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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
ENTRE EXPERIÊNCIAS & VIVÊNCIAS MUSICAIS
ADRIANE LEANDRA BÜNDCHEN PIRES
Joaçaba
2005
UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA
ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
ENTRE EXPERIÊNCIAS & VIVÊNCIAS MUSICAIS
ADRIANE LEANDRA BÜNDCHEN PIRES Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade do
Oeste de Santa Catarina – Unoesc Campus
de Joaçaba, para obtenção do grau de Mestre
em Educação, sob orientação da profª. Drª.
Graciela Ormezzano.
Joaçaba
2005
ADRIANE LEANDRA BÜNDCHEN PIRES
PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
ENTRE EXPERIÊNCIAS & VIVÊNCIAS MUSICAIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade do
Oeste de Santa Catarina – Unoesc Campus
de Joaçaba, para obtenção do grau de
Mestre em Educação, sob orientação da
profª. Drª. Graciela Ormezzano.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________ DRA. GRACIELA ORMEZZANO – Orientadora
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
_______________________________________________ DRA. ANEMARI ROESLER VIEIRA LOPES– Examinadora
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
___________________________________________ DRA. MARIA CECÍLIA TORRES – Examinadora
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Dedico esta pesquisa a Deus por estar presente em todos os momentos de minha
vida, nos felizes, nos tristes, nos fáceis e nos difíceis.
Ao meu marido Ezequiel, por estar sempre disposto a incentivar e me auxiliar na
difícil tarefa de conciliar mestrado com lar e trabalho.
A meus filhos Ezequiel Júnior e Carolina Fernanda, por entenderem minha
sobrecarga de tarefas e, mesmo assim, pedirem minha atenção toda hora. São
presentes que recebemos de Deus e fonte de alegria constantes.
AGRADECIMENTOS
Não tenho palavras pra agradecer Tua bondade, dia após dia me cercas com fidelidade. Nunca me deixes esquecer que tudo o que tenho, tudo o que sou, e o que vier a ser vem de Ti Senhor.
(Ana Paula Valadão Bessa).
A Deus, razão da minha existência.
A meus pais, Fermino e Célia, por me mostrarem um caminho musical a ser trilhado.
A meu marido Ezequiel e meus filhos Ezequiel Júnior e Carolina Fernanda, por
entenderem minha ausência durante todo o processo de composição deste trabalho.
À Professora Doutora Graciela Ormezzano, por seu incentivo e prontidão para
auxiliar sempre que requisitada.
À Professora Doutora Maria Cecília Torres, que mesmo sem me conhecer, enviou-
me materiais para que pudesse ter mais subsídios para a pesquisa.
A todos os professores da primeira turma do curso de mestrado em Educação, pela
dedicação e empenho e por acreditarem na educação como agente de
transformação do homem.
Senhor, Tu me sondas e me conheces Sabes quando me assento e quando me levanto;
De longe penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar
E conheces os meus caminhos. Ainda a palavra não me chegou à língua,
E Tu Senhor já a conheces toda. Tu me cercas por trás e por diante
E sobre mim pões a mão Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim:
É sobremodo elevado, não o posso atingir. Como me ausentarei do Teu Espírito?
Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás;
Se faço a minha cama no mais profundo abismo, Lá estás também;
Se tomo as asas da alvorada E me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a Tua mão,
E aTua destra me susterá. Se eu digo: as trevas com efeito, me encobrirão,
e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras:
as trevas e a luz são a mesma cousa. Pois Tu formaste o meu interior
Tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste;as tuas obras são
admiráveis, E a minha alma o sabe muito bem...
Sonda-me o Deus, E conhece o meu coração, prova-me
E conhece os meus pensamentos; Vê se há em mim algum caminho mau
E guia-me pelo caminho eterno.
Salmo 139. Bíblia
RESUMO A educação infantil tem na música uma grande aliada, pois esta faz parte do seu cotidiano. Pela ânsia de procurar compreender as experiências e vivências musicais que as professoras da educação infantil, no município de Joaçaba tiveram, a intenção deste trabalho foi realizar uma composição, numa apologia à música, pois este é o tema das experiências vivenciadas pelas pesquisadas, com o objetivo de contribuir para a compreensão da vivência musical das professoras da educação infantil no decorrer de seu ciclo vital, envolvendo as áreas pessoal e profissional. A metodologia escolhida foi a fenomenologia, dividida em quatro movimentos, como numa sinfonia, denominados: allegro, que trata do embasamento teórico; adágio, posto em prática com uma oficina de música, tendo como participantes, professoras da rede municipal, privada e da estadual de ensino, em que compareceram trinta e oito professores; scherzo, que foi a realização de entrevistas abertas com nove professoras das três redes de ensino, que, quando da oficina, propuseram-se a colaborar; e, por fim, o quarto movimento, Presto Finale ou obra-prima, relato das essências encontradas nas entrevistas: música na infância; mídia, cotidiano escolar e musicalização; e importância da música na vida. O relato das essências demonstrou que todas as entrevistadas possuem vivências musicais, algumas tinham consciência deste fato, outras não, e estas vieram a ter durante o processo. Mas, o que pôde ser observado foi o desejo de uma capacitação adequada, para que as profissionais possam trabalhar a música com seus alunos. Por isso, foi apresentada a proposta de inclusão da música na cadeira de Teoria e Metodologia do Ensino de Artes, além da uma possibilidade de cursos de capacitação para professores já formados. Palavras-chave: Música, Educação Infantil, Professor.
ABSTRACT Music is a great allied in infant education, since it is part of children’s daily life. Motivated by a desire to comprehend the experiences of infant education teachers from Joaçaba, I intended to make a composition with their experiences and music, since this is the researched subject. This paper aims to contribute to comprehending the infant education teachers’ musical experience during their vital cycle, involving both the personal and professional areas. The chosen methodology was the phenomenology, divided into four movements, like a symphony; so called: allegro, which dealt with the theory, adagio, which was the first practical part, consisting of a music workshop involving thirty-eight teachers from both private and public schools; scherzo, that consisted on an open interview with nine of the teachers from three schools that took part of the music workshop and were dealing to contribute; and finally Presto Finale or masterpiece, which was the descriptions of the essences that was mentioned in the interviews: music during childhood, media, daily school life related to music and the importance of music in life. The report of these essences, showed that every interviewed teacher has musical experiences and that some are aware of this fact, whereas others are not; and the latter became conscious of this during the process. However, what we could actually observe was the desire of a proper qualification, so that the professionals can include the music in their classes. Based on that, we proposed to include music in Theory and Methodology of Art school subject, besides offering qualification courses to graduated teachers. Key-words: Music, Infant Education, Teacher.
