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PROGRAMA CIDADES E SOLUÇÕES: ZAPEANDO SOLUÇÕES VERDES E ENSINANDO AS CIDADES A SEREM SUSTENTÁVEIS Dalva Verônica Mendonça Santana 1 PPGEDU - UFRGS Nas contingências do mundo contemporâneo, a expressão “sustentabilidade” vem sendo constituída de maneira contínua e polivalente, ora ao ser associada ao meio ambiente, ora a outros significados diversificados. O objetivo deste estudo direciona-se a ampliar a discussão dos discursos que circulam na mídia sobre sustentabilidade. O objeto de análise que utilizo neste presente artigo é o Programa Cidades e Soluções exibido na TV por assinatura Canal Globo News pertencente às Organizações Globo. Para isso, apresento um recorte de seis episódios do programa: “Pegada Ecológica”, “Educação Ambiental nas escolas”, “Especial Água”, “Energia a partir do esgoto”, “Veículos Elétricos” e “Usina para reciclagem de entulho”. Tomando como inspiração os Estudos Culturais, na sua intersecção com os estudos em Educação, ressalto que as considerações que podem ser feitas sobre tais discursos não se esgotam neste breve ensaio. Pode-se dizer que os Estudos Culturais em Educação constituem-se como uma ressignificação de abordagens assumidas no campo pedagógico, ao enfatizarem questões referentes à cultura, à identidade, ao discurso e às políticas da representação. Observo que, atreladas a objetivos sociais emergentes, uma multiplicidade de pedagogias toma corpo e entra em operação, especialmente nos meados da segunda metade do século XX. O teórico Stuart Hall, em um dos seus papers mais conhecidos, “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”, enfatiza a expansão da cultura e as associações que se fazem a ela, principalmente, a partir da segunda metade do século XX e suas implicações na vida social na constituição dos sujeitos. Diversos espaços e artefatos culturais estão hoje implicados tanto nas formas como as pessoas pensam e agem sobre si mesmas e sobre o mundo que as cerca, como nas escolhas que fazem e nas maneiras como organizam suas vidas. Nas 1 Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.

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PROGRAMA CIDADES E SOLUÇÕES: ZAPEANDO SOLUÇÕES VERDES E

ENSINANDO AS CIDADES A SEREM SUSTENTÁVEIS

Dalva Verônica Mendonça Santana1

PPGEDU - UFRGS

Nas contingências do mundo contemporâneo, a expressão “sustentabilidade”

vem sendo constituída de maneira contínua e polivalente, ora ao ser associada ao meio

ambiente, ora a outros significados diversificados. O objetivo deste estudo direciona-se

a ampliar a discussão dos discursos que circulam na mídia sobre sustentabilidade. O

objeto de análise que utilizo neste presente artigo é o Programa Cidades e Soluções –

exibido na TV por assinatura – Canal Globo News pertencente às Organizações Globo.

Para isso, apresento um recorte de seis episódios do programa: “Pegada Ecológica”,

“Educação Ambiental nas escolas”, “Especial Água”, “Energia a partir do esgoto”,

“Veículos Elétricos” e “Usina para reciclagem de entulho”. Tomando como inspiração

os Estudos Culturais, na sua intersecção com os estudos em Educação, ressalto que as

considerações que podem ser feitas sobre tais discursos não se esgotam neste breve

ensaio. Pode-se dizer que os Estudos Culturais em Educação constituem-se como uma

ressignificação de abordagens assumidas no campo pedagógico, ao enfatizarem

questões referentes à cultura, à identidade, ao discurso e às políticas da representação.

Observo que, atreladas a objetivos sociais emergentes, uma multiplicidade de

pedagogias toma corpo e entra em operação, especialmente nos meados da segunda

metade do século XX. O teórico Stuart Hall, em um dos seus papers mais conhecidos,

“A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”,

enfatiza a expansão da cultura e as associações que se fazem a ela, principalmente, a

partir da segunda metade do século XX e suas implicações na vida social na

constituição dos sujeitos. Diversos espaços e artefatos culturais estão hoje implicados

tanto nas formas como as pessoas pensam e agem sobre si mesmas e sobre o mundo que

as cerca, como nas escolhas que fazem e nas maneiras como organizam suas vidas. Nas

1 Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul – UFRGS.

