PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL CENTRO DE ESTUDOS … · difícil para mim deslocar para lá. Mas estava...

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1A – JGP – Pág 1 Capa e logotipo do programa: Rômulo Garcias PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Avenida Antônio Carlos. 6627 – Pampulha Sala: 1035 do Prédio FAFICH Telefone: 3409 5002 Caixa Postal 253 CEP. 31.270-901 Belo Horizonte – Minas Gerais

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Capa e logotipo do programa: Rômulo Garcias

PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL

CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Avenida Antônio Carlos. 6627 – Pampulha Sala: 1035 do Prédio FAFICH

Telefone: 3409 5002 Caixa Postal 253 CEP. 31.270-901

Belo Horizonte – Minas Gerais

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Apoio:

PITANGUY, Júlio – Júlio Graciano Pitanguy (Entrevista Temática) 2006 Belo Horizonte – Programa de História Oral – Centro de Estudos Mineiros Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Federal de Minas Gerais – 2007

HPO – 002

PITANGUY, Júlio Graciano (Entrevista Temática) 2006 - Belo Horizonte – Programa de História Oral – Centro de Estudos Mineiros - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Federal de Minas Gerais – 2006 1. História de vida. 2. Sapateiro 3.Belo Horizonte . Área Temática: Pequenos Ofícios na Memória e na História – Belo Horizonte 1920-1960

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PROIBIDA A PUBLICAÇÃO NO TODO OU NA PARTE, PERMITID A A CITAÇÃO PERMITIDA A CÓPIA XEROX

A CITAÇÃO DEVE SER TEXTUAL, COM INDICAÇÃO DA FONTE

FICHA TÉCNICA

PROJETO : PEQUENOS OFÍCIOS NA MEMÓRIA E

NA HISTÓRIA (BELO HORIZONTE 1920-1960)

TIPO DE ENTREVISTA: TEMÁTICA

ENTREVISTADO: JÚLIO GRACIANO PITANGUY

ENTREVISTADORES: LUCAS PEREIRA E ANELISE

COELHO

LOCAL DE REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA:

OFICINA DE SAPATARIA EM BELO HORIZONTE

DATA: 23/09/2006

FONTES DE ÁUDIO: 1 h 25 min.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS

PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL

PROJETO PEQUENOS OFÍCIOS: NA MEMÓRIA E NA HISTÓRIA. BELO

HORIZONTE, 1920-1960

ENTREVISTADORES: LUCAS PEREIRA E ANELISE COELHO

ENTREVISTADO: JÚLIO GRACIANO PITANGUY

LOCAL: OFICINA DE SAPATARIA EM BELO HORIZONTE

DATA: 23/09/2006

FITA - 1ª sessão – lado “A”

L.P.: Hoje é dia 23 de setembro de 2006, vamos começar a entrevista com o senhor

Júlio Pitanguy. Somos... Os entrevistadores são Lucas Pereira e Anelise Coellho,

pesquisadores bolsistas do projeto.

JGP: Está bom.

LP: Bom, senhor. Júlio, a gente gostaria de começar com o senhor falando o nome

completo, local de nascimento e a data de nascimento do senhor.

J.G.P.: Júlio Graciano Pitanguy.

L.P.: O senhor nasceu em que ano?

J.G.P.: Nasci no ano de trinta, em Belo Horizonte.

L.P.: Em Belo Horizonte. E foi criado sempre aqui?

J.G.P.: E sou afilhado de Olegário Maciel.

L.P.: Olha só! Então quer dizer que seus pais...

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J.G.P.: Quando eu nasci o meu pai era o homem de confiança de Olegário.

L.P.: Ah! Trabalhava com ele no governo.

J.G.P.: É. Então no ano de trinta, trinta e três, morreram os dois.

L.P.: O Olegário e o seu pai.

J.G.P.: É. Aí eu fiquei sem o pai e sem padrinho.

L.P.: Ah é! E sua mãe também...