LISTA DE FOTOGRAFIAS Fotografia 1 – Apresentação do grupo 1 ...................................................................51 Fotografia 2 – Apresentação do grupo 2 ...........................................................................52 Fotografia 3 – Apresentação do grupo 3 ...........................................................................54 Fotografia 4 – Apresentação do grupo 4 ...........................................................................55 Fotografia 5 – Apresentação do grupo 5 ...........................................................................56 Fotografia 6 – Apresentação do grupo 6 ...........................................................................57
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Relato de comportamento do menino Bória.............................................46
Quadro 2 – Sons definidos pelo grupo 1 .......................................................................51
Quadro 3 – Sons definidos pelo grupo 2 .......................................................................52
Quadro 4 – Sons definidos pelo grupo 3 .......................................................................53
Quadro 5 – Sons definidos pelo grupo 4 .......................................................................54
Quadro 6 – Sons definidos pelo grupo 5 .......................................................................55
Quadro 7 – Sons definidos pelo grupo 6 .......................................................................57
SUMÁRIO
PRELÚDIO ................................................................................................................13
CAPÍTULO I ..............................................................................................................21
1 ALLEGRO: SUBSÍDIOS TEÓRICOS ....................................................................21
1.1 EDUCAÇÃO INFANTIL .......................................................................................21
1.1.1 Educação no Brasil ........................................................................................27
1.2 AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS ......................................................................29
1.3 INTELIGÊNCIA MUSICAL...................................................................................30
CAPÍTULO II .............................................................................................................36
2 OS MOVIMENTOS DA SINFONIA ........................................................................36
2.1 ALLEGRO ...........................................................................................................41
2.2 ADÁGIO: RELATO DA OFICINA.........................................................................42
2.3 SCHERZO...........................................................................................................61
2.4 PRESTO FINALE: A OBRA-PRIMA ....................................................................62
CAPÍTULO III ............................................................................................................64
3 A OBRA-PRIMA – ESSÊNCIAS FENOMENOLÓGICAS DA PESQUIS A ............64
3.1 MÚSICA NA INFÂNCIA.......................................................................................67
3.1.1 Relatos de sons da Infância ..........................................................................67
3.1.2 Referência aos gostos da família ..................................................................70
3.1.3 Lembrança das músicas infantis da escola .................................................73
3.2 MÍDIA, COTIDIANO ESCOLAR E MUSICALIZAÇÃO.........................................79
3.2.1 Referência à mídia ..........................................................................................80
3.2.2 Temas trabalhados na escola e aspectos profissionai s .............................86
3.2.3 Conhecimento musical das participantes ....................................................95
3.3 IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NA VIDA ...............................................................99
3.3.1 Desejo de tocar um Instrumento .................................................................100
3.3.2 Música para relaxar ......................................................................................102
3.3.3 Significações pessoais ................................................................................104
POSLÚDIO..............................................................................................................108
REFERÊNCIAS .......................................................................................................112
APÊNDICES ...........................................................................................................117
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PRELÚDIO
A música faz parte da vida das pessoas. O próprio pulsar do coração
pode ser comparado com um instrumento rítmico que bate compassadamente. A
música, embora não em todos os estilos, está à disposição das pessoas,
principalmente através da mídia, não considerando aqui a questão da qualidade das
músicas expostas.
A infância e a música sempre estiveram ligadas, como relata Nogueira,
[...] as crianças,historicamente sempre se aproximaram da música. Da canção de ninar e do chocalho ao primeiro CD pedido de presente, a vida da criança, em diferentes contextos sociais, é marcada pela convivência com esta linguagem artística, talvez a mais presente delas. (2000, p.2).
Durante minha vida, desde a infância, sempre tive oportunidades e
contato com a música e com instrumentos musicais. Cantava e experimentava
instrumentos, que mais tarde, passaria a tocar. Desde que nasci, tive o privilégio de
ouvir músicas cantadas por meus pais, tocadas em discos e fitas-cassete.
Como meu pai é pastor, desde pequena, eu sempre participava dos cultos
e o ouvia cantar. Aquela voz forte e firme que levava toda igreja a cantar junto, algumas
vezes até mesmo sem nenhum instrumento musical, me encantava e me deixava
fascinada. Ele e minha mãe também cantavam sempre para eu e meu irmão dormirmos;
muitas vezes pedíamos a mesma música por vários dias, e eles nos atendiam.
Quando eu estava na educação infantil, por volta dos quatro anos de
idade, fui matriculada no período matutino, minha mãe me acordava cantando uma
música da qual eu lembro um trecho: “Acorda Maria bonita, levanta vai fazer o café,
que o dia já está raiando e a polícia já está de pé.” Essa música marcou essa fase
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de minha vida, talvez pela letra, mas, provavelmente, pelo significado emocional de
ser acordada por minha mãe, com sua voz carinhosa.
Aos cinco anos, comecei a ter aulas particulares de flauta doce dadas
numa escola que ficava um pouco mais distante de minha casa e no período
extraclasse. Para mim era uma experiência nova andar por aqueles corredores
enormes, tão estranhos para mim. A professora era muito amorosa e me lembro com
carinho das suas aulas e de como insistia para que eu estudasse e me dedicasse a
praticar em casa as lições aprendidas. Ainda guardo os livros com suas anotações.
Estudei com a mesma professora durante três anos, sempre incentivada por meus
pais; algumas vezes me sentia desestimulada para ir às aulas, e queria ficar
brincando, porém meus pais foram firmes e não me deixaram desistir, tanto que hoje
eu agradeço por isso, pois a minha caminhada musical nunca parou.
Depois desses três anos de estudo, mudamos para a cidade de Joaçaba,
onde procuramos professores de flauta doce. Cheguei a fazer algumas aulas em
grupo com um professor pago pela prefeitura, mas as aulas não foram muito
produtivas, pois os conhecimentos não avançaram, visto que eu apenas tocava as
músicas que eu já tinha aprendido anteriormente. Então fiquei desestimulada e parei
de ir às aulas, mas não de tocar, pois na igreja sempre havia programações e eu era
requisitada para participar tocando flauta.
Meu irmão, então, começou a ter aulas de piano, o que eu também
queria, porém a condição econômica de meus pais não o permitiu no momento. Por
isso quando meu irmão voltava das aulas, eu pegava o livro de piano dele, e como
eu sabia ler notas, praticava piano num harmônio portátil que meu pai tinha para os
cultos em outras congregações que ele atendia. Esse harmônio tinha uma
peculiaridade: para sair o som, era preciso ficar pedalando.
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Meus pais, vendo meu esforço e minha ânsia em aprender, matricularam-
me também para ter aulas de piano com a mesma professora. Então passei a ir em
todos os dias úteis da semana para a casa da professora, dois dias para ter aulas e
os outros para praticar, enquanto não tinha piano em casa. A aquisição do piano foi
uma vitória, tanto que me lembro até hoje do momento em que ele chegou e da
minha alegria, e de toda a família, afinal era uma conquista. Meu pai todos os meses
depositava uma pequena quantia em dinheiro na caderneta de poupança dos quatro
filhos, e, para comprar o piano, foi necessário tirar a economia de vários anos de
todas as cadernetas. Foi uma alegria muito grande para todos nós em especial para
mim. É a realização de um sonho. Meus pais fizeram um esforço imenso para que o
piano fosse comprado.
Após ter estudado alguns anos, minha professora me encaminhou para
realizar provas no Conservatório em Curitiba, para onde eu ia todos os meses
realizar aulas e provas, não só práticas, mas também teóricas, de história da música,
harmonia e folclore. Foi um esforço grande, mas aprendi muito nos cinco anos que
realizei esse percurso. No intermeio deste tempo, fazia cursos de férias em São
Paulo, que incluíram órgão litúrgico, flauta doce e regência. Depois de formada em
piano e nas outras matérias que citei, senti vontade de aprender a tocar flauta
transversal, instrumento cujo som sempre me encantara, principalmente tocado na
orquestras em músicas eruditas de compositores famosos.
O estilo de música clássico sempre me atraiu. Minhas oportunidades
musicais, no entanto, foram fora do âmbito escolar. Embora nas séries finais do
ensino fundamental eu tive aulas de canto, essas não tinham objetivos claros,
apenas se cantava e se aprendiam algumas músicas.
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Comecei a trabalhar com crianças muito cedo, ainda na adolescência,
primeiro ministrando aulas de flauta doce, depois de piano. Durante alguns anos
lecionava também em duas cidades vizinhas por não haver lá professor desses
instrumentos.
