PROGRAMA DE BOLSAS DE PESQUISA - ie.ufu.br · CENTRO CELSO FURTADO E BNB 2012 ... Introdução No...

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1 PROGRAMA DE BOLSAS DE PESQUISA CENTRO CELSO FURTADO E BNB 2012 EDITAL 02/2012, DE 30 DE MARÇO DE 2012 A Natureza do Atual Padrão de Desenvolvimento Brasileiro E O Processo de Desindustrialização Autor: Luiz Filgueiras 1 1 Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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PROGRAMA DE BOLSAS DE PESQUISA

CENTRO CELSO FURTADO E BNB 2012

EDITAL 02/2012, DE 30 DE MARÇO DE 2012

A Natureza do Atual Padrão de Desenvolvimento Brasileiro E

O Processo de Desindustrialização

Autor: Luiz Filgueiras1

1 Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

2

A Natureza do Atual Padrão de Desenvolvimento Brasileiro e o Processo de Desindustrialização

Luiz Filgueiras2 Resumo Este trabalho discute e caracteriza a natureza (estrutura e dinâmica) do atual padrão de desenvolvimento

brasileiro e sua sustentabilidade de longo prazo, evidenciando como as mudanças recentes nesse padrão, em

particular no seu regime de política macroeconômica e no bloco no poder, se articulam com o processo de

desindustrialização precoce que, ao que tudo indica, vem ocorrendo. Processo este acompanhado pela

“reprimarização” e “especialização regressiva” da economia brasileira, que, provavelmente, tem como causa

central a chamada “doença holandesa”. Portanto, a questão central, mais abrangente, que o trabalho procura

responder é a seguinte: qual a natureza do atual padrão de desenvolvimento brasileiro e sua relação com o

processo de desindustrialização?

Palavras-chave: Padrão de desenvolvimento. Bloco no Poder. Regime de Crescimento. Desindustrialização.

Doença Holandesa.

Abstract This paper discusses and characterizes the nature of the present Brazilian pattern of development and its

sustainability on a long term basis, bringing evidences such as the recent changes in this pattern, most

specifically in the macroeconomics political regime and in the block in the power, articulating themselves with

the precocious deindustrialization process that, as everything indicates has been happening. This process has

been followed by the “reprimarization” and the “regressive specialization” of the Brazilian economy that

probably has as a main cause the so called “Dutch disease”. Therefore, the main question which has been largely

held here and that is tried to be answered through the paper is the following: What is the nature of the present

Brazilian pattern and its relation with the deindustrialization process?

Key words: Patterns of Development. Block in the power. Growth Regime, Desindustrialization. Dutch Disease.

1. Introdução

No período mais recente dos Governos Lula, mais especificamente entre 2006 e 2008,

o Brasil apresentou uma série de resultados (indicadores) positivos no âmbito

macroeconômico e social – quando se tem por referência as duas décadas anteriores (1980-

2000) de estagnação da economia brasileira. No entanto, com a crise mundial, difundida para

os países da periferia no último trimestre de 2008, essa trajetória, supostamente virtuosa,

claudicou e vem sendo colocada em questão nos últimos anos (2009-2012), em que pese à

taxa de crescimento elevada verificada em 2010.

2 Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

3

De qualquer sorte, a partir de 2006, o boom do setor exportador iniciado em 2003,

juntamente com a flexibilização do tripé de política macroeconômica (metas de inflação,

superávit fiscal primário e câmbio flutuante) que estava em vigor desde 1999, criou condições

para a obtenção de maiores taxas de crescimento do PIB, acompanhadas pelo controle da

inflação, e o acúmulo recorde de reservas internacionais, com a consequente redução da

vulnerabilidade externa conjuntural do país. Essas novas circunstâncias também permitiram,

ao mesmo tempo, o aumento dos investimentos públicos e a continuação da redução, iniciada

ainda em 2003, da relação dívida pública/PIB. Adicionalmente, a rápida expansão do crédito,

o aumento real do salário mínimo e a ampliação dos gastos sociais reduziram a pobreza

absoluta e implicaram em uma pequena melhora na distribuição de renda; tudo isso se

constituindo, conjuntamente, em determinantes essenciais da ampliação do mercado interno e

do crescimento econômico.

Esse novo momento da economia brasileira, fez retornar com força o debate teórico-

político acerca do processo de desenvolvimento brasileiro. Nessa disputa, podem ser

identificadas diversas correntes de pensamento, que se confrontam em dois planos: 1- no que

se refere à caracterização da natureza e ao entendimento da dinâmica e evolução recentes da

economia e da sociedade brasileiras (interpretação do que está ocorrendo); e 2- no que tange a

sua futura trajetória, com a projeção de dificuldades, problemas e impasses que poderão levar

o país a perder uma grande oportunidade histórica; ou, em sentido contrário, ressaltando

condições e circunstâncias favoráveis que deverão levar à redução da distância do país em

relação aos países desenvolvidos ou, no limite, até mesmo à superação da sua condição

periférica.

Essa diversas visões (Desenvolvimentista, Neodesenvolvimentista, Novo-

Desenvolvimentista, Social-Desenvolvimentista ou Desenvolvimentista de Esquerda,

Ortodoxa Neoliberal-Neoclássica, etc.), como não poderia deixar de ser, se expressam

também, e se opõem, em seus respectivos posicionamentos políticos com relação aos

Governos Lula e Dilma; criticando, concordando e/ou tentando influenciar as políticas

econômico-sociais que são adotadas.

As questões em discussão passam, entre outras, pelo papel e atuação do Estado e o

conteúdo das políticas macroeconômicas; a pertinência e natureza das políticas industrial,

tecnológica e de comércio exterior; a importância e abrangência das políticas sociais; a

participação e a importância relativa dos mercados interno e externo no processo de

desenvolvimento; o grau de influência das circunstâncias internacionais para o

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desenvolvimento brasileiro; a identificação de qual variável da demanda deve “puxar” o

crescimento da economia brasileira; e o processo de desindustrialização.

Esse debate acaba convergindo para a identificação e/ou caracterização do atual

“padrão de desenvolvimento brasileiro”. Preliminarmente, pode-se adiantar que há um amplo

consenso na literatura de que o padrão de desenvolvimento que se convencionou denominar

de Modelo de Substituição de Importações entrou em crise e se esgotou na década de 1980.

No entanto, não há consenso sobre a natureza do novo padrão de desenvolvimento brasileiro

que vem sendo construído desde os anos 1990.

As distintas posições políticas e teóricas participantes desse debate podem ser

agrupadas em dois grandes campos. De um lado, estão aqueles que consideram que tanto esse

padrão, quanto a inserção internacional do país e as políticas macroeconômicas e comerciais

atualmente implementadas, têm capacidade de reduzir a distância que separa o Brasil dos

países desenvolvidos.

Nesse primeiro campo, se destacam duas interpretações. A primeira, que se pode

definir como ortodoxa neoliberal-neoclássica, considera que as reformas e políticas

neoliberais implementadas nos anos 1990 foram as causas fundamentais da retomada do

crescimento no Governo Lula. Em especial, destaca que a reestruturação produtiva,

impulsionada pela abertura comercial e financeira, elevou a produtividade da economia

brasileira e deu maior competitividade internacional ás empresas instaladas no país. Além

disso, afirma que a política macroeconômica adotada a partir do final dessa década garantiu a

estabilidade macroeconômica, condição prévia para o retorno dos investimentos e a retomada

do crescimento. No entanto, tem criticado tanto a interrupção das reformas quanto o

relaxamento do tripé macroeconômico e o maior ativismo do Estado, promovidos pelo

Governo Lula.

A segunda, de viés keynesiano-estruturalista e desenvolvimentista ou Social-

Desenvolvimentista, acredita que o país, a partir de 2006, sofreu mudanças fundamentais que

superaram as políticas neoliberais até então adotadas e levaram à constituição de um novo

padrão de desenvolvimento virtuoso - apoiado na expansão do mercado interno e

caracterizado pelo crescimento com distribuição de renda.

De outro lado, pode-se identificar um segundo campo que agrupa posições políticas e

teóricas pós-keynesiana/neoestruturalista (Novo-Desenvolvimentismo) e marxista. Para esse

grupo, o atual padrão de desenvolvimento está redefinindo o perfil da estrutura produtiva do

país e de sua pauta de exportações, distanciando-o da fronteira tecnológica em permanente

movimento. Como expressão e consequência das características estruturais desse novo

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padrão, o país caminhou para uma especialização produtiva/comercial regressiva e aumentou

a sua vulnerabilidade externa estrutural –inclusive com retorno da vulnerabilidade externa

conjuntural, que havia sido reduzida nos últimos anos – quando da fase ascendente do ciclo

econômico internacional. Além disso, destacam que as atuais políticas macroeconômica e

comercial, bem como a abertura financeira, são determinantes dessa situação, pois reforçam a

tendência de uma inserção internacional de natureza passiva – que leva à especialização

regressiva e à desindustrialização.

Este trabalho discute e caracteriza a natureza (estrutura e dinâmica) do atual padrão de

desenvolvimento brasileiro e sua sustentabilidade de longo prazo, evidenciando como as

mudanças recentes nesse padrão, em particular no seu regime de política macroeconômica e

no bloco no poder, se articulam com o processo de desindustrialização precoce que, ao que

tudo indica, vem ocorrendo. Processo este acompanhado pela “reprimarização” e

“especialização regressiva” da economia brasileira, que, provavelmente, tem como principal

causa a chamada “doença holandesa”. Portanto, a questão central, mais abrangente, que o

trabalho procura responder é a seguinte: qual a natureza do atual padrão de desenvolvimento

brasileiro e sua relação com o processo de desindustrialização?

A resposta a essa questão se desdobra em duas partes, complementares, quais sejam:

I- A identificação do atual padrão de desenvolvimento, concebido como resultado da

evolução do bloco no poder constituído a partir dos anos 1990, destacando-se as relações

entre o Estado e os grandes grupos econômicos nacionais, a evolução da estrutura produtiva e

a natureza da inserção externa do país, a dinâmica macroeconômica e as principais políticas

econômicas durante esse período.

II- A análise do processo de desindustrialização pelo qual vem passando a economia

brasileira, evidenciando que: 1- Ele não é um estágio “natural” de seu desenvolvimento, como

verificado nos países desenvolvidos, mas expressa um processo estrutural de especialização

regressiva da economia brasileira. 2- Portanto, ele não decorre do estágio mais elevado de

desenvolvimento do país, mas é consequência da economia brasileira ter sido contaminada

pela “doença holandesa”. 3- Esse fenômeno se relaciona com o tipo de inserção do país na

economia internacional e as políticas macroeconômicas implementadas a partir dos anos 1990

(PALMA, 2005).

Do ponto de vista empírico, da análise da dinâmica e do desempenho recentes da

economia brasileira e do processo de desindustrialização, este trabalho apoia-se em

informações sobre as variáveis macroeconômicas mais relevantes, a inserção internacional, o

emprego e a produção da economia brasileira - fornecidas por instituições públicas (IBGE,

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MDIC e IPEA). O tratamento dos dados é realizado através da elaboração de quadros, tabelas

e gráficos, a partir dos quais se pode configurar determinadas relações e trajetórias

específicas.

Além desta Introdução e da Conclusão, este ensaio é constituído de mais três seções. A

próxima explicita e discute quatro questões de natureza teórico-metodológica que orientam e

delimitam este texto, facilitando a sua compreensão. A seção seguinte trata do atual padrão de

desenvolvimento brasileiro, com a sistematização das distintas interpretações existentes; a

apresentação e defesa de uma interpretação própria, alternativa àquelas, mas com a

incorporação de pontos específicos de algumas delas; e, por fim, analisa a dinâmica recente da

economia brasileira, ressaltando, mais uma vez, as características do novo padrão de

desenvolvimento. A última seção apresenta evidências da existência de um processo de

desindustrialização, analisando-o e articulando-o com o novo padrão de desenvolvimento. E a

Conclusão resume o significado do “retorno” do Estado no atual padrão de desenvolvimento

brasileiro e sua relação com o atual regime de política macroeconômica e o bloco no poder.

2. Esclarecimentos Teórico-Metodológicos Nessa seção são discutidos alguns aspectos teórico-metodológicos que orientam,

delimitam e dão norte a este trabalho sobre a natureza do atual padrão de desenvolvimento

capitalista no Brasil e sua relação com o processo de desindustrialização. Em primeiro lugar

posiciona-se com relação aos fenômenos/conceitos de crescimento econômico e

desenvolvimento. Depois, defini-se e delimita-se de forma mais precisa o conceito de padrão

de desenvolvimento, diferenciando-o de outros que, às vezes, são utilizados como sinônimos

ou substitutos aproximados. Na sequência, aborda-se a questão crucial dos condicionantes e

determinantes do desenvolvimento, no que tange ao papel cumprido pelas circunstâncias

internas e externas no desenvolvimento de um país periférico. E, por fim, contextualiza-se

historicamente o atual debate sobre o desenvolvimento brasileiro.

2.1 Crescimento e Desenvolvimento Como questão que precede todas as demais, faz-se necessário um rápido

esclarecimento e posicionamento acerca do que se entende por desenvolvimento e

crescimento econômico - que remete à reiterada e permanente discussão sobre as suas

identidades e diferenças. Com esse objetivo, os pontos a seguir resumem o ponto de vista aqui

adotado:

1- O desenvolvimento aqui considerado não é outro que não o desenvolvimento do

capitalismo, na forma assumida pelo mesmo em cada período histórico em determinada

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formação econômico-social. Esse desenvolvimento, independentemente das distintas formas

que pode assumir, tem como característica comum central o fato de revolucionar as forças

produtivas e as relações econômico-sociais das formações e países onde ele ocorre. Portanto,

sempre implica em transformações estruturais na economia e na sociedade,

independentemente de se considerá-las positivas ou negativas, de acordo com o padrão

normativo do observador/pesquisador (BRESSER-PEREIRA, 2008a).

2- Nessa perspectiva, embora se considere que o desenvolvimento capitalista não

possa ser reduzido simplesmente a crescimento econômico, não se concorda com a distinção

entre crescimento e desenvolvimento, muito presente na literatura, que considera que o

segundo, diferentemente do primeiro, implicaria, necessariamente, redução da pobreza e das

desigualdades sociais, sustentabilidade ambiental, liberdade política, etc. Aceitar essa

distinção é aceitar que só existe um tipo, estilo ou padrão de desenvolvimento capitalista; no

caso, um padrão idealizado, simpático e “politicamente correto”. No limite, essa distinção

apreende o fenômeno e o conceito, que são eminentemente históricos, de forma abstrata e fora

da história.

3- Portanto, na ótica aqui adotada, o fenômeno do desenvolvimento capitalista

abrange, necessariamente, mudanças estruturais nos planos econômico, social, político,

cultural e ambiental. Isto significa dizer que o crescimento econômico é uma das dimensões

essenciais do desenvolvimento capitalista, a mais importante porque decorre diretamente do

processo de acumulação e baliza as demais. Assim, por essa ótica, o crescimento econômico

está subsumido ao desenvolvimento capitalista; este último é mais abrangente que o primeiro,

pois vem sempre acompanhado, e até mesmo pressupõe, transformações estruturais bem mais

amplas.

4- Desse modo, o desenvolvimento brasileiro objeto deste ensaio se refere ao

desenvolvimento capitalista tal como ele vem se configurando mais recentemente no Brasil;

isto é, um desenvolvimento capitalista específico, sobretudo porque realizado na periferia do

sistema capitalista, de forma retardatária e dependente (MELLO, 2009). E, no período mais

recente, condicionado por todas as transformações por que passou o capitalismo no plano

mundial nas últimas três décadas – reestruturação produtiva, globalização e neoliberalismo

(FILGUEIRAS, 2000) -, cujo resultado tem sido a constituição de um novo padrão de

desenvolvimento para o capitalismo brasileiro.

2.2 O conceito de padrão de desenvolvimento capitalista

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O conceito de padrão de desenvolvimento capitalista utilizado nesse trabalho tem um

conteúdo e sentido muito precisos; é definido como um conjunto de atributos – econômicos,

sociais e políticos - que estrutura, organiza e delimita a dinâmica do processo de acumulação

de capital, e as relações econômico-sociais a ele subjacentes, existentes em determinado

Estado (espaço) nacional durante certo período histórico.

Essa definição o aproxima dos conceitos de modelo econômico ou modelo/estilo de

desenvolvimento, muito presentes na literatura sobre o tema, mas cuja utilização, em geral,

não é precedida de um esclarecimento conceitual. Conceitualmente, padrão de

desenvolvimento capitalista se refere a um fenômeno histórico-estrutural de longo prazo, não

se confundindo com os conceitos de “padrão de acumulação”, próprio da Escola de Campinas,

e “regime de acumulação” proposto pela Escola da Regulação – ambos construídos em um

nível de abstração mais elevado (ALMEIDA FILHO, 1993).

O primeiro atributo definidor de um padrão de desenvolvimento capitalista, que

precede todos os demais, porque ao mesmo tempo os expressam e os delimitam, é a

configuração do chamado bloco no poder num determinado período histórico

(POULANTZAS, 1977).

Ele é composto, em cada conjuntura, por distintas classes e frações de classes,

assumindo uma delas a posição de liderança e hegemonia no seu interior, que se caracteriza

pela capacidade de unificar e dirigir, política e ideologicamente, as demais a partir de seus

interesses específicos, transformados e reconhecidos como parte dos interesses gerais do

conjunto do bloco.

As distintas frações da burguesia, por sua vez, não podem ser deduzidas direta, e

exclusivamente, do movimento do capital, isto é, a partir das distintas frações do capital, por

duas razões: 1- as relações político-ideológicas existentes são também decisivas na

conformação das classes e de suas frações; e 2- distintas frações do capital podem ser

unificadas sob um mesmo domínio e comando (direção), através da constituição de uma

propriedade comum de diversos tipos de capital – o que dará origem a uma fração de classe

complexa, cujos interesses estarão presentes em distintos lugares do processo de acumulação3.

