim,

com a saída dos índios, a povoação de Mamanguape ficou sendo habitada apenas pelos colonos e

pelas autoridades locais.

Observe que a vila supracitada constituía a terceira maior aglomeração urbana da Capitania,

com 1.313 fogos14 e 4.458 pessoas do rol de desobriga15, ficando atrás apenas da cidade da Paraíba

14 O termo fogo designava domicílio, residência, casa. Já o vocábulo fogal dizia respeito ao tributo que se pagava sobre cada fogo (BOTELHO e REIS, 2008, p. 88). 15 As pessoas que constituíam o rol de desobriga estavam livres do pagamento do fogal.

Page 143: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

141

e da vila de Pombal, esta última localizada na porção oeste do território. A presença de sete

aglomerações na zona conhecida hoje como Litoral denuncia o sentido inicial da colonização, uma

vez que a penetração para o interior (Sertão) demandava grandes esforços para superar os

obstáculos naturais (clima semi-árido, presença de inúmeros rios intermitentes, topografia elevada,

vegetação densa, etc.) e as numerosas tribos indígenas que ofereciam tenaz resistência ao avanço

do povoamento.

Através dos dados é possível perceber também que os aglomerados situados no vale do rio

Paraíba do Norte (cidade da Paraíba, vila Nossa Senhora do Pilar e freguesia de Taipu)

apresentavam 29 engenhos e apenas 1 fazenda de criação de gado. A vila de Monte Mor, por sua

vez, exibia 4 engenhos e 75 fazendas de criação. Por fim, a vila de Pombal e as freguesias de

Campina Grande e dos Cariris de Fora possuíam apenas áreas de criação, totalizando 211 fazendas

no ano de 1774. Com efeito, à exceção da vila de Monte Mor, pode-se estabelecer nitidamente a

separação entre o Litoral canavieiro e o Sertão pecuarista.

TABELA 3 – A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA CAPITANIA DA PARAÍBA EM 1774

Principais Aglomerações Fogos Pessoal do Rol de Desobriga

Engenhos Fazendas

Cidade da Paraíba 2.437 10.000 17 ---Vila Nossa Senhora do Pilar 249 965 --- 1

Vila do Conde 445 744 3 ---Vila de Alhandra 620 1.009 1 ---Vila da Traição 265 628 --- ---

Vila de Monte Mor 1.313 4.458 4 75Vila de Pombal 2.451 5.422 --- 77

Freguesia de Taipu 780 3.700 12 ---Freguesia de Campina Grande 421 4.190 --- 47Freguesia dos Cariris de Fora 410 1.799 --- 87

Fonte: Adaptada de:Annaes da Biblioteca do Rio de Janeiro, 1923, apud ANDRADE, Manuel Correia de. Poder Político e Produção do Espaço. Recife: Massangana, 1984, p. 117-118.

Ao se reportar ao baixo vale do rio Mamanguape, o historiador Irineu PINTO (1912, p. 158)

lembrou que, no período da colonização, o mesmo foi ocupado por inúmeras fazendas de criação

de gado bovino e eqüino, destacando-se aquelas que pertenceram ao seu povoador, Duarte Gomes

da Silveira e, posteriormente, as de André Vidal de Negreiros e dos padres Jesuítas. Estes últimos

possuíam uma fazenda de gado em Mamanguape, casa, cento e sessenta e três bois, duzentas e

cinqüenta e três vacas, setenta e três cavalos, nove escravos e nove escravas.

Ao contrário do que era exigido para a instalação dos engenhos e dos canaviais, a pecuária

extensiva representava um empreendimento relativamente barato que podia contar com um

pequeno número de trabalhadores. Esses fatores contribuíram para que as fazendas se expandissem

pela superfície dos tabuleiros cobertos pelos campos e pelos cerrados, deixando as várzeas mais

úmidas e mais férteis para o cultivo da cana-de-açúcar. Assim sendo, duas estruturas sociais e

Page 144: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

142

econômicas puderam conviver lado a lado: a primeira era formada pelos engenhos açucareiros,

pelos coronéis e por uma grande quantidade de escravos; a segunda era constituída pelos currais de

gado, pelos fazendeiros e por um pequeno número de trabalhadores livres (os vaqueiros).

Foto 10 – Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída pelos padres Jesuítas na vila de Monte Mor durante a colonização do baixo vale do rio Mamanguape (século XVII). Município de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

A cultura do algodão também se fez presente no vale do rio Mamanguape, incentivada

pelos acontecimentos desencadeados a partir da Primeira Revolução Industrial. Com efeito, entre o

final do século XVIII e início do século seguinte as plantações de algodão espalharam-se

rapidamente por amplas áreas da Província da Paraíba do Norte e passaram a abastecer

regularmente o mercado inglês e a sua nascente indústria têxtil. Mais tarde, com a eclosão da

guerra separatista nos Estados Unidos, entre os anos de 1860 e 1865 (Guerra de Secessão), a

cotonicultura experimentou um impulso ainda maior, haja vista a destruição dos algodoais na

porção meridional daquele país, até então o maior fornecedor dessa matéria-prima.

Os lucros obtidos com a exportação do algodão atingiram níveis significativos, fazendo

com que muitas cidades, sobretudo do Agreste e do Sertão, prosperassem com o cultivo da

Page 145: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

143

malvácea. Celso MARIZ (op. Cit., p. 16) recorda que no século XIX o algodão tomou o caráter de

ouro branco, adquirindo peso maior na balança econômica e nas rendas orçamentárias da

Província da Paraíba do Norte. A Província que, em 1807, arrecadara Cr$ 29.000,00 de impostos

gerais, em 1815, só do algodão obtinha Cr$ 25.668,00 e, naquele exercício de 1816, alcançava Cr$

45.000,00.

No que se refere à cana-de-açúcar, apenas nas últimas décadas do século XIX foi que essa

cultura transformou-se de fato na atividade econômica mais importante do baixo e do médio vale

do rio Mamanguape, momento em que se verifica o aparecimento dos engenhos movidos a vapor.

Ela, que antes dividia espaço e prestígio com a pecuária e com o algodão, tornou-se dominante e

ocupou todo o baixo vale (só o município de Mamanguape contava com 40 engenhos de açúcar);

em direção ao Agreste estendeu-se até quase Guarabira, até onde as limitações pluviométricas o

permitiram. Na verdade, a introdução de melhoramentos na agroindústria do açúcar, com a

utilização do bagaço de cana como combustível, a importação de sementes de cana caiana e a

utilização do arado para fazer as plantações, trouxe um florescimento à região e incentivou a

cultura desse produto (ANDRADE, 1957-b, p. 29).

O vigor econômico do município de Mamanguape, representado pela produção,

beneficiamento e comercialização dos dois principais produtos de exportação – o algodão e o

açúcar – perdurou por quase cem anos, fazendo com que ele se transformasse no grande centro

comercial do Litoral Norte da Província, organizando e dinamizando uma vasta hinterlândia. Nesse

período áureo, Mamanguape cresceu em tamanho e em número de habitantes, tornando-se o

segundo mais populoso município da Paraíba16, ampliou a sua infra-estrutura urbana para dar

suporte a essas atividades e manteve um incontestável poder político sobre uma dezena de

municípios, vilas e povoados da região banhada pelo rio homônimo. Essa posição de destaque

passou a incomodar as autoridades provinciais, uma vez que toda a produção da região era

exportada para a cidade do Recife através do porto de Salema, desconsiderando o controle

tributário da capital.

A estreita ligação com a praça do Recife acabou atraindo para Mamanguape importantes

famílias pernambucanas – os Ramos do Rego Barros, os Cavalcanti de Albuquerque e os

Albuquerque Melo – e portuguesas, como os Teorga, os Castro Pinto, os Pereira de Almeida, os

quais formariam com os proprietários da terra a aristocracia local. Desta aristocracia sairia o único

titular do Império – Flávio Clementino da Silva Freire (o Barão de Mamanguape). Como

entreposto comercial, teve Mamanguape grandes armazéns, sobradões de azulejos (hoje

demolidos), igrejas seculares, cadeia e mercado públicos, estação telegráfica, tipografia e até foi

sede de um Vice-Consulado de Portugal (ANDRADE, 1957-b, p. 31; JOFFILY, op. Cit., p. 175-176).

16 Segundo JOFFILY (op. Cit., p. 253), no final do século XIX a cidade da Paraíba do Norte, capital da Província, possuía 17.522 habitantes e o município de Mamanguape 8.395 habitantes.

Page 146: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

144

Moradores antigos da cidade recordam com entusiasmo e saudosismo as histórias contadas

por seus pais e avós, sobre esses tempos de prosperidade. Sr. José Romero, 82 anos, conta que o

seu avô ganhou muito dinheiro produzindo algodão para exportação. Ele lembra que a cidade

possuía algumas máquinas para descaroçar o produto antes de embarcá-lo no porto de Salema. Ao

perguntar sobre como era a movimentação de carga no porto, ele acrescenta que diariamente vários

pequenos navios ancoravam no lugar para buscar nossos produtos (açúcar, algodão, carne seca,

farinha de mandioca, feijão, milho) e deixar outros para serem vendidos no comércio da cidade,

inclusive produtos importados da Europa (queijos, vinhos, louças e vitrais, tecidos finos, tapetes,

sapatos, etc.).

Dona Rita de Cássia, 73 anos, recorda que o comércio da cidade era bastante freqüentado

por pessoas que moravam em outras localidades mais distantes, como Guarabira, Areia e Alagoa

Grande. Seus pais, por exemplo, costumavam se deslocar do campo para buscar apoio na cidade,

atraídos pela variedade de mercadorias que o comércio oferecia e pela possibilidade de encontrar

um serviço de saúde, em caso de necessidade. Para ela, a cidade de Mamanguape era sinônimo de

modernidade, de progresso, de cultura e de lazer.

Ainda sobre esse contexto, é interessante destacar, segundo Celso MARIZ, 1985, apud

RODRIGUES (2008, p. 49), que:

“Na Rua Duque de Caxias, no Largo da Inspeção e na Rua da Carreira as pilhas de algodão fechavam o trânsito, e o açúcar, com aquele cheiro característico, melava as calçadas aguardando o momento de serem embarcados pelo porto de Salema, denunciando trabalho e riqueza, terra fértil, suor de cativos (...).

Em Mamanguape já se encontravam ruas calçadas e iluminadas por lampiões de azeite, em cada esquina. As lojas maçônicas se reuniam. Cada partido político tinha sua banda musical. No Teatro Santa Cecília, que posteriormente, passou a se chamar São José, vinham e se apresentavam as companhias de Recife. As famílias de melhores condições econômicas mandavam seus filhos estudarem nos colégios de Recife (...).

As casas tinham suas frentes revestidas de azulejos. Em Mamanguape moravam famílias portuguesas e italianas. Em Mamanguape havia representação de firmas estrangeiras, entre elas a francesa Cahn Frères & Cia.”

Não obstante, a cidade de Mamanguape com sua economia pujante, com suas famílias

abastadas e com uma intensa vida política e cultural começou a mostrar sinais de decadência no

último quartel do século XIX. Na verdade, três episódios concorreram para isto: as limitações

apresentadas pelo porto de Salema, a construção da primeira estrada de ferro ligando a capital ao

interior da Província no ano de 1883 e a assinatura da Lei Áurea, abolindo o sistema de escravidão

no Brasil no ano de 1888.

Page 147: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

145

Sobre o porto supraciado, torna-se oportuno destacar que, no ano de 1861, Henrique de

Beaurepaire Rohan lembrou que o comércio, a agricultura e a navegação de cabotagem formavam

a base da riqueza de Mamanguape. Todavia, ela seria mais avultada se fosse melhorada a entrada

da barra do rio homônimo (ROHAN, 1911, apud RODRIGUES, 2008, p. 46). Problema semelhante

foi descrito em 1892 por Irenêo JOFFILY (op. Cit., p. 176): “todo o seu commercio de exportação e

de importação é feito com a praça do Recife, por meio de barcaças, porque o rio, muito sinuoso e

cada vez mais estreito à proporção que se aproxima da cidade, não permitte navegação à barcos de

maior calado e dimensões.”

Segundo alguns estudiosos, a falta de investimentos para melhorar a infra-estrutura do rio

Mamanguape (alargamento e aprofundamento do leito) e do porto de Salema foi apenas um

elemento que contribuiu para a estagnação da economia do município. Para a maioria deles, o fator

de maior peso foi a inauguração da ferrovia Conde D’Eu, construída com capital inglês para

facilitar o escoamento do algodão, do açúcar e de outras mercadorias produzidas no interior do

território, em locais cada vez mais distantes do Litoral. Estas passaram a ser transportadas até o

porto da capital em um menor espaço de tempo, tornando-as mais baratas e mais competitivas no

mercado internacional.

A forte rivalidade política cultivada entre a capital (cidade da Paraíba) e o município de

Mamanguape talvez tenha contribuído para que os trilhos não contemplassem o território

mamanguapense, embora fosse este o segundo mais rico e populoso da Província naquela ocasião.

Sendo assim, em 1883 a ferrovia partiu da capital e atingiu a cidade de Itabaiana, localizada no

baixo vale do rio Paraíba do Norte; em seguida, os trilhos expandiram-se por outras áreas do

Agreste e alcançaram as cidades de Guarabira, em 1884, e Campina Grande, em 1907.

COSTA (1986, p. 167) chama a atenção para os desdobramentos desses acontecimentos

sobre a economia e sobre a vida dos moradores de Mamanguape:

“A população de Mamanguape entrou em verdadeiro pânico, quando verificou que as riquezas estavam fugindo de lá. As mercadorias antes comercializadas e embarcadas pelo Porto de Salema, estavam sendo comercializadas em outras Cidades e transportadas em vagões sobre os trilhos da Conde D’Eu, depois, Great Western.

Cada comerciante que via sair outro da cidade, no dia seguinte, também, fugia dela. Desta forma, em pouco tempo estavam fechadas as casas comerciais e as residências. Parecia ter havido uma peste na Cidade, onde não seria mais possível a vida.”

Sr. Armando da Silva, 65 anos, conta que antes da construção da ferrovia todos os produtos

que chegavam ou partiam daquela região (vale do Mamanguape) eram transportados pelo porto de

Salema e por isso a cidade tinha um grande contingente de trabalhadores e um comércio muito

dinâmico. Segundo ele, a ferrovia trouxe progresso para as cidades que foram contempladas com

Page 148: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

146

os trilhos, ao mesmo tempo em que contribuiu para a decadência social, política e econômica de

Mamanguape (Fotos 11 e 12).

Um terceiro episódio também corroborou para piorar ainda mais essa situação, ou seja, com

a abolição da escravatura no ano de 1888, os senhores de engenho tiveram que libertar os seus

escravos e instituir uma outra relação de trabalho – o cambão. Através desta relação, o proprietário

cedia uma pequena parcela de terra do engenho para que os trabalhadores pudessem morar com as

suas famílias, podendo, inclusive, constituir roçados e criar pequenos animais para o próprio

consumo. Em troca, esses trabalhadores eram obrigados a trabalhar sem remuneração durante

alguns dias da semana na grande lavoura da cana-de-açúcar. No entanto, aqueles senhores que

antes detinham uma grande quantidade de escravos acabaram perdendo muito dinheiro com a

libertação dos mesmos, fato que contribuiu para o fechamento de vários engenhos da região.

Mamanguape só começou a recuperar o prestígio que manteve durante muitos anos, após o

início das obras de construção da Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), no ano de 1918, de

propriedade da família Lundgren. Com a compra das terras do engenho Preguiça, o Coronel

Frederico João Lundgren deu um passo importante na concretização do seu plano de expansão da

indústria têxtil, uma vez que possuía também outra Companhia na cidade pernambucana de

Paulista. Esse tema será discutido com mais propriedade no Capítulo 4 (A Experiência Têxtil na

Cidade de Rio Tinto).

A inauguração de outra indústria, no início da década de 1940, consolidou novamente a

posição de Mamanguape no cenário político e econômico do Estado da Paraíba. A usina Monte

Alegre, na época pertencente aos irmãos Fernandes de Lima, veio impulsionar ainda mais a

economia da região do Baixo Mamanguape, ao mesmo tempo em que passou a competir

diretamente com o poderoso Coronel Frederico João Lundgren em busca de terras para a expansão

de suas atividades.

ANDRADE (1957-b, p. 44-45) é quem levanta essa questão e acrescenta ainda:

“Construída em 1940 e tendo tido em sua primeira safra (1940) a produção irrisória de 3.000 sacos de açúcar, vem a Usina Monte Alegre em progresso constante, avassalando o vale do baixo Mamanguape. Sua expansão em direção à foz do rio deteve-se ante a Fábrica de Tecidos Rio Tinto que, fundada em 1922, adquiriu os engenhos que lhe ficavam nas imediações para saciar a sua eterna fome de lenha. Tão extenso é o domínio dessa fábrica que abrange todo o novo município de Rio Tinto, onde, se diz, ‘só o ar que se respira não é propriedade da fábrica.

Limitada ao Leste por tão forte competidor, teve a Usina Monte Alegre que estender sua área de influência para o Oeste, acompanhando o vale do Mamanguape e aproveitando os grotões dos seus pequenos afluentes. Também, atravessando os interflúvios do Mamanguape com o Miriri, estendeu a sua influência aos canaviais dêsse vale onde possue (sic) dois engenhos: Alagamar e Santa Cruz. Além dêsses e do da sede, dispõe, nos vales principais, dos

Page 149: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

147

seguintes engenhos: Dique, Leitão, Linhares, Santíssimo, N. Sa. da Penha, Almacega e Pindobeira. Essas propriedades, apesar de muito extensas, não são inteiramente utilizadas pela cultura canavieira, uma vez que só os vales úmidos oferecem condições vantajosas a essa cultura. Nos tabuleiros cultivam-se outros produtos e cria-se o gado.”

Foto 11 – Os últimos casarões identificados na paisagem urbana testemunham a época de esplendor da cidade que comandava a dinâmica regional do vale. Município de Mamanguape, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Foto 12 – Aspecto das fachadas das casas comerciais localizadas no centro da cidade (destaque para as portas em formato de arco). Município de Mamanguape, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Page 150: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

148

De fato, naquela época a cultura da cana-de-açúcar encontrava na superfície dos tabuleiros

costeiros grandes limitações naturais (solos muito arenosos, pobres em nutrientes e com drenagem

imperfeita) e por isso só podia ser cultivada nas várzeas quaternárias e nas vertentes de solos mais

férteis. O Mapa 21 representa uma das inúmeras propriedades pertencentes à usina Monte Alegre –

a fazenda Leitão (engenho Leitão). Observe que a cana-de-açúcar ocupava principalmente os solos

localizados nas várzeas do rio Mamanguape (parte central do mapa) e dos seus principais afluentes

(rios e riachos que drenam as duas margens). Observe também que inúmeras florestas cobriam o

topo dos interflúvios, ao lado das formações de cerrados. Estas últimas ofereciam extensas áreas

para a criação de animais (gado bovino, sobretudo). Esses tabuleiros eram também utilizados para

a produção de algodão herbáceo e de gêneros agrícolas de subsistência – mandioca, inhame, milho,

feijão, arroz, batata, frutas, etc.

Com exceção da pecuária extensiva e da cotonicultura, esse modelo de organização agrária

também podia ser visto em outros vales fluviais do Litoral da Paraíba, conforme atestou Orlando

VALVERDE (1955, p. 53-54):

“O vale inferior do Paraíba do Norte é formado por uma larga planície aluvial, limitada de ambos os lados por tabuleiros de arenito Barreiras, que devem ter 20 a 30 metros de altura relativa, cujos topos são perfeitamente planos. Todo êle é um vasto canavial; um domínio clássico da plantation. Aí, a utilização do solo é cuidadosamente planejada; tudo em função do rei açúcar: as aluviões do vale são aproveitadas exclusivamente para a cultura da cana, na qual se emprega o arado. As estradas de ferro e de rodagem esgueiram-se pela base dos tabuleiros, à margem dos canaviais. A ferrovia tem estações cujo único fim é servir às usinas.

Os solos do vale são úmidos, férteis (...). Os solos dos tabuleiros de arenito são amarelo-avermelhados, mais secos e francamente mais pobres que os do vale. Nêles são feitas as roças de subsistência dos empregados das usinas, predominando por larga margem a cultura da mandioca, seguindo-se em importância a do feijão. Nelas só se emprega a enxada.” (Figura 6).

Através do Mapa 21 e da Figura 6 é possível perceber que as casas dos moradores estavam

distribuídas, ora de maneira dispersa, ora de forma concentrada, pela superfície dos tabuleiros. Em

alguns pontos elas ocupavam as encostas dos vales. Esses moradores eram chamados de

cambãozeiros, foreiros ou condiceiros, classificações baseadas nos tipos de relação de trabalho

que mantinham com os donos das terras: o cambão, o aforamento (arrendamento) e a moradia de

condição. Segundo Mário Lacerda de MELO (1975, p. 29 seq.), essas formas de relação de trabalho

tiveram início naquilo que ele próprio convencionou chamar de sistema engenho, do mesmo modo

que passaram a ser incorporadas ao sistema usina até que foram lentamente perdendo expressão

numérica ao longo da primeira metade do século XX.

Page 151: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

149

MA

PA

21 –

PL

AN

TA

BA

IXA

DA

FA

ZE

ND

A L

EIT

ÃO

EM

194

2(U

SIN

A M

ON

TE

AL

EG

RE

)

Font

e: A

dapt

ado

de:

AN

DR

AD

E, M

anue

l Cor

reia

de.

Os

Rio

s do

Açú

car

do N

orde

ste

Ori

enta

l: o

rio

Mam

angu

ape.

Rec

ife:

Ins

titut

o Jo

aqui

m N

abuc

o de

Pes

quis

as S

ocia

is, V

olum

e 2,

195

7-b.

Page 152: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

150

FIGURA 6 – CORTE ESQUEMÁTICO REPRESENTANDO A UTILIZAÇÃO

DO SOLO NO VALE INFERIOR DO RIO PARAÍBA DO NORTE

Fonte: Adaptada de:

VALVERDE, Orlando. O Uso da Terra no Leste da Paraíba. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 17, nº 1, janeiro a março de 1955, p. 53.

Vale ressaltar que o processo de expansão das usinas se fez em detrimento dos antigos

engenhos (bangüês), muitos deles encontrados em estágio de fogo morto. Amparadas através de

grandes incentivos públicos (mecanismos de isenção fiscal por longo período e política de crédito

subsidiado), as usinas passaram a incorporar de maneira gradual as terras que antes pertenceram

aos poderosos senhores de engenho, agora decadentes devido aos endividamentos contraídos no

passado ou até mesmo em função da ausência de modernização de suas unidades produtivas, fato

que contribuiu para colocar no mercado do açúcar um produto mais caro e de qualidade

indiscutivelmente inferior. Os tempos áureos da sociedade patriarcal rural, o posterior processo de

definhamento desses engenhos e o aparecimento das usinas como advento da modernização

técnica serviram de fonte de matéria-prima para muitos romances escritos pelo paraibano José Lins

do Rego, a exemplo de Menino de Engenho (1932), Bangüê (1934), Usina (1936) e Fogo Morto

(1943). Ao assistir e testemunhar de perto todas essas transformações, Zé Lins, como também era

conhecido, pôde deixar um legado literário de grande valiosidade para a Geografia Regional

Brasileira.

Segundo MOREIRA e TARGINO (1997, p. 62), a instalação e a expansão das usinas foram

responsáveis por profundas modificações na organização da produção e do trabalho, com fortes

repercussões sobre a dinâmica espacial da Zona da Mata do Estado da Paraíba. De um lado, elas

representaram um progresso técnico para o setor açucareiro, permitindo mudanças qualitativas no

produto final com a transformação do açúcar mascavo em açúcar centrifugado. De outro,

contribuíram para a intensificação da concentração da propriedade da terra, da produção e da renda

do setor agrícola. Ao se reportar ao problema da concentração fundiária em Pernambuco,

ANDRADE (1994, p. 60) lembrou que em meados do século XIX existiam cerca de 2.500 engenhos

produtores de açúcar mascavo, rapadura e aguardente, restando na última década do século XX

apenas 35 usinas e destilarias.

Page 153: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

151

A partir desses acontecimentos, novas relações sociais, culturais, políticas e econômicas

passaram a ser desenvolvidas no meio rural em questão, como por exemplo:

���� A substituição gradual das antigas relações de trabalho, já referidas anteriormente, pelo trabalho

assalariado temporário (proletarização da massa camponesa);

���� O aumento do desemprego devido aos progressos técnicos observados no sistema usina (uso de

maquinário moderno, irrigação, fertilizantes e defensivos químicos, transporte eficiente, etc.);

���� A expansão da área cultivada com a cana-de-açúcar e o aumento da produtividade média por

hectare;

���� O fenômeno da alienação dos senhores de engenho diante do processo de fabricação do açúcar,

uma vez que agora estavam limitados apenas ao fornecimento da cana para as usinas;

���� O fim dos traços da velha sociedade patriarcal (assistencialismo, paternalismo e subordinação

direta) e o nascimento do empresariado capitalista no campo, tendo a figura do usineiro papel

central.

Com o propósito de compreender melhor essas últimas características, selecionamos no

quadro abaixo trechos que mostram o ponto de vista do geógrafo Mário Lacerda de Melo sobre as

transformações desencadeadas nos sistemas de organização agrária do Nordeste canavieiro.

QUADRO 12 – AS TRANSFORMAÇÕES NOS SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO AGRÁRIA DO

NORDESTE CANAVIEIRO NA VISÃO DE MÁRIO LACERDA DE MELO

A Figura do Senhor de Engenho A Figura do Usineiro O desaparecimento dessas áreas de aproximação marca o fim da sociedade patriarcal, dona de muitos defeitos e também de muitos valores. Entre estes o da proteção senhorial e o do assistencialismo exercido pelo senhor de engenho sobre a comunidade a ele subordinada. Não mais existindo os contatos e relações entre classes propiciados pelo compadrio, pela confraternização entre meninos de raças e origens diferentes e pelo catolicismo patriarcal, cresceram as distâncias e a estratificação social tornou-se mais rígida e opressiva. Hoje em dia as relações entre os produtores e os seus subordinados são apenas relações entre capital e trabalho. Desumanizaram-se.

O absentismo dos donos dos fatores da produção, traço dos mais marcantes do novo quadro, constitui fenômeno generalizado que contribui para retirar, nas relações das empresas com as comunidades a elas subordinadas, aqueles ingredientes paternalistas tão peculiares ao senhorialismo dos engenhos: um senhorialismo integrado e responsável. O usineiro realmente vive nas capitais dos Estados produtores. Nas usinas, são quase sempre representados por prepostos, ou seus gerentes (...). No caso em foco, a falta ou a diminuição da permanência do produtor nos seus domínios agrícolas, extinguindo ou diminuindo o convívio e o contacto, seu e dos seus familiares, com a comunidade a ele subordinada e por ele tutelada constitui um dos principais fatores de explicação das mudanças pelas quais tem passado a sociedade rural canavieira.

Fonte: Elaborado com base em: MELO, Mário Lacerda de. O Açúcar e o Homem: problemas sociais e econômicos do Nordeste canavieiro. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1975, p. 48 seq.

Na verdade, o enfraquecimento da figura do senhor de engenho e, consequentemente, o fim

da proteção oferecida pelo mesmo, gerou repercussões importantes na vida dos antigos moradores

que viviam sob seu domínio, sob sua tutela. A expansão das usinas, por exemplo, provocou a

expropriação dessas famílias, sem que as mesmas tivessem acesso a nenhuma forma de

indenização por parte dos novos donos das terras. Em inúmeros casos, a expulsão deu-se através da

Page 154: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

152

violência e do confronto armado, provocando a morte de camponeses que resistiam em permanecer

na terra.

Enfrentando péssimas condições de vida no campo, os trabalhadores começaram também a

se organizar para lutar pelos seus direitos mais elementares: terra, trabalho, comida, escola,

hospitais, aposentadoria. Reapareceram, assim, as Ligas Camponesas, movimento que teve início

em meados da década de 1950 nas terras do engenho Galiléia, no município pernambucano de

Vitória de Santo Antão. Sob a liderança do advogado trabalhista Francisco Julião, o movimento

camponês se expandiu para outras áreas do Brasil e da própria região Nordeste, atingindo com

mais intensidade o Estado da Paraíba.

A Liga Camponesa de Sapé tornou-se a mais importante organização trabalhista daquela

época, aglutinando milhares de trabalhadores17 e despertando a atenção e a preocupação de

governos locais, chefes de Estado, parlamentares, membros da igreja católica e representantes das

tradicionais oligarquias da região canavieira. De Sapé, conforme destacou MELLO (1995, p. 214),

as Ligas expandiram-se para outras áreas do Litoral, atingindo os municípios de Mari, Itapororoca,

Mamanguape, Rio Tinto, Pedras de Fogo, Santa Rita, Cruz do Espírito Santo, a periferia de João

Pessoa, até a fronteira com Pernambuco. Em Pilar, Caldas Brandão, Itabaiana, Guarabira,

Mulungu, Araçagi e Alagoa Grande, as associações camponesas também brotaram, o mesmo

acontecendo na região do Brejo, em Areia, Remígio, Arara, Solânea e Bananeiras.

As Ligas Camponesas tinham como bandeira de luta o fim do cambão e de outras formas

de exploração da força de trabalho camponesa, bem como a defesa dos sítios para que todas as

famílias pudessem morar e cultivar seus roçados de subsistência. Em outras palavras, a terra

deveria pertencer de fato aos que nela trabalham. Preocupados com o crescimento do movimento

popular, os latifundiários passaram a organizar milícias particulares a fim de proteger seus

domínios. Milhares de camponeses foram perseguidos, outros foram torturados e mortos, a

exemplo de João Pedro Teixeira, João Alfredo Dias (Nego Fubá) e Pedro Inácio de Araújo (Pedro

Fazendeiro), todos integrantes da Liga Camponesa de Sapé.

A deflagração do golpe militar de abril de 1964 acabou frustrando as intenções de

realização de uma ampla política de reforma agrária, tão sonhada pelos trabalhadores e pelos

partidos de esquerda. Estes partidos, juntamente com as Ligas Operárias e Camponesas, acabaram

caindo na clandestinidade e tiveram suas atuações limitadas diante da situação de opressão e

violência desencadeadas pelo Estado autoritário. No entanto, continuaram disseminando o sonho, a

esperança e a importância da conscientização das massas populares, seja no campo ou na cidade.

Continuaram, assim, fazendo história.

17 Segundo MORAIS (2002, p. 55), as mais poderosas Ligas Camponesas encontravam-se no Estado da Paraíba: a Liga Camponesa de Sapé possuía 12 mil associados e a Liga Camponesa de Mamanguape contava com 10 mil integrantes.

Page 155: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

153

3.3 O ADVENTO DO PROÁLCOOL E A EXPANSÃO RECENTE DA CULTURA DA

CANA-DE-AÇÚCAR (PÓS-1975)

Conforme foi visto anteriormente, a cultura da cana-de-açúcar sempre fez parte do cenário

regional em tela, tendo sido introduzida no baixo vale do Mamanguape ainda nos primórdios da

colonização lusitana. Além disso, ficou evidente que durante um longo período de tempo a cultura

ainda dividiu espaço com outras atividades econômicas, no caso a pecuária extensiva e a

cotonicultura, tornando-se dominante apenas no final do século XIX, quando se verificou o

aparecimento dos primeiros engenhos movidos a vapor.

Também ficou claro que a expansão do sistema usina sobre o sistema engenho aconteceu

gradativamente ao longo da primeira metade do século XX, deixando marcas importantes no meio

rural. Entretanto, foi só a partir do último quartel do século XX que as ações humanas tornaram-se

mais rápidas e perceptíveis, provocando impactos muitas vezes irreversíveis nas estruturas naturais

das paisagens (cobertura vegetal, fauna, solos, recursos hídricos, etc.), bem como nas próprias

relações sociais de produção.

Vale ressaltar que o processo de modernização da agricultura brasileira teve início ainda na

década de 1950 e foi motivado pela criação dos Complexos Agroindustriais (CAI’s), pela expansão

do sistema de crédito rural e pela produção de bens industriais voltados para as atividades

primárias (máquinas, ferramentas e implementos; fertilizantes, herbicidas, pesticidas, entre outros).

Segundo o economista Ricardo ABRAMOVAY (1991, p. 80), esse processo aconteceu na esteira da

chamada Revolução Verde, política agrícola idealizada pelos Estados Unidos visando à exportação

de um pacote tecnológico para as nações do mundo subdesenvolvido. Esse pacote tinha como

objetivo “acabar” com as crises de fome através do aumento da produtividade do setor

(investimentos em capitais, pesquisas e tecnologias), no entanto, as suas metas eram outras:

aumentar a dependência dessas nações, subordinando produtores e produção ao mercado mundial

de alimentos, cujo grande líder é o próprio Estados Unidos; garantir mercado consumidor para os

produtos industrializados norte-americanos e, por último, consolidar a sua hegemonia política e

econômica sobre um crescente número de países.

No caso do espaço brasileiro, pode-se afirmar que a modernização da agricultura foi

bastante seletiva, atingindo de forma desigual algumas regiões, alguns produtos e alguns atores

sociais. Com efeito, podem-se observar três aspectos fundamentais nesse processo: primeiro,

enquanto uma ampla área do Centro-Sul do país encontra-se dotada de equipamentos e serviços

modernos, exibindo níveis elevadíssimos de produção e produtividade no campo, grandes áreas

periféricas, sobretudo no Norte e no Nordeste, continuam convivendo com estruturas produtivas

arcaicas e obsoletas que remontam ao período da colonização; segundo, houve um maior incentivo

às chamadas culturas industriais de exportação (cana-de-açúcar, algodão, milho, soja, café, fumo,

Page 156: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

154

frutas tropicais, etc.) em detrimento da pequena lavoura comercial (mandioca, feijão, inhame,

batata, etc.), tão imprescindível à alimentação da maior parte da classe trabalhadora; por fim, esse

processo beneficiou apenas os atores sociais detentores de grande poder político e econômico

(latifundiários), jogando para a marginalidade milhares de famílias camponesas.

Ao estudar a organização do espaço na região canavieira da Paraíba, é possível perceber

que essas transformações aconteceram com mais intensidade a partir do surgimento do Programa

Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), em meados da década de 1970.

Criado pelo Decreto nº 76.593, de 14 de novembro de 1975, o Programa ganhou impulso a

partir de julho de 1979. Na prática, ele constituiu-se em um esquema alternativo proposto pelo

governo militar do então Presidente Ernesto Geisel, para conseguir enfrentar a dependência

energética imposta pela crise decorrente da elevação dos preços do barril do petróleo no mercado

mundial. Esta crise foi agravada, sobretudo, pelas guerras envolvendo os maiores países produtores

do Oriente Médio, no início daquele decênio, e pela ameaça da escassez do produto a nível

mundial (esgotamento das reservas). A meta do governo era, portanto, substituir os tradicionais

derivados do petróleo, principalmente a gasolina automotiva, pelo uso da biomassa produzida a

partir da cana-de-açúcar (álcool carburante anidro e hidratado produzido para motores de

combustão interna). O Programa pretendia ainda estimular a indústria automobilística que se

encontrava ameaçada com a redução da demanda e com a queda de lucratividade; recuperar o

arcaico setor açucareiro brasileiro atingido em cheio pelas crises cíclicas, o que culminou com a

instabilidade dos preços do açúcar a nível internacional, bem como aumentar a oferta interna de

energia primária visando beneficiar as indústrias que utilizam o álcool como matéria-prima para a

obtenção de compostos químicos (Indústria Álcoolquímica) (MOREIRA e TARGINO, 1997, p.

105).

Com o PROÁLCOOL estava previsto o aumento da superfície cultivada e da quantidade

produzida pela cana-de-açúcar, através de fortes incentivos fiscais e de linhas de crédito

subsidiados, destinados tanto à produção industrial (financiamento para implantação dos

Complexos Agroindustriais – CAI’s, encargos financeiros com taxas de juros reduzidos, etc.)

quanto à produção agrícola em si (financiamentos para criação ou ampliação das áreas cultivadas

com o produto, correção e preparo dos solos, produção de mudas selecionadas, acompanhamento

técnico específico, uso de irrigação, entre outros).

Segundo EGLER (1984, p. 15), foi através desses estímulos governamentais transmitidos

via preços do álcool e crédito extremamente barato para a implantação de destilarias e constituição

de canaviais energéticos, que o PROÁLCOOL possibilitou a expansão da cultura açucareira nos

tabuleiros do Litoral paraibano. Os investimentos necessários para vencer as limitações edáficas

dos baixos planaltos costeiros e propiciar a mecanização dos topos planos foram conseguidos

graças a linhas especiais de crédito com longo período de carência.

Page 157: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

155

Tais subsídios oferecidos pelo governo federal aos grandes produtores de cana-de-açúcar

ocasionaram mudanças profundas no uso do solo, na produção, nas relações sociais e de trabalho e

em toda a paisagem do Litoral. Em outras palavras, a cana-de-açúcar começou a superar os velhos

limites naturais e se expandiu de forma rápida e predatória em direção às áreas que, até então, eram

destinadas à lavoura de subsistência e ao coco-da-baía, impondo um padrão monocultor e

industrial de paisagem.

