Ctrl aula 2 texto de apoio dormência, quiescência e germinação
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica Teresa Tavare… · 3 Resumo...
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Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
control+c: autoria na rede
Maria Teresa Tavares Costa
São Paulo, julho de 2007
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre emComunicação e Semiótica, área de concentração: Signo e Significação nas Mídias,sob orientação da professora Dra. Giselle Beiguelman.
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Tese defendida e aprovada em 30 de julho de 2007, pela bancaexaminadora constituída pelos professores:
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Resumo
Ctrl+C - autoria na rede estuda os novos formatos de criação que emergiram naInternet. Para além das discussões do ponto de vista jurídico, o trabalho concentra-se em parâmetros estéticos e críticos de experiências de arte em rede que apontampara a redefinição do conceito de autoria no âmbito das mídias digitais e no própriocontexto da cultura contemporânea.
Para dar conta deste percurso, o texto parte de um entendimento dasparticularidades técnicas da rede relacionadas às trocas simbólicas que nela seestabelecem. Em uma primeira etapa, a pesquisa investiga o conceito de Cultura deRede através das relações sócio-técnicas que a compõem. Sobre a discussão deAlexander Galloway em relação aos protocolos que governam o fluxo decomunicação na Internet, os conceitos de código e interface são articulados com oobjetivo de definir uma linguagem própria dos objetos digitais. Para estas discussõessão utilizadas as teorias de Lev Manovich, Margot Lovejoy, Florian Cramer e JayDavid Bolter & Richard Grusin.
Após a definição das especificidades da Cultura de Rede, tornou-se possível, em umsegundo momento, analisar o desenvolvimento do que Lawrence Lessig denominaCultura Remix, ou seja, uma configuração social marcada pela apropriação erecontextualização semiótica típica das novas tecnologias digitais. Sobre o conceitode Lessig, são discutidos os parâmetros estéticos das práticas de remix no âmbitoda cultura de rede através da análise de Eduardo Navas em paralelo com osconceitos de modularidade e remixabilidade de Lev Manovich, aura digital emMichael Betancourt e remix como consumo a partir de Nicolas Bourriaud.
Do ponto de vista metodológico, realizou-se um mapeamento e análise de projetosconcebidos para a Internet que discutem os conceitos tratados acima e contribuempara a reconfiguração da noção de autoria na contemporaneidade. São eles:“AfterSherrieLevine.com/AfterWalkerEvans.com”, de Michael Mandiberg, 2001 e“Society of the Spectacle (A Digital Remix)” de Mark Amerika, Trace Reddell e RickSilva, 2004. Tal corpus empírico dividiu-se entre duas categorias propostas porEduardo Navas Remix: Seletivo e Remix Reflexivo. As tipologias de agenciamentosque estes trabalhos sugerem colocam em pauta questões como as relações deprodução e consumo, interatividade, propriedade, controle e micropolítica das redesdigitais, além de apontar para a definição de uma estética e política próprias doentrecruzamento entre cultura de rede e cultura remix.
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Abstract
Ctrl+C – Authorship on the Net studies the new formats of creation that emergedfrom the Internet. By aiming beyond the discussions around a legal point of view, thiswork focusses on asthetic and critical parameters of online art experiences, whichpoint towards the redefinition of the concept of authorship in the realm of digitalmedia e the very context of contemporary culture.
In order to cruise this itinerary, the text starts from an understanding of the technicalparticularities of the network, related to the symbolic exchanges established in itsenvironment. In a first phase, the research investigates the concept of NetworkCulture through the social-technical relations which are its components. On thediscussion proposed by Alexander Galloway concerning the protocols that rule thecommunication flux on the Internet, the concepts of code and interface arearticulated, aiming to define a language digital objects. The theories of Lev Manovich,Margot Lovejoy, Florian Cramer and Jay David Bolter & Richard Grusin are utilized inorder to further develop these discussions.
After defining the specifities of the Network Culture, it became possible, in a secondinstance, to analyze de development of what Lawrence Lessig denominates asRemix Culture, in other words, a social configuration marked by semioticappropriation and recontextualization typical of those new digital technologies. AboutLessig’s concept are discussed the aesthetic parameters of the remix cultures on theterrain of network culture through Eduardo Nava’s analysis in parallel with theconcepts of modularity and remixability by Lev Manovich, digital aura in MichaelBetancourt and remix as consumption from Nicolas Bourriard.
From the methodological perspective, a mapping and analysis of Internet projectsthat discuss the concepts above referred and contribute for the reconfiguration of thecontemporary notion of authorship is accomplished. Among them:“AfterSherrieLevine.com/AfterWalkerEvans.com”, by Michael Mandiberg, 2001, and“Society of the Spectacle (A Digital Remix)” by Mark Amerika, Trace Reddell andRick Silva, 2004. Such an empirical corpus was split into two categories proposed byEduardo Navas: Selective and Reflexive Remix. The typologies of agency suggestedby these works bring up questions such as the production and consumption relations,interactivity, property, control and micropolitics, as well as pointing towards thedefinition of both to the very own aesthetics and politics of the intercrossing betweennetwork culture and remix culture.
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ÍNDICE
1. Introdução:............................................................................................................ 062. Cultura de Rede.................................................................................................... 112.1. Primeira Camada ........................................................................................... 172.1.1. Protocolo ................................................................................................. 172.1.2. O Código ................................................................................................. 31
2.2. Segunda Camada .......................................................................................... 352.2.1. A Interface ............................................................................................... 352.2.2. A Linguagem ........................................................................................... 40
2.3. Considerações Finais: A Estética da Cultura de Rede................................... 523. Cultura Remix ....................................................................................................... 563.1 – Remix: das turntables às interfaces digitais ................................................. 583.2 – Remixabilidade: De Módulo a Micro-conteúdo............................................. 623.3. Remix como processo e processos de remix na cultura de rede ................... 663.3.1 – Remix como processo ........................................................................... 663.3.2. Processos de Remix na Cultura de Rede................................................ 77
3.4. Considerações Finais: Remix como Consumo.............................................. 834. O Jogo Contemporâneo........................................................................................ 894.1. Jogos de Seleção........................................................................................... 904.1.1. After Sherrie Levine/ After Walker Evans ................................................ 92
4.2. Jogos de Reflexão.......................................................................................... 984.2.1. Society of the Spectacle (A Digital Remix) .............................................. 99
5. Conclusão:.......................................................................................................... 1096. Referências Bibliográficas: ................................................................................. 1137. Anexos:............................................................................................................... 121
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1. Introdução:
O modelo de comunicação do século XX estabelecia uma linha de fluxo
clara que partia do destinatário em direção ao receptor. No século XXI, entretanto, a
predominância das tecnologias de rede criam um novo diagrama de comunicação
onde o receptor é apenas um destino temporário para a informação (MANOVICH,
2007). Nesta nova paisagem midiática, surgem novas maneiras de produzir,
consumir e compartilhar capazes de sugerir a conformação de novos domínios
políticos e estéticos. Para perceber a amplitude desta reconfiguração no campo da
cultura, basta que se observe como cotidianamente artistas, músicos, profissionais
de mídia e usuários da Internet em geral – que se utilizam de redes peer-to-peer,
blogs e RSS -, remodelam os padrões de consumo estabelecidos e desafiam
conceitos como os de autoria e propriedade intelectual.
Para Kazys Varnelis estas transformações seriam capazes de configurar
uma nova condição cultural: a cultura de rede. Como a própria denominação sugere,
trata-se de uma interseção específica entre cultura e tecnologia capaz de dizer sobre
o panorama social contemporâneo. Por esta razão, o conceito de cultura de rede
deve ser entendido através de uma articulação das noções sobre as quais é
composta. Já que nem a cultura e nem a tecnologia são conceitos estáticos, a
cultura de rede apresenta-se como um campo de análise instável e talvez este seja
o maior desafio a ser entendido quando o tomamos como metodologia.
Consciente da travessia por um terreno móvel, este trabalho inicia-se
8
através de um esforço de delimitar as instâncias circunscritas pelo conceito de
cultura de rede com o objetivo de mapear suas propriedades e, através delas, a
configuração deste novo território que abre-se para a experimentação de novos
formatos de criação. Com este objetivo, o conceito de cultura de rede é abordado
sobre sua natureza relacional no primeiro capítulo deste trabalho. Este encontra-se
divido em duas seções que caracterizam-se pela investigação dos aspectos técnicos
das redes de comunicação, que denominamos Primeira Camada, e das instâncias
onde manifestam-se suas características culturais, denominadas aqui Segunda
Camada. É necessário destacar, no entanto, que esta divisão não tem como objetivo
retratar uma fragmentaridade do conceito, mas abordar com igual dedicação os
fatores que se entrecruzam em sua construção. Pretendemos que tal perspectiva
torne-se clara ao desenrolar da leitura, já que não é possível entender qualquer uma
das camadas sem que se perceba que sua composição se dá em simultaneidade
com a outra.
A seção Primeira Camada inicia-se a partir da investigação de Alex
Galloway sobre os protocolos que regem o fluxo de comunicação na Internet. A
partir da identificação do diagrama por onde acontecem as trocas simbólicas na rede
procura-se analisar seu modo de controle específico e, em oposição, os modos de
resistência possíveis ao que o autor denomina controle protocolar. Sobre estas
noções, passamos para a análise do código, considerado como ferramenta
operacional da cultura de rede por ser dotado de políticas e ideologias próprias. Na
seção Segunda Camada, dedicamo-nos à investigação das qualidades específicas
das interfaces dos produtos digitais, tratadas como meta-ferramentas de operação
das relações entre técnica e cultura, além de superfície onde é desenvolvida a
linguagem das mídias digitais e, consequentemente, da cultura de rede. As relações
9
estabelecidas pelas instâncias tratadas neste capítulo servem de base para a
delimitação do conceito de cultura de rede como condição cultural da
contemporaneidade, caracterizada por uma estética de compartilhamento e
reciclagem possibilitada pelo próprio diagrama das redes de comunicação.
A estética da cultura de rede é abordada no segundo capítulo, onde estas
práticas de compartilhamento e reciclagem dão lugar ao que Lawrence Lessig
denomina cultura remix. Sobre a proposição de Lessig, utilizamos-nos de Eduardo
Navas e Lev Manovich para a análise do desenvolvimento do conceito de remix ao
longo da história e suas especificidades quando inserido na cultura de rede. Através
da articulação de conceitos como modularidade e remixabilidade, procuramos
demonstrar as diferenças estéticas entre o conceito de remix proposto pela
contemporaneidade e as práticas de apropriação, colagem e montagem típicas da
modernidade. Definido o conceito de remix, apresentamos como se dá seu modo de
operação através das estratégias apresentadas por Bernad Schütz e de três
categorias definidas por Eduardo Navas: remix extendido, remix seletivo e remix
reflexivo, das quais somente as duas últimas operam nos objetos da cultura de rede.
Por fim, apresentamos a noção de remix como consumo a partir dos conceitos de
pós-produção, cultura de uso e comunismo da forma desenvolvidos por Nicolas
Bourriaud.
As categorias de análise propostas por Navas são as ferramentas
operadoras das análises desenvolvidas no terceiro capítulo. A partir de um
mapeamento de projetos concebidos para a Internet que discutem os conceitos
tratados no decorrer da pesquisa e contribuem para a discussão sobre a
reconfiguração da autoria no contexto da cultura de rede, foram elencados dois
trabalhos que se articulam sobre as categorias de remix seletivo e remix reflexivo
10
definidas por Eduardo Navas. São eles:
“AfterSherrieLevine.com/AfterWalkerEvans.com”, de Michael Mandiberg, 2001 e
“Society of the Spectacle (A Digital Remix)” de Mark Amerika, Trace Reddell e Rick
Silva, 2004. Acreditamos que este corpus empírico seja capaz de demonstrar as
relações de produção, consumo, propriedade e controle das manifestação culturais
típicas das redes digitais, além de apontar para uma definição de uma estética e
política próprias do entrecruzamento entre cultura de rede e cultura remix.
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2. Cultura de Rede
Em The Rise of Network Culture1, Kazys Varnelis define a cultura de rede
como uma nova condição social estimulada pela maturidade das tecnologias de
rede, mais especificamente da Internet e da telefonia móvel. O título do texto é uma
analogia ao volume The Rise of the Network Society2 de Manuel Castells, que define
uma sociedade marcada por uma série de modificações tais como a flexibilização do
capital alcançada pela organização em rede das corporações transnacionais, a
alteração do fluxo de comunicação como resultado da emergência das redes on e off
line, além da adoção da tecnologia digital como plataforma dominante das
telecomunicações. Enquanto Castells delimita as condições em que se desenvolve
esta nova configuração social, Varnelis parte das premissas da sociedade em rede
para identificar o cenário cultural que daí emerge. Exatamente por isso, a
aproximação entre os dois títulos é capaz evidenciar o contexto no qual o conceito
proposto por Varnelis encontra-se inserido: se a sociedade em rede é definida por
Castells como a interação entre o desenvolvimento de novas tecnologias e seus
efeitos no âmbito social3; a cultura de rede de Varnelis fundamenta-se sobre a
1 VARNELIS, Kazys. The Rise of Network Culture. In: Network Publics. No prelo. Disponível em:<http://varnelis.net>.
2 Na edição brasileira corresponde ao primeiro volume da da trilogia A Era da informação:CASTELLS, Manuel (2006). A Era da informação: economia, sociedade e cultura. Volume 1 - ASociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra.
3 “O surgimento da sociedade em rede, (...) não pode ser entendido sem a interação entre estas duas
13
mesma perspectiva4.
O paralelo entre tecnologia e sociedade como é abordado em Castells e
Varnelis encontra eco na teoria sobre a cultura de rede desenvolvida por Tiziana
Terranova. Em Network Culture: Politics for the Information Age5, a autora afirma
que sua concepção de tecnologia se dá sobre uma série de conceitos capazes de
abrir um campo específico de percepção e análise dos processos físicos e sociais
envolvidos nos sistemas de rede, sem que haja qualquer tipo de relação de causa e
efeito entre o desenvolvimento tecnológico e as mudanças sociais. Dessa forma, a
autora circunscreve a cultura de rede como um fenômeno
inseparable both from a kind of network physics (that is physical processesof differentiation and convergence, emergence and capture, openness andclosure, and coding and overcoding) and a network politics (implying theexistence of an active engagement with the dynamics of information flows).6
(TERRANOVA, 2004, p.03)
Se a cultura de rede só pode ser entendida na interação entre sua
fisicalidade e suas políticas, ou seja, entre seus aspectos técnicos e sociais,
entendemos que seja porque a própria rede também está fundamentada sobre esta
tendências relativamente autônomas: o desenvolvimento de novas tecnologias da informação e atentativa da antiga sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia para servir àtecnologia do poder.” (CASTELLS, 2006, p. 98)
4 “Individually, such everyday narratives of how technology reshapes our everyday lives are minor.Collectively, they are deeply transformative.” (VARNELIS, 2007, p. 01)“Individualmente, tais narrativas cotidianas de como a tecnologia redefine nossas vidas cotidianas sãoinsignificantes. Coletivamente, são profundamente transformadoras.” Tradução livre.
5 TERRANOVA, Tiziana (2004). Network Culture: Politics for the Information Age. London: PlutoPress.
6 “inseparável ao mesmo tempo da fisicalidade da rede (que são os processos físicos dediferenciação e convergência, emergência e captura, abertura e fechamento, e codificação esobrecodificação) e a política da rede (que implica a existência de um engajamento ativo com odinâmico fluxo de informação.” Tradução livre.
14
ambivalência.7 É possível percebê-la, por exemplo, no modelo proposto por Tim
Berners-Lee para explicar a infraestrutura da World Wide Web. Nele, quatro
camadas são dispostas horizontalmente: o meio de transmissão, o hardware, o
software e o conteúdo. Como explica o autor, "the transmission medium connects
the hardware on a person’s desk, software runs Web access and Web sites, while
the Web itself is only the informational content that exists thanks to the other three
layers."8 (BERNERS-LEE, 2000, p. 130)
De maneira semelhante a Berners-Lee, Yochai Benkler propõe uma
sistematização utilizando-se apenas de três camadas para explicar o funcionamento
da Internet. Segundo o autor, este modelo baseia-se na representação das funções
básicas envolvidas em uma comunicação mediada tecnicamente e tem como
intenção “to map how different institutional components interact to affect the answer
to the basic questions that define the normative characteristics of a communications
system – who gets to say what, to whom, and who decides?”9 (BENKLER, 2006, p.
392)
A primeira camada do modelo de Benkler é denominada camada física e
compreende todos os aparatos materiais utilizados para conectar os pólos de uma
comunicação, ou seja, o meio físico por onde o conteúdo trafega. Aqui estão
incluídos computadores, telefones, fios, links wireless e handhelds, entre outros. Por
7 Esta perspectiva é resultado da discussão realizada no trabalho:DUARTE, Fernanda da Costa Portugal e COSTA, Maria Teresa Tavares. ?option=process” -Interatividade em net art. Belo Horizonte: Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, 2003.159 p. (Dissertação, Graduação em Publicidade e Propaganda).
8 “o meio de transmissão conecta o hardware, o software roda o acesso Web e os Web sites,enquanto a Web propriamente dita é apenas o conteúdo informacional que existe graças à outras trêscamadas.” Tradução livre.
9 “mapear como componentes institucionais diversos interagem de maneira a afetar a resposta àsquestões básicas que definem as características normativas de um sistema de comunicação – quemdiz o que, a quem, e quem decide?” Tradução livre.
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englobar hardwares e equipamentos para transmissão de dados, podemos dizer que
a primeira camada no modelo de Benkler equivale à primeira e segunda camadas no
modelo de Berners-Lee, conjuntamente. Na sequência, temos a camada lógica,
representada por tudo o que é compreendido na transformação da comunicação
humana em dados que possam ser transmitidos, armazenados ou computados por
máquinas e, em reverso, na transformação dos dados em informações que possam
ser compreendidas por seres humanos. Nesta camada estão os protocolos,
softwares e sistemas operacionais, correspondendo à camada de software descrita
por Berners-Lee. Por fim, a camada de conteúdo possui tanto nomenclatura quanto
definição idênticas em ambos modelos, compreendendo as mensagens que
trafegam entre os pontos da rede.
O modelo de Benkler é um dos conceitos-chave para o entendimento dos
efeitos da Internet na sociedade para Lawrence Lessig. Em The Future of Ideas: The
Fate of the Commons in a Connected World10, o autor demonstra como o exercício
do controle sobre suas três camadas é capaz de definir a produção e o trânsito dos
sistemas sígnicos em nossa sociedade, ou seja, como se configura o que estamos
chamando aqui de cultura de rede: “What is special about the Internet is the way it
mixes freedom with control at different layers.”11 (LESSIG, 2001, p. 25)
Todavia, o modelo que talvez possa trazer mais questões à superfície sobre
a produção e circulação semiótica neste contexto é aquele apresentado por Lev
Manovich (2004) que assume o maior grau de objetividade entre os tratados neste
trabalho por dividir sua análise em apenas duas camadas: a camada da cultura e a
10 LESSIG, Lawrence (2001). The Future of Ideas: The Fate of the Commons in a Connected World.New York: Random House.
11 “O que é interessante na Internet é o modo como ela combina liberdade e controle nas diferentescamadas.” Tradução livre.
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camada do computador. É importante destacar que, de acordo com o autor, a
camada do computador não pode ser definida fixamente e pode variar ao longo do
tempo já que softwares e hardwares estão em constante evolução e a cada dia os
computadores são utilizados de diferentes maneiras e para novas tarefas. O mesmo
pode ser afirmado para a camada da cultura. Exatamente por este motivo, o modelo
de Manovich é capaz de destacar o modo como cultura e técnica influenciam-se
mutuamente e são compostas em simultaneidade: “The result of this composite is a
new computer culture – a blend of human and computer meanings, of traditional
ways in which human culture modeled the world and the computer’s own means of
representing it.”12 (MANOVICH, 2002, p. 46)
Com inspiração no modelo proposto por Lev Manovich, dividimos o primeiro
capítulo deste trabalho em duas seções denominadas Primeira Camada e Segunda
Camada. Tal fragmentação não tem como objetivo propor qualquer tipo de
hierarquia. Ao contrário, pretende a construção de um conceito de cultura de rede
capaz de abordar com a mesma dedicação os dois elementos principais deste
fenômeno que não pode ser entendido senão como uma relação, ou um
entrecruzamento, entre as duas camadas que o compõem.
12 “O resultado desta composição é uma nova cultura computacional – uma combinação designificados humanos e computacionais, de formas tradicionais nas quais a cultura humana moldou omundo e no modo próprio do computador representá-lo.” Tradução livre.
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2.1. Primeira Camada
2.1.1. Protocolo
É comum nos deparamos com metáforas para a Internet. Entre tantas
analogias, talvez a mais conhecida seja a do rizoma, conceito filosófico criado por
Gilles Deleuze e Félix Guattari. Na biologia, o rizoma é uma estrutura que pode
funcionar como raiz, talo ou ramo. Plantas como orquídeas ou bananeiras não
possuem raízes, mas rizomas onde brotos, bulbos e tubérculos podem formar-se em
qualquer um de seus pontos. Na transposição do conceito para a filosofia, o rizoma
delimita as propriedades de um tipo específico de produção semiótica que se opõe a
certos modelos de criação, chamados por Deleuze e Guattari de livro-raiz e sistema-
radícula ou raiz fasciculada. Tais modelos são aqueles onde a arte imita a natureza,
transformando-se em objeto de reflexão, e têm como característica principal a
reprodução de uma idéia de unidade, encontrada mesmo em métodos baseados na
fragmentação como o cut-up13 de William Burroughs:
13 A técnica de cut-up é uma técnica literária aleatória ou um gênero de criação onde um texto écortado randomicamente e rearranjado para criar um novo texto. O manifesto Electronic Revolution,de William S. Burroughs, publicado em 1966, é uma bibliografia importante para se entender opotencial político do método cut-up. Ver:BURROUGHS, William S. (1971). Electronic Revolution. Cambridge: Blackmoor Head Press.O ensaio também está disponível em: <http://netart.incubadora.fapesp.br/portal/midias/burroughs>.