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complexas sociedades do mundo globalizado, emerge o conceito de pedagogias

culturais que nos mostram que outros espaços operam nos ensinamentos de práticas,

discursos e modos de se fazer na pretensão de “dar conta” da fragmentada e

multifacetada vida social contemporânea. De acordo com o vocabulário de teoria

cultural de Silva (2000, p. 89), “qualquer instituição ou dispositivo cultural que, tal

como a escola, esteja envolvido – em conexão com relações de poder – no processo de

transmissão de atitudes e valores” pode ser entendido como uma pedagogia cultural. É

neste contexto que intenciono mostrar estas práticas pedagógicas de ensinar o meio

ambiente e a sustentabilidade no espaço televisivo e as formatações, estratégias, táticas

que se colocam à disposição pelo programa Cidades e Soluções.

Um conceito que se faz importante trazer neste ensaio é o de Pedagogia da mídia

ao qual podemos nos referir às práticas culturais que vem sendo problematizada para

ressaltar essa dimensão formativa dos artefatos de comunicação e informação na vida

contemporânea, com efeitos na política cultural que ultrapassam e/ou produzem as

barreiras de classes, gênero sexual, modo de vida e tantas outras. (COSTA, SILVEIRA

e SOMMER, 2003). Para Giroux (1995, p. 98) seria o estudo da produção, da recepção

e do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as relações sociais,

os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições do eu. Desse

modo, nos interessa tais reflexões acerca destas pedagogias nestes espaços de saberes,

uma vez que, se propõem a ensinar sobre sustentabilidade, sobre o corpo magro e gordo,

sobre a infância, etc. Numa cultura da imagem dos meios de comunicação de massa, são

as representações que ajudam a constituir a visão do mundo do indivíduo, o senso de

identidade, de sexo, consumando estilos e modo de vida, bem como pensamentos e

ações sociopolíticas. A ideologia é, pois, tanto um processo de representação, figuração,

imagem e retórica quanto um processo de discursos e de ideias. Além disso, é por meio

do estabelecimento de um conjunto de representações que se fixa uma ideologia política

hegemônica (KELLNER, 2001). Já Andrade e Costa (2013) no artigo “Na produtiva

confluência entre educação e Comunicação, as pedagogias culturais contemporâneas”

argumentam sobre as novas e instigantes discussões sobre esta hibridação entre

Educação e Comunicação começaram a ser produzidas, uma vez que os artefatos da

cultura contemporânea provavelmente mais implicados na formação de sujeitos são

midiáticos, como textos televisivos, jornalísticos, radiofônicos, publicitários,

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fotográficos, fílmicos, assim como aqueles das assim chamadas novas mídias,

conectados a world web wide. Importa-nos neste ensaio fazer-se ver os modos que

operam estas pedagogias nos episódios selecionados do programa Cidades e Soluções e

os seus ensinamentos implicados nas soluções verdes para um mundo melhor.

Uma breve incursão pelos programas de televisão: quem está falando de

sustentabilidade?

No sentido de mostrar a frequência que têm sido dedicadas à temática, nos

espaços televisivos, aponto que há muitos programas de televisão que focalizam a

temática meio ambiente e sustentabilidade. Teço, comentários sobre cinco programas

em função de serem esses os que alcançaram maior repercussão e sucesso. Início, pelo

programa Latino Americano Senha Verde ou Contraseña Verde, produzido em parceria

com cinco países (Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia e Venezuela), que fez sua

estreia na TV Brasil em junho de 2012. Esse programa, segundo informações obtidas

pela TV Señalcolombia2, teve uma primeira temporada de muito sucesso, o que garantiu

a proposição de uma segunda temporada. O programa, que tem quinze minutos de

duração apresenta três episódios em que crianças de 08 a 12 anos protagonizam ações

ambientais em locais onde vivem e estudam. Os episódios são no idioma de cada país e

as crianças seriam aquelas que teriam “eco-histórias” a contarem relativamente à

sustentabilidade e cuidados com o meio ambiente. Outro programa é o Globo Ecologia3,

tido como consolidado na programação na Rede Globo e no Canal Futura4, no qual são

igualmente apresentadas temáticas relacionadas ao meio ambiente, preservação e

sustentabilidade. Entre os parceiros que atuam na produção deste programa estão a

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o Programa das Nações

Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o projeto de proteção das tartarugas marinhas

2 Mensagem eletrônica recebida em 20 de março de 2013: “La serie ha sido muy exitosa en todos los

paises en donde se ha presentado. Tan buena ha sido la experiencia que ya se está produciendo una

segunda temporada”.