O Mapa 22 retrata as mudanças verificadas na Zona da Mata paraibana a partir do avanço

da cana-de-açúcar. Observe que os municípios de Mamanguape, Itapororoca, Sapé, Cruz do

Espírito Santo, Santa Rita, Juripiranga e Pedras de Fogo formavam, em 1970, as tradicionais

regiões produtoras. Já os municípios de Jacaraú, Mataraca, Baía da Traição, Rio Tinto, Lucena,

Mari, João Pessoa, Conde, Alhandra, Caaporã, Pitimbu, São Miguel de Taipú e Pilar constituíam

as zonas de expansão recente da cana-de-açúcar (situação entre 1975/1986), ou seja, onze anos

após a criação do PROÁLCOOL. Por fim, os municípios de Bayeux e Cabedelo não estavam

incluídos em nenhum desses grupos.

MAPA 22 – ZONA DA MATA PARAIBANA: ÁREA DE DOMÍNIO DO SISTEMA CANAVIEIRO (1970-1986)

Área tradicional produtora de cana-de-açúcar (situação em 1970)

Área de expansão da cana a partir da criação do PROÁLCOOL (situação entre 1975/1986)

Fonte: Adaptado de: MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa: Universitária/UFPB, 1997-a, p. 24.

Page 158: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

156

Como o objetivo desta pesquisa é realizar uma análise da dinâmica da organização do

espaço na região do baixo curso do rio Mamanguape, formada pelos municípios de Mamanguape,

Rio Tinto, Baía da Traição e Marcação, torna-se oportuno esclarecer que foram levantadas

algumas informações censitárias junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

referentes ao período 1960-2007. Essas informações foram agrupadas da seguinte maneira:

���� Censos Agropecuários da Paraíba: Comportamento da produção agrícola regional no período

de 1970 a 2006 (principais culturas, quantidade produzida e área plantada); estrutura fundiária

dos municípios que faziam parte do Baixo Mamanguape no período de 1970 a 1985 (classes de

área, número de estabelecimentos, área total e grau de concentração da terra – Índice de Gini);

���� Censos Demográficos da Paraíba e Contagem da População da Paraíba: Estudo da dinâmica

demográfica dos municípios que compõem o Baixo Mamanguape: população total, urbana e

rural no período 1970 a 2007.

A interpretação desses indicadores sócio-econômicos, associada às análises das

informações contidas nas Cartas Topográficas produzidas pela Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) no início da década de 1970, bem como aos

depoimentos colhidos nos trabalhos de campo, permitiram compreender as transformações que se

processaram ao longo de várias décadas, fruto das ações combinadas do homem no espaço. Essas

ações foram responsáveis pelo desencadeamento de grandes impactos ecológicos e sociais.

A seguir, serão discutidos os principais impactos sociais observados durante a pesquisa.

Convém salientar, ainda, que os impactos ecológicos serão analisados no último capítulo deste

trabalho, momento em que será apresentado um panorama das áreas de proteção ambiental criadas

na região do Baixo Mamanguape.

a) O Avanço da Monocultura da Cana-de-Açúcar e a Retração da Produção de Alimentos

Até meados da década de 1970 a cana-de-açúcar era cultivada, sobretudo, ao longo das

várzeas dos principais rios e riachos que drenam as terras do Litoral paraibano. A

institucionalização do PROÁLCOOL representou uma grande conquista em termos tecnológicos,

contribuindo para que a cultura se expandisse pela superfície dos tabuleiros costeiros,

homogeneizando completamente a paisagem (Fotos 13 e 14).

Os dados estatísticos do IBGE não deixam nenhuma dúvida neste sentido. Através dos

gráficos expostos logo a seguir é possível visualizar a progressão dos canaviais na região objeto

dessa pesquisa, tanto em relação à quantidade produzida como em relação à área plantada18. No

município de Mamanguape, o mais tradicional do Litoral Norte da Paraíba, a quantidade produzida

de cana-de-açúcar experimentou um crescimento de 41,61%, saltando de 315.328 toneladas, em

1970, para 446.528 toneladas, em 2006 (um acréscimo de 131.200 toneladas). Nos quatro períodos

18 Algumas tabelas sobre a produção dos principais gêneros agrícolas cultivados na região do Baixo Mamanguape encontram-se no Anexo 1.

Page 159: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

157

pesquisados verificou-se a retração da quantidade produzida apenas no ano de 1996, em plena crise

do setor sucro-alcooleiro, crise que teve início em meados dos anos 80 e se estendeu por toda a

década de 1990, tendo sido estimulada pela significativa redução da participação do Estado em

termos de investimentos públicos e concessão de crédito subsidiado aos donos de usinas e

destilarias19. Por outro lado, no período 1996-2006 houve uma incorporação de 174.744 toneladas,

o que representou 64,29% de aumento. Esse aumento ocorreu em função da recuperação do setor

automobilístico nacional (surgimento dos modelos bi-combustível) e da demanda por fontes

energéticas limpas e renováveis, no caso, o etanol. Por fim, a superfície plantada com cana-de-

açúcar apresentou crescimento constante nos quatro períodos, saltando de 4.602 hectares, em 1970,

para 11.920 hectares, em 2006, um acréscimo de 7.318 hectares (159,02%) (Gráfico 1).

Já no município de Rio Tinto, por exemplo, a cultura da cana-de-açúcar registrou um

crescimento vertiginoso, ou seja, entre os anos de 1970 e 2006 a quantidade produzida aumentou

de 4.151 para 333.052 toneladas, um incremento de mais de 8.000%. Enquanto isso, a área plantada

passou de 87 para 7.821 hectares, um incremento de cerca de 9.000% em pouco menos de quatro

décadas (Gráfico 2).

Ao percorrer a zona rural do município em questão, é possível constatar o processo de

substituição de amplas áreas que no passado foram cobertas pelas florestas ombrófilas, por áreas

atualmente dominadas pela monocultura da cana-de-açúcar. Segundo Ezequiel, vereador do

município, a mata do riacho Cravaçu, afluente da margem direita do rio Mamanguape, encontra-se

quase que totalmente destruída em função das atividades predatórias praticadas ao longo do século

XX (extração de madeira para abastecimento da antiga Companhia de Tecidos Rio Tinto e devido

ao avanço da cultura da cana).

O município de Baía da Traição também registrou um crescimento expressivo. No decênio

1996-2006 a quantidade produzida com cana-de-açúcar saltou de 1.576 para 18.944 toneladas, um

aumento de 17.368 toneladas (1.202%). A área plantada saltou de 34 para 350 hectares no mesmo

período, um acréscimo de 316 hectares (1.029%). Vale ressaltar que a cana-de-açúcar não foi

cultivada nos anos de 1970 e 1980, época da realização dos Censos Agropecuários, e que este

município, juntamente com Rio Tinto, constitui área de expansão recente da monocultura da cana

(a partir da criação do PROÁLCOOL) (Mapa 22).

Com efeito, a propagação dos canaviais pela superfície dos tabuleiros costeiros contribuiu

para reduzir de maneira drástica os espaços que antes eram destinados à pequena produção de

alimentos, atividade praticada pelos antigos sitiantes (posseiros, foreiros, moradores de condição,

etc.). Observe os números:

19 De acordo com SOUTO et al. (2007, p. 188), na safra 1989/1990 existiam na Paraíba 16 unidades industriais (7 usinas e 9 destilarias) que empregavam 62.611 trabalhadores. Na safra 1995/1996, esse número caiu para 10 unidades industrias (3 usinas e 7 destilarias) que passaram a empregar 42.330 trabalhadores.

Page 160: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

158

���� A Mandioca: Esse produto experimentou uma queda expressiva em toda a região estudada.

Entre 1970 e 2006, por exemplo, a quantidade produzida sofreu uma retração de 89,32% em

Mamanguape (passando de 11.402 para 1.218 toneladas); 57,45% em Rio tinto (declínio de 9.487

para 4.037 toneladas) e 57,24% em Baía da Traição (queda de 2.355 para 1.007 toneladas). Já a área

plantada recuou 86,64% em Mamanguape (passando de 1.841 para 246 hectares) e 44,71% em Rio

Tinto (passando de 1.284 para 710 hectares). Na Baía da Traição verificou-se um aumento pouco

expressivo, apenas 1,58% (passando de 252 para 256 hectares) (Gráficos 3 e 4).

Ao analisar O Abandono da Mandioca, tema de um capítulo do seu livro publicado no

início da década de 1980, o professor Ricardo Bueno estabeleceu críticas incisivas ao modelo

adotado pelos tecnocratas do governo responsáveis pela criação do PROÁLCOOL. Segundo ele:

“(...) Os objetivos sociais do Pró-álcool foram abandonados. Para provar isso não e preciso ir muito longe. Basta dizer o seguinte: o programa vem sendo feito em cima de grandes destilarias implantadas por grupos empresarias que já atuavam na produção da cana-de-açúcar. (...) Ora, se o objetivo de redistribuição da renda fosse prioritário no programa, as destilarias que utilizassem mandioca como matéria-prima deveriam ter grande destaque.

Por quê? Bem, a mandioca a ser fornecida para essas usinas seria produzida por centenas de milhares e até milhões de pequenos produtores de mandioca, que assim contariam com um mercado fabuloso para ampliar sua produção e elevar sua renda. A renda estaria sendo distribuída, o homem do campo melhoraria seu padrão de vida e isso funcionaria como um importante fator de fixação de mão-de-obra no campo e de redução das migrações para os centros urbanos, que vêm inchando desordenadamente.” (BUENO, 1981, p. 21-22).

Na verdade, o avanço da cana a partir do PROÁLCOOL contribuiu para recrudescer ainda

mais os problemas agrários relacionados à concentração da renda e da terra, bem como àqueles

relacionados à dinâmica demográfica. Esses problemas serão discutidos logo a seguir.

���� O Feijão: Nos municípios de Mamanguape e Rio Tinto a cultura do feijão também conheceu

uma forte retração. Em Mamanguape a quantidade produzida sofreu uma queda de 90,04%,

passando de 512 toneladas, em 1970, para 51 toneladas, em 2006. Em Rio Tinto verificou-se uma

situação semelhante, de modo que a produção caiu 92,71%, passando de 137 para 10 toneladas

entre 1970-2006. Por outro lado, nesse mesmo período a superfície cultivada recuou 96,44% em

Mamanguape, passando de 1.519 para 54 hectares, e 97,76% em Rio Tinto, passando de 445 para

10 hectares (Gráficos 5 e 6).

���� O Arroz: Até a década de 1980 a cultura do arroz fez parte, ainda que de modo incipiente, da

composição agrícola regional. No entanto, a partir da década de 1990 nenhum município do Baixo

Mamanguape passou a cultivar esse produto. Em Baía da Traição, por exemplo, a quantidade

produzida de arroz caiu de 20 para 4 toneladas no período 1970-1980 (um déficit de 80%). Já em

Rio Tinto a queda foi um pouco menor (67,65%), passando de 68 para 22 toneladas no mesmo

Page 161: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

159

período. Enquanto isso, a área plantada recuou 69,24% em Baía da Traição, passando de 13 para 4

hectares, e 53,71% em Rio Tinto, passando de 54 para 25 hectares (Gráficos 7 e 8).

Foto 13 – Várzea do rio Mamanguape ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. Ao fundo, observam-se as instalações da usina Monte Alegre. Município de Mamanguape, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

Foto 14 – A presença de uma topografia plana facilitou a propagação da cana-de-açúcar sobre os tabuleiros costeiros. Antes do PROÁLCOOL essas áreas eram ocupadas pelas florestas ombrófilas, pelos cerrados e pela pequena produção de alimentos. Zona rural do município de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Page 162: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

160

GR

ÁF

ICO

1 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

MA

MA

NG

UA

PE

: C

UL

TU

RA

DA

CA

NA

-DE

-

ÚC

AR

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

)

GR

ÁF

ICO

2 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

RIO

TIN

TO

: C

UL

TU

RA

DA

CA

NA

-DE

-

ÚC

AR

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

)

315.3

28 4.6

02

350.3

10

8.2

88

271.7

84

10.2

23

446.5

28

11.9

20

0

50.0

00

100.0

00

150.0

00

200.0

00

250.0

00

300.0

00

350.0

00

400.0

00

450.0

00

1970

1980

1996

2006

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

vcc

4.1

51

87

37.6

85 9

19

195.1

56

5.8

99

333.0

52

7.8

21

0

50.0

00

100.0

00

150.0

00

200.0

00

250.0

00

300.0

00

350.0

00

1970

1980

1996

2006

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

GR

ÁF

ICO

3 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

MA

MA

NG

UA

PE

: C

UL

TU

RA

DA

MA

ND

IOC

A

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

) G

FIC

O4

– M

UN

ICÍP

IO D

ER

IO T

INT

O: C

UL

TU

RA

DA

MA

ND

IOC

A

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

)

11.4

02 1.8

41

8.2

62 1.0

87

3.3

03 6

08

1.2

18246

0

2.0

00

4.0

00

6.0

00

8.0

00

10.0

00

12.0

00

1970

1980

1996

2006

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

9.4

87 1.2

84

6.0

56 8

32

1.3

76 2

78

4.0

37

710

0

2.0

00

4.0

00

6.0

00

8.0

00

10.0

00

1970

1980

1996

2006

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

Font

e: E

labo

rado

s co

m b

ase

em:

IBG

E. C

enso

s A

grop

ecuá

rios

da

Par

aíba

. Rio

de

Jane

iro:

IB

GE

, 197

0, 1

980,

199

6 e

2006

.

Page 163: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

161

GR

ÁF

ICO

5 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

MA

MA

NG

UA

PE

: C

UL

TU

RA

DO

FE

IJÃ

O

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

) G

FIC

O6

– M

UN

ICÍP

IO D

ER

IO T

INT

O: C

UL

TU

RA

DO

FE

IJÃ

O

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

)

5121

.519

174

763

48

130

51

54

0

200

400

600

800

1.0

00

1.2

00

1.4

00

1.6

00

1970

1980

1996

2006

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

137

455

26

130

16

39

10

10

0

100

200

300

400

500

1970

1980

1996

2006

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

GR

ÁF

ICO

7 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

BA

ÍA D

A T

RA

IÇÃ

O: C

UL

TU

RA

DO

AR

RO

Z

(197

0 e

1980

) G

FIC

O8

– M

UN

ICÍP

IO D

ER

IO T

INT

O: C

UL

TU

RA

DO

AR

RO

Z

(197

0 e

1980

)

20

13

44

05

10

15

20

1970

1980

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

68

54

22

25

0

10

20

30

40

50

60

70

1970

1980

Quantidade P

roduzid

a (

ton.)

Áre

a P

lanta

da (

ha.)

Font

e: E

labo

rado

s co

m b

ase

em:

IBG

E. C

enso

s A

grop

ecuá

rios

da

Par

aíba

. Rio

de

Jane

iro:

IB

GE

, 197

0, 1

980,

199

6 e

2006

.

Page 164: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

162

Conforme foi visto anteriormente, a ampliação dos partidos de cana-de-açúcar ocorreu a

partir da incorporação de grandes extensões de terras, antes ocupadas pelos pequenos lavradores

que se dedicavam à produção de gêneros alimentares de primeira necessidade. Não obstante, a

menor oferta desses produtos no mercado interno (local e regional) contribui indubitavelmente

para a elevação do preço da cesta básica, cujas repercussões afetam diretamente as populações de

baixa renda que se vêem impedidas de suprir de maneira adequada as suas necessidades

alimentares.

Segundo o depoimento do Sr. Antônio Amaro de Lima, 53 anos, no passado muitos sítios

em Mamanguape forneciam produtos de boa qualidade – mandioca, inhame, batata, arroz, feijão,

frutas, etc., que podiam ser adquiridos a preços irrisórios na feira da cidade. Naquela época era

possível alimentar com certa facilidade uma família numerosa e ainda sobrava algum dinheiro para

outras necessidades. Atualmente o salário do pequeno trabalhador quase não dá para ele comprar o

feijão e o arroz.

Sr. Manoel Alves, 68 anos, recorda que na década de 1950 existiam muitos sítios

espalhados pela zona rural de Rio Tinto. Existiam também muitas matas e as pessoas caçavam

bastante. Os rios também eram limpos e tinham muitos peixes. Com o passar dos tempos os

canaviais das usinas destruíram tudo isso e hoje quase não se vê mais nada, nem roçado, nem

trabalhadores, nem casa de moradores.

De fato, uma das conseqüências diretas observadas na área dessa pesquisa, bem como em

toda a Zona da Mata paraibana, foi o desaparecimentos dos sítios e dos pequenos agricultores,

agora convertidos em trabalhadores assalariados temporários que se dedicam ao corte da cana

apenas na época da safra, normalmente durante três ou quatro meses do ano. Além de receberem

uma péssima remuneração e de enfrentarem jornadas de trabalho longas e exaustivas, muitos ainda

continuam desamparados pela legislação trabalhista e previdenciária, como é o caso dos

trabalhadores que preferiram não revelar as suas identidades a fim de não comprometerem os seus

empregos:

“Nóis tamo trabaiano desde cedo da madrugada e ainda não almoçamos. Temo que dá conta de toda essa área até o final da tarde, senão podemo até perder o trabaio. O patrão explora muito nóis, mas nóis não temo outra ocupação para viver. Temo mulher e filhos para dar de cumê, temo que pagar alugué. Por isso, temo que aceitar calado e não podemo reclamar do salário que ele paga.”

Após longa conversa, esses homens revelaram que trabalhavam para os fornecedores de

cana-de-açúcar para as usinas e destilarias da região e por isso viviam se deslocando de um

município para outro. A grande maioria não possuía carteira assinada e recebia entre R$ 350,00 e

R$ 450,00, de acordo com a execução das tarefas. Eles disseram ainda que, após o final do período

Page 165: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

163

da colheita, ficam desempregados e precisam se deslocar para outras regiões na intenção de

conseguir nova ocupação.

b) O Processo de Concentração da Terra e o Agravamento da Violência no Campo

Desde o período da colonização até os nossos dias, a Zona da Mata nordestina guarda uma

importante característica na paisagem: a presença do latifúndio canavieiro. Além disso, essa sub-

região exibe ainda uma grande quantidade de habitantes vivendo em condições deploráveis nas

periferias das cidades, sejam elas pequenas, médias ou grandes. A modernização das atividades

rurais, associada ao aumento da concentração da terra e da renda, contribuiu decisivamente para

agravar o processo de exclusão social.

Conforme foi visto anteriormente, a implantação do PROÁLCOOL em meados da década

de 1970 revigorou o setor sucro-alcooleiro e deu um grande impulso à cultura da cana-de-açúcar,

modificando de maneira expressiva o comportamento da produção agrícola regional. Por outro

lado, ao analisar a dinâmica da estrutura fundiária dos municípios escolhidos para

desenvolvimento dessa pesquisa (período 1970-1985), percebe-se claramente que a expansão da

monocultura da cana recrudesceu ainda mais a concentração da propriedade rural.

De acordo com os dados da Tabela 4, no decênio 1970-1980 houve um aumento do grau de

concentração da terra em dois municípios que compõem a região do Baixo Mamanguape. No

município de Baía da Traição, por exemplo, o Índice de Gini20 aumentou de 0,558, em 1970, para

0,844, em 1980; no município de Rio Tinto o índice aumentou de 0,876, em 1970, para 0,957, em

1980. Nesse mesmo período verificou-se uma ligeira queda do índice no município de

Mamanguape (0,848 para 0,842). Observe ainda que no período em evidência todos os municípios,

à exceção de Baía da Traição, em 1970, registraram um índice superior ao do Estado da Paraíba.

Por fim, em 1985, ano que vai marcar o início da crise do PROÁLCOOL, constata-se uma

diminuição do Índice de Gini em todos os municípios da região, com destaque para o município de

Baía da Traição que registrou apenas 0,121. Convém lembrar que os municípios de Mamanguape e

Rio Tinto, apesar da pequena queda verificada no índice, mantêm até hoje uma estrutura fundiária

fortemente concentrada.

As Tabelas 5, 6 e 7 apontam outros dados importantes acerca desse fenômeno espacial.

���� Baía da Traição: De todos os municípios, este foi o que apresentou o menor grau de

concentração da terra. Nos três períodos pesquisados, por exemplo, não foi constatado nenhum

estabelecimento com área superior a 500 hectares. No entanto, em 1970 existia apenas 1

estabelecimento (0,21% do total) que somava quase a metade da área disponível, ou seja, 400

hectares (48,78%). Por outro lado, existiam 484 estabelecimentos com área inferior a 10 hectares

20 O Índice de Gini é uma medida estatística comumente aplicada ao estudo da concentração da renda, da propriedade fundiária ou de qualquer outro tipo de variável. Com efeito, quanto mais próximo de 1 (um) maior é o grau de concentração e quanto mais próximo de 0 (zero), menor é esse nível de concentração.

Page 166: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

164

(99,38% do total) que somavam 359 hectares (43,78% da área total). Em 1980 essa situação

reverteu-se completamente, de modo que os pequenos estabelecimentos, embora representando a

grande maioria (91,07%), passaram a dominar apenas 8,69% da área total, enquanto 19

estabelecimentos com área entre 100 e 500 hectares (4,84% do total) passaram a ocupar 2.925

hectares (cerca de 70% das terras). O reflexo dessa transformação pode ser constatado no próprio

Índice de Gini, que em 1980 atingiu a maior marca (0,844). Cinco anos depois, verifica-se uma

nova transformação na estrutura fundiária do município. Através dos dados do Censo

Agropecuário de 1985, é possível perceber o domínio dos estabelecimentos com área inferior a 10

hectares, que representavam 98,58% do total e possuíam 86,50% da área disponível (Tabelas 4 e 5).

���� Mamanguape: Considerado o mais tradicional município canavieiro do Litoral Norte da

Paraíba, Mamanguape exibe uma estrutura fundiária bastante concentrada. Observe os números:

enquanto em 1970 existiam 1.597 pequenos estabelecimentos (81,52% do total) que dominavam

4.567 hectares (apenas 9,92% da área total), 4 grandes estabelecimentos (0,20% do total) ocupavam

uma área de 19.380 hectares (42,03% da área disponível). No período seguinte essa situação

permanece pouco alterada e em 1985 verifica-se uma ligeira diminuição do grau de concentração

da terra. Na ocasião, existiam 2.675 estabelecimentos com menos de 10 hectares (81,38% do total)

que somavam 5.927 hectares (12,02% da área total). Na outra ponta da tabela constata-se a

existência de 4 grandes estabelecimentos (0,12% do total) que somavam 15.500 hectares (31,43%

das terras) (Tabelas 4 e 6).

���� Rio Tinto: Dentre os municípios do Baixo Mamanguape, este foi o que apresentou o maior grau

de concentração da terra em todos os períodos pesquisados. Foi também o município onde ocorreu

com maior intensidade a expansão da monocultura da cana-de-açúcar, a partir da criação do

PROÁLCOOL. Em 1970, por exemplo, existiam 1.893 pequenos estabelecimentos rurais (96,78%

do total) que ocupavam 2.125 hectares (11,28% da área disponível). Enquanto isso, apenas 3

grandes estabelecimentos (0,15% do total) eram detentores de 8.901 hectares (47,27% da superfície

total). Em 1980 a concentração foi ainda maior, pois 1.529 estabelecimentos (93,30% do total)

possuíam uma área de 2.094 hectares (apenas 3,42% da área total), ao passo que 12

estabelecimentos (0,73% do total) dominavam uma área equivalente a 53.710 hectares (nada menos

que 87,85% das terras). Neste mesmo ano o Índice de Gini atingiu a impressionante marca de

0,957. Por fim, em 1985 esse panorama praticamente manteve-se inalterado (Tabelas 4 e 7).

Vale salientar também que a análise desses indicadores estatísticos serve de subsídio para a

compreensão dos inúmeros problemas que estão relacionados à luta pela posse da terra. Com

efeito, dezenas de conflitos fundiários eclodiram em toda a Zona da Mata da Paraíba, fruto do

avanço do latifúndio canavieiro sobre as áreas ocupadas pelos pequenos trabalhadores rurais e

pelos povos indígenas. O resumo dos principais conflitos observados na região do Baixo

Mamanguape durante a década de 1980, encontra-se no Quadro 13.

Page 167: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

165

TA

BE

LA

4 –

EST

AD

O D

A P

AR

AÍB

A E

RE

GIÃ

O D

O B

AIX

O

MA

MA

NG

UA

PE

: ÍN

DIC

E D

E G

INI

(197

0, 1

980

e 19

85)

Est

ado/

Mun

icíp

ios

1970

19

80

1985

P

araí

ba

0,82

30,

829

0,81

4B

aía

da T

raiç

ão

0,55

80,

844

0,12

1M

aman

guap

e 0,

848

0,84

20,

803

Rio

Tin

to

0,87

60,

957

0,91

9

Fon

te:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0 e

1985

.

TA

BE

LA

5 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

BA

ÍA D

A T

RA

IÇÃ

O: E

STR

UT

UR

A F

UN

DIÁ

RIA

(197

0, 1

980

e 19

85)

1970

19

80

1985

C

lass

es d

e Á

rea

N.º

Est

ab.

%

Áre

a (h

a)%

N

.º E

stab

. %

Á

rea

(ha)

%

N.º

Est

ab.

%

Áre

a (h

a)%

M

enos

de

10 H

ecta

res

484

99,3

835

943

,78

357

91,0

7 36

5 8,

69

557

98,5

8 77

5 86

,50

10 a

Men

os d

e 50

Hec

tare

s2

0,41

617,

447

1,79

21

1 5,

03

8 1,

42

121

13,5

0 50

a M

enos

de

100

Hec

tare

s--

---

---

---

-9

2,30

69

7 16

,60

---

---

---

---

100

a M

enos

de

500

Hec

tare

s1

0,21

400

48,7

8 19

4,

84

2.92

5 69

,68

---

---

---

---

500

a M

enos

de

1.00

0 H

ecta

res

---

---

---

---

---

---

---

---

---

---

---

---

1.00

0 a

Men

os d

e 5.

000

Hec

tare

s--

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- 5.

000

e M

ais

Hec

tare

s--

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- --

- T

OT

AL

487

100,

082

010

0,0

392

100,

0 4.

198

100,

0 56

5 10

0,0

896

100,

0

Fon

te:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0 e

1985

.

Page 168: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

166

TA

BE

LA

6 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

MA

MA

NG

UA

PE

: E

STR

UT

UR

A F

UN

DIÁ

RIA

(197

0, 1

980

e 19

85)

1970

19

80

1985

Cla

sses

de

Áre

aN

.º E

stab

. %

Á

rea

(ha)

%

N.º

Est

ab.

%

Áre

a (h

a)%

N

.º E

stab

. %

Á

rea

(ha)

%

Men

os d

e 10

Hec

tare

s1.

597

81,5

2 4.

567

9,92

1.

721

78,8

7 4.

551

9,19

2.

675

81,3

8 5.

927

12,0

2 10

a M

enos

de

50 H

ecta

res

274

13,9

9 4.

523

9,81

38

2 17

,51

7.88

4 15

,92

520

15,8

2 10

.792

21

,88

50 a

Men

os d

e 10

0 H

ecta

res

28

1,43

1.

920

4,16

24

1,

10

1.60

4 3,

24

36

1,10

2.

503

5,08

10

0 a

Men

os d

e 50

0 H

ecta

res

44

2,25

8.

582

18,6

1 41

1,

88

9.27

9 18

,74

45

1,37

9.

434

19,1

3 50

0 a

Men

os d

e 1.

000

Hec

tare

s12

0,

61

7.13

3 15

,47

7 0,

32

4.61

2 9,

32

7 0,

21

5.15

6 10

,46

1.00

0 a

Men

os d

e 5.

000

Hec

tare

s3

0,15

7.

100

15,4

0 5

0,23

8.

715

17,6

0 3

0,09

4.

200

8,52

5.

000

e M

ais

Hec

tare

s1

0,05

12

.280

26

,63

2 0,

09

12.8

66

25,9

9 1

0,03

11

.300

22

,91

TO

TA

L1.

959

100,

0 46

.105

10

0,0

2.18

2 10

0,0

49.5

11

100,

0 3.

287

100,

0 49

.312

10

0,0

Fon

te:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0 e

1985

.

TA

BE

LA

7 –

MU

NIC

ÍPIO

DE

RIO

TIN

TO

: E

STR

UT

UR

A F

UN

DIÁ

RIA

(197

0, 1

980

e 19

85)

1970

19

80

1985

C

lass

es d

e Á

rea

N.º

Est

ab.

%

Áre

a (h

a)%

N

.º E

stab

. %

Á

rea

(ha)

%

N.º

Est

ab.

%

Áre

a (h

a)%

M

enos

de

10 H

ecta

res

1.89

3 96

,78

2.12

5 11

,28

1.52

9 93

,30

2.09

4 3,

42

1.59

7 93

,28

2.17

2 6,

64

10 a

Men

os d

e 50

Hec

tare

s32

1,

64

740

3,93

73

4,

45

1.61

2 2,

64

78

4,56

1.

510

4,63

50

a M

enos

de

100

Hec

tare

s8

0,40

47

6 2,

53

12

0,73

82

2 1,

34

10

0,58

58

9 1,

80

100

a M

enos

de

500

Hec

tare

s15

0,

77

3.18

6 16

,92

11

0,67

1.

800

2,97

16

0,

93

2.79

3 8,

54

500

a M

enos

de

1.00

0 H

ecta

res

5 0,

26

3.40

3 18

,07

2 0,

12

1.10

5 1,

81

2 0,

12

1.22

0 3,

73

1.00

0 a

Men

os d

e 5.

000

Hec

tare

s3

0,15

8.

901

47,2

7 10

0,

61

19.9

67

32,6

6 8

0,47

13

.693

41

,88

5.00

0 e

Mai

s H

ecta

res

---

---

---

---

2 0,

12

33.7

43

55,1

9 1

0,06

10

.715

32

,78

TO

TA

L1.

956

100,

0 18

.831

10

0,0

1.63

9 10

0,0

61.1

43

100,

0 1.

712

100,

0 32

.692

10

0,0

Fon

te:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0 e

1985

.

Page 169: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

167

QUADRO 13 – REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE: PRINCIPAIS CONFLITOS FUNDIÁRIOS

Locais dos Conflitos Ano de InícioNº de Famílias

Envolvidas Categorias de Trabalhadores

Causas

Aldeia Jacaré de São Domingos

(Município de Baía da Traição)

1982 60 Índios

Grilagem de terras indígenas por destilarias, visando a ampliação da área de cultivo da cana-

de-açúcar. Fazenda Pindoba

(Município de Mamanguape)

1982 74 Posseiros Grilagem de terras de

posseiros.

Sítio Catolé e Fazenda Santa Rita

(Município de Mamanguape)

1986 26

Moradores de condição e

arrendatários

Venda do imóvel, com partilha de parte das terras

entre os trabalhadores sem a participação destes no processo de escolha

(os trabalhadores acabaram ficando com as

piores terras).

Fazenda Tatupeba (Município de Rio Tinto) 1983 98 Posseiros

Com a venda da propriedade, o novo dono tenta expulsar posseiros

para expandir a área cultivada com cana-de-

açúcar. Fazenda Pacaré

(Município de Rio Tinto) Sem

informação Sem

informação Sem informação Sem informação

Fazenda Rio Vermelho (Município de Rio Tinto)

Sem informação

Sem informação

Sem informação Sem informação

Fazenda Tavares (Município de Rio Tinto)

Sem informação

Sem informação

Sem informação Sem informação

Fazenda Jaraguá (Município de Rio Tinto) 1982

Sem informação

Moradores de condição

Ameaça de expulsão dos moradores pela empresa

Agropastoril Rio Vermelho para utilizar as

terras com pecuária, plantio de coco-da-baía e

extração de madeira.

Fonte: Elaborado com base em: MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Por um Pedaço de Chão. João Pessoa: Universitária/UFPB, Volume 1, 1997-b, passim.

A luta desses trabalhadores e índios para continuarem em seus próprios territórios foi

bastante árdua e demorada, uma vez que tiveram que enfrentar os integrantes dos Aparelhos

Repressivos do Estado (policiais, juízes, promotores), quase sempre aliados aos detentores de

poder político e econômico. Todavia, ela contou com o apoio e a solidariedade dos sindicatos

rurais e da própria Central Única dos Trabalhadores (CUT); dos membros da igreja católica

progressista, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário

(CIMI); dos partidos políticos de esquerda (PT e PCdoB) e dos intelectuais engajados com essa

problemática (advogados, jornalistas, antropólogos, historiadores, geógrafos, ambientalistas), etc.

De acordo com MOREIRA (1997-b, passim), o resultado desse embate foi positivo, pois as

terras indígenas da aldeia Jacaré de São Domingos foram finalmente homologadas e demarcadas

no ano de 1993. Já a fazenda Pindoba foi desapropriada em 1996 e deu origem ao Projeto de

Page 170: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

168

Assentamento Paulo Gomes do Nascimento (nome dado em homenagem ao posseiro assassinado

pelo funcionário da fazenda). Ainda segundo a autora, entre 1986 e 2000 foram assentadas através

do INCRA 9.604 famílias na Paraíba, das quais 4.580 na Zona da Mata. Das 877 famílias

assentadas pelo INTERPA, no mesmo período, 98 estabeleceram-se em assentamentos situados

nessa mesorregião (MOREIRA et al., 2003, p. 6-7).

As Microrregiões de Sapé e do Litoral Sul foram as que receberam o maior número de

Projetos de Assentamento. A Microrregião do Litoral Norte foi contemplada com 6 projetos, sendo

3 no município de Jacaraú, 2 no município de Mamanguape e apenas 1 no município de Rio Tinto.

Essas transformações observadas nas formas de ocupação e uso do solo, apesar de modestas,

realçam a importância da viabilização de uma política de reforma agrária que atenda de fato os

interesses das classes menos favorecidas. Entretanto, além da distribuição de parcelas de terra,

esses pequenos produtores necessitam de assistência técnica adequada, crédito compatível com a

sua realidade, garantia de preço para os seus produtos e melhoria das condições de infra-estrutura

(estradas, irrigação, depósitos para armazenagem, água tratada e esgotamento sanitário,

eletrificação, telefonia, escolas, postos de saúde, etc.).

Ao estabelecer essas melhorias, o Estado passa a cumprir o verdadeiro papel de promotor

do desenvolvimento social e econômico, garantindo vida digna para todos os cidadãos, sejam eles

brancos, pretos, pardos, amarelos ou índios, sejam eles habitantes do campo ou da cidade.

c) A Mudança no Comportamento Demográfico

De uma maneira geral, é possível perceber uma grande mudança no perfil da população

residente em toda a Zona da Mata paraibana, como decorrência das transformações desencadeadas

a partir do PROÁLCOOL. Consoante MOREIRA et al. (2003, p. 10), entre 1970 e 1980 verificou-se

uma significativa redução da população rural nas principais microrregiões canavieiras, registrando-

se taxas negativas no Litoral Norte (-0,51%), no Litoral Sul (-0,40%) e em Sapé (-1,93%).

Nos municípios que integram a região do Baixo Mamanguape, o comportamento

demográfico apresentou algumas particularidades interessantes (Tabela 8).

���� Baía da Traição: O fato de abrigar dentro do seu território dezenas de aldeias indígenas

Potiguaras contribui até hoje para que o número de habitantes da zona rural seja maior do que os

da zona urbana. De acordo com os Censos Demográficos pesquisados, apenas em 1980 a

população urbana superou a população rural (51,87% contra 48,13%). Em todos os demais períodos

a população rural sempre foi maior do que a população urbana, embora ostentando ligeira

diferença. No que se refere a população total, houve um crescimento de 127,62% no período de

1970 a 2007, passando de 3.352 para 7.630 habitantes, respectivamente.

���� Marcação: Criado em 1994 a partir do desmembramento de parte do território do município de

Rio Tinto, este município também abriga várias aldeias indígenas. Em 2000 foram contabilizados

3.293 habitantes na zona rural (52,80%) e 2.944 na zona urbana (47,20%).

Page 171: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

169

TA

BE

LA

8 –

MIC

RO

RR

EG

IÃO

DO

LIT

OR

AL

NO

RT

E E

RE

GIÃ

O D

O B

AIX

O M

AM

AN

GU

AP

E: P

OP

UL

ÃO

TO

TA

L, U

RB

AN

A E

RU

RA

L(1

970,

198

0, 1

991,

200

0 e

2007

)

1970

19

80

1991

20

00

2007

L

itor

al N

orte

/Reg

ião

do

Bai

xo M

aman

guap

e T

otal

U

rban

aR

ural

T

otal

U

rban

aR

ural

T

otal

U

rban

aR

ural

T

otal

U

rban

aR

ural

T

otal

U

rban

aR

ural

Lit

oral

Nor

te

98.0

93

34.4

85

63.6

08

102.

371

41.9

13

60.4

58

119.

141

64.2

59

54.8

82

128.