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a dobragem de um texto sobre outro, constitutiva de raízes múltiplas emesmo adventícias, (...) implica uma dimensão suplementar à dos textosconsiderados. É nesta dimensão suplementar da dobragem que a unidadecontinua seu trabalho espiritual. É neste sentido que a obra maisdeliberadamente parcelar pode também ser apresentada como Obra total ouGrande Opus. (DELEUZE e GUATARRI, 1995, p. 14)
Inversamente, o rizoma afasta-se da égide do uno em direção à
multiplicidade: “todas as multiplicidades são planas, umas vez que elas preenchem,
ocupam todas as suas dimensões.” (DELEUZE e GUATARRI, 1995, p. 17) O
conceito de rizoma em Deleuze e Guattari é articulado sobre seis princípios que
determinam seu modo de funcionamento. Os primeiros são os de conexão e
heterogeneidade, que apontam para a interconexão de todos os seus pontos e,
como conseqüência, para a mobilidade dos centros e para a possibilidade de
reorganização das instâncias de poder. Na seqüência, está o princípio de
multiplicidade que marca a potência dos agenciamentos, capazes de se
reconfigurarem à medida em que aumentam suas conexões. O quarto é denominado
ruptura a-significante e garante a continuidade do rizoma: “Faz-se uma ruptura,
traça-se uma linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nela
organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente um
poder a um significante, atribuições que reconstituem um sujeito.” (DELEUZE e
GUATTARI, 1995, p. 18) Por último, os princípios de cartografia e decalcomania
definem o diagrama do rizoma: um mapa de caráter aberto e instável, com múltiplas
entradas.
À primeira vista, os princípios do rizoma arecem descrever com exatidão o
funcionamento da Internet. Em um segundo olhar, entretanto, torna-se possível
perceber que o conceito não pode ser adequadamente aplicado às redes
tecnológicas por não levar em consideração os sistemas de controle sobre os quais
19
estas se constituem: “the Web isn’t ‘an acentered, nonhierarchical, nonsignifying
system’ as is Deleuze and Guattari’s rhizome.”14 (GALLOWAY, 2004, P. 61). Ao
criticar a analogia entre o rizoma e a Internet em Protocol – How control exists after
decentralization15, Alexander Galloway demonstra como as metáforas são capazes
de velar as relações de controle nas redes de comunicação.
Understanding networks not as metaphors, but as materialized andmaterializing media, is an important step toward diversifying andcomplexifying our understanding of power relationships in control societies.With the network metaphor, one only has a tool that does something inaccordance to the agency of the human-user (a computer that downloads atyour command, an information network that makes everything freelyaccessible at the click of a mouse, etc). Click-download, cause-effect. If wedispense with convenient metaphors and actually ask how a networkfunctions (not ‘what is it?’, but ‘what does it do?’, then several noteworthyrealizations emerge.16 (THACKER in GALLOWAY, 2004, p. XV)
Para além da estrutura rizomática, a análise de Galloway sobre os
protocolos pelos quais circulam as informações nas redes digitas resiste ao
condicionamento entre conectividade, liberdade, coletividade e participação. O autor
parte do princípio de que a Internet nasceu como uma ferramenta militar dentro dos
laboratórios da ARPA, Advanced Research Projects Agency, no Departamento de
Defesa norte-americano. Como consequência, “the founding principle of the Net is
14 “A rede não é ‘um sistema a-centrado, não hierárquico e a-significante’ como o rizoma de Deleuzee Guattari.” Tadução livre.
15 GALLOWAY, Alexander R (2004). Protocol – How Control Exists After Decentralization. Cambridge:The MIT Press.
16 “Entender as redes não como metáforas, mas como uma mídia materializada e materializante, éum passo importante na direção de um entendimento diversificado e complexo das relações de podernas sociedades de controle. Através da metáfora da rede, têm-se apenas uma ferramenta que fazalgo em concordância com o agenciamento do usuário (um computador que baixa arquivos ao seucomando, uma rede de informações que torna tudo acessível de graça e ao clique de um mouse, etc).Clique-download, causa-efeito. Se nós dispensarmos a conveniência das metáforas e perguntarmosna verdade como uma rede funciona (não ‘o que é isso’, mas ‘o que isso faz’, então uma infinidade depercepções importantes irão emergir.” Tradução livre.
20
control, not freedom. Control has existed from the beginning.”17 (GALLOWAY, 2004,
p. 142)
Na realidade, não existe um consenso sobre a origem da Internet. A maior
parte dos pesquisadores, no entanto, concorda que sua implementação foi
incentivada como uma solução para a vulnerabilidade do sistema militar no caso de
um ataque nuclear: quando não existem centros de comando, não podem existir
alvos centrais. O funcionamento deste sistema é baseado em protocolos, que
podem ser definidos como um conjunto de regras e recomendações que “govern
how specific tecnologies are agreed to, adopted, implemented, and ultimately used
by people around the world.”18 (GALLOWAY, 2004, p. 07)19
Parte dos objetivos de Galloway no estudo sobre os protocolos está em
demonstrar que apesar da Internet funcionar através de um controle central, sua
organização não é a mesma de uma rede descentralizada, ou uma massa
rizomática, como assume grande partes dos autores sobre o tema. Segundo ele, o
equívoco estaria baseado em uma contradição da própria rede: enquanto uma
instância tecnológica, o protocolo TCP/IP20, distribui o controle em zonas
17 “o princípio que funda a Internet é o controle, não a liberdade. O controle existiu desde o início.”Tradução livre.
18 “governam como tecnologias específicas são acordadas, adotadas, implementadas, e de fatoutilizadas por pessoas ao redor do mundo.” Tradução livre.
19 Praticamente todos os protocolos que controlam o fluxo de dados na Internet hoje estão contidosem documentos chamados RFC (Request for Comments), publicados pela Internet Engineering TaskForce (IETF). Outros protocolos são mantidos por outras organizações como, por exemplo, a WorldWide Web Consortium (W3C), responsável por protocolos como o Hypertext Markup Language(HTML) e Cascading Style Sheets.
20 TCP (Transmission Control Protocol) e IP (Internet Protocol) são os protocolos mais comuns para atransmissão de dados de um computador a outro através da Internet. Ambos trabalhamconjuntamente para estabelecer conexões entre computadores e mover pacotes de dadosefetivamente através destas conexões. É por causa destes protocolos que qualquer computador narede pode conversar com outro, resultando em uma relação não hierárquica entre máquinas.(GALLOWAY, 2004)
21
autônomas, outra, o DNS21, foca o controle em hierarquias bem determinadas.
Então se, por um lado, a Internet é estruturada por protocolos rígidos que fogem ao
modo de operação do rizoma delimitado por Deleuze e Guattari (não existência de
centro e hierarquia), por outro, seu funcionamento corresponde a muitos de seus
princípios (a habilidade de qualquer ponto se conectar a outro, o princípio de
multiplicidade, a possibilidade de partir-se ou ramificar-se em qualquer ponto, a
instabilidade de sua estrutura, etc.). A existência desta tensão dialética seria
responsável pelo que o autor denomina controle protocológico.
Para explicar o modo de ação deste tipo específico de controle, Galloway
analisa três diferentes modos de organização em rede e as articulações do controle
em cada um deles, traçando um paralelo entre as arquiteturas de rede e os
diagramas sociais propostos por Michel Foucault e por Gilles Deleuze.
O diagrama de rede mais
simples é o de rede centralizada (ver
figura 1). Este tipo de organização está
baseado em um sistema hierárquico
comandado por um hub central que tem
como subordinados todos seus nós e
ramificações. Neste tipo de rede, o poder
é estabelecido do centro para a periferia,
criando vários níveis de hierarquia.
Exatamente por isso, nenhum nó periférico estabelece conexões com outros nós. O
21 DNS (Domain Name System) é responsável pela correspondência entre os endereços e nomes narede. Para visitar um site, por exemplo, é necessário que o DNS faça a conversão entre o nome dosite e seu endereço de IP. Toda a informação no DNS é controlada através de uma estruturahierárquica em forma de árvore. (GALLOWAY, 2004)
Figura 1. Rede Centralizada
22
diagrama social que corresponde às redes centralizadas é os das sociedades de
soberania, modelo criado por Foucault para explicar a forma do poder nas
sociedades antigas, anteriores ao século XVIII. Segundo o autor:
A teoria da soberania está vinculada a uma forma de poder que se exercemuito mais sobre a terra e seus produtos do que sobre os corpos e seusatos: se refere à extração e apropriação pelo poder dos bens e da riqueza enão do trabalho; permite transcrever em termos jurídicos obrigaçõesdescontínuas e distribuídas no tempo; possibilita fundamentar o poder naexistência física do soberano, sem recorrer a sistemas de vigilânciacontínuos e permanentes; permite fundar o poder no gasto irrestrito, masnão calcular o poder com um gasto mínimo e uma eficiência máxima.(FOUCAULT, 2006, p. 187)
Resumindo, assim como nas redes centralizadas, as sociedades de
soberania necessitam de um poder físico e hierarquizado para seu funcionamento.
Este tipo de organização não deve ser considerado arbitrário, mas uma condição
para a própria existência e funcionamento destes sistemas. Segundo Deleuze
(2005), a análise de Foucault sobre as cartas régias de aprisionamento, mostram
que o despotismo do rei não atuava somente de alto a baixo conforme as atribuições
de seu poder transcendente, mas era constantemente solicitado por súditos que
requeriam ao monarca a prisão de alguém
como um simples procedimento de serviço
público.
Continuando a análise dos
diferentes diagramas de rede, temos a de
tipo descentralizado, que nada mais é do
que uma multiplicação da rede
centralizada (ver figura 2). Em redes como
esta, existem muitos hubs ao invés de um,Figura 2. Rede Descentralizada
23
cada um com sua gama de nós dependentes. Em virtude dessa organização,
nenhum hub é capaz de exercer poder sobre outro. As redes descentralizadas, de
acordo com Galloway, corresponderiam ao diagrama das sociedades disciplinares.
Estes tipos de sociedades estão situados entre os séculos XVIII e XX e são
caracterizadas por leis e instituições fundadas pela burguesia, o que acabaria por
permitir a constituição do capitalismo industrial. Foucault descreve as articulações do
poder neste modelo:
Este novo mecanismo de poder apóia-se mais nos corpos e seus atos doque na terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair doscorpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo de poderque se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamentepor meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo; quesupõe mais um sistema minucioso de coerções materiais do que aexistência física de um soberano. Finalmente, ele se apóia no princípio, querepresenta uma nova economia do poder, segundo o qual se deve propiciarsimultaneamente os crescimento das forças dominadas e o aumento daforça e da eficácia de quem as domina. (FOUCAULT, 2006, p. 188)
O símbolo das sociedades disciplinares é o panóptico, modelo de sistema
carcerário idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham e posteriormente
retomado por Foucault. O panóptico é constituído por uma arquitetura circular de
disposição de celas, cada uma com a face interna exposta para o interior da
edificação. No centro, uma torre central é capaz de vigiar todos os presidiários.
Apesar do modelo do panóptico remeter ao diagrama de rede centralizada, onde
todos os pontos periféricos estão ligados ao centro, é necessário ressaltar que aqui
não se trata do poder centralizado do carcereiro, mas da reprodução deste poder em
cada um dos prisioneiros que, não sabendo quando estão sendo vigiados, acabam
por vigiar a si mesmos. Segundo Deleuze, o panopticismo em Foucault não trata
apenas de “ver sem ser visto”, mas de “impor uma conduta qualquer a uma
multiplicidade humana qualquer.” (DELEUZE, 2005, p. 43)
24
O último diagrama de rede a ser
analisado é o das redes distribuídas (ver
figura 3). Este tipo de organização não
possui hubs ou nós e, no lugar destas
estruturas, cada um de seus componentes
é dotado de certa autonomia. Por esta
razão, todos os pontos deste tipo de rede
têm a possibilidade de conectar-se a
outros pontos, determinando uma variada
gama de rotas para os pacotes de
informação. Dado que cada ponto tem a capacidade de estabelecer uma
comunicação direta com outro sem que seja necessário passar por intermediários, a
condição essencial para o sucesso desta conexão é o compartilhamento de uma
mesma linguagem. Por esta razão, os protocolos tornam-se símbolos destes tipos
de rede: “Without a shared protocol, there is no network.22” (GALLOWAY, 2004, P.
12)
Galloway afirma que a emergência das redes distribuídas é parte de uma
mudança radical na estrutura social que afasta-se de instâncias burocráticas e
hierarquias verticais e tem sido estudada por sociólogos como Manuel Castells e
Hakim Bey23. Tal momento de transição também foi tratado por Gilles Deleuze que,
seguindo o pensamento de Foucault, indicou a substituição das sociedades
22 “Sem um protocolo comum, não existe rede.” Tradução livre.
23 Hakim Bey é o pseudônimo de Peter Lamborn Wilson, responsável, entre outros volumes, por TAZ:Zona Autônoma Temporária, Anarquismo Ontológico e Terrorismo Poético e Caos - TerrorismoPoético e outros Crimes Exemplares.BEY, Hakin (2001). TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad Editora._________ (2003). Caos - Terrorismo Poético e outros Crimes Exemplares. São Paulo: ConradEditora.
Figura 3. Rede Distribuída
25
disciplinares pelas sociedades de controle após o fim da Segunda Guerra Mundial:
“‘Controle’ é o nome que Burroughs propõe para designar um novo monstro, e que
Foucault reconhece como nosso futuro próximo.” (DELEUZE, 1992, p. 220)
Seguindo o mesmo modelo de análise de Foucault, Deleuze enumera algumas
características da sociedade de controle:
É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e jánão vende produtos acabados, ou monta peças destacadas. O que ele quervender são serviços, e o que quer comprar são ações. Já não é umcapitalismo dirigido para a produção, mas para o produto, isto é, para avenda ou para o mercado. Por isso ele é essencialmente dispersivo, e afábrica cedeu lugar à empresa. A família, a escola, o exército, a fábrica, nãosão mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário,Estado ou potência privada, mas são agora figuras cifradas, deformáveis etransformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes. Até a arteabandonou os espaços fechados para entrar nos circuitos abertos do banco.As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais porformação de disciplina, por fixação de cotações mais do que por redução decustos, por transformação do produto mais do que por especialização daprodução. (DELEUZE, 1992, p. 224)
O colapso das instituições sociais explicados por Deleuze em Post-Scriptum
Sobre as Sociedades de Controle24 tem como conseqüência a horizontalidade dos
circuitos do poder. O achatamento das hierarquias, entretanto, não significa o fim
dos aparatos disciplinares. Ao contrário, como Micheal Hardt e Antonio Negri
demonstram, “o exército imanente da disciplina – isto é, a autodisciplina dos sujeitos,
os murmúrios incessantes de lógica disciplinar dentro das próprias subjetividades -,
é estendido ainda mais genericamente na sociedade de controle.” (HARDT e
NEGRI, 2001, p. 352) Segundo os autores, as instituições sociais contemporâneas
produziriam identidades muito mais móveis e flexíveis do que nas sociedades
anteriores. Em Deleuze, a linguagem do controle passa a ser operada por uma
24 DELEUZE, Gilles (1992). Post-Scriptum Sobre as Sociedades de Controle. In: Conversações.Tradução Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34.
26
lógica numérica e modular e não exerce mais suas ações sobre o par massa-
indivíduo característico das sociedades de disciplina: “os indivíduos tornaram-se
‘dividuais’, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou
‘bancos’.” (DELEUZE, 1992, p. 222)
“Toda sociedade tem o seu ou os seus diagramas,” (DELEUZE, 2005, p. 45)
afirma Deleuze. E da mesma maneira como relaciona sociedades e diagramas, o
autor o faz com as máquinas. Segundo ele, o paralelo não ocorre por que as
máquinas sejam determinantes, mas por que contém em sua forma a expressão das
sociedades que as criaram e utilizaram. “A tecnologia é então social antes de ser
técnica.” (DELEUZE, 2005, p. 49). A inter-relação entre sociedade e técnica
encontrada em Deleuze tem como resultado a disposição de uma ferramenta que
possibilita não só verificar a complexificação das tecnologias e seus aparatos de
disciplina ao longo dos tempos, mas, principalmente, localizar a fragilidade dos
sistemas de controle nos diferentes momentos da história:
As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples,alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentestinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo daentropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operampor máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática ecomputadores, cujo perigo passivo é a interferência e, o ativo, a pirataria e aintrodução de vírus. (DELEUZE, 1992, p. 223)
Galloway faz uso desta mesma ferramenta para demonstrar como a
diferença radical do tipo de controle que presenciamos na sociedade atual
corresponde à natureza da rede, baseada na abertura, universalidade, inclusão e
flexibilidade próprios dos sistemas distribuídos: “It is control borne from high degrees
of technical organization (protocol), not this or that limitation on individual freedom or
27
decision making (facism).”25 (GALLOWAY, 2004, p. 142) O conceito de controle
protocolar proposto por Galloway pode então ser definido como o campo onde todas
as ações acontecem nos sistemas de rede. É importante destacar que este tipo de
controle não só estabelece a localização das ações possíveis em um sistema, mas a
própria natureza destas ações. Em resumo, são os protocolos que ditam as regras
do jogo: “The limits of a protocological system and the limits of possibility within that
system are synonymous.”26 (GALLOWAY, 2004, p. 52)
Para Hardt e Negri (2005), na sociedade de controle a idéia tradicional de
contra-poder e a idéia de resistência tornam-se cada vez menos possíveis. Com o
declínio de toda e qualquer forma de revolução, os autores defendem a necessidade
de invenção de um novo tipo de resistência. Uma proposta pode ser encontrada em
Deleuze, que afirma em entrevista a Toni Negri:
Você pergunta se as sociedades de controle ou comunicação não suscitarãoformas de resistência capazes de dar novas oportunidades a um comunismoconcebido como ‘organização transversal de indivíduos livres.’ Não sei,talvez. Mas isso não dependeria de as minorias retomarem a palavra.Talvez a fala, a comunicação, estejam apodrecidas. Estão inteiramentepenetradas pelo dinheiro: não por acidente, mas por natureza. É preciso umdesvio da fala. Criar sempre foi coisa distinta de comunicar. O importantetalvez venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, paraescapar ao controle. (DELEUZE, 1992, p. 217).
Para Alex Galloway, mais importante que a idéia de interrupção do fluxo de
informação proposta por Deleuze, está o fato do autor entender pioneiramente que a
resistência na sociedade de controle deve ser operada através dos próprios
aparatos e sob as próprias leis do poder. Esta perspectiva faz parte de um conceito
25 “É um controle nascido do mais alto escalão da organização técnica (protocolo), não esta ou aquelalimitação da liberdade individual ou da tomada de decisão (fascismo).” Tradução livre.
26 “Os limites de um sistema protocológico e os limites das possibilidades contidas nesse sistema sãosinônimos.” Tradução livre.
28
geral de resistência em Deleuze, que pode ser melhor compreendido através do
trecho a seguir, onde o autor reflete sobre a resistência do cinema à televisão: “ir ao
cerne do confronto seria quase se perguntar se o controle não poderia ser revertido,
ser colocado a serviço da função suplementar que se opõe ao poder: reinventar a
arte do controle que seria como que a nova resistência.” (DELEUZE, 1992, p. 97)
Sobre o conceito deleuziano, Galloway enxerga o campo de batalha da era
protocológica como um lugar onde a rede é sua própria inimiga e as diferenças entre
o poder e as organizações que o ameaçam tornam-se indistinguíveis.
Opposing protocol is like opposing gravity – there is nothing that says it can`tbe done, but such a pursuit is surely misguided and in the end hasn`t hurtgravity much. While control used to be a law of society, now it is more like alaw of nature. Because of this, resisting control has become very challengingindeed.27 (GALLOWAY, 2004, p. 147)
Entre as diversas manifestações das redes digitais, Galloway aponta três
onde é possível perceber ações de contra-poder capazes de se articular sob as
regras do controle protocológico. Em primeiro lugar, está a prática hacker28,
considerada pelo autor como marco da nova resistência: “hacking means that
resistence has changed.”29 (GALLOWAY, 2004, p. 160) Ao conhecer o protocolo
como ninguém, os hackers são capazes de levá-lo ao limite. Assim, se tomamos o
protocolo como sinônimo de possibilidade, tudo o que pode ser feito através do
27 “Opor-se ao protocolo é como opor-se à gravidade – não existe nada que diga que não possa serfeito, mas tal objetivo certamente situa-se fora do bom senso e não tem força suficiente para que agravidade possa ser atingida. Se antes o controle costumava ser a lei da sociedade, agora mostra-semais como uma lei da natureza. Em razão disto, resistir ao controle têm se tornado cada vez maisdesafiador.” Tradução livre.
28 Segundo a Wikipedia, Hacker é um “termo empregado geralmente para programadores, designers,administradores, ou pessoas de qualquer atividade considerados experts ou com alta qualificação.”“Originário do inglês, o termo é comumente utilizado no português sem modificação. Na línguacomum o termo designa programadores maliciosos e ciberpiratas que agem com o intuito de violarilegal ou imoralmente sistemas cibernéticos.” Disponível em <http://www.wikipedia.org>.
29 “a prática hacker significa que a resistência se transformou.” Tradução livre
29
protocolo é, de certa forma, permitido. Como conseqüência desta lógica é possível
entender a prática hacker como uma criação do controle protocolar onde os hackers
estabelecem-se, por consequência, como atores por excelência.
A segunda manifestação apontada por Galloway é a mídia tática. Segundo o
autor, este é o termo empregado para o uso político das tecnologias como acontece,
por exemplo, na desobediência civil eletrônica30. David Garcia e Geert Lovink
definem o movimento de mídia tática como:
what happens when the cheap ‘do it yourself’ media, made possible by therevolution in consumer electronics and expanded forms of distribution (frompublic access cable to the internet) are exploited by groups and individualswho feel aggrieved by or excluded from the wider culture.31 (GARCIA eLOVINK In: GALLOWAY, 2004, p. 175)
A partir da definição de Garcia e Lovink, Galloway afirma que “tactical media
means the bottom-up struggle of the network against the power centres.”32
(GALLOWAY, 2004, p. 175) Um bom exemplo deste tipo de resistência, como
demonstra o autor, é o ciberfeminismo, movimento que encontra na universalidade
do protocolo um espaço de ação nunca antes explorado pelo gênero feminino. Neste
movimento é possível verificar um modo de ação que sempre opera através do
espaço protocolar, e nunca contra ele: “ciberfeminism have never been anti-protocol,
but rather use protocological machines as an integral part of their political action, art
30 Ver: CRITICAL ART ENSEMBLE (2001). Distúrbio Eletrônico. Tradução de Leila de Souza Mendes.São Paulo: Conrad Editora do Brasil.