3 O exemplo mais óbvio disso é, desde sempre, a burguesia agrária brasileira que, em geral, é, ao mesmo tempo, proprietária fundiária e proprietária do capital investido na produção agropecuária e, algumas vezes, do estabelecimento industrial acoplado à produção agrícola. Exemplo mais recente é o dos chamados grupos econômicos, que atuam nas mais diversas esferas da atividade econômica - ultrapassando/apagando as fronteiras e as distinções entre os diversos lugares/funções possíveis no processo de acumulação a partir da unificação/integração de unidades de negócio, relativamente autônomas, sob o comando e propriedade de um único poder central que toma as decisões acerca do conjunto de interesses do grupo, constituindo-se, assim, num único bloco de capital. No presente momento histórico, a tendência é de que a lógica financeira articule e dirija o conjunto dos interesses desses grupos; mesmo quando não tenham, como negócio principal, a atividade bancária.

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Caracterizar o bloco no poder implica em identificar o conjunto de classes e/ou frações

de classe dominantes, articuladas e sob a hegemonia4 e direção de uma delas, que dominam e

dirigem o Estado. Essa hegemonia, para ter certa estabilidade, expressa a dominância e

liderança de determinada fração do capital no processo de acumulação em curso, que inclui a

sua capacidade de contemplar os interesses de outras frações do capital. Quando essa

hegemonia incorpora, marginalmente ou mais significativamente, interesses das classes

subordinadas ou de algumas de suas frações, ela deixa de ser estrita ao bloco no poder e se

amplia para além dele, abarcando o conjunto da sociedade (POULANTZAS, 1977.).

No caso particular tratado neste trabalho, a questão central é saber qual é o bloco no

poder que se constitui a partir dos anos 1990 no Brasil, em substituição ao bloco no poder

associado ao Modelo de Substituição de Importações, e se ele se alterou significativamente a

partir dos Governos Lula – sendo substituído por outro – ou se, alternativamente, apenas

sofreu alguns ajustes.

A identificação das distintas frações da burguesia e do capital, bem como de qual ou

quais assumem a liderança do processo de acumulação e a hegemonia no bloco no poder, é

fundamental para caracterizar esse bloco, bem como a dinâmica e os interesses dominantes no

padrão de desenvolvimento capitalista vigente. Esses interesses se expressam, sobretudo, na

atuação econômica e política do Estado, nas políticas macroeconômicas, nas políticas sociais

e na existência, ou não, de outras políticas econômicas e nos seus respectivos conteúdos

específicos.

Os demais principais atributos definidores de um padrão de desenvolvimento, e que

estão intimamente associados ao bloco no poder, são os seguintes:

1- A natureza e o tipo de regulação da relação capital-trabalho; 2- A natureza das

relações intercapitalistas. 3- O modo como o Estado se articula com o processo de

acumulação. 4- O processo de incorporação do progresso técnico, a capacidade endógena de

geração de inovações e a existência, ou não, de uma política industrial e tecnológica. 5- O

modo de financiamento da acumulação, que diz respeito à importância de instituições

financeiras públicas e/ou privadas e/ou do financiamento externo. 6- A estrutura de

propriedade e distribuição de renda e da riqueza, bem como o conteúdo das políticas sociais 4 Na formulação gramsciana, a classe ou fração de classe hegemônica é aquela que ocupa/exerce o lugar/função mais estratégico(a) e decisivo(a) no modo de acumulação num determinado período histórico e, a partir de seus interesses específicos – econômicos e políticos -, consegue soldar organicamente (compatibilizar) os interesses das demais frações do capital, de forma que a sua dominação é aceita (consentida) por estas últimas. Quando a fração de classe hegemônica consegue também expressar e articular os interesses das frações de classes subalternas, essa hegemonia se estabelece sobre o conjunto da sociedade, obtendo-se, assim, um consenso. Segundo Gramsci, quando isso ocorre, o grupo social hegemônico afirma sua capacidade de liderança e direção política, intelectual e moral.

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7- A natureza da inserção internacional do país. 8- As formas de organização e representação

política das distintas classes e frações de classes

2.3 A relação entre as dimensões nacional e internacional do processo de desenvolvimento

Uma questão crucial, de natureza metodológica, para a análise da estrutura e dinâmica

de um padrão de desenvolvimento capitalista determinado, é a que se refere à importância

relativa das circunstâncias/fatores internos e externos e à forma como eles se articulam e se

relacionam na conformação desse padrão. Isto depende do grau de complexidade da estrutura

produtiva do país, da sua forma de inserção e do lugar que ocupa na divisão internacional do

trabalho, da sua capacidade de gerar endogenamente inovações e de se autofinanciar; bem

como da importância e do grau de influência interna dos interesses internacionais

(estrangeiros).

No caso concreto abordado nesse ensaio, como se constatará mais adiante, há

divergências dos distintos autores quando se analisa a importância da inflexão da política

econômica ocorrida no Governo Lula, a partir de 2006, para o melhor desempenho da

economia brasileira; o peso e a importância das circunstâncias e dos condicionantes e

determinantes externos e internos são avaliados de forma diferenciada, a depender da posição

teórico-política de cada qual.

Neste ensaio adota-se a concepção de que o Brasil, a partir da fase final de seu

processo de industrialização, de constituição das forças produtivas especificamente

capitalistas, conseguiu internalizar em grande medida a dinâmica do seu processo de

desenvolvimento (MELLO, 1999). No entanto, as condições econômicas internacionais, em

especial nas duas últimas décadas - nas quais o país se integrou ao processo de globalização e

se tornou uma plataforma de acumulação para o capital financeiro internacional -, são

determinantes para a trajetória da economia brasileira – que tem exatamente na dependência

tecnológica e financeira a marca de sua condição periférica. Portanto, a maior ou menor força

das circunstâncias externas e internas na determinação da trajetória do desenvolvimento

brasileiro dependerá da natureza dessas circunstâncias, bem como da forma como elas se

articulam em cada momento histórico.

2.4 As circunstâncias históricas e o debate sobre o desenvolvimento brasileiro Outro aspecto importante, do ponto de vista metodológico e epistemológico, é o

reconhecimento do vínculo que pode ser estabelecido entre o processo econômico-social

concretamente existente e as ideias e pensamentos elaborados e em disputa em um

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determinado período histórico. Na verdade, sob certas circunstâncias, essa relação pode ser de

mútua determinação.

No caso do debate atual sobre o desenvolvimento brasileiro, pode-se identificar a sua

emergência com força a partir dos anos 2000, em especial na sua segunda metade;

coincidindo, portanto, com o momento de inflexão da política econômica do Governo Lula e a

melhora do desempenho econômico-social do país. Essa nova situação, reforçada pela eclosão

da crise mundial do capitalismo em 2008, colocou na defensiva as forças sociais e político-

partidárias mais conservadoras e à direita do espectro político; o mesmo ocorrendo com sua

expressão teórico-acadêmica expressa na ortodoxia neoliberal-neoclássica.

Esse novo momento político e econômico não significa, contudo, que se tenha

superado, de fato, a era liberal e suas políticas econômicas; nem que seus apoiadores (dentro e

fora da academia) e as forças sociais que lhe dão sustentação tenham batido em retirada –

como pode dar a entender a ideia, bastante difundida, de que se estaria vivendo uma fase pós-

neoliberal. A crise na Europa, novo momento da crise geral do capitalismo explicitada em

2008, bem como a forma como a mesma vem sendo tratada pelos Estados europeus com o

apoio do FMI e do Banco Central Europeu, não deixa margem a dúvidas. O mesmo se pode

afirmar com relação ao Brasil, quando se observa a sua trajetória econômico-social

claudicante após 2008, bem como as intervenções mais recentes da ortodoxia neoliberal no

debate político-econômico.

Em suma, o que se percebe, portanto, é que o enfraquecimento do neoliberalismo,

antes de 2008 de forma gradual - em razão dos resultados desfavoráveis obtidos pelos países

da periferia nos anos 1980 e 1990 - e após a crise mundial de forma mais abrupta, abriu

espaço para a luta política e para a disputa de novas convenções de desenvolvimento

(ERBER, 2011). O surgimento na América Latina de governos não alinhados ao

neoliberalismo também é expressão dessa nova realidade.

3. O Atual Padrão de Desenvolvimento Capitalista Brasileiro O presente trabalho, não tem a pretensão de abarcar e tratar todas as dimensões do

atual processo de desenvolvimento brasileiro, nem tampouco entrar na discussão das suas

minúcias. Na verdade, o trabalho procurou articular, e integrar num todo coerente, o que se

considerou ser os principais elementos presentes nas dimensões econômica, social e política -

no sentido de evidenciar as características da estrutura e dinâmica do atual padrão de

desenvolvimento, bem como sua relação com o processo de desindustrialização.

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Antes, contudo, de mostrar o resultado dessa articulação e integração, apresentam-se

algumas interpretações sobre o assunto presentes na literatura – talvez, as mais conhecidas e

influentes.

3.1 As distintas interpretações acerca do atual padrão de desenvolvimento brasileiro O objetivo dessa subseção é o de reconstituir algumas das principais interpretações

sobre o atual padrão de desenvolvimento capitalista brasileiro sem, contudo, entrar em

minúcias e detalhes de suas formulações, nem tampouco avaliá-las ou confrontá-las

diretamente. O intuito é de apenas situar os principais aspectos do problema, que permitirá

uma melhor compreensão da interpretação alternativa defendida por este ensaio – inclusive o

motivo e a lógica de incorporação de aspectos de algumas dessas distintas correntes;

interpretação esta situada, acredita-se, num plano mais abrangente e de longo curso –

compatível com o conceito de padrão de desenvolvimento capitalista definido anteriormente.

- A inflexão desenvolvimentista do Governo Lula

Inicia-se a reconstituição do debate sobre o atual padrão desenvolvimento brasileiro

com Barbosa e Souza (2010), que têm a particularidade de serem participantes dos Governos

Lula e Dilma e, portanto, terem vivenciado diretamente a implementação das políticas

econômicas e as eventuais mudanças de trajetória.

Esses autores identificam, a partir de 2006/2007, o início de uma nova fase de

desenvolvimento econômico-social caracterizado, sobretudo, pelos seguintes aspectos: 1-

retomada da participação do Estado na condução do processo econômico; 2- crescimento

econômico, com distribuição de renda, “puxado” pelo mercado interno; 3- centralidade da

política social e ampliação da oferta de crédito; 4- política de crescimento real do salário

mínimo; 5- a reorientação da política de comércio exterior, que permitiu a ampliação e

diversificação (destino e natureza dos produtos) das exportações brasileiras; e 6- redução da

vulnerabilidade externa, com o acúmulo de reservas internacionais.

De acordo com esses autores, a visão neoliberal teria predominado nos três anos

iniciais (2003-2005) do primeiro Governo Lula. Essa visão, apoiada na crença de que a

política macroeconômica não tem capacidade de impulsionar, de forma permanente, o

crescimento da economia - pois este independeria de fatores de curto prazo -, considerava que

o desenvolvimento ou o crescimento decorreria automaticamente das reformas estruturais pró-

mercado. Daí a sua posição conservadora sobre o potencial de crescimento da economia no

curto prazo, que desembocava em uma estratégia de elevadas taxas de juros e forte contenção

fiscal, tendo por foco exclusivamente o controle e a redução da inflação – com o

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estabelecimento de metas de inflação cada vez menores. Nessa perspectiva, e mais à frente, o

ajuste fiscal e a estabilidade monetária permitiriam a queda da taxa de juros e o crescimento

do setor privado - que compensaria os efeitos do ajuste fiscal. Adicionalmente, e coerente

com esse foco, defendia a independência do BC e a adoção de políticas sociais focalizadas.

No entanto, ainda segundo esses autores, a posição neoliberal prevalecente nos três

primeiros anos do Governo Lula terminou por perder fôlego e se esgotou, porque “o ajuste

fiscal de 2003-2005 não acelerou o crescimento da economia, tampouco ajudou o

compromisso de melhorar a renda e o emprego” (p. 69).

Como consequência, o Governo Lula sofreu uma inflexão a partir de 2006 que, apesar

de ter sido beneficiada por uma conjuntura econômica internacional mais favorável, teria sido

fruto, principalmente, de uma escolha, “que procurou aliar o crescimento à inclusão: uma

opção por incluir sem abdicar do crescimento e da estabilidade” (p. 96). Por isso, embora o tripé da política macroeconômica tenha sido mantido, para

“demonstrar que não se buscavam soluções mágicas para os velhos problemas”, ele sofreu

uma flexibilização – com redução do superávit fiscal primário, estabilidade da meta de

inflação estabelecida e intervenções no câmbio com compra de dólar. Além disso, foi

recuperada a participação do Estado nos rumos da economia - com a volta dos investimentos

públicos (o PAC) e uma política de estímulos fiscais e creditícios aos investimentos privados

e ao consumo. Nessa estratégia, três ações foram decisivas: a forte ampliação do crédito,

incorporando-se segmentos da população de menor renda ao mercado financeiro, em especial

com a adoção do crédito consignado; a implementação de uma política de reajuste do salário

mínimo acima da inflação, com impactos sobre o conjunto do mercado de trabalho e os

benefícios da previdência social; e o aprofundamento das políticas sociais (previdência social

e bolsa família), bem como a difusão do acesso à energia elétrica e a criação de um programa

de moradia popular. Parte dessas políticas já vinha sendo adotada desde 2004, mas tiveram

seus impactos reforçados a partir da inflexão de 2006.

Como resultado dessa inflexão, na perspectiva desses autores/atores, a economia

transitou “sem sobressaltos para um novo patamar de crescimento” (p. 96) – que desencadeou

um círculo virtuoso, no qual “a aceleração do crescimento viabilizou o aumento dos lucros e

dos salários, gerando mais empregos nos setores formais e aumentando a produtividade” (p.

97). Em suma, apesar da inexistência de sobressaltos, a inflexão do Governo Lula em 2006

teria feito a transição de um modelo econômico neoliberal para um novo modelo,

desenvolvimentista, que tem como centro o crescimento econômico com distribuição de

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renda. A forma como o governo enfrentou a crise mundial, com o uso de políticas anticíclicas,

e o resultado positivo alcançado, reforçou a escolha que foi feita em 2006.

Num recorte de natureza política, mas inteiramente compatível com a formulação

anterior, e complementando-a em outro plano, Singer (2012) enxerga e analisa o período dos

Governos Lula a partir da identificação do surgimento de um novo fenômeno, por ele

denominado de “Lulismo” – que teria resultado, entre outras razões, das transformações

econômico-sociais identificadas acima por Barbosa e Souza.

O seu ponto de partida para identificar e caracterizar esse fenômeno é a eleição

presidencial de 2006, quando Lula foi reeleito. Nesta eleição ocorreu, segundo Singer, um

realinhamento eleitoral, no qual a classe média se afastou do Governo Lula em razão do

“mensalão” e, em sentido contrário, o subproletariado (os “pobres”) aderiu em bloco. Essa

adesão se deu em razão das políticas econômico-sociais implementadas que levaram à

ampliação do mercado de trabalho, com o crescimento do emprego formal e o aumento dos

salários, à redução da pobreza absoluta, ao acesso a bens de consumo duráveis e à melhora na

distribuição de renda. A inflexão econômica de 2006 teria reforçado uma perspectiva que já

estava presente desde 2003, no início do governo.

Assim como os autores anteriores mencionam a conjuntura internacional favorável (o

boom das commodities) como elemento coadjuvante da inflexão do Governo Lula, Singer

também afirma que ela ajudou a criar o lulismo, mas o decisivo mesmo foram as decisões

tomadas pelo governo que levaram à redução da pobreza. Ele resume o processo da seguinte

maneira: “foi a fortuna da conjuntura internacional associada à virtú de apostar na redução da

pobreza com ativação do mercado interno que produziu o suporte material do lulismo” (p.

179).

Esse realinhamento político-eleitoral, segundo ele, se reproduziu na eleição

presidencial de 2010, evidenciando que o lulismo não seria um fenômeno meramente

conjuntural e que, ultrapassando o próprio personagem original, constituiria uma nova

perspectiva política de longo prazo - que tenderia a cristalizar a nova clivagem política

calcada na oposição entre “ricos e pobres”. Esta nova dinâmica política teria substituído, e

deslocado para o fundo da cena política, a oposição entre capital e trabalho, tradicionalmente

ressaltada no passado pelo Partido dos Trabalhadores e o próprio Lula.

Na perspectiva de Singer, Lula, desde o início do seu governo, optou por trilhar um

caminho intermediário entre o neoliberalismo e o “reformismo forte” que, até então, era a

marca da trajetória política do PT. O novo caminho teria sido o de um “reformismo fraco”,

suficientemente fraco para desestimular conflitos; no qual o “Estado é capaz de ajudar os mais

15

pobres sem confrontar a ordem”. Assim, o subproletariado se identificou com Lula e sua

políticas porque eles contemplaram sua perspectiva conservadora, qual seja: a de melhorar de

vida sem agredir a ordem.

Mas o lulismo não tem origem apenas nas políticas econômico-sociais que reduziram a

pobreza; a razão mais de fundo é o fato do subproletariado (os pobres) não conseguir se fazer

representar na arena política diretamente, como os trabalhadores organizados, necessitando,

por isso, serem representados. É aí que o personagem Lula entra, pois ele passa a ser visto

como o representante dessa massa carente, fragmentada e desorganizada, mas, segundo

Singer, conservadora politicamente. Em suma, “o sucesso do lulismo envolve uma solução

pelo alto, criando simultaneamente uma despolarização [entre capital e trabalho] e uma

repolarização[entre ricos e pobres] da política” (p.157).

A inspiração para essa análise, Singer encontra nos conceitos de “bonapartismo” de

Marx e “revolução passiva” de Gramsci. O primeiro explica porque, em determinadas

condições históricas, o governante pode se descolar da influência direta das classes

fundamentais (capital e trabalho) – assumindo uma posição aparentemente acima delas, de

modo a arbitrar no interior do Estado os seus distintos interesses, tendo como apoio para suas

ações um segmento social ou fração de classe incapaz de se representar politicamente de

forma autônoma. E o segundo ajuda no entendimento de porque, também em certas condições

históricas, as mudanças são feitas vagarosamente, sem muita mobilização política e

reproduzindo, em boa medida, elementos do passado. Com sentidos fundamentalmente

semelhantes, também são utilizados os termos de “modernização conservadora” (Moore Jr.,

1985) e “via prussiana” (Lenin, 1980).