359

77.1

64

51.1

95

137.

650

XX

Baí

a da

Tra

ição

3.

352

1.46

1 1.

891

4.29

9 2.

230

2.06

9 5.

358

2.64

6 2.

712

6.36

5 2.

865

3.50

0 7.

630

XX

Mam

angu

ape

37.0

86

13.7

78

23.3

08

40.8

07

18.1

57

22.6

50

49.8

87

29.8

97

19.9

90

38.6

80

30.7

34

7.94

6 40

.283

X

XM

arca

ção*

6.23

7 2.

944

3.29

3 7.

287

XX

Rio

Tin

to

26.2

28

15.6

96

10.5

32

24.6

37

15.1

95

9.44

2 27

.127

15

.956

11

.171

22

.607

13

.790

8.

817

23.0

23

XX

Con

venç

ões:

X –

Dad

o nã

o di

spon

ível

na

séri

e

*

Mun

icíp

io c

riad

o em

199

4 F

onte

s:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Dem

ográ

fico

s da

Par

aíba

. Rio

de

Jane

iro:

IB

GE

, 197

0, 1

980,

199

1 e

2000

. IB

GE

. Con

tage

m d

a P

opul

ação

da

Par

aíba

. Rio

de

Jane

iro:

IB

GE

, 200

7.

Page 172: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

170

���� Mamanguape: Este é o único município que apresentou as características observadas em toda a

Zona da Mata, no que se refere ao crescimento acelerado da população urbana e ao processo de

esvaziamento do campo. Observe que em 1970 a população rural era de 23.308 habitantes (62,85%)

e a urbana de apenas 13.778 habitantes (37,15%). Em 1980 essa diferença diminuiu

significativamente, de modo que a população rural registrou 22.650 habitantes (55,51%) e a urbana

18.157 (44,49%). A partir da década de 1990 a população urbana superou definitivamente a

população rural, acompanhando a tendência verificada para a microrregião. No ano de 2000, data

do último Censo Demográfico, a população urbana atingiu a marca de 30.734 habitantes (79,46%),

contra apenas 7.946 moradores da zona rural (20,54%), a maior marca registrada em 30 anos.

Ao estabelecer uma comparação entre os anos de 1970 e 2000, percebe-se uma expressiva

redução da população rural da ordem de 65,91% (15.362 habitantes). Em contrapartida, a

população urbana sofreu um incremento de 122,06% (16.956 habitantes).

Mais uma vez, vale a pena ressaltar que a expansão da lavoura da cana-de-açúcar e o

aumento da concentração fundiária foram responsáveis pela expropriação dos pequenos

agricultores e pela intensificação da migração campo-cidade. A introdução de novas tecnologias no

processo produtivo, tais como uso de máquinas (tratores, colheitadeiras, caminhões para o

transporte), equipamentos de irrigação, produtos químicos (fertilizantes, adubos, pesticidas,

herbicidas), sementes especiais produzidas em laboratório, etc., contribuiu para aumentar a

produtividade média por hectare, bem como para reduzir o número de trabalhadores engajados

nessa atividade.

Desempregados e com pouco ou nenhum recurso econômico, milhares de camponeses

migram em direção à cidade e passam a ocupar as áreas desvalorizadas pelo capital imobiliário

(margens de rios e córregos, encostas de morros, terrenos na periferia). Como, em geral, são áreas

que apresentam sérias deficiências no que se referem aos equipamentos básicos de infra-estrutura

(água e esgoto, coleta regular de lixo, pavimentação de ruas, postos de saúde, etc.), essas pessoas

acabam tendo que conviver diariamente com uma série de problemas. O depoimento do Sr. João

Batista da Silva, 40 anos, morador de um pequeno aglomerado localizado na periferia de

Mamanguape, retrata bem essa situação. Segundo ele, os habitantes daquela localidade sofrem

bastante com a falta de água, com a lama que corre pelas ruas sem pavimentação e com o acúmulo

de lixo nos terrenos. Muitas crianças, inclusive, contraem doenças intestinais com certa freqüência

e precisam de atendimento médico.

Na verdade, a grande incidência dessas patologias denuncia a falta de tratamento da água e

a ausência de condições mínimas de higiene e limpeza. Regra geral, as habitações são muito

pequenas, sujas, apresentam pouca ventilação e abrigam muitas pessoas.

Ao conversar com o secretário de políticas habitacionais do município de Mamanguape, Sr.

Flávio Maximino, ele nos contou que um dos problemas mais sérios enfrentados pela

Page 173: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

171

administração municipal é mesmo a questão da habitação popular, uma vez que todos os dias

novas famílias chegam à cidade em busca de oportunidades de emprego. Essas pessoas deixam a

zona rural do próprio município ou até mesmo de outros municípios menores da região, a exemplo

de Jacaraú e Mataraca, expulsas pela cana-de-açúcar, e acabam se aglomerando nesses locais onde

constroem habitações muito precárias, quase sempre em terrenos particulares. Em várias ocasiões,

inclusive, os proprietários entram com mandado de segurança e a justiça determina a reintegração

de posse.

Para minimizar uma parte desses problemas, a prefeitura municipal adquiriu através da

compra, vários terrenos onde estão sendo construídos conjuntos habitacionais para abrigar as

populações de baixa renda. Ao final da execução do projeto, que tem como parceiro principal o

governo federal, esses locais contarão com uma infra-estrutura básica (água, esgoto, pavimentação,

iluminação, áreas de lazer, etc.).

Para finalizar a discussão sobre as tendências demográficas, observou-se que no período

1970-2007 o crescimento da população total alcançou um índice bastante modesto, apenas 8,62%,

passando de 37.086 para 40.283 habitantes nesse período. Embora Mamanguape tenha perdido os

distritos de Capim, Cuité de Mamanguape e Curral de Cima, elevados à categoria de município em

meados da década de 1990, a principal causa responsável pelo fraco incremento demográfico

verificado ao longo dessas décadas foi mesmo o processo de estagnação econômica e política

vivenciado pelas duas maiores cidades do baixo vale – Mamanguape e Rio Tinto, processo esse

que teve início na década de 1960 e se refletiu nas taxas de crescimento populacional da região

como um todo. De acordo com os dados do IBGE, 1980, apud ANDRADE (1988-b, p. 117), o

município apresentou uma taxa anual de crescimento populacional de 5,07% no decênio 1950-

1960, decaindo para 1,49% no decênio 1960-1970 e para apenas 1,04% no decênio 1970-1980.

���� Rio Tinto: Ao contrário do que foi observado nos demais municípios que compõem o baixo

Mamanguape, Rio Tinto sempre exibiu maior número de pessoas na zona urbana, fato explicado

pela presença das instalações industriais têxteis que foram responsáveis durante muitos anos pela

absorção de grande parte da População Economicamente Ativa (PEA). Uma análise pormenorizada

desse quadro será apresentada no capítulo seguinte, dedicado exclusivamente ao estudo da

experiência industrial na cidade em questão.

Page 174: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

CAPÍTULO 4

A EXPERIÊNCIA TÊXTIL NA CIDADE DE RIO TINTO

Page 175: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

173

CAPÍTULO 4

A EXPERIÊNCIA TÊXTIL NA CIDADE DE RIO TINTO

“Do ponto de vista da história do urbanismo, as vilas operárias e núcleos fabris podem ser considerados um momento inicial de construção de um ‘hábitat proletário moderno’: um local de vida familiar e de repouso, do

qual são afastadas atividades produtivas e limitado o acesso de estranhos. (...) Elementos desse novo hábitat, para o pobre, revelaram-se na Europa do século XIX em cidades mineiras, em moradias construídas por filantropos,

por empresas de construção e por industriais. No Brasil, os primeiros núcleos fabris tenderam a expressar um momento de transição do hábitat

camponês ao ‘hábitat proletário moderno’.” CORREIA, Telma de Barros. A Indústria e o Hábitat Operário no Brasil.

4.1 A IMPORTÂNCIA DA COTONICULTURA NO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO

NORDESTE BRASILEIRO

Antes de tecer algumas considerações sobre o tema em destaque, torna-se oportuno

ressaltar que desde o período da colonização até as primeiras décadas do século XX, o Brasil não

apresentava uma integração entre as vastas porções do seu território. Com efeito, cada região havia

se especializado no fornecimento de determinados produtos primários, quase sempre destinados ao

abastecimento do mercado internacional. Foi assim na região Amazônica, com a borracha e com

outros produtos do extrativismo vegetal; na região Sudeste, com os recursos minerais e com o

café21; e na região Nordeste, com o cacau, o algodão e o açúcar.

Não obstante, essas duas últimas matérias-primas vão constituir a base do processo de

industrialização que teve início na região Nordeste a partir da segunda metade do século XIX.

Entretanto, antes desse período verifica-se a presença de uma atividade industrial pouco

expressiva, representada pelas pequenas e médias unidades que beneficiavam a carne seca (porção

semi-árida)22; fabricavam o açúcar mascavo, o mel de furo, a rapadura e a aguardente (zona da

mata úmida); e produziam tecidos rudimentares, normalmente utilizados na confecção de sacos

para enfardar o açúcar e outros produtos agrícolas, bem como para a fabricação de peças de

vestuário destinadas às classes inferiores da sociedade (escravos, pequenos trabalhadores livres,

etc.).

Conforme foi visto no capítulo anterior, a substituição dos bangüês pelos engenhos

movidos a vapor e destes últimos pelas modernas usinas de açúcar, aconteceu gradativamente a

21 As regiões Sul e Centro-Oeste, por sua vez, especializaram-se na produção de gêneros alimentícios destinados ao crescente mercado consumidor da região Sudeste. 22 José Veríssimo da Costa Pereira recorda que nesses estabelecimentos, denominados charqueadas, o gado era abatido para o fabrico da carne seca salgada, mais conhecida na Amazônia por “jabá”; no Nordeste por “carne-do-sertão”ou “carne-de-sol”; no Centro do país por “carne-seca” e no Sul pela denominação “charque”, palavra de origem incerta, mas que parece provir para muitos, da língua árabe, na qual cherca equivale a carne salgada e charraca tem o significado de “secar ao sol carne salgada” (PEREIRA, 1949, p. 227).

Page 176: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

174

partir do último quartel do século XIX e durante as primeiras décadas do século seguinte. Na

oportunidade, outros estabelecimentos também surgiram nessa mesma época, a exemplo das usinas

de descaroçamento de algodão, das fábricas de fiação e tecelagem e das pequenas metalurgias que

passaram a dar suporte ao crescente número de unidades industriais. ANDRADE (1988-a, p. 22)

lembra ainda que no início do século XX foram implantadas na região Nordeste várias fábricas de

extração do óleo de sementes de algodão, de mamona e de oiticica. As fábricas têxteis também

foram aperfeiçoadas e passaram a beneficiar fibras de outros vegetais como a agave, o caroá e a

juta.

Impossibilitados de competir em condições vantajosas no mercado mundial, devido à

concorrência de um algodão de menor preço e melhor qualidade produzido nos Estados Unidos e

em outros países da África, Europa e Ásia (Egito, Sudão, Grécia, Turquia, Índia, Rússia, China,

Paquistão, etc.), muitos comerciantes e empresários nordestinos passaram a direcionar a produção

de algodão e de tecidos para abastecer o mercado regional e nacional, haja vista o aumento do

nível de consumo em função da substituição do trabalho escravo por outras formas de relações de

trabalho, dentre elas o trabalho assalariado. Além disso, segundo destacou SILVA (1980, p. 36), as

freqüentes inovações técnicas introduzidas no processo de produção têxtil inglês resultaram em um

rápido processo de obsolescência das máquinas e ferramentas, de modo que a indústria têxtil

nordestina desenvolveu-se com a importação desses equipamentos (houve casos em que foram

importadas fábricas completas, inclusive engenheiros e técnicos). Exemplo disso foi o

aparecimento de várias fábricas, em diversos Estados do Nordeste, durante a segunda metade do

século XIX e início do XX, muitas das quais, ainda hoje, se acham em funcionamento.

Tanto as usinas de açúcar, já referidas anteriormente, quanto as fábricas de fiação e

tecelagem organizadas em bases empresariais, foram responsáveis pelo dinamismo econômico

observado em inúmeras cidades localizadas no Litoral, no Agreste e no Sertão nordestinos (Mapa

23). Esse fato contribuiu para a ampliação e/ou melhoria da infra-estrutura urbana já existente –

portos, ferrovias, oficinas mecânicas, armazéns, casas comerciais e bancárias, rede de distribuição

de energia elétrica, abastecimento de água, etc., bem como promoveu um expressivo crescimento

da população em função do forte movimento migratório em direção a essas áreas. Convém

salientar ainda que em alguns casos a atividade industrial foi responsável pelo surgimento do

próprio aglomerado urbano, a exemplo da cidade de Rio Tinto, objeto de análise desse capítulo.

O Quadro 14, exposto logo a seguir, apresenta as principais fábricas têxteis instaladas na

região em tela. Observe que a primeira delas surgiu na cidade baiana de Valença no ano de 1822,

momento em que foi instaurado o período Monárquico no Brasil. Dentre os Estados exibidos,

Pernambuco aparece com o maior número de fábricas de fiação e tecelagem, totalizando 6

estabelecimentos industriais, sendo 5 localizados na área conhecida hoje como região

metropolitana do Recife (Grande Recife). Na Paraíba, as primeiras indústrias têxteis surgiram

Page 177: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

175

apenas na segunda década do século XX, com destaque para a Companhia de Tecidos Rio Tinto e

para o Cotonifício Campinense.

QUADRO 14 – PRINCIPAIS FÁBRICAS TÊXTEIS INSTALADAS NA REGIÃO NORDESTE

ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX

Anos Cidades/Estados Nomes dos Estabelecimentos Industriais/Localização 1822 Valença/Bahia Companhia Valença Industrial/Área de influência de Salvador.

1826 Recife/Pernambuco Fábrica de Fiação e Tecelagem de Algodão/Bairro da Boa

Vista. 1870 Recife/Pernambuco Fábrica de Tecidos de Algodão/Bairro da Madalena. 1875 Recife/Pernambuco Cotonifício da Torre/Bairro da Torre. 1887 São Cristóvão/Sergipe Fábrica Sergipe Industrial/Região da Zona da Mata. 1888 Rio Largo/Alagoas Companhia de Fiação e Tecidos. 1889 Caxias/Maranhão Fábrica de Tecidos Caxias.

1891 Paulista/Pernambuco Companhia de Tecidos Paulista/Proximidades da cidade de

Recife.

1891 São Lourenço da

Mata/Pernambuco Companhia Industrial Pernambucana/Proximidades da cidade

de Recife.

1894 Goiana/Pernambuco Companhia de Fiação de Tecidos de Goiana/Região da Zona da

Mata. 1914 Pedra/Alagoas Companhia Agro-Fabril/Região do Sertão. 1918 Mamanguape/Paraíba Companhia de Tecidos Rio Tinto/Região da Zona da Mata. 1919 Campina Grande/Paraíba Cotonifício Campinense/Região do Agreste. 1946 Areia/Paraíba Fiação e Tecelagem Arenópolis/Região do Agreste.

Fonte: Elaborado com base em: SILVA, Alcir Veras da. Algodão e Indústria Têxtil no Nordeste: uma atividade econômica regional. Natal: Universitária/UFRN, 1980, p. 40 seq.

No que concerne ao processo de industrialização têxtil, o Estado da Paraíba apresentou um

atraso de quase um século em relação aos Estados da Bahia e de Pernambuco. Além disso, o

surgimento das primeiras fábricas desse ramo foi motivado por três acontecimentos desencadeados

no plano internacional, tais como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a grande recessão

econômica iniciada no ano de 1929 com a queda da bolsa de valores de Nova Iorque, e a Segunda

Guerra Mundial (1939-1945). De uma maneira geral, os episódios supracitados contribuíram em

um primeiro momento para reduzir o volume de exportações dos produtos primários brasileiros

(açúcar, cacau, algodão, café, fumo, madeira, minerais, etc.), em função da retração da procura

desses produtos por parte dos países industrializados do hemisfério norte, ora atingidos pela forte

crise econômica, ora envolvidos diretamente com os conflitos bélicos. Por outro lado, o país

deixou de contar com as importações de produtos manufaturados e por isso teve que suprir as suas

necessidades a partir da produção interna de mercadorias. Nesse sentido, pode-se dizer que o

processo de industrialização brasileira consubstanciou-se através do modelo de substituição de

importações.

Vale ressaltar que a concretização desse modelo contou com a participação efetiva do

Estado nacional, tendo a figura de Getúlio Vargas o papel principal. Na verdade, o Estado foi o

responsável pela implementação de grandes obras de infra-estrutura: ampliação da malha de

transporte ferroviário e rodoviário, visando promover a integração das vastas áreas do território

Page 178: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

176

nacional; criação da primeira grande indústria de bens de produção em 1941 (Companhia

Siderúrgica Nacional – CSN) e da primeira empresa mineradora em 1942 (Companhia Vale do Rio

Doce – CVRD); inauguração de um amplo programa de geração de energia a partir da construção

da usina hidrelétrica de Paulo Afonso, em 1951, e da Petrobrás, em 1953.

Ao se reportar ao modelo em destaque, SILVA (1980, p. 49-50) observou o seguinte:

“O processo de substituição de importações é apontado como o que maior contribuição deu à industrialização brasileira, particularmente à indústria têxtil. Embora o esforço deliberado e consciente do governo, em incentivar o mecanismo de substituição de importações, somente tenha início na década de trinta, o fenômeno da substituição de importações por produção nacional, já havia se manifestado, com indiscutíveis vantagens para a economia brasileira; tanto durante a Primeira Guerra, como na Crise de 1929.”

No que se refere à indústria têxtil, ele acrescentou ainda:

“(...) o têxtil foi o setor industrial que mais rapidamente respondeu aos objetivos do processo substitutivo de importações, uma vez que a substituição iniciou-se pela via mais fácil da produção de bens de consumo final, não só em virtude da existência de um razoável parque industrial, como pela matéria-prima e devido à tecnologia nela empregada ser menos complexa e de menor intensidade de capital, se comparada com outros ramos.” (SILVA, 1980, p. 50).

De fato, enquanto as indústrias de bens de produção exigiam vultosos investimentos para

instalação e operacionalização, muitos dos quais provenientes dos países ricos – como foi o caso

do financiamento oferecido pelo governo norte-americano para a construção da Companhia

Siderúrgica Nacional, em troca da utilização do Litoral do Rio Grande do Norte como base militar

durante a Segunda Guerra – as indústrias de bens de consumo, sobretudo as de produtos não-

duráveis (tecidos, roupas, calçados, alimentos, cigarros, bebidas e remédios), podiam ser

construídas e/ou ampliadas através de recursos obtidos nas demais atividades produtivas

(agricultura, comércio, setor bancário, etc.).

No caso da indústria têxtil, SILVA (1980, p. 50-51) recorda que até as primeiras décadas do

século XX a região Nordeste apresentou um desenvolvimento semelhante ao observado no Centro-

Sul do país, graças à existência de uma atividade agrícola tradicional voltada para o cultivo do

algodão e à disponibilidade de grande reserva de mão-de-obra. Contudo, alguns fatores ligados à

conjuntura econômica contribuíram para uma mudança nessa situação. Um deles foi que, a partir

de 1918, motivada por uma grande geada que prejudicou seus cafezais, a região Sul passou a

diversificar a sua agenda agrícola, lançando-se também na produção do algodão. Outro fator

originou-se com a própria crise de 1929, forçando uma transferência de capital intra-setorial, do

café para o algodão, fato que beneficiou um número considerável de indústrias têxteis que já

existiam nas regiões Sul e Leste do Brasil.

Page 179: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

177

Con

venç

ões:

PR

O –

Bac

ia p

rodu

tora

de

algo

dão

CO

M –

Cid

ade

de c

omér

cio

algo

doei

ro

EX

P –

Por

to d

e ex

port

ação

de

algo

dão

e m

anuf

atur

ados

T

EX

– G

rand

e un

idad

e ou

set

or in

dust

rial

têxt

il U

SI –

Usi

na d

e aç

úcar

e/o

u ál

cool

IN

D –

Out

ras

área

s/se

tore

s in

dust

riai

s

Pri

ncip

ais

Cid

ades

:

1 –

Cea

rá-M

irim

: US

I 2

– N

atal

: CO

M –

EX

P –

TE

X –

IN

D

3 –

Par

nam

irim

: IN

D4

– R

io T

into

: TE

X5

– G

uara

bira

: CO

M6

– C

abed

elo:

EX

P7

– Jo

ão P

esso

a: C

OM

– T

EX

– I

ND

8 –

Sant

a R

ita: T

EX

– U

SI

9 –

Cam

pina

Gra

nde:

PR

O –

CO

M –

IN

D10

– I

taba

iana

: CO

M11

– G

oian

a: T

EX

– U

SI

12 –

Lim

oeir

o: P

RO

– C

OM

13

– C

arpi

na: U

SI14

– P

aulis

ta: T

EX

– I

ND

15

– O

linda

: IN

D16

– R

ecif

e: C

OM

– E

XP

– IN

D –

TE

X

17 –

Jab

oatã

o: IN

D18

– V

itóri

a de

San

to A

ntão

: US

I19

– G

rava

tá: P

RO

– C

OM

20

– C

arua

ru: P

RO

– C

OM

– I

ND

21

– C

abo:

IND

22 –

Esc

ada:

USI

23

– P

alm

ares

: US

I24

– G

aran

huns

: PR

O –

CO

M

MA

PA

23 –

A O

RG

AN

IZA

ÇÃ

O D

O E

SPA

ÇO

NA

ZO

NA

DA

MA

TA

E A

GR

EST

E P

OT

IGU

AR

, PA

RA

IBA

NO

E P

ER

NA

MB

UC

AN

O

Font

e: A

dapt

ado

de:

S

ILV

A, A

lcir

Ver

as d

a. A

lgod

ão e

Ind

ústr

ia T

êxtil

no

Nor

dest

e: u

ma

ativ

idad

e ec

onôm

ica

regi

onal

. Nat

al: U

nive

rsitá

ria/

UFR

N, 1

980,

p 1

57.

1

2

3

4

5

6

7 8

9

10

11

12

13

14 15

16

17

18

19

20

21

22

23

24

Page 180: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

178

Não se pode deixar de mencionar, no entanto, que a economia cafeeira havia preparado o

terreno para a industrialização do Centro-Sul, uma vez que proporcionou a acumulação de capitais

a partir da produção e da comercialização daquele que se tornaria o maior produto de exportação

do país durante muitos anos. O café também deixara de herança uma classe trabalhadora livre e

assalariada, formada em grande parte por imigrantes de origem européia e asiática (italianos,

espanhóis e japoneses); um mercado consumidor francamente consolidado e uma infra-estrutura

moderna para os padrões daquela época, com grande destaque para as ferrovias que atravessavam

as fronteiras do Estado de São Paulo e atingiam pontos distantes do Rio de Janeiro, Espírito Santo,

sul de Minas Gerais, norte do Paraná e parte meridional do Mato Grosso.

Além do café, outras matérias-primas abasteciam as unidades fabris que surgiam em

número cada vez mais crescente na região, incentivadas pela política industrialista adotada pelo

governo de Getúlio Vargas. O dinamismo do espaço agrário no Centro-Sul desencadeou sérios

problemas para a região Nordeste, que viu sua produção declinar em função da diminuição da

procura por parte dos empresários instalados naquela região. De acordo com Amélia COHN (1976,

p. 26), até o final da década de 1920 a região Nordeste abastecia aproximadamente metade do

mercado nacional do algodão, constituindo a principal fornecedora para as indústrias têxteis

instaladas no Centro-Sul. Entretanto, vinte anos mais tarde São Paulo superou com larga vantagem

a produção dos três principais Estados cotonicultores do Nordeste – Rio Grande do Norte, Paraíba

e Pernambuco.

Essa situação tornou-se ainda mais crítica quando o governo federal iniciou o processo de

integração inter-regional, ampliando a rede de transporte ferroviário e rodoviário e pondo fim às

barreiras protecionistas que resguardavam as economias locais e regionais. Em seus longos anos de

mandato, Getúlio Vargas alicerçou as bases para a transformação do Brasil em uma economia

industrial de larga escala, com fortes repercussões nos mercados interno e externo. Ademais, ele

fortaleceu a centralização do poder em detrimento das oligarquias regionais que comandaram a

vida política e a economia durante a maior parte da história do país (período Colonial, Monárquico

e primeira fase da República, também conhecida como República Velha ou República dos

Coronéis).

Rapidamente os produtos manufaturados do Centro-Sul, que contavam com tecnologia

mais avançada, invadiram as cidades nordestinas e provocaram a falência de inúmeras unidades

fabris. Em outros casos, eles contribuíram para a reorientação produtiva de várias empresas

instaladas na região, que passaram a produzir para abastecer o mercado regional, conforme

destacou SILVA (1980, p. 53-54): os fatores descritos anteriormente “concorreram para a existência

de um processo gradativo de decadência da indústria têxtil nordestina. Apesar disso, não

desapareceram por completo os vínculos que mantinham essa atividade identificada com a

economia regional.”

Page 181: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

179

A fragilidade da conjuntura econômica nordestina em face da competitividade externa era

indiscutível naquela ocasião. Em primeiro lugar, a lavoura do algodão enfrentava a concorrência

de poderosos fazendeiros da região Centro-Sul do país, bem como estava submetida às regras

impostas pelo mercado internacional do produto, controlado pelos trustes SANBRA, ANDERSON

CLEYTON e MACHINE COTTON. Em segundo lugar, a indústria de transformação do algodão

também se encontrava em desvantagem diante dos concorrentes nacionais e estrangeiros, uma vez

que exibia níveis modestos de produtividade em face da profunda dependência tecnológica.

A tabela exposta a seguir, baseada em fontes estatísticas do IBGE, atesta a crise enfrentada

pelo setor têxtil nordestino ao longo de vários períodos.

TABELA 9 – INDÚSTRIA TÊXTIL DO NORDESTE EM RELAÇÃO A DO BRASIL (EM PERCENTAGEM)

Discriminação 1939 1949 1960 1965 1970 1973 Pessoal Ocupado 26,6 23,9 17,9 15,8 11,2 13,5 Salários Pagos 16,4 14,9 11,2 9,9 7,3 9,1 Valor da Produção 17,4 17,2 16,3 14,7 9,1 13,8

Fonte: Elaborada com base em: IBGE. Censos Econômicos e Produção Industrial (1966), Anuário Estatístico (1960, 1965 e 1970) e Pesquisa Industrial (1973) apud SILVA, Alcir Veras da. Algodão e Indústria Têxtil no Nordeste: uma atividade econômica regional. Natal: Universitária/UFRN, 1980, p. 234.

Através dos dados é possível observar que no período imediatamente posterior ao final da

Segunda Guerra Mundial, a indústria têxtil nordestina apresentou um pequeno decréscimo em

relação à indústria têxtil nacional, segundo os indicadores observados – pessoal empregado na

atividade, níveis salariais e valor da produção. No período 1949-1960, verificou-se uma diminuição

mais acentuada no que se refere ao número de pessoas empregadas (queda de 6,0 pontos

percentuais) e aos salários pagos (queda de 3,7 pontos percentuais). Nesse mesmo intervalo de

tempo, apenas o valor da produção obteve uma diminuição modesta. Por outro lado, ao analisar o

período 1939-1970 verificou-se uma diminuição bastante expressiva dos três indicadores: o pessoal

ocupado caiu de 26,6 para 11,2%, os salários pagos caíram de 16,4 para 7,3% e o valor da produção

de 17,4 para 9,1%.

Vale ressaltar que a diminuição do número de pessoas ocupadas na atividade têxtil não se

deu em função do desemprego estrutural. Pelo contrário, a ausência de modernização do processo

produtivo contribuiu para o fechamento de inúmeras fábricas de fiação e tecelagem que se

encontravam operando em condições desvantajosas em relação às concorrentes instaladas na

região Centro-Sul do Brasil. A falta de competitividade da indústria têxtil regional foi vital

também para a diminuição dos salários pagos e para a queda do valor da produção.

SILVA (1980, p. 61-63), lembra que a partir da década de 1960 a Superintendência do

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) instituiu uma ampla política de revitalização da

tradicional indústria têxtil nordestina, pautada na adoção de incentivos fiscais, creditícios e no

Page 182: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

180

fornecimento de assistência técnica. O estudo que serviu de base para essa política, elaborado pelo

órgão supracitado, detectou a seguinte situação do parque têxtil.

���� As indústrias não satisfaziam as necessidades de consumo de têxteis da região, uma vez que a

rigidez da oferta estava, em grande parte, em função do obsoletismo dos equipamentos. A

produção estava voltada para tecidos grossos e médios, chegando a representar mais de 75% de

toda a produção. Por outro lado, 45% da produção era exportada para outras regiões, enquanto

que eram importados cerca de 100 milhões de metros anuais de tecidos finos do Centro-Sul;

���� Com relação aos equipamentos, 54% dos fusos e 81% dos teares tinham mais de trinta anos de

operação;

���� A mão-de-obra apresentava-se da seguinte maneira: excesso de empregados e baixos salários,

se comparados com o padrão da indústria do Centro-Sul;

���� Eram os seguintes os aspectos que resultaram na baixa produtividade: falta de controle sobre o

uso da matéria-prima, resultando na elevação dos custos de produção; falta de seletividade

quanto aos artigos a serem produzidos, tanto em relação à dimensão da fábrica, como à

absorção do mercado; utilização excessiva de mão-de-obra;

���� Os primeiros sinais de ineficiência dos equipamentos têxteis levaram os empresários a

desviarem recursos para aplicações em muitas outras atividades, resultando na escassez de

capital de giro.

O processo de modernização desenvolvido através da canalização de recursos públicos da

SUDENE não atingiu de maneira homogênea todos os estabelecimentos. Por isso ele não foi

suficiente para que a indústria têxtil nordestina recuperasse plenamente a sua capacidade

produtiva, diante da realidade observada em outras regiões do Brasil e do mundo. Por outro lado,

as fábricas que foram reaparelhadas experimentaram aumento expressivo da produção de fios e

derivados, provocando a dispensa de grande contingente de trabalhadores que passaram a migrar

para outras regiões do país em busca de nova colocação no mercado de trabalho.

Convém salientar ainda que da mesma forma que a indústria de transformação conheceu

mudanças significativas, a atividade agrícola regional também sofreu os impactos desse processo,

haja vista a substituição das tradicionais fibras vegetais (algodão, agave e caroá) pelo uso intensivo

de fibras sintéticas produzidas a partir de experiências em laboratórios (o poliéster e a poliamida

são as mais conhecidas). Com efeito, isso permitiu uma maior autonomia da indústria diante da

utilização de novas fontes de matérias-primas, barateando os custos de produção e se libertando,

por exemplo, da dependência imposta pelo mercado do algodão, controlado não apenas por fatores

naturais, mas, sobretudo, por conjunturas econômicas e políticas. Além disso, esse fato agravou

ainda mais a situação da fraca agricultura regional, contribuindo para que as culturas do algodão e

da agave fossem progressivamente retiradas da paisagem de inúmeros municípios do interior.

Page 183: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

181

Antes de analisar o processo que deu origem ao aglomerado urbano de Rio Tinto, torna-se

oportuno compreender a dinâmica da organização espacial na Zona da Mata e no Agreste dos

Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Para tanto, recorreremos ao Mapa 23,

elaborado no final da década de 1970 pelo professor Alcir Veras da Silva, no momento em que

escreveu Dissertação de Mestrado no Curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal

da Paraíba (UFPB).

Observe que todas as cidades identificadas no mapa estavam articuladas por uma extensa

rede de transporte (rodoviário e ferroviário), que facilitava as trocas de mercadorias e matérias-

primas produzidas no Litoral e no interior da região. Natal, João Pessoa e, sobretudo, Recife

apareciam como cidades que comandavam uma vasta hinterlândia, destacando-se como

importantes centros de produção industrial, bem como na comercialização e na exportação do

algodão e de outros produtos manufaturados. Das três cidades, apenas João Pessoa não possuía

terminal portuário, cuja função cabia a cidade de Cabedelo, localizada na região metropolitana23.

Ainda de acordo com o mapa, o Sertão e o Agreste dos Estados supracitados eram

responsáveis pela grande produção algodoeira. Sendo assim, enquanto a primeira área se

especializara no cultivo do algodão arbóreo, de fibra mais longa, a segunda destinava-se a produzir

o algodão herbáceo. No Rio Grande do Norte, as regiões de Apodi, Angicos, Mossoró, Açu e

Seridó se sobressaiam como grandes produtoras. Na Paraíba, destacavam-se as regiões dos Cariris

Velhos, Seridó, Piranhas, Piancó e Curimataú e, em Pernambuco, as regiões do Pajeú, Moxotó,

Salgueiro, Araripina, Petrolina e Ipojuca.

Ainda na Paraíba, três cidades agrestinas funcionavam como pontos de conexão com outros

Estados: Campina Grande (destaque para a bacia produtora e para o entreposto comercial do

algodão, além da presença de grandes unidades industriais), Itabaiana e Guarabira (consideradas

como importantes centros do comércio algodoeiro). No Litoral, a cidade de Rio Tinto abrigava as

unidades têxteis pertencentes ao grupo Lundgren, enquanto a cidade de Santa Rita possuía fábricas

têxteis, usinas de açúcar e destilarias de álcool.

Em Pernambuco, as cidades de Carpina, Escada, Vitória de Santo Antão, Palmares e

Goiana especializaram-se na produção e na industrialização da cana-de-açúcar. Goiana abrigava

ainda uma tradicional indústria de fiação e tecidos. Já as cidades de Limoeiro, Gravatá, Garanhuns

e Caruaru destacavam-se como bacias produtoras e como entrepostos comerciais do algodão.

Caruaru exibia também importantes segmentos industriais. Por fim, várias cidades localizadas na

região metropolitana do Recife, a exemplo de Paulista, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Cabo,

apresentavam diversificado parque industrial.

23 Segundo SILVA (1980, p. 142), a presença do poder público na economia algodoeira do Nordeste deu-se desde o passado, com a construção de infra-estrutura (açudes, ferrovias, estradas, portos, armazéns, eletrificação rural), através do DNOCS, RFFSA, DNER, CHESF, de modo a ligar as áreas produtoras aos centros de transformação industrial e aos portos de exportação.

Page 184: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

182

4.2 A EXPERIÊNCIA INDUSTRIAL NA CIDADE DE RIO TINTO E O PAPEL DA FAMÍLIA

LUNDGREN

4.2.1 ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A origem do aglomerado urbano de Rio Tinto, no final da década de 1920, está

intimamente associada à história do distrito de Paulista, naquela época pertencente ao município de

Olinda, localizado nas cercanias da cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco. Na

verdade, essas duas povoações serviram de palco para a experiência empreendedora de Herman

Theodor Lundgren, um jovem sueco que em meados do século XIX havia escolhido o Brasil para

dar início a um vasto projeto econômico que envolveria a combinação de atividades agrícolas,

comerciais e industriais.

Após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, Herman Lundgren instala-se no Recife onde

funda, em 1861, uma fábrica de pólvora na aldeia “Pontezinha”, Pernambuco Powder Factory, a

primeira empresa do ramo construída, organizada e mantida por iniciativa particular no país

(GOÉS, 1963, apud BARROS, 2002, p. 25). Além da pólvora, ele também comercializou mais tarde

cera de carnaúba, couro, sal proveniente de Macau e Areia Branca, no Rio Grande do Norte;

industrializou açúcar, com a compra da usina Central de Timbó e iniciou-se na produção têxtil com

a aquisição da antiga fábrica de tecidos de Paulista, no ano de 1904 (BARROS, 2002, p. 25). A

Companhia de Tecidos Paulista (CTP), como ficou conhecida, tornou-se o principal

empreendimento do grupo.

Apesar dos progressos observados, Lundgren queria sempre mais e por isso empenhava-se

para adquirir grandes possessões de terras com a intenção de ampliar seus negócios. Após a sua

morte em 1907, todo o patrimônio erguido ao longo de quase meio século passou para as mãos dos

principais herdeiros, ficando, desta forma, o controle acionário e administrativo nas mãos dos

filhos Artur, Frederico e Alberto. Estes trataram de levar adiante os planos do velho Lundgren, de

modo que modernizaram a Companhia de Tecidos e criaram uma notável rede de comércio

varejista sediada na cidade de Paulista e com ramificações em várias partes do Nordeste e do Sul

do país (Lojas Paulista e, mais tarde, Casas Pernambucanas).

Por volta da quarta década do século vinte, Paulista era uma cidade que apresentava uma

economia bastante vigorosa, fato que atraía a atenção de moradores de várias localidades do

interior de Pernambuco e até dos Estados vizinhos, interessados na possibilidade de adquirir uma

melhor condição de vida e trabalho. Nesses tempos áureos, a Companhia de Tecidos chegou a

possuir cerca de 6.000 casas, empregando mais de 20.000 trabalhadores em diversas atividades,

desde as atividades industriais propriamente ditas (fiação, tecelagem, estamparia e costura), até as

atividades complementares como cultivo de roçados, criação de animais, extração de madeira e de

Page 185: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

183

alguns tipos de minerais, construção de casas, galpões, armazéns, escolas, hospitais, postos de

saúde, delegacias, clubes sociais, cemitérios, etc.