31 “o que acontece quando mídias acessíveis caracterizadas pelo conceito de ‘faça você mesmo’,tornadas possíveis pela revolução no consumo eletrônico e por formas de distribuição expandida(desde o acesso público ao cabo até a Internet) são exploradas por grupos e indivíduos que sesentem incomodados ou excluídos da esfera cultural.” Tradução livre
32 “mídia tática significa uma luta da rede contra os centros de poder que vai do nível inferior emdireção aos superiores.” Tradução livre
30
and writing”33. (PEIRCE In: GALLOWAY, 2004, p. 193)
A última forma da resistência ao controle protocológico apontada por
Galloway é a arte da Internet – também chamada de net art ou web arte. Para o
autor, a própria definição deste tipo de manifestação é, por natureza, tática. Para
explicar esta afirmação, Galloway utiliza-se do ensaio Exposure Time, the Aura, and
Telerobotics,34 de Marina Grzinic, no qual a autora enuncia que é o próprio delay na
trasmissão ou o crash dos browsers o que define a especificidade da linguagem da
Internet: “they are ‘tactical’ qualities of Internet art’s deep-seated desire to become
specific to its own medium, for they are the moments when the medium itself shines
through and becomes important.”35 (GALLOWAY, 2004, p. 213)
2.1.2. O Código
Entender os computadores e os sistemas de rede como as máquinas da
sociedade contemporânea abre um novo campo de análise para as relações sociais
e produções simbólicas pautadas pela linguagem numérica. Segundo Deleuze
(1992), o código numérico é a linguagem da sociedade de controle e carrega em si o
33 “o ciberfeminismo nunca foi anti-protocológico, ao contrário, utiliza-se das máquinas protocológicascomo parte integral de sua ação política, arte e escritura.” Tradução livre.
34 GRZINIC, Marina. “Exposure Time, the Aura, and Telerobotics”. In: GOLDBERG, Ken. (org.) (2000).The Robot in the Garden. Cambridge: MIT Press.
35 “estas são qualidades ‘táticas’ do mais profundo desejo da Internet art em se tornar específica àsua mídia, são os momentos pelos quais a mídia brilha em si mesmo e torna-se importante. ”Tradução livre.
31
poder de permitir ou negar o acesso à informação. Já David Berry e Jo Pawlik
(2005), afirmam que o código não só está por trás de todas as trocas sociais mas
“appears to be a defining discourse of our postmodernity.”36 (BERRY e PAWLIK,
2005, p. 01) Para os autores, o código tem sido empregado como a metáfora
hegemônica para a contemporaneidade: é narrativa, gênero e arquitetura social
(Lessig); ferramenta da tecnocracia, do capitalismo e da lei (Jacques Ellul e Andrew
Feenberg); além de ponto comum a diferentes discursos e esferas como o código do
DNA, o código computacional, o código da lei e o código cultural (Latour). Sob a
ótica de Deleuze e Guattari, os autores defendem que o conceito de código deve ser
entendido como “walls and doors of the prisons and workhouses of the 21st
Century,”37 (BERRY e PAWLIK, 2005, p.01) configurando um contexto onde não se
trata mais de localizar onde termina o código e começa a sociedade, mas de
entender o acoplamento código-sociedade ou sociedade-código.
Em Galloway, entender o código é entender a ontologia da rede. Seu
esforço está concentrado em “read the never-ending stream of computer code as
one reads any text (the former having yet to achieve recognition as natural
language), decoding its structure of control as one would a film or a novel.”38
(GALLOWAY, 2004, p.20) Thacker esclarece que a metodologia adotada por
Galloway está longe de ser da ordem da semiótica ou da crítica literária mas torna-
se adequada em razão da característica performativa do código: “computer code is
always enacted. Code is a set of procedures, actions and practices, designed in
36 “parece ser o discurso que define a nossa pós-modernidade” Tradução livre.
37 “paredes e portas das prisões e casas de correção do século 21” Tradução livre
38 “ler a contínua transmissão do código computacional como alguém lê qualquer texto (o objetivoprimeiro a ser ainda atingido é reconhecê-lo como uma linguagem natural), decodificando suaestrutura de controle como alguém faria com um filme ou uma novela.” Tradução livre.
32
particular ways to achieve particular ends in particular contexts. Code = praxis.”39
(THACKER in GALLOWAY, 2004, p. XV) Esta especificidade da natureza
performativa do código seria capaz de lhe conferir uma qualidade particular: o código
computacional é a única linguagem que é executável. Isso significa dizer que é a
única linguagem que realmente faz o que diz, “it is a machine for converting meaning
into action.”40 (GALLOWAY, 2004, p. 166)
Florian Cramer (2003) também chama a atenção para a ação performativa
do código computacional, que define como uma linguagem onde objeto e signo são
similares ou idênticos em oposição à linguagem simbólica tradicional que mantém
uma relação abstrata entre objeto e signo. Por esta razão o autor (2001) acredita
que o código deva ser entendido sob a influência de dois conceitos que
tradicionalmente encontram-se juxtapostos na lingüística moderna: “the structure, as
conceived of in formalism and structuralism, and the performative, as developed by
speech act theory41.”42 (CRAMER, 2001, p. 06)
Inke Arns (2004) explica que a relação entre os códigos computacionais e os
atos de fala não acontece por que o código oferece uma descrição ou representação
de algo “but, on the contrary, it directly affects, and literally sets in motion – or it even
‘kills’ a process.”43 (ARNS, 2004, p. 13) Por esta razão, a autora afirma que a
39 “o código computacional é sempre performativo. Um código é um conjunto de procedimentos,ações, e práticas, desenhadas de modos particulares para alcançar objetivos particulares emcontextos particulares. Código = práxis” Tradução livre.
40 “é uma máquina para a conversão de significado em ação.” Tradução livre.
41 Ver: AUSTIN, J. L. (1955). How to do Things with Words. Oxford University Press: Nova Iorque.
42 “a estrutura, como é concebida no formalismo e no estruturalismo, e o performativo, como foidesenvolvido na teoria dos atos de fala.” Tradução livre
43 “mas, ao contrário, afeta diretamente, e literalmente executa – ou mesmo ‘mata’ um processo.”Tradução livre.
33
performatividade do código computacional é capaz de produzir conseqüências
políticas imediatas, concedendo a este um status de lei.
Sobre este aspecto, Lawrence Lessig explica:
In real space, we recognize how laws regulate—through constitutions,statutes, and other legal codes. In cyberspace we must understand how adifferent “code” regulates— how the software and hardware (i.e., the “code”of cyberspace) that make cyberspace what it is also regulate cyberspace asit is.44 (LESSIG, 1999, p. 05)
Para Florian Cramer (2005), “there inevitably is an aesthetics, subjectivity
and politics in computing”45 (CRAMER, 2005, p. 88). O autor acredita que, apesar da
linguagem computacional ser a-gramatical, é possível encontrar nela uma
semântica, mesmo que em seus níveis mais primitivos. Um exemplo de ação política
do código algorítmico apontado por Cramer é o movimento de software livre fundado
por Richard Stallman com o GNU Manifesto46 em 1983. Segundo Cramer, o slogan
hacker que afirma que “a informação quer ser livre” supõe uma semântica política
transformada em código formal, com sua capacidade de replicação: “the Free
Software Movement translates the logic of executable code into a number of
executable codes: the GNU manifesto as a political instruction code, the GNU
licenses as a legal code, free software documentation as a technical instruction
code.”47 (CRAMER, 2005, p. 50) A própria denominação GNU significa “GNU is Not
44 “No espaço real, nós reconhecemos como as leis regulam – através de constituições, estatutos eoutros códigos legais. No espaço virtual nós devemos entender como os diferentes códigos regulam –como software e hardware (ou seja, o "código” do ciberespaço) que fazem o ciberespaço ser o que étambém regulam o ciberespaço em sua existência.” Tradução livre.
45 “existe inevitavelmente uma estética, uma subjetividade e uma política na computação.” Traduçãolivre.
46 Disponível em <http://www.gnu.org/gnu/manifesto.html>
47 “O movimento de software livre traduz a lógica dos códigos executáveis em uma quantidade deoutros códigos executáveis: o manifesto GNU como um código de instrução política, as licenças GNU
34
Unix,”48 um acrônimo que contém a si mesmo e pode ser recursivamente expandido
em “GNU is not Unix is not Unix”49 e assim ao infinito.
De maneira semelhante, Lev Manovich (2002) também destaca a natureza
ideológica do código. O autor afirma que o código computacional, como qualquer
código, é capaz oferecer um modelo de mundo e um sistema lógico próprios. Como
enfatiza o autor, essas noções estão na base das teorias contemporâneas no campo
da cultura e têm como marco a Hipótese de Sapir-Whorf, desenvolvida durante a
década de 40 pelo lingüista norte-americano Benjamin Whorf, sob as idéias do
alemão Edward Sapir. Em linhas gerais, a Hipótese de Sapir-Whorf propõe que o
pensamento humano seja determinado pelo código da língua materna, ou seja,
falantes de diferentes línguas maternas percebem o mundo de maneira diversa. A
este fenômeno o autor denomina não-transparência do código, conceito que,
segundo ele, ganha ainda mais força quando se trata do código partilhado nas
interfaces humano-computador (HCI ou human-computer interface): “in semiotic
terms, the computer interface acts as a code that carries cultural messages in a
variety of media.”50 (MANOVICH, 2002, p. 64)
como um código legal, a documentação do software livre como um código de instrução técnica.”Tradução livre.
48 “GNU Não é Unix” Tradução livre.
49 “GNU não é Unix não é Unix” Tradução livre.
50 “Em termos semióticos, a interface do computador atua como um código que carrega mensagensculturais em uma variedade de mídias.” Tradução livre.
35
2.2. Segunda Camada
2.2.1. A Interface
Se para Berry e Pawlik (2005), o código é o discurso definitivo da pós-
modernidade, para Manovich, a interface homem-computador é a chave ou meta-
ferramenta da sociedade da informação. Através de uma abordagem semiótica, o
autor afirma que as interfaces computacionais agem como um código e carregam
suas mensagens culturais através das mídias. Steven Johnson explica esta relação:
“A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes,
tornando uma sensível para a outra. Em outras palavras, a relação governada pela
interface é uma relação semântica, caracterizado por significado e expressão”
(Jonhson, 2001, p.17). A conseqüência desse processo, de acordo com Manovich, é
que a interface torna-se determinante na maneira como o usuário concebe o próprio
computador e na forma em que articula os produtos midiáticos ali acessados. Um
exemplo de como a interface impõe sua própria lógica sobre a mídia são as
operações de copy & paste51, padrão em qualquer interface gráfica (GUI ou
Graphical User Interface, em inglês) contemporânea. Para o autor, tal operação
torna insignificante as distinções entre as mídias e as relações espaço-temporais
midiáticas já que permitem ao usuário cortar e recontextualizar partes de diferentes
51 A expressão copy & paste (ou copie e cole, em português) denota o nome dos comandos pelasquais opera: copie e cole ou control+c, control+v.
36
produtos, sejam imagens, regiões espaciais ou composições temporais. Ao mesmo
tempo, ofuscam as relações tradicionais de escala já que os comandos de copy &
paste podem ser realizados sobre um pixel, uma imagem, ou mesmo um filme inteiro
da mesma maneira.
Ao tomar as HCIs como meta-ferramentas, Manovich procura entender
como afetam o funcionamento de produtos culturais e, particularmente, de objetos
artísticos. Para isso, atualiza a antiga dicotomia entre forma e conteúdo para uma
nova que opõe conteúdo e interface, validando o conceito de não transparência do
código. O autor acredita que exista uma configuração particular das noções de
espaço e tempo, da materialidade formal e da experiência fenomenológica do
usuário nos objetos artísticos das novas mídias. Esta experiência própria da arte
digital é criada exclusivamente através da interface, que determina uma relação
onde “to change the interface even slightly is to change the work dramatically. From
this perspective, to think of an interface as a separate level, as something that can be
arbitrarily varied, is to eliminate the status of a new media artwork as art.”52
(MANOVICH, 2002, p. 66). Finalmente, Manovich afirma que qualquer idéia que
aponte o conteúdo como preexistente à interface é desafiado por tais objetos que,
em muitos casos, geram ou transformam seus dados em tempo real.
Em Margot Lovejoy (2004) também encontramos uma relação dicotômica
derivada daquela entre forma e conteúdo. Diferente de Manovich, que trata das
manifestações culturais das mídias digitais de um modo geral, Lovejoy volta seu
olhar apenas para aquelas que são próprias da Internet. A dualidade proposta pela
52 “mudar a interface mesmo que sutilmente significa modificar o trabalho dramaticamente. A partirdesta perspectiva, pensar a interface como um nível separado, como algo que possa ser variadoarbitrariamente, é eliminar o status de arte de uma obra de arte em novas mídias.” Tradução livre.
37
autora concentra-se na relação entre contexto e conteúdo especificamente no
âmbito da arte em rede, como explica no trecho a seguir: “While, up to now, we have
understood how context can change the meaning of an artwork, the Web creates
extremely different conditions where the two are interchangeable.53 (LOVEJOY,
2004, p. 223)
A noção de conteúdo de Lovejoy não é restrita apenas ao que o objeto
contém, mas extende-se à tensão entre forma e tema. Já o contexto, que
geralmente é definido como a localização escolhida pelo artista para a experiência
de determinada obra, ganha novos contornos em virtude da dinâmica da Internet,
que combina pacotes de dados provenientes de diferentes fontes e rotas no
momento em que o usuário ativa uma tela. Nesse momento, “an inherent dis-location
takes place, where ideas of context take on different character and meaning which
influence a work. Through means of transferal and transmission, context can also
become its content.”54 (LOVEJOY, 2004, p. 223)
A experiência dos objetos digitais, para Jay David Bolter e Richard Grusin
(2000), é marcada ainda por uma terceira oposição: imediação X hipermediação.
Segundo os autores, apesar de ambos conceitos não serem específicos das novas
mídias, assumem uma articulação particular neste contexto. O conceito de
imediação representa uma sensação de ausência de mediação ou representação e
está associado à outro conceito, o de transparência. “It is the notion that a medium
could erase itself and leave the viewer in the presence of the objects represented so
53 “Enquanto, até agora, nós temos entendido como o contexto é capaz de modificar o significado deuma obra de arte, a rede cria condições extremamente diversas onde ambos são permutáveis.”Tradução livre.
54 “uma des-locação inerente se instala, onde idéias sobre o contexto assumem diferentescaracterísticas e significados que influenciam o trabalho. Através de agenciamentos comotransferência e transmissão, o contexto pode torna-se seu conteúdo.” Tradução livre.
38
that he could know the objects directly.”55 (BOLTER e GRUSIN, 2000, p. 70)
Segundo os autores, tanto a realidade virtual, como os gráficos tridimensionais e a
as HCIs de alguma maneira tentam tornar a tecnologia digital transparente. A
intenção destas interfaces é a de que o usuário não mais confronte o meio, mas
tenha uma relação imediata com a mensagem. O desejo de imediação, segundo
Bolter e Grusin, faz com que as mídias digitais apropriem-se constantemente de
seus predecessores analógicos como o filme, a televisão e a fotografia. Dessa
forma, se o computador é considerado por muitos autores como híbrido é porque
apropria-se da convicção de imediação já alcançada anteriormente por outras
mídias.
Por outro lado, a busca pela imediação por vezes acaba por levar ao seu
oposto, a hipermediação. Na definição de Bolter e Grusin, “in its epistemological
sense, hypermediacy is opacity – the fact that the knowledge of the world comes to
us through media.”56 (BOLTER e GRUSIN, 2000, p. 71) Isso significa que não existe
uma intenção de apagamento da mídia através de sua experiência mas, ao
contrário, o usuário experimenta a constante consciência de sua presença. É
possível perceber a hipermediação na Internet através da disposição de textos,
gráficos e vídeos conectados através de hiperlinks representados por ícones e
experienciados através de cliques - fatores que levam os autores a afirmar que a
World Wide Web talvez seja a expressão mais influente do conceito de
hipermediação na história das mídias.
De acordo com Bolter e Grusin, a insistente presença provocada pela
55 “É a noção de que uma mídia pode apagar-se e deixar o espectador na presença dos objetosrepresentados para que então possa conhecê-los diretamente.” Tradução livre.
56 “em seu sentido epistemológico, hipermediação é opacidade – o fato de que o conhecimento domundo chega até nós através da mídia.” Tradução livre
39
opacidade tenta afirmar a experiência da mídia como experiência do real e é
justamente no apelo da autenticidade da experiência que as lógicas da imediação e
da hipermediação se encontram. Esta oscilação entre imediação e hipermediação, e
consequentemente entre transparência e opacidade, é um processo chave para o
entendimento do conceito de remediação proposto por Bolter e Grusin. Como cada
nova mídia nasce com a promessa de oferecer uma experiência mais “imediata e
autêntica” que a oferecida pelas anteriores, acaba inevitavelmente por deixar
explícita sua natureza de mídia. Isso equivale a dizer que toda mediação é uma
remediação já que “our culture conceives of each medium or constellation of media
as its responds to, redeploys, competes with, and reforms other media.”57 (BOLTER
e GRUSIN, 2000, p. 71)
Vale destacar, entretanto, que a remediação não é um fenômeno que
acontece somente em progressão histórica, as mídias antigas também são capazes
de remediar as mais novas. Nessa genealogia, as mídias digitais merecem um
importante destaque por terem a capacidade de remediar todas as anteriores. Como
conseqüência, suas interfaces nunca serão completamente transparentes: a
estratégia dominante na Internet não é a imediação, mas a hipermediação e suas
janelas, links e barras de rolagem.
57 “nossa cultura concebe cada mídia ou constelação midiática à medida em que responde,reposiciona, compete e reforma outra mídia.” Tradução livre.
40
2.2.2. A Linguagem
Assim como Bolter e Grusin, Lev Manovich analisa como a linguagem das
mídias digitais define-se em grande parte através do diálogo com outros formatos
em The Language of New Media58: “the computerization of culture not only leads to
the emergence of new cultural forms such as computer games and virtual worlds; it
redefines existing ones such as photography and cinema.”59 (MANOVICH, 2002, p.
35) Partindo dessa premissa, o autor investiga os efeitos da revolução provocada
pelo computador na cultura visual e quais são as possibilidades estéticas que
tornam-se disponíveis nesse contexto. Com o objetivo de tentar responder a estas
questões, Manovich faz um paralelo entre as mídias analógicas e digitais e chega a
cinco princípios, ou tendências gerais, capazes de diferenciar as mídias surgidas
após do advento do computador.
O primeiro princípio é o da representação numérica: todos os produtos das
novas mídias, sejam aqueles criados em computadores ou convertidos de mídias
analógicas são compostos por código digital. Este princípio implica em duas
conseqüências. A primeira é que qualquer produto das novas mídias pode ser
descrito formalmente, ou seja, matematicamente, e a segunda é que estes mesmo
58MANOVICH, Lev (2002). The Language of New Media. Cambridge: MIT Press.
59 “A computadorização da cultura não só leva à emergência de novos formatos como os jogos decomputador e os mundos virtuais; ela redefine os formatos já existentes como a fotografia e ocinema.” Tradução livre.
41
produtos estão sujeitos à manipulação algorítmica. “In short, media becomes
programable.”60 (MANOVICH, 2002, p. 27)
Na seqüência está o princípio da modularidade: os produtos das novas
mídias podem ser representados como uma coleção de amostras discretas. Esta
estrutura modular implica que, apesar de serem percebidos como uma unidade, os
objetos são compostos por partes independentes como pixels, caracteres ou scripts.
É devido a esta organização que os produtos digitais podem ser facilmente editados,
sampleados ou reorganizados.
O terceiro princípio é o da automação, que define que a intencionalidade
humana pode ser, pelo menos em parte, removida do processo criativo. Este
princípio é uma conseqüência dos princípios de representação numérica e
modularidade e é divido por Manovich em dois tipos: baixo e alto nível de
automação. No primeiro, o usuário é capaz de criar utilizando-se de softwares,
templates e algorítmos simples. Já no segundo, sistemas de inteligência artificial
tomam a responsabilidade por praticamente todo o processo criativo. Na automação
de alto nível, segundo o autor, a preocupação não estaria concentrada em como
criar um novo produto, mas em como achar, organizar e re-utilizar informações já
produzidas: “the emergence of new media coincides with this second stage of a
media society, now concerned as much with accessing and reusing existing media
objects as with creating new ones.”61 (MANOVICH, 2002, p. 36)
Assim como o princípio da automação, o princípio de variabilidade também é
60 “Resumindo, os mídias torna-se programáveis.” Tradução livre.
61 “a emergência das novas mídias coincide com o segundo estágio da sociedade midiática, agorapreocupada com o acesso e reutilização de produtos midiáticos existentes em substituição à criaçãode novos.” Tradução livre.
42
uma conseqüência dos dois primeiros princípios. Sua definição afirma que “a new
media object is not something fixed once and for all, but something that can exist in
different, potentially infinite versions.”62 (MANOVICH, 2002, p. 36) Isso significa que,
além de cópias idênticas, um produto digital pode gerar diferentes versões, muitas
vezes feitas por um algorítimo computacional e, exatamente por isso, este princípio
está intimamente relacionado com o princípio da automação. É devido à
variabilidade que um usuário pode visualizar páginas personalizadas na Internet ou
que cada interator consiga experimentar uma versão única de um trabalho em
mídias digitais.
O último princípio é o da transcodificação ou transcodificação cultural.
Manovich explica:
In new media lingo, to ‘transcode” something is to translate it into anotherformat. The computadorization of culture gradually accomplishes similartranscoding in relation to all cultural categories and concepts. That is,cultural categories and concepts are substitued, on the level of meaningand/or language, by new ones that derive from the computer`s ontology,epistemology, and pragmatics. New media thus acts as a forerunner of thismore general process of cultural reconceptualization.63 (MANOVICH, 2002,p. 47)
Para o autor, o princípio de transcodificação descreve a mais substancial
conseqüência da computadorização da mídia: o processo de transformação dos
produtos midiáticos em código binário acaba por subordiná-los às convenções
estabelecidas para a organização dos dados computacionais. Um exemplo é a
62 “um objeto das novas mídias não é algo determinado uma vez e para sempre, mas algo que podeexistir em diferentes, potencialmente infinitas versões.” Tradução livre.