O projeto lulista, segundo Singer, segmenta a sociedade em duas coalizões políticas

que se defrontam o tempo todo: a coalizão produtivista (industriais e trabalhadores) e a

coalizão rentista (o capital financeiro nacional e internacional e a classe média tradicional,

que lhe dá suporte de massa e, talvez, o agronegócio). O programa da coalizão produtivista se

constitui dos seguintes pontos: controle do fluxo de capitais estrangeiros, redução dos juros,

administração do câmbio com desvalorização adequada do real, investimentos públicos em

infraestrutura, redução da desigualdade e proteção à indústria contra a “doença holandesa” e a

desindustrialização. A coalizão rentista, por sua vez, advoga: taxas de juros elevadas, livre

fluxo de capitais estrangeiros, manutenção do real valorizado e redução da carga tributária. O

lulismo se equilibra entre esses interesses com o apoio do subproletariado e visando atender

as suas aspirações e reduzir a pobreza absoluta; a arbitragem deles no interior do Estado se

orienta essencialmente por esse objetivo.

16

Como se pode perceber, essa é uma leitura política – “mudanças dentro da ordem” -

compatível com a leitura econômica feita por Barbosa e Souza – “a inflexão sem

sobressaltos”-; beneficiando-se, inclusive, das análises e interpretações desses autores. Mas, o

caminho intermediário mencionado por Singer não parece afirmar a existência de um novo

padrão de desenvolvimento ou modelo econômico, embora mencione que houve uma

mudança do bloco no poder no Governo Lula. Na verdade, parece apontar mais para uma

situação híbrida, mal definida, caracterizada por elementos neoliberais e outros contrários ao

neoliberalismo.

- A política econômica híbrida

É nessa direção que apontam Morais e Saad-Filho (2011). Partindo de um conceito de

política econômica mais amplo do que o de política macroeconômica, esses autores também

identificam um melhor desempenho da economia brasileira a partir de 2006-2007, bem como

a existência das mudanças mencionadas anteriormente, em especial com a adoção de políticas

econômicas defendidas pelo chamado Novo-Desenvolvimentismo – tratado mais adiante neste

trabalho. No entanto, como essas se fizeram acompanhar das políticas macroeconômicas

neoliberais (metas de inflação, superávits fiscais primários e câmbio flutuante), não se pode

caracterizá-las como uma política novo-desenvolvimentista inteiramente coerente, mas sim

como uma política econômica híbrida: neoliberal e desenvolvimentista.

Desse modo, esses autores concordam que, a partir de 2006, a política econômica do

Governo Lula sofreu uma inflexão, com a flexibilização do tripé macroeconômico e a

introdução de outras políticas econômicas – tal como assinalado por Barbosa e Souza; mas

não concordam que a nova situação tenha feito uma ruptura com as políticas anteriores ou a

sua substituição. Embora esses autores/atores denominem as novas políticas como

desenvolvimentistas (sem adjetivação), Morais e Saad-Filho destacam suas semelhanças e

proximidades, bem como as justificativas do governo para a sua adoção, com as políticas e os

argumentos novo-desenvolvimentistas.

Essa combinação de dois tipos de orientação contraditórios (ortodoxa e keynesiana),

embora tenha obtido resultados favoráveis, quando comparados com o período anterior de

reformas e políticas estritamente neoliberais, tende, segundo esses autores, a se tornar cada

vez mais difícil, em razão das tensões advindas do próprio crescimento: a piora da conta de

transações correntes do balanço de pagamentos e o ônus fiscal derivado das intervenções para

moderar a sobrevalorização cambial. Por isso, esses autores concluem que a mudança

definitiva para outro padrão de desenvolvimento, de natureza novo-desenvolvimentista,

dependerá da formação de um novo consenso de política econômica – que vai requerer uma

17

“repactuação do poder incluindo parcelas das elites econômicas e das classes populares, em

torno do objetivo maior de desenvolvimento com equidade social” (p. 526).

Do mesmo modo que os autores anteriores, mas a partir de um recorte analítico

institucionalista, Erber (2011) discute o período dos dois governos Lula a partir do conceito

de “convenção de desenvolvimento” - que vem a ser “uma representação coletiva que

estrutura as expectativas e o comportamento individual”, acerca das “transformações

estruturais que devem ser introduzidas na sociedade” (p. 32).

Uma convenção é constituída por um conjunto de regras sobre o funcionamento da

sociedade que, “para cumprir adequadamente os seus papéis de redução de incerteza e

aumento de coordenação”, deve discriminar “agendas positivas e negativas”: “uma hierarquia

de problemas que devem ser enfrentados (p. ex. controle da inflação, distribuição de renda),

soluções para esses problemas que são aceitáveis (p. ex. metas de inflação) ou não (p. ex.

controles administrativos de preços), organizações encarregadas (o Banco Central), assim

como regras e regulamentos (Regras de Basiléia). Ou seja, estabelecem uma ordem para a

transformação” (p. 33).

Com base nessa referência, o autor identifica no interior dos governos Lula a

existência, e convivência, de duas convenções de desenvolvimento distintas; denominadas,

respectivamente, de “Institucionalista Restrita” e “Neodesenvolvimentista”. A primeira

alicerçada em uma visão ideológica tendo por referência “uma sociedade competitiva e

meritocrática, cuja eficiência é garantida pelo funcionamento do mercado” (p. 38) e a segunda

informada pela concepção de uma sociedade essencialmente cooperativa, pactuada

socialmente e tendo por prioridade a inclusão social (p. 45).

A Institucionalista Restrita, que é hegemônica, tem por apoio a teoria neoclássica,

enriquecida pela Nova Economia Institucional; enquanto a Neodesenvolvimentista se apoia na

teoria keynesiana. A primeira corresponde à visão ortodoxa, mais identificada com o Banco

Central e que se expressa na execução rígida da política macroeconômica (o tripé), tal como

implementada até 2005 (taxa de juros elevada e câmbio valorizado); tendo na estabilidade

monetária o seu objetivo praticamente único. A segunda, localizada no Ministério da Fazenda

e que começou a ser constituída a partir de 2006, associa-se à visão de que a estabilidade deve

vir acompanhada pelo crescimento com distribuição de renda, tendo no Estado o instrumento

fundamental para alcançar seus objetivos.

Essas duas convenções conflituosas conviveram nos Governos Lula (e Dilma), mas

com a hegemonia da primeira, sendo que as razões que permitem essa convivência são as

seguintes: 1- A estabilidade, por motivos distintos é ponto central para as duas convenções,

18

em particular para a “Desenvolvimentista”, pois é crucial para a redução da pobreza - que é

obtida com baixo custo fiscal e taxas de crescimento relativamente pequenas. 2- Isto significa

que a importância de altas taxas de crescimento, como instrumento de legitimação política, se

reduz. 3- A redução da pobreza, tal como implementada, não ofende os interesses da

coalização que sustenta a convenção “Institucionalista Restrita”, pois o tripé da política

macroeconômica é mantido. 4- Durante a fase de redução da Selic acomodam-se os distintos

interesses presentes nas duas convenções; a ampliação do crédito atende aos diferentes

interesses presentes nas duas convenções.

A rápida recuperação da economia brasileira, após a crise mundial, assim como a

interpretação dominante sobre esta última – de que a crise foi de natureza exógena -, reforçou

a convivência das duas convenções. No entanto, o autor chama a atenção de que, “a médio

prazo, a contradição entre investimentos produtivos e a política macro de juros altos e câmbio

valorizado tende a exacerbar os conflitos” (p. 53-54).

Em suma, há uma disputa de convenções no interior do Governo Lula que, no curto

prazo, se acomodam; mas, a médio prazo, as contradições aumentarão; além disso, segundo

ele, nenhuma das duas convenções enfrenta os problemas da transformação do Estado –

mudanças imprescindíveis para o desenvolvimento, mas que, em razão da forma de

funcionamento e obtenção da governabilidade próprias do presidencialismo de coalização

brasileiro, não se viabilizam politicamente. Por fim, Erber identifica que, fora do governo,

existem mais duas convenções de desenvolvimento: a “liberal-ortodoxa” e a do “Novo-

desenvolvimentismo” – que estão tratadas neste trabalho mais à frente.

Ainda na mesma linha de identificar o período dos Governos Lula como algo híbrido,

indefinido, Fonseca, Cunha e Bichara (2012), depois de analisarem o desempenho recente da

economia brasileira e compará-lo com a “era do desenvolvimentismo” (1930-1980),

concluem: “tudo sugere ser prematuro afirmar que se trata de uma retomada do

desenvolvimento como ideologia norteadora de nova fase da economia e da sociedade

brasileiras, apesar dos sinais visíveis de retomada de uma trajetória de crescimento, dos bons

fundamentos macroeconômicos... e do incremento do consumo de parte da população até

então à margem da demanda doméstica” (p. 21).

Assumindo a mesma perspectiva de Morais e Saad-Filho, defendem a existência tanto

de elementos que caracterizam uma ruptura, quanto de outros que evidenciam uma

continuidade, com o período neoliberal anterior. Após discordarem da avaliação da ortodoxia,

que identifica no Governo Lula uma forma de populismo, os autores afirmam que “esta

combinação de política econômica restritiva e gradual distribuição de renda aproxima-se mais

19

do padrão clássico da socialdemocracia europeia do pós-Segunda Guerra, de inspiração

keynesiana, do que do ‘ciclo econômico populista’ descrito pelos modelos”. Contudo, ainda

segundo eles, não se pode ainda vislumbrar “um projeto com coerência interna entre fins,

meios e instrumentos para viabilizá-los”. Nem também se evidencia “um pacto político capaz

de lhe dar sustentação, ou seja, agentes econômicos, classes e segmentos sociais dispostos a

pactuar uma agenda mínima” – em que pese “se ter avançado nessa direção nos últimos anos

e a crise internacional vir também colaborar neste sentido” (p. 21).

- A Ortodoxia Neoliberal-Neoclássica

No olhar da ortodoxia neoclássica-liberal, o melhor desempenho da economia

brasileira no período Lula deve ser creditado a três circunstâncias, quais sejam: 1- o processo

de reformas neoliberais e a reestruturação produtiva dos anos 1990, ocorridas durante

Governos Collor e FHC; 2- a estabilidade monetária conseguida pelo Plano Real e a sua

manutenção, a partir de 1999, com o tripé de política macroeconômica – metas de inflação,

superávits fiscais primários e câmbio flutuante - e 3- a conjuntura econômica extremamente

favorável a partir de 2003.

Para os seus adeptos, a inflexão da política econômica enfatizada de forma positiva

pelos autores anteriores não teve papel fundamental na melhora dos fundamentos e

indicadores macroeconômicos; muito pelo contrário, acreditam que a crescente flexibilização

(relaxamento operacional) do tripé macroeconômico a partir de 2005/2006, juntamente com a

política de reajustes do salário mínimo acima da inflação e os maiores gastos públicos

correntes, promovida pelo Governo Lula, ameaça desmontar os pilares da estabilidade

conseguida anteriormente e compromete o crescimento sustentável de longo prazo.

As reformas que teriam permitido a volta de maiores taxas de crescimento não

tiveram continuação a partir da inflexão do Governo Lula, em especial duas delas: a reforma

trabalhista e uma nova reforma da previdência social; além de outras de natureza

microeconômica – todas elas com o objetivo de reduzir o “Custo Brasil” (NAKAHODO;

JANK, 2006).

Coerente com a sua visão de que os determinantes do desenvolvimento se localizam

do lado da oferta, a ortodoxia acha que o Governo Lula (e Dilma), com a obsessão de obter no

curto prazo maiores taxas de crescimento, enfraquece o combate à inflação, fragiliza as contas

públicas e eleva os custos de produção das empresas. Em sua visão, a política

macroeconômica deve se preocupar exclusivamente com a estabilidade de preços. Por outro

lado, o maior ativismo do Estado, segundo ela, não tem sido no sentido de enfrentar os

20

problemas estruturais, de cuja solução depende o crescimento de longo prazo e o

desenvolvimento econômico.

Desse modo, a preocupação fundamental deveria ser com a melhora da produtividade -

com a incorporação e difusão do progresso técnico e a qualificação da mão de obra (capital

humano) -; o crescimento da poupança doméstica (com redução dos gastos públicos correntes

e dos déficits na conta de transações correntes); a recuperação e a construção da infraestrutura

imprescindível para acelerar o crescimento (elevação do PIB potencial); uma nova reforma da

previdência social, cada vez mais urgente em razão da transição demográfica que o país está

passando; e a continuação das reformas microinstitucionais, condição para se estabelecer um

ambiente de negócios adequado (respeito às regras e aos contratos) que estimule os

investimentos (GIAMBIAGI; PINHEIRO, 2012).

De forma resumida, a mensagem da ortodoxia é a seguinte: depois de um longo

período de desequilíbrio macroeconômico, a economia brasileira se estabilizou e voltou a

crescer em razão de reformas e políticas econômicas neoliberais adotadas nas ultimas duas

década; no entanto, no período recente, as autoridades políticas e econômicas estão sendo

lenientes com relação à solução dos principais problemas e gargalos que impedem uma

trajetória sustentada de crescimento de longo prazo. E esta despreocupação e acomodação se

relacionam e derivam da sensação de conforto propiciada pela conjuntura econômica

favorável até 2008, mas que se deteriorou fortemente de lá para cá. É como se faltassem

austeridade e previdência no trato da economia; portanto, o recado central da ortodoxia é de

que o Brasil pode estar perdendo uma oportunidade histórica para dar um salto qualitativo no

seu desenvolvimento.

Por fim, com relação à questão da existência, ou não, de um processo de

desindustrialização na economia brasileira, a ortodoxia não tem maiores preocupações; no

fundo considera esse debate supérfluo e equivocado, pois tem por objeto um “não problema”.

Consideram que a trajetória “ótima” do desenvolvimento deve ser traçada pelas forças de

mercado que, em última instância, definem qual é o setor mais dinâmico da economia.

Portanto, o Estado não deve implementar políticas setoriais, em particular não deve fazer uso

de políticas industriais verticais que visem proteger e sustentar o setor industrial

“artificialmente”. Em suma, o fundamental é que a economia cresça, independentemente do

setor que esteja “puxando” esse crescimento.

- O Social-Desenvolvimentismo

Num sentido mais assertivo, em defesa dos Governos Lula e Dilma, e identificando-se

com ambos, tem-se a formulação autodenominada “social-desenvolvimentista” ou

21

“desenvolvimentismo de esquerda”, associada à segunda geração da Escola de Campinas –

abordagem esta, segundo Costa (2012), típica da “geração PT” (p. 32).

Esse autor apresenta a abordagem “Social-Desenvolvimentista” fazendo um

contraponto crítico com o pensamento e as proposições do “Novo-Desenvolvimentismo”,

ressaltando os seguintes pontos:

1- O seu objeto, diferentemente do “Novo-Desenvolvimentismo”, é exclusivamente o

Brasil; sua interpretação e proposições não têm a pretensão de se estender para outros países

da periferia, mesmo aqueles com renda per-capta semelhantes.

2- Diferencia crescimento de desenvolvimento; o primeiro só se metamorfoseia no

segundo se houver melhoria das condições de vida da população - portanto, enquanto o

crescimento se restringe às elites, o desenvolvimento é mais abrangente, carrega um projeto

social subjacente.

3- A sua estratégia de desenvolvimento socioeconômico não se restringe às políticas

econômicas de curto prazo, como a manipulação da taxa de câmbio. Além disso, não aceita a

ideia de endogenidade em longo prazo da disponibilidade dos fatores de produção

(interdependência entre demanda agregada e oferta agregada).

4- Essa estratégia de desenvolvimento – em um contexto de crise internacional - tem

como centro o investimento autônomo do setor produtivo estatal (incluindo os fundos de

pensão do setor público), em conjunto com o gasto público orçamentário; ambos com

capacidade de induzir o gasto privado.

5- Entende que o Brasil não se restringe à indústria; por isso, deve acentuar a sua

condição de potência agrícola (com elevado padrão tecnológico), com a agricultura tendo um

peso significativo no conjunto inter-relacionado de atividades industriais e de serviços.

6- Apesar das reformas neoliberais dos anos 1990, o Estado ainda tem grande

capacidade de coordenação e intervenção na economia, podendo induzir o desenvolvimento

através da manipulação de preços macroeconômicos básicos, da intervenção direta do seu

setor produtivo e do financiamento de setores específicos pelas instituições financeiras

públicas.

Do ponto de vista metodológico mais geral, essa abordagem entende que os distintos

desempenhos do capitalismo brasileiro, em cada momento, só podem ser compreendidos

considerando-se conjuntamente as dimensões externa e interna do desenvolvimento. As

conjunturas históricas específicas determinam a hierarquia dos fatores internos e externos

como obstáculos ou estímulos ao crescimento. Com isso, evitam-se determinismos históricos

(p. 23).

22

Nessa perspectiva, “a economia brasileira não pode ser caracterizada como

integralmente reflexa ou dependente e tampouco como inteiramente autônoma em relação ao

sistema capitalista global” (p. 23-24). Autonomia e dependência se alternam (principalmente

em grau) ao longo dos vários momentos históricos, limitando ou estimulando o crescimento.

Ela retira parte de seu dinamismo de fatores puramente endógenos (p. 24): dimensão de seu

mercado interno e da correspondente complexidade das relações econômicas; mas não

consegue gerar ciclos próprios de inovação tecnológica e nem constrói uma base financeira

doméstica capaz de financiar adequadamente o investimento. Nesse contexto, o grau de

autonomia relativa da política econômica depende da maior ou menor densidade das cadeias

produtivas intersetoriais e da regulação do destino dos capitais.

Por fim, o “Desenvolvimentismo de Esquerda” contempla o conflito, a negociação e a

conciliação de interesses nas decisões tomadas em cada conjuntura - avaliando as possíveis

trajetórias alternativas. Daí a proposição de um Capitalismo de Estado Neocorporativista, no

qual o Estado tem capacidade de coordenar a disputa e a negociação entre os interesses dos

trabalhadores e dos capitalistas (privados nacionais e estrangeiros).