A Companhia dispunha ainda de vários aliciadores, indivíduos que recrutavam famílias

numerosas que pudessem se inserir nas atividades supracitadas. Regra geral, esses aliciadores

preferiam as famílias camponesas empobrecidas que viviam sob a tutela de poderosos donos de

terras, em uma condição de grande exploração da força de trabalho. Como atrativos, eles ofereciam

empregos para boa parte dos membros do grupo, além de casa para morar e opções de lazer

durante as folgas do trabalho.

Sobre esses aspectos, Rosilene ALVIM (1997, p. 13) escreveu o seguinte:

“A construção de uma família operária que então se consolida em Paulista em função do modelo do aliciamento familiar, se caracteriza pela imobilização da força de trabalho através do monopólio da moradia pela indústria. Controlando não só o acesso ao trabalho mas também à casa, a fábrica controla também o uso do espaço social de seus trabalhadores, territorializado em domínios de sua propriedade. Esta fábrica com vila operária, ao deter o controle não só das condições de trabalho de seus operários como também o controle direto de suas condições de reprodução, procura inculcar em seus trabalhadores uma ideologia do trabalho, uma moral do trabalho como um modo de vida que é reforçado e legitimado através da família.”

Apesar do delineamento de uma nova configuração sócio-espacial, representada agora pela

vida na cidade (em vilas ou em bairros operários) e pelos costumes e valores daí resultantes, esses

indivíduos perceberam que pouca coisa mudou em relação às formas de vida e trabalho do

passado, uma vez que continuavam sendo submetidos ao controle social e político dos seus

patrões, bem como as mesmas formas de exploração da mão-de-obra, através da elevada jornada

de trabalho, dos baixos salários recebidos e do emprego de mulheres, crianças e jovens na

execução das tarefas.

Através dessas relações estabelecidas no cotidiano (relações de subordinação e relações de

compadrio, por exemplo), a Companhia controlava com bastante eficácia e sutileza a vida de todo

o grupo, disciplinando os indivíduos para a prática do trabalho e para uma vida regrada pelos

princípios familiares, religiosos e morais24. Tal situação, como recorda o historiador britânico Eric

HOBSBAWM (1986, p. 78), assemelha-se ao discurso disseminado pelas elites urbanas da época da

Revolução Industrial para subjugar as massas operárias que viviam em condições deploráveis.

Sendo assim, elas pregavam uma ética tradicional – protestante ou não – em que os indivíduos

24 As relações pessoais, ou mesmo, os laços pessoais, representavam uma forte característica dos tempos dos coronéis. Por isso, os funcionários da Companhia referiam-se ao Coronel Lundgren como um homem austero, respeitado e bondoso (ALVIM, op. Cit., p. 18). Convém salientar ainda que essas relações, presentes também no cotidiano rural do Nordeste e personificada na figura do senhor de engenho (coronel do eito), foram interpretadas e analisadas por alguns estudiosos como Gilberto FREYRE (1998, passim), Manuel DIÉGUES JÚNIOR (1954, p. 50 seq.), Mário Lacerda de MELO (1975, p. 48 seq.) e José Lins do REGO (2003, passim).

Page 186: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

184

deveriam basear-se na parcimônia, no trabalho duro e no puritanismo moral a fim de alcançarem

melhorias para si e para os demais membros da família.

ALVIM (op. Cit., p. 16-17), lembra ainda que a preferência por uma força de trabalho

organizada pela família constitui uma característica das fábricas têxteis em determinados períodos

do desenvolvimento industrial, quer no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos. A existência de

vilas operárias com casas construídas para abrigarem famílias faz parte deste modelo de

industrialização que, ao se responsabilizar pela moradia de seus trabalhadores, desenvolve uma

política de subordinação em que a família operária torna-se um importante referencial para

disciplinar uma mão-de-obra formada e apta culturalmente para o trabalho industrial.

Vale ressaltar que nessa época os municípios de Olinda e Recife já possuíam uma

importante População Economicamente Ativa, ou seja, um expressivo exército industrial de

reserva. No entanto, os administradores da Companhia preferiam contratar famílias oriundas das

áreas rurais distantes, por acharem que as mesmas eram mais “ingênuas” e menos susceptíveis às

influências geradas pelos embates travados entre empresários capitalistas e proletários, sendo estes

últimos representados pelos sindicatos. Daí reside a importância dada pelos administradores ao

processo de seletividade da mão-de-obra.

Relatos daquela época dão conta que atitudes subversivas eram punidas com muito rigor

pelos proprietários, inclusive com surras e espancamentos. Além do monopólio exercido sobre a

moradia e sobre a produção agrícola e industrial, estes tinham também o poder de moldar a vida

dos cidadãos dentro e fora do ambiente de trabalho, possuindo para tanto um grande número de

supervisores, vigias e capatazes. O controle de um vasto território e dos recursos naturais e

humanos nele existentes fazia parte da estratégia política e econômica da família Lundgren, fato

observado também em outra localidade do Litoral Norte da Paraíba, conforme será discutido a

seguir.

4.2.2 A COMPANHIA DE TECIDOS E O NASCIMENTO DO AGLOMERADO URBANO DE RIO

TINTO

Na intenção de ampliar os empreendimentos econômicos da família, o Coronel Frederico

João Lundgren resolveu investir parte dos lucros da Companhia de Tecidos Paulista na aquisição

de terras no Litoral Norte da Paraíba, com o propósito de edificar uma nova “cidade-fábrica”.

Assim, no ano de 1917 ele enviou Artur Barbosa de Góes ao interior do município de

Mamanguape para pesquisar e, em seguida, comprar as terras de alguns engenhos, conforme

relatou o próprio emissário no livro Um Sueco Emigra para o Nordeste:

“Volte a Mamanguape. Você vai morar lá, vai ser comerciante e vai comprar a Preguiça.

Page 187: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

185

Artur de Góes deu conta do recado. Estabeleceu-se no Salema – o antigo e abandonado pôrto fluvial da cidade – montando sortida mercearia. Familiarizou-se com a gente do lugar e adquiriu Preguiça, sem pestanejar, para espanto de toda aquela gente.

– Só pode estar doido. Aquilo é o fim do mundo... E passou a comprar mais terras adjacentes a Preguiça. A sua mercearia era

um chamariz, não de interessados na compra de seus artigos: bacalhau, farinha, charque, manteiga, banha, mas na venda de terrenos e de sítios limítrofes do velho Engenho. E Artur Barbosa de Góes ia comprando, de acordo com as sucessivas e esclarecedoras instruções vindas de Paulista.” (GOÉS, 1963, apud RODRIGUES, 2008, p. 95-96).

A admiração e o espanto dos habitantes de Mamanguape eram facilmente justificáveis, uma

vez que o município enfrentava uma forte crise desde o último quartel do século XIX, quando foi

inaugurada a estrada de ferro ligando a capital ao interior da Província. Na ocasião, o porto de

Salema caiu no esquecimento, a economia de Mamanguape sofreu um duro golpe e o baixo vale

deixou de ser uma região atraente para qualquer tipo de investimento. Por outro lado, as terras do

engenho Preguiça eram consideradas apropriadas para a instalação de uma planta industrial, uma

vez que eram drenadas por vários afluentes da margem esquerda do rio Mamanguape, a exemplo

dos rios Tinto e Gelo e dos riachos Catolé e Bica.

Convém salientar que o fator locacional sempre foi muito importante para determinar a

instalação de um parque fabril. Sobre esse aspecto, SPÓSITO (op. Cit., p. 51-52) recorda que

durante a Primeira Revolução Industrial as fábricas procuravam se localizar fora das cidades,

próximas às fontes de energia (na época, principalmente, o carvão25), matérias-primas e em locais

que facilitassem o escoamento da produção (margens de rios, baías e, depois, estradas de ferro). A

disponibilidade de reserva de mão-de-obra também era um fator a ser considerado.

O Mapa 24, exposto a seguir, foi adaptado de uma carta topográfica produzida pela

SUDENE em 1974. Na parte inferior destaca-se o sítio original da cidade de Rio Tinto, onde é

possível perceber as instalações da Companhia de Tecidos (pavilhões da fábrica, barracão,

hospital, olaria), a praça principal, as ruas e as avenidas. É possível identificar ainda trechos

cobertos por manguezais e áreas sujeitas à inundação (calhas dos rios Tinto e Gelo). Observe que o

centro desse primeiro núcleo é cortado pela isolinha de 10 metros de altitude, decrescendo para a

cota de 5 metros na parte leste (planície do rio do Gelo).

Em direção ao norte, numa posição intermediária, destacam-se a vila Santa Elizabete,

cortada por estrada asfaltada, e a vila Regina, esta última habitada ainda hoje pelas famílias menos

25 A ocorrência desse recurso energético determinava a localização dos parques fabris junto às bacias carboníferas. Foi assim na Inglaterra, na bacia do Ruhr (Alemanha), do Donetz (Rússia) e na Silésia (Polônia) (SPÓSITO, op. Cit., p. 52). Ao se reportar à indústria inglesa, Pierre GEORGE (2005, p. 18) acrescenta que a mesma nasceu do desenvolvimento da extração de carvão e da atividade do comércio marítimo, que assegurava ao mesmo tempo o reabastecimento em matérias-primas e o escoamento dos produtos fabricados. Por conseguinte, parece razoável procurar as grandes regiões industriais inglesas na zona das minas de carvão e ao redor dos grandes portos.

Page 188: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

186

abastadas. Por fim, na porção superior do mapa observam-se as edificações da vila de Monte Mor,

área incorporada ao patrimônio dos Lundgren por meio da compra das terras que outrora

pertenceram aos índios Potiguaras. Em todos os planos urbanísticos descritos é possível notar a

simetria dos arranjos espaciais, dominados por quarteirões de pequenas casas construídas para

abrigar as famílias operárias.

MAPA 24 – ASPECTOS DA TOPOGRAFIA DO SÍTIO ORIGINAL DA CIDADE DE RIO TINTO

Fonte: Adaptado de: BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Carta Topográfica: Rio Tinto. Recife: SUDENE, Escala 1:25.000, 1ª edição, 1974 (Índice de Nomenclatura: Folha SB.25-Y-A-V-4-NE).

De acordo com o atual Diretor de Patrimônio, Sr. Walter Schumacher, assim que adquiriu o

engenho Preguiça a Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT) teve que desmatar parte do mangue,

Porto fluvial de Jaraguá

Pavilhões da fábrica

Manguezais

Olaria

Áreas sujeitas à inundação

0 1 Km

Hospital Geral

Rio Tinto Tênis Clube

Page 189: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

187

aterrar uma grande extensão dos referidos rios e drenar as águas que ainda permaneciam

represadas (para acelerar a secagem do terreno semeou grandes plantações de eucalipto). Após a

realização dessas obras, deu-se início no ano de 1918 à construção dos primeiros pavilhões da

fábrica e das primeiras casas dos funcionários. Apenas em dezembro de 1924 foi que a mesma

começou a operar definitivamente.

Outros fatores também foram decisivos na escolha dessa área para o nascimento da cidade-

fábrica: a presença de grandes trechos cobertos por florestas, cerrados e manguezais, cuja

exploração garantiria o suprimento de lenha para as fornalhas da fábrica e de madeiras usadas na

construção civil; a existência de inúmeros rios e riachos, imprescindíveis para o transporte das

mercadorias produzidas, bem como para o abastecimento das residências e das atividades

produtivas (indústria, agricultura e criação); o total isolamento dessa região agradava também os

proprietários e administradores, pois assim teriam menos trabalho para subjugar os futuros

operários, uma vez que a distância dos grandes centros urbanos dificultava a ação do movimento

sindical.

À frente da Companhia de Tecidos, o prestigiado Coronel Frederico João Lundgren, logo

recebeu o apoio da prefeitura municipal de Mamanguape e do governador da Província da Paraíba,

Sr. Camilo de Holanda, que concedeu 25 anos de isenção fiscal em troca de algumas melhorias que

deveriam ser realizadas pela Companhia no aglomerado urbano de Rio Tinto (construção de casas,

escolas, hospital, posto de saúde, delegacia, praças públicas, cemitério, etc.). Entretanto, nenhum

Banco oficial e/ou particular daquela época acreditou na proposta inovadora do Coronel Lundgren

e por isso ele teve que buscar financiamento na Europa, onde contou com a ajuda de recursos

financeiros de origem inglesa e alemã. Segundo BARROS (2002, p. 28), esta aproximação com os

países europeus possibilitou uma série de trocas e parcerias, principalmente com a vinda de

funcionários especializados para a fábrica (engenheiros, técnicos e outros mestres de ofício),

contribuindo para a difusão de alguns costumes até hoje encontrados, principalmente na arquitetura

da cidade, onde em alguns exemplares observa-se a influência européia e a utilização de elementos

estéticos do Art Déco26 (Fotos 15 e 16).

O pequeno aglomerado urbano nascia com aspectos de cidade importante, pois além da

fábrica com suas distintas unidades de produção, foram edificadas também pela família Lundgren

mais de 4.000 casas para os operários, além da igreja católica, do cine-teatro, do hospital geral, do

grupo escolar, da escola técnica (responsável pela formação da mão-de-obra a ser utilizada nas

atividades fabris) e de vários clubes recreativos sociais, a exemplo do Rio Tinto Tênis Clube, local

freqüentado pelas pessoas de maior poder aquisitivo (proprietários e administradores da

26 Segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA (1999), o Art Déco representa um movimento nas artes decorativas que surgiu na década de 1920 e dominou toda a década seguinte. Inspirado basicamente no cubismo e nos preceitos da nova arquitetura, buscava o equilíbrio dos volumes, certa singeleza linear e uma fácil adaptação à produção industrial.

Page 190: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

188

Companhia, empresários, políticos e autoridades da região) que buscavam ostentação, requinte e

diversão através das festas e dos esportes de lazer, dentre eles, o tênis e o boliche.

A Companhia construiu ainda posto de saúde, barracão para a venda de alimentos aos

operários, usina de energia, redes de abastecimento de água, oficina metalúrgica, serraria, olaria,

caieira27, campo de aviação, porto e uma pequena ferrovia com aproximadamente 25 quilômetros

de extensão, utilizada para facilitar o transporte de matérias-primas e/ou mercadorias que saiam ou

chegavam até o aglomerado urbano (essa estrada de ferro desembocava no porto de Jaraguá).

A maior parte das máquinas que integravam o parque fabril também veio da Europa. Ao

chegar à capital da Província em porões de grandes navios, esses equipamentos eram remanejados

para embarcações de menor calado, uma vez que os rios e riachos que formam o baixo vale do rio

Mamanguape não permitem a circulação de navios de maior porte. Os segmentos de fiação e

tecelagem, por exemplo, receberam equipamentos oriundos de Manchester e Liverpool, cidades

inglesas consideradas pioneiras na indústria têxtil. Já os setores de transporte, geração de energia e

metalurgia contaram com maquinário proveniente de algumas cidades alemãs como Essen, Berlim

e Stuttgart (Fotos 17 a 22).

Foto 15 – Igreja de Santa Rita de Cássia, construída no ano de 1942 em substituição à antiga igreja edificada no início dos anos 20 (destaque para o estilo Art Déco). Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Foto 16 – A construção de áreas de lazer fazia parte da política utilizada pela Companhia para controlar de maneira sutil a vida dos operários e moradores de Rio Tinto. Aspecto do Cine-Teatro Orion, construído em 1944 no centro da cidade. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Para conseguir a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento das atividades econômicas,

os administradores da Companhia usaram a mesma estratégia que foi empregada no então distrito

de Paulista, ou seja, enviavam aliciadores para recrutar famílias camponesas que viviam em

condições precárias no interior dos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. De

27 Para a construção da fábrica e demais edifícios eles usavam a cal como substituto do cimento. As pedras calcárias cruas eram transportadas de Martinica, localidade próxima de Tatu-Peba, pelas locomotivas da Companhia até Jaraguá, onde eram queimadas no forno da cal (caieira). Este processo dava origem a um pó que, depois de misturado com a areia branca do rio Vermelho, transformava-se em uma resistente argamassa (RODRIGUES, 2008, p. 101).

Page 191: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

189

acordo com BARROS (2002, p. 28), esses agentes ganhavam por “cabeça” e quanto mais grupos de

vários membros trouxessem, mais recebiam em troca. Daí as promessas e fantasias contadas até

hoje com certa ironia pelos antigos operários: “Rio Tinto era um local em que os chafarizes

jorravam leite e havia montanhas de cuscuz.” De fato existiam chafarizes nas ruas, porém, estes

serviam para o abastecimento de água dos moradores que, sendo operários menos qualificados, não

tinham em suas casas água encanada. Além dessas fontes, foram construídas caixas d’água

elevadas em diversos setores, que recebiam água dos rios e riachos através de um complexo

sistema de propulsão.

Vale ressaltar que as condições de vida eram precárias naquela época, pois de início várias

famílias que chegavam ao aglomerado urbano eram agrupadas em uma mesma casa, sem conforto,

higiene e privacidade. Se levarmos em conta o fato de que as famílias eram numerosas, as casas da

vila operária chegaram a abrigar cerca de 25 pessoas, cada uma, conforme pode ser constatado nas

informações colhidas por EGLER, 1986, apud BARROS (2002, p. 29) com base na fala de antigos

moradores .

“Em 1930, bateu logo uma fome aí, muito grande, desceu gente aí em comboio. Esse povo ficava todo aqui, tinha casa de ficar 4 famílias, casa de 4 quartos era 4 famílias, de 3 quartos era 3 famílias, aí, depois que foi fazendo casa, foi separando o pessoal. Mas era tudo assim, no começo, eu mesmo morei numa casa com 4 famílias. Aí não era cidade era apenas uma vila, somente trabalhador, os operários.” (Mulher de operário).

“Já tinha casa pra botar aquele povo, quando não tinha casa colocava nos galpão, depois ia dando as casas ao povo.” (Ex-tecelã).

“A casa não tinha luz, não tinha água... não tinha conforto nenhum, apenas tinha a casinha, não tinha nem banheiro, nada. A primeira casa que a gente morou era de 3 quartos, a outra foi de 2 quartos, só tinha sanitário, banheiro nem se fala, torneira era na rua.” (Ex-tecelã).

Através dos depoimentos expostos anteriormente é possível perceber as reais condições em

que foram submetidos esses trabalhadores, juntamente com suas famílias. Com efeito, o sonho de

alcançar uma vida mais digna transformou-se em ilusão para milhares deles, pois além de

habitarem lugares insalubres, também enfrentavam longas jornadas de trabalho e recebiam salários

que não permitiam galgar uma ascensão social.

Durante as pesquisas de campo encontramos famílias inteiras de antigos operários

residindo nos mesmos locais há várias décadas, muitas das quais sobrevivendo com auxílio de

algum tipo de benefício social (aposentadoria, pensão, concessão de bolsa do governo federal,

etc.). Dona Alice Clemente, hoje com 82 anos de idade, aposentou-se pela Companhia de Tecidos

Rio Tinto após trabalhar por mais de 30 anos no setor de tecelagem. Ela contou ainda que chegou

na pequena casa da vila operária, situada na rua Paulista, no dia 6 de janeiro de 1940 e que quase

todos os membros da sua família trabalharam em algum setor da fábrica.

Page 192: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

190

Fot

os 1

7 e

18 –

Ant

iga

loco

mot

iva

da C

ompa

nhia

de

Tec

idos

R

io T

into

usa

da p

ara

tran

spor

tar

mat

éria

s-pr

imas

e m

erca

dori

as

para

aba

stec

er o

par

que

fabr

il e

as

dem

ais

ativ

idad

es.

Ori

gem

do

equi

pam

ento

: Ber

lim

– A

lem

anha

. P

átio

da

Com

panh

ia, m

unic

ípio

de

Rio

Tin

to, P

araí

ba.

Foto

s e

arqu

ivo:

Fáb

io D

anta

s da

Cos

ta (

mar

ço/2

010)

.

F

otos

19

e 20

– M

áqui

na u

tiliz

ada

para

pre

nsar

cha

pas

de

ferr

o e

aço.

O

rige

m d

o eq

uipa

men

to: S

tuttg

art –

Ale

man

ha.

Ofi

cina

mec

ânic

a da

Com

panh

ia, m

unic

ípio

de

Rio

Tin

to,

Par

aíba

. Fo

tos

e ar

quiv

o: F

ábio

Dan

tas

da C

osta

(m

arço

/201

0).

Fot

os

21

e 22

Máq

uina

ut

iliza

da

para

pr

oduz

ir

ener

gia

term

elét

rica

. O

rige

m d

o eq

uipa

men

to: B

resl

au/B

erli

m –

Ale

man

ha.

Pát

io d

a C

ompa

nhia

, mun

icíp

io d

e R

io T

into

, Par

aíba

. Fo

tos

e ar

quiv

o: F

ábio

Dan

tas

da C

osta

(m

arço

/201

0).

Page 193: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

191

Como se sabe, em qualquer espaço produzido pelo sistema capitalista as marcas da divisão

de classes permanecem muito nítidas na paisagem, podendo ser observadas nas formas e nos níveis

de consumo da população, bem como nas características estéticas do ambiente (padrão

arquitetônico, processo de ocupação e uso do solo, disposição dos assentamentos humanos, etc.).

Em geral, as famílias de maior poder aquisitivo acabam se apropriando dos melhores terrenos da

cidade, onde edificam casas luxuosas, espaçosas, limpas e arborizadas. Por outro lado, as famílias

mais pobres ficam segregadas nas áreas rejeitadas pelos agentes imobiliários (margens de rios e

córregos, encostas de morros, etc.) devido à falta de recursos financeiros que possibilitem

melhores condições de habitação.

Ao analisar o crescimento das cidades inglesas após a Revolução Industrial, Friedrich

ENGELS (1980, p. 125) deparou-se com as péssimas condições de vida das famílias operárias,

conforme pode ser constatado em sua fala:

“(...) os bairros miseráveis são organizados da mesma forma em quase toda a Inglaterra e constituídos pelas piores casas, nas zonas piores da cidade. As mais das vezes são edifícios de dois andares, ou mesmo térreos, em tijolo, alinhados em longas filas e quase sempre irregularmente construídos. Estas pequenas casas de três ou quatro compartimentos e uma cozinha constituem vulgarmente em toda a Inglaterra, exceto em alguns bairros de Londres, o tipo de habitação da classe operária (Figura 7). As próprias ruas, habitualmente, não são nem planas, nem pavimentadas; são geralmente sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos e cobertas de poças de água estagnada e fétida. A ventilação é dificultada pela construção deficiente e confusa de todo o bairro, e como muitos indivíduos ali vivem num reduzido espaço, é fácil imaginar o ar que se respira nesses bairros operários.”

Ao descrever um bairro operário da cidade de Manchester, ele destacou ainda:

“Numa depressão bastante profunda, circundada por altas fábricas, por altas margens cobertas de construções e aterros, se juntam em dois grupos cerca de 200 casas em sua maioria com a parede posterior comum duas a duas, onde moram, no total, cerca de 4000 pessoas, quase todas irlandesas (...).” (ENGELS, 1980, p. 134).

A Revolução Industrial foi responsável pelo rápido crescimento da população urbana na

Europa, crescimento que gerou profundos impactos sociais e ambientais. Não obstante, a falta de

planejamento por parte do poder público contribuiu para agravar os problemas do desemprego, da

fome, da segurança, da habitação, do saneamento básico (deficiência do sistema de coleta de lixo,

distribuição de água tratada e captação de esgoto), da proliferação de doenças (a peste bubônica e o

cólera fizeram milhares de vítimas fatais), etc. Essa situação só começou a mudar a partir da

segunda metade do século XIX, quando o Estado voltou a assumir o papel de gestor e executor das

Page 194: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

192

obras de infra-estrutura. As transformações aconteceram primeiramente na França, na Inglaterra e

na Alemanha, estendendo-se posteriormente para outros países do velho continente.

FIGURA 7 – PLANTA BAIXA DE UMA CASA OPERÁRIA

INGLESA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX

Fonte: Adaptada de:BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 4ª edição, 2005, p. 563.

Respeitadas as devidas proporções dos fatos mencionados anteriormente, foi possível

identificar algumas características das principais cidades européias durante essa fase do

desenvolvimento capitalista e relacioná-las com a realidade observada no aglomerado urbano de

Rio Tinto no início da sua formação.

���� Em primeiro lugar, as famílias camponesas eram compostas por um grande número de

indivíduos que, vivendo em condições precárias no campo, acabaram visualizando na cidade

uma possibilidade de melhorar de situação (fenômeno da sedução urbana). Outros, ao

contrário, foram vitimados pelo processo de expropriação devido ao avanço das relações

capitalistas no campo;

���� Já na cidade, esses indivíduos que antes se dedicavam às atividades primárias (agricultura,

criação e extração) passaram a integrar a classe operária urbana, formada por trabalhadores da

indústria, da construção civil e das atividades terciárias em geral;

���� As condições de trabalho no interior das fábricas eram extenuantes e o emprego de mulheres e

crianças era muito freqüente. Em geral, esses trabalhadores enfrentavam longas jornadas de

trabalho e recebiam salários aviltados;

���� As casas construídas para abrigar toda essa população apresentavam aspectos particulares, de

acordo com a hierarquia ocupada pelo trabalhador no interior da fábrica. Vejamos como isso se

configurava na prática.

Page 195: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

193

As Tipologias expostas a seguir foram elaboradas pela arquiteta Amélia de Farias Panet

Barros, coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João

Pessoa (UNIPÊ). Através da pesquisa a autora subdividiu a cidade de Rio Tinto em três setores,

nos quais foram identificados e catalogados 8 tipos de habitações, além das residências construídas

para abrigar os membros da poderosa família Lundgren. Como a intenção desse capítulo não é

realizar uma descrição pormenorizada dos tipos de habitação, serão apresentadas apenas algumas

Tipologias para facilitar a compreensão do processo de ocupação e uso do solo urbano.

Os luxuosos chalés construídos na parte central da cidade de Rio Tinto, ao redor da praça

João Pessoa e nas ruas adjacentes, eram habitados pelos funcionários que recebiam salários mais

altos em função dos cargos que ocupavam (gerentes, engenheiros, supervisores, mestres de ofício,

etc.) (Foto 23). Os membros da família Lundgren residiam nas diversas mansões espalhadas pelo

núcleo urbano. Ainda hoje é possível identificar três grandes residências construídas com tijolos

aparentes de cor avermelhada, marca característica das edificações de alto luxo, sendo que duas

localizam-se na parte central e uma na vila Regina (conhecida como Palacete dos Lundgren). Vale

ressaltar que todas essas edificações eram decoradas com artigos importados da Europa (móveis,

quadros, tapetes, lustres, louças e azulejos). Além disso, possuíam grandes jardins (inclusive com

orquidários), pomares e eram servidas com água encanada e energia elétrica. Atualmente todas elas

se encontram em estágio de abandono, conforme denuncia a Foto 24.

Foto 23 – Os chalés localizados na praça João Pessoa destinavam-se aos funcionários mais especializados da Companhia. Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Foto 24 – Mansão da família Lundgren encontrada em estado de abandono. Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

A maior parte das habitações construídas pela Companhia para abrigar seus trabalhadores é

formada por casas conjugadas, medindo aproximadamente 60 m² (Tipologia 1). Elas são estreitas,

compridas e apresentam pequenos compartimentos (sala, quartos, cozinha e corredor) com

iluminação e ventilação insuficientes (Figuras 8 e 9). No passado, não contavam com água

Page 196: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

194

encanada, energia elétrica e nem possuíam banheiro. Eram também ocupadas por famílias

numerosas, fato que contribuía para diminuir o conforto e a privacidade das pessoas (torna-se

oportuno comparar esses tipos de residências com as casas operárias inglesas da época da

Revolução Industrial, conforme Figura 7).

Exemplares dessa Tipologia podem ser encontrados em vários pontos da cidade, sobretudo

na área central (na praça João Pessoa e nas ruas Mangueira, Barão do Triunfo, Aurora, Santa Rita).

Atualmente é possível perceber algumas mudanças nas fachadas dessas casas, principalmente com

a abertura de pequenos terraços e implantação de revestimentos cerâmicos (Foto 25).

As casas enquadradas nas Tipologias 2, 3 e 6 possuem basicamente as mesmas

características apontadas anteriormente. No entanto, apresentam espaço lateral entre duas casas

geminadas (Tipologia 2 e 6) e estreito terraço comunitário que serve de circulação entre as mesmas

(Tipologia 3 e 6) (BARROS, 2002, p. 48 seq.). Através da Foto 26 e das Figuras 10 e 11 é possível

visualizar as casas operárias da Tipologia 6 (note que alguns terraços já sofreram modificações,

impossibilitando a passagem entre elas).

Já as residências incluídas na Tipologia 4 são mais espaçosas, confortáveis e apresentam

uma distribuição dos cômodos que difere das demais (Foto 27). Medindo pouco mais de 100 m²,

essas residências possuem pequeno terraço, quartos, sala, copa e cozinha, além de espaço em uma

das laterais (Figuras 12 e 13). Elas foram construídas para abrigar famílias de funcionários que

recebiam rendimento salarial um pouco maior.

Por fim, as minúsculas casas encontradas na vila Regina (Tipologia 5) foram construídas

para acolher as prostitutas que prestavam serviços aos trabalhadores da Companhia e aos

transeuntes que desembarcavam no porto de Jaraguá. Até hoje esse bairro da periferia de Rio Tinto

é constituído por famílias muito pobres (Foto 28; Figuras 14 e 15).

Foto 25 – Casas da vila operária localizada na lateral da praça João Pessoa (Tipologia 1). Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

Figura 8 (acima) – Croqui das casas enquadradas na Tipologia 1.

Figura 9 (ao lado) – Planta baixa de uma casa enquadrada na Tipologia 1.

Fonte: Adaptadas de:BARROS (2002, p. 47).

Page 197: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

195

Foto 26 – Casas da vila operária localizada na vila de Monte Mor (Tipologia 6). Periferia da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

Figura 10 (acima) – Croqui das casas enquadradas na Tipologia 6.

Figura 11 (ao lado) – Planta baixa de uma casa enquadrada na Tipologia 6.

Fonte: Adaptadas de: BARROS (2002, p. 52).

Foto 27 – Fachada de uma casa localizada na rua Formosa (Tipologia 4). Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

Figura 12 (acima) – Croqui das casas enquadradas na Tipologia 4.

Figura 13 (ao lado) – Planta baixa de uma casa enquadrada na Tipologia 4.

Fonte: Adaptadas de:BARROS (2002, p. 50).

Foto 28 – Conjunto formado por pequenas casas localizadas na vila Regina (Tipologia 5). Periferia da cidade de Rio Tinto, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

Figura 14 (acima) – Croqui das casas enquadradas na Tipologia 5.

Figura 15 (ao lado) – Planta baixa de uma casa enquadrada na Tipologia 5.

Fonte: Adaptadas de:BARROS (2002, p. 51).

Page 198: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

196

Com base nas descrições apresentadas anteriormente, pôde-se perceber uma nítida

separação entre os funcionários que recebiam melhores rendimentos e aqueles que ocupavam os

cargos menos valorizados (estes últimos constituíam a maior parte da força de trabalho). Essa

diferenciação materializava-se no interior do tecido urbano através dos inúmeros equipamentos de

uso coletivo construídos pela Companhia de Tecidos Rio Tinto – habitações e clubes de lazer;

barracão, pavilhões e escritórios da fábrica, entre outros.

Sobre esse aspecto, BARROS (2002, p. 60) acrescenta que as instalações fabris, as

edificações de uso institucional, de serviço e as mansões da família Lundgren foram construídas

em tijolos vermelhos para se diferenciarem das moradias dos operários. Neste caso, pela sua

localização, o tijolo era usado como material nobre, capaz de distinguir e acentuar o grau de

importância da edificação. Mais uma forma de imposição da hierarquia, onde a presença do tijolo

vermelho sugeria ao operário um comportamento de reverência e humildade diante da obra e do

espaço a ela destinado, uma reação de “discreto louvor”.

Todos os moradores do aglomerado urbano denotavam grande respeito e admiração ao

Coronel Frederico Lundgren e aos membros de sua família. Além de proprietário e administrador

da Companhia de Tecidos, ele personificava ainda a figura de chefe político local, juiz de direito,

promotor de justiça, delegado e até líder sindical, conforme relatou Rogé Maciel PINHEIRO, 1988,

apud MELLO (2002, p. 74) ao se reportar ao diálogo do Coronel Lundgren com um operário recém-

chegado à vila, em 1931, para fundar o sindicato:

“Senhor Sales, eu sou o sindicato! Eu sou o timoneiro dos meus operários! Eu sei das necessidades dos meus operários! Eu criei isso aqui, senhor Sales! (...) Senhor Schultz: mande fazer a ‘liquidação’ do senhor Sales, nosso ex-empregado, pague-lhe o que lhe devemos pelos seus serviços e dê-lhe ainda a quantia de dois contos de réis, como despesas de viagens! (...) Um favor ainda, senhor Sales: enquanto Frederico João Lundgren tiver qualquer interesse em Rio Tinto, faça-me o especial obséquio de nunca mais passar em nenhuma fronteira riotintense!”

Na verdade, a Companhia sempre exerceu um rígido controle sobre todas as pessoas que

moravam e/ou trabalhavam em Rio Tinto. Durante várias décadas os trabalhadores não puderam

sequer fundar associações ou ligas trabalhistas, sob pena de sofrerem algum tipo de retaliação

(demissões, transferências de setores, rebaixamento salarial, perseguições e até espancamento). A

ação do movimento sindical só teve grandes repercussões no final da década de 1950 e início da

década seguinte, quando novamente foi sufocada pela situação política instaurada com o golpe

militar de 1964. Sem contar com a força de uma entidade que lutasse pelos seus direitos, os

operários apenas seguiam as determinações impostas pelos administradores do cotonifício e por

isso acabavam se contentando com os salários pagos e com as jornadas de trabalho estipuladas.

Page 199: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

197

Segundo depoimento de um antigo operário do setor de tecelagem que preferiu não se

identificar, o ritmo de trabalho era muito intenso e a jornada diária se estendia por até 12 horas.

Além disso, não era permitido ao trabalhador conversar no interior da fábrica e nem parar de

executar as tarefas programadas pelo chefe do setor antes de ouvir o som do apito ou da sirene.

Caso isso acontecesse, o mesmo poderia ser advertido, suspenso das funções ou até demitido por

justa causa.

Sr. José da Silva Martiniano, 78 anos, natural da cidade de Bananeiras, Agreste Paraibano,

trabalhou durante muitos anos no pavilhão da antiga fábrica localizada na parte alta da cidade (vila

de Monte Mor). Ele relatou que a Companhia contratava vários trabalhadores de uma mesma

família, inclusive crianças e jovens, pagando salários irrisórios. Como as crianças apresentavam

baixa estatura, precisavam subir em bancos de madeira para conseguir operar as máquinas. Para

escapar de possíveis fiscalizações, as famílias omitiam a idade certa dos menores no momento do

registro civil em cartório. Essa prática pôde ser constatada na fala de vários moradores da cidade.

A presença de um significativo estoque de mão-de-obra contribuía para o rebaixamento dos

níveis salariais e, consequentemente, para a ampliação da mais-valia absoluta. Sendo assim, para

conseguir sobreviver o chefe da família precisava lançar mão de toda a força de trabalho

disponível no grupo. De acordo com ALVIM (op. Cit., p. 29), a ligação entre trabalho e casa, como

parte de uma mesma relação, aliada às diversas situações de dependência daí decorrentes,

estimulava as próprias famílias no sentido do aproveitamento máximo da força de trabalho dos

seus componentes. A fábrica, ao utilizar a estratégia da vinda de famílias numerosas, disseminava

uma percepção que levava os trabalhadores a relativizar os baixos salários, porque a soma dos

rendimentos de todos permitiria a sobrevivência do grupo, ainda que de maneira precária.

Como forma de atenuar essa exploração, a Companhia fornecia aos trabalhadores lenha

para cozinhar, querosene para a iluminação das casas28 e alimentos a baixo custo (carne, arroz,

feijão, milho, batata, inhame, mandioca, frutas) que eram adquiridos por eles no barracão instalado

entre as ruas Travessa da Mangueira 1 e Travessa da Mangueira 2. A maior parte desses alimentos

era produzida nas terras pertencentes ao grupo Lundgren, por trabalhadores contratados para tal

finalidade. Toda a produção era orientada pelo próprio Coronel Frederico Lundgren, de modo que

só podia ser comercializada no interior do barracão, evitando com isso a autonomia dos pequenos

produtores e a subida generalizada dos preços.

Além do monopólio exercido sobre a produção e a comercialização, a Companhia também

se responsabilizava pelas atividades educacionais e de saúde. Para tanto, mantinha por conta

própria escolas, posto de saúde e um grande hospital instalado na rua Aurora para atender as

28 No início, a Companhia produzia energia termelétrica através de grandes máquinas movidas a óleo diesel (Fotos 21 e 22). Apenas as instalações fabris, as residências da família Lundgren e as casas dos funcionários mais qualificados contavam com esse serviço. No final da década de 1950 todo o aglomerado urbano passou a receber energia oriunda de Paulo Afonso, através de um convênio estabelecido com a CHESF.