Quando tive meu primeiro filho, parei de trabalhar por um tempo para
dedicar-me a ele integralmente; depois veio minha filha e foi uma época ótima de
minha vida, pois pude curtir todos os momentos do início da vida deles. Quando meu
filho começou a freqüentar a educação infantil, senti vontade de estar novamente em
contato musical com as crianças. Então, incentivada pelo meu marido elaborei um
projeto de musicalização e entreguei-o a uma escola, que me chamou para
trabalhar. Foi um ótimo recomeço. Depois veio outra escola, e também voltei a
lecionar piano e flauta. É apaixonante ver as crianças interessando-se pelos
instrumentos rítmicos e musicais, pelas músicas eruditas e pelas cantigas folclóricas,
além de criarem músicas e descobrirem os sons.
A musicalização, com certeza fará parte da vida dessas crianças, afinal,
elas estão vivenciando a música na escola. Esta pesquisa buscou investigar as
experiências e vivências musicais que as professoras tiveram no decorrer de suas
vidas, se houve esse tipo de experiência na escola ou fora dela. É possível afirmar
que todas as pessoas têm experiências e vivências musicais, seja com músicas
clássicas, populares, cantigas de roda, canções de ninar ou com instrumentos. No
caso, pesquisamos as professoras da educação infantil que trabalham com esse
nível de ensino, no município de Joaçaba, buscando verificar se suas experiências e
vivências musicais pessoais têm relação com sua vida profissional.
Por que experiências e vivências? Porque entendemos que experiência e
vivência não têm o mesmo significado. A vivência é o viver a experiência, é vivenciar
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o que se passa, é imergir naquilo que se experimenta. Por sua vez, experiências
podem ser fatos isolados que ocorrem em nossa vida. Vivências são fatos vividos, o
próprio fato de existir. Segundo Maturana, (1991), a vivência compreende todo
campo de experiências do indivíduo; é como se uma palavra completasse a outra.
Há muitos aspectos da música que podem ser trabalhados mesmo por
quem não toca instrumentos musicais. As músicas trazem uma história da época em
que foram compostas, da situação social em que vivia o compositor, seja ele erudito
ou popular. As próprias cantigas folclóricas trazem elementos históricos da vida das
pessoas. A música é um ótimo instrumento para ser usado como material didático
em sala de aula, mas não é só isso. Stravinsky salienta que “a música se expressa
em si mesma”. (GARDNER, 1994b, p. 83).
Segundo Jeanne Bamberger, musicista e psicóloga desenvolvimental,
que auxiliou Gardner em seus estudos sobre a inteligência musical, o pensamento
musical envolve suas próprias regras e não pode ser simplesmente incorporado no
pensamento lógico-matemático ou lingüístico. (ibid, 1994b). Assim, consideramos a
música como elemento importante para o desenvolvimento da criança, mas a música
pela música e não somente como instrumento didático. Nosso desejo foi investigar
que significado a música tem para as professoras da educação infantil em sua
trajetória de vida pessoal e se essa história faz ponte com sua história profissional;
se elas consideram a música como parte importante de seu trabalho, como
trabalham a música e para que finalidades a música é utilizada.
Esta investigação buscou esclarecer esses pontos para que, a partir
deles, seja possível elaborar uma proposta de aperfeiçoamento para as professoras
com relação à música, a fim de que elas estejam preparadas para auxiliar a criança
em seu desenvolvimento integral e também musical.
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Tentaremos, pois, fazer uma relação entre a educação infantil e a música,
primeiramente, conhecendo um pouco da história da educação infantil e, após, sua
relação com a música, baseada na teoria das múltiplas inteligências de Gardner.
Este autor destacou a inteligência musical como uma das primeiras a surgir na
criança: “De todos os talentos com que os indivíduos podem ser dotados, nenhum
surge mais cedo do que o talento musical”. (GARDNER, 1994b, p. 78).
Assim, procuramos responder à seguinte questão: Qual a significação
da música para professoras da educação infantil em sua trajetória de vida
pessoal e de que maneira suas vivências musicais são aproveitadas em sua
profissão? Ou seja, buscamos saber que ponte elas fazem da sua experiência
musical pessoal para sua vida profissional. Entendemos por experiência musical
tudo o que se refere à música, desde o primeiro contato que o indivíduo teve com
ela na infância: das cantigas de roda às músicas gravadas eruditas ou populares.
Também é nosso intento investigar como as professoras da educação infantil
trabalham a música em sala de aula e como a sensibilidade musical delas pode se
refletir no aluno.
Numa sinfonia, os movimentos são uma variação do tema, e este trabalho
foi uma composição com vários movimentos, mas todos em volta do tema: a música
na vida das professoras da educação infantil, nos âmbitos pessoal e profissional. A
pesquisa não foi feita de questões fechadas, mas, para delinear o trabalho, algumas
questões consideradas importantes para o estudo serão abordadas, enfatizando
fatos do cotidiano, que ocorrem no dia-a-dia, não somente no ensino formal, mas na
vida de cada um. “A vida cotidiana não é algo ‘especial’, nenhum momento do qual
poucos participam ; ao contrário, é algo que envolve a todos e no qual todos estão
presentes seja ativos ou passivos” . (SOUZA, 2000, p. 36).
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Essa é uma concepção do paradigma humanista, onde o “eu“ é o centro, que
interage com o meio ambiente. Portanto, há dois princípios: o indivíduo em si com suas
experiências e as suas relações interpessoais. Há uma correlação do mundo interno do
indivíduo com o mundo externo. Um dos pontos fundamentais do paradigma humanista é
que “o homem só aprende se estiver interessado e se seus conhecimentos forem
fundamentalmente multi-sensoriais e subjectivos”. (BERTRAND, VALOIS, 1994, p. 136).
A valorização de cada um tem importância fundamental nesse paradigma,
e é essa também nossa perspectiva nesta pesquisa: valorizar a experiência de cada
professora, pois consideramos, assim como no paradigma humanista, que é única e
intransferível, uma vez que cada indivíduo constrói sua própria história na
complexidade da vida cotidiana de acordo com suas experiências. Não existem
histórias idênticas, cada uma é única. Para tanto, delineamos como objetivo geral:
contribuir para a compreensão da vivência musical das professoras da educação
infantil, no decorrer de seu ciclo vital, envolvendo as áreas pessoal e profissional.
Os objetivos específicos ficaram assim definidos: investigar que
experiências musicais as professoras tiveram durante suas vidas; diante das
experiências vivenciadas por elas, verificar que importância, as professoras
conferem à música em sua vida e na sala de aula; identificar em que circunstâncias
a música é inserida em sala de aula pelas professoras; apresentar proposta de
formação continuada para professoras da Educação infantil na área musical.
Portanto, esta pesquisa não pretendeu ser prescritiva, e, sim, baseada nos
resultados obtidos, apresentar uma proposta de continuidade para que a educação seja
também beneficiada no âmbito musical, haja vista que a relação ensino-aprendizagem,
que é a linha desta pesquisa, abrange não somente a educação formal, mas também
as experiências de cada um em seu cotidiano, em sua vida como um todo.
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No segundo capítulo, tratamos dos aspectos teóricos, fazendo um passeio
teórico sobre os temas: educação infantil e sua história de existência, arte musical e
inteligências múltiplas, com ênfase na inteligência musical.
O capítulo dois, intitulado movimentos da sinfonia, traz a descrição da
metodologia, o campo pesquisado e o relato da oficina realizada. Como numa
sinfonia, cada movimento terá sua hora, sua característica, mas todos giram em
torno do mesmo tema: a experiência musical do professor da educação infantil, na
sua vida pessoal e profissional.
A caminhada trouxe movimentos adagio e presto, na intensidade piano e
fortíssimo. Foi uma composição de idéias surgidas da busca fenomenológica dos
resultados; notas antes não usadas, compassos incorporados, acordes dissonantes
e consonantes; notas que deram base aos acordes no arranjo que resultou na
harmonia do todo, como numa sinfonia, respeitando cada movimento, que tem mais
beleza na audição do conjunto.