3 Informações retiradas do site do Programa Globo Ecologia: http://redeglobo.globo.com/globoecologia/,

acesso em 10. Jun. 2013.

4 O canal Futura foi criado em 1997, como um projeto da Fundação Roberto Marinho em parceria com A

Rede Globo, a partir do qual a Fundação mantém projetos nas áreas de educação, meio ambiente,

patrimônio e televisão. Site: http://www.frm.org.br/

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(projeto TAMAR), entre outros. Um terceiro programa, o Repórter Eco5, e apresentado

na TV estatal TV Cultura, consistindo esse na apresentação de pesquisas realizadas em

universidade e outros Centros de pesquisa sobre desenvolvimento sustentável e

conservação dos biomas brasileiros. Está anunciada entre seus propósitos a proteção da

rica diversidade biológica e cultural do país, bem como a divulgação de projetos

voltados á manutenção dos recursos hídricos, estudos sobre o controle da poluição do

ar, solo, terra e água, da ecologia urbana, de fontes de energia alternativas e renováveis,

focalizados a partir de campos como a astronomia, a antropologia, a arqueologia, a

arquitetura ecológica, redução, reuso e reciclagem de resíduos sólidos, comércio justo,

patrimônio histórico, cultural e arquitetônico, e ecoturismo. Já o programa Um pé de

quê?, exibido pelo canal Futura, conta a história das árvores brasileiras. De acordo com

depoimentos da equipe6 do programa, o maior desafio por eles enfrentado foi convencer

parceiros e patrocinadores a colocar o programa no ar transformar esse sonho em

realidade, dificuldade que se associou, também, a complexidade de trabalhar conteúdos

da Botânica como entretenimento de massa. O programa é apresentado pela atriz e

comediante Regina Casé e contabiliza dez anos no ar, com mais de 100 árvores

retratadas no programa, espécies de todos os biomas. No Canal da Globosat, do grupo

Rede Globo, podemos encontrar o programa Arquitetura Verde que trata do universo da

arquitetura conectada a ecologia, ao paisagismo, ao design e a sustentabilidade. As

temáticas variam entre cultura sustentável, manufatura reversa, parede verde,

reaproveitamento, etc.

Vale ressaltar que, os programas selecionados, surgiram nestes espaços

televisivos a partir da Conferência Rio/927, que discutiu a forma como a humanidade

encara sua relação com o planeta. Desta Conferência resultou, por exemplo, o

5 O programa Repórter Eco foi criado em fevereiro de 1992 como o primeiro telejornal da televisão

brasileira especializado em meio ambiente. O objetivo era antecipar e aprofundar os assuntos que seriam

abordados na Rio-92. http://tvcultura.cmais.com.br/reportereco/sobre-o-programa/o-programa , acesso em

14.mar.2015.

6 São informações pesquisadas no site do programa:

http://www.umpedeque.com.br/bkp/site_umpedeque/umpedeque.php, acesso em 01.mar.2015.

7 Esta reunião — que ficou conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra. Acesso em 30.03.2015:

http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/rio20/a-rio20/conferencia-rio-92-sobre-o-meio-

ambiente-do-planeta-desenvolvimento-sustentavel-dos-paises.aspx

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documento chamado de Agenda 21, um programa de ações que tem por objetivo

viabilizar um novo padrão de desenvolvimento ambientalmente racional e a conciliar

métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Neste zapping

pelos programas televisivos que focalizam discussões sobre meio ambiente e

sustentabilidade, pode-se evidenciar, novamente, o quanto esta temática circula nos

meios de comunicação, bem como o quanto são chamadas figuras e personalidades

bastante conhecidas no jornalismo, ou no meio artístico para conduzi-los.

Nos bastidores do Programa Cidades e Soluções

Antes de adentrarmos ao programa Cidades e Soluções, acredito que seja

relevante, contextualizar, de forma breve, o canal de TV por assinatura – Globo News.