Essa corrente de pensamento, no que se refere à interpretação dos Governos Lula (e

Dilma), tem convergência com a primeira aqui apresentada, de Barbosa e Morais – embora

date diferentemente o momento da transição (2º semestre de 2004) para um novo padrão de

crescimento. Segundo ela, nesse novo padrão de crescimento recente da economia brasileira

o investimento passou a crescer acima do PIB, indicando que o novo ciclo de crescimento tem

maior profundidade que os anteriores (CARNEIRO, 2011; CARNEIRO ET al., 2012).

No início (2003) esse ciclo foi “puxado” pela demanda externa - associada ao ciclo de

preços internacionais das commodities e ao novo papel desempenhado pela China; mas, nos

dois anos seguintes, as exportações perderam importância relativa para o mercado interno e, a

partir de 2008, o setor externo tornou-se fator de redução da demanda agregada em razão do

saldo negativo da conta de transações correntes. A modificação expressiva na pauta de

exportações brasileira, associada ao crescimento das commodities, apesar de implicar forte

redução do peso das exportações industriais, alterou pouco a sua distribuição por intensidade

tecnológica. Daí que a existência de um eventual processo de desindustrialização não parece

ser uma preocupação importante dessa corrente.

Nesse novo padrão de crescimento, o investimento foi, inicialmente, induzido pelas

exportações (mineração, siderurgia, papel e celulose, petróleo e gás) e depois pelo consumo;

até agora, contudo, ainda não se configurou um padrão comandado pelo investimento

autônomo. A ampliação do consumo se fez através do crédito e da melhora na distribuição da

23

renda – esta última decorrente da ampliação do emprego formal, da política de reajustes do

SM e da evolução das transferências governamentais (aumento do benefício-base da

previdência social e o programa Bolsa Família). O crescimento econômico e a baixa inflação

recuperaram o salário médio real da economia após meados de 2004.

Apesar da avaliação positiva deste novo padrão de crescimento – que cumpriu um

papel relevante ao possibilitar o retorno do crescimento acompanhado por uma melhor

distribuição de renda, a corrente Social-Desenvolvimentista reconhece que o mesmo não

poderá continuar indefinidamente (CARNEIRO, 2012). Assim, dinamicamente, esse padrão

deve dar lugar a um novo, no qual o crescimento passe a ser comandado pelo investimento

autônomo (p. 23); e não pelas exportações, tal como proposto pelo “novo-

desenvolvimentismo” – tratado a seguir.

As exportações líquidas não podem se constituir em “uma fonte relevante e

permanente de impulso ao crescimento no Brasil” (p. 16), por dois motivos: 1- A elevada

elasticidade-renda das importações, em razão da especialização regressiva ocorrida nos anos

1990, ampliou a importância das importações no atendimento da demanda interna. 2- Em

termos imediatos, conjunturalmente, tem-se também a influência do diferencial de taxas de

crescimento doméstico/externo e as taxas de câmbio: combinados deverão ampliar o déficit

em transações correntes. A alternativa é a desvalorização cambial e a política industrial; no

entanto, não é possível “ajustar o comércio exterior brasileiro e a estrutura produtiva

exclusivamente por meio da mudança de preços relativos, ou seja, a taxa de câmbio” (p. 17);

assim, o problema de como financiar o déficit em transações correntes permanece.

Além disso, a crise mundial do capitalismo reduziu as possibilidades de ampliação dos

investimentos induzidos pelas exportações, com exceção do setor de petróleo; o pré-sal vai

amenizar a restrição externa – com atração de investimentos diretos e de carteira, além do

acúmulo de reservas. Por sua vez, a continuidade do dinamismo do investimento, induzido

pela demanda doméstica, dependerá da taxa de crescimento do consumo e da capacidade de

resposta da indústria de equipamentos instalada no Brasil.

Desse modo, a piora da conjuntura internacional terá como consequência a

necessidade de se “dar mais ênfase ao mercado interno como motor do crescimento” (p. 23),

através dos investimentos autônomos decorrentes da exploração do pré-sal e da ampliação da

infraestrutura. Isto exigirá um novo perfil para a política econômica – com o declínio da taxa

de juros básica e o realinhamento da taxa de câmbio (mudança dos preços relativos), com a

melhora do saldo em transações correntes - e uma política industrial direcionada ao

adensamento das cadeias produtivas; além da ampliação do papel do setor público: através da

24

ação direta (administração pública e empresas estatais), do financiamento dos investimentos e

do suporte e indução do setor privado.

Por fim, mesmo após a transição para um novo padrão de crescimento comandado

pelo investimento, a redução da desigualdade de renda deve continuar através de mecanismos

fiscais, em especial com aportes do fundo social constituído com o pré-sal. Além disso, a

sustentação dos investimentos da construção civil (residencial e infraestrutura), que têm

perdido dinamismo, exigirá o desenvolvimento de instrumentos privados de financiamento.

Em síntese, pela abordagem Social-Desenvolvimentista, o novo padrão a ser

constituído mantém uma característica essencial que o iguala ao anterior, em que pese à

mudança da variável que deve “puxar” o crescimento, qual seja: o mercado interno está no

centro do desenvolvimento e do dinamismo da economia brasileira.

- O Novo-Desenvolvimentismo

A abordagem Novo-Desenvolvimentista, de inspiração pós-keynesiana e

neoestruturalista (CEPAL contemporânea) - apresentada como proposta de desenvolvimento

para os países periféricos de renda média -, pode ser resumida a partir da formulação de

Bresser-Pereira e Gala (2010), que discutem suas principais características contrapondo-as, de

um lado, às características mais importantes do “velho desenvolvimentismo” e, de outro, à

ortodoxia neoliberal-neoclássica hegemônica. As diferenças com relação ao primeiro se

devem, essencialmente, às mudanças que ocorreram no capitalismo mundial e nos países

periféricos nas últimas décadas; portanto, se referem aos distintos contextos históricos que

lhes deram origem e para os quais dirigiram suas recomendações. Já as diferenças com

relação à ortodoxia neoliberal-neoclássica são de cunho político-ideológico e teórico.

No Novo-Desenvolvmentismo, ao contrário do “velho”, as exportações “puxam” o

desenvolvimento, o Estado deixa de realizar investimentos e se volta para o estímulo e

indução do investimento privado, a política industrial torna-se menos importante, as finanças

públicas devem ser equilibradas ou superavitárias e a estabilidade monetária deve ser

permanentemente perseguida.

Do ponto de vista macroeconômico, o Novo-Desenvolvimentismo (macroeconomia

estruturalista do desenvolvimento) se assemelha e, ao mesmo tempo, se diferencia da antiga

teoria estruturalista. Da mesma forma que esta, concebe o subdesenvolvimento como

contrapartida do desenvolvimento e afirma o seu caráter estrutural, admite a existência da

tendência à deterioração dos termos de troca, identifica uma tendência dos salários crescerem

menos que a produtividade (oferta ilimitada de mão de obra) e ainda considera que o Estado é

estratégico para o desenvolvimento, mas assumindo um papel indutor.

25

Por outro lado, entende que foram superadas a necessidade de proteção tarifária para a

indústria, a noção de inflação estrutural e o papel central assumido pela captação de poupança

externa. E, por fim, adiciona os seguintes pontos à compreensão do desenvolvimento: 1- a

taxa de câmbio de ser competitiva para permitir o aumento da poupança interna e o

investimento; 2- existe uma tendência estrutural para a sobrevalorização da taxa de câmbio,

dificultando as exportações; 3- essa sobrevalorização permanente da taxa de câmbio se deve à

ação da “doença holandesa”, que impede ou dificulta a industrialização; 4- o crescimento não

deve se apoiar na poupança externa (déficits na conta de transações correntes); 5- o equilíbrio

fiscal é fundamental para o processo de desenvolvimento.

Com relação às distinções com a ortodoxia neoliberal-neoclássica, o Novo-

Desenvolvimentismo considera que: a) o objetivo é alcançar a estabilidade macroeconômica e

não meramente a estabilidade monetária e o controle das contas públicas; b) é imprescindível

ter uma estratégia nacional de desenvolvimento, que se expresse em um conjunto de políticas

econômicas, bem como a criação de instituições que fortaleçam o Estado e o mercado – e não

simplesmente a implementação de reformas microeconômicas; c) a capacidade de promover a

poupança interna, o investimento e a inovação empresarial é crucial para o desenvolvimento

sustentado, diferentemente da ortodoxia, que ressalta a importância da poupança externa.

A interpretação Novo-Desenvolvimentista para a dinâmica recente da economia

brasileira pode ser sistematizada a partir de Oreiro (2011). Esse autor, identifica três regimes

de políticas macroeconômicas desde a implementação do Plano Real em 1994: 1- o regime de

âncora cambial (1995-1998), 2- o regime do tripé macroeconômico: metas de inflação,

superávits fiscais primários e câmbio flutuante (1999-2005) e 3- o regime desenvolvimentista

inconsistente (2008-2011), originado da flexibilização do tripé a partir de 2006-2007.

Segundo o autor, a inconsistência relacionada ao último (atual) regime deriva da

impossibilidade de se atingir, simultaneamente, os distintos objetivos por ele estabelecido,

quais sejam: “manter a estabilidade da taxa real de câmbio, aumentar a participação dos

salários na renda nacional, garantir a estabilidade da taxa de inflação no longo-prazo, induzir

um crescimento robusto do produto real e viabilizar um forte aumento da demanda agregada

doméstica por intermédio de um crescimento acelerado dos gastos primários do governo.

Esses objetivos não são mutuamente consistentes, ou seja, não podem ser obtidos

simultaneamente” (p. 28).

Como consequência do abandono de um dos seus objetivos, o de estabilização da taxa

real de câmbio, manifesta-se uma tendência de deterioração progressiva da conta de

transações correntes do balanço de pagamentos e de aprofundamento do processo de

26

desindustrialização da economia brasileira. Em suma, o atual regime desenvolvimentista

inconsistente é insustentável a longo prazo, pois tende a recolar o problema da

vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira.

Oreiro discute essa inconsistência a partir da teoria de crescimento liderado pela

demanda, inspirada em Keynes, Kalecki e Kaldor; segunda ela, a “taxa de crescimento de

longo-prazo de uma economia capitalista é determinada pela taxa de crescimento da parcela

autônoma da demanda agregada, ou seja, aquela parcela da demanda que não é, ela própria,

induzida pelo crescimento econômico” (OREIRO, 2012; p. 1).

Segundo ele, o regime de crescimento atual da economia brasileira é do tipo wage-led,

isto é, o crescimento econômico é “puxado” pelo crescimento dos salários num ritmo superior

ao crescimento da produtividade do trabalho. Como consequência, o custo unitário do

trabalho (participação dos salários na renda nacional) e a participação do consumo no PIB

tendem a crescer ao longo do tempo, levando a uma perda de competitividade das exportações

e, em seguida, a problemas no balanço de pagamentos – no limite, uma crise cambial. Com

esse regime, a tendência é a de redução da taxa de crescimento econômico no médio e longo-

prazo.

Ainda segundo Oreiro, esse regime (modelo) de crescimento implica a redução

contínua do coeficiente das exportações, desequilíbrios no balanço de pagamentos,

desindustrialização e re-primarização da pauta exportadora. O resultado final, no longo prazo,

seria o retorno da economia à condição primário-exportadora. A alternativa, em se mantendo

esse regime, seria a elevação da proteção tarifária, com o retorno ao modelo de substituição de

importações (economia fechada ao exterior), com a conhecida tendência à concentração de

renda.

Sintonizado com a perspectiva Novo-Desenvolvimentista, Oreiro defende que a

economia brasileira transite para outro regime de crescimento, do tipo export-led, no qual o

crescimento econômico é “puxado” pelo crescimento das exportações, mas com a

manutenção, ao longo do tempo, da relação exportações/PIB. Acha que o regime comandado

pelo investimento não é possível, pois entende que essa variável é induzida, no longo prazo,

pelo crescimento da renda nacional. Pode-se acrescentar também que, dado a defesa que essa

corrente faz do equilíbrio fiscal estrito, os gastos do governo também não podem ser

autônomos e, assim, também não podem “puxar” o crescimento.

Desse modo, o crescimento do PIB seria determinado pelo multiplicador do comércio

exterior, com a demanda doméstica (consumo+investimento) crescendo à mesma taxa que o

PIB: “em equilíbrio, exportações, PIB, consumo e investimento estarão crescendo a mesma

27

taxa: a taxa de crescimento exógeno das exportações” (p.3). Nesse caso, segundo Oreiro, se

estaria na situação de um regime de crescimento consistente, que permitiria o país fazer o

catching-up em relação ao resto do mundo; mas, para isso, a taxa de câmbio não pode estar

sobrevalorizada, abaixo da taxa de câmbio de “equilíbrio industrial” – para permitir que as

exportações cresçam mais do que a renda mundial. Em suma, esse regime de crescimento

exige uma estrutura produtiva diversificada, que garanta uma elasticidade-renda das

exportações elevada.

Finalmente, Oreiro reconhece que o regime export-led implica a piora da distribuição

funcional da renda, em razão da imediata redução do salário real decorrente da desvalorização

cambial que deverá estabelecer uma taxa de câmbio que garanta a competitividade industrial.

No entanto, destaca que, por outro lado, há também uma redução da participação dos rentistas

na renda nacional motivada pela queda da taxa de juros, que acompanha a desvalorização

cambial.

Tratando da mesma questão, com uma posição que parece ser diferente da de Oreiro,

Bresser (2012) considera que, a longo prazo, a única estratégia consistente é aquela que

combina as estratégias wage-led e export-led; segundo ele, essas estratégias, individualmente,

só são válidas, e possíveis de serem implementadas, apenas a curto prazo. Assim, “a médio

prazo a única estratégia de desenvolvimento válida e viável é aquela na qual salários,

exportações e o PIB cresçam de forma aproximadamente igual” (p. 6).

Contudo, essa compreensão parece confundir, conforme alerta Oreiro (2012), o

significado dos distintos regimes de crescimento; identificando-os ou correlacionando-os,

indevidamente, com o desenvolvimento voltado para dentro (mercado interno) ou para fora

(mercado externo). De todo modo, independente da haver confusão conceitual, ou não, pode

haver uma combinação de distintos determinantes do crescimento (variáveis que “puxam” a

economia), incluindo também, além do consumo e das exportações, o investimento.

- O Desenvolvimentismo às Avessas

Para Gonçalves (2011), o período Lula (e Dilma) não significou uma ruptura essencial

com o neoliberalismo, não podendo por isso ser qualificado como desenvolvimentista

consistente ou inconsistente, nem como desenvolvimentista velho ou novo, mas sim como um

“desenvolvimentismo às avessas”, quando se tem por referência o nacional-

desenvolvimentismo que marcou a história político-econômica brasileira durante o período do

Modelo de Substituição de Importações.

Segundo ele, durante o Governo Lula, não ocorreram “grandes transformações,

reversão de tendências estruturais nem políticas desenvolvimentistas” (p.13). Ao contrário; “a

28

conduta do governo; o desempenho da economia e as estruturas de produção, de comércio

exterior e de propriedade caminham no sentido oposto ao do projeto nacional-

desenvolvimentista” (p. 2).

Após análise das informações e dos dados empíricos disponíveis sobre essas distintas

dimensões, Gonçalves conclui que o novo padrão, e suas políticas, apresentam características

opostas ao Nacional-Desenvolvimentismo, quais sejam: desindustrialização e desubstituição

de importações, ao contrário de desenvolvimento calcado na industrialização por substituição

de importações; reprimarização e maior dependência tecnológica, ao invés de melhora do

padrão de comércio e avanço do sistema nacional de inovações; desnacionalização crescente e

vulnerabilidade externa estrutural, ao contrário de um maior poder de controle do aparelho

produtivo e redução da vulnerabilidade externa estrutural; e dominação financeira, em lugar

da subordinação da política monetária à política de desenvolvimento (p. 13).

- O Neodesenvolvimentismo Neoliberal

Por fim, numa interpretação adentrando o campo da ciência política, Boito (2012)

entende que o atual modelo de desenvolvimento brasileiro, embora tenha passado por

reforma, ainda continua sendo de natureza neoliberal - identificando, como expressão dessa

reforma nos anos 2000, a adoção de uma política econômica neodesenvolvimentista e de

políticas sociais, que moderaram os efeitos negativos do modelo. Para ele, o

neodesenvolvimentismo “é a política de desenvolvimento possível dentro dos limites dados

pelo modelo capitalista neoliberal” (p. 6).

Do ponto de vista político, o neodesenvolvimentismo, segundo este autor, se apoia

numa frente política integrada por classes e frações de classe muito heterogêneas, que tem

fortalecido a “grande burguesia interna brasileira” e contemplado, secundariamente, alguns

interesses das classes populares. O crescimento econômico, com alguma distribuição de

renda, é o ponto convergente que une essa frente; no entanto, a mesma carrega um potencial

de instabilidade muito grande, porque a natureza desse crescimento é vista e interpretada

pelas distintas classes e frações de classe de maneira diferente.

Como integrantes dessa frente desenvolvimentista, o autor aponta as seguintes classes

e frações de classe dominantes: a grande burguesia interna (mineração, construção pesada), o

topo do agronegócio, a indústria de transformação e, em certa mediada, os grandes bancos

estatais e privados de capital predominantemente nacional; unificados pelo favorecimento e

proteção do Estado.

Segundo Boito o Estado prioriza os interesses dessas frações do capital através da

política de superávits da balança comercial, a política de financiamento do BNDES, a política

29

de compras do Estado e de grandes empresas estatais, e a política externa – que descartou a

ALCA e priorizou o MERCOSUL.

No campo das classes dominadas, a frente tem a participação (organizada) do

operariado urbano e da baixa classe média, contemplados pela recuperação do emprego e a

política de reajuste do salário mínimo e por condições mais favoráveis à organização e luta

sindical. O campesinato também participa da frente de forma organizada, mas se distingue

internamente: de um lado, o campesinato remediado do MST e da CONTAG, que se beneficia

do financiamento à agricultura familiar e por programas de compras governamentais da

produção; e, de outro, o campesinato pobre do MST que se constitui no segmento mais frágil

da frente.