Esse é o processo de acontecimento da composição. Muitas coisas ocorreram
na sinfonia do trabalho, assim como na sinfonia da vida. Os movimentos chegaram
ao grand finale, mas deixo claro que a caminhada continua, pois a estagnação não é algo
que faz parte da música, nem deve fazer parte da educação. Portanto, a continuidade de
leitura de partituras (autores), sua execução e, quem sabe uma nova composição não
estão fora de cogitação. Aos poucos, a composição foi se constituindo como música
sonora e agradável; os compassos outrora inacabados, foram se harmonizando e os
acordes, deixando de ser dissonantes, porque, no decorrer da realização da arte,
tomaram forma e caminharam para a harmonia da obra.
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CAPÍTULO I
1 ALLEGRO: SUBSÍDIOS TEÓRICOS
1.1 EDUCAÇÃO INFANTIL
A educação infantil tem sido, nos últimos anos, motivo de discussão por
especialistas, por ser considerada como direito da criança de zero a seis anos no
que se refere à educação, não somente como assistencialismo, isso após o advento
da Lei de Diretrizes e Bases, nº 9394, de 1996.
Esse assunto, a educação ou cuidado de crianças em idade pré-escolar,
como o próprio nome diz “pré” já informa, tem sido discutido há muito tempo. Relata
a respeito, Oliveira:
A idéia de educar crianças menores de seis anos de diferentes condições sociais já era tratada por Comenius (1592 – 1670) no seu livro The School of Infancy, publicado em 1628, onde aquele autor propunha um nível inicial de ensino que era o "colo da mãe” (mother’s lap). Advogava ele, que o processo de aprendizagem se iniciava pelos sentidos. Impressões sensoriais advindas da experiência com manuseio de objetos seriam internalizadas e futuramente interpretadas pela razão. Daí sua defesa de que a educação de crianças pequenas deveria utilizar materiais e atividades diferentes – passeios, quadros, modelos e coisas reais – segundo suas idades de modo a auxilia-las no futuro a fazer aprendizagens abstratas. (2000, p.13).
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Esse pensamento era uma teoria que, talvez sonhava Comenius, se
realizaria na criação de escolas. Mas, para chegar à educação infantil que temos
hoje, o caminho foi longo. A realidade da educação infantil não é desvinculada da
realidade social e cultural. Talvez se as mães não necessitassem ser alicerces no
sustento da casa poderiam dispensar mais tempo à educação inicial dos filhos e a
educação infantil teria outra história. Portanto, o fator social está intimamente ligado
com a história da educação, mesmo na sua criação, no século XVII, na Europa,
quando a criança não era considerada como tendo um bom ímpeto; por isso deveria
ser moldada para tornar-se um bom cidadão.
A “escola de principiantes” ou “escola de tricotar”, criada por Oberlin em 1769, na paróquia rural francesa de Ban-de-la-Roche, tem sido reconhecida como a primeira delas. De acordo com os seus objetivos, ali a criança deveria: perder os maus hábitos; adquirir hábitos de obediência, sinceridade, bondade, ordem etc. (KUHLMANN JR., 2001, p. 5).
Posteriormente, alguns pensadores criaram teorias sobre a educação de
crianças; Rosseau (1712 – 1778) enfatizou que a educação deveria seguir a
liberdade e o ritmo da natureza; Pestalozzi (1746 – 1827) considerava que a
educação das crianças deveria ser baseada na afetividade, na bondade e no amor.
(OLIVEIRA, 2002).
Se, na Idade Média, a criança era considerada como um miniadulto que
deveria crescer logo para assumir suas responsabilidades, quando do surgimento da
sociedade burguesa, ela passou a ser entendida como um ser que precisava ser
cuidado, escolarizado e preparado para uma atuação futura. Tal tarefa foi
atribuída às escolas, com o que a educação se tornou mais pedagógica e menos
empírica.
O criador do jardim de infância, considerado mais pedagógico do que
assistencialista e humanitário, foi Froebel (1782 – 1852), que fazia das atividades
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práticas o cerne, pois considerava a criança um ser essencialmente criativo. No
entanto, Froebel não foi exclusivamente pedagógico, visto que a criação dos
jardins de infância estava relacionada com os fatores econômicos, sociais e
culturais da época. É claro que não se podem separar as realidades e é ilusão
pensar que uma criação como essa ocorra apenas por um sonho pois vivemos
numa sociedade, e não separados ou isolados da realidade que nos cerca. É
inconcebível, portanto, pensar que a criação do jardim de infância não estivesse
relacionada com as necessidades sociais da época, assim como, num comparativo,
é inconcebível pensar que a Reforma da Igreja no século XVI não sofreu influências
políticas.
Assim, foi com a Revolução Industrial implantada na Europa que
nasceram as instituições pré-escolares, buscando suprir a necessidade dos pais
que trabalhavam fora e não tinham com quem deixar as crianças, que muitas vezes
ficavam abandonadas em casa. Apesar de alguns reformadores protestantes
defenderem a educação como universal, a elite ficou receosa que os pobres fossem
educados, o que entendia que não seria “bom” para a economia. (OLIVEIRA, 2000).
Foi então que a escola para crianças pequenas assumiu o papel assistencialista
para as classes menos favorecidas, concretizando a separação de classes sociais:
os ricos tinham um tipo de educação e os pobres, outro, mais voltado para o
assistencialismo.
Ainda hoje, na Inglaterra, as escolas de educação infantil que apenas
proporcionam um espaço para as crianças brincar são chamadas nursery. Tive
oportunidade de comprovar esse fato, quando meu filho de quatro anos, em 1999,
freqüentou uma nursery, pois morei com minha família por quatro meses nas
redondezas de Londres. As aulas não eram todos os dias, as crianças podiam ir de
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duas a quatro vezes por semana, conforme as vagas, ou seja, os pais podiam optar
em colocar o filho na escola freqüentando dois dias por semana. Por exemplo, se em
uma nursery houvesse vagas para a criança apenas dois dias por semana e os pais
gostariam que a criança participasse mais dias, podem colocá-la em outro grupo,
outra nursery. Nas aulas, as crianças dispunham de papel e lápis para desenhar e
pintar livremente, de livros de literatura infantil e muitos brinquedos, e algumas
brincadeiras eram dirigidas.
Infelizmente, não tive oportunidade de estudar e pesquisar mais sobre
isso enquanto estava lá e a experiência foi única. Observei que outras escolas de
educação infantil tinham uma preocupação maior com a educação pedagógica. As
crianças que freqüentavam apenas as nursery podiam entrar na escola mesmo sem
uma preparação anterior. A idade para a entrada na escola regular é de cinco anos.
Depois desse pequeno interlúdio, alguns pontos sobre a Educação infantil
são importantes para conhecer os teóricos que auxiliaram nessa evolução. Faremos,
pois, uma menção a alguns deles, por considerarmos que suas teorias tiveram
influência sobre a educação.
No século XX, outros nomes surgiriam como Decroly, que defendia o
ensino voltado para o intelecto, valorizando a criança como um ser especial, não um
adulto em miniatura; um ser que tem o direito de desenvolver-se na fase em que
está, a infância, sem que a educação seja uma preparação para a vida adulta.
Decroly destacou três etapas para a educação: a observação, a associação e a
expressão. Por observação entendia não ser algo separado das demais etapas, mas
que estivesse presente em todos os momentos; a associação consistia na forma de
relacionar os conhecimentos, pois não são separados e estanques, mas têm relação
com tudo; por fim, a expressão é a culminância do trabalho, por meio da qual a
25
criança pode expor aquilo que tem dentro de si de forma concreta, através de
desenhos ou trabalhos manuais, ou de forma abstrata, através da linguagem
simbólica (escrita).