No ano de 1991, as Organizações Globo fazem o lançamento do canal Globosat, a

televisão por assinatura, que inicialmente contou com quatro canais: GNT, Top Sport,

Multishow e Telecine. Em 1996, foi criado a Globo News, o primeiro canal de

jornalismo da TV brasileira, vinte e quatro horas no ar e, em pouco tempo, tornou-se

referência entre os formadores de opinião. O canal é inteiramente produzido pela área

de jornalismo da Rede Globo. O canal é composto por várias atrações da grade de

programação nos primeiros anos, como os telejornais Em Cima da Hora e Jornal das

Dez, e os programas Espaço Aberto, N de Notícia, Conta Corrente, Milênio, Arquivo N,

Sem Fronteiras, Via Brasil, Almanaque, Entre Aspas, Agenda, Cidades e Soluções,

Painel, Starte, Pelo Mundo.

Em 2004, a partir de dois especiais, num domingo inserido em outro programa

da grade, na temática nas discussões sustentáveis urbanas que surge a ideia do Programa

Cidades e Soluções. Segundo André Trigueiro8, apresentador da revista semanal, isso

aconteceu quando houve a oportunidade de colocar cinco novos programas na grade do

canal Globo News e, como a experiências dos especiais tinham dado certo, a ideia foi

aprovada. O programa é exibido nas segundas-feiras no horário das 23h30min, com

horários alternativos aos sábados às 05h30min, domingos às 21h30min, e segundas-

feiras às 03h05min, às 08h30min e 16h30min e nas quintas-feiras às 12h30min. Saliento

que este programa também pode ser visto no Canal Futura nas sextas-feiras às

8 Entrevista com André Trigueiro (Apresentador e Editor Chefe do Programa Cidades e Soluções) por

telefone em 26.12.2013.

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20h30min e nos domingos às 14h30min. Quem sintoniza a TV Globo pelas antenas

parabólicas pode assistir ao programa no começo da manhã das segundas-feiras, antes

do telejornal Bom Dia Brasil, em um horário reservado aos jornais locais das afiliadas

da emissora carioca. Já o público que mora no exterior pode acompanhá-lo pela TV

Globo Internacional.

O programa é composto de dois blocos e o tempo no ar é de 23,5 minutos

semanais – formato para TV a cabo. Segundo seu idealizador, André Trigueiro, os

programas de uma hora na TV a cabo, por exemplo, são sem intervalos, são diretos,

diferente para a TV aberta. Quando precisa desdobrar a temática poderá abordar em dois

programas (o que raramente acontece) e a outra opção recorrente é desdobrar na íntegra

no site e blog o excedente do conteúdo que não pode ser visto no programa na TV. O

primeiro programa, que foi ao ar em 15 de outubro de 2006, teve como tema a utilização

de coletores solares como alternativa para aquecer a água do banho sem a utilização de

energia elétrica. De acordo com as informações no blog, já foram exibidos 343

programas mostrando soluções inteligentes e sustentáveis que teriam mudado para

melhor a vida das pessoas no Brasil e no mundo.

Os ensinamentos verdes que circulam no programa Cidades e Soluções

Invoco as teorizações das pedagogias culturais para mostrarmos a produtividade

do recorte que selecionei para esta análise. Organizo os episódios a serem mostrados

nesta sequencia: “Pegada Ecológica”, “Educação Ambiental nas escolas”, “Especial

Água”, “Energia a partir do esgoto”, “Veículos Elétricos” e “Usina para reciclagem de

entulho”. Entendo que estes episódios seriam espaços de convocação a sermos sujeitos

mais sustentáveis, a termos preocupações ecológicas e o que o nosso estilo de vida

influencia nas metas de salvar o planeta. Ancorada nos textos de Camozzato e Costa

(2013) há hoje uma proliferação e pluralização das pedagogias, expressão de um

refinamento das artes de governar, regular e conduzir sujeitos. Subsidiada, nas

teorizações dos Estudos Culturais, chamarei de “pedagogias da sustentabilidade”, as

formas e os modos que se ensinam/conduzem a sustentabilidade nos espaços do

programa Cidades e Soluções fazendo cruzamento com outras pedagogias (do corpo, da

infância, da mulher, etc...).