63 “No jargão das novas mídias, ‘transcodificar’ algo é traduzí-lo em outro formato. Acomputadorização da cultura gradualmente opera uma transcodificação similar em relação a todasas outras categorias e conceitos culturais. Ou seja, as categorias e conceitos culturais sãosubstituídos, no nível da significado e/ou da linguagem, por outros mais novos que derivam daontologia, epistemologia e pragmática que concernem à computação. As novas mídias então agemcomo um precursor deste processo de reconceitualização cultural mais geral.” Tradução livre.
43
absorção da estrutura modular (ou do princípio de modularidade), característica da
lógica de programação, na organização semântica nos produtos das mídias digitais.
Outro exemplo representativo é o da imagem digital. Enquanto em um primeiro nível
de representação este tipo de imagem dialoga com outras imagens, temas,
significados e qualidades formais; em um segundo nível, o diálogo se estabelece
com outros arquivos computacionais e com as propriedades destes arquivos tais
como tamanho, tipo, formato, nível de compressão, etc. Como o autor explica, “these
dimensions belong to the computer own cosmology rather than to human culture.”64
(MANOVICH, 2002, p.46) Assim, podemos concluir que este princípio é capaz de
colocar em evidência a influência significativa da lógica computacional sobre o
aspecto semiótico dos produtos digitais: “the logic of a computer can be expected to
significanty influence the tradicional cultural logic of media; that is, we may expect
that the computer layer will affect the cultural layer.”65 (MANOVICH, 2002, p. 46)
As relações indicadas por Manovich no princípio de transcodificação,
entretanto, não são exclusivas aos objetos digitais. Como foi visto anteriormente em
Deleuze e Galloway, as camadas técnica e cultural das máquinas, e
consequentemente das mídias, são articuladas sobre uma influência mútua e são
representativas, inclusive na configuração de uma sociedade.
Uma análise nesse sentido foi realizada por Walter Benjamin no ensaio A
obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica66, que trata das relações de
64 “estas dimensões pertencem à própria cosmologia do computador e não à cultura humana.”Tradução livre.
65 “Deve-se esperar que a lógica computacional influencie significaticamente a lógica culturaltradicional da mídia; isso significa que nós devemos prever que a camada computacional afetará acamada cultural.” Tradução livre.
66 BENJAMIM, Walter (1994). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia eTécnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Volume 1.
44
influência entre técnica e sociedade exclusivamente no domínio das artes. Benjamin
descreveu três linhas cronológicas com o objetivo de demonstrar como as novas
configurações sociais tornam possíveis o desenvolvimento de novas técnicas
artísticas e como, posteriormente, estas mesmas técnicas também irão contribuir
para a reconfiguração da paisagem social.
Primeiramente, uma nova técnica atua sobre uma forma de arte
determinada. Um exemplo são os aparelhos acionados à manivela que exibiam uma
seqüência de fotografias em alta velocidade, logo antes do advento do cinema. Na
segunda linha, as formas de arte tradicionais tentam laboriosamente produzir efeitos
que mais tarde serão alcançados pelas artes emergentes. Mais uma vez o cinema é
dado como exemplo, na medida em que consolida a estética dos precursores
espetáculos dadaístas. “Em terceiro lugar, transformações sociais muitas vezes
imperceptíveis acarretam mudanças na estrutura da recepção, que serão mais tarde
utilizadas pelas novas formas de arte.” (BENJAMIN, 1994, p. 185) Aqui, a análise de
Benjamin parte da imprensa para o cinema, onde o autor observa o crescimento da
participação do público nas produções literárias e cinematográficas, aumentando
dramaticamente o número dos produtos em circulação. Com a ampliação da
imprensa, afirma o autor, um número crescente de leitores começou a escrever e
esta evolução se completaria com a produção cinematográfica, onde os atores,
principalmente no cinema russo, se auto-representavam. “Com isso a diferença
essencial entre autor e público está a ponto de desaparecer. Ela se transforma numa
diferença funcional e contingente. A cada instante, o leitor está a ponto de converter-
se em um escritor.” (BENJAMIN, 1994, p. 184)
Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense.
45
Sob o mesmo ponto de vista, Lev Manovich analisa o processo de
reconfiguração dos papéis de produtores e consumidores no campo da cultura na
passagem da sociedade industrial67 para a sociedade da informação68. Segundo o
autor, este período é marcado pela convergência entre o trabalho e o lazer, que
passam a compartilhar as mesmas interfaces e terminariam por aproximar
produtores e usuários. Um ponto determinante nesta transição seria uma profunda
reconfiguração no fluxo de mensagens: “If a traditional twentieth century model of
cultural communication described movement of information in one direction from a
source to a receiver, now the reception point is just a temporary station on
information path.”69 (MANOVICH, 2005, p. 01) De acordo com o autor, este novo
diagrama é resultado do número crescente de informações que circulam pela rede e
das novas tecnologias de informação como RSS70, blogs71, tags72 e redes peer-to
67 É possível estabelecer uma relação de equivalência entre a sociedade industrial apontada porManovich e a sociedade disciplinar descrita por Foucault tratada na primeira parte deste capítulo.
68 Da mesma forma, é possível equiparar a sociedade da informação descrita por Manovich com asociedade de controle proposta por Deleuze e descrita anteriormente neste capítulo.
69 “Se o modelo tradicional da comunicação cultural no século vinte descrevia um movimento dainformação em uma única direção, de uma fonte para um receptor, agora o ponto de recepção ésomente uma estação temporária no caminho da informação.” Tradução livre.
70 De acordo com a Wikipedia, RSS significa Realy Simple Syndication, ou seja, uma maneira deagregar conteúdos muito simples. A tecnologia de RSS faz parte da família XML e permite aosusuários da internet inscritos em sites fornecedores de feeds (fontes) receberem suas atualizaçõessem necessitar visitá-los um a um. Os feeds RSS oferecem um conteúdo ou resumos com links parasuas versões completas. Estas informações são entregue como um arquivo XML chamado RSS feed,webfeed, atom ou canal RSS. Mais informações em <http://www.wikipedia.com>.
71 De acordo com a Wikipedia, blog, weblog ou blogue é uma plataforma de publicação cujasatualizações são postadas de maneira cronológica (como um histórico ou diário). “Estes posts podemou não pertencer ao mesmo gênero de escrita, referir-se ao mesmo assunto ou ter sido escritos pelamesma pessoa. A maioria dos blogs são miscelâneas onde os blogueiros escrevem com totalliberdade.” Mais informações em <http://www.wikipedia.com>.
72 De acordo com a Wikipedia, Tags, “são estruturas de linguagem de marcação que consistem embreves instruções, tendo uma marca de início e outra de fim.” As tags são usualmente utilizadas demaneira informal por autores ou usuários de determinados ítens, criando taxonomias dinâmicas,flexíveis e automáticas para fontes online como arquivos de computador, web pages, imagens digitaise bookmarks. Por estes motivos, este termo é frequentemente associado à Web 2.0. Maisinformações em <http://www.wikipedia.com>.
46
peer73 que, entre outros, “stimulate people to draw information from all kinds of
sources into their own space, remix and make it available to others, as well as to
collaborate or at least play on a common information plataform.”74 (MANOVICH,
2005, p. 01)
Para Giselle Beiguelman (2003), as transformações que se processam hoje
no horizonte da escrita e da leitura distinguem-se das acontecidas em qualquer outro
tempo pela maneira integrada pelas quais operam, “implicando, a um só tempo,
novas técnicas de produção dos textos, novos suportes de escrita e novas práticas
da escrita.” (BEIGUELMAN, 2003, p. 17) A autora marca, entretanto, que essa
revolução não se realiza sem que modifiquem também as práticas políticas,
semióticas e jurídicas que se interpõem à leitura e à escritura, colocando em jogo a
necessidade de que seja repensado o conceito de texto:
um texto que agora se dá a ler em um meio que é também o meio em quese escreve e, muitas vezes, no qual também se publica, agenciando umprocesso de reciclagem do conhecimento em uma escala sem precedentes,confundindo as práticas da escritura e da leitura. (BEIGUELMAN, 2003, p.18)
A noção de reciclagem do conhecimento pode ser encontrada também em
Reinhard Braun. O autor aponta que a atividade artística no contexto de rede “is
73 De acordo com a Wikipedia, peer-to-peer ou P2P “é utilizado em diferentes tecnologias queadotam um modelo conceitual "par-a-par", tal como o protocolo NNTP (para Usenet News), SMTP(para envio de e-mail), e sistemas de troca de mensagens instantâneas (ICQ, MSN). Porém, o termotornou-se popular com o surgimento de aplicações de compartilhamento de arquivo, em outraspalavras, programas que possibilitam a distribuição de arquivos em rede, permitindo o acesso dequalquer usuário dessa rede a este recurso. Outros tipos de recursos podem ser compartilhandos emredes peer-to-peer, tal como capacidade de processamento de máquinas, espaço de armazenamentode arquivos, serviços de software (analogamente aos Web Services), entre outros. Mais informaçõesem <http://www.wikipedia.com>.
74 “estimulam as pessoas a puxar informações provenientes de todos os tipos de fontes para seupróprio espaço, remixar e tornar disponível para outros, assim como a colaborar ou ao menosexplorar uma plataforma de informação comum.” Tradução livre.
47
marked by breaks, discontinuities, folds, dissimultaneity, and sprinklings,”75 (BRAUN,
2006, p. 84) princípios formativos que servem para a análise de uma cultura
acostumada com a fragmentação e com a montagem. Para Manovich, essa é a
lógica da cultura digital e não é acidental que o desenvolvimento da Internet e das
interfaces homem-computador acabaram por legitimar a manipulação dos produtos
midiáticos e os comandos copy & paste. Exatamente por isso, o autor aponta a
possibilidade de se analisar esta lógica a partir de duas operações dominantes nas
interfaces dos softwares: seleção e composição.
the design of software and the human-computer interface reflects a largersocial logic, ideology, and imaginary of the contemporary society. So if wefind particular operations dominating software programs, we may also expectto find them at work in the culture ate large.76 (MANOVICH, 2002, p. 118)
É certo que as práticas de seleção e composição são anteriores ao
surgimento das mídias digitais e carregam em si as heranças das colagens e
montagens realizadas por dadaístas, surrealistas e construtivistas no início do
século passado. Entretanto, tais práticas ganham uma nova dimensão quando
executadas neste contexto: “what before involved scissors and glue now involves
simple clicking ‘cut’ and ‘paste’.”77 (MANOVICH, 2002, p. 130) Segundo Manovich,
não por acaso a popularização das práticas de seleção e composição só acontece
75 “é marcada por quebras, descontinuidades, rearranjos, não simultaneidade, e fragmentos.”Tradução livre.
76 “o design dos softwares e das interfaces homem-computador refletem uma lógica social maior,uma ideologia e o imaginário da sociedade contemporânea. Então se acharmos operaçõesparticularmente dominantes nos softwares, podemos esperar encontrá-las em funcionamento nacultura de uma maneira geral.” Tradução livre.
77 “o que antes envolvia tesoura e cola agora envolve simplesmente clicar ‘recortar’ e ‘colar’.”Tradução livre.
48
na pós-modernidade78, quando um contínuo processo de reciclagem afirma-se como
a lógica da social: “rather than assembling more media recordings of reality, culture
is now busy reworking, recombining, and analyzing already accumulated media
material.”79 (MANOVICH, 2002, p. 131) Os browsers seriam um exemplo perfeito da
materialização desta lógica, acabando por definir a web como uma imensa biblioteca
de arquivos que podem ser apropriados através de um único clique.
Assim como os processos de seleção e composição nas mídias digitais, que
diferem por natureza daqueles realizados em mídias analógicas, a estética obtida
através destas operações também possui características diversas nas diferentes
mídias. De acordo com Manovich, enquanto as mídias analógicas caracterizam-se
pela montagem, a composição digital está baseada em uma estética de
continuidade, denominada por ele composição ou anti-montagem. O autor explica:
“Montage aims to create visual, stylistic, semantic, and emotional dissonance
between different elements. In contrast, compositing aims to blend them into a
seamless hole, a single gestalt.”80 (MANOVICH, 2002, p. 144) O exemplo
emblemático da estética da anti-montagem seria a interface gráfica dos sistemas
operacionais onde coexistem pacificamente objetos de diferentes naturezas como
textos, imagens, ícones e janelas. Dessa forma, “the user can add more and more
78 Frederic Jameson define pós-modernidade como: “um conceito de periodização cuja principalfunção é correlacionar a emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência deum novo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica — chamada, freqüente eeufemisticamente, de modernização, sociedade pós-industrial ou sociedade de consumo, sociedadedos mídia ou do espetáculo, ou capitalismo multinacional.” (JAMESON, 1985, p. 17)
79 “ao invés de reunir mais documentações mídiaticas da realidade, a cultura agora está preocupadaem retrabalhar, recombinar e analisar o material mídiatico já acumulado.” Tradução livre.
80 “A montagem tem como objetivo criar uma dissonância visual, estilística, semântica e emocionalentre os diferentes elementos. Em contraste, a composição almeja combiná-los de maneira suave aponto de transformá-los em uma unidade, em uma única gestalt” Tradução livre.
49
windows without establishing any conceptual tension between them.”81 (MANOVICH,
2002, p. 143)
É possível estabelecer uma relação entre a estética da anti-montagem
proposta por Manovich e o conceito de continuidade desenvolvido por Alex
Galloway. Este último autor toma emprestado o termo da teoria do cinema para
explicar que, apesar da Internet ser composta por fragmentos de diferentes tipos de
dados, utiliza-se da camada de software para criar uma experiência intuitiva para o
usuário da qual o segredo é a continuidade. Esta experiência intuitiva pode ser
exemplificada através da substituição do movimento do usuário na Web pelo
movimento do mouse, que faz com que o ato de navegar, “which
phenomenologically, should be an unnerving experience of radical dislocation –
passing from a server in one city to a server in another city – could be more
pleasurable for the user.”82 (GALLOWAY, 2004, p. 64) Segundo Galloway, o
conceito de continuidade na Internet pode ser definido como o conjunto de técnicas,
ou regras protocológicas, que tornam ininterrupta a experiência do usuário. Dentre
elas, destacamos:
- Encobrir a fonte: a Internet é como uma capa e deve encobrir seu
funcionamento interno. “The job of computers and networks is to get out of the
way, to not be seen...The technology should be transparent, so we interact
with it intuitively.”83 (BERNERS-LEE in GALLOWAY, 2004, p. 65)
81 “O usuário pode adicionar cada vez mais janelas sem estabelecer nenhuma tensão conceitual entreelas.” Tradução livre.
82 “que fenomenologicamente, deveria ser uma desencorajante e radical experiência de deslocamento– passando de um servidor em uma cidade a outro servidor em outra cidade – possa ser maisprazeirosa ao usuário.” Tradução livre.
83 “O trabalho dos computadores e das redes é sair do caminho, não ser visto... A tecnologia deve sertransparente, assim interagimos com ela de maneira intuitiva.” Tradução livre.
50
- Eliminar links mortos ou a não-existência de links: Um link morto quebra o
fluxo de informação para o usuário, assim como a falta de links. “There can be
no dead ends on the Internet. Each page must go somewhere else, even if
that somewhere else is ‘back’.”84 (GALLOWAY, 2004, p. 66)
- Permanecer fiel a uma Identidade: O nome de um link deve corresponder ao
seu endereço: “If the link`s name and its address do not correspond, then a
more insidious type of discontinuity is in effect than even the 404 error could
not provoke.”85 (GALLOWAY, 2004, p. 66)
- Proporcionar uma continuidade entre diferentes tipos de mídias: Qualquer
diferença entre as mídias – textos, imagens, animações, vídeos - deve ser
eliminada, o que é facilitado pela natureza da informação digital.
- Queda de servidores são proibidos: Servidores fora do ar interrompem a
continuidade da Internet, além de ameaçar os dados do usuário. “During a
crash, the computer changes from being passive to being active.”86
(GALLOWAY, 2004, p. 67)
- Eliminar mediações: A Internet deve ser a mais transparente possível e
qualquer mediação entre o usuário e a rede deve ser eliminada, fazendo com
que a navegação seja a mais intuitiva possível.
- Anonimato descritivo: Na Internet não existe motivo para identificar um
usuário particular, apenas é necessário saber informações como o que gosta,
84 “Não podem existir caminhos sem saída na Internet. Cada página deve ir para algum lugar, mesmoque este lugar seja ‘voltar’.” Tradução livre.
85 “se o nome do link e seu endereço não correspondem, então um tipo mais súbito dedescontinuidade que o provocado pelo erro 404 acontece.” Tradução livre.
86 “Durante a queda (dos servidores), o computador passa de passivo a ativo.” Tradução livre.
51
onde compra, onde vive, etc. “The clustering of descriptive information around
a specifc user becomes sufficient to explain the identity of the user.”87
(GALLOWAY, 2004, p. 69) Este fenômeno também pode ser explicado pelo
conceito de biopoder em Foucault88.
Ao analisarmos o conceito de continuidade tratado por Galloway no âmbito
da Internet em paralelo à estética da anti-montagem proposta por Manovich
podemos perceber o movimento entre fragmentação e continuidade como
característica-chave da linguagem da cultura de rede. Da mesma forma como os
protocolos da Internet velam a fragmentaridade de sua estrutura, a estética dos
produtos culturais na rede, de uma maneira geral, também o fazem ao apagar as
diferenças entre os elementos de uma composição. Esta é a razão principal pela
qual Manovich afirma a distância estética entre as atividades de seleção e
composição na cultura digital daquelas praticadas na pós-modernidade: “The logic of
the postmodern aesthetics of the 1980s and the logic of computer-based compositing
of the 1990s are not the same”89 (MANOVICH, 2002, p 142). Como explica o autor,
enquanto a estética pós-modernista demarcava a identidade dos diferentes
elementos em uma composição, a estética digital desfaz fronteiras em favor de uma
idéia de unidade.
87 “O agrupamento de Informações descritivas sobre um usuário específico torna-se suficiente paraexplicar a indentidade do usuário.”
88 De acordo com Paolo Virno, Michel Foucault introduziu o termo “bio-política” em alguns de seuscursos no College de France nos anos 70. O termo era aplicado às mudanças em torno do conceitode “população” entre o fim do século XVIII e o início do século XIX. Na visão de Foucault, foi nesseperíodo que a vida deixa de ser um mero processo biológico e passa a ser governada e administradapoliticamente.Ver: “Nascimento da biopolítica”. In: FOUCAULT, Michel (1997). Resumo dos Cursos do Collège deFrance (1970 – 1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor LTDA.
89 “A lógica da estética da pós-modernidade da década de 80 e a lógica da composição baseada emcomputadores nos anos 90 não é a mesma.” Tradução livre.
52
2.3. Considerações Finais: A Estética da Cultura de Rede
Assim como Manovich, Kazys Varnelis (2007) demonstra as distinções entre
a cultura de rede e o período pós-moderno. Varnelis explica que da mesma maneira
como o pós-modernismo foi definido como uma condição cultural possibilitada por
transformações no modo de produção capitalista que deram origem ao capitalismo
tardio descrito pelo economista Ernest Mandel, a cultura de rede também pode ser
descrita como uma condição cultural possibilitada pela substituição do imperialismo
pelo Império, delimitado por Michael Hardt e Toni Negri (2005). A conseqüência
desta perspectiva, seria a substituição do pós-modernismo pela cultura de rede:
“today, network culture succeeds postmodernism.”90 (VARNELIS, 2007, p. 04)
Para dar suporte à esta periodização, Varnelis descreve as principais
diferenças culturais entre o período pós-moderno e a cultura de rede. Em primeiro
lugar, o autor afirma que enquanto no pós-modernismo uma reação ao elitismo levou
ao surgimento de uma estética popular onde os desejos da audiência são projetados
no objeto artístico, na cultura de rede a audiência torna-se responsável pela própria
produção do objeto artístico, tornando difusas as fronteiras entre mídia e público. Da
mesma maneira, enquanto a apropriação foi uma característica-chave do período
pós-moderno, a cultura de rede tem o remix como forma dominante. O autor acentua
a oposição entre as duas gerações ao afirmar que
90 “hoje a cultura de rede sucede o pós-modernismo.” Tradução livre.
53
A generation after photographer Sherri Levine re-appropriated earlierphotographs by Walker Evans, dragging images from the Internet intoPowerPoint is an everyday occurrence and it is hard to remember howradical Levine work was in its redefinition of the Enlightenment notions of theauthor and originality.91 (VARNELIS, 2007, p. 05)
A terceira oposição apontada por Varnelis é a substituição da nostalgia pelo
cotidiano e da alegoria pelo remix92. Como afirma o autor, a cultura de rede “delivers
remix and reality shuffling together the diverse elements of present-day culture,
blithely conflating high and low (…) while poaching its "as found" aesthetics from the
world.”93 (VARNELIS, 2007, p. 05) O remix também aparece como uma espécie de
resposta do sujeito da cultura de rede que a agora substitui o sujeito fragmentado da
pós-modernidade: “Much like the contemporary media outlet, both the self and the
artist of today is an aggregator of information flows, a collection of links to others.”94
(VARNELIS, 2007, p. 07) A noção de sujeito defendida por Varnelis como própria da
cultura de rede pode ser equiparada àquela desenvolvida por Mark Amerika em
Hypertextual Cosciousness95 cuja qualidade principal aparece na atualização da
máxima cartesiana “penso, logo existo” para “linko, logo existo”.