Maria Montessouri também teve seu papel significativo na educação
infantil, tendo como marca a elaboração de materiais específicos para favorecer o
desenvolvimento da criança, como materiais de exercícios para a vida cotidian;,
material sensorial, de linguagem, de matemática, de ciências. Esses materiais são
constituídos de peças sólidas de diversos tamanhos e formas: caixas para abrir,
fechar e encaixar; botões para abotoar; série de cores, de tamanhos, de formas e
espessuras diferentes; coleções de superfícies de diferentes texturas e campainhas
com diferentes sons, além de outros. Portanto o material, na concepção
montessouriana era muito importante. (ZACHARIAS, 2003).
Por sua vez, Vigostsky com a zona de desenvolvimento proximal,
defendeu que a criança pequena se auxiliada por uma mais experiente desenvolve-
se. A ênfase está na mediação, ou seja, o indivíduo tem acesso mediado aos
objetos, aos recortes do real; o homem não tem acesso direto aos objetos, mas
acesso mediado, ou seja, operado pelos sistemas simbólicos de que dispõe.
Enfatiza-se a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias
relações, ou seja, o conhecimento não é visto como uma ação do sujeito sobre a
realidade, como o construtivismo vê e, mas resulta da mediação feita por outros
sujeitos. Outro ponto importante é a internalização: o sujeito tem a mediação, que é
interpessoal ,e, depois, tem de internalizar o aprendido, tornando a aprendizagem
também intrapessoal. (LA TAILLE et al., 1992).
Wallon enfatizou a afetividade, considerando que não é possível separar
os aspectos afetivo, motor e cognitivo do ser humano. A criança deve ser
26
considerada como um todo, em todos os seus aspectos e em sua relação com o
meio, significando que se deve contextualizá-la deve-se considerar onde a criança
está contextualizada. (LA TAILLE, 1992).
Piaget revolucionou a educação com o cognitivismo, no qual considera o
processo de desenvolvimento do indivíduo como influenciado por quatro fatores:
pela maturação interna (hereditariedade), pela experiência física, pela
transmissão social (fator educativo) e pela equilibração, que é progressiva, não
estática, e as novas descobertas devem se equilibrar com as já existentes. Com
base nesses pressupostos, a educação deve possibilitar à criança um
desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório- motor até o
operatório-abstrato. (PIAGET, 1983).
O movimento pedagógico fundado por Freinet caracterizou-se por sua
dimensão social, na defesa de uma escola centrada na criança, que não é um
indivíduo isolado, mas faz parte de uma comunidade. Defendeu uma escola
centrada na criança, onde as atividades manuais tinham tanta importância como as
intelectuais; nela, a disciplina e a autoridade são resultado de um trabalho bem
organizado, em que a livre expressão predomina. Os jogos são muito importantes na
educação, segundo Freinet, questionou as atividades repetitivas e enfadonhas da
escola, enfatizando que a escola é agente ativo de mudanças sociais na sociedade.
(FREINET, 1979).
Com esse pequeno resgate histórico de alguns teóricos que pensaram a
educação como o desenvolvimento da criança em si, reportemo-nos ao nosso país e
do surgimento da educação infantil.
27
1.1.1 Educação no Brasil
No Brasil, a educação infantil surgiu com o jardim de infância importado
da teoria de Froebel, mas para atender as crianças das classes mais abastadas, em
1875. Então, no Rio de Janeiro, o Colégio Menezes Vieira, recebia em seu jardim de
crianças, alunos da idade de três a seis anos, mas apenas do sexo masculino.
(BASTOS, 2001).
No entanto esse tipo de educação infantil era considerado prejudicial às
crianças por tirá-las muito cedo do convívio familiar, sendo, pois, admitido apenas
para crianças cujas mães trabalhassem fora. Sobre esse fato, Manoel Olimpo da
Costa, em Congresso de Instrução Pública, afirmou que o Brasil não conseguia nem
mesmo dar educação para as crianças de sete a quinze anos, e que o jardim de
infância seria uma forma de as famílias relegarem suas funções para o Estado
(BASTOS, 2001). Inicia-se, pois, a historicidade da educação infantil como
assistencialista, destinada para as classes menos favorecidas.
Até a Constituição de 1988, a educação para crianças menores de seis
anos não era dever do Estado e as creches estavam vinculadas à assistência social
e não à educação. No relato de Campos et al.:
[...] a Lei nº 5.692/71 praticamente ignorou a educação da criança pré-escolar. É o Artigo 19 que, de forma extremamente vaga, estabelece que os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a 7 anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes (1993, p.44).
Essa forma ampla de referir que a educação de crianças menores de sete
anos deve ser “velada” pelo Estado é difícil de entender, motivo pelo qual, talvez , as
crianças ficassem relegadas apenas a cuidados, e não recebendo educação. O que
28
caracterizaria a educação infantil como educação sistematizada foi a Lei de
Diretrizes e Bases de nº 9394, de 1996, a partir da qual as creches e pré-escolas
começaram a ter responsabilidades educacionais, não só assistencialistas. Para
essa fundamentação, os parâmetros curriculares nacionais direcionam o que deve
ser trabalhado em sala de aula, então aparece a preocupação educacional para esta
faixa etária.
O Referencial Curricular Nacional destinado à educação infantil, é
composto por três volumes. O terceiro volume, intitulado “Conhecimento do
mundo”, compõe-se de seis documentos, relacionados aos enfoques de
trabalho: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza
e Sociedade e Matemática. É interessante destacar que a música aparece
separada das artes, pois, geralmente das vezes, música e artes são integradas
indistintamente. Neste trabalho, ficaremos restritos à área musical da educação
infantil.
A Lei do Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina atesta em
parágrafo único; “Na educação infantil, o ensino da arte e a educação física são
componentes curriculares obrigatórios, ajustando-se às faixas etárias e às condições
das crianças” (SANTA CATARINA, 1998, p. 70). Prevê ainda que o sistema estadual
de ensino compreende as instituições públicas e privadas (p. 59).
O material apresentado pelos Parâmetros Curriculares é de ótima
qualidade, conforme atesta Monique Andries Nogueira em trabalho apresentado na
23ª Reunião Anual da Anped, em 2000, sob o título: “Brincadeiras tradicionais
musicais: análise do repertório recomendado pelo Referencial Curricular Nacional
para a Educação infantil / MEC.” É interessante, contudo, saber se os professores da
educação infantil, que não vivem em grandes centros têm acesso a esse material e
29
têm conhecimento da relevância da música para as crianças, de como despertar a
musicalidade e como ela contribui e faz parte do desenvolvimento da criança.
Para deixar mais claro esse aspecto da música na vida das crianças,
revisemos a teoria das múltiplas inteligências de Howard Gardner (1994a, 1994b,
1995, 2000).
1.2 AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
Howard Gardner é professor universitário de Psicologia e Neurologia nas
universidades de Harvard e Boston. Desenvolveu a “teoria das inteligências
múltiplas” por discordar dos testes de inteligência aplicados às crianças, pois só
ressaltavam a lingüística e a matemática. Segundo essa teoria, o ser humano é
dotado de várias formas de inteligência e suas potencialidades podem ser
desenvolvidas se estimuladas. Diz Gardner em Inteligências múltiplas – A teoria na
prática: “considero a inteligência um potencial biopsicológico. Isto é, todos os membros
da espécie têm o potencial de exercitar um conjunto de faculdades intelectuais, do
qual a espécie é capaz”. (1995, p. 38).
Dessa teoria, Gardner destacou sete inteligências: a musical, a corporal-
cinestésica, a lógico-matemática, a lingüística, a espacial, a interpessoal e a
intrapessoal: “todos os seres humanos possuem certas capacidades essenciais em
cada uma das inteligências” (1995, p.31).