J.G.P.: Depois [inaudível]. E aí eu trabalhei em açougue, trabalhei em armazém,

trabalhei no Belora, por todo lado e estudava. Mas eu estudava, fiz o primeiro ano e o

segundo ano. Quando tinha aquela, ah... fazer a primeira comunhão. Eu fui na igreja e

a diretora gritou de lá – Ei, ei Júlio sem uniforme não!.

L.P.: Oh! [risos], que é isso!

J.G.P.: Eu perguntei para ela se era eu... // L.P.: Hah hah. // ...ou se era o uniforme

que iria fazer, e a dona era braba, mas braba, braba...

L.P.: Aí xingou o senhor.

J.G.P.: Talvez seja, sei não, a Dona Zilá.

L.P.: Dona Zilá.

J.G.P.: A Dona Zilá.

L.P.: E o senhor teve quantos irmãos? Como é que foi a sua infância, a infância do

senhor, o senhor lembra assim?

J.G.P.: A minha infância foi das piores, não é?

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L.P.: Das piores

J.G.P.: Das piores

L.P.: O senhor foi filho único?

J.G.P.: Não eu tinha mais, nós eramos seis irmãos.

L.P.: Seis irmãos.

J.G.P.: É. Aí minha mãe arrumou um outro marido para ela. Mas minha mãe morreu

eu estava com quinze anos...

L.P.: Isso em quarenta e cinco?

J.G.P.: Ele mandou desocupar a casa, cada um para o seu lado. Até aos quinze anos,

dezesseis, eu era metalúrgico.

L.P.: Ah é.. Que legal! O senhor trabalhava em que metalurgia?

J.G.P.: Trabalhei na metalúrgica, ali na... Triângulo.

L.P.: Triângulo.

J.G.P.: Trabalhei na Arno. E lá no Parque Industrial.

L.P.: Olha só! E quando foi que o senhor começou como sapateiro? Foi bem mais

tarde?

J.G.P.: Foi nessa época aí com dezesseis anos.

L.P.: Dezesseis anos, logo depois da... O senhor saiu da metalurgia...

J.G.P.: Saí da metalurgia e fui ser sapateiro.

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L.P.: Aí começou aqui?

J.G.P.: Aí eu fui trabalhar na fábrica de calçados Brinde e Biju, no [Barro Preto]

L.P.: Olha só!

J.G.P.: Ajudava lá a arrumar, num grupo de uns quarenta sapateiros, eu ia ajudando

um, ajudava outro, ajudava outro no que eles precisavam, e de noite eu varria a sala,

porque ia limpar e lixo pra fora.

L.P.: Ah! Sim! Então...

J.G.P.: Para poder ir embora.

L.P.: Sim. Então você fazia de tudo um pouco, assim, e de noite ainda fazia a

limpeza?

J.G.P.: Fazia a limpeza.

L.P.: Olha só!

J.G.P.: E aí eu fiquei lá um bom período, para ter uma noção assim de sapato, o que,

que era, como fazia. Aí eu já estava prático fui para uma fábrica de calçados ali na

rua... Ali, foi na Santos Dumont. Na Avenida Santos Dumont. Trabalhei lá. Bastante lá.

L.P.:E o senhor lembra o nome dessa fábrica?

J.G.P.: Não, dessa não. Aí eu me desenvolvi e passei para outra fábrica. Ali

antigamente era a Volta do Curtume, no final da Augusto de Lima, ali...

L.P.: Hah! Que legal!

J.G.P.: Aí eu fui para ali. Na fábrica de calçados Metrópole.

L.P.: Metrópole.

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J.G.P.: É. Trabalhei nesta Metrópole um tempo bom, depois voltei para a Nilo e

Hollywood onde [inaudível] eram três fábricas numa só.

L.P.: Olha só!

J.G.P.: Cada tipo de calçado tinha seu nome.

L.P.: Um nome diferente.

J.G.P.: É.

L.P.: Da empresa diferente?

J.G.P.: Uma empresa só. Depois eu fui lá para o Prado, mas eu não me lembro o

nome de lá.