Ainda de acordo com Boito, também estão inseridos na frente trabalhadores

desempregados e subempregados organizados parcialmente em movimentos populares

reivindicativos (por moradia e dos desempregados); este segmento foi beneficiado pelo

programa habitacional denominado “Minha casa, minha vida”. O seu segmento marginalizado

socialmente e desorganizado politicamente são os beneficiários do programa “Bolsa Família”

e do “Benefício de Prestação Continuada”; ele se constitui em uma base eleitoral passiva, com

o governo estabelecendo uma relação tipo populista – que torna essa massa dependente,

política e ideologicamente, das iniciativas do governo.

Tendo em vista o caráter fortemente heterogêneo dessa frente desenvolvimentista, ela

incorpora inúmeros interesses contraditórios, que têm estimulado, segundo o autor,

dissidências à direita e à esquerda. Contudo, essas contradições e dissidências “não

comprometem a unidade geral da frente desenvolvimentista. A contradição que continua

polarizando a política nacional é aquela que opõe o campo neodesenvolvimentista ao campo

neoliberal ortodoxo” (p. 12-13).

3.2 O Padrão de Desenvolvimento Capitalista (Modelo) Liberal-Periférico Nesta subseção apresenta-se uma interpretação sobre o atual padrão de

desenvolvimento brasileiro distinta das apresentadas anteriormente, embora ela tenha

concordância, incorpore e seja compatível com aspectos de algumas delas.

A tese aqui defendida é de que a constituição do atual padrão de desenvolvimento

brasileiro passou por, pelo menos, quatro momentos distintos, desde o início da década de

1990, quais sejam: 1- Uma fase inicial, de transição bastante turbulenta, de ruptura com o

MSI e implantação das primeiras ações concretas de natureza neoliberal (Governo Collor). 2-

Uma fase de ampliação e consolidação da nova ordem econômico-social neoliberal, com a

30

implementação do Plano Real e das reformas neoliberais, na qual se amplia e consolida-se a

hegemonia do capital financeiro no interior do bloco no poder (1o Governo FHC). 3- Uma

fase iniciada com o fim da âncora cambial e a adoção do tripé macroeconômico, na qual se

fortalece o capital produtor-exportador de commodities - que amplia seu espaço no bloco no

poder por ser vital para reduzir a instabilidade do modelo (2o Governo FHC e 1º Governo

Lula). 4- A fase atual, na qual se amplia a presença da burguesia interna5 no interior do bloco

no poder, em articulação com o Estado; com este último voltando a ter um papel ativo e mais

direto no processo econômico e na arbitragem dos interesses das distintas frações do capital

(2º Governo Lula e Governo Dilma).

Desse modo, pode-se identificar, desde a implementação do Plano Real e a

consolidação das reformas neoliberais no Brasil, duas inflexões no interior do padrão de

desenvolvimento liberal periférico, que reconfigurou parcialmente a sua dinâmica, bem como

o bloco no poder. A primeira foi a transição de uma situação de total hegemonia, no interior

do bloco no poder, do capital financeiro nacional e internacional (1994/1998) para uma

situação em que se passou a ter uma presença importante de segmentos da burguesia interna,

que podem ser identificados como o agronegócio e o grande capital nacional produtor-

exportador de commodities em geral (agrícolas e industriais). Isto ocorreu a partir de 1999,

com a mudança da política macroeconômica forçada pela crise cambial. Essa nova situação

foi a condição para atender aos interesses de todas essas frações do capital, com uma menor

vulnerabilidade externa conjuntural e, portanto, com uma menor instabilidade

macroeconômica.

A segunda inflexão ocorreu a partir da virada do primeiro para o segundo Governo

Lula (a inflexão de 2006), com a articulação mais próxima das forças políticas que ocupam

atualmente o aparelho de Estado com os grandes grupos econômicos nacionais

(principalmente exportadores de commodities, indústria extrativa e grandes construtoras).

Essa articulação tem como centro o BNDES, e pode ser sintetizada pela ideia dos "campeões

nacionais"; o que implica o BNDES assumir o papel de capital financeiro no processo de

concentração, centralização e internacionalização desses capitais; ou seja, essa mudança na

ação do Estado, em relação ao que vinha até então sendo feito, está de acordo com o que

pensa a corrente “Social-Desenvolvimentista”, quando propõe um Estado Neocorporativista.

5 Conceito formulado por Poulantzas (1975), a burguesia interna não se confunde com a burguesia nacional; ela “possui um fundamento econômico e uma base de acumulação próprios ao mesmo tempo no interior de sua formação social... e no exterior” (p. 77-78). Embora tenha contradições importantes com o capital internacional, não possui autonomia político-ideológica frente a este.

31

Em suma, essa segunda inflexão significou um maior fortalecimento, no interior do

bloco no poder, dos grandes grupos econômicos nacionais articulados no interior do Estado,

via BNDES e fundos de pensão das empresas estatais. Acredita-se, contudo, que esta inflexão,

tal como a primeira, do ponto de vista estrutural e de longo prazo, não altera algumas das

características essenciais do modelo liberal-periférico - discutidas a seguir -; em especial, a

abertura comercial e financeira, a hegemonia do capital financeiro no bloco no poder, a

inserção regressiva do país na divisão internacional do trabalho (ao contrário, até piorou) e

sua consequente vulnerabilidade externa estrutural, e a instabilidade macroeconômica

intrínseca a esse padrão – que embora reduzida no período mais recente, se expressa na

dificuldade de manutenção de taxas de crescimento mais elevadas.

A seguir, tendo em vista as duas inflexões acima mencionadas, consideram-se

separadamente, o padrão de desenvolvimento liberal-periférico tal como ele se constituiu e se

estruturou originalmente e, depois, esse mesmo modelo após as suas duas inflexões.

3.2.1 O modelo liberal-periférico original O Modelo Liberal-Periférico (MLP), constituído a partir dos anos 1990 (Governo

Collor) se estruturou a partir de profundas mudanças em, pelo menos, cinco dimensões da

organização econômico-social e política do país, quais sejam: 1- a relação capital/trabalho, 2-

a relação entre as distintas frações do capital, 3- a inserção internacional (econômico-

financeira) do país, 4- a estrutura e o funcionamento do Estado e 5- as formas de

representação política (FILGUEIRAS, 2006; FILGUEIRAS, GONÇALVES, 2007;

FILGUEIRAS ET AL, 2010). O novo padrão daí surgido, fazendo uso, ao longo do tempo, de

distintos regimes de políticas macroeconômicas, apresenta as seguintes características:

vulnerabilidade externa estrutural, inserção passiva na economia internacional, instabilidade

macroeconômica e dificuldade de manutenção de taxas de crescimento mais elevadas.

- A relação capital-trabalho

O processo de reestruturação produtiva redefiniu, no plano objetivo material, a

correlação de forças anteriormente existente entre capital-trabalho, em razão do

enfraquecimento da capacidade política e de negociação da classe trabalhadora e de suas

representações.

Esse processo, combinado com a abertura comercial e financeira da economia e as

baixíssimas taxas de crescimento do PIB e suas reiteradas flutuações de curto prazo, teve

implicações devastadoras sobre o mercado de trabalho. A sua face mais visível foi o grande

salto verificado nas taxas de desemprego e o processo generalizado de precarização das

32

condições de trabalho e de contratação da força de trabalho; cujo resultado final foi o

enfraquecendo dos sindicatos e a redução da participação dos rendimentos do trabalho na

renda nacional - tendo por contrapartida o crescimento dos rendimentos do capital,

especialmente os juros do capital financeiro.

- As relações intercapitalistas

As relações entre as distintas frações do capital também passou por diversas mudanças

importantes. A abertura e desregulamentação dos mercados financeiros fortaleceram,

econômica e politicamente, os grandes grupos financeiros nacionais e internacionais. O

predomínio do capital financeiro na sociedade, e na sua relação com o capital produtivo, se

expressa nas políticas econômicas implementadas e nos resultados econômicos obtidos pelas

instituições financeiras.

Em outra dimensão, os processos de abertura comercial e financeira e de privatização,

acompanhados por uma política cambial de sobrevalorização do real, levaram a um

movimento de centralização de capitais e a uma maior desnacionalização e

internacionalização da economia brasileira. Os grandes grupos econômico-financeiros

nacionais que conseguiram se transnacionalizar e o agronegócio, que passou a se fortalecer a

partir da importância estratégica que as exportações passaram a ter para a dinâmica do

modelo, aumentaram sua participação na economia e seu poder político.

- A inserção internacional

A abertura comercial e a desregulamentação financeira, juntamente com a política de

valorização cambial do Plano Real, provocaram importantes mudanças na inserção econômica

internacional do Brasil. O país passou, inicialmente, a ter déficits em sua balança comercial,

além de aumentar seus déficits na conta de rendas e serviços – implicando em crescentes

déficits na conta de transações correntes do balanço de pagamentos. A venda de empresas

públicas para o capital estrangeiro e os fluxos internacionais de capitais especulativos atraídos

pelas altas taxas de juros, financiaram o processo de endividamento público e privado.

Contudo, a crise ocorrida no início do segundo Governo FHC pôs fim à “âncora

cambial” e redefiniu, de forma compulsória, a política econômica – com a adoção do tripé

macroeconômico vigente até hoje. A parir daí, com a desvalorização de real – seguida da

entrada da China na OMC -, o país passou a obter elevados superávits na sua balança

comercial, que se mostraram essenciais para a remuneração do capital financeiro

internacional, fortaleceram o capital produtor e exportador de commodities agrícolas e

minerais no interior do bloco no poder e reduziram a instabilidade do modelo.

33

Nesse processo, importantes segmentos da indústria nacional se desnacionalizaram ou

reconverteram suas atividades para montagem de componentes importados. Com isso,

reduziu-se a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego total da

economia, refletindo um processo de desindustrialização precoce e especialização regressiva –

que afetou os segmentos industriais mais intensivos em capital e tecnologia e ampliou o peso

relativo dos segmentos intensivos em recursos naturais e mão de obra e de pouco dinamismo,

na estrutura produtiva e nas exportações. A inserção do país na nova divisão internacional do

trabalho tem levado a um processo de reprimarização das exportações - agronegócio e

indústria de baixo valor agregado (GONÇALVES, 2000)

- A estrutura e funcionamento do Estado

O Estado também se reestruturou, redefinindo-se enquanto expressão das disputas

entre as diversas classes e frações de classe. O processo de desregulamentação, juntamente

com o processo de privatização das empresas públicas, reduziu bastante a presença do Estado

nas atividades diretamente produtivas, fortalecendo grupos privados nacionais e estrangeiros -

dando origem a oligopólios privados, redefinindo a força relativa dos diversos grupos

econômicos e enfraquecendo grupos políticos regionais tradicionais; além de permitir

demissões em massa e enfraquecer os sindicatos.

As privatizações, que também funcionaram como uma âncora na estratégia de

estabilização de preços – ao permitir, durante o primeiro Governo FHC, a existência de

crescentes déficits na conta de transações correntes do balanço de pagamentos -, contribuíram

de forma importante para os processos de desnacionalização da economia e de centralização

de capital; processos estes que contaram, no período, com a participação central do BNDES,

de bancos nacionais e estrangeiros e de fundos de pensão.

Adicionalmente, a reforma administrativa permitiu a criação de mecanismos de

demissão e contratação de funcionários para além dos concursos, flexibilizando também as

relações trabalhistas no setor público; enquanto duas reformas da previdência social – a

primeira no Governo FHC e a segunda no Governo Lula – redefiniram as regras de

aposentadoria, reduzindo benefícios e direitos, em nome do equilíbrio fiscal; abrindo espaço

para a atuação dos fundos de pensão privados.

Por fim, a meta de elevados superávits fiscais primários levou ao crescimento,

sistemático, da carga tributária, através da criação de novas contribuições ou do aumento das

alíquotas de contribuições já existentes.

Em síntese, a retirada do Estado de setores estratégicos da atividade econômica,

juntamente com o agravamento de sua fragilidade financeira, a redução de sua capacidade de

34

investimento e a perda de autonomia da política econômica, enfraqueceu-lhe a possibilidade

de planejar, regular e induzir o sistema econômico. O crescimento acelerado da dívida pública

- com encargos financeiros elevadíssimos -, juntamente com a livre mobilidade dos fluxos de

capitais, é parte central da subordinação da política macroeconômica aos interesses do capital

financeiro, ao mesmo tempo em que redefiniu a presença dos interesses das distintas classes e

frações de classe no interior do Estado.

- As formas de representação política

Neste ponto, a questão fundamental é que, com a constituição do Modelo Liberal-

Periférico, as decisões relevantes, cruciais com relação aos interesses e às disputas de classes,

foram, cada vez mais, deslocadas para fora das instâncias formais dos parlamentos,

encapsuladas nas agências e nos órgãos “técnicos” do Estado, “autônomos e livres de

influências políticas”, como é o caso, por exemplo, das empresas estatais, do Banco Central,

do Conselho Monetário Nacional e das chamadas agências reguladoras – configurando-se o

que Oliveira (2005) denominou de “deslocamento, ou colonização, da política pela

economia”.

Posteriormente, já no Governo Lula, essa tendência se aprofundou; principalmente a

partir da constituição do “lulismo”, que procura esvaziar tanto o potencial conflituoso dos

distintos interesses quanto a mobilização política em torno dos mesmos (SINGER, 2012). A

estratégia é de que esses interesses opostos possam ser arbitrados pelo Estado, na linha de um

Estado Neocorporativista tal como proposto pela corrente Social-Desenvolvimentista.

- O bloco no poder

Todas essas mudanças culminaram com a afirmação do projeto político neoliberal e a

construção de um novo padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil, com a redefinição

das relações políticas entre as classes e frações de classes da sociedade brasileira e a

constituição de um novo bloco no poder.

Na nova configuração, que prevaleceu até o final da década de 1990, passou a fazer

parte do bloco no poder: na posição hegemônica o capital financeiro6 internacional, - expresso

na movimentação dos fundos de pensão, dos fundos mútuos de investimentos e dos grandes

bancos dos países desenvolvidos -; e, em posição destacada, os grandes grupos financeiros

nacionais7, que conseguiram sobreviver ao processo de globalização, em função de sua

6 O conceito de capital financeiro possui duas versões clássicas: a de Hilferding (1985) e a de Hobson (1983); No presente texto, a noção de capital financeiro adotada é mais geral do que essas duas; refere-se à fração do capital que se reproduz, fundamentalmente, ou principalmente, na esfera financeira. 7Esses grandes grupos econômico-financeiros nacionais além de atuarem diretamente na esfera financeira, se fazem presentes também em outras esferas (atividades econômicas) da acumulação: agricultura, indústria,

35

capacidade competitiva ou através da associação (subordinada) com capitais estrangeiros; e o

capital produtivo multinacional (associado ou não ao capital nacional); todos eles tendo

aumentado suas respectivas influências no bloco dominante.

As demais frações do bloco no poder, situadas numa posição mais secundária, são os

grandes grupos econômicos, não financeirizados organicamente, e os grandes e médios

capitais que têm uma maior “especialização” no processo de acumulação: o agronegócio e a

indústria produtora-exportadora de commodities.

Adicionalmente, o projeto neoliberal e a sua política têm como importante aliado a

classe média alta: “novos ricos” que rejeitam qualquer coisa parecida com um Estado de

Bem-Estar Social, do qual não se beneficiariam - pois ajudariam a financiá-lo com impostos,

mas não fariam uso de seus serviços (BOITO JR, 2006).

- A dinâmica macroeconômica

A dinâmica macroeconômica do Modelo Liberal-Periférico, em especial na sua versão

original, se caracteriza por ser intrinsecamente instável - mesmo quando da existência de

superávits comerciais no balanço de pagamentos. A razão dessa instabilidade se deve ao fato

desse padrão de desenvolvimento ter agravado a vulnerabilidade externa da economia

brasileira e a fragilidade financeira do Estado – ambas associadas ao aprofundamento da

dependência tecnológica e financeira do país.

Essa instabilidade ficou mais evidente durante o primeiro Governo FHC, quando a

crescente vulnerabilidade externa desembocou na crise cambial de 1999. No entanto, mesmo

depois da reversão dos déficits da balança comercial, com a consequente redução da

vulnerabilidade externa conjuntural, a instabilidade permaneceu - conforme demonstraram os

efeitos da crise da Argentina em 2001 e da crise cambial brasileira de 2002.

A trajetória lógico-histórica das políticas macroeconômicas e da instabilidade

econômica, nos primeiros dez anos do Modelo Liberal-Periférico, pode ser sintetizada da

seguinte forma (FILGUEIRAS, GONÇALVES, 2007; FILGUEIRAS, 2006, 2010):

1- A política de sobrevalorização do real e a abertura comercial e financeira da

economia brasileira, peças-chave do Plano Real para a redução das taxas de inflação, criou

uma grande e permanente instabilidade macroeconômica.

comércio e serviços; embora possam estar mais focados em alguma delas em particular – o que depende muito da origem inicial das atividades do grupo e do seu poder de diversificação. Quando necessário, internacionalizaram-se, associando-se e fundindo-se com capitais estrangeiros, em uma ou mais atividades do grupo; e transnacionalizaram-se, expandindo suas atividades para outros países. Os seus lucros são realizados tanto no mercado interno quanto no externo (exportação).

36

2- Essa instabilidade se expressou nas sucessivas crises ocorridas em vários países nas

décadas de 1990 e 2000; ela deriva do fato da dinâmica econômica brasileira depender

fortemente do capital financeiro nacional e internacional, alimentado pelas altas taxas de juros

dos títulos da dívidas pública.

3- Essa dependência resulta da fragilidade competitiva da economia brasileira, exposta

pela abertura comercial; o que tornou extremamente vulnerável as contas externas do país, em

virtude dos crescentes déficits da balança comercial. Estes só começaram a ser revertidos a

partir de 2001, em razão das sucessivas desvalorizações do real e, a partir de 2002, em virtude

da conjuntura internacional favorável.

4- Ao vulnerabilizar o balanço de pagamentos do país, a abertura comercial e

financeira - reforçada pela sobrevalorização do real – exigiu a prática continuada de elevadas

taxas de juros para atrair capitais estrangeiros e equilibrar o balaço de pagamentos. As

privatizações das empresas públicas também contribuíram para esse equilíbrio, embora,

explicitamente, tivessem outros objetivos.