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Você sabe qual é a sua pegada ecológica? Esta foi à pergunta que “deu

abertura” ao episódio “pegada ecológica e consumo consciente” exibido em 17 de abril

de 2013. O programa inicia com a entrevista do apresentador André Trigueiro com

Irineo Tamaio – Coordenador de Educação do WWF Brasil – que tem como primeira

pergunta à pegada ecológica. Irineo mostra o sistema de calcular a pegada ecológica e

ao longo da entrevista é apresentado ao telespectador vário externas de imagens em

postos de gasolina, de coleta seletiva, de grandes lixões a céu aberto e simultaneamente

o apresentador aproveita para fazer o cálculo da sua pegada ecológica. O episódio é

reverberado pelo texto de linguagem fácil e imagens de pessoas tidas como “comuns”

em lugares que todos nós poderíamos estar: abastecendo o carro num posto de gasolina,

comprando um eletrodoméstico, separando o lixo, comprando uma roupa numa loja, etc.

Didaticamente, parece um plano de aula: qual o conteúdo que irá ser ensinado, a forma

como ele será ensinado, por quem serão chancelados, recursos visuais para fixar

conteúdos e a rápida revisão que estará disponível para mais discussões no blog do

programa. Guimarães e Sampaio (2014) quando argumentam sobre a Educação

Ambiental nas pedagogias do presente, mostram o quanto as ações aos ensinamentos

acerca do meio ambiente têm o propósito de produzir sujeitos conscientes do seu papel

na construção de sociedade sustentáveis. Neste sentido não há espaço para ser um

“telespectador falho”, fazendo um cruzamento ao que Bauman (2008) sinaliza que “não

seria permitido ser um consumidor falho na contemporaneidade”. Tais ensinamentos e

lições põem em estado de alerta o telespectador sobre si mesmo e sobre outros. Trago

um recorte do blog do programa que mostra a continuidade das discussões, em outro

espaço, com direito a lições de casa:

CIDADES E SOLUÇÕES: Quer saber qual a sua pegada ecológica?

Qua, 17/04/13

Por: Klara Ducini

Todos nós deixamos rastros, que marcam a nossa passagem pelo planeta. Agora imagine um jeito de

calcular os impactos causados por todas essas pegadas! [...] O Cidades e Soluções mostrou como é feito

o teste. Quer saber qual a sua pegada ecológica? Acesse o link e selecione o país onde você está:

http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/page/calculators/

Fonte: Excerto retirado do blog do programa Cidades e Soluções

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Neste espaço, no blog do programa a continuidade do que foi apresentado no

programa. Faz um resumo do conteúdo e deixa ali o exercício de fixação para ser

realizado: acesse e calcule os rastros que você deixa no planeta. No link disponível é

possível fazer a tarefa em inglês ou português... São perguntas sobre hábitos

alimentares, consumos e comportamento.

O episódio Educação Ambiental nas escolas, exibido em 16 de março de 2008, o

programa teve como mote mostrar se as escolas estão preocupadas com o meio

ambiente e sustentabilidade. Para isso, o apresentador André Trigueiro entrevista um

especialista em educação ambiental e visita uma escola para conversar com alunos e

professores. Apresento a discussão para além do programa, disponibilizada no blog do

programa:

A escola do seu filho se preocupa com o meio ambiente? Ensina como praticar a sustentabilidade?

No Cidades e Soluções, você vai conhecer algumas experiências bem sucedidas de escolas públicas e

particulares nessa direção. No Rio de Janeiro, algumas escolas promovem a educação ambiental desde o

início do ensino fundamental. Em Porto Alegre, as escolas públicas da rede municipal organizam

mutirões reunindo professores, funcionários, pais e alunos para promover a conscientização ambiental.

Links:

- No site da Escola Alemã Corcovado, no Rio de Janeiro, você encontra mais informações sobre os

projetos de Educação Ambiental envolvendo os alunos de todas as idades.

- Clique aqui para conhecer as iniciativas do Centro Educacional Miraflores, no Rio de Janeiro, para

promover a conscientização ambiental junto aos alunos.

- Saiba mais sobre o programa de Educação Ambiental da Prefeitura de Porto Alegre.

Fonte: Excerto retirado do blog do programa Cidades e Soluções

Neste recorte, o convite para acessar os sites indicados na reportagem e saber

mais sobre o assunto e podermos agir sobre nós e sobre os outros, modulando nossas

ações e replicando essas modulações capturas nesses ensinamentos nos outros. Assim,

somos continuamente convidados e convocados a nos tornarmos sujeitos sustentáveis, a

nos “esverdearmos”, tornando-nos responsáveis por nossos atos de consumo, na mais

simples escolhas que fazemos no nosso cotidiano. (GUIMARÃES e SAMPAIO, 2014).