L.P.: Lá tinha uma fábrica também?

J.G.P.: Tinha. A fábrica de calçados Sampaio.

L.P.: Ah! Sampaio.

J.G.P.: Que ele foi lá na Nilo e me chamou: - Ô Júlio, vem cá! Eu preciso falar com

você! Aí me disse que Adenir estava lá, Adenir Tinoco. Estava Pedro Silvestrine,

estava o Nester, estava o Grillo, estava o Guarapa, falando toda a turma toda que eu

já conhecia. - Você não quer ir pra lá, não?

L.P.: Então estava... todos os sapateiros bons assim, estavam lá na fábrica?

J.G.P.: Estavam lá.

L.P.: É, que legal!

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J.G.P.: Aí eu disse que estava devendo cinqüenta reais aonde eu trabalhava, e ficava

difícil para mim deslocar para lá. Mas estava eu e o encarregado lá da fábrica juntos.

Ele falou: - Não, isso não é problema não, amanhã eu estou aí eu trago para você.

L.P.: Aí ele pagou a dívida // J.G.P.: Pagou. // e o senhor começou a trabalhar com

ele?

J.G.P.: Pagou para mim trabalhar com ele.

L.P.: Olha só!

J.G.P.: E lá eu fiquei muito tempo que era bom para trabalhar, um serviço bom.

L.P.: Hum, hum. Agora como que eram esses serviços nessas fábricas? Era diferente

do serviço da sapataria, ou como que era?

J.G.P.: Era diferente de sapataria. Diferente.

L.P.: Conta um pouquinho para a gente como que era o ofício assim.

J.G.P.: É.

L.P.: O senhor mexia com as máquinas? O maquinário?

J.G.P.: Não. Fábrica cada um faz uma coisa.

L.P.: Cada um faz uma coisa. E qual era a sua função?

J.G.P.: Eu, por exemplo, montava o sapato.

L.P.: Ah! Na parte de montagem.

J.G.P.: De montagem.

L.P.: Olha só!

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J.G.P.: Aquilo ia lá para o acabador ele botava a sola, o outro terminava, frisava e

lixava. Cada um fazia uma parte do calçado.

L.P.: Sim. E qual era o instrumento que o senhor utilizava? Ou tinha alguma

ferramenta específica? Ou não? [ O senhor, o senhor se lembra?]

J.G.P.: Não, não, não. Eu... [o entrevistado se despede de um homem que deixa o

local.] Eu quando saí de lá foi naquela febre asiática que correu aqui em Belo

Horizonte.

L.P.: Olha só! Isso foi quando?

J.G.P.: Foi em cinqüenta e... Como é que é? Cinqüenta e quatro.

L.P.: Cinqüenta e poucos. Ah... Mas o senhor pegou? Ficou gripado ou não?

J.G.P.: Não, não.

L.P.: Saiu antes.

J.G.P.: Eu trabalhava na última fila de sapatos, sapateiros. Era uns quarenta assim, ó!

Eu ficava na última fila aonde tinha uma máquina de rachar sola. Que você não podia

botar com a sola [inaudível], todas elas tinham que ser cilindradas. Aí eles começavam

a tremer e ia lá pro modo de sola, e eu falei – Aqui é, agora é o hospital do Pintanguy.

L.P. [Risos]

J.G.P.: Botaram a minha turma lá.

L.P.: É?

J.G.P.: Mas eu estava em casa num domingo.

L.P.: Hum, hum.

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J.G.P.: Nos domingos eu vendia roupa na rua.

L.P.: Olha só!

J.G.P.: Vendia picolé no campo [dos Sesi].

L.P.: Mas isso por conta do senhor mesmo?

J.G.P.: Era por minha conta.

L.P.: É.

J.G.P.: É. Ai me [pegou]... Aqui era do meu sogro.

L.P.: Aqui nesse local?

J.G.P.: A lojinha.

L.P.: Ah sim, e ele já era sapateiro?