5- Desse modo, a economia brasileira, exposta de forma abrupta à concorrência

internacional, estagnou e se tornou muito instável. As reduzidas taxas de crescimento e a

desestruturação do mercado de trabalho foram uma consequência “natural” das elevadas taxas

de juros, bem como da ausência de qualquer tipo de política industrial, agrícola, tecnológica e

de comércio exterior por parte do Estado.

6- Além de comprometerem o crescimento econômico, as elevadas taxas de juros,

associadas à vulnerabilidade externa, fragilizaram as finanças públicas, inviabilizando as

ações de políticas do Estado e os investimentos públicos. As políticas sociais estritamente

assistencialistas e focalizadas foram justificadas por essas circunstâncias.

7- Essa dinâmica também se articula com um novo tipo de dependência tecnológica e

o agravamento da dependência financeira, que restringem a capacidade de execução das

políticas macroeconômicas, tecnológica e industrial por parte do Estado Nacional.

3.2.2 O modelo liberal-periférico flexibilizado As sucessivas crises econômicas da década de 1990 evidenciaram a insustentabilidade

do Modelo Liberal-Periférico na sua forma original. A crise cambial brasileira no início de

1999 esgotou o seu regime de política macroeconômica e determinou, de forma objetiva e

compulsoriamente, a sua primeira flexibilização.

A combinação da abertura comercial e financeira com a âncora cambial, apesar de

domar a inflação, se constituía na razão fundamental da extrema instabilidade

37

macroeconômica do modelo. Mas a passagem para o novo regime de política

macroeconômica significou mais do que a redução dessa instabilidade; ela implicou uma

redefinição do bloco no poder, ao trazer para o seu primeiro plano segmentos da burguesia

interna, destacadamente o agronegócio e os produtores e exportadores de commodities

(BOITO JR, 2006).

No novo arranjo, o capital financeiro perdeu a sua hegemonia absoluta, e inconteste,

no interior do Estado e do bloco no poder; ficou claro que os lucros do capital financeiro

internacional não podiam depender do permanente e crescente endividamento do país. Para

não colocar em risco sua remuneração – por falta de divisas -, teve que aceitar a maior

influência da burguesia interna no centro do poder.

O desempenho das exportações passou a ser decisivo para remunerar esse capital e, ao

mesmo tempo, dar ao modelo o mínimo de estabilidade e capacidade de enfrentar as crises

cambiais. Os superávits na balança comercial e, eventualmente, na conta de transações

correntes, embora não tenham eliminado a instabilidade e a vulnerabilidade externa estrutural

do modelo, permitiram a redução dos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural do

país.

Desse modo, a partir da mudança do regime de política macroeconômica, as

exportações passaram a ter um papel crucial para a dinâmica do modelo neoliberal periférico;

importância esta que ficou mais evidente com o Governo Lula, quando a comércio

internacional, a partir de 2002, passou a alavancar as exportações de commodities de todos os

países periféricos. Essa é, em última instância, a condição essencial da menor instabilidade

macroeconômica e que, ao mesmo tempo, viabiliza a operacionalização do tripé

macroeconômico.

Nesse novo arranjo, mantida a abertura comercial e financeira, o crescimento

econômico do país fica na dependência, cada vez maior, da conjuntura econômica

internacional favorável – caracterizada pelo crescimento dos fluxos comerciais e financeiros.

Até 2005, as exportações líquidas foram responsáveis, de forma direta, pelo crescimento da

economia e, a partir de 2006 permitiu, tendo em vista a elevada elasticidade renda das

importações brasileiras, que o crescimento começasse a ser “puxado” pela demanda

doméstica – sem se defrontar com a fragilização do balanço de pagamentos.

Em suma, direta ou indiretamente, tendo em vista a abertura comercial e financeira, o

comércio internacional passou a ser decisivo para a dinâmica macroeconômica do modelo.

Diretamente, através de seu efeito multiplicador, que estimula o crescimento da produção, da

renda e do emprego; e, indiretamente, relaxando a restrição externa ao crescimento do

38

mercado interno. Nas duas situações, a dinâmica da acumulação e do crescimento depende,

fortemente, do comportamento da demanda internacional; o que recoloca, em novas bases, um

tipo de dependência que era próprio da fase primário-exportadora e que o Modelo de

Substituição de Importações havia, em grande medida, superado.

A mudança, nos últimos anos, da composição da pauta de exportações do país -

constituída, principalmente, de produtos de baixo valor agregado e menor conteúdo

tecnológico, agrava a dependência – pois atrela o desempenho da economia brasileira aos

ciclos do comércio internacional. O boom das commodities, embora tenha reduzido a

vulnerabilidade externa do Brasil no curto prazo – ao diminuir, ou mesmo eliminar, o déficit

da conta de transações correntes -, tem levado a uma especialização regressiva da economia

brasileira e agravado, do ponto de vista estrutural e de longo prazo, a vulnerabilidade externa

do país.

A segunda inflexão do Modelo Liberal Periférico, ocorrida em 2006, veio

acompanhada por uma nova mudança no regime de política macroeconômica e pelo reforço

da burguesia interna no bloco no poder; agora articulada por dentro do Estado e em sintonia

com as forças políticas que o dirigem. Além disso, tornou mais explícita a dependência da

dinâmica macroeconômica para com o comércio internacional e os fluxos financeiros.

Essa articulação entre burguesia interna e o Estado é feita através de diversos meios:

crédito público favorecido, parcerias público-privadas, indução de investimentos privados e

financiamentos para fusão e internacionalização de grandes grupos econômicos nacional. Ela

recolocou o Estado no centro da dinâmica econômica, ao mesmo tempo em que reforçou o

agronegócio, a construção civil (moradia e grandes obras públicas) e os setores produtores e

exportadores de commodities. As instituições financeiras públicas, as empresas estatais e os

fundos de pensão paraestatais têm tido papel central nessa nova estratégia.

O bom desempenho das exportações e o fluxo de capitais estrangeiros, que permitiram

o acúmulo de reservas internacionais, foram determinantes para o relaxamento do tripé e a

adoção de outras políticas econômico-sociais - que possibilitaram maiores taxas de

crescimento e a melhora de todos os seus indicadores macroeconômicos. O baixo crescimento

econômico nos primeiros dois anos do Governo Dilma, mesmo com a queda das taxas juros e

o uso de uma política de incentivos fiscais e creditícios, também evidenciam, mais uma vez, a

importância do cenário internacional para o bom desempenho da economia brasileira.

Em suma, “a situação internacional altamente favorável, a decisão política de ‘retorno’

do Estado ao processo econômico e o consentimento dos setores subalternos [o fenômeno do

lulismo discutido por Singer], permitiram a Lula [e ao Modelo Liberal-Periférico, em sua

39

nova fase] acomodar e compatibilizar interesses potencialmente conflitantes. De um lado, os

juros, lucros e rendas das frações do grande capital financeiro/agronegócio/empresas

estatais/fundos públicos/grandes grupos nacionais e, de outro, a ampliação do crédito para

segmentos da população com menor renda, os aumentos reais do salário-mínimo e a

ampliação da política social focalizada” (FILGUEIRAS ET AL., 2010, p. 39).

3.3 A dinâmica recente da economia brasileira Desde a implantação do Plano Real, com a adoção da nova moeda, até o presente

momento, pode-se identificar três regimes de política macroeconômica (OREIRO, 2011). O

primeiro, que vigorou do 2º semestre de 1994 até 1998 (1º Governo FHC), foi caracterizado

pelo câmbio valorizado e altas taxas de juros; que embora tenha conseguido reduzir

fortemente a inflação, provocou uma grande instabilidade macroeconômica – evidenciada em

sucessivas crises (México, Ásia, Rússia e Brasil), que levaram a fugas de capitais, com

pressões para desvalorização do real e redução das reservas internacionais, e ameaça de

retorno de elevadas taxas de inflação.

A fragilidade desse regime de âncora cambial evidenciou-se em todo período em que

ficou em vigor, até que o ataque especulativo do início de 1999 obrigou o segundo Governo

FHC a abandoná-lo e substituí-lo pelo conhecido tripé macroeconômico. Esse foi o período de

aprofundamento e consolidação do Modelo Liberal-Periférico, com a ampliação da abertura

comercial e financeira e a continuação do processo de privatizações; ambos iniciados ainda no

Governo Collor.

A abertura econômica e a valorização do real, o pilar da política anti-inflacionária,

fragilizou o balanço de pagamentos do país e conduziu-o à crise cambial de janeiro de 1999.

Com essa política, a balança comercial apresentou sucessivos e elevados déficits que,

juntamente com deterioração da conta de serviços e renda, levou a crescentes déficits na conta

de transações correntes.

Essa situação foi sustentada durante quatro anos com a entrada de capitais

estrangeiros, atraídos pelo processo de privatizações e a manutenção de altas taxas de juros.

Como decorrência, a dívida líquida do setor público (dívidas externa e interna) deu um salto

impressionante, o investimento se retraiu, o PIB evoluiu a taxas diminutas, e as taxas de

desemprego se elevaram sistematicamente. Em suma, a estabilidade monetária, com taxas de

inflação cadentes e semelhantes a dos países desenvolvidos, cobrou um tributo: a continuação

da estagnação dos anos 1980 e a ocorrência de uma grande instabilidade macroeconômica.

40

O desenlace final ocorreu com a crise cambial de janeiro de 1999 e a substituição da

âncora cambial pelo tripé macroeconômico, que se manteve em vigor em sua plenitude até

2005. Com o novo regime de política macroeconômica, os déficits da balança comercial

foram revertidos, com o retorno de saldos positivos e crescentes, a partir de 2001; mas o

mesmo não ocorreu com a balança de serviços e rendas, que continuou se deteriorando em

razão de grande salto na remessa de lucros e dividendos. Com isso, o déficit da conta de

transações correntes não recuou no mesmo ritmo; isto só viria a ocorrer, de forma robusta, no

primeiro Governo Lula, quando a economia mundial voltou a crescer aceleradamente e

impulsionou as exportações mundiais.

Adicionalmente, a política de obtenção de elevados superávits primários e a

manutenção de uma política monetária exclusivamente focada nas metas de inflação e,

consequentemente, a manutenção de altas taxas de juros, mantiveram a economia estagnada

também no 2º Governo FHC – com o PIB apresentando uma taxa média de crescimento

menor do que a do primeiro governo e a taxa de desemprego continuando a se elevar. A

dívida líquida do setor público também continuou crescendo, apesar dos elevados superávits

primários obtidos, tendo sido impulsionada pelas altas taxas de juros.

Durante o primeiro ano do Governo Lula, com a manutenção e radicalização da

operacionalização do tripé macroeconômico – o aumento do superávit primário e a elevação

da taxa de juros -, a economia continuou estagnada e a taxa de desemprego atingiu seu

recorde histórico em 2003.

No entanto, o início deste governo coincidiu com uma circunstância que se mostraria

decisiva para a dinâmica da economia brasileira nos anos seguintes, qual seja: o início da fase

ascendente de um novo ciclo econômico internacional, capitaneado pelos EUA e a China – e

com a entrada deste país na Organização Mundial do Comércio. Com isso, o comércio

internacional deu um grande salto, impactando todos os países da periferia do capitalismo

produtores de commodities, que tiveram suas exportações (quantidade e preços)

extraordinariamente estimuladas. O Brasil não foi exceção; com a conjuntura internacional

extremamente favorável, as exportações deram sucessivos saltos, a ponto de compensarem a

continuação dos déficits crescentes na conta de serviço e renda – o que levou à obtenção de

inéditos superávits na conta de transações correntes até 2007, já no segundo Governo Lula.

Desse modo, em 2004, a economia voltou a crescer “puxada” pelas exportações; que

tiveram seus efeitos potencializados no mercado interno pela redução das taxas de juros e o

início da adoção de algumas medidas econômico-sociais – a criação e ampliação do programa

Bolsa Família, a política de aumento real salário mínimo e a instituição do crédito

41

consignado. Mas, no ano seguinte, com um novo ciclo de elevação da taxa de juros pelo

Banco Central, a economia voltou a reduzir a sua taxa de crescimento, apesar do forte

aumento das exportações e da melhora de todos os indicadores de vulnerabilidade externa.

Entretanto, nesses três anos iniciais do Governo Lula, mesmo com a manutenção do

regime de política macroeconômica herdado do Governo FHC, as taxas de inflação e de

desemprego caíram, bem como a relação dívida pública/PIB; já evidenciando uma melhora,

em relação ao período anterior, dos indicadores macroeconômicos – que se explicitaria mais

ainda a partir de 2006, quando da flexibilização operacional do tripé e um maior

protagonismo do Estado, com o retorno dos investimentos públicos.

Essa mudança marca o início da passagem para um novo regime de política

macroeconômica, que consolidará um novo regime de crescimento, no qual o mercado

interno, especialmente através da ampliação do consumo, se constituirá em peça-chave das

maiores taxas de crescimento observadas entre 2006 e 2008 e em 2010. Esse é o período da

inflexão econômica do Governo Lula, tão ressaltada pelas diversas interpretações abordadas

anteriormente. Nessa nova fase, interrompida pela crise mundial, a economia brasileira voltou

a apresentar déficits na conta de transações correntes, apesar da continuação do crescimento

das exportações; as maiores taxas de crescimento do PIB e a valorização cambial – derivada

do boom exportador e intenso afluxo de capitais estrangeiros - induziram forte crescimento

das importações e aprofundaram os déficits da conta de serviços e renda.

Considerando-se os dois Governos Lula e os dois anos do Governo Dilma, um período

total de 10 anos, com o predomínio de dois regimes de política macroeconômica distintos,

separados pela inflexão da política econômica em 2006, pode-se fazer a seguinte avaliação

sintética da dinâmica e desempenho da economia brasileira8:

Depois de duas décadas de estagnação e baixo crescimento, a economia brasileira

retomou, a partir de 2006, sua trajetória de crescimento – ainda modesta e não consolidada,

como ficou evidente com a recessão de 2009 no contexto da crise mundial e a forte redução

do ritmo de crescimento nos dois primeiros anos do Governo Dilma.

Esse novo momento foi fortemente condicionado pelo ambiente econômico-político

internacional que começou a se conformar a partir dos anos 2000, com o ingresso e

participação da China nos fluxos comerciais e financeiros do mundo. A articulação China-

EUA influenciou decisivamente o crescimento da economia mundial, até quase o final de 8 Essa avaliação, com alguns adendos, foi retirada dos artigos de Filgueiras (2012), intitulado “A crise mundial e o desenvolvimento brasileiro”, e Filgueiras et al (2010) denominado Modelo Liberal-Periférico e Bloco de Poder: Política e Dinâmica Macroeconômica nos Governos Lula. .

42

2008, com impacto positivo nos balanços de pagamentos dos países periféricos, ao possibilitar

o crescimento da demanda por recursos naturais e commodities agrícolas e minerais, com o

aumento de preços e quantidades.

O Brasil, especificamente, passou a obter crescentes superávits em sua Balança

Comercial a partir de 2002, último ano do Governo FHC, que compensaram os crescentes

déficits de sua conta de Serviços e Rendas - propiciando superávits na conta de transações

correntes no período 2003-2007. Os desempenhos radicalmente distintos do comércio exterior

durante os Governos FHC e os Governos Lula, podem ser observados no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Brasil: Balança Comercial

Fonte: DEPLA/SECEX/MDIC

A mudança da conjuntura internacional, com o crescimento do comércio e dos fluxos

de capitais, implicou a redução da vulnerabilidade externa conjuntural do país (Quadro 1) e,

assim, permitiu à autoridade econômica flexibilizar a operação da política macroeconômica a

partir de 2005/2006. A tendência à valorização do real que passou a vigorar, associada ao

boom das commodities, foi reforçada pelo forte afluxo de capitais estrangeiros – portfólio e

investimento direto.

Quadro 1: Indicadores de Vulnerabilidade externa - 1999-2012 (%)

Período Serviço da

dívida/exp. Dívida

total/PIB

Dívida total

líquida/PIB

Reservas /dívida

total

Dívida total/exp.

Dívida total líquida/exp.

1999 126,5 42,0 32,5 16,1 4,7 3,6 2000 88,6 36,0 28,4 15,2 3,9 3,1 2001 84,9 41,2 31,9 17,1 3,6 2,8 2002 82,7 45,9 35,9 18,0 3,5 2,7 2003 72,5 42,4 29,8 22,9 2,9 2,1 2004 53,8 33,3 22,5 26,3 2,1 1,4 2005 56,0 21,3 12,8 31,9 1,4 0,8 2006 41,3 15,9 6,9 49,7 1,3 0,5 2007 32,4 14,1 -0,9 93,3 1,2 -0,1 2008 19,0 12,1 -1,7 104,3 1,0 -0,1 2009 28,6 12,6 -3,9 120,6 1,3 -0,4 2010 23,0 12,2 -2,4 112,4 1,3 -0,3 2011 20,5 12,0 -2,9 118,0 1,2 -0,3

180,9 198,4 221,9

426,2

713,5

120,6220,8 208,0

276,1

603,0

60,3-22,5 13,9

150,1 110,5

Collor / Itamar FHC I FHC II Lula I Lula II

Exportações Importações Balança Comercial

2012* 18,4Fonte: Banco Central do Brasil*Dados estimados para Agosto

A redução da restrição externa permitiu a

superávit fiscal primário e a constituição de crescentes reservas cambiais que, por sua vez,

possibilitaram a obtenção de maiores taxas de crescimento

inflação. Na sequência, a taxa de crescimento se reduziu

decorrência da crise mundial

últimos anos em razão do acirramento dessa crise na Europa

Gráfico 2

Fonte: IPEADATA

Com o maior crescimento econômico

receitas tributárias cresceram e a relação dívida pública líquida / PIB reduziu

Mais recentemente, em razão da crise mundial

voltaram a crescer em 2009

crise.