Inclusive, responsáveis pela escolha da escola dos filhos e se a mesma está preocupada

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em salvar o planeta. É preciso garantir que estes ensinamentos sejam reverberados pela

próxima geração.

O episódio Especial Água, o programa Cidades e Soluções faz um histórico

entre 2003 e 2015 sobre a temática e inicia a apresentação em carácter de denúncia

sinalizando que a Globo News, vem a algum tempo denunciando os problemas da água

no Brasil. O tom alarmista, empregado na reportagem, mostra o carácter de urgência,

dito por André Trigueiro. Neste episódio se valem de imagens externas que passam por

desperdício de água em vários setores da economia, esgotos, problemas distribuição, de

comportamento dos usuários, etc. Para criar um significado da importância da água, o

apresentador sinaliza através de dados estatísticos, que o Brasil é o maior exportador de

água virtual do planeta, explicando que os produtos exportados têm na produção o uso

da água: o exemplo a cada quilo de frango é necessários 2000 litros de água. Para

reverberar tais informações, entrevista Jerson Kelman – Diretor Presidente da ANA –

Agência Nacional de águas – em que explica a real importância do nosso complexo de

recursos hídricos do país. Além disso, apresenta o “mapa da vergonha”, mostrando que

os pontos pretos, desta “vergonha”, em sua maioria da região litorânea (sul, sudestes e

nordeste) são problemas de saneamento básico.

É possível produzir energia a partir do esgoto é a chamada do episódio em que a

repórter Izabelle Ferrari relata o que viu no oeste paranaense ao produzir a matéria para

o programa Cidades e Soluções. Além disso, o programa se propõe a mostrar o esgoto

doméstico que pode ser transformado em biogás ou adubo orgânico. Transcrevo a

seguir, um trecho da solução dada para problema na propriedade de José Carlos

Colombari:

Em São Miguel do Iguaçu, no oeste do Paraná, as coisas são diferentes. O esterco produzido por três mil

porcos não fica exposto. Tudo é canalizado e segue direto pra um depósito “moderno” e, o mais

importante: coberto. É o biodigestor. Incômodo controlado e reaproveitamento inteligente. Difícil

imaginar que, bem longe das cidades, alguém tivesse a ideia de usar dejetos para resolver um outro

problema: suprir a falta de energia elétrica da propriedade. É isso que seu Colombari faz! Ele tem uma

fábrica de ração, poço artesiano, casa, barracão… Precisaria investir mais na rede elétrica para receber

energia suficiente e abastecer toda essa infraestrutura. . Com a produção mensal dá pra abastecer 60 casas

populares. Nunca mais faltou energia na propriedade de seu Colombari. Além disso, os dejetos digeridos

por bactérias têm uma carga poluidora 80% menor e servem de adubo para as pastagens. E as novidades

tornaram o criador de porcos, homem empreendedor: ele é o único do Brasil que, além de gerar energia,

fornece o que sobra para rede da companhia elétrica do estado onde mora. Inovação que, logo, logo, vai

render dinheiro.

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Fonte: Excerto retirado do blog do programa Cidades e Soluções

A reportagem “rendeu” inúmeros posts no blog do programa: “vi o programa

Cidades e Soluções sobre o gás metano, produzido dos dejetos suínos. Tenho criação de

suínos e também produzo energia para a propriedade com o gás. Gostaria de trocar

informações sobre ao assunto. Abraços. Jairo Cesca” (17.11.2008); “Desejo saber

contato para saber maiores detalhes do sistema (gerador – painel de controle, etc).

Humberto” (21.03.2009). Os desdobramentos destas lições continuam no blog do

programa após o encerramento do episódio na televisão. É neste emaranhado que o

sujeito é convocado a mudar os hábitos/estilos de vida, além de ser sensível aos apelos

ligados à promoção da sustentabilidade, pois ser “verde”, hoje, é estar ligado ao seu

tempo. (GUIMARÃES e SAMPAIO, 2012). Estes agenciamentos promovem o estado

de alerta ao consumo por informações, novas formas de aprender lições, novos modelos

de gestão ambiental, novas soluções para velhos problemas, etc.

O episódio Carros elétricos: rápidos lá fora, devagar aqui, apresenta soluções

além das nossas fronteiras. O repórter Roberto Kovalic, correspondente internacional da

Rede Globo mostra a situação dos carros elétricos no Japão e o apresentador André

Trigueiro faz o contraponto com a realidade brasileira sobre o assunto.