J.G.P.: Já era. Era sapateiro do Lucióla.

L.P.: Como?

J.G.P.: do Lucióla.

L.P.: Lucióla. E ele já tinha aqui há muito tempo?

J.G.P.: Ele já estava aí mais de vinte anos.

L.P.: É né?

J.G.P.: Aí ele chegou lá na oficina. Chegou em casa eu estava saindo para ir pro

campo, aí ele me chamou de Julinho: – Ô Julinho, vem cá Julinho! Eu preciso falar

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com você. Eu falei: – O quê que é seu José? O quê que houve? O quê que houve? Ele

falou: – Ah, não, é porque ... a turma lá da oficina pegou essa febre asiática... // LP:

Olha só! // – ...você não pode trabalhar lá comigo, não? Eu disse pra ele que eu iria

pedir...

L.P.: A demissão.

J.G.P.: A demissão lá na fábrica para poder vir para aqui.

L.P.: Isso em cinqüenta e seis?

J.G.P.: Em mil novecentos e cinqüenta e seis. Nessa época nem conta não tinha,

pedir para sair era só isso mesmo.

A.C.: [Em que ano] o senhor se casou?

J.G.P.: Cinqüenta e quatro.

L.P.: Cinqüenta e quatro.

J.G.P.: É.

A.C.: O seu sogro, o seu sogro já tinha essa lojinha a muito tempo?

J.G.P.: Já tinha. Ele ficou aqui uns 20 anos.

L.P.: Aí o senhor começou aqui como assim? É, já começou com sapateiro oficial? Ou

como aprendiz?

J.G.P.: Aí eu vim para aqui, para ajudar. Mas essa máquina que está rodando ela não

trabalhava, por que eles não sabiam mexer com isso. Tinha outra máquina de costura

que eles não sabiam...

L.P.: Mexer...

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J.G.P.: Mexer com isso. E eu cheguei aí, era uma panela de grude de todo o tamanho

no chão, cheia de limão. Aí rapaz, não dá não! Aí tirei logo aquilo...

L.P.: Olha só! E eles usavam o limão para quê?

J.G.P.: Para não azedar...

L.P.: Ah é?

J.G.P.: É.

L.P.: Mas, a cola?

J.G.P.: Era cola. Era cola, mas cola feita manual.

L.P.: Ah, então aí usava o limão para não azedar a cola. Olha só!

J.G.P.: Aí que eu fui lá embaixo [inaudível]. Eu botei sola em doze pares de sapato de

uma vez. Peguei aquele saco de sapatos e fui na Rua Tupinambás, num local lá que

costurava, mandei costurar tudo, já trouxe a sola e o salto do sapato.

L.P.: Olha só!

J.G.P.: E rapidinho...

L.P.: Ficou pronto o sapato!

J.G.P.: É. Fazia um par de sapato por dia, olha aqui a minha mão quê que virou. Olha

o tamanho de uma e de outra ó.

L.P.: É mesmo. Mas, mas...

J.G.P.: De ficar costurando a mão

L.P.: De costurar a mão, olha só!

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J.G.P.: É de ficar aqui assim.

L.P.: Agora, mas o ofício é diferente de hoje em dia, não é? Hoje em dia é mais

concerto, mas antigamente, vocês costuravam também o solado, como que é?

J.G.P.: Aqui de primeiro era costurado à mão, a sola não podia molhar, era seca.

Costurado, tudo costurado à mão, acabado à mão. Agora não, se molha a sola,

costura ela na máquina, passa aquilo na máquina, vem e frisa aquilo. Frisou à

máquina, botou o salto, deu o acabamento. Está pronto o sapato.

L.P.: Está pronto o sapato. É por que o senhor falou que levou ali na Tupis?

J.G.P.: Rua Tupinambás.

L.P.: Tupinambás para costurar, então também tinha... Aqui o senhor fazia alguns

acabamentos e lá ele costurava?

J.G.P.: Lá ele costurava sapatos.

L.P.: E era só isso a lojinha dele?