Através da análise das características da cultura de rede apontadas por
Varnelis, podemos resumir tal condição cultural como um processo de reciclagem
91 “Para a geração que sucede a reapropriação pela fotógrafa Sherri Levine das fotografias de WalkerEvans, arrastar imagens da Internet para o PowerPoint é uma atividade cotidiana, tornando difícil amemória do quão radical fora o trabalho de Levine em sua redefinição das noções iluministas deautor e originalidade.” Tradução Livre
92 As relações entre alegoria e remix serão tratadas com mais profundidade no segundo capítulodeste trabalho.
93 “disponibiliza remix e realidade ao rearranjar os diversos elementos da cultura cotidiana,combinando com indiferença alta e baixa (cultura) (…) enquanto rouba a estética ready made domundo.” Tradução Livre
94 “Assim como o mercado midiático, sujeitos e artistas contemporâneos são agregadores de fluxosde informação, uma coleção de links que apontam para fora.” Tradução Livre
95 Disponível em <http://www.altx.com/htc1.0>.
54
que tem como tema principal o cotidiano e como maior conseqüência a dissolução
das fronteiras entre produtor e consumidor. Esta aproximação entre produtor e
consumidor, caracterizada por uma ampliação do consumo midiático para uma
esfera de produção, de acordo com Varnelis, sugere a edificação de uma nova
forma de exploração espetacular. O autor questiona se o fluxo de informação
característico da cultura de rede seria capaz de assumir um caráter crítico ou se
apenas reinscreveria, em um grau que Guy Debord96 não poderia antever, a
colonização da vida pelo capital, onde os debates sobre a resistência seriam
substituídos pelo consumo-remix.
A pergunta de Varnelis é o fundamento para o capítulo que se inicia a
seguir. Se uma pergunta aparece aqui no lugar do que deveria ser uma conclusão é
porque a cultura de rede desvela-se lentamente ao olhar de uma geração que se
desenvolve junto a ela. Nesse percurso, escolhemos tomar como objeto sua
qualidade que mais intensamente salta a nosso olhos: o borbulhante fluxo de
informação que atravessa a tudo e a todos, convidando os participantes da cultura
de rede a compartilharem também a cultura remix.
96 DEBORD, Guy (1997). A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora.
55
56
3. Cultura Remix
97
Cultura Remix é uma expressão difundida por Lawrence Lessig para
descrever uma sociedade que permite e encoraja a criação de trabalhos derivados98.
Tal sociedade seria possível em razão da emergência de novos formatos no âmbito
das tecnologias digitais e da Internet, ferramentas que modificaram dramaticamente
o horizonte cultural não só no que se refere à criação mas também no contexto da
distribuição. Seu imaginário pode ser expressado através da máxima “Rip. Mix.
Burn.”99, veiculada em uma campanha publicitária da marca Apple em 2001. De
acordo com Lessig, a sequência “to ‘rip’ it – meaning to copy it; to ‘mix it’ – meaning
to reform it however the user wants, and finally, and most important, to ‘burn’ it – to
97 “Copie. Mixe. Queime.” Tradução livre.Slogan de uma campanha publicitária da Apple veiculada em 2001 para promover a nova linha deiMacs, equipados com gravadores de CD e iTunes. A campanha foi controversa e entendida pormuitos como defensora da pirataria.
98 De acordo com a lei de direitos autorais, um trabalho derivado é uma criação que inclui em parte ouintegralmente um ou mais originais, ou seja, trabalhos pré-existentes.
99 Ver nota 1.
57
publish it in a way that others can see and hear”100 (LESSING, 2002, p. 09) é capaz
de expressar um ideal há muito tempo presente em nossa sociedade: “to move from
the life of a “consumer” of music – and not just music but film, and art, and commerce
– to a life where one can individually and collectively participating in making
something new.”101 (LESSING, 2002, p. 09)
O destaque que Lessig dá ao campo da música no trecho citado não
acontece por acaso. O autor acredita que este tenha sido sempre um terreno de
recriação, como exemplifica através do rap: “rap music is a genre that is built upon
'ripping' (and relatedly, 'sampling') the music of others, mixing that music with lyrics
or other music, and then burning that remixing onto records or tapes that get sold to
others.”102 (LESSING, 2002, p. 09)
Da música para outros campos criativos, a expansão das práticas de rip, mix
and burn, de acordo com o autor, ganharia proporções significativas após o advento
das tecnologias digitais:
100 “ripar – significando copiar; mixar – significando reformar da maneira como o usuário quiser efinalmente, e mais importante, queimar – publicar de maneira em que outros usuários possam ver eouvir.” Tradução livre.
101 “Abandonar a vida de um ‘consumidor’ de música – e não só de música mas de filmes, arte ecomércio – para a vida onde é possível individualmente ou coletivamente participar da criação de algonovo.” Tradução livre.
102 A música rap é um gênero que foi construído sobre o ‘ripping’ (e da mesma forma, sobre o‘sampling’) da música de outros, a mixagem desta música com letras ou mesmo com outra música, ea posterior gravação destes remixes em discos ou fitas para serem vendidos a outros.” Traduçãolivre.
58
Music in particular, but not just music, has always been about using whatwent before in a way that empowers creators to do something new. But nowwe have the potential to expand the reach of this creativity to anextraordinary range of culture and commerce. Technology could enable awhole generation to create - remixed films, new forms of music, digital art, anew kind of storytelling, writing, a new technology for poetry, criticism,political activism - and then, through the infrastructure of the Internet, sharethat creativity with others.103 (LESSING, 2002, p. 09)
3.1 – Remix: das turntables às interfaces digitais
A expansão do conceito de remix para além das fronteiras da música
também pode ser encontrada em Eduardo Navas (2007), que apropria-se da
expressão “cultura remix” difundida por Lessig com o objetivo de identificar uma
estética e um papel político-econômico deste fenômeno. Segundo Navas, o conceito
de remix foi definido inicialmente pela prática dos DJs nos anos 70 em Nova Iorque,
Chicago e na costa leste dos Estados Unidos. Naquela época, os DJs
recombinavam ou estendiam músicas para se adequarem melhor às pistas de
dança, uma prática que tinha suas raízes no toasting jamaicano - tradição do dub
onde se canta e rima sobre bases ou batidas. Com o tempo, a atividade dos DJs
norte-americanos desenvolveu-se para a prática de sampling em estúdios, “which
means that the DJ producers were cutting/copying and pasting pre-recorded material
103 “A música em particular, mas não somente a música, sempre foi sobre a recriação do que aprecedeu de uma maneira que possibilite ao criador fazer algo novo. Mas agora nós temos opotencial de expandir o alcance desta criatividade para um escopo extraordinário na cultura e nocomércio. A tecnologia pode tornar possível a toda uma geração criar – filmes remixados, novasformas de música, arte digital, uma nova maneira de contra histórias, escrever, uma nova tecnologiapara a poesia, a crítica e o ativismo político – e então, através da infra-estrutura da Internet,compartilhar esta criatividade com outros.” Tradução livre.
59
to create their own music compositions.”104 (NAVAS, 2007, p. 04)
Após a criação do computador, entretanto, o copy & paste deixaria de ser
ícone da cultura DJ para integrar práticas cotidianas da cultura de rede e, como
afirma o autor, comuns inclusive ao próprio funcionamento da Internet onde “file
sharing, downloading open source software, live streaming of video and audio,
sending and receiving emails are but a few of the activities that rely on copying, and
deleting (cutting) information from one point to another as data packets.”105 (NAVAS,
2007, p. 04) DJs e usuários da rede passariam então a atuar sobre uma mesma
lógica: “Both access pre-recorded material.”106 (NAVAS, 2007, p. 04) No entanto,
uma distinção significativa separaria as duas práticas. Na década de 70, os DJs
manipulavam seus discos em uma máquina originalmente construída para a
contemplação, subvertendo sua função e seguindo a tradição hacker. Na cultura de
rede, em contrapartida, esta interação com materiais pré-gravados preconizada
pelos DJs está completamente integrada à cultura geral: “the user now is expected
to play with the files (like a DJ with records) and not just listen or view them
passively, because interaction, touching, or in the case of the online user, clicking, is
now integrated into culture.107 (NAVAS, 2007, p. 04)
De maneira semelhante a Navas, Lev Manovich (2007) parte da expansão
do conceito de remix para falar sobre a cultura remix ou Era do remix, como prefere
104 “o que significa que os DJs/produtores estavam cortando/copiando e colando materiais pré-gravados para criar suas próprias composições musicais.” Tradução livre
105 “troca de arquivos, download de softwares de código aberto, transmissão ao vivo de áudio e vídeo,enviar e receber e-mails são apenas algumas das atividades que se baseiam na cópia e apagamento(corte) de informação de um ponto a outro através de pacotes de dados.” Tradução livre
106 “Ambos acessam materiais pré-gravados.” Tradução livre.
107 “espera-se agora que o usuário toque os arquivos (como os DJs com os discos) e não somente osouça ou veja passivamente, porque interagir, tocar, ou no caso do usuário online, clicar, é agora parteintegrante da cultura”. Tradução livre.
60
denominar. Segundo o autor, a adoção do termo para além das fronteiras da música
ocorreu na virada do século XX para o século XXI, quando tornara-se inevitável em
virtude de conceitos como apropriação e citação, antes utilizados pelos campos das
artes visuais e da literatura, não serem capazes de dizer sobre as práticas culturais
emergentes. De acordo com Manovich, o termo apropriação foi em princípio utilizado
para a referência à prática de artistas pós-modernistas tais como Sherrie Levine,
Richard Prince e Barbara Kruger que re-trabalhavam imagens fotográficas no início
dos anos 80. Mais tarde, o termo foi adotado para o uso em análises de trabalhos
pertencentes ao cubismo, dadaísmo, surrealismo, pop arte, arte postal e do grupo
Fluxus. Ao comparar o significado de apropriação ao de remix, Manovich conclui que
o primeiro, apesar de funcionar nos diferentes contextos citados, seria capaz de
indicar apenas a posse de um signo, o que não necessariamente implicaria em uma
reorganização deste. Este emprego do termo é exemplificado pelo autor através da
apropriação de um urinol por Duchamp na obra “A Fonte” (ver figura 4), sobre o qual
conclui que: “the aesthetic effect here is the result of a transfer of a cultural sign from
one sphere to another, rather than any modification of a sign.”108 (MANOVICH, 2007,
p. 03) Estabelecido isto, Manovich afirma o significado de remix em oposição ao de
apropriação: “it suggests a systematic re-working of a source, the meaning which
‘appropriation’ does not have.”109 (MANOVICH, 2007, p. 03)
Uma oposição entre as terminologias apropriação e remix organizada de
maneira semelhante também pode ser encontrada em Marcus Bastos, que afirma
que: “na apropriação, o objeto anônimo se transforma em obra, mas o novo contexto
108 “o efeito estético aqui é o resultado da transferência de um signo cultural de uma esfera paraoutra, ao invés da modificação de um signo.” Tradução livre.
109 “sugere um sistemático re-trabalho de uma fonte, um significado que o termo ‘apropriação’ nãopossui.” Tradução livre.
61
implica em outro sentido, resultado do gesto (anti-) autoral proposto. No remix, o
trabalho é recriado, compartilhando marcas do autor original e marcas do autor do
remix.” (BASTOS, 2003, p. 06)
Outras oposições que aparecem no trabalho de Manovich são as aquelas
entre citação e remix e montagem ou colagem e remix. Sobre a primeira, Manovich
afirma que os dois termos são guiados por diferentes lógicas: se o termo remix
implica o rearranjo sistemático de um signo, um texto por exemplo, a citação se
referirá à inserção de fragmentos de um signo em outro, ou de um texto em outro. Da
mesma forma, a segunda oposição é afirmada através da maneira em que os
elementos são combinados nas diferentes técnicas: “to use the terms of Roland
Barthes, we can say that if modernist collage always involved a ‘clash’ of element,
electronic and software collage also allows for ‘blend.’”110 (MANOVICH, 2007, p. 04)
Para exemplificar a colagem ou montagem digital111, nada mais certo que voltar ao
exemplo do DJ, considerado por Manovich como o “anti-montage artist par
excellece”112 (MANOVICH, 2002, p. 144):
110 “Para usar os termos de Roland Barthes, podemos dizer que se a colagem modernista sempreenvolve uma ‘contestação’ entre seus elementos, para a colagem eletrônica ou feita em softwarespoderíamos dizer de um ‘casamento’.” Tradução livre.Observação: Na tradução do ensaio "Mort de L'auteur" de Roland Barthes para o português feita porAntónio Gonçalves (1984), “marient” foi traduzido por “casar”, enquanto na tradução de StephenHeath para o inglês (1978) “marient” foi traduzido para “blend”, que para o português, em traduçãolivre, significa “combinação” ou “mistura”.
111 As diferenças entre as composições digitais e analógicas foram tratadas no primeiro capítulo destetrabalho, onde descrevemos as distinções que Manovich faz entre as estéticas da montagem e daanti-montagem.
112 “artista da anti-montagem por excelência.” Tradução livre.
62
the example of the DJ also makes it clear that selection is not an end initself. The essence of the DJ’s art is the ability to mix selected elements inrich and sophisticated ways. In contrast to the ‘cut and paste’ metaphor ofmodern GUI that suggests that selected elements can be simply, almostmechanically, combined, the practice of live electronic music demonstratesthat true art lies in the ‘mix’.113 (MANOVICH, 2002, p. 135)
3.2 – Remixabilidade: De Módulo a Micro-conteúdo
O DJ ganha destaque no trabalho de Manovich por representar a lógica da
cultura digital e, podemos dizer, também da cultura remix. Como explica o autor
(2003), a figura do DJ simboliza uma estética que tem início na era industrial, onde
os artistas experienciam as primeiras técnicas de apropriação, montagem e colagem
que segue presente em movimentos artísticos como dadaísmo, surrealismo,
construtivismo e pop art para, com a introdução do vídeo e do sintetizador nas
décadas de 50 e 60 e dos softwares de edição na década de 80, afirmar
massivamente a idéia de uma autoria que se realiza através da seleção de objetos
existentes e não da criação de originais. Segundo Manovich, é apenas a partir da
introdução de ferramentas capazes de “modificar um sinal já existente”114 que “the
process of art making has finally caught up with modern times. It has become
113 “O exemplo do DJ também deixa claro que a seleção não é um fim em si mesma. A essência daarte do DJ está na habilidade de mixar os elementos selecionados de maneira rica e sofisticada. Emcontraste à metáfora de copy & paste da interface gráfica (GUI) moderna que sugere que oselementos selecionados podem ser simplesmente, quase que mecanicamente, combinados, a práticade musica eletrônica ao vivo demonstra que a verdadeira arte está no ‘mix’.” Tradução livre.
114 O exemplo mais significativo deste tipo de ferramenta, para Manovich, é o sintetizador, queencarnaria a lógica das novas mídias ao propor escolhas a partir de um determinado menu.
63
synchronized with the rest of modern society, where everything from objects to
people’s identities is assembled from ready-made parts.”115 (MANOVICH, 2003, p.
126)
A ruptura enfatizada por Manovich nessa transição é que, enquanto o “texto
da cultura” do qual os autores antes retiravam seus “tecidos de citações” existia
somente no plano da consciência116, agora foi externado (e materializado) através
de objetos de 2D, modelos 3D, texturas, transições e efeitos disponíveis no
momento em que se liga um computador ou abre-se um software. A World Wide
Web levaria este processo ainda a um outro nível ao encorajar a criação de textos
que consistem inteiramente de apontadores ou links para outros textos que já
existem na rede: “now anybody can become a creator by simply providing a new
menu, that is, by making a new selection from the total corpus available.”117
(MANOVICH, 2003, p. 127)
Tais práticas, de acordo com o autor, levariam a um novo tipo de autoria que
corresponde à lógica da sociedade industrial e pós-industrial, onde quase todas as
ações envolvem escolhas a partir de menus, catálogos ou banco de dados. Neste
tipo de criação, denominada por Manovich autoria por seleção, os autores combinam
elementos apropriados e concentram sua energia em selecionar e sequenciar
fragmentos.
115 “o processo de criação artístico finalmente alcançou os tempos modernos. Tornou-se sincronizadocom o resto da sociedade moderna, onde tudo, de objetos à identidades, é constituído por umacomposição de ready mades.” Tradução livre.
116 Manovich refere-se aqui novamente ao texto de Roland Barthes intitulado “A Morte do Autor”, maisespecificamente à citação transcrita abaixo:“o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura.” (BARTHES, 1984, p. 50)
117 “agora qualquer um pode tornar-se um criador ao simplesmente disponibilizar um novo menu, ouseja, ao realizar uma nova seleção a partir do corpus total disponível.” Tradução livre.
64
A autoria por seleção ganha amplitude com a introdução dos computadores
por compartilhar com estes a lógica da modularidade. Conforme abordamos no
primeiro capítulo deste trabalho, a modularidade é um dos princípios-chave das
mídias digitais, apesar de não estar restrita apenas a estas. O conceito foi difundido
durante a modernidade, quando representava o conceito de produção em massa,
baseada na padronização de componentes e na forma como estes se encaixam
para gerar um produto final. De lá para cá, a lógica da modularidade, de acordo com
Manovich, teria se embrenhado pelas diversas camadas da sociedade e acabaria
por ganhar destaque com o advento do computador e das redes de comunicação,
ferramentas símbolo da manipulação de fragmentos de informação.
A principal diferença em como a modularidade é entendida antes e depois
do computador, segundo o autor, é que na modernidade o conceito baseava-se em
um pequeno vocabulário, composto por formas elementares ou módulos; já em
tempos pós-modernos, “any well-defined part of any finished cultural object can
automatically become a building block for new objects in the same medium.”118
(MANOVICH, 2005, p. 03) Dessa forma, o conceito de modularidade como é
entendido hoje, não seria capaz de definir um número de formas a serem criadas:
cada combinação de um certo número de blocos faz surgir inúmeras outras
maneiras de serem novamente fragmentados e recombinados. “In other words, if
pre-computer modularity leads to repetition and reduction, post-computer modularity
can produce unlimited diversity.”119 (MANOVICH, 2005, p. 03)
118 “qualquer parte de qualquer objeto cultural, desde que tenha contornos bem definidos podeautomaticamente tornar-se um bloco para a construção de novos objetos em uma mesma mídia.”Tradução livre.
119 “Em outras palavras, se a modularidade dos tempos pré-computador leva à repetição e redução, amodularidade da era pós-computador pode produzir uma diversidade ilimitada.” Tradução livre.
65
Esta modularidade típica dos produtos digitais pode ser estendida para o
que o autor denomina remixabilidade. Este conceito foi desenvolvido por Manovich a
partir do termo “remixabilidade colaborativa” utilizado por Barb Dybwad no texto
Approaching a definition of Web 2.0. Segundo Dybwad, a “remixabilidade
colaborativa” é “a transformative process in which the information and media we’ve
organized and shared can be recombined and built on to create new forms,
concepts, ideas, mashups120 and services.”121 (DYBWAD In: MANOVICH, 2005, p.
01) De acordo com Manovich, os conceitos de modularidade e remixabilidade,
compartilham a mesma lógica: de maneira geral, são operações que servem de
suporte para que bits de informação possam mover-se facilmente. Exatamente por
isso, ambos os conceitos podem ser exemplificados através de produtos típicos da
cultura de rede como feeds RSS, posts de blogs, mensagens SMS e arquivos de
texto em ASCII. Richard MacManus e Joshua Porter explicam:
Enter Web 2.0, a vision of the Web in which information is broken up into“microcontent” units that can be distributed over dozens of domains. TheWeb of documents has morphed into a Web of data. We are no longer justlooking to the same old sources for information. Now we’re looking to a newset of tools to aggregate and remix microcontent in new and useful ways.122
(MACMANUS e PORTER, In: MANOVICH, 2005, p. 04)
120 De acordo com a Wikipedia, mashup, ou bootleg, é um gênero musical que consiste nacombinação da música de uma canção com o vocal a cappella de outra. Tipicamente, música evocais pertencem a canções de diferentes gêneros. Disponível em: <www.wikipedia.org>.
121 “um processo transformativo onde a informação e a mídia que temos organizado e dividido podemser recombinados e construídos de maneira a criar novas formas, conceitos, idéias, mashups eserviços.” Tradução livre.
122 “Entre na Web 2.0, a visão de uma rede onde a informação é fragmentada em unidades de ‘micro-conteúdos’ que podem ser distribuídas através de dúzias de domínios. A Web de documentostransformou-se em uma Web de dados. Não estamos mais olhando para as mesmas e velhas fontesde informação. Agora estamos observando um novo conjunto de ferramentas para agregar e remixarmicro-conteúdos de maneiras novas e úteis.” Tradução livre.
66
3.3. Remix como processo e processos de remix na cultura de rede
3.3.1 – Remix como processo
Para Bernard Schütze (2003), esta pletora de atividades que encontra-se
sob os conceitos de cultura remix e remixabilidade, tais como o movimento open
source123, as licenças creative commons124, as redes peer to peer, além de técnicas
de mashup, cut up e “surf, sample, manipulate”125, indicam a realidade de uma
cultura que constantemente renova, manipula e modifica materiais culturais já
mediados e mixados. Tal cultura apresentar-se-ia como um desafio àquela que se
estabelece sobre a propriedade intelectual – e que, mesmo assim, não deixa de
produzir seus próprios remixes e remakes -, e o controle da distribuição.
123 De acordo com a Wikipedia, open source é um conjunto de princípios e práticas que promovem oacesso ao processo de produção e design de várias mercadorias, produtos, recursos, e conclusõestécnicas. O termo é comumente aplicado ao código-fonte de softwares que são colocados àdisposição do público em geral com sem restrições à propriedade intelectual, ou restrições mínimas.Disponível em: <www.wikipedia.org>. Mais informações em: <http://www.opensource.org>.
124 De acordo com a Wikipedia, Creative Common (CC) é uma organização não-governamentaldevotada à expandir o leque de trabalhos criativos disponíveis legalmente para compartilhamento ere-utilização. Esta organização tem lançado diversas licenças de direitos autorais conhecidas comolicenças Creative Commons. Algumas destas licenças restringem apenas alguns direitos, ou mesmonenhum, sobre os trabalhos a que se referem. Disponível em: <www.wikipedia.org>. Maisinformações em: <http://creativecommons.org>.
125 Surf-sample-manipulate é uma técnica de criação desenvolvida pelo artista Mark Amerika,baseada na manipulação de samples recolhidos da web. Este conceito será tratado no terceirocapítulo deste trabalho.