27.07.2011

Carros elétricos: rápidos lá fora, devagar por aqui. Saiba por que

2013: frota de carro elétrico se expande no mundo. Enquanto isso no Brasil, a energia solar ganha

espaço.

O Cidades e Soluções desta semana faz um raio-x completo sobre a situação dos carros elétricos no Brasil

e no mundo. Enquanto lá fora a frota se expande rapidamente, por aqui não há uma linha de montagem, e

quem decide adquirir um modelo paga caro por isso. Este ano, táxis elétricos começaram a circular pelas

ruas da maior cidade do Brasil, resultado da parceria de uma montadora com a prefeitura de São Paulo.

Quais seriam os impactos de uma frota de carros elétricos sobre a distribuição de energia no Brasil? O

programa desta semana também contará com a participação do correspondente Roberto Kovalic falando

sobre o mercado dos carros elétricos no Japão.

Fonte: Excerto retirado do blog do programa Cidades e Soluções

Vale ressaltar os desdobramentos feitos pelo programa em mostrar e construir

esta pauta: locações feitas no Japão, às imagens dos carros, vídeos disponíveis no blog,

entrevistas. Mais do que a produção de um sujeito “verde” está à sinalização de um

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mercado aberto aos apelos/soluções verdes, que reinventa constantemente modos

lucrativos de conquistar a sustentabilidade e, se possível, torná-la exemplar para ser

replicada.

O último episódio Usina para reciclagem de entulho é dividido em dois blocos:

na cidade de Belo Horizonte/MG e depois segue a cidade de São José do Rio Preto/SP.

Na primeira cidade o foco se estabelece no aproveitamento do entulho para

terraplenagem em áreas de comunidade carente e como material alternativo na

fabricação de materiais de uso da Prefeitura. No segundo bloco do programa, a

reportagem mostra uma usina de reciclagem e os produtos que ali são fabricados a partir

deste entulho da construção civil. São apresentados os processos deste reaproveitamento

do entulho para fabricar quinze itens que serão utilizados na construção e obras da

Prefeitura. O responsável da usina apresenta todos os itens e destaca um para

exemplificar a economia que se pode ter ao investir numa usina: uma boca de lobo

normal custaria na ordem de R$ 249,00 enquanto a reciclada feita pela usina custa R$

45,90. Vale dizer que estas boas práticas sustentáveis apresentam resultados

econômicos e que poderiam ser replicados a qualquer município. Algumas estratégias

foram impulsionadas no sentido de se fazer ver este exemplo, tido como de sucesso: as

entrevistas com especialistas, engenheiros, pessoas da comunidade que receberam estes

“benefícios”, carroceiros, caçambeiros, representantes do SINDUSCOM – Sindicato da

Indústria e Comércio, empresários do ramo, Secretário do Meio ambiente de São José

do Rio Preto e Secretária do Meio Ambiente de Goiatuba/GO que é entrevistada quando

visita o local para ver possibilidades de replicar no seu município.

De todos os episódios analisados, este, de modo especial é o que mais

quantifica/mensura financeiramente a sustentabilidade. Todos os artefatos produzidos

pela usina são precificados e mostrados como exemplo de ação que deu certo. Dinheiro

parece jorrar dos entulhos!

Apontamentos Finais

Viver a sustentabilidade, por outro lado, pode ser visto como um desafio que nos

põe em estado de alerta, pois os significados atribuídos aos modos de ser sustentável e

às práticas mercadológicas, que dizem ser “verdes”, apostam no desejo do consumidor

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de adquirir um produto ecologicamente “correto”, ao mesmo tempo em que se

configuram como produtores que prezam as “boas práticas ambientais”.

Nos episódios selecionados mostramos como podemos convocar sujeitos a se

“jogar” nestas boas práticas sustentáveis e ainda ficaram disponíveis às mudanças de

hábitos/estilos de vida em prol da sustentabilidade. Vale ressaltar as conexões entre a

sustentabilidade e economia que perpassam os conteúdos destas pautas.

Desenvolvimento econômico e sustentabilidade andam por caminhos opostos e somos

interpelados no cotidiano por um discurso que mostra ser possível poluir e ainda ser

sustentável de forma lucrativa.

Referências

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