J.G.P.: É, desse senhor era só a costura. Mas aqui eu fiquei. Levava sapatos para

casa e passava até a noite costurando sapatos, rapaz. Você pega aqui uma sola, fura

aqui e passa a linha e tal e pá! Enfia aqui e pá! E até virar a sola assim, virar tudo.

L.P.: Olha só! Então quer dizer o senhor ficou aqui como ajudante e já se tornou logo

sapateiro de cara. Por que o senhor já tinha experiência.

J.G.P.: Foi.

L.P.: E tinha outros ajudantes assim? Qual tipo de serviços que eles trabalhavam, que

eles faziam aqui? Aprendizes?

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J.G.P.: Tinha. Botei um aprendiz lá. Daqui a pouco já estava lixando sola, já estava

lustrando a sola, tinha mais sapateiros.

L.P.: Hum-hum. E o senhor fez, começou, passou... Quando que o senhor herdou

assim a sapataria? O seu sogro morreu...// J.G.P.: A sapataria eu comprei ela... // O

senhor comprou ... //

J.G.P.: Em sessenta e oito.

L.P.: Comprou do seu sogro?

J.G.P.: É

L.P.: Olha só! E a partir disso o senhor começou a ter mais aprendizes? Começou a

trabalhar mais sistematicamente? Como é que foi?

J.G.P.: Não, não! Depois que eu comprei a sapataria. Eu comprei ela em sessenta e

oito.

L.P.: Sessenta e oito.

J.G.P.: É. Eu não sei o valor mais. Ele queria dois, dois mil, um negócio assim – eu

dou quatro!

L.P.: Oh! O senhor deu mais que ele queria.

J.G.P.: É mais dobrado.

L.P.: É

J.G.P.: Pelo seguinte, a família não ia muito comigo não, por que eu não tinha pai e

não tinha mãe. Então pessoa sem pai e sem mãe é...

L.P.: Aí tinha aquele preconceito.

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A.C.: E o senhor se lembra a razão pela qual o seu sogro resolveu vender a

sapataria?

J.G.P.: [Inaudível]... Ele era amigo do Rui Lage. O Rui Lage era dono da bolsa de

valores de Minas Gerais. Aí vendia para ele e ensinou ele a trabalhar com ações,

ensinou ele.

L.P.: Hum, hum.

J.G.P.: Aí acabou com muitas ações, comprava e vendia.

L.P.: Sei!

J.G.P.: E dá um dinheiro bom isso aí.

L.P.: Dá mesmo heim!

J.G.P.: É dá, mas ele parou de trabalhar.

L.P.: Aí desistiu daqui.

J.G.P.: Desistiu daqui.

L.P.: Olha só! E o senhor fez algum curso de sapateiro ou foi aprendendo mesmo,

trabalhando mesmo?

J.G.P.: Foi a necessidade que me fez sapateiro.

L.P.: É entendi. Então o senhor aprendeu no dia-a-dia mesmo.

J.G.P.: No dia-a-dia.

L.P.: O senhor se lembra de algum curso que existia na época sobre isso? Ou era

mais ou menos assim, você vem cá e vai ser aprendiz, e aí se aprende?

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J.G.P.: Não, nessa época era mesmo, vem cá, vem cá caboclo.

L.P.: Era a necessidade mesmo.

J.G.P.: Era a necessidade.

A.C.: E o senhor, na época que o senhor começou a fazer esses sapatos, você se

lembra assim é, como é que eram esses sapatos? Eles eram feitos especificamente

para as pessoas ou eles tinham um modelo?

J.G.P.: Não, eu fiz uns sapatos assim de... Sapato comum de grupo.

L.P.: Ah sim!

J.G.P.: E fiz sapato também à mão. Fiz sapato de encomenda. // L.P.: Na medida

certa. // É de encomenda. //

L.P.: Ah, de encomenda! //

J.G.P.: Era um par só. // L.P.: Olha só! // Eu trabalhei para um senhor lá na rua

Pitangui fazendo isso.