Gráfico 3:

Fonte: IPEADATA

4,4

2,2

3,4

-1,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

1995

1996

1997

18,4 13,0 -4,0 123,5 1,2Banco Central do Brasil

*Dados estimados para Agosto

A redução da restrição externa permitiu a queda da taxa de juros, a diminuição do

superávit fiscal primário e a constituição de crescentes reservas cambiais que, por sua vez,

possibilitaram a obtenção de maiores taxas de crescimento até 2008

. Na sequência, a taxa de crescimento se reduziu drasticamente em 2009

a crise mundial e, após uma breve recuperação em 2010, voltou

em razão do acirramento dessa crise na Europa (Gráfico 2)

Gráfico 2 - Brasil: Taxas de Crescimento do PIB

IPEADATA

Com o maior crescimento econômico, as taxas de desemprego

receitas tributárias cresceram e a relação dívida pública líquida / PIB reduziu

ente, em razão da crise mundial e das políticas anticíclicas adotadas

crescer em 2009, mas a seguir tornaram a cair para os seus níveis anteriores à

Gráfico 3: Taxas de Desemprego - RMSP

IPEADATA

3,4

0,0 0,3

4,3

1,3

2,7

1,1

5,7

3,24,0

6,1

5,2

-0,3

7,5

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

43

1,2 -0,4

da taxa de juros, a diminuição do

superávit fiscal primário e a constituição de crescentes reservas cambiais que, por sua vez,

até 2008, com o controle da

drasticamente em 2009 em

recuperação em 2010, voltou a cair nos dois

(Gráfico 2).

Brasil: Taxas de Crescimento do PIB

taxas de desemprego caíram (Gráfico 3), as

receitas tributárias cresceram e a relação dívida pública líquida / PIB reduziu-se (Gráfico 4).

e das políticas anticíclicas adotadas, ambas

, mas a seguir tornaram a cair para os seus níveis anteriores à

2,7

1,6

2011

2012

Gráfico 4

Fonte: IPEADATANesse novo cenário, o salário mínimo real cresceu e os gastos socais aumentaram,

melhorando a distribuição

estimulando, junto com a ampliação do crédito, o crescimento e

2006 vem sendo “puxado”

Entretanto, nesse processo de desenvolvimento recente, foi ficando cada vez mais

claro que o país está consolidando, c

inserção econômica internacional problemática, para dizer o mínimo. Embora tenha havido a

modernização de muitos setores industriais, do ponto de vista tecnológico e de gestão, e se

tenha conseguido manter, fundamentalmente, todos os setores industriais relevantes

pese o longo período de estagnação econômica

reprimarizado aceleradamente (Gráficos 5 e 6). Gráfico 5 - Brasil: Participação das Exportações po

Fonte:

Gráfico 6 - Brasil: Saldo do Comercial dos Produtos Industriais e Não Industriais (%)

Gráfico 4 - Brasil: Relação Dívida Pública / PIB (%)

IPEADATA Nesse novo cenário, o salário mínimo real cresceu e os gastos socais aumentaram,

melhorando a distribuição de renda, em particular dos rendimentos do trabalho

com a ampliação do crédito, o crescimento econômico

mais pelo mercado interno do que o externo.

Entretanto, nesse processo de desenvolvimento recente, foi ficando cada vez mais

claro que o país está consolidando, com muita rapidez, um tipo de estrutura produtiva e de

inserção econômica internacional problemática, para dizer o mínimo. Embora tenha havido a

modernização de muitos setores industriais, do ponto de vista tecnológico e de gestão, e se

ter, fundamentalmente, todos os setores industriais relevantes

pese o longo período de estagnação econômica -, a pauta de exportação do país tem se

reprimarizado aceleradamente (Gráficos 5 e 6). Brasil: Participação das Exportações por Fator Agregado (%)

Fonte: DEPLA/SECEX/MDIC Brasil: Saldo do Comercial dos Produtos Industriais e Não Industriais (%)

44

Relação Dívida Pública / PIB (%)

Nesse novo cenário, o salário mínimo real cresceu e os gastos socais aumentaram,

dos rendimentos do trabalho, e

conômico – que desde 2005-

Entretanto, nesse processo de desenvolvimento recente, foi ficando cada vez mais

om muita rapidez, um tipo de estrutura produtiva e de

inserção econômica internacional problemática, para dizer o mínimo. Embora tenha havido a

modernização de muitos setores industriais, do ponto de vista tecnológico e de gestão, e se

ter, fundamentalmente, todos os setores industriais relevantes – em que

, a pauta de exportação do país tem se

r Fator Agregado (%)

Brasil: Saldo do Comercial dos Produtos Industriais e Não Industriais (%)

45

Fonte: DEPLA/SECEX/MDIC Isto passou a ocorrer, principalmente, a partir do primeiro governo Lula, quando a

tendência à valorização do real retornou e se consolidou e, principalmente, durante o segundo

governo, quando o efeito China passou a se manifestar de forma mais forte na economia

mundial. Nesse cenário, cresceram as dificuldades da indústria de transformação brasileira em

competir, tanto no mercado externo quanto no interno; enquanto as commodities agrícolas

(agronegócio) e minerais (indústria extrativa) aumentaram sua participação no PIB e nas

exportações.

A dificuldade da indústria de transformação é mais evidente quando se considera os

produtos industriais de alta e média-alta tecnologia, cuja balança comercial específica tem-se

deteriorado de forma impressionante a partir do segundo governo Lula, com o crescimento

dos déficits comerciais – que são, sistematicamente, cobertos pelos superávits comerciais

obtidos pelas commodities (Gráfico 7). As maiores taxas de crescimento do país nesse período

e o efeito China, num contexto de abertura comercial e financeira e valorização do real,

explicitaram a tendência de especialização regressiva do país na nova divisão internacional do

trabalho que vem se estruturando.

Gráfico 7 Brasil: Saldo do Comércio Exterior dos Produtos Industriais de Alta e Baixa

Intensidade Tecnológica (%)

Fonte: DEPLA/SECEX/MDIC

A constituição de um novo arranjo, entre o Estado e grandes grupos econômicos

nacionais produtores-exportadores de commodities, explicitado a partir do segundo Governo

Lula, vem reafirmando e fortalecendo esse perfil produtivo-exportador. Trata-se da

promoção/articulação direta pelo Estado desses (e com esses) grupos, no sentido de torná-los

mais robustos, com a ampliação de suas escalas de operação e a sua internacionalização. Isto

levou à nova inflexão do bloco de poder no país quando se tem em vista sua configuração no

período anterior, quando o domínio do capital financeiro era absoluto e o Estado havia sido

46

afastado do centro da dinâmica econômica. O mesmo pode-se afirmar com relação aos

investimentos do PAC em infraestrutura.

A crise mundial, a partir de 2008, tem reforçado essa tendência, com o crescimento da

participação das commodities e dos produtos industriais de baixa intensidade tecnológica e

baixo valor agregado nas exportações e no saldo da balança comercial. Concomitantemente,

tem crescido o fluxo comercial com a China, com este país se tornando o principal parceiro do

Brasil - ultrapassando os EUA e estabelecendo-se um padrão no qual, claramente, o Brasil

exporta commodities agrícolas e minerais e importa produtos industriais, inclusive produtos

de maior intensidade tecnológica (Acioly, Pinto e Cintra, 2011).

A resposta à crise, dada pela autoridade econômica no Brasil, foi semelhante aquela

dos países desenvolvidos: maiores gastos do governo e corte de impostos, redução da taxa de

juros e ampliação do crédito, com intuito de compensar a queda das exportações, do

investimento e do consumo, e operações de salvamento de empresas fragilizadas por

operações especulativas no mercado de câmbio. Embora tenha conseguido reduzir o impacto

da crise, não impediu que o país entrasse em recessão em 2009, com a redução do PIB em

0,3% e o crescimento do desemprego e da relação dívida pública/PIB.

Na sequência, da mesma forma que a maior parte dos países, a economia voltou a

crescer em 2010, mas sem nenhum sinal de mudança no novo padrão que vem se

consolidando nos últimos dez anos. E, mais uma vez, seguindo a tendência mundial, a taxa de

crescimento do PIB em 2011 caiu para 2,7% e, atualmente, estima-se uma taxa de entre 1% e

1,6% para 2012; a produção industrial tem recuado e as vendas de bens de consumo duráveis

vêm perdendo ímpeto.

Adicionalmente, a entrada de capitais desacelerou e as remessas de lucro aumentaram,

com pressões sobre o câmbio, com o real se desvalorizando e dificultando mais o controle

sobre a inflação. Como reflexo dessa tendência, a autoridade econômica voltou a flexibilizar a

operação da política macroeconômica; para estimular o consumo, reduziu mais ainda a taxa

juros e os impostos - sobre bens de consumo duráveis e os empréstimos de bancos a pessoas

físicas - e, para atrair capitais externos, reduziu a tributação sobre várias modalidades de

investimento. Todas essas medidas não tiveram capacidade de elevar a taxa de crescimento

em 2012; e os seus efeitos, em 2013, dependerão da profundidade da recessão na Europa, bem

como de seu impacto sobre a economia chinesa. Entretanto, qualquer que seja o resultado, não

deve haver alteração no tipo de inserção internacional do país que vem se configurando

(especialização regressiva).

47

Em suma, diferentemente da crise de 1929, que ajudou a sepultar no Brasil o padrão

de desenvolvimento agrário-exportador já em decadência e abrir espaço para o processo de

industrialização do país, a atual crise mundial reforça uma tendência regressiva já presente

anteriormente. Ressalta e estimula mais ainda a importância das commodities agrícolas e

minerais para a redução conjuntural da vulnerabilidade externa da economia brasileira e

dificulta a diversificação e ampliação industrial – particularmente nos setores de alta

intensidade tecnológica. Esse arranjo, com a participação do Estado, entre o capital

financeiro, os grandes grupos exportadores de commodities e o agronegócio tem como

contrapartida, no longo prazo, o crescimento da vulnerabilidade externa estrutural do país,

num processo que realimenta dinamicamente a tendência vigente.

4. Desindustrialização, reprimarização e doença holandesa O conceito de desindustrialização pode ser definido, no seu sentido estrito, como

sendo a tendência persistente de redução da participação do emprego industrial no emprego

total de uma economia (país ou região) – conforme verificado nos países desenvolvidos a

partir da década de 1970 (ROWTHORN E RAMASWANY, 1999). No entanto, Tregenna

(2009) ampliou-o, considerando que esse fenômeno se caracteriza por um processo no qual

tanto o emprego industrial quanto o valor adicionado da indústria perdem participação,

respectivamente, no emprego total e no PIB.

Constata-se, portanto, que por ambas as definições, a desindustrialização se refere a

uma perda de importância relativa do produto e do emprego industrial; o que significa dizer

que ela pode ocorrer mesmo quando se verifica uma expansão da produção industrial -

embora, em certas circunstâncias particulares, possa ocorrer redução absoluta do emprego

e/ou do valor adicionado da indústria (Oreiro, Feijó, 2010).

Duas razões básicas, intrínsecas ao processo de industrialização, são citadas para a

ocorrência do fenômeno - originalmente observado nos países desenvolvidos: 1- tendência de

crescimento mais rápido da produtividade do setor industrial do que a do setor de serviços; 2-

tendência de crescimento mais rápido da elasticidade renda da demanda por serviços, que a

tornaria maior do que a dos produtos manufaturados. O fenômeno, portanto, é próprio do

desenvolvimento capitalista, devendo se manifestar em todas as economias a partir de certo

nível renda per capita alcançado.

Adicionalmente, também são mencionadas outras razões, de natureza externa às

economias. A primeira se relaciona ao modo de inserção internacional de cada país, que

remete ao grau e à natureza de sua integração comercial, produtiva e financeira ao processo de

48

globalização. Há países que se especializam na produção de manufaturados, enquanto outros

se especializam na produção de serviços; entre os primeiros, há os que se especializam na

fabricação de produtos de elevada intensidade tecnológica e com uso de trabalho qualificado

(o que resulta redução relativa dos empregos industriais) e há os que se especializam na

fabricação de produtos de baixa intensidade tecnológica e com uso de trabalho não

qualificado (o que gera um aumento relativo dos empregos industriais) (Oreiro, Feijó, 2010).

A desindustrialização é considerada um fenômeno positivo quando, como é o caso dos

países desenvolvidos, ela vem acompanhada pelo crescimento da participação, na estrutura

produtiva e na pauta de exportações, de produtos com maior conteúdo tecnológico (menos

emprego relativamente) e maior valor adicionado. Isso ocorre porque há uma transferência de

atividades industriais de menor conteúdo tecnológico (mais emprego relativamente) e menor

valor adicionado para outras regiões ou países. Portanto, esse tipo de desindustrialização,

quando ocorre, expressa um processo de fortalecimento da competitividade do país

(OREIRO; FEIJÓ, 2010).

Uma segunda razão adicional, também ligada à inserção internacional do país, pode

levar a um processo de desindustrialização - tanto em economias cujas estruturas industriais já

alcançaram o seu ponto de maturidade, quanto naquelas que ainda têm um longo caminho a

percorrer. Nesse caso, a desindustrialização é motivada pela ocorrência da “doença

holandesa” (BRESSER-PEREIRA; MARCONI, 2008) e se constitui em um fenômeno

negativo para o desenvolvimento do país - pois não decorre do processo “natural” do

desenvolvimento.

Essa “doença” deriva de um processo de sobrevalorização da moeda nacional,

motivado por elevados superávits na conta de transações correntes do balanço de pagamentos,

obtidos através de atividades outras que não a indústria, como por exemplo, as exportações de

recursos naturais abundantes e/ou serviços financeiros e o turismo9. A apreciação do câmbio,

por sua vez, leva à perda de competitividade da indústria; o que resulta em déficits comerciais

crescentes neste setor e na perda de sua importância para a estrutura e dinâmica da economia.

Em suma, a “doença holandesa” leva a economia do país a se especializar na produção e

exportação de produtos de baixo conteúdo tecnológico e reduzido valor agregado – o que à

distancia da fronteira tecnológica em permanente movimento (BRESSER-PEREIRA, 2008b).

Por fim, Palma (2005) menciona outra razão para a existência da “doença holandesa”,

ao identificar como origem da sobrevalorização cambial as reformas e políticas

9 A denominação desse fenômeno se deve, originalmente, a sua identificação no desenvolvimento da economia holandesa, quando da descoberta, nos anos sessenta, de abundantes reservas de gás natural.

49

macroeconômicas neoliberais inspiradas no Consenso de Washington, caso particular dos

países do Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai e Chile). Neste tipo de “doença holandesa”, a

desindustrialização se revela precoce: ela começa em nível de renda per capita mais baixo do

que aquele a partir do qual os países desenvolvidos iniciaram sua trajetória “natural” de

desindustrialização. (PALMA, 2005; BRESSER-PEREIRA, GALA: 2010). Em alguns casos,

ela pode vir acompanhada da reprimarização da economia, implicando em especialização

regressiva – com crescimento da participação no PIB, e na sua pauta de exportações, de

produtos intensivos em recursos naturais e de baixo valor agregado.

- o caso brasileiro A economia brasileira, nos últimos, tem apresentado fortes indícios de que vem

passando por um processo de desindustrialização; essa evidência pode ser observada nos

dados sobre o valor adicionado, o emprego e a balança comercial. O Gráfico 8 mostra,

claramente, desde os anos 1990, uma tendência de queda da participação da indústria de

transformação no PIB; apesar do crescimento absoluto do seu PIB.

Gráfico 8 - Indústria de Transformação: Valor Adicionado/PIB (%)

Fonte: IPEADATA

Nessa queda pode-se distinguir três momentos. No primeiro, que vai de 1994 até 1998,

a queda da participação da indústria é provocada pela abertura comercial e pelo regime de

política macroeconômica (âncora cambial) adotado a partir do contexto do Plano Real –

período de forte reestruturação produtiva, desestruturação de cadeias produtivas, rápido

aumento das importações e baixíssimas taxas de crescimento. No segundo período, de 1999 a

2004, há uma recuperação da participação da indústria, que coincide com a desvalorização do

real e a adoção de um novo regime de política macroeconômica (o tripé); no entanto, essa

participação não retorna ao nível de antes do Plano Real. Por fim, a partir de 2005 a

participação da indústria volta a cair, passando a representar em 2011 apenas 15% do PIB;

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

0

20

40

60

80

100

120

140

% d

o PI

B

Índi

ce D

essa

sona

lizad

o

Média anual do PIB da Indústria de Transformação - Índice dessasonalizado - média de 1995=100Indústria de Transformação - Valor adicionado a preços básicos (% do PIB)

50

período no qual houve forte valorização do real e as taxas de crescimento da economia e das

importações se elevaram.

Os dados sobre o emprego industrial e emprego total da economia também evidenciam

a perda de participação da indústria e, em especial, da indústria de transformação (Gráfico 9).

Nessa caso, a queda só é interrompida em 1994, pelo estímulo ao crescimento propiciado pela

queda da inflação, durante a fase inicial de implementação do Plano Real, e entre 2004 e

2008, quando o PIB volta a apresentar maiores taxas de crescimento.

Gráfico 9

Fonte: BRASIL (2012b)

Adicionalmente, a participação do emprego industrial no emprego total da economia

pode ser observada a partir da comparação dos censos demográficos de 2000 e 2010; que

indica também uma perda de participação do emprego da indústria de transformação – que

passou de 13,3% para 11,8%, apesar de ter tido um crescimento de 16,5% no total de seu

emprego. (Quadro 2).

Quadro 2 Variação e Distribuição das Pessoas Ocupadas Segundo o Setor de Atividade - 2000

e 2010. Seção de atividade do trabalho principal ∆%

2000/2010 Participação (%)

2000 2010 Total 31,6% 100,00 100,00 Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura 1,1% 18,5% 14,2% Indústria extrativa 70,9% 0,4% 0,5% Indústria de transformação 16,5% 13,3% 11,8% Eletricidade e gás -35,2% 0,5% 0,2% Construção 37,9% 7,0% 7,3% Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas 34,5% 16,6% 17,0% Serviços 47,4% 43,8% 49,0% Fonte: IBGE - Censos Demográficos

A participação do saldo da balança comercial no PIB, observada a partir da

discriminação desses saldos por produtos industriais e não industriais e, no interior destes

últimos, de acordo com a intensidade tecnológica dos setores, também sugere dificuldades

29,6 28,423,2 24,0

23,6 21,4 18,1 17,9

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

PARTICIPAÇÃO DA INDÚSTRIA E DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO NO EMPREGO TOTAL

INDÚSTRIA IND TRANSFORMAÇÃO

51

para indústria – em especial para seus segmentos de maior intensidade tecnológica (Gráfico

10). No período 1996-2010, a participação dos saldos dos produtos não industriais no PIB

saiu de -0,1% para 2,4%; enquanto a participação dos saldos dos produtos das indústrias de

alta e média-alta tecnologia, no final desse período, foram, respectivamente, de -1,3% e -1,9%

- totalizando um déficit conjunto de US$ 65,5 bilhões, equivalente à -3,2% do PIB. Esses dois

segmentos industriais apresentaram participações negativas em quase todo o período; a

exceção fica por conta da indústria de média-alta tecnologia no ano 2005.