67
Para Schütze, a cultura remix propõe a ética do compartilhamento em
oposição à propriedade intelectual e os processos de recombinação em oposição
aos originais. O conceito de remix para o autor assume uma natureza de tal forma
múltipla e plural que, segundo ele, resistiria a qualquer categorização estética e
política. De maneira geral, o remix é visto em Schütze através de sua qualidade
processual, que abrigaria uma estética da impureza e uma ideologia de circulação
irrestrita. O remix como processo deve ser articulado como um verbo e não um
nome. Ao se remixar, não espera-se a conclusão de um produto final, já que os
remixes estão sujeitos a futuros re-trabalhos. A impureza, reflete-se aí, em “a state in
which there is neither any ‘pure’ original content at the beginning, nor any ‘pure
product’ down the line.”126 (SCHÜTZE, 2003, p. 02)
Na máquina de composição, decomposição e recomposição, os menores
blocos acabam tornando-se “blocos de construção para novas arquiteturas”. As
lógicas de modularidade e remixabilidade aparecem aqui combinadas com o que o
autor denomina de processo de enriquecimento. Para ele, o constante processo de
remix e recomposição funcionaria como uma espécie de “fertilização cruzada” e
encontraria na Internet um ambiente propício para sua disseminação: “With its free-
floating file sharing, splicing and sampling, and instant distribution of digital media,
the Web has become an ideal ground for remix practices of all sorts.”127 (SCHÜTZE,
2003, p. 03)
O olhar de Schütze em relação ao remix é capaz de identificar seus
126 “um estado onde não existe nem um conteúdo original ‘puro’ no início, e nem qualquer ‘produtopuro’ ao final. Tradução livre.
127 “Com seu livre e flutuante compartilhamento, montagem e sampleagem de arquivos, além dadistribuição instantânea da mídia digital, a Web tornou-se um campo ideal para práticas de remix detodos os tipos.” Tradução livre.
68
processos e dinâmicas em um nível macro: dentro da cultura remix materiais brutos
são transformados em micro-conteúdos que ao serem recombinados são capazes
de criar novas arquiteturas sígnicas que, por sua vez, ao serem distribuídas pela
rede assumem um novo estado bruto. No entanto, a análise de Schütze não é capaz
de identificar as dinâmicas internas das práticas de remix ou explicar como se dá
esta construção de novas arquiteturas sígnicas através da combinação de diferentes
módulos.
Para essa análise, nos utilizaremos de Eduardo Navas (2007) que, em uma
perspectiva oposta à de Schütze, identifica três categorias de remix na cultura
contemporânea. Para explicá-las, no entanto, Navas afirma ser necessário que
antes seja definido o conceito de remix na música.
Para o autor, um remix nada mais é do que um re-mix, ou seja, um segundo
mix de uma canção. Por isso, funciona em um meta-nível, o que significa que o
material remixado deve ser reconhecível e ter uma função auto-reflexiva: “without a
history, the remix cannot be Remix.”128 (NAVAS, 2007, p. 20) Baseado na história do
termo, o autor afirma que o primeiro tipo de remix é o extendido, que caracteriza-se
por ser uma versão mais longa da música original com inserções de seções
instrumentais que facilitem a mixagem por um DJ. O segundo tipo de remix é o
seletivo, que consiste da adição e subtração de material da música original. Já o
terceiro e último tipo de remix é o reflexivo, onde as versões remixadas questionam
a aura do original através de uma alegoria. Neste caso, materiais são adicionados
ou apagados de uma faixa, mas a maioria dos trechos de áudio são deixados
intactos para que possam ser reconhecidos.
128 “Sem uma história, o remix não pode ser Remix.” Tradução livre.
69
Os conceitos de alegoria e aura utilizados por Navas para definir o remix na
música são imprescindíveis para o entendimento das categorias de remix na cultura
de rede propostas pelo autor. É através da articulação deste dois conceitos que o
autor torna-se capaz de dizer sobre as construções sígnicas resultantes dos
processos de remix e a estética particular que estas práticas assumem na cultura de
rede. Por este motivo, optamos aqui por discutir os conceitos de alegoria e aura
antes de apresentarmos as categorias de remix em Navas
3.3.1.1. Alegoria
No ensaio “The Allegorical Impulse: Towards a Theory of Postmodernism”
(1994), Craig Owens afirma que atribuir uma característica alegórica à arte
contemporânea é como adentrar um território proibido, já que o conceito foi
condenado por quase dois séculos como uma aberração estética ou como a antítese
da arte. Somente após a modernidade, quando ficou aparente a supressão da
alegoria pela teoria moderna, que esta voltou timidamente a ocupar as linhas
dedicadas ao estudo da estética.
Segundo Owens, para reconhecer as manifestações contemporâneas da
alegoria é necessário ter em mente que "allegory is an attitude as well as a
technique, a perception as well as a procedure."129 (OWENS, 1994, p. 53) Uma
129 “alegoria é uma atitude assim como uma técnica, uma percepção assim como um procedimento.”Tradução livre.
70
maneira simples de explicar a alegoria seria dizer que ela ocorre quando um texto é
entendido através de outro. Tal descrição remete à origem da alegoria como
exegese: “the allegorical work tends to prescribe the direction of its own
commentary.”130 (OWENS, 1994, p. 53) Como consequência, na estrutura alegórica
um texto é lido através de outro, por mais fragmentada e caótica que possa ser a
relação entre os dois. O autor inclusive chega a afirmar que o paradigma do trabalho
alegórico seria o palimpsesto.
Ao referir-se ao alegorista, Owens diz que este não cria imagens, mas as
confisca. O alegorista assume o lugar do intérprete. Nas suas mãos, a imagem
torna-se outra, já que agrega a ela um outro significado: “the allegorical meaning
supplantes an antecedent one; it is a supplement.”131 (OWENS, 1994, p. 54)
Segundo o autor, esta seria ao mesmo tempo a razão pela qual a alegoria é
condenada e a fonte de seu significado teórico.
A teoria da alegoria de Craig Owens é um dos conceitos-chave para a teoria
de remix desenvolvida por Eduardo Navas. Segundo este último, é possível afirmar
que um remix é sempre alegórico se partirmos do princípio que “a transparent
awareness of the history and politics behind the object of art is always made present
as a ‘preoccupation with reading.’132”133 (NAVAS, 2007, p. 05) Isso significa que o
130 “o trabalho alegórico tende a estabelecer a direção de seu próprio comentário.” Tradução livre.
131 “o significado alegórico suplanta o antecedente; é um suplemento.” Tradução livre.
132 Navas refere-se aqui ao seguinte trecho de “The Allegorical Impulse: Towards a Theory ofPostmodernism” de Craig Owens:"In modernism, however, the allegory remains in potentia and is actualized only in the activity ofreading, which suggests that the allegorical impulse that characterizes postmdernism is a directconsequence of its preoccupation with reading." (OWENS, 1994, p. 74)“No modernismo, entretanto, a alegoria existe em potencial e é atualizada somente na atividade deleitura, o que sugere que o impulso alegórico que caracteriza o pós-modernismo seja umaconseqüência direta desta preocupação com a leitura.” Tradução livre.
133 “uma consciência transparente da história e da política por trás do objeto artístico é sempre
71
objeto de contemplação, no caso o remix depende do reconhecimento (leitura) de
um texto pré-existente. Por isso, um remix sempre espera que a audiência enxergue
através dele sua história. De acordo com Navas, isso não acontecia no modernismo
por que as manifestações artísticas deste período suprimiam seu código histórico
velando ao leitor as políticas existentes por trás do objeto artístico. Já o pós-
modernismo, remixaria o modernismo ao expor como a arte é definida por ideologias
e pela pela própria história, constantemente revisitada. “The contemporary artwork is
a conceptual and formal collage of previous ideologies, critical philosophies, and
formal artistic investigations extended to new media and Internet art.”134 (NAVAS,
2007, p. 05)
3.3.1.2. Aura
No ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica135, Walter
Benjamin afirma que, em sua essência, as obras de arte sempre foram
reprodutíveis. Com a chegada da reprodução técnica, entretanto, a escala de
reprodutibilidade e exposição dos produtos culturais foi elevada a um novo nível,
tornada presente como uma ‘preocupação com a leitura.’” Tradução livre.
134 “a obra de arte contemporânea é uma colagem conceitual e formal de ideologias, críticasfilosóficas, e investigações artísticas prévias, o que se estende à arte das novas mídias e à arte daInternet.” Tradução livre.
135 BENJAMIM, Walter (1994). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia eTécnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Volume 1.Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense.
72
provocando o fenômeno que o autor denomina destruição da aura das obras de arte.
Por aura, Benjamin entende “tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua
origem, desde sua duração material até seu testemunho histórico.” (BENJAMIN,
1994, p. 168)
Para Benjamin, a destruição da aura marcaria a ausência da origem e
tradição dos objetos reproduzidos ao mesmo tempo em que os sujeitaria a um
processo de emancipação. Segundo o autor, no momento em que o critério de
autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística, toda sua função social se
transforma. A arte na contemporaneidade deixaria então de fundar-se no ritual para
fundar-se em outro domínio, o da política. Um processo de reconfiguração tão
profundo como este anunciaria a introdução de um novo paradigma para a práxis
artística: “A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em
função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra
original.” (BENJAMIN, 1994, p. 180)
3.3.1.2.1. Aura Digital
Apesar de, como afirmam Manovich e Navas, as mídias digitais haverem
legitimizado processos de apropriação que existiam desde o modernismo, é possível
afirmar que quando as práticas de reprodução alcançam a era digital, alguns
conceitos tratados por Benjamin como autenticidade, autoridade e aura passam por
uma profunda re-significação. Em uma primeira instância, deve-se notar que a obra
73
de arte na era da reprodutibilidade digital assume um modo de reprodução
profundamente diverso do experienciado anteriormente. As reproduções agora
acontecem de maneira instantânea e sem qualquer degradação de qualidade
quando comparadas ao original. Além disso, as plataformas de rede oferecem
sistemas de distribuição e acessibilidade em uma escala que não pode ser
comparada a nenhuma outra mídia (PAUL, 2003).
Michael Betancourt analisa estas duas instâncias no ensaio The Aura of the
Digital136. O conceito de aura digital proposto pelo autor estaria fundado em um outro
conceito, o de aura da informação. Este segundo determina que os formatos digitais
possam ser caracterizados por uma separação entre seu significado e sua
representação física, a partir do qual o autor propõe que não entendamos mais os
produtos digitais como objetos, mas sim como informação. Esta distinção estaria
fundada em uma dualidade encontrada no conceito de aura de Walter Benjamin.
Segundo Betancourt, a aura benjaminiana “is both the physical traces of the
particular history that an object has experienced, and the relationship of that object to
the tradition that produced it.”137 (BETANCOURT, 2006, p. 03)
Partindo desta dualidade, o autor separa o conceito benjaminiano em dois
novos conceitos: os traços do objeto que referem-se às suas qualidades físicas
situam-se no que o autor denomina testemunho histórico e o relacionamento que o
objeto engendra com o conhecimento e a experiência do expectador passa a fazer
parte do domínio da relação simbólica. A separação destes dois conceitos, segundo
Betancourt, criaria uma nova concepção de aura, independente do conceito de
136 BETANCOURT, Michael (2006). The Aura of the Digital. Disponível em<http://www.ctheory.net/articles.aspx?id=519>.
137 “é tanto os traços físicos de uma história particular experienciada pelo objeto, quanto orelacionamento deste objeto com a tradição que o produziu.” Tradução livre.
74
Benjamin e especificamente aplicável às tecnologias digitais.
De acordo com Betancourt, enquanto os objetos reproduzidos manualmente
ou mecanicamente sempre tiveram implícitos um limite de acessibilidade
determinado pela capacidade das técnicas de reprodução empregadas, as
informações digitais não partilham desta mesma limitação já que, em princípio, um
número infinito de reproduções podem ser feitos a partir de uma única matriz sem
qualquer alteração ou perda de qualidade. Esta seria a principal distinção entre
objetos físicos e digitais:
Every digital reproduction is identical to every other; digital objects are storedas a form of information, rather then limited as physical objects inherentlyare; thus the digital state can be understood as a form of instrumentallanguage – instructions for executing the “retrieval” that is a specific digital(art) work.138 (BETANCOURT, 2006, p. 04)
Enquanto cada objeto físico é único, todas as reproduções digitais são
idênticas. Para Betancourt, esta é a distição fundalmental entre a reprodução digital
e qualquer outro processo de reprodução: “One ‘copy’ is not only equivalent in
content, it is identical to its source. The concept of a digital ‘original’ disappears
because all versions are identical ‘originals’, or are identical ‘copies’.”139
(BETANCOURT, 2006, p. 04) Em virtude disto, Betancourt aponta para a
necessidade de re-significação dos conceitos relacionados à reprodução após a
introdução das técnicas digitais e reivindica a criação de um novo vocabulário já que
o conceito de cópia assume a existência de originais e réplicas, da mesma forma em
138 “Cada reprodução digital é idêntica a outra; objetos digitais são armazenados na forma deinformação, ao invés de limitados como os objetos físicos inerentemente o são; por isso, o estadodigital pode ser entendido como uma forma instrumental de linguagem – instruções para executar a‘recuperação’ que é específica do trabalho (de arte) digital.” Tradução livre.
139 “Uma ‘cópia’ não é somente equivalente no conteúdo, é idêntica à sua fonte. O conceito de‘original’ digital desaparece já que todas as versões são ‘originais’ idênticos, ou ‘cópias’ idênticas.”Tradução livre.
75
que o conceito de clone, proveniente da biologia, presume a existência de uma fonte
original.
Enquanto as reproduções mecânicas estão sujeitas ao testemunho histórico
da mesma forma que seus originais, a representação física de uma informação
digital não é capaz de submetê-la a nenhum tipo de desgaste: qualquer processo de
transferência ou reprodução de uma informação digital dá origem a reproduções
idênticas. Em contra partida, as mídias que armazenam uma informação digital o
estão: “container is distinct from its contents, and should be understood as separate
from them.”140 (BETANCOURT, 2006, p. 08) Um exemplo capaz de demonstrar esta
distinção é o de situações onde uma informação digital produzida por uma
tecnologia obsoleta não pode mais ser acessada pelas mídias em uso corrente.
Neste caso, não existe nenhum rastro do tempo marcado no arquivo, mas nas
mídias utilizadas para sua leitura. O autor compara esta situação com a habilidade
humana em ler línguas mortas: “the contents of the text are independent of their
storage medium or the format (language) in which they are written.”141
(BETANCOURT, 2006, p. 09)
Se as marcas do tempo não são constituintes do testemunho histórico da
informação digital, por outro lado, estão relacionadas à relação simbólica que
estabelecem com o usuário. A ausência do testemunho histórico da informação
digital está de acordo com a perspectiva de não objetificação dos produtos digitais
proposta pelo autor com o conceito de aura da informação. O impacto desta
perspectiva para a experiência está na acessibilidade dos produtos digitais já que
140 “a mídia é distinta de seu conteúdo, e deve ser entendida como separada deste.” Tradução livre.
141 “o conteúdo de um texto é independente da mídia que o armazena ou do formato (língua) na qualfoi escrito.” Tradução livre.
76
não é preciso possuir um arquivo para acessá-lo, ao mesmo tempo que sua posse
não garante o acesso: “possession and acess are separated from one another.”142
(BETANCOURT, 2006, p. 10)
É devido à possibilidade de separação entre as qualidades físicas e
simbólicas dos produtos digitais que Betancourt define a aura digital como a
imortalidade instrumental do código numérico que pode ser executado
autonomamente por meio de máquinas – é importante ressaltar que trata-se aqui de
uma outra imortalidade, que difere por natureza da imortalidade semiótica que
propiciou a consagração do autor e dos direitos autorais. Para Betancourt, o
conceito de aura digital seria então capaz de ultrapassar tanto o testemunho
histórico como a relação simbólica e seria encontrada especificamente nos
processos de reprodução que passam a ser descritos como veículo ou fonte da aura
de uma determinada produção semiótica. Este fenômeno pode ser percebido na
experiência particular engendrada por objetos largamente reproduzidos e
disseminados, de onde a aura seria uma função.
The more fully a work is disseminated, the greater its ‘aura’. Andy Warhol`spersona, and his construction of superstars who are ‘famous being famous’demonstrates the transient, contingent nature of this conception of ‘aura’, itssocially-constructed nature, and its reliance upon reproduction forexistence.143 (BETANCOURT, 2006, p. 10)
142 “posse e acesso são separados um do outro.” Tradução livre.
143 “Quanto mais um trabalho é disseminado, maior é sua ‘aura’. A persona de Andy Warhol, e suaconstrução de superstars que são “famosos por serem famosos’ demonstram a natureza transiente econtingente desta concepção de ‘aura’, sua natureza construída socialmente, e a dependência dareprodução para sua existência.” Tradução livre.
77
3.3.2. Processos de Remix na Cultura de Rede
Apresentados os conceitos de alegoria e aura e seus desdobramentos frente
os objetos artísticos das mídias digitais, podemos então discorrer sobre as três
categorias definidas por Eduardo Navas para o remix na cultura de rede. É
importante ressaltar que o autor mantém as mesmas nomenclaturas definidas no
terreno da música, mas ao mesmo tempo expande o campo de atuação de cada
uma destas categorias.
Como vimos anteriormente, a primeira categoria apontada por Navas
demonina-se remix extendido. De acordo com o autor, este tipo de remix não é
encontrado fora dos domínios da música, mas tem sua importância garantida por ter
sido o primeiro tipo de remix na cultura DJ e o fundamento para as duas outras
categorias que analisaremos a seguir. Gostaríamos de destacar aqui que o remix
extendido não interessa diretamente a nenhuma produção típica da cultura de rede.
No entanto, consideramos de grande relevância para este trabalho uma oposição
estabelecida pelo autor entre esta e as outras duas categorias analisadas.
De acordo com Navas, os DJs da era disco assumiram uma postura radical
na criação dos remixes extendidos, já que o que interessa à indústria desde aquela
época até hoje são os rádios cuts, ou seja, versões resumidas das canções. Essa
tendência é baseada na própria demanda da cultura popular: tudo é otimizado para
ser entregue e consumido rapidamente pelo maior número de pessoas possível. Ao
78
contrário do remix extendido, os remixes pertencentes às outras duas categorias
apontadas por Navas dependem da eficácia típica das mídias de massa: “they
appropriate this very element to critique the media. They deliver material with the
same efficiency and the same expectations of immediate recognition that the culture
industry expects.”144 (NAVAS, 2007, p. 20)
A segunda categoria estabelecida por Navas é o remix seletivo, onde “the
DJ takes and adds parts to the original composition, while leaving its spectacular
aura intact.”145 (NAVAS, 2007, p. 09) Um exemplo na história da arte citado pelo
autor é o remix da obra “Fonte” de Marcel Duchamp (ver figura 4), 1917, por Sherrie
Levine em “Fountain (after Marcel Duchamp)” (ver figura 4), 1991:
(“Fountain”) consists of an untouched urinal (save for a traditional artistsignature) to reinforce the question, what is art? And codes of a second levelremix on Duchamp can be found in Fountain (after Marcel Duchamp) bySherrie Levine who, in 1991, questioned Duchamp as a man and his urinalas art, leaving intact Duchamp’s aura as an artist but not the Urinal’sspectacular aura as a mass produced object. In both of these cases there issubtraction and addition (selectively- hence the term, Selective Remixes).
146
(NAVAS, 2007, p. 09)
144 “eles apropriam-se deste mesmo elemento para criticar a mídia. Entregam o material com amesma eficiência e as mesmas expectativas e de reconhecimento imediato que a indústria culturalespera.” Tradução livre.
145 “o DJ remove e adiciona partes à composição original, ao mesmo tempo em que deixa sua auraespetacular intacta.” Tradução livre.
146 “(‘Fonte’) consiste de um urinol intocado (salvo pela tradicional assinatura do artista) para reafirmara questão, o que é arte? E códigos de um remix de segundo nível sobre Duchamp podem serencontrados em Fountain (after Marcel Duchamp) de Sherrie Levine que, em 1991, questionouDuchamp como homem e seu urinol como arte, deixando intacta a aura de Duchamp como artistamas não a aura espetacular do Urinol como um objeto produzido massivamente. Em ambos os casosexiste uma subtração e uma adição (seletivamante – razão do termo remix seletivo).” Tradução livre.
79
O terceiro e último tipo de remix é remix reflexivo: “it directly allegorizes and
extends the aesthetic of sampling as practiced in the music studio by seventies DJs,
where the remixed version challenges the aura of the original and claims autonomy
even when it carries the original’s name.”147 (NAVAS, 2007, p. 13) De maneira geral,
o remix reflexivo apropria-se de fragmentos de diferentes fontes e as mixa, em
busca de autonomia. Nesse caso, a aura espetacular do original, mesmo quando
completamente reconhecido ou não, mantém-se como uma parte vital do remix.
Como consequência, tal estratégia demanda do espectador uma reflexão sobre o
trabalho e suas fontes – mesmo sem nunca reconhecer o original. Um exemplo na
história da arte citado por Navas é o artista John Heartfield, pseudônimo do alemão
Helmut Herzfeld, que utilizava-se de materiais transpostos de seus contextos
originais para criar um comentário crítico social.
147 “ele alegoriza e estende diretamente a estética da sampleagem como praticada nos estúdiosmusicais pelos DJs dos anos 70, quando as versões remixadas desafiavam a aura do original eafirmava sua autonomia mesmo quando carregavam o nome do original.” Tradução livre.
Figura 4. “Fountain”, Marcel Duchamp,1917
Figura 5. “Fountain (after MarcelDuchamp)”, Sherrie Levine, 1991
80
His Photo-montages like Adolf the Superman: Swallows Gold and SpoutsJunk and Hurrah, the Butter is All Gone, question the very subject that givesthem the power to comment. In the former, Hitler, as the title connotes, ispresented swallowing gold and is questioned as a leader of Germany; whilein the latter, a German family is having dinner, eating military weapons, thusthe stability of the home is questioned due to German politics in WWII.
148
(NAVAS, 2007, p. 09)
Figura 5. “Adolf the Superman: Swallows Figura 6. Hurrah, the Butter is Gold and SpoutsJunk”, John Heartfield, 1935 All Gone, John Heartfield,1932
Nestes exemplos, a aura espetacular da imagem-fonte é deixada intacta
justamente para ser questionada: “we believe the image but question it at the same
time due to the dual transparency of a montage and the realism expected of a photo-
image; the work then gains access to social commentary based on the combination
of recognizable images.”149 (NAVAS, 2007, p. 14)
Esse fenômeno pode ser explicado através do conceito de hipermediação
tratado no primeiro capítulo deste trabalho, de onde a transparência é a
característica principal. Segundo Bolter e Grusin (2000), na colagem e na
148 “Suas fotomontagens como Adolf the Superman: Swallows Gold Spouts Junk e Hurrah, the Butteris All Gone, questionam o próprio tema que as dá poder para comentar. No anterior, Hittler, como otítulo conota, é apresentado ao engolir ouro e é questionado como líder da Alemanha; enquanto naúltima, uma família alemã está jantando, comendo armas militares, questionando então a estabilidadedo lar devido à política alemã durante a Segunda Guerra Mundial.” Tradução livre.