L.P.: Olha só! Aqui na rua Pitangui?

J.G.P.: É.

L.P.: Mas aí como que era? Eu queria andar com isso mais para frente, vamos botar

isso mais para frente então. O senhor chegou a ter uma sociedade alguma coisa

assim, ou aqui foi só mesmo da família, do senhor e dos seus filhos?

J.G.P.: Aqui é o seguinte. Esse aqui é o meu filho mais velho.

L.P.: Aham.

J.G.P.: Esse aqui estudou no Anchieta e terminou os estudos dele no Roma.

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L.P.: Ah! Sei...

J.G.P.: Ele fez, o quê que é? Fez um curso aí. [inaudível]. Aí, – Ô pai, deixa eu ficar

uns dias aí? // L.P.: Hum, hum. // E deu... Esse aqui é contador, o Márcio.

L.P.: Ah! O Márcio.

J.G.P.: – Ô pai, deixa eu ficar uns dias aí?

L.P.: Aí ficou.

J.G.P.: Aí então o terceiro que nem pediu, até interesseiro, o terceiro já chegou, entrou

e acabou e tá!

L.P.: [fala simultânea]

A.C: O senhor foi ensinando eles a mexer com os sapatos?

J.G.P.: Não, não. Eu fui a... Acontece que eles aprenderam...

L.P.: A prática não é?

J.G.P.: E tem um outro aí que é o Gilson que trabalha comigo há muitos anos, que o

pai dele trabalhava aí na esquina aqui, [quando] era, quando era aquela empresa

[inaudível]. Ele trabalhava na [inaudível]. Ele falou comigo: – Ô Julinho deixa eu botar

o meu menino, rapaz! Deixa eu bota o menino que eles estão batendo no meu menino!

L.P.: Olha só!

J.G.P.: – Se eu vou lá, vou ter que dá... não sei o quê que vai acontecer com aquele

carpinteiro!. Era um carpinteiro que batia no filho dele. Eu falei: – Eu não gosto de

mexer com menino não!

L.P.: É né!

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J.G.P.: Não gosto, mas...

L.P.: O senhor não gostava de pegar os menininhos para fazer eles de aprendiz? 13

anos?

J.G.P.: Não, não...

L.P.: Era ruim

J.G.P.: Era ruim, era ruim. Aí o menino veio. O menino veio foi crescendo, taí comigo,

crescendo não, ele é baixinho.

L.P.: [risos]

J.G.P.: Ficou encalhado.

L.P.: Ficou encalhado.

J.G.P.: Mas já é um profissional.

L.P.: Um profissional muito bom.

J.G.P.: É, um profissional.

L.P.: E vai aprendendo no dia-a-dia, e vai vendo o senhor trabalhar...

J.G.P.: Aí botava, é... Ele teve um derrame dentro da oficina.

L.P.: Ah é?

J.G.P.: Começou gritando, gritando... Eu pensei: – Ah esse cara está pegando é

espírito aí, [inaudível] rapaz.

L.P.: [risos]

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J.G.P.: Eu estava com um copo de água gelada, joguei o copo de água nele. – Õ não,

seu Júlio é dor de cabeça... Ele tá com problema mais grave. Então nós fomos

amparar... eu amparei aqui e botei ele, levei ele direito ali no SOCOR.

L.P.: Ah sim!

J.G.P.: Foi bom que eu levei no SOCOR

L.P.: Ainda bem né?

J.G.P.: Aí deu tudo certo.

L.P.: Isso já foi quando? Foi na década de sessenta? Setenta?

J.G.P.: É... deve ser em sessenta por aí.

L.P.: Então... // J.G.P.: Depois... // Então, assim, o senhor não gostava muito de ter

aprendizes?

J.G.P.: Não, não. Aí eu levei ele, tratei dele, paguei lá tudo.

L.P.: Ah! É importante.

J.G.P.: As despesas devidas. A mulher me falou: – Aqui embaixo tudo o senhor vai

pagar. Agora, se ele subir, até o INPS quem paga é a carteira dele. Assim foi feito.