Gráfico 10 Balança Comercial dos Setores Industriais por Intensidade Tecnológica

% do PIB – 1996/2010

Fonte: BRASIL (2012a)

O saldo comercial das indústrias de baixa e média-baixa tecnologia, juntas,

representou, em 2010, 1,7% do PIB (US$ 34,7 bilhões), mas o saldo da indústria de média-

baixa tecnologia também contribuiu negativamente para formação do PIB, com participação

de -0,2%.

Assim, de todos os segmentos da indústria, o único segmento cujo saldo comercial foi

positivo em 2010 foi o da indústria de baixa tecnologia, com 1,9% de participação no PIB.

Durante todo o período (1996-2010), tendo saldo sempre positivo, foi o segmento que mais

contribuiu para o resultado global; no entanto, desde 2005, a sua participação no PIB vem

caindo.

Alem disso, no interior desse segmento de baixa tecnologia, o saldo comercial do setor

de alimentos, bebidas e tabaco, em 2010, foi responsável por aproximadamente 85% do

superávit obtido, ou seja, com participação de 1,6% no PIB.

A fragilidade externa do setor industrial fica mais explícita quando se observa o

resultado da balança comercial, segundo a ótica da classificação por fator agregado (Gráfico

11). Em 2011, o saldo dos bens manufaturados atingiu um déficit de US$ 92,5 bilhões. Entre

2007, ano inicial de sua trajetória deficitária, e 2011, o déficit cresceu mais de dez vezes. Em

contrapartida, o superávit dos produtos básicos para este último ano (US$ 90,2 bilhões) quase

-3,0%

-2,0%

-1,0%

0,0%

1,0%

2,0%

3,0%

4,0%

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Indústria de alta tecnologia

Indústria de média-alta tecnologia

Indústria de média-baixa tecnologia

Indústria de baixa tecnologia

Produtos Não Industriais

52

compensou o déficit dos manufaturados. Os superávits desses produtos deram saltos

sucessivos a partir de 2005, atingindo em 2011 o quádruplo do valor registrado seis anos

antes. Os saldos dos bens semimanufaturados também cresceram fortemente e mais do que

dobraram entre 2005 e 2011.

Em suma, observa-se que até 2003, os saldos comerciais dos três tipos de produtos

tinham uma relativa proximidade; a partir daí começaram a se descolar, assumindo trajetórias

bastante distintas a partir de 2005 – influenciadas pelo efeito China e pelas maiores taxas de

crescimento da economia.

Gráfico 11 Balança Comercial por Fator Agregado (em US$ bilhões)

Fonte: BRASIL (2012a)

O quadro 3 mostra, para o período 2006-2012, a evolução do saldo comercial da

indústria num nível mais desagregado; por ele podemos constatar as trajetórias distintas dos

segmentos de maior e menor intensidade tecnológica, no período mais recente.

Quadro 3 Saldo Comercial da Indústria – Setores Selecionados (em US$ bilhões)

Fonte: IEDI (2012a) Enquanto os segmentos de maior intensidade tecnológica foram os que mais pioraram

os seus déficits comerciais, os de menor intensidade e menor valor agregado, em sentido

10,113,0 16,8 21,0

23,1 29,841,4 43,2

66,1

90,4

7,3 9,0 10,6 12,8 15,2 16,1 18,2 15,4 21,1 26,6

-5,7 1,6 4,8 8,6 5,1

-9,2

-39,8 -36,5

-71,2-92,5

-100,0

-80,0

-60,0

-40,0

-20,0

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Básicos Semimanufaturados Manufaturados

53

oposto, foram os que mais cresceram os seus superávits. No primeiro grupo se destacam,

negativamente, os segmentos de “produtos químicos”, “refino de petróleo e combustíveis”,

“equipamentos eletrônicos e de telecomunicações”, “máquinas e equipamentos” e “veículos

automotivos”. No segundo grupo, a indústria de alimentos e bebidas e, especialmente, a

indústria extrativa são os que mais se destacam positivamente, (IEDI, 2012). No interior desse

grupo, os segmentos que apresentam déficit são, de uma maneira geral, aqueles de maior valor

adicionado.

Adicionalmente, podem ser observadas duas tendências que pioram o quadro: 1-

Alguns dos setores, que ainda tiveram superávit em 2011, estão numa trajetória de queda

desde meados da década de 2000, como é o caso de “outros equipamentos de transporte” e

“couro e calçados”. 2- Os setores deficitários, por sua vez, apresentam uma tendência para o

crescimento dos déficits.

O Gráfico 12 apresenta a evolução dos preços e das quantidades das exportações

brasileiras a partir de 1990. Por ele, pode-se constatar que os preços e as quantidades crescem

durante quase todo o período, mas principalmente a partir de 2003; esta tendência só foi

interrompida momentaneamente no ano de 2009 em decorrência dos efeitos da crise mundial.

A influência do efeito China sobre a trajetória das exportações brasileiras é evidente,

impactando mais os preços que o quantum das exportações. Em 2008, por exemplo, mesmo

com a queda na quantidade exportada, as receitas em dólares foram superiores às do ano

anterior.

Gráfico 12 – Índices de Preço e Quantum das Exportações Brasileiras (média de 2006=100)

Fonte: BRASIL (2012a)

A desagregação das exportações, segundo o critério de fator agregado, mostra, para o

período 1990-2011, uma tendência de queda da participação dos produtos manufaturados

(Gráfico 13). Depois de crescer de 1990 a 1993, cair durante o Plano Real e voltar a crescer

no ano 2000 atingindo o seu nível de 1993, essa participação se reduz sistematicamente até

2011; primeiro de forma mais lenta e depois, na segunda metade da década, de forma

25,0

40,0

55,0

70,0

85,0

100,0

115,0

130,0

145,0

160,0

175,0

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

Preços Quantum

54

acelerada. Em 1993 ela foi de 60,8%, em 2001 reduziu para 56,5% e em 2011 chegou a

36,1%. Nos últimos anos da série, essa participação dos produtos manufaturados caiu mais de

16 pontos percentuais.

Num grau bem menor, as exportações de produtos semimanufaturados também

perderam participação no valor total das exportações: um pouco mais de 2 pontos percentuais

entre 1990 e 2011.

Gráfico 13 Evolução das Exportações – Participação Percentual no Total Industrial

Fonte: BRASIL (2012a) * De janeiro a agosto

No mesmo período, a participação de produtos básicos apresentou uma trajetória

exatamente oposta; a partir de 2001 e, principalmente de 2007, cresceu sistematicamente. Para

os anos de 1993, 2001 e 2011, essa participação foi de, respectivamente, 24,3%, 26,4% e

47,8%. Nos últimos cinco anos da série o incremento foi de mais de 15 pontos percentuais.

Esses dados apontam, fortemente, para uma transformação qualitativa na estrutura

produtiva e do comércio exterior do país, no sentido do mesmo estar se especializando na

produção e exportação de bens de menor valor agregado e cuja fabricação exige uma menor

intensidade tecnológica. Ou seja, há fortes indícios de que esteja ocorrendo um processo de

desindustrialização precoce (“doença holandesa”), isto é, de natureza negativa; no qual o

efeito China e a valorização do câmbio - em função dos grandes saldos comerciais

propiciados pelas exportações de commodities e o afluxo de capital estrangeiro – são

determinantes fundamentais.

Nesse processo de desindustrialização podem ser identificados dois momentos

cruciais. O primeiro, na década de 1990, quando da abertura comercial e financeira e a adoção

da âncora cambial no Plano Real. E o segundo a partir da segunda metade da década de 2000,

motivado pelo efeito China e pelo retorno da tendência de valorização do real. Portanto,

fatores internos e externos se complementam como determinante do processo: no primeiro

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

20

0420

0520

0620

0720

0820

0920

1020

11*

Básicos

Semimanufaturados

Manufaturados

55

momento, o impulso para desindustrialização foi dado pelos rumos da política econômica

neoliberal (PALMA, 2005); enquanto no segundo, houve uma combinação da política

econômica conduzida pelo governo e a conjuntura internacional, com a China

desempenhando um papel fundamental no comércio internacional de commodities.

“Em suma, podem ser identificadas quatro tendências articuladas entre si, quais sejam:

1- A queda da participação do valor adicionado da indústria de transformação e dos

bens de maior conteúdo tecnológico no PIB, bem como o déficit comercial sistematicamente

crescente dos bens manufaturados – principalmente os de maior intensidade tecnológica -,

corroboram a tese de que o país vem passando por um processo desindustrialização precoce.

2- As informações sobre o emprego, embora menos contundentes para os anos mais

recentes, também apontam para um processo de perda relativa da indústria mesmo após o

retorno de maiores taxas de crescimento do PIB.

3- Conjugados à trajetória declinante da participação do setor industrial, o aumento da

participação dos bens de menor intensidade tecnológica no PIB e o superávit cada vez maior

dos produtos básicos no saldo comercial – bem como o crescimento de sua participação no

total das exportações do país -, reforçam os indícios da presença da doença holandesa.

4- A apreciação cambial se intensifica, exatamente, no momento em que o setor de

bens primários passa a ganhar maior importância relativa, coincidindo com a tendência de

aumento no preço das commodities e diminuição da importância da indústria – o que, mais

uma vez, reitera a presença da doença holandesa.” (FILGUEIRAS ET AL, 2012, p. 148-149).

O momento em que os setores industriais começam a perder importância relativa é

também o momento no qual o setor de bens primários assume maior preponderância. Essa

concomitância, combinada com a apreciação cambial, sugere a presença da doença holandesa;

com o Brasil tendendo a se localizar no grupo de países que busca superávit comercial no

setor de bens primários (Palma, 2005).

A doença holandesa, no caso do Brasil, se relaciona tanto à elevada competitividade

de suas commodities quanto à forte entrada de capitais estrangeiros. Mas, em última instância,

a sua presença se deve à adoção de reformas e políticas neoliberais a partir dos anos 90 e a sua

manutenção flexibilizada no Modelo Liberal Periférico. A abertura comercial acelerada e a

sobrevalorização do real desestruturaram importantes cadeias produtivas da indústria de

transformação e o baixo crescimento econômico desestimulou investimentos.

Mais recentemente, a produção e exportação de commodities, estimuladas por uma

fase ascendente do ciclo econômico internacional, vem atraindo cada vez mais investimentos,

56

nacionais e estrangeiros - reforçando a especialização regressiva da estrutura produtiva

brasileira (Quadro 4).

Quadro 4 - Mapeamento de investimentos - Brasil

Fonte: BNDES (2011)

Esses investimentos estão concentrados no setor de petróleo e gás, que absorveram, no

período de 2006-2009, mais da metade dos investimentos destinados à indústria (53% do

montante total); para o período de 2011-2014, essa participação sobe para mais de 60%. A

indústria extrativa mineral ocupa a segunda posição, atraindo, nos dois períodos,

respectivamente, 15,5% e 10,2% do montante total dos investimentos industriais. Mais uma

vez, os dados sugerem a presença da doença holandesa, através de uma espécie de

transferência de recursos para as atividades intensivas em recursos naturais.

Conclusão O atual padrão de desenvolvimento capitalista brasileiro, aqui denominado de Modelo

Liberal-Periférico, em sua configuração mais recente se diferencia do Modelo de Substituição

de Importações (GONÇALVES, 2011), entre outras razões, pela forma como o Estado se

articula com o processo de acumulação: sua relação com os capitais privados, grupos

econômicos, setores e frações do capital.

No Modelo de Substituição de Importações, claramente, o Estado ocupava um lugar

central na estrutura produtiva, através da produção de insumos básicos fundamentais para o

processo de acumulação em geral: petróleo, petroquímica, siderurgia, energia e comunicações

– bem de acordo com o período de hegemonia do capital industrial. Adicionalmente,

financiava (a longo prazo) o capital privado através do BNDES (bens de capital para

indústria), Banco do Brasil (modernização da agricultura) e CEF (construção civil)

No Modelo Liberal Periférico, o Estado financiou as privatizações no período inicial

deste modelo e, mais recentemente, passou a fazer o papel de capital financeiro (BNDES,

Banco do Brasil, CEF e a Petrobrás), juntamente com os fundos de pensão paraestatais -

57

estimulando e financiando a centralização (concentração) de capitais e a internacionalização

de grandes grupos econômicos nacionais. Esses agentes institucionais do Estado, ou

fortemente articulados a ele, se constituem nos elos de ligação ou conectores das redes de

interesses dos grandes grupos econômicos nacionais (LAZZARINI, 2011). Portanto,

cumprem o papel de capital financeiro e assumem essa função, mais uma vez, no vácuo da

ausência e/ou relativo desinteresse e fragilidade do capital financeiro privado nacional (os

grandes bancos).

Assim como foi fundamental a participação do Estado no processo de industrialização,

também é fundamental a sua presença no processo recente - no sentido de realizar a tarefa de

tornar mais robusto e internacionalizado o capitalismo brasileiro, na era da hegemonia

mundial do capital financeiro.

Esta tarefa já era cobrada pelos “economistas do IE-UNICAMP”; em particular

Conceição Tavares (1972), que identificava, já naquele momento, a incapacidade histórica do

setor financeiro privado nacional em financiar, a longo prazo, o desenvolvimento econômico.

Como consequência, no desenvolvimento do capitalismo brasileiro não se constituiu a fusão

estrutural e orgânica entre o capital bancário nacional e o capital produtivo, como ocorreu na

Alemanha, no Japão e na Coréia do Sul. Daí a proposição do Estado assumir essa função –

considerada peça fundamental para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

Em suma, “o ‘retorno’ do Estado à esfera econômica está recriando, sob novas

circunstâncias e de outra maneira, o tripé capital internacional/Estado/capital nacional, agora

sob a lógica e hegemonia do capital financeiro (internacional e nacional), com o reforço e

internacionalização de grandes grupos econômicos nacionais. Mais uma vez, coerentemente

com a trajetória histórica do capitalismo retardatário brasileiro, o capital privado nacional vai

a reboque do Estado – que se mostra peça fundamental na organização e legitimação do bloco

de poder dominante.” (FILGUEIRAS ET AL, 2010, p. 38)

Enfim, a flexibilização operacional das políticas macroeconômicas (2006/2007),

possibilitada por uma nova conjuntura internacional – que beneficiou fortemente os países da

periferia, propiciando a redução de suas respectivas vulnerabilidades externas conjunturais -,

mudou os regimes de política macroeconômica e de crescimento e provocou uma mudança na

correlação de forças no interior do bloco no poder; mas não alterou o padrão de

desenvolvimento brasileiro, tal como definido neste trabalho (FILGUEIRAS ET AL, 2010).

O modelo continuou apresentando, com nuances, as mesmas características e os

mesmos problemas de sustentabilidade de longo prazo; com destaque para a inserção

58

internacional passiva, que estimula o processo de desindustrialização e aprofunda a

vulnerabilidade externa estrutural.

No plano mais imediato, conjuntural, o Governo Dilma, diferentemente dos Governos

Lula, não vem contando com um cenário econômico internacional favorável; a crise mundial

do capitalismo não dá sinais de arrefecimento. Nos dois últimos anos desse governo, a

tendência à estagnação nos Estados Unidos e na Europa, bem como a desaceleração do

crescimento da China, deverá continuar condicionando, fortemente, a adoção e condução das

políticas econômico-sociais e a dinâmica da economia brasileira.

O crescimento do mercado interno, “puxado” pelo crescimento do emprego e dos

rendimentos dos trabalhadores, bem como pelo endividamento das famílias, parece ter

encontrado o seu limite - dentro das condições e circunstâncias estruturais predominantes no

atual padrão de desenvolvimento. Portanto, a necessidade de mudança do regime de

crescimento “wage-led” para outro regime de crescimento (export-led e/ou investment-led) se

tornará cada vez mais forte. A alternativa, que não está na agenda política do Governo Dilma,

seria a constituição de um novo bloco no poder e a ruptura com o atual padrão de

desenvolvimento.

No entanto, a mudança para um novo regime de crescimento dentro do atual padrão de

desenvolvimento se defrontará com grandes dificuldades. No plano político, com o mesmo

bloco no poder herdado do período anterior e com um desempenho macroeconômico

claudicante, a capacidade do Governo Dilma em arbitrar os distintos interesses das diversas

frações do capital e das classes trabalhadoras já não é a mesma dos Governos Lula. E isto não

se deve apenas às distintas origens políticas dos dois personagens e/ou aos seus distintos

estilos de governar; mas, principalmente, ao fato de que as circunstâncias e condições que

permitiram o exercício de uma espécie de “bonapartismo” por parte de Lula já não estão mais

presentes.

No âmbito externo, a conjuntura econômica internacional não aponta condições

favoráveis para um novo ciclo de crescimento acelerado das exportações, ao mesmo tempo

em que a competição com a China tende a se acirrar, tanto no mercado interno quanto em

outros mercados de destino das exportações brasileiras – inclusive na América do Sul.

Por fim, internamente, ainda considerando os constrangimentos impostos pelo atual

padrão de desenvolvimento, a capacidade de investimento do Estado tem no superávit fiscal

primário um forte limite político; situação agravada pelo baixo crescimento do PIB nos

últimos dois anos. Como consequência, cresceram as dificuldades para o Estado direcionar e

59

alavancar os investimentos privados – que, com a continuação da crise mundial, reduziram o

ímpeto verificado no período Lula.

Nessas circunstâncias adversas, o discurso e as críticas da ortodoxia neoliberal, no

sentido de uma volta à rigidez do tripé macroeconômico e por novas reformas “pró-mercado”,

voltarão com força à arena política, tendendo a polarizar, mais uma vez, as eleições

presidenciais de 2014 entre as várias correntes “desenvolvimentistas” e os “neoliberais”. A

possibilidade de uma ruptura pela esquerda, com o bloco no poder e o padrão de

desenvolvimento capitalista atual, não aparece ainda no horizonte político.

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