A cultura popular diz que alguns indivíduos não têm capacidade ou
habilidade para alguma área, como a matemática, o português, a música e assim por
30
diante. Essa teoria vem justamente discordar dessa crença popular, salientando que
todos os indivíduos possuem capacidade para todas as áreas, podendo desenvolver
mais algumas do que outras. No caso da música, é muito comum ouvir que
determinada pessoa não tem capacidade musical e, pensando assim, também não
se interessa por desenvolver essa habilidade. A escola e a família têm grande
responsabilidade sobre esse sentimento, pois, na idade adulta, a infância é a mais
lembrada em se tratando de música: “As oportunidades são fundamentais para que
a criança coloque a música como parte integrante de sua vida”. (ORMEZZANO;
TORRES, 2002, p. 140).
Gardner, em sua obra Estruturas da mente (1994b, p.78), afirma que “de
todos os talentos com que os indivíduos podem ser dotados, nenhum surge mais
cedo do que o talento musical”.
1.3 INTELIGÊNCIA MUSICAL
A música, do ponto de vista positivista, é vista como algo estático, separado
por tom, ritmo, timbre. Somente a forma objetiva da música é evidenciada, não se
considerando o sentimento que e sua história, o momento em que foi composta, a
situação que o compositor vivia na época, como era a sociedade, a política. A
música não é uma junção de compassos ritmados, de métricas perfeitas, de tempos
contados matematicamente, embora “ao longo dos séculos tentativas de relacionar
música com matemática parecem um esforço conjunto para ressaltar a racionalidade
(quando não negar os poderes emocionais) da música”. (GARDNER, 1994b, p.83).
31
Esse é um pensamento positivista, que separa enfaticamente a razão da
emoção. Contudo, na música a emoção não pode ser excluída, haja vista a própria
história evidenciar ligação da composição com o estado de espírito do compositor,
com a situação histórica e emocional que vivia na época da composição de suas
obras. Para Gardner (1994b), a música é muito mais do que isso, ela faz parte da
criança desde sua mais tenra infância. Bebês de dois meses podem imitar a altura
da voz da mãe e o contorno melódico de músicas cantadas por elas; aos quatro
meses, podem se adequar ao ritmo das canções. A partir de um ano de idade,
começam a produzir contornos melódicos parecidos com músicas que lhe são
familiares, mas, depois dos três ou quatro anos, as músicas da cultura vencem a
produção e a criança deixa de produzir passando a cantar o que já está posto.
Os primeiros anos de vida parecem ser fundamentais para o desenvolvimento musical. Parece haver um período crítico de sensibilidade ao som e à freqüência entre os quatro e seis anos de idade. Durante este período, um ambiente musical rico pode proporcionar a base para a capacidade musical posterior. (CAMPBELL et al., 2000, p. 132).
Como afirma a Campbell, nos anos iniciais a sensibilidade é maior e pode
ser desenvolvida com facilidade; à medida que a criança vai crescendo, necessita de
mais estímulo para se desenvolver. Portanto, a idade em que a criança freqüenta a
educação infantil é a melhor fase para que a sensibilidade musical seja explorada e
desenvolvida. Todavia, para tanto, é necessário que os professores estejam
preparados para desempenhar tal papel. Neste aspecto, conhecendo a grade
curricular acadêmica da região em que estamos inseridos, constatamos que o
preparo é insuficiente para sua atuação com a música, a não ser que o professor
tenha formação ou preparação extra-acadêmica.
A música certamente está presente nas escolas de educação infantil,
porém o modo como acontece na sala de aula foi uma das questões pesquisadas
32
neste trabalho, pois a educação é o objetivo da escola nos dias de hoje, não
somente o cuidar, e a música também faz parte deste universo educacional.
A música parece ser própria do ser humano, pois há evidências de
instrumentos musicais datados da Idade da Pedra, contudo, não é um privilégio do
ser humano, porque o canto dos pássaros não pode ser ignorado. Estudos feitos
com pássaros mostraram que a sua sensibilidade, a sua performance musical, está
localizada na parte esquerda do seu sistema nervoso. Esses estudos levaram a
investigações também no ser humano, comprovando-se que a sensibilidade musical
está localizada no hemisfério direito da maioria dos indivíduos normais destros. Isso
significa que a música pode ser dissociada da competência lingüística, por exemplo,
que se situa no hemisfério esquerdo, atestando, desse modo, a independência da
competência musical.
[...] a música é uma competência intelectual separada, que também não depende de objetos físicos no mundo...a destreza musical pode ser elaborada até um grau considerável simplesmente através da exploração e do aproveitamento do canal oral-auditivo. (GARDNER, 1994b, p.95).
Embora Gardner afirme isso, também argumenta que não se quer dizer
que outras inteligências, como a interpessoal, a corporal-cinestésica, a espacial, não
tenham vínculo ou não estejam ligadas com a inteligência musical, pois, na
execução de uma música num instrumento, a inteligência corporal-cinestésica está
presente na interpretação, bem como na relação do maestro com sua orquestra, ou
seja, a inteligência interpessoal.
A emoção também faz parte da vida de cada um, bem como das crianças
em idade pré-escolar, como Goleman (1996, p.276) afirma: “O aprendizado não
pode ocorrer de forma isolada dos sentimentos das crianças. Ser emocionalmente
alfabetizado é tão importante na aprendizagem quanto a matemática e a leitura”.
33
A ligação com a música é íntima da criança, bem como no decorrer do
seu crescimento. Walter Howard (1984, p. 66-67) afirma que a sensibilidade musical
deve ser despertada. E acrescenta:
Até hoje a educação da atenção tem sido completamente negligenciada. Há unicamente a preocupação de evidenciar fatos isolados suscetíveis de “excitar” a atenção e, de resto, contenta-se com o débil pretexto de que a faculdade de apercepção sintética de um conjunto mais complexo de relações é uma questão de “dom”, não podendo ser despertada, nem desenvolvida ou influenciada.
Ouvimos, constantemente, que algumas pessoas têm o “dom” para
música; outras, não. Então para que insistir? É fato que a música é trabalhada na
educação infantil, mas qual seria a maneira mais apropriada para trabalhá-la nessa
faixa etária? Apenas fazendo reproduções de músicas existentes? Ouvindo,
imitando gestos feitos pela professora, ouvindo música como fundo musical e não
aprendendo a respeitar o silêncio? Nesse sentido, Murray Schafer, professor e
compositor canadense, ressalta a importância da limpeza de ouvidos, ou seja,
aprender a ouvir os sons do ambiente, da rua (sons de fora) e os sons do próprio
corpo (sons de dentro). Os olhos, se quisermos, podemos fechá-los, mas os ouvidos
não (SCHAFER, 1991, p.67). Enfatiza, assim, a importância do silêncio, pois na
música ele é presente e importante, mas precisa ser entendido como tal.
Esse silêncio existe na música em suas pausas, no ouvir, na sucessão
dos instrumentos de uma orquestra, por exemplo. O silêncio total, no entanto, não
existe para quem tem memória auditiva, pois, por mais que tudo esteja quieto, algum
som sempre poderá ser ouvido, ainda que seja o da respiração. O silêncio total se
dá para quem não tem memória auditiva, com o que o silêncio é um poço sem cores,
um buraco profundo, como acontece com os deficientes auditivos (FUX,1988).