Page 200: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

198

famílias dos operários (Fotos 29 e 30). As atividades recreativas e de lazer também faziam parte da

estratégia política utilizada pelos seus dirigentes para manter os trabalhadores e suas famílias sob

controle. Nesse sentido, eles promoviam exibições no Cine-Teatro Orion, campeonatos de futebol,

excursões à Baía da Traição para banhos de mar e algumas festas cívicas e populares (Carnaval,

São João, 7 de Setembro e dia do Trabalho).

Ao longo de quase quatro décadas a Companhia de Tecidos Rio Tinto constituiu o maior

empreendimento industrial da Paraíba, fato que ajudou a revigorar a economia da região do Baixo

Mamanguape. Com efeito, a influência e o poder da família Lundgren foram decisivos no processo

de emancipação política do distrito de Rio Tinto, elevado à categoria de município pela Lei nº

1.622, de 06 de novembro de 1956. Esse acontecimento representou uma grande perda para as

finanças do município de Mamanguape, devido à queda da arrecadação tributária.

Na década de 1960, a Companhia foi beneficiada com incentivos da SUDENE através do

programa de reequipamento do setor têxtil nordestino, programa já discutido no início do capítulo.

Na opinião de BARROS (2002, p. 37-38), a modernização de alguns setores da fábrica acabou

provocando grandes transformações na cidade de Rio Tinto, pois com a

“(...) compra de novos equipamento e reformas nos galpões, como a colocação de forros naqueles que possuíam cobertura de zinco, a fábrica passou a produzir tecidos de melhor qualidade. Mais uma vez, a Cia. necessitou dispensar operários, fazendo-o em um total de 1.236 pessoas. Entre os anos de 1963 e 1964, mais 2.000 pessoas foram demitidas, com a desativação de uma tecelagem localizada no alto da Vila Regina.

(...) Em Rio Tinto, alguns operários dispensados com mais de 10 anos de serviço receberam como indenização por tempo de trabalho a casa onde moravam. A casa, antes instrumento de controle e imobilização da mão-de-obra, passa, com a decadência deste tipo de industrialização, para as mãos dos operários, agora como instrumento de liberação das responsabilidades, um acerto de contas, forma de ‘se livrar do operário’, sem grandes prejuízos para a Cia.”

Por outro lado, a introdução de recursos públicos federais não foi suficiente para retirar a

Companhia de Tecidos Rio Tinto da situação de decadência, pois os mesmos não atingiram de

maneira uniforme todas as etapas da produção. Além disso, a presença de equipamentos obsoletos,

a falta de planejamento estratégico de mercado, o emprego de grande quantidade de mão-de-obra e

a concorrência cada vez mais acirrada dos produtos manufaturados em outras regiões do país,

contribuíram para acentuar a crise que culminou com o encerramento das atividades do cotonifício

no final da década de 1980.

Por volta dessa época, toda a Zona da Mata Nordestina já havia experimentado o avanço da

cultura da cana-de-açúcar sobre os tabuleiros costeiros, graças aos incentivos governamentais

transmitidos aos usineiros e donos de destilarias através do Programa Nacional do Álcool

Page 201: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

199

(PROÁLCOOL). Como forma de sanar as dívidas, os herdeiros da Companhia de Tecidos passaram

a vender grandes parcelas de terras aos grupos empresariais que comandavam a produção de

açúcar e álcool em diversos Estados da região Nordeste. Observe o Quadro 15.

QUADRO 15 – RELAÇÃO DAS EMPRESAS COMPRADORAS DAS TERRAS

PERTENCENTES À COMPANHIA DE TECIDOS RIO TINTO

Anos Área (hectares) Nomes das Empresas Compradoras 1981 7.652 Rio Vermelho Agro-Pastoril Mercantil. 1982 2.247 Netumar Agrícola S.A. 1982 622 Conepar Cia. Nordeste de Participações. 1982 1.219 Destilaria Miriri S.A. 1983 2.482 Japungú Agroindustrial. 1983 8.492 Destilaria Miriri S.A. 1984 79 Rio Vermelho Agro-Pastoril Mercantil. 1985 7.291 Rio Vermelho Agro-Pastoril Mercantil.

TOTAL 30.084

Fonte: Elaborado com base em: EGLER, 1986, apud BARROS, Amélia de Farias Panet. Rio Tinto – História, Arquitetura e Configuração Espacial. In: _______ (et al.). Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: Universitária/UNIPÊ, 2002, p. 39.

Fotos 29 e 30 – Instalações do antigo hospital da Companhia de Tecidos, prédio hoje pertencente ao INSS. Rua da Aurora, Rio Tinto, Paraíba. Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).

Fotos 31 e 32 – Antigo barracão para venda de alimentos aos operários da Companhia de Tecidos, hoje transformado em garagem da Empresa Viação Rio Tinto. Travessa da Mangueira 1, centro da cidade. Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).

Page 202: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

200

A falência da Companhia de Tecidos representou o fim de uma era. O fim de um tempo

mitológico marcado pelo poder e pelo paternalismo dos coronéis; pela opulência de suas

edificações e de seus estilos de vida; pela grandeza do capital industrial e pela absorção de grande

contingente de trabalhadores – humildes trabalhadores que continuam de certa forma presos ao

passado, muito embora com os pés enraizados no presente.

Caminhar pelas alamedas, ruas e praças de Rio Tinto causa-nos certa nostalgia. Esse

sentimento parece não querer deixar a memória de seus habitantes mais antigos. Apesar de velhos,

cansados e doentes, muitos ainda lembram dos “bons” tempos em que não faltava emprego,

alimentos, segurança e diversão para todos.

“No passado tudo era muito melhor. Nois saiamo do pavilhão da fábrica e ia assistir filme no cinema. Os filmes era muito divertido, o cinema era pertinho lá de casa e a entrada era muito barata.” (Dona Josina Pereira, 62 anos, ex-operária).

“Na época que eu trabaiava na Companhia, podia compra a feira no barracão lá do centro da cidade. Lá tinha de tudo (arroz, carne, farinha, feijão) e tudo custava quase nada. Ainda dava pra sobrá dinheiro.” (Sr. Pedro dos Anjos, 59 anos, ex-operário).

“As festas era muito boas. A cidade ficava muito animada com os desfile de Carnaval. Nois sentava na porta de casa para ver os bloco cantando as marchinhas.” (Dona Luzia dos Santos, 68 anos, mulher de ex-operário).

“Todo mundo lá de casa trabaiava na fábrica. Só não arranjava trabaio quem não queria mermo. Era só chegar na direção e falar com o Coroné Frederico. O resto ele arrumava mermo.” (Sr. João Alves Gabriel, 71 anos, ex-operário).

Os episódios descritos anteriormente tiveram repercussões importantes na dinâmica

demográfica de toda a região do baixo vale do rio Mamanguape, conforme evidencia os dados da

Tabela 8, exposta no final do capítulo anterior.

Torna-se oportuno salientar que, ao contrário dos demais municípios da região em foco,

Rio Tinto sempre apresentou uma população urbana superior à rural, fato explicado pela presença

das instalações da Companhia de Tecidos, responsáveis pela absorção da maior parte da População

Economicamente Ativa (observe que o percentual da população urbana sempre foi superior a

58%).

Por outro lado, a crise vivida pela empresa desde a década de 1970 contribuiu para que Rio

Tinto tivesse o pior desempenho da região em termos de crescimento populacional. Segundo os

dados do IBGE, 1980, apud ANDRADE (1988-b, p. 117), a sua taxa anual de crescimento

populacional foi de apenas 0,12% no período 1950-1960, decaindo para -0,33% no período 1960-

1970 e para -0,64% no período 1970-1980.

Page 203: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

201

Ao comparar as duas pontas da tabela, percebe-se que a população total passou de 26.228

para 23.023 habitantes, ou seja, um decréscimo da ordem de 12,22% no período 1970-2007.

Atualmente Rio Tinto é uma cidade sem brilho, sem dinamismo econômico e com poucas

perspectivas para os seus habitantes. Essa situação provocou a saída de milhares de jovens e

adultos, que passaram a migrar sistematicamente para as grandes cidades da região Sudeste em

busca de novas oportunidades de emprego. Ao visitar o antigo barracão da Companhia,

transformado em garagem da Empresa Viação Rio Tinto, deparamos-nos com uma placa da

Empresa Itapemirim anunciando a venda de passagens (Fotos 31 e 32), notadamente para as

cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (esse fluxo migratório, no entanto, foi mais intenso no

período 1970-1990).

Através dos relatos de sua mãe, Janusa Félix da Silva, 30 anos, contou que 11 pessoas da

família (tios, primos e avós) migraram para a cidade do Rio de Janeiro quando a Companhia de

Tecidos começou a enfrentar as primeiras crises financeiras, no final dos anos 70. Segundo ela, seu

avô era vaqueiro da Companhia e seus tios trabalhavam em vários setores da fábrica. Essas pessoas

se estabeleceram por lá e nunca mais voltaram à cidade de origem.

Dona Alice Clemente, 82 anos, também viveu experiência semelhante. Seus dois filhos

partiram de Rio Tinto no momento em que a Companhia encerrou as atividades. Luis Clemente, o

mais velho, ainda hoje mora e trabalha na cidade de São Paulo, onde casou e constituiu nova

família. Tarcisio Clemente, o mais novo dos homens, após passar quase uma década trabalhando

em Guarulhos, na Grande São Paulo, resolveu voltar e hoje vive sem uma ocupação definitiva,

tendo que fazer pequenos serviços para garantir a subsistência.

Ao percorrer as ruas de um bairro operário encontramos uma situação muito comum em

toda a cidade: a presença de muitos idosos sentados debaixo das árvores e nas calçadas das casas

para conversar, jogar dama e carteado, ou até mesmo se refugiar do intenso calor (Fotos 33 e 35).

Muitos desses cidadãos vivem unicamente com o auxílio da aposentadoria ou de qualquer outra

forma de benefício social. De acordo com a Sra. Klênia, diretora do INSS, por intermédio do

programa de aposentadoria o órgão chega a injetar na economia do município um valor superior ao

repassado pelo próprio governo federal através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Ela não revelou o montante desse dinheiro, mas levando em consideração que o município recebeu

em 2009 o equivalente a R$ 7.053.955,05 do FPM29, o valor total dos benefícios do INSS deve ter

superado a marca dos 10 milhões de reais.

Ela afirmou ainda que a Companhia de Tecidos continua respondendo muitas ações na

Justiça do Trabalho, pelo fato de não ter indenizado milhares de operários após as demissões. O

29 Em 2009, a Prefeitura Municipal de Rio Tinto arrecadou R$ 13.040.178,01, dinheiro proveniente do FPM, ITR, CIDE, FUNDEB, entre outros (BRASIL, 2010-a).

Page 204: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

202

próprio prédio onde hoje se situa o INSS, na rua da Aurora, foi negociado com o governo federal

como parte da dívida trabalhista da empresa (Fotos 29 e 30).

A instalação do Campus IV da Universidade Federal da Paraíba em um pedaço do terreno

da Companhia, talvez tenha seguido a mesma lógica. Na verdade, a chegada da Universidade

trouxe novas esperanças para a cidade, uma vez que o setor comercial e de serviços aos poucos

tem dado pequenos sinais de reaquecimento (bancos, pequenas lojas de varejo, lan houses,

restaurantes, lanchonetes, bares, hotéis, etc.). Por outro lado, muitos moradores e comerciantes

reclamam da falta de segurança no local, pois vários estabelecimentos já foram vítimas de assaltos.

Eles pediram, inclusive, providências ao Ministério Público Estadual no sentido de buscar soluções

para o problema, conforme relatou o Promotor de Justiça José Raldeck em entrevista ao jornal

Correio da Paraíba do dia 07 de julho de 2008 (consultar Anexo 2).

Inúmeros prédios da Companhia de Tecidos encontram-se em total estado de abandono

(Fotos 36, 37 e 38). No entanto, a mesma vive atualmente da arrecadação dos aluguéis dos imóveis.

Parte de alguns galpões da antiga fábrica localizada no centro foi alugada para uma empresa de

beneficiamento de algodão e para a instalação de uma clínica médica. Milhares de antigos

operários ainda precisam pagar aluguéis pelo uso das residências, como é o caso da Sra. Maria das

Dores, ex-tecelã que mora na rua da Mangueira, no centro da cidade.

Por fim, cumpre salientar ainda que o fenômeno espacial estudado não representa apenas

um fato isolado – um acontecimento observado exclusivamente na cidade de Rio Tinto. Exemplos

análogos podem ser vistos em outras partes do Brasil e do mundo, fruto do processo de

desenvolvimento das relações capitalistas. Entender a complexa engrenagem social, política e

econômica responsável pelo apogeu e crise desse tipo de sistema industrial faz parte do trabalho de

inúmeros cientistas sociais, dentre eles os próprios geógrafos, conforme destacou BARROS (1988,

p. 10):

“As paisagens industriais foram se tornando mais e mais restritas ou em muitos casos foram removidas como um entulho herdado da modernidade eletro-mecânica. As demolições das velhas fábricas têm um elevado significado simbólico a ser entendido por aqueles preocupados com o entendimento das formas e dinâmicas das paisagens geográficas. As estruturasindustriais se miniaturizam e suas edificações deixam de simbolizar o futuro.” [grifo nosso].

Ao estudar a Geografia do município de Rio Tinto deparamos-nos com um importante

legado da história da indústria no Brasil, uma história marcada pela riqueza de poucos e pela

miséria de milhares de operários-camponeses. Uma história que precisa ser contada e revivida.

Page 205: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

203

Fot

o 33

– D

uas

gera

ções

de

ex-o

perá

rios

da

Com

panh

ia d

e T

ecid

os.

Rua

da

Man

guei

ra, c

entr

o da

cid

ade

de R

io T

into

, Par

aíba

. Fo

to e

arq

uivo

: Fáb

io D

anta

s da

Cos

ta (

mar

ço/2

010)

Fot

o 34

– S

r. J

osé

da S

ilva

Mar

tini

ano,

ex-

oper

ário

da

Com

panh

ia (

ao l

ado,

obs

erva

-se

um g

alpã

o ab

ando

nado

da

ant

iga

tece

lage

m lo

cali

zada

na

vila

de

Mon

te M

or).

Fo

to e

arq

uivo

: Fáb

io D

anta

s da

Cos

ta (

nove

mbr

o/20

09)

Fot

o 35

– E

x-op

erár

ios

da C

ompa

nhia

de

Tec

idos

em

um

a ro

dada

de

bate

-pap

o.

Rua

Cat

olé,

vil

a de

Mon

te M

or, R

io T

into

, Par

aíba

. Fo

to e

arq

uivo

: Fáb

io D

anta

s da

Cos

ta (

mar

ço/2

010)

Fot

o 36

– I

nsta

laçõ

es a

band

onad

as d

o se

tor

de c

arpi

ntar

ia.

Com

panh

ia d

e T

ecid

os R

io T

into

, cen

tro

da c

idad

e.

Foto

e a

rqui

vo: F

ábio

Dan

tas

da C

osta

(m

arço

/201

0)

Fot

o 37

– A

ntig

os p

avil

hões

da

Com

panh

ia l

ocal

izad

os

na p

arte

nor

te d

a ci

dade

(vi

la d

e M

onte

Mor

).

Foto

e a

rqui

vo: F

ábio

Dan

tas

da C

osta

(no

vem

bro/

2009

)

Fot

o 38

– P

avilh

ões

aban

dona

dos

da C

ompa

nhia

de

Tec

idos

. C

entr

o da

cid

ade

de R

io T

into

, Par

aíba

. Fo

to e

arq

uivo

: Fáb

io D

anta

s da

Cos

ta (

mar

ço/2

010)

Page 206: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

CAPÍTULO 5

AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE

Page 207: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

205

CAPÍTULO 5

AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE

“A conservação da natureza inclui, igualmente, a proteção das paisagens,

tendo como objetivo conservar um cenário harmonioso para a vida e as atividades do homem. Desfiguramos, demasiadas vezes, regiões inteiras com implantações industriais mal concebidas, ou com culturas que não

foram escolhidas em harmonia com a paisagem local. O homem precisa de equilíbrio e de beleza, e aqueles que mais se consideram insensíveis à

estética, procuram-na mais avidamente do que imaginam.” DORST, Jean. Antes Que a Natureza Morra: por uma ecologia política.

5.1 USO DO SOLO, IMPACTOS AMBIENTAIS E POLÍTICAS DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Antes de estabelecer uma discussão sobre as áreas de preservação ambiental na região do

Baixo Mamanguape, torna-se oportuno analisar as mudanças ocasionadas nas formas de utilização

dos recursos naturais (utilização do solo ou uso do solo) pelos agrupamentos humanos, uma vez

que elas são responsáveis pela ocorrência de impactos sociais e ambientais de intensidades

variadas.

Com efeito, as formas de utilização do solo variam de acordo com as necessidades sociais,

políticas e econômicas vigentes em uma determinada fração do espaço e em certo intervalo de

tempo. Na verdade, pode-se dizer que elas são frutos de momentos históricos particulares onde a

relação homem-natureza (homem-meio) aparece revestida com características próprias, inerentes

ao desenvolvimento técnico alcançado por uma dada sociedade.

De uma maneira bastante simplificada, a utilização do solo se faz em qualquer atividade

realizada pelo trabalho do homem capaz de gerar bens e serviços. No início da sua existência na

superfície da Terra, dizia respeito à coleta de frutos, à caça, à pesca, à produção de rudimentares

instrumentos de trabalho, ao fogo, ao pastoreio, ao cultivo de alimentos; depois: às habitações, às

escolas; aos hospitais; aos parques industriais; às estradas; aos modernos meios de comunicação,

enfim. O homem de posse de seus instrumentos de trabalho e diante da abundância de recursos

oferecidos pelo meio natural criou as condições ideais, indispensáveis a sua reprodução enquanto

espécie e enquanto ser histórico.

Segundo CARLOS (1994, p. 85), o uso do solo está associado a todos os momentos do

processo de produção humana na superfície do planeta, pois para poder sobreviver todo indivíduo,

além de ocupar uma parcela qualquer do espaço, necessita gerar frutos dele, ou seja, produzi-lo e

consumi-lo.

A produção do solo deve ser entendida, então, como uma complexa evolução do homem e

um constante aprimoramento das técnicas empregadas nesse processo, como veremos a seguir em

Page 208: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

206

três momentos distintos e significativos da história da humanidade: o comunismo primitivo, a

revolução agrícola e a revolução industrial.

Durante milhares de anos, os homens que habitavam a Terra eram nômades e viviam sob

um sistema de economia de subsistência. Enquanto a porção de terra escolhida para morar e

explorar oferecia ao grupo o suficiente para o sustento de todos – caça, pesca, coleta de frutos e de

outros fragmentos de vegetais (ervas, cascas, raízes, etc.), os mesmos não sentiam a necessidade de

migrar. Por outro lado, à medida que tais recursos iam ficando cada vez mais escassos esses

indivíduos eram obrigados a procurar outro local que garantisse a sobrevivência (tal prática é ainda

muito comum na vida de alguns animais silvestres e de alguns povos das savanas e das florestas

tropicais). Ainda assim, por não dominarem técnicas arrojadas, estes nômades contribuíam de

forma muito incipiente para a alteração das paisagens encontradas em seus trajetos, salvo algumas

derrubadas de árvores para alimentar o fogo e/ou para a abertura de clareiras onde montavam novo

acampamento.

Tempos mais tarde, a revolução agrícola, iniciada há 6.500 ou 7.000 antes da era cristã, foi

a responsável pela sedentarização dos povos e pelo primeiro grande surto de crescimento

populacional da história do homem. Com o gradativo aprimoramento das técnicas, notadamente os

campos de cultivos, a irrigação e a domesticação de algumas espécies de animais, o mundo foi

experimentando cada vez mais os efeitos da ação antrópica, a ponto de provocar algumas rupturas

no equilíbrio natural das regiões contempladas com essas atividades ligadas ao uso do solo para

fins agro-pastoris (desmatamento de amplas áreas de florestas, degradação e empobrecimento dos

solos, etc.). Até antes deste momento, portanto, não se tinha ainda notícia de grandes intervenções

humanas sobre os biomas da Terra em virtude de suas próprias limitações técnicas (o meio natural

determinava o desenvolvimento das populações sobre a superfície do globo).

Estabelecendo mais um corte temporal, chega-se a época da chamada “Primeira Revolução

Industrial”, ocorrida no último quartel do século XVIII na Inglaterra, e se propagando para outros

países. Sem sombra de dúvida, uma das mais notáveis, em termos de grandiosidade e projeção,

conquistas empreendidas pelo homem desde o seu aparecimento no início do Quaternário.

O advento da fábrica trouxe consigo uma nova etapa na vida da humanidade e,

conseqüentemente, nas formas de ocupação e uso do solo: concentração de modernos parques

industriais em determinadas áreas, especialmente em locais de recursos naturais abundantes e

diversificados; o surgimento da máquina a vapor e a produção em grande escala, necessária para

atender um mercado consumidor crescente; uma exploração desmedida dos recursos naturais; o

fenômeno da ocupação de espaços destinados a construção de residências (urbanização); a

ampliação dos meios de comunicação e transporte; a valorização desigual dos espaços (solos) para

fins variados; a intensificação das atividades agro-pastoris, causada pela melhoria e surgimento de

insumos destinados a estas atividades, dentre outros efeitos, podem ser evidenciados.

Page 209: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

207

Na visão de muitos autores, o homem moderno – aquele inserido na chamada era industrial

e pós-industrial – é apontado como o grande responsável pelas mais distintas catástrofes que

assolam o mundo atual. Sobre esse fato, destacamos no Quadro 16 a posição de quatro pensadores

reconhecidos internacionalmente pela projeção das suas idéias acerca da ECOLOGIA, da

FILOSOFIA, da RELIGIÃO e da EDUCAÇÃO.

QUADRO 16 – A AÇÃO DO HOMEM NA SUPERFÍCIE DA TERRA E A RUPTURA DO

EQUILÍBRIO NATURAL

1. No decurso do século XIX, época do grande desenvolvimento industrial, o homem literalmente se lançou ao assalto do mundo, movido pela necessidade de matérias-primas de toda a espécie. Nunca se condenará demasiado o erro nefasto dos homens das gerações que nos precederam; na ganância de lucros imediatos, privaram o mundo das suas maiores riquezas (DORST, 1973, p. 89). 2. Durante mais de 99% da história da humanidade, vigorou a concepção de que o mundo era encantado e o homem se sentia como parte integrante dele. Nos últimos quatro séculos, a total reversão dessa concepção destruiu, no plano psíquico e físico, o sentimento de integração do homem em relação ao cosmo. Isso foi responsável pela quase-destruição ecológica do Planeta. A única esperança, parece-me, está no re-encantamento do mundo como meio de nosso re-encontro. É nisto que reside a questão central do dilema moderno. Não podemos voltar à alquimia ou ao animismo - pelo menos isso não parece provável. Por outro lado, não podemos permanecer com este mundo triste, de frieza científica, controlado por computadores, ameaçado por reatores nucleares. É preciso desenvolver algum tipo de consciência holística ou participante – e uma formação sócio-política correspondente – se desejarmos sobreviver enquanto espécie genuinamente humana (BERMAN, 1989, apud CONTRIM, 1991, p. 73).3. A Terra também grita. A lógica que explora as classes e submete os povos aos interesses de uns poucos países ricos e poderosos é a mesma que depreda a Terra e espolia suas riquezas, sem solidariedade para com o restante da humanidade e para com as gerações futuras. Essa lógica está quebrando o frágil equilíbrio do universo, construído com grande sabedoria ao longo de 15 bilhões de anos de trabalho da natureza. Rompeu com a aliança de fraternidade e de sororidade do ser humano para com a Terra e destruiu seu sentido de re-ligação com todas as coisas. O ser humano dos últimos quatro séculos sente-se só, num universo considerado inimigo a ser submetido e domesticado (BOFF, 2004, p. 11). 4. A Terra é um superorganismo vivo e em evolução. Nosso destino, como seres humanos, está ligado ao destino desse ser chamado Terra. Educar para outros mundos possíveis é educar para ter uma relação sustentável com todos os seres da Terra, sejam eles humanos ou não. É educar para viver no cosmos – educação planetária e cosmológica –, a fim de ampliar nossa compreensão da Terra e do universo. É educar para ter uma perspectiva cósmica. (...) Os paradigmas clássicos, maneiras de pensar arrogantemente antropocêntricas e industrialistas, não têm suficiente abrangência para explicar essa realidade cósmica. Por não terem essa visão holística, não conseguiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota do extermínio e do rumo da cruel diferença entre ricos e pobres. Os paradigmas clássicos estão levando o planeta ao esgotamento de seus recursos naturais. A crise atual é uma crise de paradigmas civilizatórios. Por isso, minha proposta para um desenvolvimento socioambiental justo e sustentável é começar por educar para uma cultura da sustentabilidade a partir de um novo paradigma: um paradigma holístico (GADOTTI, 2007, s.p.).

Fonte: Elaborado com base em: DORST, Jean. Antes que a Natureza Morra: por uma ecologia política. Rio de Janeiro: Edgard Blücher, 1973. BERMAN, 1989, apud CONTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 6ª edição, 1991. BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. GADOTTI, Moacir. Educar para uma Cultura de Sustentabilidade. In: INSTITUTO ECOFUTURO. A Vida Que a Gente Quer Depende do Que a Gente Faz. São Paulo: Ecofuturo, 2007.

Em sua clássica obra Antes Que a Natureza Morra, Jean Dorst, renomado professor e

pesquisador do Museu Nacional de História Natural de Paris e membro da União Internacional

para a Conservação da Natureza, avalia de maneira rigorosa a trajetória do homem sobre a

superfície do globo e aponta os perigos advindos da exploração desmedida e ambiciosa dos

Page 210: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

208

recursos naturais bióticos e abióticos. Para ele, o homem antigo não dispunha de uma quantidade

de energia mecânica suficientemente grande para que o seu impacto sobre a natureza pudesse

ultrapassar certos limites estreitamente circunscritos (nessa época, o mesmo podia ainda ser

considerado como um elemento natural, da mesma forma que qualquer outra espécie animal)

(DORST, 1973, p. 19). Em compensação, a partir da era moderna esse panorama começou a ganhar

novos contornos com o surgimento da maquinofatura e com a ampliação dos mercados. Na

oportunidade, as nações européias lançaram-se sobre os territórios coloniais da África, Ásia e

América em busca de fontes de matérias-primas para abastecer as insaciáveis indústrias do velho

continente.

Através dos discursos proferidos pelo filósofo Morris Berman, pelo teólogo Leonardo Boff

e pelo educador Moacir Gadotti, é possível também perceber a ruptura de um modelo de

sociedade, ou como preferem alguns, de um estilo de vida em que a harmonia, a solidariedade e o

respeito mútuo faziam parte do ideário dos homens e mulheres no convívio com a natureza. Este

ambiente idílico praticamente já não existe mais, ou se existe, encontra-se limitado a algumas áreas

da superfície do planeta. Na visão desses autores, os seres humanos hodiernos encontram-se

imersos na ambição, na ganância, na competitividade, na sede de lucros a todo custo, no

individualismo e no racionalismo. Por isso eles vêem a natureza não como uma aliada, mas como

um obstáculo que precisa ser destruído, transposto, transformado em nome do progresso material.

Essas atitudes têm contribuído para recrudescer ainda mais os desníveis sociais, políticos e

econômicos entre as várias nações, da mesma forma que têm produzido inúmeros impactos

ambientais. Em relação aos primeiros problemas, pode-se destacar a eclosão de guerras

envolvendo a disputa por parcelas importantes dos territórios neo-coloniais; as crescentes

epidemias de fome provocadas pela exploração das populações dos países pobres; as migrações

forçadas através das fronteiras de continentes e países; o extremismo religioso, o racismo e a

xenofobia; a exploração da força de trabalho pelas grandes corporações capitalistas; o desemprego

estrutural, etc. Já em relação aos problemas ambientais, torna-se oportuno lembrar o fenômeno da

desertificação que atinge vastas regiões do mundo; a destruição das florestas, das savanas e dos

campos para diversos fins; a extinção de espécies animais e vegetais; a poluição dos recursos

hídricos por meio do lançamento de resíduos de toda natureza; a contaminação e a erosão

acelerada dos solos; as mudanças climáticas locais, regionais e globais, entre outros fatores.

Para tentar reverter e/ou atenuar esse quadro sombrio e assustador, os autores em destaque

propõem uma mudança no comportamento humano calcada uma filosofia integracionista, capaz de

indicar caminhos alternativos para o convívio com todos os seres vivos e não-vivos da Terra: daí a

utilização de expressões como re-encantamento do mundo como meio de nosso re-encontro; re-

ligação com todas as coisas e criaturas do planeta; consciência ecológica; educação planetária e

cosmológica; cultura de sustentabilidade a partir de um paradigma holístico, entre outras.

Page 211: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

209

Ao analisar a crise ecológica atual (crise do paradigma civilizacional), Leonardo Boff

denuncia a postura arrogante e irresponsável dos seres humanos diante de um planeta exaurido

pela exploração predatória e destaca a importância da adoção de um novo paradigma – um novo

modelo de sociedade em que o respeito pela natureza deve ser o fator preponderante. Na verdade,

essa relação só pode ser construída de maneira eficaz quando todos compreenderem que a vida que

existe na Terra depende de uma complexa trama que se processa dentro e fora do planeta, no

chamado universo infinito (hipótese Gaia). Segundo ele, essa hipótese é vista atualmente com

grande aceitação nos meios acadêmico (científico), cultural e até religioso, pois

“(...) confere plasticidade a uma das mais fascinantes descobertas do século XX, a profunda unidade e harmonia do universo. A física quântica fala de um campo unificado onde interagem as quatro forças primordiais (a gravitacional, a nuclear forte e fraca e a eletromagnética). E a biologia se refere ao campo filogenético unificado, já que o código genético é comum a todos os viventes. Ela traduz numa esplêndida metáfora uma visão filosófico-religiosa que subjaz ao discurso ecológico. Esta visão sustenta que o universo é constituído por umaimensa teia de relações de tal forma que cada um vive pelo outro, para o outroe com o outro [grifo nosso]; que o ser humano é um nó de relações voltadas para todas as direções; e que a própria Divindade se revela como uma Realidade panrelacional. Se tudo é relação e nada existe fora da relação, entãoa lei mais universal é a sinergia, a sintropia, o inter-retro-relacionamento, acolaboração, a solidariedade cósmica e a comunhão e fraternidade/sororidadeuniversais.” [grifo nosso] (BOFF, 2004, p. 38).

Vale ressaltar que as comunidades tradicionais representadas por índios, seringueiros,

castanheiros, ervateiros, pescadores, etc., todas com estilos próprios de vida, sempre deram

grandes lições de como lidar com a natureza e seus recursos. Entretanto, com o avanço das

relações capitalistas sobre o espaço brasileiro, principalmente a partir da década de 1960, elas

passaram a ser progressivamente ameaçadas e suas atividades substituídas por outras formas

exploratórias de uso do solo.

Na Amazônia brasileira, por exemplo, o processo de abertura das fronteiras econômicas

mostrou-se bastante ineficaz, de modo que três décadas após o seu início um rastro de destruição

pôde ser observado facilmente na paisagem regional, momento em que se verificou a transição de

uma paisagem agroextrativista baseada no pequeno roçado, na extração do látex, da castanha do

Brasil e de outros produtos florestais, à uma paisagem de uso do solo para fins de exploração

mineral, madeireira, agrícola e pecuária. Na verdade, os efeitos negativos desse processo

resultaram de um modelo de ocupação que desconsiderou as peculiaridades naturais e sociais e que

foi profundamente subordinado pela necessidade de acumulação de capitais no interior da grande

fronteira por empresas nacionais e estrangeiras, quase sempre favorecidas por instituições públicas

como a própria SUDAM (COSTA, 2006, p. 7; COSTA e FERREIRA, 2000, p. 42).

Page 212: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

210

As mudanças nessas formas de uso fizeram com que os seringueiros e demais habitantes

das florestas se organizassem em associações para lutar contra a devastação. Após quase duas

décadas de intensos confrontos, Chico Mendes, o principal líder dos seringueiros, foi brutalmente

assassinado por defender a manutenção das florestas e do sistema extrativista na região. Ele sabia

mais do que ninguém que elas constituíam o principal meio de subsistência de inúmeras famílias

que habitavam a zona rural da Amazônia e que, portanto, sendo destruídas provocariam

sintomaticamente o deslocamento de grandes levas de pessoas para as periferias das cidades,

contribuindo para recrudescer a concentração da terra e da renda, bem como para aumentar o

exército de desempregados e miseráveis.

O depoimento apresentado a seguir, escrito pelo próprio Chico Mendes, teve grande

ressonância na comunidade internacional a partir das denúncias feitas por ele em prol da

Amazônia. O mesmo encontra-se exposto em um quadro na Fundação Cultural do Acre (Memorial

Casa do Seringueiro).

“Em 1970, começa uma nova fase para a vida dos habitantes da Floresta da Amazônia com a chegada dos grandes grupos de fazendeiros que de uma forma desumana, dão início a uma nova e triste realidade que é o desmatamento, é a política de substituição do homem pelo boi, da floresta pelo capim. De 1970 a 1976, só no meu município, Xapuri (uma área de aproximadamente 8.400 Km²), em seis anos os fazendeiros destruíram, pelo fogo e pelas motosserras, 180 mil árvores de seringueiras (vocês não têm idéia de quantas famílias eram beneficiadas) e juntamente com elas foram destruídas 80 mil árvores de castanheiras, que são árvores gigantescas e de grande importância para nossa região e para a economia também do país.

Foram destruídas junto com essas seringueiras e castanheiras, mais de um milhão e duzentos mil madeiras de lei de outras espécies. Isso causou um impacto muito grande e foi a partir daí que nós começamos a nos organizar, porque percebemos que naquele momento estávamos encurralados e que, ou nos organizávamos para defender aquela natureza, aquela floresta, e estaríamos defendendo assim o nosso futuro, ou então, estávamos fadados ou sentenciados ao genocídio. Foi então, em 1976, que se iniciam os primeiros movimentos de resistência dos seringueiros para impedir os desmatamentos criminosos que começaram a ocorrer naquela região... Em mutirões, homens, mulheres e crianças foram envolvidos nessa luta.” (ACRE, 1998).

A devastação progressiva da floresta Amazônica tem chamado a atenção de inúmeros

especialistas, preocupados com os impactos ambientais decorrentes das formas predatórias de uso

dos recursos. Nesse sentido, Dora HEES (1990, p. 88) alerta que o modelo de ocupação territorial

da Amazônia, apresentado como ‘moderno’ pelo regime militar na década de 1960, tem se

mostrando ineficaz e inadequado às características sociais e ambientais da região, enquanto as

formas de ocupação tradicionais, vistas como atrasadas, vêm demonstrando a sua viabilidade no

Page 213: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

211

momento em que cresce o desafio da humanidade em compatibilizar exploração econômica com

preservação ambiental.

Na Zona da Mata do Nordeste, verificou-se também um fenômeno semelhante, pois a partir

da introdução do Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), em 1975, grandes alterações

foram verificadas na paisagem regional: substituição das áreas de florestas e cerrados por grandes

plantações de cana-de-açúcar; processo de erosão acelerada dos solos; assoreamento dos leitos dos

rios e riachos que drenam a área; contaminação dos solos e das águas pelo uso intensivo de

defensivos químicos utilizados na lavoura (agrotóxicos); redução das espécies animais, etc. Essas

modificações também repercutiram decisivamente nas formas de vida das comunidades

tradicionais (pequenos agricultores, pescadores e caçadores, etc.), cuja sobrevivência encontra-se

hoje ameaçada pela destruição dos recursos naturais.

Na próxima seção serão apresentadas duas experiências de proteção ambiental na região

objeto desta pesquisa – a criação das reservas indígenas Potiguaras e da Área de Proteção

Ambiental do Rio Mamanguape (APA do Rio Mamanguape). No entanto, antes de realizar tal

procedimento torna-se conveniente destacar, ainda que de maneira sucinta, alguns marcos

históricos acerca das políticas de proteção do meio ambiente.

As primeiras manifestações em defesa da natureza foram realizadas em meados do século

XIX e contaram com a participação de alguns segmentos da sociedade civil, preocupados com as

ações predatórias do homem sobre o espaço. Na ocasião, foram discutidas estratégias para conter a

destruição dos hábitats naturais em diversas partes do mundo, através da promulgação de leis

específicas e da institucionalização de reservas ambientais, conforme aponta DORST (op. Cit., p.

92):

“A primeira reserva natural parece ter sido estabelecida durante o Segundo Império, na França, na floresta de Fontainebleau. Já em 1853, um grupo de pintores pertencentes à famosa ‘escola de Barbizon’ estabeleceu uma reserva com uma superfície de 624 ha; o decreto de 13 de agosto de 1861 sancionou essa medida.