149 “Nós acreditamos na imagem mas a questionamos ao mesmo tempo devido à dualidade datransparência alcançada pela montagem e o realismo esperado de uma foto-imagem; o trabalhoentão garante o acesso ao comentário social baseado na combinação de imagens reconhecíveis.”Tradução livre.
81
fotomontagem, assim como na hipermídia, o artista define um espaço heterogêneo
através da disposição e interposição de formas deslocadas de seu contexto original
que é capaz de tornar o espectador consciente do ato de representação.
In all its various forms, the logic of hipermediacy expresses the tensionbetween regarding a visual space as mediated and as a ‘real’ space that liesbeyond mediation. Lanham (1993)150 calls this tension between looking atand looking through, and he sees it as a feature of twentieth-century art ingeneral and now digital representation in particular.151 (BOLTER e GRUSIN,2000, p. 39)
Outro exemplo de remix seletivo na história da arte apontado por Navas são os
trabalhos “Grotesque” (ver figura 08), 1963, e “Tamar” (ver figura 09), 1930, da
artista alemã Hannah Höch. De acordo com Navas, as colagens de Höch são
capazes de tornar indistinta a origem das imagens apropriadas. Entretanto, mesmo
não sendo claro de onde as imagens se originam, o resultado do trabalho é
completamente dependente de um reconhecimento alegórico de tais formas na
cultura em geral. Nos casos destas duas peças especificamente,
150 Os autores referem-se aqui a:LANHAM, Richard (1993). The Eletronic Word: Democracy, Technology, and Arts. Chicago: Universityof Chicago Press.
151 “Nas mais variadas formas, a lógica da hipermediação expressa a tensão entre considerar umespaço visual como mediado e como um espaço ‘real’ que situa-se além da mediação. Lanham(1993) denomina essa tensão entre olhar para e olhar através, e a considera como um aspectodistintivo tanto da arte do século vinte em geral e agora da representação digital em particular.”Tradução livre.
82
we have body parts of men and women remixed to create a collage of de-gendered figures. The authority of the image lies in the acknowledgment ofeach fragment individually, and a specific social commentary like the onefound in Heartfield’s work is no longer at play; instead, each individualfragment in Höch’s work needs to hold on to its cultural code in order tocreate meaning, although with a much more open-ended position.152
(NAVAS, 2007, p. 14)
Figura 8. Tamar, Hannah Höch, 1930 Figura 9. Grotesque, Hannah Höch,1963
De acordo com Navas, tanto em Heartfield quanto em Höch o próprio tema
que dá autoridade ao trabalho é questionado: “the result is a friction, a tension that
demands that the viewers reconsider everything in front of them. This is what makes
their art powerful.”153 (NAVAS, 2007, p. 14)
É baseado nesta tensão suscitada pelos trabalhos de Heartfield e Höch que
o autor volta seus olhos para a web arte. A conclusão a que Navas chega é que,
assim como as obras analisadas, a arte no contexto da cultura de rede é
inerentemente alegórica:
152 “Temos partes de corpos femininos e masculinos remixados para criar uma colagem de figurassem gênero. A autoridade destas imagens apóia-se no reconhecimento de cada fragmentoindividualmente, e o comentário social específico como o encontrado no trabalho de Heartfield nãoestá mais em jogo; ao contrario, como fragmento no trabalho de Höch precisa individualmentedominar seu código cultural para criar significado, mesmo que em uma posição muito mais aberta.”Tradução livre.
153 “o resultado é uma fricção, uma tensão que demanda que o espectador considere tudo que estáem sua frente. É isso que faz a arte destes autores poderosa.” Tradução livre.
83
it always relies on pre-existing material to gain authority. Allegory is oftendeconstructed in more advanced remixes following this third form, andquickly moves to be a reflexive exercise that at times leads to a “remix” inwhich the only thing recognizable from the original is the title. But, to beclear—no matter what—the remix will always rely on the authority of theoriginal song.154 (NAVAS, 2007, p. 19)
3.4. Considerações Finais: Remix como Consumo
A articulação entre os conceitos de alegoria e aura na definição de remix
proposta por Eduardo Navas abre uma nova possibilidade no horizonte de análise
que trabalhamos até aqui. Se entendemos o remix como uma re-interpretação ou
uma alegoria a outro texto, que por consequência demanda uma leitura de seu
espectador, podemos concluir que o remix pode ser situado tanto no domínio do
consumo quanto no da produção.
Segundo Danah Boyd (2005), “remix happens as a bi-product of
consumption.”155 (BOYD, 2005, p. 01) Bourriaud (2007) situa esta perspectiva como
herdeira de Duchamp, que haveria inaugurado o que o autor denomina cultura de
uso ou cultura da atividade. Para esta cultura, “el sentido nace de una colaboración,
una negociación entre el artista y quien va a contemplar la obra;”156 (BOURRIAUD,
154 “ela sempre depende de um material pré-existente para ganhar autoridade. A alegoria éfrequentemente desconstruída em remixes mais avançados que seguem este terceiro tipo, erapidamente movem-se para um exercício reflexivo que às vezes levam a um ‘remix’ onde a únicacoisa reconhecível do original é o título. Mas, é necessário deixar claro que – sem exceções – umremix sempre irá depender da autoridade da canção original. Tradução livre.
155 “o remix existe como um bi-produto do consumo.” Tradução livre.
156 “para qual o sentido nasce de uma colaboração, uma negociação entre o artista e aquele quecontemplará a obra.” Tradução livre.
84
2005, p. 17) A esta construção de sentido que acontece do cruzamento entre o uso
que se faz de uma obra e o sentido atrubuído a ela pelo artista, Bourriaud denomina
comunismo da forma.
De acordo com o autor, o estabelecimento da cultura de uso implicaria em
uma profunda reconfiguração do estatuto da obra de arte. Ao superar seu papel
tradicional de receptáculo da visão do artista, a obra de arte passaria a ser um
agente ativo, convertendo-se em um “gerador de comportamentos e de re-
utilizações potenciais”. Como consequência,
el arte vendría a contradecir la cultura ‘pasiva’ que opone las mercancías ysus consumidores, haciendo funcionar las formas dentro de las cuales sedesarrollan nuestra existencia cotidiana y los objetos culturales que seofrecen para nuestra apreciación.157 (BOURRIAUD, 2005, p. 17)
A obra de arte na cultura de uso funcionaria como uma terminação
temporária de uma rede de elementos interconectados onde cada obra conteria em
si o resumo de outras e poderia ainda ser reutilizada em diferentes cenários: “Ya no
es una terminal, sino un momento en la cadena infinita de las contribuiciones.”158
(BOURRIAUD, 2005, p. 17)
De acordo com o autor, a diferença entre os artistas que produzem obras a
partir de objetos já produzidos e aqueles que criam ex nihilo teria sido percebida por
Karl Marx em A Ideologia Alemã. Marx teria denominado “instrumentos de produção
naturais” aqueles onde os indivíduos estão subordinados à natureza e “instrumentos
de produção criados pela civilização” aqueles que teriam como resultado um produto
157 “a arte viria a contradizer a cultura ‘passiva’ que opõe as mercadorias e seus consumidores,fazendo funcionar as formas dentro das quais de se desenvolvem nossa existência cotidiana e osobjetos culturais que se oferecem a nossa apreciação.” Tradução livre.
158 “já não se trata de um fim, mas um elo na corrente de infinitas contribuições.” Tradução livre.
85
do trabalho, ou seja, o capital, caracterizado pela sobreposição de labor acumulado
e instrumentos de produção. A arte do século XX teria desenvolvido-se de maneira
semelhante:
Cuando Marcel Duchamp expone en 1914 un portabotelhas y utiliza como‘instrumento de producción” un objeto fabricado en serie, translada a laesfera del arte el proceso capitalista de producción (trabajar a partir deltrabajo acumulado) basando el papel del artista en el mundo de losintercambios: se emparenta de pronto con el comerciante cuyo trabajoconsiste en desplazar un producto de un sitio a otro.159 (BOURRIAUD, 2005,p. 21)
Para Bourriaud, Duchamp parte do princípio de que o
consumo é também um modo de produção, conforme afirmou
Marx em Introdução à Crítica da Economia Política: “el
consumo es igualmente y de manera inmediata produccíon;
así como en la natureza el consumo de elementos y
substancias químicas es producción de la planta.”160 (MARX
In: BOURRIAUD, 2005, p. 22) Ao criar a necessidade de uma
nova produção, o consumo iria ainda além: constituir-se-ia ao
mesmo tempo, como “seu móvel e seu motivo”. Esta teria sido a primeira virtude do
ready-made: estabelecer uma equivalência entre “escolher e fabricar”, “consumir e
produzir”.
Em Michel de Certeau161, Bourriaud encontra eco para sua análise sobre o
159 “Quando Marcel Duchamp expõe em 1914 um porta-garrafas e o utiliza como ‘instrumento deprodução’ um objeto fabricado em série, transpõe para a esfera da arte o processo capitalista deprodução (trabalhar a partir de um labor acumulado) baseando o papel do artista no mundo dosintercâmbios: pode ser de imediato comparada com o comerciante cujo trabalho consiste em deslocarum objeto de um lugar a outro.” Tradução livre.
160 “o consumo é igualmente e de maneira imediata produção: assim como na natureza o consumo deelementos e substâncias químicas é a produção de uma planta.” Tradução livre.
161 CERTEAU, Michel (2005). A Invenção do Cotidiano 1 - Artes do Fazer. Petrópolis: Editora Vozes.
Figura 10. Porta-garrafas,Marcel Duchamp,1914
86
par consumo-produção. Para Certeau, o consumidor afastar-se-ia do papel passivo
a que se sujeitara para dedicar-se a uma “produção silenciosa e clandestina”. Desta
forma, o uso de um produto pode ser analisado através de sua capacidade de
tracionar seu conceito e o ato de contemplar por seu poder de desvio: “el uso es un
acto de micropirataría, el grado cero de la postproducción.”162 (BOURRIAUD, 2005,
p. 23)
A atividade de pós-produção é explicada por Bourriaud a partir de seu
sentido especificamente técnico no mundo da televisão, do cinema e do vídeo.
Segundo o autor, o termo
Designa el conjunto de processos efectuados sobre un material grabado: elmontaje, la inclusion de otras fuentes visuals o sonoras, el subtitulado, lasvoces en off, los efectos especiales. Como um conjunto de actividadesligadas al mundo de los servicios y del reciclaje, la postproducciónpertenece pues al secto terciario, oposto al setor indutrial o agrícola – deproducción de materiais en bruto.163 (BOURRIAUD, 2005, p. 23)
Segundo Bourriaud, os artistas da pós-produção caracterizam-se pela
invenção de intinerários próprios através da cultura, são “semionautas” que antes de
mais nada produzem rotas originais entre os signos. O DJ, por exemplo, ativa a
história da música ao copiar ou utilizar-se da música criada por outro. O usuário da
Internet cria relações individuais através da navegação, seleção e reprodução dos
conteúdos online. Ao utilizarem-se de um sample cada um destes personagens do
cenário da pós-produção tem consciência de que sua própria criação poderá um dia
servir de matéria para outra criação.
162 “O uso é um ato de micro-pirataria, o grau zero da pós-produção.” Tradução livre.
163 “Designa o conjunto de processos efetuados sobre um material gravado: a montagem, a inclusãode outras fontes visuais ou sonoras, o subtítulo, as vozes en off, os efetos especiais. Como umconjunto de atividades ligadas ao mundo dos serviços e da reciclagem, a pós-produção perteneceentão ao setor terciário, oposto ao setor indutrial ou agrícola – de produções de materiais brutos.Tradução livre.
87
Ese reciclaje de sonidos, imagines o formas implica una navegaciónincessante por los meandros de la historia de la cultura – navegación quetermina volviéndose el tema mismo de la prática artística. ¿No es el arte, enpalabras de Marcel Duchamp. ‘un juego entre todos los hombres de todaslas épocas’? La postproducción es la forma contemporánea de ese juego.164
(BOURRIAUD, 2005, p. 15)
Considerando a pós-produção como o jogo da cultura de rede, capaz de
criar não só novos mapas como novos territórios, dedicamos o próximo capítulo
deste trabalho à a análise de algumas jogadas.
164 “Essa reciclagem de sons, imágens e formas implicam uma navegação incessante pelos mandrosda história da cultura – navegação que termina se tornando o próprio tema da prática artística. Não éa arte, nas palavras de Marcel Duchamp, um ‘jogo entre todos os homens de todas as épocas’? Após-produção é a forma contemporânea deste jogo.” Tradução livre.
88
89
4. O Jogo Contemporâneo
“Beauty in chess is closer to beauty in poetry: the chesspieces are the block alphabet which shapes thoughts”
165
Marcel Duchamp, 1952
Se para Duchamp, “a arte é um jogo entre todos os homens de todas as
épocas” é porque, para o artista, o jogador representa uma idéia de autor que
materializa, através de sua arte, o constante diálogo que estabelece com as
manifestações culturais do passado e do presente. Quando Bourriaud (2007) afirma
que a pós-produção é a forma contemporânea do jogo duchampiano, destaca, como
consequência, a maneira com que as práticas artísticas englobadas por este
conceito tornam visíveis as jogadas de seus autores, que por muito tempo foram
veladas na história da arte. Dessa forma, os conceitos de cultura de uso e
comunismo da forma propostos pelo autor têm como extensão a definição da arte
como uma atividade que consiste em produzir relações com o mundo,
materializando seus vínculos com o espaço e o com o tempo.
É sobre essas jogadas que este capítulo se desenvolve. Para investigar seus
modos de significação, tomamos como ponto de partida para a nossa análise as
165 “A beleza no xadrez é próxima à beleza na poesia: as peças de xadrez são os blocos do alfabetoque modelam o pensamento.” Tradução livre.
90
relações que as artes da pós-produção estabelecem com suas fontes, ou originais.
Tal metodologia de trabalho estabelece um diálogo direto com a definição de remix
em Eduardo Navas, onde a articulação dos conceitos de alegoria e aura são
ferramentas importantes no processo de tornar visíveis os vínculos estabelecidos
entre original e remix. Para isso, este capítulo está dividido em duas seções,
correspondentes às categorias de remix na cultura de rede propostas por Navas. Em
cada um deles, selecionamos como corpus empírico um produto capaz de
representar ao mesmo tempo as culturas de rede e remix que, sobrepostas,
demarcam um território com estética e políticas próprias.
4.1. Jogos de Seleção
Conforme apresentamos no capítulo anterior, a primeira categoria definida
por Eduardo Navas para os remixes nas artes da cultura de rede é denominada
remix seletivo. Nesse tipo de remix, o autor retira e adiciona fragmentos à
composição original ao mesmo tempo em que deixa sua aura espetacular intacta. É
o que podemos perceber, como observa Navas, na obra “Fountain (after Marcel
Duchamp)”, 1991, da artista norte-americana Sherrie Levine que, ao esculpir a
escultura de um urinol em bronze, questiona a aura espetacular de “Fountain” como
ready made. Ao contrário do urinol de Duchamp, produzido em escala massiva, o
urinol apresentado por Levine é apresentado como uma obra de arte única. Nesta
relação entre original e remix é possível perceber claramente seu caráter alegórico,
91
já que não é possível interpretar o urinol de Levine sem qualquer referência ao urinol
de Duchamp.
Estabelecida a noção de remix seletivo, passaremos para a análise do
trabalho composto pelos sites “AfterSherrieLevine.com” e “AfterWalkerEvans.com”,
de Michael Mandiberg, 2001.
92
4.1.1. After Sherrie Levine/ After Walker Evans
Figura 11. “AfterSherrieLevine.com”, Michael Mandiberg, 2001
Figura 12. “AfterWalkerEvans.com”, Michael Mandiberg, 2001
93
Em 1936 o fotógrafo norte-americano Walker Evans fotografou a família
Burroughs em meio à Grande Depressão no Alabama. Em 1979, Sherrie Levine re-
fotografou as fotografias de Evans contidas no catálogo da exposição “First and
Last”, e nomeou a série “After Walker Evans”. Em 2001, Michael Mandiberg cria os
sites “AfterSherrieLevine.com” (ver figura 11) e “AfterWalkerEvans.com” (ver figura
12), onde publica estas mesmas fotografias.
Em ambos os sites, encontramos uma apresentação e um menu composto
por quatro links. Na apresentação, um texto do autor explica que os sites foram
feitos com a intenção de facilitar a disseminação dessas imagens e refletir sobre
como acontece o acesso à informação na Era Digital. Para isso, uma seleção das
imagens originais de Walker Evans em alta resolução está disponível na primeira
seção do web site, denominada “images” (ver figura 13). Cada imagem é intitulada
de acordo com seu endereço na Web e vem acompanhada de um certificado de
autenticidade (como pode ser observado nas figuras 14 e 15) e das instruções para
impressão e emolduramento.
Figura 13. http://www.aftersherrielevine.com/images4.html
94
Figura 14. Untitled (AfterSherrieLevine.com/1.jpg), Figura 15. Certificado de autencidadeMichael Mandiberg, 2001
De acordo com Mandiberg, os certificados de autenticidade que acompanham
as imagens têm a intenção de atribuir valor cultural às reproduções e não valor
econômico. Sua afirmação é uma crítica à Sherrie Levine, que em entrevista à
Jeanne Siegel166, em 1985, afirmara que seu trabalho não tinha a intenção de ser
outra coisa além de um comodite. Ao analisarmos o jogo que Mandiberg produz a
partir da afirmação de Levine, percebemos que são as suas reproduções, devido à
própria natureza digital e à disponibilidade na Web, que possuem o potencial de
tornarem-se comodites.
Enquanto a primeira seção de “AfterSherrieLevine.com” e
“AfterWalkerEvans.com” é dedicada a fornecer o acesso físico às imagens da família
Burroughs, a segunda, denominada “texts” dedica-se à disponibilização de um
“acesso conceitual” às obras reproduzidas através de textos escritos ou remixados
por Mandiberg. É através desta seção que o autor explica o gesto de Sherrie Levine
166Disponível em: <http://www.artnotart.com>.
95
e, sobre este, o seu próprio. Segundo Mandiberg, a proposição pós-moderna de
Levine, na qual é possível re-fotografar uma imagem e criar algo novo neste
processo, critica a noção moderna de originalidade criando, paralelamente, uma
noção de originalidade pós-moderna. Como lembra o autor, o gesto de Levine
estabelece um diálogo com a teoria sobre a aura da obra de arte de Walter Benjamin
e tem como intenção tornar a reprodução uma experiência autêntica. Este diálogo é
reconhecido pela própria artista que, em entrevista a Constance Lewallen167, afirma
que suas reproduções almejam a aura que possuem os originais: “for me the tension
between the reference and the new work doesn't really exist unless the new work
has an auratic presence of its own. Otherwise, it just becomes a copy, which is not
that interesting.”168 E não é possível negar que o trabalho de Levine alcança este
objetivo:
Her rephotographed reproduction now finds itself in the Metropolitan Museumof Art alongside Evans's twin offering. No doubt filed under separate names -Evans and Levine - in different categories - original and copy - and twoperiods apart - modern and postmodern - their close affinities in this contexthave, ironically but fittingly, made them into equals and not adversaries.
169
(WHITLAW In: MANDIBERG, 2002, p.01)
O gesto de apropriação de Mandiberg em “AfterSherrieLevine.com” e
“AfterWalkerEvans.com” justifica-se sobre este contexto. Segundo o autor, enquanto
em Benjamin a reprodução destrói a sacralidade do objeto, em Levine o objeto
167Disponível em: <http://www.jca-online.com>.
168 “para mim a tensão entre a referência e o novo trabalho não existe a menos que o novo trabalhoapresente uma presença aurática própria. De outra maneira, torna-se apenas uma cópia, o que não étão interessante.” Tradução livre.
169 “Sua reprodução refotografada agora se encontra no Metropolitan Museum of Art ao lado dosduplos de Evans. Sem dúvida arquivados sobre nomes distintos – Evans e Levine – em diferentescategorias – original e cópia – e separados períodos – moderno e pós-moderno – suas afinidadesneste contexto irônico porém adequado, tornou-os iguais ao invés de adversários.” Tradução livre.
96
reproduzido por muitas vezes parece tentar alcaçar a sacralidade do original.
Podemos perceber este fenômeno no texto Second Statement, incluído nesta
segunda seção, onde Mandiberg afirma que Sherrie Levine teria evitado ao máximo
a publicidade e a reprodução de suas re-fotografias. De acordo com o autor, tal
decisão teria sido tomada com o objetivo de evitar a mitificação das imagens
reproduzidas mas acabaria por levar exatamente ao que se tentou evitar: atualmente
as imagens de Sherrie Levine são mais raras que os originais de Walker Evans e
são encontradas apenas em museus e coleções particulares. As reproduções de
Mandiberg, observadas sob esta ótica, operam ao mesmo tempo como uma crítica e
uma homenagem à Sherrie Levine.
Figura 16. http://www.aftersherrielevine.com/images4.html
Conforme abordamos até agora, o trabalho composto pelos sites
“AfterSherrieLevine.com” e “AfterWalkerEvans.com” estabelece uma relação sobre o
próprio gesto de apropriação de Sherrie Levine e não com o conteúdo das imagens
reproduzidas pela artista. Como consequência, torna-se possível afirmar que a
relação de alegoria estabelecida por Mandiberg entre as imagens reproduzidas e
97
seu original direciona-se no sentido de uma representação do gesto de Levine na
história da arte e não na representação das imagens apropriadas. Se levamos em
consideração que o autor utiliza como original as fotografias de Walker Evans e não
as de Sherrie Levine, esta relação torna-se ainda mais evidente. O gesto de
Mandiberg é, na verdade, uma reprodução do gesto de Levine e não uma
apropriação de suas fotografias.