L.P.: É não é?

J.G.P.: Ficou lá muito tempo. E depois estava juntando dinheiro para casar.

L.P.: E ele casou?

J.G.P.: O [tio] dele comeu o dinheiro dele tudo.

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L.P.: Oh! Que isso!

J.G.P.: Eu que casei o menino.

L.P.: Então aqui deu muito dinh... O senhor conseguiu sobreviver assim, não é? E

cuidar dos filhos e até ajudar esse senhor.

J.G.P.: Casei ele assim.

L.P.: É né?

J.G.P.: Fui lá na Rua Guarani numa loja lá que tinha, agora hoje não tem mais,

comprei os móveis todos que precisava para ele, comprei aqueles trens todos, roupa

para ele casar, arrumei um barraco para ele morar. Só não levei a mulher por que...

L.P.: [risos].

J.G.P.: Já tinha.

L.P.: Aí já é demais né...

A.C.: A relação então era bem próxima, que você tinha com ele?

J.G.P.: E agora, ele falou comigo: – Ô seu Júlio deixa eu falhar o sábado que eu vou

entrar num grupo para construir uma casa.

L.P.: Uma casa, um mutirão.

J.G.P.: [Aqueles mutirões não é?]. // L.P.: É. // E ele entrou nisso... // L.P.: Olha só!

Isso bem mais tarde. // ...e foi feito lá perto da... aquele Conjunto Santa Terezinha. //

L.P: Hum-hum.

J.G.P.: [ No fundo assim.]

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L.P.: Eu sei.

J.G.P.: Tem lá uns // L.P.: Ele ajudou a fazer. // ...dez ou quinze apartamentos

[menino].

L.P.: Ele ajudou a fazer.

J.G.P.: Ele mora num apartamento de luxo. //

L.P.: Olha só!

A.C.: E o senhor? Onde que você morava?

J.G.P.: Eu toda a vida morei no Bairro Providência.

L.P.: Providência?

J.G.P.: É.

A.C.: E como que o você vinha para cá, trabalhar?

L.P.: Era bonde, era o ônibus, como é que era?

J.G.P.: Ali no princípio tinha uma jardineira tamanho de um carro desse aqui. Cabia ali

oito pessoas dentro.

L.P.: Oito pessoas?

J.G.P.: Mas eu tinha que sair de casa...

[A entrevista é interrompida devido ao barulho externo]

L.P.: Voltando aqui, o senhor falou que tinha que sair lá do Providência para vir para

cá?

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J.G.P.: Saia do Providências as seis horas da manhã.

L.P.: Seis horas da manhã! E que horas o senhor abria aqui?

J.G.P.: Descia lá uma, uma... para pegar o ônibus ali perto da CIPA, um lugar que

matava boi ali, há muitos anos.

L.P.: Era um matadouro ali?

J.G.P.: É, pegava ali para vir para o centro. // L.P.: Olha só. // Que depois de seis, só

mesmo as nove horas da manhã.

L.P.: Ele não passava mais?

J.G.P.: Não, passava lotado.

L.P.: Ah aí não dava né?

J.G.P.: [inaudível]

L.P.: E a que horas o senhor abria a sapataria?

J.G.P.: A hora que eu chegava aqui. Seis e quinze // L.P.: Seis e meia. // Seis e

quinze,seis e vinte, seis e meia já estava...

L.P.: Então de quinze a meia hora o senhor saía e o ônibus...

J.G.P.: Eu chegava aqui...

L.P.: A jardineira chegava aqui.

J.G.P.: Eu chegava cedo, varria a sapataria todinha. Limpava ela toda. Separava o

serviço para cada um. Ia ali na Guarani comprava alguma coisa que não tinha para ser

feito na hora e trazia. Até tinha um sapateiro aí comigo, chamava Flávio Peroni.

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L.P.: Flávio Peroni

J.G.P.: Ele falou: – Aqui é igreja, que diabos é essa porcaria.