Na realidade, a idéia de reservas com vastas superfícies nasceu nos Estados Unidos (...). No século passado, as devastações catastróficas que ocorreram nesse país não podiam deixar de desencadear reações salutares. Por outro lado, os espaços livres eram ainda suficientemente vastos para permitir que fossem criadas reservas em grande escala. Já em 1864, por iniciativa de John Muir, que muitos consideram o pai do conservacionismo na América, o Congresso americano cedeu o vale de Yosemite e o Mariposa Grove ao Estado da Califórnia para aí se estabelecer uma reserva natural, proteger as Sequóias e manter esses distritos em seu estado original, para benefício público. A idéia de um ‘parque nacional’ nasceu também no espírito de alguns particulares que, em 1870, passaram seis semanas explorando a região de Yellowstone. Maravilhados com a grandiosidade do espetáculo oferecido por essa parte das Montanhas Rochosas, iniciaram uma campanha que conduziu à promulgação

Page 214: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

212

da lei de 1º de março de 1872, criando o primeiro parque nacional dos Estados Unidos (...).”

As experiências apontadas anteriormente despertaram a preocupação de outros países na

busca pela proteção de áreas de grande interesse ecológico, sobretudo no que se refere à

manutenção da fauna, da flora e dos recursos hídricos, já bastante descaracterizados em função das

ações predatórias do homem. Com efeito, ambientalistas e amadores uniram forças para pressionar

os governos quanto à importância da promulgação de leis que disciplinassem a caça, a pesca, a

extração de madeiras, o avanço do pastoreio e dos campos cultivados, a propagação das atividades

industriais, etc.

Ao longo do século XX inúmeras conferências foram promovidas e vários organismos

criados para debater o assunto: em 1913 a Suíça promoveu uma Conferência Internacional para a

Proteção da Natureza que contou com a participação de 17 países. Em 1922 foi criado na

Inglaterra o Comitê Internacional para a Preservação das Aves e, em 1928, o Escritório

Internacional para a Proteção da Natureza, cujo objetivo era difundir as idéias de proteção e

servir de centro de documentação (sediado na Bélgica e na Holanda, esse escritório subsistiu até a

Segunda Guerra Mundial). Em 1933 a Inglaterra organizou uma Conferência Internacional para

discutir o problema ambiental na África. Desse encontro nasceu um convênio que teve como

objetivo suscitar a criação de reservas e parques nacionais em vastas áreas do continente. Os

esforços de cooperação interafricana prosseguiram e conduziram à assinatura de uma Carta

Africana para a Proteção e a Conservação da Natureza, em fevereiro de 1963 (DORST, op. Cit., p.

107-108).

A questão ambiental consubstanciou-se em meio a um cenário sombrio, pois o século

passado foi marcado por duas guerras de proporções avassaladoras (1914-1918 e 1939-1945), além

de inúmeros outros conflitos bélicos. Soma-se a isso a explosão demográfica e as recorrentes

epidemias de fome que assolaram inúmeros países subdesenvolvidos, o avanço tecnológico e a

explosão do consumismo nas nações ricas, a produção incomensurável de lixo, a destruição dos

recursos naturais do planeta em ritmo cada vez mais acelerado, entre outros aspectos.

Entretanto, cumpre salientar que o movimento ecológico começou a ganhar maior

notoriedade a partir da década de 1950. Em alguns países da Europa e, sobretudo, nos Estados

Unidos começam a surgir por volta dessa época vários movimentos sociais em defesa da natureza,

da liberdade, da paz, da fraternidade e da igualdade entre os povos. Destaque para a rebeldia do

rock-and-roll, para as lutas em prol dos direitos dos negros e das mulheres, para o estilo de vida

dos hippies e para as manifestações de repúdio à guerra do Vietnã.

Os hippies, por exemplo, eram radicalmente contrários ao estilo de vida urbano-industrial e

por isso buscavam no campo, através do contato com a natureza, o refúgio necessário para uma

Page 215: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

213

vida simples, pacata e harmoniosa. Tanto eles como os jovens roqueiros denunciavam abertamente

as barbaridades cometidas pelos países imperialistas através das guerras. Denunciavam ainda a

fome, a exclusão e o preconceito social, a destruição do planeta.

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1945, também pode ser

considerada como um marco na luta pela defesa da natureza. Além de congregar países para

promover a paz e a segurança no mundo, essa instituição desenvolve programas voltados para a

melhoria da educação e saúde de crianças e jovens, através da Organização das Nações Unidas

para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF); para erradicar as formas de exploração do trabalho, através da Organização

Internacional do Trabalho (OIT); para combater as epidemias que assolam várias populações,

através da Organização Mundial de Saúde (OMS); para a distribuição igualitária de alimentos,

através da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO); para

promover o desenvolvimento das áreas economicamente dependentes, através do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); para a conservação dos recursos naturais, através

do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), entre outros. Vale ressaltar que

todos esses programas apresentam preocupações em relação ao ambiente humano e suas formas de

degradação.

A Primeira Conferência sobre Meio Ambiente Humano organizada pela ONU só aconteceu

no ano de 1972, na cidade de Estocolmo, capital da Suécia. Segundo MARIANO NETO (2001, p.

74), nela foram perpassados os primeiros acordes sobre as preocupações com o desenvolvimento

sustentável, com um forte apelo aos direitos fundamentais do homem – vida, liberdade e igualdade

de condições em um ambiente racionalmente protegido, no qual o desenvolvimento deveria ser

planejado pelo Estado no sentido de melhorar o ambiente em benefício das populações. A

Conferência de Estocolmo marcou a visão ecológica global, tendo sido, de fato, uma conferência

de caráter planetário.

Além da poluição atmosférica, foram debatidas nesta conferência a poluição da água e a do

solo decorrentes da industrialização que avançava em várias partes do mundo. Outros temas

abordados pelos participantes foram a pressão que o crescimento demográfico exercia sobre os

recursos naturais da Terra, o fim das reservas de petróleo, o controle que deveria ser feito sobre o

aumento populacional e sobre o crescimento econômico dos países periféricos, etc. (RIBEIRO,

2008, p. 74-75).

O crescimento populacional verificado a partir da queda da mortalidade constituía de fato

um problema sobre os recursos naturais do planeta. E esse panorama fazia parte do cotidiano das

nações pobres, pois os países ricos já haviam atingido a fase da transição demográfica há décadas.

Entretanto, ao colocar a culpa da destruição ambiental apenas sobre as nações periféricas, os

maiores responsáveis pela destruição do planeta (os países ricos) ficavam ilesos a qualquer forma

Page 216: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

214

de questionamento por parte da opinião pública mundial30. Tal estratégia fazia parte do discurso

dos chamados ecomalthusianos, partidários das velhas teorias de Malthus envolvidos agora com as

questões ambientais.

Apesar da abrangência desse evento e das ações deliberativas, dentre elas a promulgação da

Declaração do Meio Ambiente, a Conferência de Estocolmo não conseguiu produzir os efeitos

esperados, pois muitas ações não conseguiram sequer sair do papel para serem executadas. Nas

décadas seguintes a problemática ambiental agravou-se a tal ponto que muitos países resolveram

convocar reuniões científicas para tratar de questões de interesse comum, conforme podem ser

observadas no quadro abaixo.

QUADRO 17 – PRINCIPAIS EVENTOS INTERNACIONAIS SOBRE QUESTÕES AMBIENTAIS

REALIZADOS APÓS A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO

Anos Eventos/Países Objetivos Principais

1973

Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies de Flora e

Fauna Selvagens em Perigo de Extinção/Estados Unidos

Preservar as espécies ameaçadas de extinção para que as mesmas possam servir de banco genético para

pesquisas científicas. Essa Convenção só passou a vigorar em 1975.

1979 Convenção sobre Poluição Transfronteiriça de Longo

Alcance/Suíça

Estabelecer metas de redução da poluição do ar, levando os participantes a criar programas que

permitissem alcançá-las. Essa Convenção só passou a vigorar em 1983.

1982 Conferência de Nairobi/Quênia Realizar novo diagnóstico sobre a situação ambiental

mundial e avaliar a atuação do PNUMA.

1985 Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio/Áustria

Criar uma cooperação entre os países, através do intercâmbio científico e tecnológico, a fim de avançar

na indicação de parâmetros para o controle da devastação da camada de ozônio.

1987 Protocolo de Montreal sobre

Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio/Canadá

Tomar medidas para conter a propagação de substâncias que destroem a camada de ozônio.

1989

Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos

Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito/Suíça

Criar normas para regulamentar o transporte de resíduos perigosos, a fim de evitar a contaminação dos países que os recebem e daqueles pelos quais passam

ao serem transportados.

Fonte: Elaborado com base em: RIBEIRO, Wagner Costa. A Ordem Ambiental Internacional. São Paulo: Contexto, 2ª edição, 2008, p. 84 seq.

Não obstante os esforços e a boa vontade de um pequeno grupo de pessoas que

demonstravam sérias preocupações com o futuro do planeta, pouca coisa também pôde ser

colocada em prática a partir das deliberações desses encontros. Muitos países ricos, a exemplo dos

Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Alemanha, ainda hoje financiam de maneira clandestina a

captura de espécies animais e vegetais encontradas nas florestas tropicais do hemisfério Sul, com o

30 Convém lembrar que 20% da população mundial, que habita principalmente os países do hemisfério Norte, consome 80% dos recursos naturais e energia do planeta e produz mais de 80% da poluição e da degradação dos ecossistemas. Enquanto isso, 80% da população mundial, que habita principalmente os países pobres do hemisfério Sul, fica com apenas 20% dos recursos naturais. Para reduzir essas disparidades sociais e permitir que os habitantes dos países do Sul atinjam o mesmo padrão de consumo material médio de um habitante do Norte, seriam necessários, pelo menos, mais dois planetas Terra (BRASIL, 2005, p. 15).

Page 217: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

215

propósito de estimular a produção de medicamentos e outros derivados através das pesquisas

genéticas e da biotecnologia. Com esse comércio ilícito, também chamado de biopirataria, as

nações pobres não recebem nenhuma quantia sobre a matéria-prima explorada e ainda acabam

transferindo o domínio genético para os grandes laboratórios farmacológicos instalados nos países

supracitados.

No que se refere à diminuição da poluição atmosférica, países como Estados Unidos,

Inglaterra, Japão e China fizeram grandes objeções aos tratados assinados, pois segundo eles a

adoção de medidas dessa natureza comprometeria o desenvolvimento de suas indústrias e,

consequentemente, o crescimento econômico, com fortes repercussões sobre o nível de consumo

da população e sobre o desemprego. Nota-se, com isso, que os interesses particulares estão acima

de qualquer iniciativa no plano internacional.

Por outro lado, diversas organizações não-governamentais (ONGs) passaram a pressionar

os representantes dos parlamentos para que fossem criadas leis mais rígidas em relação aos

problemas ambientais. Diante desses fatos, inúmeras indústrias poluidoras e consumidoras de

grande quantidade de energia (chamadas de eletrointensivas) começaram a transferir as suas

instalações para a periferia do sistema capitalista, demonstrando mais uma vez que os problemas

com o ambiente alheio não fazem parte de suas preocupações.

Duas décadas após o encontro de Estocolmo, a Organização das Nações Unidas propôs a

realização da segunda grande conferência sobre os problemas ambientais. A Conferência das

Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) foi realizada no ano de

1992 na cidade do Rio de Janeiro. Dentre as razões que determinaram a escolha do Brasil estão a

devastação da Amazônia e o assassinato do líder sindical Chico Mendes, em 1988. Com efeito,

vários acordos foram criados, tais como a Convenção Sobre a Diversidade Biológica, a

Declaração de Florestas, a Convenção Sobre Mudanças Climáticas Globais, o Fórum

Internacional das ONGs, a Agenda 21, etc. (RIBEIRO, op. Cit., p. 107 seq.).

A Rio-92, como também ficou conhecida essa conferência, deu maior abertura à sociedade

civil e às organizações não-governamentais no que se refere às discussões propostas. Entretanto, da

mesma forma como aconteceu em outros encontros internacionais, os interesses dos países centrais

estiveram acima de qualquer preocupação ambiental global, o que demonstra, na realidade, uma

grande incoerência em relação ao que estava preconizado no próprio texto da Agenda 21, em seu

Capítulo 4: enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de pressão ambiental, as

principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões

insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados. Motivo de séria

preocupação, tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos

desequilíbrios (BRASIL, 2005, p, 16).

Page 218: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

216

5.2 A ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE

A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) define o conceito de área

protegida como sendo uma área de terra e/ou mar especialmente dedicada à proteção e manutenção

da diversidade biológica, e de recursos naturais ou culturais associados, manejada através de meios

legais ou outros meio eficazes (VIDAL, 2000, p. 28).

No Brasil, o debate em torno da criação de áreas protegidas não é recente. No entanto, só a

partir do início da década de 1970 foi que as discussões tomaram maior amplitude, favorecidas

pelas pressões desencadeadas após a Conferência do Meio Ambiente realizada na cidade de

Estocolmo, capital da Suécia. Aliás, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela realização de

uma série de encontros internacionais sobre a temática ambiental, conforme pôde se observado na

seção anterior.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, a primeira após os longos anos de

ditadura militar, também foi muito importante para a institucionalização das áreas de proteção

ambiental no Brasil (criação de Unidades de Conservação). Segundo o Artigo 225, “todos têm

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Para assegurar a efetividade desse direito, incube

ao Poder Público: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo

ecológico das espécies e ecossistemas, bem como definir, em todas as unidades da Federação,

espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos [grifo nosso], sendo a

alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que

comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (BRASIL, 1997, p. 109).

Com efeito, a existência de várias leis no país que versavam sobre essa questão motivou o

debate em torno de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), no

qual foi instituído apenas no ano de 2000 através da Lei Federal n° 9.985, de 18 de julho. Tal

sistema é administrado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), pelo Conselho Nacional do

Meio Ambiente (CONAMA) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA), tendo como objetivos principais:

���� Contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território

nacional e nas águas jurisdicionais;

���� Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de

desenvolvimento;

���� Preservar paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;

���� Proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica,

arqueológica, paleontológica e cultural;

Page 219: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

217

���� Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;

���� Proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e

monitoramento ambiental;

���� Favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato

com a natureza e o turismo ecológico;

���� Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando

e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente, entre

outros (BRASIL, 2000, p. 3).

Entende-se por Unidade de Conservação o espaço territorial e seus recursos ambientais,

incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído

pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de

administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p. 1). A Figura

16 diferencia as duas categorias de Unidades de Conservação encontradas no Brasil, segundo o

SNUC.

FIGURA 16 – DIVISÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO SEGUNDO O SNUC

Fonte: Elaborada com base em:BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC): Lei Federal nº 9.985/2000. Brasília, 2000, p. 4 seq.

Como o próprio nome denuncia, as Unidades de Proteção Integral foram criadas para

PRESERVAR os recursos naturais encontrados em determinados ambientes, sendo permitido

apenas o uso indireto dos mesmos. Nas Estações Ecológicas e nas Reservas Biológicas, por

SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA (SNUC)

B) Unidades de Uso Sustentável A) Unidades de Proteção Integral

� Área de Proteção Ambiental

� Área de Relevante Interesse Ecológico

� Floresta Nacional

� Reserva Extrativista

� Reserva de Fauna

� Reserva de Desenvolvimento Sustentável

� Res. Particular do Patrimônio Ambiental

� Estação Ecológica

� Reserva Biológica

� Parques Nacionais

� Monumento Natural

� Refúgio de Vida Silvestre

Page 220: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

218

exemplo, o acesso de pessoas estranhas é proibido, exceto nos casos em que sejam comprovadas

finalidades culturais e educacionais. Nas demais unidades, a visitação pode acontecer desde que

sejam obedecidos alguns requisitos constantes no Plano de Manejo. Até mesmo o trabalho de

pesquisadores está condicionado às diretrizes do plano em questão.

Por outro lado, as Unidades de Uso Sustentável foram criadas para garantir a

CONSERVAÇÃO de um dado ecossistema através do uso racional dos recursos naturais bióticos e

abióticos31. Nas Florestas Nacionais, nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável e nas Reservas

Extrativistas, todas de domínio público, a exploração deve ser feita pelas populações tradicionais,

sendo proibidas a caça e a pesca predatórias, bem como a extração madeireira em larga escala.

Tanto a visitação quanto o trabalho de pesquisa científica são permitidos em todas as Unidades de

Conservação de Uso Sustentável, desde que sejam consideradas algumas restrições impostas pelo

Plano de Manejo e/ou pelo proprietário da unidade (caso das Reservas Particulares do Patrimônio

Ambiental).

Convém salientar que o estabelecimento de Unidades de Conservação em nosso país não é

uma tarefa simples, uma vez que todo o processo de constituição e manejo apresenta uma série de

dificuldades: a falta de recursos públicos para realizar a desapropriação de grandes extensões de

terras (no caso da maior parte das Unidades de Proteção Integral e das Unidades de Uso

Sustentável); as pressões geradas pelos latifundiários que contestam o desperdício de áreas que

poderiam ser utilizadas para diversas atividades econômicas (agricultura, criação de animais,

exploração madeireira e mineral); a burocracia dos órgãos governamentais em todas as instâncias

(federal, estadual e municipal); o reduzido número de funcionários para fiscalizar as atividades

e/ou atuar na orientação técnica; o abrandamento das penas previstas para os crimes ambientais; o

sucateamento das instalações e a falta de equipamentos dos órgãos oficiais de gestão e controle dos

recursos naturais, etc.

A Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape enquadra-se na segunda

categoria das Unidades de Conservação (Unidades de Uso Sustentável) e foi institucionalizada a

partir da assinatura do Decreto Federal nº 924, de 10 de setembro de 1993, perfazendo uma

superfície total de mais de 14 mil hectares que se estende por quatro municípios do Litoral Norte

do Estado da Paraíba – Lucena, Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição. Destes, Rio Tinto é o que

possui a maior porção de terras no interior da APA, ao passo que Baía da Traição e Lucena exibem

apenas uma pequena parte dos seus respectivos territórios no interior dessa Unidade de

Conservação (Mapa 25). 31 O termo conservação da natureza diz respeito à utilização racional dos recursos naturais renováveis (ar, água, solo, flora e fauna) e obtenção de rendimento máximo dos não renováveis (jazidas minerais), de modo a produzir o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mantendo suas potencialidades para satisfazer as necessidades das gerações futuras. Não é sinônimo de preservação porque está voltada para o uso humano da natureza, em bases sustentáveis, enquanto a preservação visa à proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas [grifo nosso] (IBGE, 2004, p. 84).

Page 221: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

219

MAPA 25 – DELIMITAÇÃO ESPACIAL DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE

Fonte: Adaptado de: NEVES, Mary Carla Marcon. Gestão da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape (PB) – Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável. In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005, p. 180.

O Mapa 26 destaca as principais comunidades inseridas no interior dessa Unidade de

Conservação e nas áreas adjacentes. São 21 comunidades que podem ser classificadas como sedes

municipais (Rio Tinto e Marcação), distritos, aglomerados rurais e aldeias, totalizando 16.381

pessoas e 4.535 famílias (dados de 2004). Das 23 aldeias Potiguaras administradas pela FUNAI

naquele ano, apenas 4 estavam localizadas no interior da APA (Caieira, com 365 índios;

Camurupim, com 823 índios; Tramataia, com 1.009 índios e Jaraguá, com 904 índios) e 2 nas áreas

contíguas (Akajutibiró, com 246 índios, e Brejinho, com 287 índios), totalizando 3.634 habitantes

(RODRIGUES et al., 2005, p. 63).

Toda essa região se notabiliza pela presença de uma grande variedade de paisagens

naturais: as belas praias, os campos de dunas, as falésias e as formações recifais; o maior e mais

preservado ecossistema de manguezal do Litoral do Estado, local de abrigo do Trichechus manatus

(peixe-boi marinho) e de outras espécies animais; a ocorrência de grandes trechos cobertos pela

vegetação de cerrado; os remanescentes das florestas ombrófilas e das florestas estacionais dos

tabuleiros costeiros, entre outros aspectos. Do ponto de vista das paisagens humanas, destacam-se

a cidade-fábrica de Rio Tinto, as aldeias dos índios Potiguaras, as comunidades de agricultores e

pescadores tradicionais e a presença de grandes plantações de cana-de-açúcar, atividade

responsável pelas maiores transformações observadas na região nas quatro últimas décadas.

MAMANGUAPE

MARCAÇÃO

Camurupim

RIO TINTO

BAÍA DA TRAIÇÃO

Salema

LUCENA

Barra de Mamanguape

APA da Barra dAPA da Barra dAPA da Barra dAPA da Barra do Rio Mamanguape o Rio Mamanguape o Rio Mamanguape o Rio Mamanguape

Page 222: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

220

MAPA 26 – PRINCIPAIS COMUNIDADES LOCALIZADAS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE E ENTORNO

Comunidades:

1 – Aldeia Akajutibiró 2 – Aldeia Caieira 3 – Aldeia Camurupim 4 – Aldeia Tramataia 5 – Aldeia Brejinho 6 – Aldeia Jaraguá 7 – Vila Veloso 8 – Curral de Fora 9 – Taberaba 10 – Cravaçú 11 – Aritinguí 12 – Tavares 13 – Tanques 14 – Barra de Mamanguape 15 – Lagoa da Praia 16 – Praia de Campina 17 – Tatupeba 18 – Pacaré

Fonte: Adaptado de: RODRIGUES, Izilda A. (et al.). Perfis Social, Econômico e Ecológico da Área de Influência da APA da Barra do Rio Mamanguape (PB). In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005, p. 62.

A fim de resguardar as paisagens citadas anteriormente, o Decreto Federal nº 924/1993

estabelece em seu Artigo 1 os seguintes objetivos, conforme salientou VIDAL (op. Cit., p. 47):

���� Garantir a conservação do habitat do peixe-boi marinho (Trichechus manatus);

���� Garantir a conservação de expressivos remanescentes de manguezal, mata atlântica e dos

recursos hídricos ali existentes;

���� Proteger o peixe-boi marinho (Trichechus Manatus) e outras espécies ameaçadas de extinção no

âmbito regional;

���� Melhorar a qualidade de vida das populações residentes, mediante orientação e disciplina das

atividades econômicas locais;

���� Fomentar o turismo ecológico e a educação ambiental.

APA da Barra do Rio Mamanguape

Cursos d’água

Convenções:

1

2

3

4 5

6

7

8

9 10

11

12

13

14

15

16

18

17

MARCAÇÃO

RIO TINTO

Cursos d’água

Page 223: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

221

A autora reafirma também que para assegurar o alcance dessas metas, o Artigo 8 preconiza

ainda:

Na APA da Barra do Rio Mamanguape ficam proibidos:

���� A implantação de atividades industriais poluidoras capazes de afetar o meio ambiente;

���� O exercício de atividades capazes de provocar erosão ou assoreamento das coleções hídricas;

���� O despejo nos cursos d’água de qualquer efluentes, resíduos ou detritos, em desacordo com as

normas técnicas oficiais;

���� O exercício de atividades que ameacem as espécies da biota, as manchas de vegetação

primitiva, as nascentes e os cursos d’água existentes na região;

���� O uso de biocidas e fertilizantes, quando em desacordo com as normas ou recomendações

técnicas oficiais (VIDAL, op. Cit., p. 47).

Como se pôde constatar ao longo dessa seção, é inegável a contribuição oferecida pela

legislação brasileira em termos de abrangência e complexidade no tratamento das questões

ambientais. Entretanto, o que se observa ainda é uma grande separação, uma grande dicotomia

entre o que está regulamentado através das Leis, Decretos, Medidas Provisórias, Normas Técnicas,

etc., e o que tem sido feito em termos efetivamente práticos para garantir a proteção, a fiscalização,

o uso correto dos recursos e o bem-estar das populações.

Nesse sentido, vários impactos sociais e ambientais foram detectados através das pesquisas

de campo realizadas na APA da Barra do Rio Mamanguape, a saber:

a) A Destruição da Cobertura Vegetal Original (Cerrados, Florestas e Manguezais)

Na verdade, o processo de destruição da cobertura vegetal intensificou-se com as atividades

industriais têxteis na primeira metade do século XX e durante a implantação do Programa Nacional

do Álcool (PROÁLCOOL), a partir de 1975. Conforme foi visto no Capítulo 3 (A Experiência

Canavieira na Região do Baixo Mamanguape), os municípios de Baía da Traição e Rio Tinto

tiveram um aumento expressivo em relação à quantidade produzida e à superfície ocupada pela

cana-de-açúcar.

Os avanços tecnológicos garantidos através de fortes subsídios estatais propiciaram o uso

intensivo de defensivos e fertilizantes sintéticos, sementes melhoradas em laboratório, irrigação,

máquinas e implementos agrícolas, contribuindo para aumentar a produtividade da lavoura

canavieira que logo se expandiu pelas áreas de florestas e cerrados, imprimindo um padrão

monocultor à paisagem.

Já na planície costeira foi possível identificar com facilidade as alterações promovidas pela

carcinicultura nas áreas ocupadas pelos manguezais. Essa atividade foi introduzida na APA da

Barra do Rio Mamanguape por volta de 1995 e atualmente conta com mais de uma centena de

viveiros instalados, quase todos operando de forma irregular em função da ausência de licença

ambiental expedida pelo órgão responsável pela gestão da Unidade de Conservação (IBAMA).

Page 224: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

222

Uma parte desses viveiros pertence aos próprios índios Potiguaras, que começaram a se

dedicar ao cultivo do camarão com a intenção de obter maior renda. Todavia, como muitos não

conseguiram o alvará de licença, ficaram impossibilitados de contrair financiamento bancário para

ser utilizado na modernização do empreendimento. A baixa produtividade e a concorrência com as

empresas privadas instaladas no local contribuíram para desestimular várias famílias indígenas,

que foram aos poucos abandonando a atividade.

A outra parte dos viveiros instalados no interior da APA pertence a duas grandes empresas

privadas: a Aqüicultura Fernando Ltda. (AQUAFER) e a Destilaria Jacuípe S.A. Ambas

introduziram a criação comercial do camarão exótico Litopenaeus vannamei, destinado ao

abastecimento do mercado internacional (Estados Unidos, Europa e Japão). Enquanto a AQUAFER

possui 7 tanques instalados na fazenda Barra de Mamanguape, perfazendo uma área total de 31,93

hectares, a Destilaria Jacuípe conta com 16 viveiros construídos na fazenda Santa Emília I, no

interior de um manguezal, ocupando uma área de 76,29 hectares. Todas elas já foram autuadas

duas vezes pelo IBAMA pelo fato de fazer funcionar estabelecimento potencialmente poluidor em

uma Área de Proteção Ambiental, sem o devido licenciamento ambiental (PAZ e NASCIMENTO,

2008, p. 185-186).

Vale ressaltar que a disseminação dessa atividade econômica sem um estudo prévio traz

inúmeras conseqüências para a área em apreço, dentre elas podem-se destacar: a devastação dos

manguezais e das demais formações litorâneas (restingas, campos de dunas) para a implantação

dos viveiros; o comprometimento da fauna em função das alterações dos habitats originais; a

poluição das águas dos rios e riachos pelo lançamento de nutrientes nocivos à saúde animal e

humana; a salinização das reservas de água subterrânea (aqüíferos); o desvio e o assoreamento dos

canais de maré e das gamboas, etc. (Fotos 39 a 42).

A presença da carcinicultura no interior da APA tem gerado conflitos entre os próprios

índios, pois muitos temem pela segurança do manguezal. De acordo com o índio Josias dos Santos,

53 anos, morador da aldeia Tramataia, município de Marcação, as grandes empresas que se

instalaram no local para desenvolver a carcinicultura não apresentam preocupações com os

impactos causados pela atividade. Além disso, elas estão usando um território que é nosso e de

mais ninguém, explica ele com certa indignação.

De fato, todas as atividades presentes no interior de uma Área de Proteção Ambiental

devem ser conduzidas pelas populações tradicionais segundo critérios sustentáveis, conforme

determina um dos objetivos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

(SNUC). Por outro lado, a maneira como a carcinicultura está sendo desenvolvida pelas empresas e

pelos índios contradiz o que está previsto no Artigo 8 da Lei Federal nº 924/1993, já discutida

anteriormente.

Page 225: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

223

A construção de casas de veraneio (residências secundárias) ao longo da planície litorânea

também é motivo de preocupações, uma vez que elas estão sendo edificadas em uma área de

grande sensibilidade ecológica. A ausência de fiscalização e a falta de um planejamento por parte

do poder público têm contribuído para a alteração dessas paisagens: destruição das plantações de

coco-da-baia, da vegetação de restinga e das formações pantropicais das praias, dunas e cordões

litorâneos, vegetações estas que desempenhavam papel significativo no tocante à proteção dos

solos, principalmente contra a ação constante dos ventos marítimos (erosão eólica) e das intensas

chuvas de outono-inverno.

Foto 39 (superior) – Viveiro de “propriedade particular” construído no interior da APA da Barra do Rio Mamanguape para criação de camarão. Foto 40 (lado esquerdo) – Equipamento usado para retirar água do manguezal para abastecer os viveiros.Foto 41 (lado direito) – Canal construído para abastecer os viveiros com água transportada do próprio manguezal (esse processo acaba contaminando os rios e riachos pelo vazamento de efluentes). Foto 42 (inferior) – Placa instalada pela FUNAI para delimitar o território indígena Potiguara. Litoral do município de Marcação, Paraíba. Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)

Page 226: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

224

b) A Poluição dos Recursos Hídricos em Função do Lançamento de Resíduos

Na área em questão foi possível detectar três fontes de poluição dos recursos hídricos – a

criação de camarão em cativeiro, a atividade canavieira e o lançamento de esgotos domésticos.

A atividade de criação de camarão tem sido responsável pela ocorrência de alguns danos

aos recursos hídricos, fato este comprovado através de vários estudos científicos. De acordo com

QUEIROZ e FRIGHETTO (2005, p. 79), substâncias químicas (ou probióticos) em adição aos

fertilizantes são aplicadas aos viveiros de produção como tratamento para manter a qualidade da

água e prevenir doenças que normalmente afetam os organismos cultivados. Dentre elas, incluem-

se materiais para calagem, cloro, sulfato de cobre, permanganato de potássio, peróxidos, bactérias

formuladas, compostos enzimáticos, etc. PAZ e NASCIMENTO (op. Cit., p. 170) lembram que

devido à falta de bacias de sedimentação (equipamentos usados para tratamento da água antes de

sua liberação nos rios e riachos) na maior parte dos empreendimentos, essas substâncias

potencialmente danosos são lançadas diretamente nos sistemas estuarinos, fluviais e lacustres,

contaminando os recursos hídricos e prejudicando os organismos presentes nesses ambientes.

Outro aspecto apontado pelos autores diz respeito ao processo de salinização das reservas

subterrâneas por extensas áreas de viveiros de camarão instalados sobre áreas de recarga dos

aqüíferos, com conseqüente comprometimento de poços e cacimbas utilizados pelas comunidades

litorâneas (PAZ e NASCIMENTO, op. Cit., p. 170). As características dos solos encontrados nas

planícies costeira e aluvial (bastante arenosos, argilosos e excessivamente drenados) contribuem

para agravar ainda mais essa situação.

O avanço da monocultura da cana-de-açúcar também gerou profundos impactos sobre as

coleções hídricas. A utilização em larga escala de produtos químicos nas plantações (pesticidas,

fungicidas, herbicidas, adubos e fertilizantes sintéticos, etc.) com o propósito de dizimar as pragas

que atacam os canaviais, corrigir as limitações edáficas dos tabuleiros e aumentar a produtividade

média por hectare, acaba intensificando a concentração no solo de uma grande quantidade de

material altamente tóxico. Através da irrigação esse material alcança as reservas de água

subterrânea (por meio da infiltração), bem como os rios e riachos que drenam a área (por meio do

escoamento superficial). Vale ressaltar que durante os meses mais chuvosos do ano (abril a julho),

esse fenômeno tem um poder ainda maior de propagação.

Estudo realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar (NEPREMAR) e

pelo Laboratório de Hidrobiologia do Departamento de Sistemática e Ecologia da UFPB, detectou

a presença de elevados teores de nitrato nas nascentes do rio Açu, tributário do rio Mamanguape e

nos reservatórios de água dos rios Gramame e Mamuaba, o que constitui, segundo os

pesquisadores responsáveis pelas análises, uma evidência indireta da contaminação desses

mananciais por fertilizantes químicos usados nas plantações de cana-de-açúcar que circundam

essas áreas (TARGINO et al., 1994, p. 15-16).

Page 227: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

225

Além de afetarem as condições ambientais, esses produtos interferem ainda na morbidade

da população. Os trabalhadores rurais que manipulam constantemente essas substâncias químicas

apresentam sintomas que variam da simples cefaléia, irritação na pele, tontura, convulsão, diarréia,

até a ocorrência de doenças respiratórias, teratogênese, câncer e óbito. Os herbicidas Paraquat e

Paraquat+Diuron são citados como altamente tóxicos, de modo que a ingestão de algumas gotas

pode ser letal ao homem (MOREIRA et al., 2006, p. 141).

Já o processo de industrialização do açúcar e do álcool é responsável pelo lançamento de

vários tipos de resíduos na natureza. O vinhoto, por exemplo, constitui-se num grave problema

ecológico, pois para cada litro de álcool fabricado nas destilarias são produzidos 13 litros dessa

substância. Como, em geral, os donos dos estabelecimentos industriais nunca apresentaram

preocupações com o meio ambiente, a solução encontrada para o destino do vinhoto foi o

lançamento nos mananciais que atravessam as suas propriedades, provocando a mortandade da

flora e da fauna aquáticas e comprometendo o trabalho das populações pobres que encontram na

captura de peixes, caranguejos e mariscos sua principal fonte de sobrevivência (Fotos 43 e 44).

Ao entrevistar as mulheres marisqueiras da aldeia Tramataia e os catadores de caranguejo

da aldeia Camurupim, constamos que a quantidade de pescado capturado em um dia de trabalho

tem diminuído significativamente ao longo dos anos. Segundo eles, o desmatamento do manguezal

e a poluição dos rios são os principais responsáveis por essa redução32: “Antigamente nois tinha

muita fartura nesses rios (caranguejo, camarão, ostra, marisco, agulhinha, sardinha, sururu, unha de

veio). Nois tirava tudo do mangue e repartia na comunidade e o que sobrava nois vendia na feira

da Baía. Hoje a situação ta piorano, com certeza.” (Depoimento do índio Francisco Firmino, 42

anos, morador da aldeia Camurupim).

Por fim, os esgotos de origem doméstica também são responsáveis pelas alterações da

qualidade da água, uma vez que todas as cidades localizadas na região do Baixo Mamanguape

(Baía da Traição, Mamanguape, Marcação e Rio Tinto) apresentam sérias deficiências no que se

refere à coleta e ao tratamento das águas residuárias. Além disso, a disseminação do uso de fossas

comuns corrobora para piorar ainda mais a poluição dos aqüíferos, cuja conseqüência mais

imediata é a proliferação de doenças entre a população (hepatite, esquistosomose, infecções

variadas, etc.).

c) A Erosão Acelerada dos Solos

O solo é a parte exterior da crosta terrestre em contato direto e indireto com os demais

componentes do meio ecológico. É ele o resultado da ação conjunta de inúmeros agentes

dinâmicos que agem sobre as rochas, ocasionando a sua decomposição. Esses agentes dinâmicos

são agrupados em três categorias principais: os agentes físicos (calor, frio, umidade, pressão, etc);

32 Para saber mais informações sobre a situação dos manguezais da bacia do rio Mamanguape e de outras áreas do Estado, torna-se oportuno consultar os artigos do Jornal Correio da Paraíba do dia 14 de setembro de 2008 (Anexo 2).

Page 228: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

226

os agentes químicos (ação das águas sobre os minerais que integram as rochas); e os agentes

biológicos (ação dos seres vivos, processo de decomposição de animais e vegetais, etc). Alguns

autores denominam o processo de formação dos solos de “intemperismo”, outros preferem usar o

termo “meteorização”.

Foto 43 – Aspecto da aldeia Potiguara Tramataia, localizada na margem esquerda do estuário do rio Mamanguape. Município de Marcação, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (abril/2006).

Foto 44 – Pequenas embarcações utilizadas para a pescaria no manguezal (a pesca artesanal constitui a principal atividade econômica dos índios que vivem no estuário). Aldeia Potiguara Tramataia, município de Marcação, Paraíba. Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (abril/2006).

Page 229: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

227

O solo é considerado também um dos mais importantes elementos do meio natural, pois

parte expressiva dos seres vivos que habitam o planeta depende dele para sobreviver. O próprio

homem, por exemplo, retira do solo boa parte das substâncias de que necessita, bem como uma

incontável quantidade de matérias-primas indispensáveis para a produção dos seus objetos de uso

(móveis, casas, roupas, medicamentos, alimentos, eletrodomésticos, etc). Assim sendo, da mesma

forma como ele é considerado o maior usuário do solo, é também, de longe, o ser vivo que mais

contribui para o seu empobrecimento e para a sua destruição.