A homenagem de Mandiberg a Levine acontece justamente nesse ponto.
Como afirma Craig Owens (1994), a qualidade alegórica das imagens de Levine
situa-se por trás da estratégia de apropriação: a autora não fotografa imagens, mas
a representação destas. Esta intenção da artista fica clara quando, em entrevista a
Jeane Siegel (1985), Levine afirma que seu desejo é que a imagem entre em
contradição, que seja possível perceber nela a existência de uma foto sobre outra
foto. Através desta interpretação, constrói-se a possibilidade de que ambas possam
desaparecer ou se manifestar. Ao reproduzir o gesto de Levine, Mandiberg abre
espaço para a existência deste olhar sobre as próprias obras da artista onde ambas
ganham autonomia para manifestar-se e entrar em contradição. Quando
enxergamos uma imagem sobreposta a ela mesma o que nos resta é o espaço que
existe entre as duas, um espaço onde não existem imagens. É neste espaço que
nós, observadores, damos significação para a alegoria proposta por Michael
Mandiberg.
98
4.2. Jogos de Reflexão
Conforme discutimos no capítulo anterior, a segunda categoria definida por
Eduardo Navas (2007) para os remixes nas artes da cultura de rede é o Remix
Reflexivo. De acordo com o autor, este tipo de remix, de maneira geral, apropria-se
de fragmentos de diferentes fontes com o objetivo de garantir a sua própria
autonomia. Um exemplo encontrado na cultura pop é remix do álbum “Protection” do
grupo Massive Attack pelo produtor Mad Professor, lançado sob o título “No
Protection”. Segundo Poschardt, “in this case both albums, the original and the
remixed versions, are considered works on their own, yet the remixed version is
completely dependent on Massive’s original production for validation.”170
(POSCHARDT In: NAVAS, 2007, p. 19) É devido a esta autonomia que esta
categoria de remix pode abrigar certas produções que desafiam a aura do original ao
desvelar para o público poucas informações além de seu próprio nome. Como
consequência, é possível dizer que os trabalhos de remix reflexivo questionam ao
mesmo tempo os papéis de autor e usuário (ou leitor) para tornarem claras as
posições críticas que estabelecem frente a seus originais. É a partir destas relações
que analisaremos o trabalho “Society of the Spectacle (A Digital Remix)” do coletivo
170 “no caso de ambos os álbums, o original e as versões remixadas são considerados trabalhosautônomos, apesar da versão remixada ser completamente dependente da produção original doMassive Attack para sua validação.” Tradução livre.
99
DJ Rabbi, 2004.
4.2.1. Society of the Spectacle (A Digital Remix)
Figura 17. Society of the Spectacle (A Digital Remix), DJ Rabbi, 2004
“The Society of the Spectacle (A Digital Remix)”171 é um video produzido por
Rick Silva aka Cuechamp, Trace Reddel aka the pHarmanaut e Mark Amerika aka
Kid Hassid, membros do coletivo de arte digital e ativismo DJ Rabbi. Para remixar o
clássico filme do cineasta e filósofo situacionista francês Guy Debord, o trio utilizou-
se de seus textos, imagens e gravações de áudio lado a lado com cut up tapes de
William Burroughs, músicas do grupo The Clash e imagens do Google resultantes de
171 http://www.djrabbi.com/sospreview.htm
100
buscas por trechos do roteiro original de “Sociedade do Espetáculo”172. Neste mix,
são compostos conceitos e estratégias tanto do situacionismo quanto da cultura de
rede, provocando a substituição conceitual da sociedade do espetáculo pelo que é
denominado no trabalho “condição virtual”. A proposta deste embate, de acordo com
o release173 divulgado pelos artistas/ativistas, é re-situar o papel do artista como
sabotador intelectual através de um modelo emergente de autoria coletiva, fruto das
redes distribuídas, capaz de decompor (e transformar) os elementos da economia da
informação.
O resultado pode ser percebido em uma colagem furiosa de imagens em baixa
resolução sampleadas, recortadas, manipuladas e compostas sobre cenas do filme
original de Debord, em uma estética de hipermediação que não deixa qualquer
possibilidade ao espectador de afastar-se dos frames da mediação. Sobre as
imagens, repetem-se loops de uma gravação em áudio feita pelo autor e ecoam
capítulos inteiros de alguns de seus textos críticos transformados agora em
diferentes ambiências sonoras. Por último, as legendas em inglês são como que
uma re-escritura daquelas criadas para o original de 1973. Mark Amerika trabalha
sobre o roteiro original de Debord como se fosse uma espécie de template,
substituindo algumas palavras para deslocar o objeto da sociedade do espetáculo
para a nova realidade global, ou “condição virtual”.
É possível identificar este ato de re-escritura já no primeiro minuto do vídeo:
após uma sequência de legendas que apresentam a “condição virtual” como aquela
que faz da sociedade sua refém, obrigando-a a assistir à sua própria decomposição
172 GLASGOW, Greg (2006). Local artists 'remix' '70s art film into a 'Spectacle'.Disponível em: <http://www.dailycamera.com>.
173 Disponível em: <http://djrabbi.com/sos>.
101
através de um mercado de terror, vemos as seguintes legendas (ver figuras 18 a
21):
The virtual understood in its totality is both seduction and a turn-off, theflickering Other we love to hate.It is not a value-added accessory to the materiality of culture.It is an extension of the biopowers corrupting our memories that matter.174
Figuras 18, 19. 20 e 21. “Society of the Spectacle (A Digital Remix)”, DJ Rabbi, 2004
174 O virtual entendido em sua totalidade é ao mesmo tempo sedução e repulsa, o pulsante Outro queamamos odiar.Não é um acessório que agrega valor à materialidade da cultura.É uma extensão do biopoder corrompendo nossas memórias relevantes.(“The Society of the Spectacle - A Digital Remix”, 2004, 0’50”)
102
Ao compararmos as legendas apresentadas acima com o roteiro original de
“A Sociedade do Espetáculo”175, é possível identificar o trecho-fonte utilizado por
Mark Amerika176, que transcrevemos a seguir (ver figuras 22 a 25):
Understood in its totality, the spectacle is both the result and the project of thedominant mode of production.It is not a mere decoration added to the real world.It is the very heart of this real society’s unreality.
177
Figuras 22, 23, 24 e 25. “Sociedade do Espetáculo”, Guy Debord, 1973
175 Disponível em: <http://www.bopsecrets.org/SI/debord.films/spectacle.htm>.
176 Nos utilizamos aqui das legendas em inglês do filme de Guy Debord para uma melhor comparaçãocom as legendas de “The Society of the Spectacle (A Digital Remix)’, originalmente em inglês.
177 Entendidas em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto de ummodo de produção dominante.Não é uma mera decoração adicionada ao mundo real.É o próprio coração da irrealidade desta sociedade real.(Sociedade do Espetáculo, 1973, 4’28”) (Tradução livre)
103
A substituição do conceito de sociedade do espetáculo pelo de condição
virtual em “Society of the Spectacle (A Digital Remix)” claramente filia o segundo
conceito ao primeiro. É possível dizer que a corrupção da memória pelo poder
biopolítico sobre a qual dizem as legendas de Mark Amerika, é uma herança deixada
pela sociedade do espetáculo para a “condição virtual”, onde a representação da
vida e a perda do senso histórico social disseminados através da mídia são
potencializados pela imediacidade das redes de comunicação. Conforme os artistas
afirmam no release do trabalho, o vídeo não oferece nem uma crítica espetacular do
espetáculo e nem uma apologia às suas próprias tendências à “acidentais”
justaposições espetaculares em reação à presença do medo e do terror na cultura
midiática atual. Ao contrário, o que os artistas oferecem seria um “exorcismo
polisensorial” da resistência material e conceitual à amnésia presente na prática
histórica oficial. Tal exorcismo direciona-se diretamente à paisagem midiática
através da manipulação e destruição de sua linguagem, imagem e som.
A noção de resistência apresentada pelo coletivo DJ Rabbi através deste
exorcismo polisensorial, segue os preceitos de Guy Debord. Mark Amerika (2007)
explica que, de acordo com a filosofia situacionista da qual Debord foi um dos mais
ativos pensadores, situações coletivamente geradas teriam a capacidade de
intervenção no discurso midiático provocando uma ruptura no domínio do
espetáculo. O método para alcançar esta ruptura foi desenvolvido por Debourd em
Métodos de Détournement178, do qual citamos este trecho:
178 DEBORD, Guy e WOLMAN, Gil J (1956). Métodos de Détournement. Artigo publicado no jornalLesLèvres Nues#8, maio. Tradução de Railton Sousa Guedes e Ricardo Rosas.Dísponível em: <http://www.eulalia.kit.net/textos/detournement.pdf>.
104
Pode-se usar qualquer elemento, não importa donde eles são tirados, parafazer novas combinações. As descobertas de poesia moderna relativas àestrutura analógica das imagens demonstram que quando são reunidos doisobjetos, não importa quão distantes possam estar de seus contextosoriginais, sempre é formada uma relação. Restringir-se a um arranjo pessoalde palavras é mera convenção. A interferência mútua de dois mundos desensações, ou a reunião de duas expressões independentes, substitui oselementos originais e produz uma organização sintética de maior eficácia.Pode-se usar qualquer coisa. Desnecessário dizer que ninguém fica limitadoa corrigir uma obra ou a integrar diversos fragmentos de velhas obras emuma nova; a pessoa pode também alterar o significado desses fragmentos domodo que achar mais apropriado, deixando os imbecis com suas servisreferências às “citações”. (DEBORD e WOLMAN, 1956, p. 01)
De acordo com Amerika, a idéia central do método de Détournement ou de
desvio é não se deixar fisgar pela postura defensiva da cultura de consumo
mundana. Em contraste ao estupor do consumo, Debord teria imaginado práticas
onde os indivíduos criam suas próprias “situações”, integrando à engrenagem da
produção social. Por consequência, opõe a passividade do espectador à atividade
do sujeito que constrói sua vida contra o espetáculo (BEST e KELLNER, s/d, p.12).
A resistência à cultura espetacular, nesse sentido, condena o consumo passivo e
promove o consumo ativo (ou produção) e pode ser incluída no que Bourriaud
(2007) denomina como cultura de uso.
Para Trace Reddell179, Debord foi um protótipo do artista que trabalha sobre
samples (ou seja, do artista da pós-produção). Para Bourriaud, qualquer DJ trabalha
hoje a partir de princípios herdados das vanguardas artísticas, dentre elas a prática
de desvio, e Reddell, Silva e Amerika o confirmam através do projeto DJ Rabbi que,
de acordo com o web site180 do coletivo, “is launching its talmudic reinterpretations in
179 GLASGOW, Greg (2006). Local artists 'remix' '70s art film into a 'Spectacle'.
180 http://www.djrabbi.com
105
the form of live cinema performances, textual rewritings, and DVD remixology.”181
O conceito de remixologia trabalhado por Amerika pode ser comparado ao
conceito de pós-produção de Bourriaud: apesar do conceito de Bourriaud passar
uma idéia de fim, é concebido como uma rede de criação onde cada ponto
representa um objeto. Outro conceito de Amerika que pode ser comparado aos
conceitos de desvio de Debord e pós-produção de Bourriaud é o de surf-sample-
manipulate que define a prática do produtor da cultura de rede, largamente utilizada
no vídeo “Society of the Spectacle (A Digital Remix)”: “to surf the net, sample data
and then alter that data to meet the specific needs of the environment being
developed by the artist.”182 (AMERIKA, 1997, p. 01)
Como pode ser percebido em sua aplicação em “Society of the Spectacle (A
Digital Remix)”, os conceitos que definem a prática artística de Mark Amerika são
típicos da categoria de remix reflexivo definida por Eduardo Navas, onde
encontramos desde a utilização de fragmentos de diversas fontes com o objetivo de
alcançar a autonomia do remix, passando pela utilização de elemetos típicos das
mídias de massa com o intuito de criticá-las, até o questionamento da obra original
que leva à um reposicionamento dos papéis de produtor e consumidor forçando a
leitura de um texto sobre outro.
Quando comparamos o vídeo “Society of the Spectacle (A Digital Remix)” com
os exemplos dados por Navas em Turbulence: Remixes + Bonus Beats podemos ver
claramente como o trabalho se encaixa na categoria de remix reflexivo proposta por
181 “está lançando duas interpretações talmudicas na forma de performances de cinema ao vivo, re-escrituras textuais e remixologia de DVDs.” Tradução livre.
182 “surfe pela Internet, sampleie dados e depois altere-os para encaixarem-se especificamente nasnecessidades do ambiente em desenvolvimento pelo artista.” Tradução livre.
106
Navas. Assim como os trabalhos de John Heartfield, o vídeo produzido pelo coletivo
DJ Rabbi utiliza-se de materiais transpostos de seus contextos originais para criar
um comentário critico social e questiona o próprio tema que o autoriza. Da mesma
forma, assim como no trabalho de Hannah Höch, o remix de “A Sociedade do
Espetáculo” não se utiliza da estética de anti-montagem. Ao contrário demarca as
fronteiras e distinções dos materiais apropriados, estes em grande parte de origem
indistinta, e afirma ao máximo a qualidade de impureza do remix identificada por
Bernard Schütz. Exatamente por isso, incita uma reflexão crítica do observador.
Como consequência, o resultado de “Society of the Spectacle (A Digital Remix)”,
assim como nos trabalhos de Heartfield e Höch é “uma tensão que demanda do
observador que considere tudo o que está em sua frente” (NAVAS).
Para finalizar esta análise, gostaríamos de destacar que apesar do coletivo DJ
Rabbi utilizar-se de técnicas de remix ou pós-produção em “Society of the Spectacle
(A Digital Remix)”, não o faz estritamente no sentido de desvio empregado por Guy
Debord e a filosofia situacionista. Para Bourriaud (2007), esta é uma grande
distinção entre as vanguardas artísticas e as práticas de pós-produção. Um exemplo
que ilustra esta proposição é a comparação entre o frame que encerra o trabalho
analisado (ver figura 26) e um dos frames finais do original de “A Sociedade do
Espetáculo” (ver figura 27). Mesmo após a intensa manipulação da imagem, áudio e
legendas, ou teorias, do filme original, os autores deste remix não se contrapõem ao
conceito de resistência proposto por Debord. Muito pelo contrário, e ecoam ao lado
dele o brado de morte à sociedade do espetáculo.
107
Figura 26: último frame de “Society of the Figura 27: frame original de “A Sociedade doSpectacle (A Digital Remix)” Espetáculo”.
108
109
5. Conclusão:
Remix, pós-produção, autoria por seleção, surf-sample-manipulate. Os
inúmeros conceitos tratados no decorrer deste trabalho não aparecem por acaso. Os
formatos e práticas criativas típicas da cultura de rede são tão recentes quanto a
inserção das redes de comunicação nas dinâmicas sociais. Por conseqüência,
também o são as reflexões que se debruçam sobre este objeto. Desta forma, a
pluralidade de conceitos que englobamos em nossa análise não tem uma intenção
de redundância, mas de composição, ou podemos dizer, de remix. As diferentes
perspectivas sobre as práticas de reciclagem abordadas aqui configuram um
panorama a partir qual podemos delimitar alguns conceitos que dão forma a uma
estética própria da cultura de rede.
Em, primeiro lugar, como conseqüência da reconfiguração do fluxo de
comunicação na paisagem midiática contemporânea podemos perceber que as
distinções entre produção e consumo encontram-se de certa forma manchadas ou
mesmo apagadas. Encontramos esta posição em grande parte dos autores tratados
nesta pesquisa: Para Manovich o receptor agora é apenas um destino temporário
das mensagens; para Bourriaud os produtos culturais contemporâneos são apenas
elos de uma corrente de contribuições; em Navas um remix sempre tem como
possibilidade tornar-se um original de um outro remix; e para Mark Amerika, a
atividade do artista contemporâneo consistem em ressignificar fragmentos da
cultura.
110
Por outro lado, como observamos em Navas e Varnelis, esta aproximação
entre produtor e consumidor caracterizada por uma ampliação do consumo midiático
tende à instauração de um novo tipo de consumo espetacularizado, quando as
práticas de remix passam a integrar uma outra dimensão de passividade povoada
por templates e cliques em interfaces amigáveis. Em oposição a este tipo de
consumo, os trabalhos incluídos em nosso corpus empírico apresentam-se como
uma resistência à cultura espetacular, condenando o consumo passivo e
promovendo o consumo ativo incluído no campo denominado por Bourriaud como
cultura de uso. Como determinam as categorias de Navas para os remixes típicos da
cultura de rede, as obras “AfterSherrieLevine.com/AfterWalkerEvans.com” e “Society
of the Spectacle (A Digital Remix)” utilizam-se da própria qualidade popular e
massiva das mídias como objeto de reflexão e estratégia de criação: enquando
Michael Mandiberg utiliza-se da velocidade e alcance da rede para operar sua crítica
ao trabalho de Sherrie Levine e tornar “comodites” suas reproduções, o coletivo DJ
Rabbi manipula referências à cultura de massa em velocidade análoga à que os
dados trafegam nas redes de comunicação.
Paralelamente, ambos os trabalhos evocam as estratégias de resistência ao
controle protocolar propostas por Galloway: ao mesmo tempo apresentam as
qualidades táticas das artes em rede, onde “agenciamentos de transferência e
transmissão sobre os quais o contexto torna-se conteúdo” (LOVEJOY) ganham
visibilidade; compartilham ideais das práticas hackers e questionam os conceitos de
autoria estabelecidos através de um jogo com a lógica de controle protocolar onde o
que é possível é permitido; além disso, não deixam de atuar sobre as estratégias de
mídia tática ao empregar meios e tecnologias com finalidades políticas.
Em meio à multiplicidade das práticas de criação na cultura de rede, temos
111
conhecimento de que a investigação a que se propôs esta pesquisa não é capaz de
englobar todo seu espectro. Entretanto, acreditamos que o trabalho de composição
e análise aqui desenvolvido seja capaz de acrescentar sua contribuição na rede de
reflexões sobre as práticas culturais contemporâneas.
112
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7. Anexos:
Transcrição das legendas de “Society of the Spectacle (A Digital Remix)”, deDJ Rabbi, 2004:
The virtual condition continues to hold us hostage for its own uses, forced to watchan ersatz world decomposig in a market of terror.
Immersed in a global media network lost in the space of flows and psychictransformation.
The virtual understood in its totality is both seduction and a turn-off, the flickeringOther we love to hate.
It is not a value-added accessory to the materiality of culture.
It is an extension of the biopowers corrupting our memories that matter.
The virtual stripped bare bay all of its political bachelors seeking a connection.
The virtual infests our dreams with visions of the proto-real lost in a timeless time fullof morbid curiosity.
The power of an ethically charged aesthetics of information manifests itself in theblack hole of a radical subjectivity.
Seeing is believing and believing is easily commodified by internal desire.
Being Commodified is desired, and being seen as a commodity is desirous.
The commodity itself disappears and is replaced by seductive knowledge, which thenpulls the robot thinker into the hopeless stink of oblivion.
Animal magnetism attracts and repels like a bulimic survivor of reality TV and putflesh on Dem Bones in the form of a second skin, an artificial membrane of self thatsecrets false consciousness, albeit one armed with a credit card and theremembrance of purchases past.
The virtual is the most powerful narcotic to have ever struck the scintillating nerve-scales of the protoplasmic consuming replicants, and their chance of survivaldepends on the unreality of the net condition.
The easy with witch the virtual identifies with the fad of Being and its fashionable fearfactors.
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Nomadic warriors of everyday life, streaming media targets ready to be captured sothe war can go on. The war, anchoring the virtual condition, hardens the characterarmor of the players.
The interiorized blood flow is now filled with terror.
But the terror is only commodified, a predictable outcome of oilgarchy, and this, inturn, creates panic among the media elite who drop on a dime capturing state-sanctioned images of the pseudo-now in manipulated realtime.
The aura of personality challenges every reality TV survivor to buy, and remediateswhatever nostalgia their hearts may have surrendered.
The endless cycle of revision and the poverty of ideas remixing.
A peer-to-peer network culture, free-floating in the gift economy, downloading carboncopies of idea-things made by hands conducting network traffic.
Radical subjectivity silently manipulating all that it cannot see even when believing,spurs on an estranged phenomenological tendency to disrupt the eternal.
Where these lucid dream poetics emerge, a false consciousness blooms, so that onefeels terminally indebted.
The virtual pounces on the ambiguity of sexual identities waiting to transform intogifts of perpetual presence.
But the immortality of each individual and their passion for presence, is what leadsour catastrophic flux identities to flounder, even while swimming in the bio-mass oferos-driven values created for us by others.
Mobility is what makes us nomadic, and in moving we become memory, momentarylight beings accelerating our bio-mass through the concrete jungles, spacesstructured to dam up our movement even though we ourselves are leaking.
Memory is an embedded reporter who only tells one side of the story and is alwaysliving inside us, converting real data into pseudo-matter.
Memory writes each new scene into being and with it brings a set of new desiresfueling the technocapitalist dream of run amok chaos and psychological ruin so thatthe biopowers of networked A.I. can finally ejaculate their Armageddon.
A singular rank sperm, whose nuclear head is ready to detonate at any givenmoment, the future becomes a go-for-broke crapshoot.
You can raise your freak flag, as much as you want to and spew forth your ideology,but the end is nearing and can't wait to consume you.
Your only chance to win the survivor game is to enter another plane of
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consciousness where you intuitively know how to mobilize your thoughts.
The end of communism is not the end of social utopian dreaming, especially forthose who operate in the nomadic space of flows, spreading their liquid lives into theflickering transarchitecture of flux identity and post-LeftRight pleasure politics, itself amisnomer, something impossible to explain.
False consciousness maintains its absolute power only by absolute terror, a space ofmind corrupted by the ruling oilgarchy and its minions.
This all-encompassing corruption has become us, and has anticipated ourparticipation in patriotic madness. Each robotic creature, forever tuned in to the spin-doctors of the ruling elite, is asked to regulate their own desires according to thecurrent interest rate so that we can refinance our visions of a world flash-fried inrancid oil, a drive-thru inconvenience of being-human in inhuman times.
"They want to outlaw our party...to choke off the voice of the working class"
We the people, the happy people, hopping to form a more perfect union.
"Run quickly, comrade, the old world is behind you"
"Down with spectacular commodity society!"