[risos]

L.P.: Mas o senhor falou que o senhor ia na Guarani comprar coisas? Era o quê?

Cola, linha? O quê que o senhor comprava lá na Guarani?

J.G.P.: Comprava salto, comprava cola, comprava linha, comprava o que precisasse.

A.C.: Tinha lojas especializadas em artigos de calçados?

J.G.P.: São, não. Ali tem. // L.P.: Tem... Agora tem muitas né? Tem muitas. //

A.C.: E naquela época? // Naquela época ela tinha menos lojas. //

L.P.: Hum-hum

J.G.P.: Com mais materiais para sapateiros. Hoje tem mais lojas e menos materiais

para sapateiros. Hoje é mais é plástico, é só porcaria.

L.P.: Essas coisas... E o senhor se lembra onde a jardineira parava aqui no centro

para o senhor vir à sapataria?

J.G.P.: Lá na Rua dos Caetés.

L.P.: Dos Caetés, aí o senhor fazia todo o trajeto do centro até aqui.

J.G.P.: Do Centro até aqui.

L.P.: O senhor passava ali no... Aí então o senhor subia por cima?

1A – JGP – Pág 25

J.G.P.: Não, eu vinha pela Santos... Pela Espírito Santo, Amazonas, entrava aqui na

São Paulo, depois subia aqui [um pedacinho]. Foi uns tempos também a sapataria

velha aqui na Rua São Paulo.

L.P.: Ah é? Ela ficou quanto tempo ali na São Paulo?

J.G.P.: Mas na São Paulo ficou pouco tempo. [inaudível] Ficou pouco tempo na rua

São Paulo. Mais foi aqui. Quando eu comprei, ela era aqui.

L.P.: Em frente essas caixas?

J.G.P.: É onde está esse carro amarelo aí. Era aí.

L.P.: Mas aí o senhor passou para a São Paulo e voltou? Como é que foi?

J.G.P.: Não.

L.P.: É para explicar um pouquinho da história da sapataria. Como é que era isso?

J.G.P.: Era na Rua São Paulo. // L.P.: Era lá. // Da São Paulo veio para ali, dali veio

para aqui.

L.P.: Ah sim, aqui do lado. Entendi. E ali agora é só depósito.

J.G.P.: Ali o shopping derrubou. // L.P.: Ah! // O shopping comprou aquela casa

dizendo que iria construir aqui um hotel. Então quando comprou ali desmanchou a

casa e iria desmanchar essa daqui, aqui do lado e na esquina. //

L.P.: Aham. Nossa! Mas aí não conseguiu.

J.G.P.: O da esquina não vende isso aí, não dá e não faz coisa nenhuma.

L.P.: Eu acho que tem que segurar mesmo.

J.G.P.: Ah!

1A – JGP – Pág 26

L.P.: Eu acho que tem que segurar.

A.C.: O senhor recebeu alguma proposta? Para vender também?

J.G.P.: Não, ali eu não... Eu trabalhava ali, ali era do Djalma Lourenço de Azevedo.

Eu trabalhei ali vinte e nove anos. Ele tinha mudado para Patos de Minas, que ele

tinha uma fazendinha lá na periferia lá. E mandou eu pagar os alugueis aqui na Rua

São Paulo, ele foi comigo, e falou: – Olha esse aqui que é o Júlio, ele é o meu xodó!

[Eu falei,] eu sou o xodó do homem!

L.P.: [risos] Sou xodó! [risos].

J.G.P.: Aí fica ruim né? Aí [inaudível] fiquei...

L.P.: Aí não dá.Se fosse uma moça né?

J.G.P.: É... Fiquei aí uns vinte e nove anos, quando ele precisou da casa, nós fomos lá

na... Como aqui no...

L.P.: Cartório?

J.G.P.: Fomos lá no Cartório, um lugar longe aí, para alugar uma loja aqui no centro.

Ele foi como meu avalista. Ele foi como o meu avalista.

L.P.: Vamos mudar aqui...

Fim do lado A