O avanço da lavoura canavieira sobre as áreas de mata e cerrado, por inúmeras vezes

mencionado nos capítulos desta tese, contribuiu para acentuar o processo de degradação dos solos.

A retirada de uma vegetação densa e perene, como é o caso das florestas ombrófilas, aliada às

fortes precipitações que incidem sobre o Litoral, acaba expondo os solos aos processos de erosão

acelerada (formação de sulcos, ravinas e voçorocas) e lixiviação (transporte dos nutrientes

encontrados nas camadas superficiais), cujos reflexos negativos vão ter repercussões em todas as

atividades produtivas.

A ação do escoamento superficial pode ser facilmente identificada nos locais em que a

vegetação foi destruída, ou mesmo naqueles em que ela apresenta-se em manchas descontínuas e

com forte estágio de degradação (as chamadas capoeiras ralas). Nas áreas de encostas e nas

vertentes com forte declividade os processos erosivos são ainda mais acentuados em virtude das

transformações realizadas pelas atividades humanas.

Nesta perspectiva, ao tentar mostrar a importância que a cobertura vegetal exerce no

trabalho de conservação dos solos, COELHO NETTO (1995, p. 105) afirmou o seguinte:

“A cobertura vegetal tem como uma de suas múltiplas funções o papel de interceptar parte da precipitação (P) pelo armazenamento de água nas copas arbóreas e/ou arbustivas (Ac), de onde é perdida para a atmosfera por evapotranspiração (Et) durante e após as chuvas. Quando a chuva excede a demanda da vegetação, a água atinge o solo por meio das copas (atravessamento, At), e do escoamento pelos troncos (fluxo no tronco, Ft). Uma outra parte da chuva e armazenada na porção extrema superior do solo que comporta os detritos orgânicos que caem da vegetação (folhas, galhos, semente e flores) e é denominada serrapilheira (As).” (Figura 17)

Além da erosão acelerada, outros problemas também evidenciam-se ao longo da área

escolhida para o desenvolvimento dessa pesquisa, a saber:

���� O desgaste prematuro dos solos em função da intensificação dos cultivos sem a devida

preocupação com o descanso necessário à recomposição das perdas provocadas pela própria

dinâmica agrícola (a rotação de culturas, por exemplo, já não é praticada há várias décadas);

���� O uso abusivo de produtos químicos nas lavouras contribui para alterar a composição original

dos solos, com graves conseqüências para a saúde dos organismos;

Page 230: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

228

���� As queimadas realizadas no momento anterior ao corte da cana-de-açúcar, visando facilitar a

ação dos trabalhadores, também apresentam sérios riscos à esterilização dos solos. Com a ação

do fogo estes vão ficando mais secos, mais rígidos, mais pobres em nutrientes de origem

orgânica e com menor capacidade de armazenar água;

���� O processo de assoreamento dos cursos d’água devido ao transporte de sedimentos realizado

pelo vento e pela ação das águas durante os eventos chuvosos, etc.

FIGURA 17 – A INTERCEPTAÇÃO DAS CHUVAS PELA

VEGETAÇÃO

Fonte: Adaptada de: COELHO NETTO, Ana Luiza. Hidrologia de Encosta na Interface com a Geomorfologia. In: TEIXEIRA GUERRA, Antonio José e CUNHA, Sandra Baptista da (Organizadores). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2ª edição, 1995, p. 106.

Destarte, o processo de empobrecimento e destruição dos solos tem o poder de repercutir

na qualidade de vida das populações, haja vista a sua importância. Hoje, graças aos movimentos

em defesa do meio ambiente, o homem tem se perguntado até que ponto ele pode manipular os

solos, seja para o desenvolvimento de atividades agropastoris, industriais, comerciais ou

residenciais. Ele sabe, mais do que nunca, que os investimentos visando a sua conservação são

relativamente baratos e que os custos necessários à recuperação de áreas com solos degradados são

extremamente elevados e, em alguns casos, inviáveis devido ao estado de destruição que os

mesmos se encontram.

Serrapilheira (As)

Precipitação (P)

At

Ft Ft

Ac Et

Cursos d’água

Page 231: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

229

5.3 AS TERRAS INDÍGENAS POTIGUARAS E O PAPEL DA FUNAI

Em março de 2006, as terras destinadas à população indígena do Brasil representavam

pouco mais de 12% do total das terras existentes no país. Ou seja, das 607 terras indígenas

relacionadas naquele ano, 396 estavam regularizadas (65,24%), 123 encontravam-se em estudo

(20,26%), 32 haviam sido declaradas (5,27%), 31 estavam delimitadas (5,11%) e apenas 25 haviam

sido demarcadas/homologadas (4,12%) (BRASIL, 2006-b).

Através desses e de outros indicadores sociais é possível perceber o descaso do governo

federal no que se refere ao problema fundiário no país: expropriação de índios, posseiros e

pequenos trabalhadores; elevado grau de concentração da terra, sendo esta utilizada em muitos

casos como reserva de valor (terra para especulação); aumento do número de conflitos entre

trabalhadores e proprietários; intensificação das migrações de pessoas rumo às cidades, etc.

O Estado da Paraíba apresenta apenas 3 terras indígenas, todas localizadas na microrregião

do Litoral Norte. Dentre elas, 2 estão regularizadas, ou seja, com registro no Cartório de Registro

de Imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União (Terra Indígena Potiguara e Terra Indígena

Jacaré de São Domingos) e 1 encontra-se delimitada, ou seja, com os limites aprovados pela

Fundação Nacional do Índio (Terra Indígena Potiguara de Monte Mor).

Essas terras estendem-se pelos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto,

totalizando pouco mais de 21 mil hectares e abrigando 12.082 índios espalhados por 30 aldeias. A

Terra Indígena Potiguara é a maior de todas, com 24 aldeias e 7.835 índios, seguida pela Terra

Indígena Potiguara de Monte Mor, com 5 aldeias e 3.804 índios e pela Terra Indígena Jacaré de

São Domingos, com apenas 1 aldeia e 443 habitantes (Quadro 18).

Detentores de uma cultura milenar, hoje bastante descaracterizada, o povo Potiguara vem

sofrendo ao longo dos tempos com a invasão dos seus territórios pelas mais variadas atividades

econômicas: exploração de madeira, avanço dos campos de criação de gado, desenvolvimento da

monocultura da cana-de-açúcar, criação de camarão, expansão urbana, etc. Esses fenômenos sócio-

espaciais foram e/ou são responsáveis por uma série de problemas e conflitos, a saber:

a) O Processo de Expropriação da Terra

A partir da segunda década do século XX, após a instalação da Companhia de Tecidos Rio

Tinto (CTRT), muitos índios da Terra Indígena de Monte Mor tiveram que deixar as suas aldeias

em função do avanço dos empreendimentos do poderoso Coronel Frederico João Lundgren. Na

ocasião, o imenso território Potiguara passou a ser ocupado com plantações de eucalipto que

tinham como destino o abastecimento do complexo industrial.

Ao analisar as contradições existentes nesse período, MARQUES (2009, p. 116) destacou

que:

Page 232: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

230

“Durante anos os indígenas da aldeia Monte-Mór pagavam aluguéis a CTRT. No início do processo de retomada dos territórios tradicionais do grupo, todos os sábados o grupo dançava o toré como forma de afirmar e reivindicar seu direito a terra. Após algumas reivindicações e pressões na sede da FUNAI, o grupo fez com que a mesma deixasse de pagar os aluguéis a companhia. Na verdade, a FUNAI pagava aluguéis para que os indígenas morassem e utilizassem um território tradicionalmente ocupado por eles.”

O fechamento da Companhia de Tecidos Rio Tinto, no final da década de 1980, não

representou grande conquista para os índios Potiguaras, uma vez que as suas terras novamente

foram ocupadas por outros grupos econômicos que tinham interesse em expandir a cultura da cana-

de-açúcar na região, a exemplo da Destilaria Miriri e da Japungu Agroindustrial. Com efeito, a

partir do PROÁLCOOL uma nova fase de violência verificou-se em todo o Litoral da Paraíba,

momento em que os pequenos produtores, posseiros e índios começaram a se organizar para lutar

contra a invasão dos seus territórios.

Um episódio histórico relevante aconteceu no ano de 2008, após vários anos de luta do

povo Potiguara contra as invasões das suas terras pelos canaviais das usinas. A retomada do

território da aldeia Três Rios, localizada no interior da Terra Indígena de Monte Mor, município de

Marcação, representou a força, a união e a esperança desse grupo étnico, conforme relatou a

geógrafa Amanda Christinne MARQUES (op. Cit., p. 187-188) em sua pesquisa de Mestrado:

A marcha “de 18 de janeiro de 2008, por se tratar de um momento muito especial para o grupo, sintetizou toda uma trajetória de luta, pois foi uma comemoração do reconhecimento do território indígena de Monte-Mór, que durante anos se tornou um campo de forças entre indígenas e usineiros. (...)

Durante o percurso, observamos o verde da cana-de-açúcar nas duas extremidades da rodovia, cultura que, segundo uma liderança Potiguara, “para uns significa vida, e para outros, sangue”. A cana como vida é anunciada pelos usineiros que detêm por arrendamento ou saque, grande parte das terras dos Potiguara. Os índios Potiguara da aldeia Três Rios veem a cana como sangue, pois dizem que foi por causa da expansão dessa monocultura em seus territórios que seu povo foi expropriado, morto e intimidado a não se reconhecer como grupo social etnicamente diferenciado. Segundo uma liderança Potiguara, durante muitos anos seu pai e seus familiares trabalharam no corte da cana por não terem alternativa de sobrevivência.”

Vale ressaltar que a luta dos índios em defesa dos seus direitos e, sobretudo, pela

demarcação das suas terras começou a ganhar visibilidade no início da década de 1970, quando foi

sancionada a Lei Federal n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio). Em seu Artigo

2, afirma que compete à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das

respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, zelar pela proteção das

comunidades indígenas e pela preservação dos seus direitos. Para tanto, é preciso:

Page 233: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

231

���� Assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;

���� Garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos

para seu desenvolvimento e progresso;

���� Respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades

indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;

���� Garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente

das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais

e de todas as utilidades naquelas terras existentes (BRASIL, 2010-b, p. 1).

Atualmente ainda podem ser observadas grandes plantações de cana-de-açúcar no interior

das Terras Indígenas Potiguaras, fato que contradiz a legislação supracitada em vários aspectos.

Esse fato contribui para a degradação do meio ambiente, com fortes repercussões sobre o modo de

vida dessa população.

QUADRO 18 – CARACTERÍSTICAS DAS TERRAS INDÍGENAS POTIGUARAS (MUNICÍPIOS ABRANGIDOS, TOTAL DE ALDEIAS E POPULAÇÃO RECENSEADA)

Terras Indígenas Municípios Aldeias População* Baía da Traição Forte 504 Baía da Traição Galego 606 Baía da Traição São Francisco 913 Baía da Traição Cumarú 290 Baía da Traição Lagoa do Mato 61 Baía da Traição Tracoeira 161 Baía da Traição Santa Rita 209 Baía da Traição Laranjeira 205 Baía da Traição São Miguel 910 Baía da Traição Akajutibiró 323 Baía da Traição Bento 45

Potiguara Baía da Traição Silva 207 Marcação Brejinho 294 Marcação Caieira 341 Marcação Camurupim 519 Marcação Carneira 113 Marcação Estiva Velha 366 Marcação Jacaré de César 216 Marcação Tramataia 432 Marcação Vau 387 Marcação Grupiuna 263 Marcação Grupiuna de Cima 50 Rio Tinto Silva do Belém 367 Rio Tinto Boréu 53

Jacaré de São Domingos Marcação Jacaré de São Domingos 443Marcação Lagoa Grande 442

Marcação Três Rios 858Potiguara de Monte Mor Marcação Ybykuara 112

Rio Tinto Monte Mor 1.320 Rio Tinto Jaraguá 1.072

Total 3 30 12.082

* Os dados populacionais são de 2009. Fonte: Elaborado a partir das pesquisas de gabinete:

Consulta aos Arquivos da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2009) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI, 2005).

Page 234: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

232

b) As Condições de Vida no Interior das Aldeias

De uma maneira geral, as condições de vida no interior das aldeias são bastante precárias,

fato comprovado através de alguns indicadores sociais, bem como através das pesquisas em

campo.

Inúmeros índios ainda tentam preservar as suas tradições e por isso sobrevivem da caça, da

criação de pequenos animais (galinhas e porcos) e do cultivo de roçados, onde são produzidos

milho, feijão, batata, frutas e, sobretudo, mandioca. Essas atividades destinam-se quase que

exclusivamente ao auto-consumo em função da ausência de excedentes.

Segundo depoimento da índia Maria da Silva, 68 anos, moradora da aldeia Galego,

município de Baía da Traição, o roçado faz parte da vida dos Potiguaras, pois é através da terra que

eles conseguem garantir parte do sustento das famílias (Fotos 45 e 46). Entretanto, a baixa

produtividade da lavoura contribui para agravar o estado nutricional dessas pessoas, sobretudo dos

idosos e das crianças33.

Além das atividades já referidas, os Potiguaras praticam também a pesca artesanal nos rios

e riachos que cortam as suas terras, bem como nas águas do mar. Vale ressaltar que a pesca

realizada no mar e no estuário do rio Mamanguape apresenta uma produtividade mais elevada

devido à ocorrência de grande número de espécies, dentre as quais se destacam: camarão, cioba,

serra, bagre, tainha, garajuba, atum, camurupim, sardinha, lagosta, caranguejo e ostra (Foto 47).

Uma parte dessa produção é utilizada para complementar a alimentação das famílias,

enquanto a outra destina-se ao mercado consumidor local (feiras-livres dos municípios de Baía da

Traição, Rio Tinto e Mamanguape) e regional (caso de algumas espécies que são exportadas para

outros Estados).

Conforme já foi discutido na seção anterior, a quantidade de pescado vem demonstrando

sinais de queda nos últimos anos, motivada pela degradação dos recursos naturais existentes nessa

região. Estudo realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

(ICMBIO), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 12 municípios do Litoral

da Paraíba mostrou que a quantidade de pescado caiu em pelo menos metade deles. A Tabela 10,

exposta a seguir, destaca os três municípios do Baixo Mamanguape onde a produção pesqueira

sempre foi considerada uma atividade econômica importante. Com efeito, entre os anos de 1999 e

2005 o município de Rio Tinto registrou uma queda de 49,71%, passando de 50,7 para 25,5

toneladas. No município de Baía da Traição a redução foi da ordem de 44,81%, passando de 161,6

para 89,2 toneladas; e, em Marcação, de 24,70%, passando de 113,4 para 85,4 toneladas. 33 De acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena Potiguara, a prevalência de desnutrição em crianças menores de 1 ano foi de 9,06% (baixa), e em crianças de 1 a 5 anos foi de 24,1% (alta), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Implantado no ano de 2004 em três pólos-base – Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto, esse sistema acompanha crianças menores de 5 anos, gestantes, hipertensos e diabéticos através de avaliações antropométricas, consultas, visitas e distribuição de cestas básicas e do leite não-humano (MONTEIRO et al., 2006).

Page 235: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

233

TABELA 10 – PRODUÇÃO PESQUEIRA NA REGIÃO DO BAIXO

MAMANGUAPE (EM TONELADAS)

Fonte: Elaborada com base em: ICMBIO. Boletim da Estatística da Pesca Marítima e Estuarina do Nordeste do Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1999 e 2005.

No que se refere ao aspecto educacional, um levantamento feito pela FUNAI e FUNASA no

ano de 2009 apontou 685 alunos matriculados na Educação Infantil, 2.875 no Ensino Fundamental,

180 no Ensino Médio e apenas 48 no Ensino Superior (dados obtidos a partir da pesquisa de

gabinete realizada nos órgãos supracitados). A grande redução do número de alunos matriculados

no Ensino Médio denuncia o elevado índice de evasão escolar.

Ainda de acordo com esse levantamento, foram identificadas 31 escolas, sendo 7 estaduais

e 24 municipais, totalizando 272 professores, a grande maioria formada por membros da própria

comunidade (217 professores indígenas). Algumas dessas escolas apresentam boas instalações

físicas, a exemplo da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Akajutibiró,

localizada na aldeia de mesmo nome, e da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e

Médio Pedro Poti, localizada na aldeia São Francisco. Outras funcionam de maneira precária,

como é o caso da Escola Municipal Indígena de Ensino Fundamental Deputado Eduardo Ferreira,

localizada na Aldeia Caieira (Foto 48).

A baixa escolaridade verificada entre essa população repercute diretamente nas condições

de trabalho, uma vez que muito índios acabam se inserindo em atividades temporárias, mal

remuneradas e muitas vezes exaustivas, como é o caso dos cortadores de cana-de-açúcar. Além do

trabalho nos canaviais, foi possível constatar a presença de índios trabalhando em restaurantes,

pousadas, pequenas lojas comerciais e casas de veranistas (zeladores e vigias). Outros tentam

ganhar a vida fazendo pequenos serviços (mototaxistas, pintores, encanadores, pedreiros,

eletricistas, etc.).

Todas as 30 aldeias administradas pela FUNAI possuem postos ou centros de saúde para

atendimento de pequenas ocorrências. Sendo assim, nos casos mais complexos os pacientes são

removidos para Rio Tinto, Mamanguape ou até mesmo para João Pessoa, uma vez que os

municípios de Baía da Traição e Marcação não dispõem de nenhum leito hospitalar. Segundo a

Sra. Maria Zélia, Coordenadora Técnica do Setor de Saúde Indígena da FUNASA, vários hospitais

de João Pessoa firmaram parceria com o órgão a fim de assegurar aos índios o acesso a serviços

médicos mais sofisticados (realização de exames, internações para tratamento de doenças crônicas,

cirurgias em geral, etc.).

Municípios 1999 2005 Baía da Traição 161,6 89,2Mamanguape --- ---

Marcação 113,4 85,4Rio Tinto 50,7 25,5

Page 236: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

234

As péssimas condições de habitação e higiene são bastante visíveis em quase todas as

aldeias, fato agravado em função do empobrecimento dessa população. Normalmente os índios

constroem suas humildes casas com paredes revestidas de taipa (mistura de barro com pequenas

lascas de madeira) e tetos cobertos com telhas de cerâmica e/ou palhas de coqueiro, planta

abundante na região (Foto 49). Apesar de contarem com serviço de abastecimento de água tratada

da rede de distribuição (cerca de 71%), poucas são as casas que possuem esgoto ligado à rede

geral.

Os dados estatísticos apresentados na Tabela 11 demonstram que apesar dos progressos

observados nos últimos 20 anos, os municípios que compõem a região objeto dessa pesquisa ainda

exibem graves problemas sociais (torna-se oportuno salientar que a maior parte dos habitantes dos

municípios de Baía da Traição e Marcação é formada por índios Potiguaras).

TABELA 11 – REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE: ALGUNS INDICADORES SOCIAIS (2000)

Municípios/Estado Alguns Indicadores Sociais Baía da Traição Mamanguape Marcação Rio Tinto Paraíba

Esperança de Vida ao Nascer (anos) 61,4 58,3 57,8 58,3 63,2

Mortalidade Infantil (‰) 55,7 69,0 71,2 69,0 51,5 Renda Per Capita Média (R$) 72,5 99,3 52,7 97,3 150,2

Proporção de Pobres (%)* 71,6 65,2 79,9 60,3 55,3 Índice de Desenvolvimento

Humano 0,594 0,581 0,526 0,603 0,661

* Proporção de pessoas com renda per capita inferior a R$ 75,50, equivalente a metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000. Fonte: Adaptada de:

PNUD, 2003, apud RODRIGUES, Izilda A. (et al.). Perfis Social, Econômico e Ecológico da Área de Influência da APA da Barra do Rio Mamanguape (PB). In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005, p. 52.

Em relação ao item esperança de vida ao nascer (expectativa de vida medida em anos), os

4 municípios da região apresentaram uma média inferior ao verificado para o Estado da Paraíba,

que foi de 63,2 anos (dados de 2000). Enquanto Baía da Traição exibiu a melhor média da região

(61,4 anos), Marcação obteve o pior resultado (57,8 anos).

Quando foi analisado o item mortalidade infantil, percebeu-se novamente que apenas o

município de Baía da Traição aproximou-se da média do Estado, que foi de 51,5 crianças mortas

para cada grupo de 1000 nascidas vivas. Nos demais municípios a taxa de mortalidade foi bastante

elevada (superior a 68‰).

No que se refere ao indicador renda per capita média, todos os municípios demonstraram

valores bem abaixo do salário mínimo vigente no país naquela ocasião (R$ 151,00). Novamente

Marcação destacou-se como o município que apresentou a pior renda (apenas R$ 52,7) e a maior

proporção de pobres entre a população (cerca de 80%). Com efeito, os municípios que obtiveram a

melhor renda per capita (Mamanguape e Rio Tinto) registraram a menor proporção de pobres da

região em destaque. No entanto, quando se estabelece uma comparação entre a Zona da Mata

Page 237: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

235

Paraibana com outras mesorregiões do Estado (Agreste e Sertão, por exemplo), percebe-se

claramente que a proporção de pobres na população destas últimas é bem inferior ao observado na

primeira. Em outras palavras, a Zona da Mata é de longe a mais populosa, a que concentra a maior

riqueza e a que abriga a maior pobreza.

Por fim, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado a partir da combinação de

três indicadores – renda, longevidade e educação, revelou uma grande discrepância em relação ao

valor obtido pelo Estado (0,661). Dos quatro municípios em questão, apenas Rio Tinto ultrapassou

a marca de 0,600, ficando Marcação em último lugar com 0,526.

Foto 45 (centro) – Dona Maria da Silva, índia de 68 anos que reside em uma humilde casa na aldeia Galego (Baía da Traição). Foto 46 (canto superior esquerdo) – Aspecto de um pequeno roçado para cultivo da mandioca. Interior da Terra Indígena Potiguara, município de Baía da Traição.Foto 47 (canto superior direito) – A pesca é considerada uma importante fonte de sobrevivência para os índios Potiguaras. Ponto de venda localizado na sede municipal de Baía da Traição. Foto 48 (canto inferior esquerdo) – Pequena escola municipal localizada na aldeia Caieira, município de Marcação. Foto 49 (canto inferior direito) – Aspecto de uma pequena casa de pau-a-pique (taipa) com cobertura de telha de cerâmica. Aldeia Potiguara Caieira, município de Marcação. Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)

Page 238: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da organização espacial da região do baixo curso do rio Mamanguape representou

um grande desafio para a pesquisa em questão, uma vez que se trata de uma área que apresenta

diversas particularidades naturais (clima, solos, cobertura vegetal, recursos hídricos, geologia,

compartimentos geomorfológicos) e sociais (multiplicidade de atividades econômicas de uso da

terra). Neste último caso, pode-se afirmar ainda que a coexistência de grandes propriedades

monocultoras, de terras indígenas, de áreas de proteção ambiental e de um aglomerado urbano

onde se desenvolveu uma importante atividade industrial, faz com que esse vale se diferencie de

outros vales úmidos do Litoral Oriental do Nordeste, a exemplo dos rios Potengi e Ceará-Mirim

(Rio Grande do Norte), Camaratuba, Miriri e Paraíba do Norte (Paraíba), Goiana, Capibaribe, Una

e Ipojuca (Pernambuco), Mundaú, Coruripe, Paraíba do Meio e Jiquiá (Alagoas), entre outros.

O presente trabalho de tese se propôs a construir uma TIPOLOGIA DE FASES DA

DINÂMICA REGIONAL NO BAIXO MAMANGUAPE, como indicado nos objetivos. Para isto,

portanto, foi preciso ao longo da pesquisa responder a algumas questões, como as seguintes:

���� Qual o papel que a região do Baixo Mamanguape desempenhou no passado, em termos de

poder político e econômico?

���� Quais as atividades econômicas que foram responsáveis pela organização do espaço ao longo

dos séculos?

���� Quais os fatores endógenos e exógenos responsáveis pela estagnação econômica da região em

tela, e quais as conseqüências sociais, políticas e demográficas resultantes desse processo?

���� Quais os principais impactos ambientais decorrentes das formas de ocupação e uso do solo?

���� Qual a importância dos agentes públicos no trabalho de reordenamento espacial, ou seja, na

criação de áreas institucionalizadas (reservas do patrimônio ambiental e terras indígenas)?

���� Quais as relações estabelecidas entre essa região e as demais áreas do Estado da Paraíba, da

região Nordeste e do Brasil como um todo?

���� É possível falar de uma “velha região”, quando nos referimos ao Baixo Mamanguape? Ou será

que esse fenômeno geográfico é apenas algo aparente?

Baseado na literatura e na iconografia existentes; nos dados estatísticos fornecidos pelo

IBGE (Censos Demográficos e Econômicos), FUNAI e FUNASA; nas informações obtidas a partir

do levantamento cartográfico e também nos depoimentos colhidos nos trabalhos de campo,

pretendeu-se construir uma tipologia capaz de explicar a dinâmica da região em foco. Não

obstante, o entendimento dessa dinâmica passa, inevitavelmente, pela compreensão dos fenômenos

espaciais responsáveis pela ligação dessa área com os mercados externos (articulação entre o local

e o global).

Page 239: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

237

De acordo com CASTELLS (2009, p. 35), para ler e interpretar esta história, para descobrir

suas leis de estruturação e de transformação, é necessário decompor, pela análise teórica, o que é

dado numa síntese prática. Contudo, é importante fixar os contornos históricos desses fenômenos,

antes mesmo de efetuar sua investigação.

Partindo dessas considerações, levantamos a seguinte hipótese:

A história das chamadas relações entre sociedade e natureza é, em quase todos os lugares

habitados, a da substituição de um meio natural, dado a uma determinada sociedade, por um meio

cada vez mais artificializado, isto é, sucessivamente instrumentalizado por essa mesma sociedade

(SANTOS, 1997, p. 186). Especificamente falando, na região do Baixo Mamanguape foi possível

construir uma tipologia baseada em 6 (seis) fases. São elas:

Fase 1: O Litoral era habitado por grupos indígenas tradicionais (Tabajaras e Potiguaras)

Antes da chegada dos colonizadores nas terras paraibanas, dezenas de grupos nativos semi-

nômades viviam espalhados pelo Litoral, onde praticavam o extrativismo (caça, pesca, coleta) e a

agricultura de subsistência (roçado). Por não apresentarem recursos técnicos sofisticados suas

ações eram bastante limitadas, de modo que pouco contribuíam para a transformação do espaço

circundante. Além disso, havia entre eles uma relação de profunda reverência diante da natureza,

conforme aponta SANTOS (1997, p. 188): a harmonia socioespacial estabelecida era, desse modo,

respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a

sociedade criava também uma série de comportamentos e regras, cuja razão maior era a

preservação e a continuidade do meio de vida. Ainda sobre esse aspecto, TUAN (1980, p. 72-73)

acrescenta que os povos nativos desenvolviam atitudes complexas derivadas da imersão que

faziam na totalidade de seu ambiente. Essas atitudes podiam ser expressas através do

comportamento, da tradição local, do conhecimento e do mito, e eram responsáveis pela

sacralização do espaço (natureza como dádiva). Toda essa reciprocidade, no entanto, passou a ser

rompida com a chegada dos povos alóctones.

Fase 2: O Litoral passou a ser visto como importante reserva de matérias-primas

No final do século XVI o baixo vale do rio Mamanguape despertou a cobiça dos franceses,

interessados na coleta do pau-brasil (Caesalpinia echinata). Essa exploração, no dizer de

ANDRADE (1957-b, p. 25-26), teve como ponto de partida a praia de Baía da Traição, situada entre as

desembocaduras dos rios Mamanguape (ao sul) e Camaratuba (ao norte). Além disso, ela foi realizada

desenfreadamente, com caráter de verdadeira devastação, provocando o esgotamento da madeira

nas poucas matas litorâneas que circunscreviam os vales dos rios. Em virtude dessas características

não houve por parte dos franceses e, logo depois, dos portugueses a ocupação do solo, mas apenas

a sua exploração de modo itinerante. Nesse momento é possível perceber que a região não existia

Page 240: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

238

enquanto fração do espaço organizado, uma vez que o colonizador não havia instalado o seu

“aparelho de exploração” (ANDRADE, 1979, p. 12).

Fase 3: A Região do Baixo Mamanguape foi forjada com base nas atividades econômicas

introduzidas pelos colonizadores (a cana-de-açúcar e a pecuária extensiva)

O Baixo Mamanguape como forma regional geográfica (região de especulação, no dizer

Bernardo Kayser) resultou, a princípio, da montagem de uma estrutura espacial produtiva no

contexto colonial exportador do açúcar. A gravitação da cana-de-açúcar em torno dos solos de

aluvião dos vales e a concentração produtiva e demográfica resultante produziram uma

denominação regional com base no próprio curso d’água, o rio. Este exerceu importante papel no

transporte da produção (cabotagem), de sorte que se pôde verificar uma estreita vinculação entre os

assentamentos humanos (cluster econômico e demográfico) e a rede de drenagem, à época.

Vale lembrar que durante essa fase a cana-de-açúcar não constituía a atividade econômica

dominante no baixo vale, uma vez que dividia espaço com outras culturas agrícolas (notadamente

o algodão e a mandioca) e com a pecuária bovina, atividades que ocupavam as superfícies arenosas

dos tabuleiros costeiros e eram responsáveis pelo fornecimento de animais de tiro (animais de

tração) para as atividades rurais e de alimentos para os habitantes dos engenhos e das cidades

litorâneas que não paravam de crescer.

Fase 4: A crise política e econômica, o progresso técnico e a nova dinâmica regional

A inauguração da estrada de ferro ligando a capital ao interior da Província da Paraíba no

ano de 1883, concorreu para a progressiva desarticulação do porto de Salema, localizado na cidade

de Mamanguape. Esse fato teve repercussões negativas sobre toda a região do baixo vale,

provocando a estagnação política e econômica da cidade supracitada uma vez que toda a produção

dos municípios localizados no Agreste setentrional era escoada por via fluvial.

Por outro lado, o final do século XIX e início do XX vão marcar a fase do desenvolvimento

industrial, fato que contribuiu para que a região do Baixo Mamanguape recuperasse um pouco do

prestígio que manteve durante vários séculos. Em primeiro lugar, a cana-de-açúcar tornou-se a

principal atividade econômica do médio e do baixo vale, inaugurando a substituição dos bangüês

pelos engenhos movidos a vapor. Com efeito, mesmo contando com grandes progressos técnicos o

rio ainda determinava a localização dessas unidades produtivas, conforme destacou Mário Lacerda

de MELO (1958, p. 98):

“A rêde hidrográfica, além da função de criadora das várzeas e mantenedora de sua fertilidade, criaria os sítios mais apropriados para a localização das inúmeras unidades industriais rurais que a agricultura canavieira necessàriamente acarreta. A vegetação de mata, além de sua contribuição para a formação dos solos, iria suprir de combustível essa

Page 241: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

239

indústria e de madeira o conjunto inteiro das instalações humanas criadas em função da cana e do açúcar.”

Em segundo lugar, verificou-se o advento do ciclo têxtil, representado pela inauguração da

Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT) no ano de 1924, empresa pertencente à poderosa família

Lundgren. Esse ciclo, na verdade, reforçou o cluster econômico e demográfico que atravessou as

décadas até a crise agrária e regional dos decênios 1950/1960, ocasião em que a região se

transformou novamente em uma zona de emigração, em uma região deprimida no dizer de

JOHNSTON et al. (1987, p. 357), motivada também pelo processo de urbanização/industrialização

que acabara de se consolidar no Brasil Meridional.

Fase 5: A expansão recente da cultura da cana-de-açúcar e os seus impactos sobre a região

A partir de meados da década de 1970, o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL)

iniciou a valorização econômica dos tabuleiros costeiros e subcosteiros graças aos aprimoramentos

das tecnologias de produção, cujos efeitos vão ser percebidos na paisagem natural (degradação da

cobertura vegetal original, extinção das espécies animais, poluição dos recursos hídricos,

contaminação e erosão acelerada dos solos, etc.) e nas relações sociais (expropriação dos pequenos

produtores, índios e posseiros, concentração da terra e da renda, aumento do número de conflitos,

crescimento das periferias das cidades devido ao movimento migratório, etc.). Vale salientar que

nesse mesmo período o ciclo têxtil começou a mostrar sinais de esgotamento, até que culminou

com o seu fechamento no final da década de 1980. Entretanto, o assentamento permaneceu por

inércia, como zona de emigração, e as cidades do baixo vale transformam-se lentamente em locais

de fraca disseminação das atividades terciárias – pequeno comércio varejista e serviços em geral

(pequenos hotéis e pousadas, restaurantes, bancos, escolas, universidades, hospitais, postos de

saúde, etc.).

Fase 6: A institucionalização de áreas de proteção ambiental

O início da década de 1970 foi marcado também pela criação, por parte dos agentes

públicos, de áreas de proteção permanente (Terras Indígenas Potiguara). Mais tarde, nos

primórdios da década de 1990, foi criada também a Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio

Mamanguape, Unidade de Conservação da Natureza classificada na categoria Uso Sustentável dos

Recursos. Esses fatos, na verdade, tiveram como pano de fundo as deliberações tomadas a partir

dos fóruns mundiais em defesa do patrimônio natural e cultural. A Primeira Conferência sobre

Meio Ambiente Humano, realizada na cidade de Estocolmo no ano de 1972, pode ser considerada

um marco histórico nesse processo de mudança de postura diante das questões ambientais.

A análise dessas fases permite-nos um melhor entendimento sobre a dinâmica da

organização espacial na região em apreço. Por isso que elas não devem ser vistas de maneira

Page 242: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

240

estática, nem muito menos dissociadas da totalidade que as envolve e as condiciona, conforme

preceitua os fundamentos do método ESTRUTURALISTA. Com base nessa compreensão, talvez

tenhamos condições de responder a um questionamento feito no início do texto, qual seja: é

possível falar de uma “velha região”, quando nos referimos ao Baixo Mamanguape? Ou será que

esse fenômeno geográfico é apenas algo aparente?

Em certa medida, o Baixo Mamanguape representa uma velha região decadente em que a

oligarquia agrária, comercial e industrial já não desfruta do mesmo poder político e econômico de

outrora. Esse fato pode ser constatado quando percorremos as ruas históricas das cidades de

Mamanguape e Rio Tinto, cujos casarões e outras edificações (barracões, instalações fabris,

espaços de lazer, etc.) que ainda restam na paisagem servem apenas de testemunho daquele

passado de esplendor e riqueza. Os elevados índices de desemprego, a presença de uma população

envelhecida nas portas das pequenas residências e a baixa taxa de crescimento demográfico

também denunciam essa situação.

Por outro lado, os acontecimentos ligados aos períodos de expansão da cultura da cana-de-

açúcar, à institucionalização de áreas protegidas, à disseminação das práticas de turismo de

veraneio (residências secundárias) e à criação de unidades de ensino da Universidade Federal da

Paraíba (Campus do Litoral Norte) evidenciam as fases mais recentes da dinâmica regional,

oportunidade em que novos agentes sociais, novos conflitos e novos interesses passaram a fazer

parte da realidade desse conjunto territorial denominado Baixo Mamanguape.

Com efeito, a experiência adquirida ao longo dessa pesquisa de tese permitiu que

fizéssemos algumas propostas para amenizar os problemas sociais e ambientais da região. São

elas:

���� Ampliar a política de reforma agrária com o propósito de diminuir a concentração da renda e da

terra, a pobreza que impera sobre parcela significativa da população e atenuar os efeitos

decorrentes do elevado saldo migratório e da baixa taxa de crescimento demográfico verificado

nas três últimas décadas. Vale ressaltar ainda que o incentivo dado à agricultura familiar

contribui para aumentar a oferta de alimentos destinada à população de baixa renda,

minimizando os efeitos da subnutrição que atinge, sobretudo, as crianças;

���� Promover melhorias no interior das aldeias em relação à habitação, ao saneamento básico, à

saúde, à educação e à geração de renda. Recuperar as áreas degradadas a partir da retirada das

grandes plantações de cana-de-açúcar e dos viveiros de criação de camarão, ao mesmo tempo

em que estimular as atividades econômicas tradicionais (lavoura de subsistência, criação de

pequenos animais, pesca artesanal, etc.);

���� Revitalizar a atividade industrial têxtil com base em pequenas e médias unidades de produção,

capazes de absorver expressivo contingente de trabalhadores. Torna-se oportuno destacar que a

Page 243: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

241

cidade de Rio Tinto foi originada a partir do desenvolvimento desse segmento industrial, fato

este que reforça a sua vocação no cenário regional;

���� Incentivar as práticas do turismo sustentável, aproveitando as imensas potencialidades que a

região oferece aos visitantes (patrimônio cultural, arquitetônico e natural) e integrando as

populações tradicionais nesses programas – índios, agricultores, pescadores, antigos moradores

e operários da fábrica de tecidos. Apesar de constituir uma atividade econômica sazonal, o

turismo poderá gerar importante receita para os municípios envolvidos;

���� Favorecer o desenvolvimento racional da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio

Mamanguape, de modo que as populações possam usufruir das riquezas naturais existentes

nesse vasto ecossistema costeiro;

���� O desenvolvimento dessas propostas deve contar com a participação de vários segmentos:

sociedade civil, organizações não-governamentais, associações de classe, igrejas, partidos

políticos e, sobretudo, dos agentes públicos em suas três instâncias – federal, estadual e

municipal. Esses agentes, por sua vez, devem incentivar a ampliação de linhas de crédito

compatíveis com a realidade local (fomento às atividades produtivas); a criação de

cooperativas de trabalhadores na cidade e no campo; o fornecimento de assistência técnica e de

cursos de formação e qualificação da mão-de-obra; a implantação de projetos de educação e

conscientização ambiental, etc.;

���� Por fim, torna-se premente a compreensão dos problemas oriundos da superposição de

territórios, uma vez que existem vários recortes espaciais que se interpenetram – as malhas

territoriais municipais (divisões administrativas), as malhas territoriais urbanas (perímetros

urbanos), o imenso território indígena Potiguara e a área de proteção ambiental (APA da Barra

do Rio Mamanguape), dificultando a ação dos respectivos agentes na condução de estratégias

de desenvolvimento sócio-ambiental. No interior dessa Unidade de Conservação, por exemplo,

é possível visualizar a falta de entendimento entre os dois órgãos federais que atuam na região:

o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a

Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Destarte, gostaríamos de finalizar este trabalho de tese citando as sábias palavras de Jean

Dorst, grande naturalista francês e um dos maiores defensores da natureza.