34
Assim, o aprender a ouvir é importante; não ouvir só o habitual, mas
aprender a ouvir os sons de fundo, aqueles que geralmente não se percebem se a
atenção não for específica para eles, como por exemplo, os ruídos de cadeiras
sendo arrastadas ou de pigarros na apresentação de uma orquestra. (SCHAFFER,
1991). Em sala de aula, o silêncio muitas vezes é ensinado como sinônimo de ficar
sem falar para ouvir o professor, ou seja, não é silêncio pelo silêncio, não é prestar
atenção em sons não habituais, mas sim com o propósito de ouvir uma voz, a do
professor. Como, então, seria possível trabalhar o silêncio com os alunos da
educação infantil? Muitos seriam os caminhos, não há receita, mas aguçar a
curiosidade é uma das alternativas que pode gerar mais resultados satisfatórios, pois
o ser humano, principalmente a criança, é curioso por natureza.
A própria música tem sido usada nas escolas de educação infantil, muitas
vezes como simples cantar, o que também é importante, mas não tem sido
explorada para desenvolver as potencialidades musicais das crianças, para auxiliar
no desenvolvimento da sua inteligência musical. Provavelmente isso aconteça por
falta de preparo dos professores, que, em nossa região, não possuem grade
curricular na academia que lhes proporcione um preparo para trabalhar a música
com as crianças. E talvez, também, por se sentirem desvalorizados no que se refere
ao seu próprio desenvolvimento musical. Muitos não se dão conta de que todos
possuem experiências musicais, que, buscadas na infância, podem conter cantigas
de roda, músicas cantadas pelos pais, avós, tios e assim por diante. Outras também
podem ser buscadas na adolescência, como as músicas que lembram algum fato
específico, algum momento memorável da vida, entre tantas outras experiências que
as pessoas têm e que podem utilizar em sua vida profissional.
35
Essa falta de consciência de que as experiências musicais não são
apenas aquelas em que se toca um instrumento ou se ouve música erudita, mas,
sim, tudo aquilo que envolve a música em si, qualquer música marcante que o
indivíduo ouve ou ouviu, e de como fazer dessa experiência pessoal uma
experiência profissional, talvez leve a que as pessoas se travem no que se refere à
música, pensem não ter experiências musicais, não ter “talento” para isso e
simplesmente deixem-na de lado.
Na caminhada da vida adulta, chega um determinado momento em que paramos para refletir, repensar nossa postura, nossos valores e, muitas vezes, corajosamente, abrimos nosso baú de sonhos e desejos não realizados. Sempre é tempo de realizá-los. (ORMEZZANO; TORRES, 2002, p. 153).
O aprendizado é um constante buscar que nunca finda, e as experiências
de cada indivíduo são únicas, cada um possui a sua. Isso se pode aplicar também à
música: cada um possui suas experiências, cuja valorização pode ser fundamental
para que haja crescimento e busca de novas experiências, que se tornem
agradáveis. Como disse Victor Hugo: “O que não podemos dizer ou não podemos
calar, a música exprime.” (SNYDERS, 1992, p. 98).
36
CAPÍTULO II
2 OS MOVIMENTOS DA SINFONIA
Esta pesquisa procurou valorizar a experiência de cada ser humano
pesquisado, de cada professor, em suas vivências pessoais e profissionais.
Considerando que cada ser é único, não existindo experiências, nem vivências
iguais. Conforme salienta Sherman, citado por Bertrand e Valois (1994, p.133),
a vida é uma permuta com o ambiente; ela é dinâmica; é crescimento, transcendência e criação; vive-se no presente, é global e comporta múltiplos níveis de percepção; é multi-sensorial, naturalmente alegre, e deve respeitar o seu ritmo natural.
A vida é uma experiência única de cada indivíduo, pois ninguém pode
viver a vida de outrem, senão a sua própria. Muitas vezes não nos damos conta
desse fato e também de que nossas experiências pessoais são ricas de informações
que podemos buscar até mesmo na infância. Isso não quer dizer que tenhamos uma
vida isolada dos outros indivíduos e de tudo a que temos acesso; pelo contrário,
embora sejamos diferentes, somos também ligados.
A realidade pessoal está fortemente influenciada pela infância; está simultaneamente diferenciada e ligada à dos outros; baseia-se na sensibilidade interpessoal e no processo de comunicação; exige autenticidade como condição para as relações com os outros. (BERTRAND; VALOIS, 1994, p. 134).
37
Portanto, o indivíduo, apesar de ser único, está ligado com os outros e
com o mundo através das relações interpessoais. O estudo dos fatos como eles são,
das experiências de cada um, do fenômeno, da busca da essência, chama-se
“fenomenologia.”
A fenomenologia é o estudo das essências, e de todos os problemas, segundo ela, tornam a definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas também a fenomenologia é uma filosofia que substitui as essências na existência e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra forma senão a partir de sua “facticidade.” (TRIVIÑOS, 1992, p. 43).
Os fatos devem ser estudados como se apresentam na sua essência, não
superficialmente; é preciso buscar o seu âmago, a sua descrição e compreensão, e
não a explicação, ou análise do fato, pois este não é o objetivo; não analisar, mas,
sim, descrever e compreender. As experiências de cada professor, o modo como elas
se apresentam, cada vivência, cada momento, terão sua descrição e compreensão,
sem pretensão alguma de analisar e encontrar explicações para cada uma delas.
A fenomenologia surgiu com Edmund Husserl (1859-1938), como
resultado de sua crítica ao cientificismo, pois, para ele, “o ser humano tem sua
identidade assegurada por ser racional, ao invés de a racionalidade ser vista como
um modo de ser do humano.” (MASINI, 1989, p.61). Também se opõe ao
psicologismo, preponderante na época, em que a filosofia ficava em segundo plano,
reduzida a uma psicologia científica vinculada ao positivismo.
Husserl, como Hegel, Brentano e outros, trabalhou a idéia da
fenomenologia ligada à intencionalidade. A vivência é intencional, e o conhecimento
precisa ser atraído pela intencionalidade. Quando o homem pensa numa palavra
como “banco”, em sua consciência há um banco, não importando se no mundo
externo esse objeto existe ou não. “A consciência é sempre ‘consciência de alguma
38
coisa’, que ela só é consciência estando dirigida a um objeto (sentido de intentio).”
(DARTIGUES, 1992, p. 18). Para Platão, existia um mundo “inteligível”, um “mundo
das idéias”, inacessível ao homem, ao passo que, para Husserl, o mundo está na
mente do homem, como fenômeno mental.
Os positivistas reificaram o conhecimento, transformaram-no num mundo objetivo, de “coisas”. A fenomenologia, com sua ênfase no ator, na experiência pura do sujeito, realizou a desreificação do conhecimento, mas a nível da consciência, em forma subjetiva. (TRIVIÑOS, 1992, p. 47).
Essa subjetividade refere-se às experiências, à não-objetividade do
cientificismo; refere-se à experiência como ela é, sem querer justificá-la,
encontrando causas e efeitos, mas valorizando a posição do sujeito como
“construtor” da realidade.
Ter a experiência de uma estrutura não é recebê-la em si passivamente: é vivê-la, retomá-la, assumi-la, reencontrar seu sentido imanente. Portanto, uma experiência nunca pode ser correlacionada a certas condições de fato como a sua causa e, se produz a consciência de distância para tal valor da convergência e para tal grandeza da imagem retiniana, ela só pode depender desses fatores o tanto quanto eles figuram nela.(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 348).
Se levarmos essa idéia para o âmbito educacional, o sujeito é construtor
do seu conhecimento, porém aí entramos também na área psicológica, e Husserl
quis deixar claro que a fenomenologia, no seu âmbito de consciência, não abrange
questões psicológicas desse assunto, mas enfoca o método fenomenológico como
descrição dos fatos, na busca da essência.