“Poder-se-ia quase dizer, de um modo paradoxal, que o mais urgente problema colocado hoje em dia pela conservação da natureza é a proteção da nossa espécie contra ela mesma: o Homo sapiens precisa ser protegido contra o Homo faber. (...) A luta pela natureza deve realizar-se atualmente em todas as frentes, mas esta não deve ser preservada contra o homem; no mundo moderno, deve ser preservada para ele e com ele. A verdadeira solução desse problema reside num aproveitamento racional, numa utilização sem abusos.” (DORST, op. Cit., p. 114).

Page 244: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, Ricardo. O Que é Fome. São Paulo: Brasiliense, 9ª edição, 1991 (Coleção Primeiros Passos, nº 102).

ACRE. Governo do Estado. Fundação Cultural. Memorial Casa do Seringueiro. Rio Branco, 1998.

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e Outras Artes. Recife: Massangana; São Paulo: Cortez, 3ª edição, 2006.

ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de (et al.). Atlas Histórico Escolar. Rio de Janeiro: FAE, 8ª edição, 1988.

ALMEIDA, Horácio de. História da Paraíba. João Pessoa: Universitária/UFPB; Conselho Estadual de Cultura, 3ª edição, Tomo 1, 1997 (Coleção Biblioteca Paraibana, nº 18).

ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e Seus Problemas. Brasília: Senado Federal, 4ª edição, 1994.

ALVIM, Rosilene. A Sedução da Cidade: os operários-camponeses e a fábrica dos Lundgren. Rio de Janeiro: Graphia, 1997.

ANDRADE, Gilberto Osório de e LINS, Rachel Caldas. Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste do Brasil. In: Revista Arquivos. Recife: Instituto de Ciências da Terra, nºs. 3 e 4, fevereiro a junho de 1965.

ANDRADE, Gilberto Osório de e LINS, Rachel Caldas. Os Climas do Nordeste. In: Notas e Comunicações de Geografia. Recife: UFPE/DCG, Série B, Textos Didáticos nº 11, dezembro de 1992.

ANDRADE, Gilberto Osório de. Alguns Aspectos do Quadro Natural do Nordeste. Recife: SUDENE, 1977(Série Estudos Regionais, nº 2).

ANDRADE, Gilberto Osório de. Os Rios do Açúcar do Nordeste Oriental: o rio Paraíba do Norte. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Volume 3, 1957-a.

ANDRADE, Manuel Correia de. A Questão do Território no Brasil. São Paulo: Hucitec; Recife: Ipesp, 1995 (Coleção Geografia: teoria e realidade, nº 29).

ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o Homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. São Paulo: Cortez, 7ª edição, 2005.

ANDRADE, Manuel Correia de. Área do Sistema Canavieiro. Recife: SUDENE, 1988-b (Série Estudos Regionais, nº 18).

ANDRADE, Manuel Correia de. Espaço, Polarização e Desenvolvimento: uma introdução à economia regional. São Paulo: Atlas, 7ª edição, 1990.

ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia – Ciência da Sociedade: uma introdução à análise do pensamento geográfico. São Paulo: Atlas, 1987.

ANDRADE, Manuel Correia de. O Desafio Ecológico: utopia e realidade. São Paulo: Hucitec, 1994 (Coleção Geografia: teoria e realidade, nº 24).

ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a Questão Regional. São Paulo: Ática, 1988-a (Série Princípios).

ANDRADE, Manuel Correia de. O Processo de Ocupação do Espaço Regional do Nordeste. Recife: SUDENE, 2ª edição, 1979 (Série Estudos Regionais, nº 1).

Page 245: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

243

ANDRADE, Manuel Correia de. Os Rios do Açúcar do Nordeste Oriental: o rio Mamanguape. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, Volume 2, 1957-b.

ANDRADE, Manuel Correia de. Poder Político e Produção do Espaço. Recife: Massangana, 1984 (Série Estudos e Pesquisas, nº 30).

ANDRIGHETTI, Yná. Nordeste: mito & realidade. São Paulo: Moderna, 1998 (Coleção Polêmica).

ARAÚJO, Tania Bacelar de. Nordeste, Nordestes: que Nordeste? In: AFFONSO, Rui de Britto Álvares e SILVA, Pedro Luiz Barros (Organizadores). Desigualdades Regionais e Desenvolvimento. São Paulo: Unesp, 1995.

ARRUDA, José Jobson de A. Atlas Histórico. São Paulo: Ática, 14ª edição, 1996.

ART, Henry W. (Editor). Dicionário de Ecologia e Ciências Ambientais. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

ASSIS, Abelci Daniel de. Geologia. In: PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria de Educação e Cultura/Universidade Federal da Paraíba. Atlas Geográfico do Estado da Paraíba. João Pessoa: Grafset, 1985.

AYOADE, J. O. Introdução à Climatologia para os Trópicos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 8ª edição, 2002.

AZEVEDO, Lorisa Maria Pinto e MOREIRA, Rita de Cássia. Climatologia. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981.

BARBOSA FILHO, Manuel. Introdução à Pesquisa: métodos, técnicas e instrumentos. João Pessoa: União, 3ª edição, 1994.

BARROS, Amélia de Farias Panet. Rio Tinto – História, Arquitetura e Configuração Espacial. In: _______ (et al.). Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: Universitária/UNIPÊ, 2002.

BARROS, Nilson Cortez Crocia de. Delgado de Carvalho e a Geografia no Brasil como Arte da Educação Liberal. In: Revista Estudos Avançados. São Paulo: USP, Volume 22, nº 62, janeiro a abril de 2008.

BARROS, Nilson Cortez Crocia de. Ensaio Sobre Renovações Recentes na Geografia Humana. In: Revista Mercator. Fortaleza: UFCE, Volume 2, nº 4, 2003.

BARROS, Nilson Cortez Crocia de. Especiação, Região, Progresso e Política Cultural na Antropogeografia de Frederico Ratzel. In: Revista Geografia. Rio Claro: UNESP, Volume 31, nº 3, setembro a dezembro de 2006-b.

BARROS, Nilson Cortez Crocia de. Manual de Geografia do Turismo: meio ambiente, cultura e paisagens. Recife: Universitária/UFPE, 1998.

BARROS, Nilson Cortez Crocia de. Quatro Comentários Sobre Paisagem e Região. In: SÁ, Alcindo José de e CORRÊA, Antonio Carlos de Barros (Organizadores). Regionalização e Análise Regional: perspectivas e abordagens contemporâneas. Recife: Universitária/UFPE, 2006-a.

BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 4ª edição, 2005.

BERNARDES, L. Organização Regional do Brasil. Brasília: Senado Federal, sem data.

BEZZI, Meri Lourdes. Região: uma (re) visão historiográfica – da gênese aos novos paradigmas. Santa Maria: Universitária/UFSM, 2004.

Page 246: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

244

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

BOTELHO, Ângela Vianna e REIS, Liana Maria. Dicionário Histórico Brasil: Colônia e Império. Belo Horizonte: Autêntica, 6ª edição, 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ªedição, 1997.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Brasília, 2010-a. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/municipios.asp; Acessado em 06 de abril de 2010.

BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste: desafios e possibilidades para o Nordeste do século XXI. Recife: ADENE/I ICA, Documento de Base nº 4, 2006-a.

BRASIL. Ministério da Justiça. Fundação Nacional do Índio. Mapa: Brasil – Situação Fundiária Indígena. Brasília: FUNAI, 2006-b.

BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Relatório Preliminar de Desenvolvimento Integrado: município de Mamanguape – Paraíba. Recife: SUDENE, outubro de 1973.

BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Recife: SUDENE, 1974.

BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Carta Topográfica: Rio Tinto. Recife: SUDENE, Escala 1:25.000, 1ª edição, 1974 (Índice de Nomenclatura: Folha SB.25-Y-A-V-4-NE).

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC): Lei Federal nº 9.985/2000. Brasília, 2000.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente/Ministério da Educação e Cultura/Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Manual de Educação para o Consumo Sustentável. Brasília, 2005.

BRASIL. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Federal nº 6.001/1973. Brasília, 2010-b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/16001.htm; Acessado em 20 de maio de 2010.

BRAZÃO, José Eduardo Mathias e SANTOS, Manoel Messias. Vegetação. In: IBGE. Recursos Naturais e Meio Ambiente: uma visão do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2ª edição, 1997.

BUENO, Eduardo. Brasil: uma história – a incrível saga de um país. São Paulo: Ática, 2ª edição, 2003.

BUENO, Ricardo. Pró-Álcool: rumo ao desastre. Petrópolis: Vozes, 1981.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (Re) Produção do Espaço Urbano. São Paulo: Edusp, 1994.

CARVALHO, Maria Gelza R. Fernandes de. Estado da Paraíba: classificação geomorfológica. João Pessoa: Universitária/UFPB, 1982.

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª edição, 2009 (Coleção Pensamento Crítico, Volume 48).

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede – A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 6ª edição, Volume 1, 1999.

Page 247: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

245

CATANI, Afrânio Mendes. O Que é Imperialismo. São Paulo: Brasiliense, 9ª edição, 1994 (Coleção Primeiros Passos, nº 35).

CAVER, David Ortega. Diccionario Portugués-Español. Barcelona: Ramón Sopena, 1966.

CHRISTOFOLETTI, Antônio. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 2ª edição, 1980.

CHRISTOFOLETTI, Antônio. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo: Edgard Blücher, 1999.

CLAVAL, Paul. A Revolução Pós-Funcionalista e as Concepções Atuais da Geografia. In: MENDONÇA, Francisco e KOZEL, Salete (Organizadores). Elementos de Epistemologia da Geografia Contemporânea. Curitiba: Universitária/UFPR, 2003 (Série Pesquisa).

CLAVAL, Paul. Evolución de la Geografía Humana. Barcelona: Oikos-tau, 4ª edição, 1974.

COELHO NETTO, Ana Luiza. Hidrologia de Encosta na Interface com a Geomorfologia. In: GUERRA, Antônio José Teixeira e CUNHA, Sandra Baptista da (Organizadores). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2ª edição, 1995.

COHN, Amélia. Crise Regional e Planejamento. São Paulo: Perspectiva, 1976.

CONTI, José Bueno e FURLAN, Sueli Angelo. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, Jurandyr Luciano Sanches (Organizador). Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 3ª edição, 2000.

CONTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 6ª edição, 1991.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 5ª edição, 1995 (Série Princípios).

CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 3ª edição, 2005.

CORREIA, Telma de Barros. A Indústria e o Hábitat Operário no Brasil. In: BARROS, Amélia de Farias Panet (et al.). Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: Universitária/UNIPÊ, 2002.

COSTA, Adailton Coelho. Mamanguape: a fênix paraibana. Campina Grande: Grafset, 1986.

COSTA, Francisco Fábio Dantas da e FERREIRA, Alriberto Dourado. As Condições de Vida e Trabalho das Famílias Residentes no Projeto de Colonização Quixadá e no Projeto de Assentamento Agroextrativista Santa Quitéria – Acre, Brasil. Rio Branco: UFAC/DG/LAGET, 2000 (Relatório de Pesquisa. PIBIC/CNPq/UFAC).

COSTA, Francisco Fábio Dantas da. A Dinâmica da Paisagem no Litoral Sul da Paraíba: o caso de Pitimbu. Recife, 1998, 175 p. (Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Geografia. Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco).

COSTA, Francisco Fábio Dantas da. A Expansão das Fronteiras Econômicas para a Amazônia: novos territórios, novos conflitos, novos atores. In: Anais do Seminário Luso-Brasileiro-Caboverdiano. João Pessoa, Paraíba, 2006 (Eixo Temático 3 – Política Agrária e Novas Territorialidades).

DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. População e Açúcar no Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Alimentação, 1954.

DOLFUS, Olivier. L’Analyse Géographique. Paris: Presses Universitaires, 1973 (Collection Que Sais-je?, nº 1456).

DOLFUS, Olivier. L’Espace Géographique. Paris: Presses Universitaires, 3ª edição, 1978 (Collection Que Sais-je?, nº 1390).

Page 248: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

246

DORST, Jean. Antes Que a Natureza Morra: por uma ecologia política. São Paulo: Edgard Blücher, 1973.

DUARTE, Aluizio Capdeville. Regionalização: considerações metodológicas. In: Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro: Associação de Geografia Teorética, Volume 10, nº 20, 1980.

EGLER, Cláudio Antônio Gonçalves. Os Impactos do Proálcool na Paraíba. In: Cadernos Codecit. João Pessoa: Coordenadoria de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Volume 2, 1984.

ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Lisboa: Presença, 1980.

FAUSTINO NETO, Manoel (et al.). Capacidade de Uso dos Recursos Naturais Renováveis. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981.

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. A Civilização do Açúcar: séculos XVI a XVIII. São Paulo: Brasiliense, 5ªedição, 1988 (Coleção Tudo é História, nº 88).

FERNANDES NETO, Albertino. Literatura Brasileira: fases e mestres. Salvador, 2006. Disponível em: http://www.paralerepensar.com.br/literatura_bras.htm; Acessado em 08 de agosto de 2008.

FERRARI, Celson. Dicionário de Urbanismo. São Paulo: Disal, 2004.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio Eletrônico da Língua Portuguesa –Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Versão 3.0, 1999.

FONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Porto: Domingos Barreira, sem data.

FRÈMONT, Armand. A Região, Espaço Vivido. Coimbra: Almedina, 1983.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 34ª edição, 1998.

FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste doBrasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 4ª edição, 1967.

FRIEDMANN, John R. P. Introdução ao Planejamento Regional. Rio de Janeiro: FGV, 1960 (Cadernos de Administração Pública, nº 51).

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 24ª edição, 1991 (Coleção Biblioteca Universitária, Série 2; Ciências Sociais, Volume 23).

GADOTTI, Moacir. Educar para uma Cultura de Sustentabilidade. In: INSTITUTO ECOFUTURO. A Vida Que a Gente Quer Depende do Que a Gente Faz. São Paulo: Ecofuturo, 2007. Disponível em: http://www.omelhorlugardomundo.org.br; Acessado em 15 de março de 2009.

GATTO, Carmelita Maria Pithon Pereira (et al.). Geologia. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981.

GEIGER, Pedro Pinchas. Regionalização. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 31, nº 1, janeiro a março de 1969.

GEORGE, Pierre. Geografia Industrial do Mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 7ª edição 2005.

GEORGE, Pierre. Os Métodos da Geografia. São Paulo: Difel, 1980 (Coleção Saber Atual, nº 151).

Page 249: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

247

GIRARDI, Gisele e VAZ ROSA, Jussara. Novo Atlas Geográfico do Estudante. São Paulo: FTD, 2005.

GOMES, Paulo César da Costa. O Conceito de Região e sua Discussão. In: CASTRO, Iná Elias de (et al.)(Organizadores). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 7ª edição, 2005.

GREBE, Paul e STREITBERG, Gerhart. Der Grobe Duden. Mannheim: Dudenverlag des Bibliographischen Instituts, 1993.

GRISI, Breno Machado. Glossário de Ecologia e Ciências Ambientais. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2ªedição, 2000.

GUELKE, Leonard. Geografia Regional. In: CHRISTOFOLETTI, Antônio (Organizador). Perspectivas da Geografia. São Paulo: Difel, 2ª edição, 1985.

GUERRA, Antônio Teixeira e GUERRA, Antônio José Teixeira. Novo Dicionário Geológico-Geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 4ª edição, 2005.

GUIMARÃES, Fábio de Macedo Soares. Divisão Regional do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 3, nº 2, abril a junho de 1941.

HAESBAERT, Rogério. “Gaúchos” e Baianos no “Novo” Nordeste: entre a globalização econômica e a reinvenção das identidades territoriais. In: CASTRO, Iná Elias de (et al.) (Organizadores). Brasil: questões atuais da reorganização do território. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

HARTSHORNE, Richard. Propósitos e Natureza da Geografia. São Paulo: Hucitec/Edusp, 2ª edição, 1978(Coleção Geografia: teoria e realidade).

HECKENDORFF, Wolf Dietrich e LIMA, Paulo José de. Climatologia. In: PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria de Educação e Cultura/Universidade Federal da Paraíba. Atlas Geográfico do Estado da Paraíba. João Pessoa: Grafset, 1985.

HEES, Dora Rodrigues. Os Povos da Floresta, os Imigrantes e os Modelos de Ocupação Territorial: impactos e alternativas. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 52, nº 3, julho a setembro de 1990.

HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 4ª edição, 1986 (Coleção Ensaios de Economia, nº 1).

HUMBOLDT, Alexandre von. Quadros da Natureza. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, Volume 1, 1952(Coleção Clássicos Jackson).

IBGE. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2003.

IBGE. Atlas Geográfico Escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

IBGE. Atlas Nacional do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2001.

IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1960, 1970, 1980, 1985, 1996 e 2006.

IBGE. Censos Demográficos da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1991 e 2000.

IBGE. Contagem da População da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.

IBGE. Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: IBGE, 2ª edição, 2004.

ICMBIO. Boletim da Estatística da Perca Marítima e Estuarina do Nordeste do Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1999 e 2005.

JATOBÁ, Lucivânio e LINS, Rachel Caldas. Introdução à Geomorfologia. Recife: Bagaço, 2ª edição, 1998.

Page 250: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

248

JATOBÁ, Lucivânio. As Mudanças Climáticas do Quaternário e suas Repercussões no Relevo do Mundo Tropical. Recife: UFPE/DCG, 1993.

JOFFILY, Irenêo. Notas Sobre a Parahyba. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1892.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

JOHNSTON, Richard J. (et al.) (Organizadores). Diccionario de Geografía Humana. Madrid: Alianza, 1987.

JOHNSTON, Richard J. Geografia e Geógrafos: a Geografia Humana anglo-americana desde 1945. São Paulo: Difel, 1986.

LA BLACHE, Paul Vidal de. As Características Próprias da Geografia. In: CHRISTOFOLETTI, Antônio (Organizador). Perspectivas da Geografia. São Paulo: Difel, 2ª edição, 1985.

LA BLACHE, Paul Vidal de. Princípios de Geografia Humana. Lisboa: Cosmos, 1954.

LACOSTE, Yves. A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988.

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas, 2000.

LAROUSSE DICTIONNAIRE DU FRANÇAIS CONTEMPORAIN. Paris: Larousse, 1971.

LEINZ, Viktor e AMARAL, Sérgio Estanislau do. Geologia Geral. São Paulo: Nacional, 9ª edição, 1985.

LENCIONI, Sandra. Região e Geografia: a noção de região no pensamento geográfico. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Organizadora). Novos Caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 1999 (Coleção Caminhos da Geografia).

MABESOONE, Jannes Markus e SILVA, Jadiel da Cunha e. Aspectos Geomorfológicos. In: Estudos Geológicos. Recife: Volume 10, 1991 (Série B – Estudos e Pesquisas).

MARIANO NETO, Belarmino. Ecologia e Imaginário: memória cultural, natureza e submundialização. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2001.

MARINHO, Eduardo Galliza do Amaral. Geomorfologia da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape e Adjacências, no Estado da Paraíba: subsídios ao zoneamento geo-ambiental. João Pessoa, 2002, 194 p. (Dissertação do Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba).

MARIZ, Celso. Evolução Econômica da Paraíba. João Pessoa: A União, 2ª edição, 1978.

MARQUES, Amanda Christinne Nascimento. Território de Memória e Territorialidades da Vitória dos Potiguara da Aldeia Três Rios. João Pessoa, 2009, 217 p. (Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Geografia. Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba).

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Sobre o Colonialismo. Lisboa: Estampa, 1978.

MELLO, José Octávio de Arruda. Arqueologia Industrial e Cotidiano em Rio Tinto. In: BARROS, Amélia de Farias Panet (et al.). Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: Universitária/UNIPÊ, 2002.

MELLO, José Octávio de Arruda. História da Paraíba: lutas e resistência. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2ª edição, 1995.

Page 251: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

249

MELO, Antônio Sérgio Tavares de e RODRIGUEZ, Janete Lins. Paraíba: desenvolvimento econômico e a questão ambiental. João Pessoa: Grafset, 2003.

MELO, Mário Lacerda de. Áreas de Exceção da Paraíba e dos Sertões de Pernambuco. Recife: SUDENE, 1988 (Série Estudos Regionais, nº 19).

MELO, Mário Lacerda de. O Açúcar e o Homem: problemas sociais e econômicos do Nordeste canavieiro. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1975 (Série Estudos e Pesquisas, nº 4).

MELO, Mário Lacerda de. Paisagens do Nordeste em Pernambuco e Paraíba. Rio de Janeiro: CNG, 1958.

MELO, Mário Lacerda de. Regionalização Agrária do Nordeste. Recife: SUDENE, 1978 (Série Estudos Regionais, nº 3).

MONBEIG, Pierre. Novos Estudos de Geografia Humana Brasileira. São Paulo: Difel, 1957.

MONTEIRO, Zuleide Domiciano Cabral (et al.). Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Potiguara. João Pessoa: FUNASA, 2006.

MORAES, Antonio Carlos Robert de. Contribuições para a Gestão da Zona Costeira do Brasil: elementos para uma Geografia do Litoral Brasileiro. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999 (Coleção Geografia: teoria e realidade, nº 47).

MORAES, Antonio Carlos Robert de. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 9ª edição, 1990 (Coleção Geografia: teoria e realidade, nº 8).

MORAIS, Clodomir Santos de. História das Ligas Camponesas do Brasil. In: STEDILE, João Pedro (Organizador). História e Natureza das Ligas Camponesas. São Paulo: Expressão Popular, 2002.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes (et al.). Espaço Agrário, Condições de Vida e Saúde do Trabalhador. In: MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes e WATANABE, Takako (Organizadoras). Ambiente, Trabalho e Saúde. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2006.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes (et al.). Zona da Mata Paraibana: reestruturação do setor sucro-alcooleiro, reforma agrária e paisagem rural. In: Cadernos do Logepa. João Pessoa: UFPB/DGEOC, Volume 2, nº 1, janeiro a abril de 2003.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes e TARGINO, Ivan. Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa: Universitária/UFPB, 1997.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa: Universitária/UFPB, 1997-a.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João Pessoa: Gaplan, 1988.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Por um Pedaço de Chão. João Pessoa: Universitária/UFPB, Volume 1, 1997-b.

MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Situação e Localização. In: PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria de Educação e Cultura/Universidade Federal da Paraíba. Atlas Geográfico do Estado da Paraíba. João Pessoa: Grafset, 1985.

NEVES, Mary Carla Marcon. Gestão da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape (PB) – Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável. In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005.

Page 252: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

250

NEVES, Silvana Moreira. Análise Geo-ambiental do Litoral Sul da Paraíba: Pitimbu-Caaporã. Recife, 1993, 137 p. (Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Geografia. Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco).

NIMER, Edmon. Climatologia da Região Nordeste do Brasil: introdução à climatologia dinâmica. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 34, nº 2, abril a junho de 1972.

OXFORD ADVANCED LEARNER’S DICTIONARY OF CURRENT ENGLISH. Oxford: University Press, 1990.

PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais. Monitoramento do Clima: período chuvoso 2003/2004/2005. João Pessoa: AESA, 2006.Disponível em: http://www2.aesa.pb.gov.br/meteoro/chuvas; Acessado em 15 de agosto de 2006.

PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais. Proposta de Instituição do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte. João Pessoa: SEMARH, 2004. Disponível em: http://www.aesa.pb.gov.br/comites/litoral_norte/proposta.php; Acessado em 20 de junho de 2006.

PAZ, Ronilson José da e NASCIMENTO, Maria do Socorro Viana do. Licenciamento da Carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape. In: PAZ, Ronilson José da e FARIAS, Talden (Organizadores). Gestão de Áreas Protegidas: processos e casos particulares. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2008.

PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto: Apostolado da Imprensa, 1957.

PEREIRA, José Veríssimo da Costa. Tipos e Aspectos do Brasil: charqueada. In: Excertos da Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, 5ª edição, 1949.

PESSOA, Fernando. O Eu Profundo e os Outros Eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

PETRÒCCHI, P. Novo Dizionàrio Universale della Lingua Italiana. Milano: Fratélli Tréves, Volume II, 1924.

PINTO, Irineu Ferreira. Datas e Notas para a História da Parahyba. Parahyba do Norte: Imprensa Oficial, 1912.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 34ª edição, 1987.

PRATES, Margarete (et al.). Geomorfologia. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981.

QUEIROZ, Julio Ferraz de e FRIGHETTO, Rosa Toyoko Shiraishi. Aqüicultura e Meio Ambiente – Qualidade de Água e Boas Práticas de Manejo (BPMs). In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005.

QUICHERAT, L. Novíssimo Dicionário Latino-Português. Rio de Janeiro: Garnier, 10ª edição, sem data.

RATZEL, Friedrich. Geografia do Homem (Antropogeografia). In: MORAES, Antonio Carlos Robert (Organizador). Ratzel: Geografia. São Paulo: Ática, 1990 (Coleção Grandes Cientistas Sociais, nº 59).

RECLUS, Élisée. Colônias de Exploração: governo de administração da Índia. In: ANDRADE, Manuel Correia de (Organizador). Élisée Reclus: Geografia. São Paulo: Ática, 1985 (Coleção Grandes Cientistas Sociais, nº 49).

RECLUS, Élisée. L’Homme et la Terre. Paris: Librairie Universelle, 1965.

Page 253: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

251

REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003 (Coleção Literatura em Minha Casa, Volume 3).

RIBEIRO, Wagner Costa. A Ordem Ambiental Internacional. São Paulo: Contexto, 2ª edição, 2008.

ROCHEFORT, Michel (et al.). Aménager le Territoire. Paris: Seuil, 1970.

ROCHEFORT, Michel. Redes e Sistemas: ensinando sobre o urbano e a região. São Paulo: Hucitec, 1998.

RODRIGUES, Adiel Alves. Panorama de Mamanguape: uma exposição histórica do município. Recife: Comunigraf, 2008.

RODRIGUES, Izilda A. (et al.). Perfis Social, Econômico e Ecológico da Área de Influência da APA da Barra do Rio Mamanguape (PB). In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005.

RODRIGUEZ, Janete Lins (Coordenadora). Atlas Escolar da Paraíba: espaço geo-histórico e cultural. João Pessoa: Grafset, 3ª edição, 2002.

ROMARIZ, Dora de Amarante. Aspectos da Vegetação do Brasil. São Paulo: Edição da Autora, 2ª edição, 1996.

SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981.

SANTOS, Milton e SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 7ª edição, 2005.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 1997 (Coleção Milton Santos, nº 1).

SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1988.

SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana. São Paulo: Hucitec, 1981 (Coleção Geografia: teoria e realidade).

SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. São Paulo: Hucitec, 3ª edição, 1994 (Coleção Geografia: teoria e realidade, nº 16).

SASSEN, Saskia. As Cidades na Economia Mundial. São Paulo: Nobel, 1998 (Coleção Megalópolis).

SCHAEFER, Fred K. O Excepcionalismo na Geografia: um estudo metodológico. In: Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro: Associação de Geografia Teorética, Volume 7, nº 13, 1977.

SILVA, Alcir Veras da. Algodão e Indústria Têxtil no Nordeste: uma atividade econômica regional. Natal: Universitária/UFRN, 1980 (Coleção Estudos Universitários, nº 1).

SILVA, Anieres Barbosa da. As Variações Espaciais das Paisagens Agrárias no Baixo Vale do Mamanguape (PB) entre 1972-1985. Recife, 1995, 136 p. (Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Geografia. Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco).

SILVA, Marlene Maria da e LIMA, Diva Medeiros de Andrade. Sertão Norte: área do sistema gado-algodão. Recife: SUDENE, 1982 (Série Estudos Regionais, nº 6).

Page 254: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

252

SORRE, Maximilien. A Adaptação ao Meio Climático e Biossocial – Geografia Psicológica. In: MEGALE, Januário Francisco (Organizador). Max. Sorre: Geografia. São Paulo: Ática, 1984-b (Coleção Grandes Cientistas Sociais, nº 46).

SORRE, Maximilien. A Sociabilidade e o Meio Geográfico. In: MEGALE, Januário Francisco (Organizador). Max. Sorre: Geografia. São Paulo: Ática, 1984-a (Coleção Grandes Cientistas Sociais, nº 46).

SOUTO MAIOR FILHO, Joel. Estudo Hidrogeológico do Baixo e Médio Mamanguape, PB. In: Boletim de Recursos Naturais. Recife: SUDENE, Volume 5, n° 2 e 4, abril a dezembro de 1966.

SOUTO, Keynis Cândido de (et al.). A Agroindústria Canavieira Paraibana: implicações da crise no emprego e na arrecadação tributária na década de 1990. In: Revista Econômica do Nordeste. Fortaleza: BNB, Volume 38, nº 2, abril a junho de 2007.

SOUZA, Celso Gutemberg (et al.). Pedologia: levantamento exploratório de solos. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981.

SOUZA, Celso Gutemberg. Solos – potencialidade agrícola. In: IBGE. Recursos Naturais e Meio Ambiente: uma visão do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2ª edição, 1997.

SOUZA, Danúsia Dias de (et al.). O Nordeste e a Sudene. In: LIMA, Marcos Costa e DAVID, Maurício Dias (Organizadores). A Atualidade do Pensamento de Celso Furtado. São Paulo: Francis, 2008.

SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e Urbanização. São Paulo: Contexto, 2001 (Coleção Repensando a Geografia).

TARGINO, Ivan (et al.). Migrações Sazonais e Saúde do Trabalhador. In: Revista do Migrante (Travessia). Volume VII, nº 20, setembro a dezembro de 1994.

TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel,1980.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

VALVERDE, Orlando. O Uso da Terra no Leste da Paraíba. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 17, nº 1, janeiro a março de 1955.

VASCONCELOS SOBRINHO, João de. As Regiões Naturais do Nordeste, o Meio e a Civilização. Recife: Condepe, 1971.

VIDAL, Wyviane Carlos Lima. Identificação e Caracterização das Interferências Humanas na Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, Litoral Norte do Estado da Paraíba, Brasil. João Pessoa, 2000, 132 p. (Dissertação do Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba).

Page 255: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

ANEXOS

Anexo 1 – Séries Estatísticas

Região do Baixo Mamanguape Principais Produtos Agrícolas (Cana-de-açúcar, Mandioca, Feijão e Arroz)

Page 256: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

254

AC

UL

TU

RA

DA

CA

NA

-DE

-AÇ

ÚC

AR

NA

RE

GIÃ

O D

OB

AIX

OM

AM

AN

GU

AP

E(1

970,

198

0, 1

996

e 20

06)

1970

19

80

1996

20

06

Mun

icíp

ios

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Baí

a da

Tra

ição

--

- --

- --

- --

- 1.

576

34

18.9

44

350

Mam

angu

ape

315.

328

4.60

2 35

0.31

0 8.

288

271.

784

10.2

23

446.

528

11.9

20

Mar

caçã

o*

---

---

57.7

77

1.21

6 R

io T

into

4.

151

87

37.6

85

919

195.

156

5.89

9 33

3.05

2 7.

821

Con

venç

ões:

ton

. – T

onel

adas

---

Gên

ero

agrí

cola

não

cul

tiva

do n

o pe

ríod

o

*

Mun

icíp

io c

riad

o em

199

4 F

onte

s:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0, 1

996

e 20

06.

A

CU

LT

UR

A D

AM

AN

DIO

CA

NA

RE

GIÃ

O D

OB

AIX

OM

AM

AN

GU

AP

E(1

970,

198

0, 1

996

e 20

06)

1970

19

80

1996

20

06

Mun

icíp

ios

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Baí

a da

Tra

ição

2.

355

252

4.40

4 35

4 66

1 15

7 1.

007

256

Mam

angu

ape

11.4

02

1.84

1 8.

262

1.08

7 3.

303

608

1.21

8 24

6 M

arca

ção*

--

- --

- 1.

425

168

Rio

Tin

to

9.48

7 1.

284

6.05

6 83

2 1.

376

278

4.03

7 71

0

Con

venç

ões:

ton

. – T

onel

adas

---

Gên

ero

agrí

cola

não

cul

tiva

do n

o pe

ríod

o

*

Mun

icíp

io c

riad

o em

199

4 F

onte

s:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0, 1

996

e 20

06.

Page 257: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

255

AC

UL

TU

RA

DO

FE

IJÃ

O N

AR

EG

IÃO

DO

BA

IXO

MA

MA

NG

UA

PE

(197

0, 1

980,

199

6 e

2006

)

1970

19

80

1996

20

06

Mun

icíp

ios

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Baí

a da

Tra

ição

14

60

41

13

2 26

40

13

31

M

aman

guap

e 51

2 1.

519

174

763

48

130

51

54

Mar

caçã

o*

---

---

---

---

Rio

Tin

to

137

455

26

130

16

39

10

10

Con

venç

ões:

ton

. – T

onel

adas

---

Gên

ero

agrí

cola

não

cul

tiva

do n

o pe

ríod

o

*

Mun

icíp

io c

riad

o em

199

4 F

onte

s:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0, 1

996

e 20

06.

A

CU

LT

UR

A D

OA

RR

OZ

NA

RE

GIÃ

O D

OB

AIX

OM

AM

AN

GU

AP

E(1

970,

198

0, 1

996

e 20

06)

1970

19

80

1996

20

06

Mun

icíp

ios

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Qua

ntid

ade

Pro

duz.

(to

n.)

Áre

a P

lant

ada

(hec

tare

s)

Baí

a da

Tra

ição

20

13

4

4 --

- --

- --

- --

- M

aman

guap

e 81

13

4 82

95

--

- --

- --

- --

- M

arca

ção*

--

- --

- --

- --

- R

io T

into

68

54

22

25

--

- --

- --

- --

-

Con

venç

ões:

ton

. – T

onel

adas

---

Gên

ero

agrí

cola

não

cul

tiva

do n

o pe

ríod

o

*

Mun

icíp

io c

riad

o em

199

4 F

onte

s:E

labo

rada

com

bas

e em

:IB

GE

. Cen

sos

Agr

opec

uári

os d

a P

araí

ba. R

io d

e Ja

neir

o: I

BG

E, 1

970,

198

0, 1

996

e 20

06.

Page 258: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

256

Anexo 2 – Artigos de Jornais

Artigo: MP vai investigar aliciamento de índios para crimes (cresce número de assaltos e saques no vale do Mamanguape). Jornal Correio da Paraíba, segunda-feira, 07 de julho de 2008 (Caderno Cidades – B1).

Artigo: Poluição reduz caranguejo na PB (só este ano, mais de 3 mil unidades da espécie uçá foram apreendidas em feiras livres no período de defeso).Jornal Correio da Paraíba, domingo, 14 de setembro de 2008 (Caderno Planeta – A13).

Artigo: Pescadores temem pela própria segurança (embarcações sucateadas aumentam os riscos de acidentes e trabalhadores pensam em abandonar atividade). Jornal Correio da Paraíba, domingo, 14 de setembro de 2008 (Caderno Planeta – A14).

Artigo: Projeto será implantado em Mamanguape (Governo Federal investirá US$ 340 mil em recursos para proteção e recuperação da área de manguezal). Jornal Correio da Paraíba, domingo, 14 de setembro de 2008 (Caderno Planeta – A15).

Page 259: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

257

Page 260: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

258

CO

RR

EIO

DA

PA

RA

ÍBA

P

lane

ta

P

araí

ba ■

Dom

ingo

, 14

de s

etem

bro

de 2

008 │

A13

Page 261: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

259

Page 262: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM G CURSO DE … · Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras letrinhas, as primeiras

260