Através de um fato é sempre visado um sentido. Husserl gosta de evocar a esse respeito o exemplo da “IX Sinfonia”. Esta pode se traduzir pelas impressões que experimento ao escutar este ou aquele concerto, pela escritura desta ou daquela partitura, pela atividade do regente de orquestra ou dos músicos, etc. Em cada caso poderei dizer que se trata da ”‘IX Sinfonia” e, contudo, esta não se reduza a nenhum desses casos, se bem que ela possa a cada vez se dar neles inteiramente. A essência da “IX Sinfonia” persistiria mesmo se as partituras, orquestras e ouvintes viessem a desaparecer para sempre. Ela persistiria não como uma realidade, como um fato, mas como uma pura possibilidade. (DARTIGUES, 1992, p.15).
39
Outro exemplo seria a de alguém que vê as folhas de uma árvore serem
agitadas pelo vento, experiência que é toda ela um fenômeno interior, que se passa
essencialmente dentro da consciência. Os objetos exteriores são apenas condições
para que se crie a percepção e a vivência desse fenômeno interior. A fenomenologia
se prende, por meio da atitude reflexiva, a esses fenômenos ou estados da consciência
e prescinde da realidade exterior das coisas, ou, como diz Husserl, coloca-se entre
parênteses. Porém não o faz como a psicologia, ou o psicologismo, pois neste
[...] o investigador esforça-se para suspender, ou colocar entre parêntesis, preconceitos e pré-suposições pessoais antes de fazê-los explícitos. Enquanto este processo de colocar entre parênteses (chamado de redução fenomenológica) continua, o investigador torna-se cada vez mais ciente de suposições mais adicionais imóveis e pode-se assim mover-se completamente de uma atitude natural para transcendental. Obviamente, o processo de parênteses nunca termina e assim uma redução completa é impossível. Enquanto a redução fenomenológica não pretende negar absolutamente a existência do mundo natural, esta (fenomenologia psicológica) esforça-se por suspender temporariamente a opinião científica natural que o mundo é independente de cada indivíduo. (STONES, 1986, p. 117).1
Com Husserl, a filosofia retorna ao ser, à ontologia: ser no mundo é estar
no mundo, e não simplesmente estar ligado a ele; é estar voltado para a
consciência, não para o objeto. Portanto, a fenomenologia procura reduzir o
fenômeno à essência, mas não esquece que o pesquisador faz e é a consciência
daquilo que pesquisa.
A característica de reduzir o fenômeno a sua essência chama-se “redução
fenomenológica”, ou epoche, como chamou Husserl, isto é, o ato de liberar a atenção do
exterior para que se detenha na análise da vivência ou experiência pura, o método pelo
qual tudo que é dado é mudado num fenômeno que se dá e é conhecido na e pela
consciência, ou seja, o fenômeno é reduzido para que a consciência fique livre dos
seus próprios conceitos e o fenômeno possa emergir como essência.
1 Tradução da pesquisadora.
40
O mundo não é em primeiro lugar e em si mesmo o que explicam as filosofias especulativas ou as ciências da natureza, já que essas explicações são posteriores à abertura do campo primordial, mas sim que ele é em primeiro lugar o que aparece à consciência e a ela se dá na evidência irrecusável de sua vivência. O mundo não é assim nada mais que o que ele é para a consciência: O mundo, na atitude fenomenológica, não é uma existência, mas um simples fenômeno. (DARTIGUES, 1992, p. 21).
O fazer ciência, para a fenomenologia, não é ser neutro, como para o
positivismo, mas procurar reduzir o fenômeno para que ele apareça e seja descrito e
compreendido na sua essência, sem influências, como ele é; não na tentativa de
explicar fatos, suas causas e efeitos, mas de descrever e compreender sem deixar
que essa descrição seja passiva, mas compreendida.
O ideal da fenomenologia não é só a explicação ingênua do fato, mas a
explicação do sentido, que é o verdadeiro modo filosófico do conhecimento. A
pesquisa do sentido dos objetos já não é mais uma pesquisa sobre os próprios
objetos, mas dos atos de pensamento no momento em que o indivíduo os pensa. A
percepção é uma percepção de algo que é percebido, não existe por si própria,
assim como todo o desejo é desejo de algo que é desejado; isso implica que a
significação se constitua como a chave dessa noção. Expressar não é apenas
simbolizar. Isso não quer dizer que o pensado e o pensamento somente tenham uma
relação, mas são aquilo que são. Essa maneira pela qual o pensamento contém em
si, idealmente, outra coisa além de si próprio constitui a intencionalidade. Se essa
intencionalidade tem base no surgir, ou emergir da evidência, a evidência é algo que
aparece como dado ao espírito e, ao mesmo tempo, é origem daquilo que recebe.
O fenômeno surge, aparece, e o pesquisador tem a tarefa de proporcionar
que isso aconteça e deixar acontecer, descrevendo-o e compreendendo-o, tendo
claro que não se trata de explicar ou analisar, mas de descrever compreensivamente,
para que a ação também não seja passivamente descritiva. Para tanto, como uma
41
forma de nortear o trabalho, tendo em vista que as entrevistas foram abertas, sem
questões dirigidas, formulamos algumas questões que nortearam este trabalho:
Quais experiências musicais as professoras tiveram durante suas
vidas?
A música exerce alguma influência sobre a vida das professoras?
Qual?
Qual é a importância da música na sala de aula, par a que e como ela
é utilizada?
Como as professoras desenvolvem a música com seus a lunos?
A música é utilizada apenas como instrumento auxili ar para outra
atividade ou tem relevância por si só no cotidiano da sala de aula?
Como numa sinfonia musical, cada movimento tem sua importância. Na
composição, cada movimento tem seu momento para ser composto, mas é no
conjunto que a música terá sentido e beleza. Cada movimento não desvirtua o tema,
que é sempre o mesmo, mas com formas diferentes, seja no allegro, no adágio, no
scherzo, ou no presto.
Assim, este trabalho foi como a composição de uma sinfonia, com seus
movimentos sempre em volta do tema.
2.1 ALLEGRO
O allegro, primeiro movimento, foi a revisão bibliográfica, que
fundamentou o tema e deu consistência aos demais movimentos. No entanto, a
42
fenomenologia requer que nos livremos dos pré-conceitos e pré-concepções para
que o fenômeno possa aflorar. Essa é uma tarefa constante, a redução
fenomenológica, mas necessária para que o fenômeno surja.
Na tentativa de deixar o fenômeno aflorar, a fenomenologia argumenta
que a teoria da pesquisa deve andar simultaneamente com a pesquisa de campo, o
que foi feito no decorrer do processo desta composição, pois “fazer pesquisa
fenomenológica consiste em delinear o caminho durante a caminhada, em saber
conviver com a insegurança de uma pesquisa aberta para modificações no próprio
curso de sua realização”. (MORAES, 1993, p. 21).
2.2 ADÁGIO: RELATO DA OFICINA
O adagio, segundo movimento, foi um encontro com os professores da
educação infantil do município de Joaçaba das três redes de ensino municipal,
estadual e particular em forma de oficina, com a duração de quatro horas. Foram
convidadas todas as escolas que oferecem as séries de pré-escolar (quatro a seis
anos) das redes estadual e particular para que os professores participassem do
encontro. As escolas da rede municipal de ensino foram convocadas pela própria
prefeitura do município de Joaçaba. Nesse encontro, trabalhamos com a
sensibilidade musical do professor, com as recordações musicais de sua infância e
com as experiências em torno do ouvir, contextualizar e fazer.
Nosso objetivo era preparar atividades que, primeiro, integrassem o
grupo, e após fornecessem uma pequena base teórica sobre a importância da
43
música na vida das crianças, incluindo a escola. Também busquei enfatizar a
experiência musical de cada um, pelo relato de fatos musicais que tinham vivenciado
na infância, e, por fim, o fazer musical, com a criação de histórias a partir de
desenhos sonorizados graficamente e, após, com os instrumentos da bandinha
rítmica, teclado, violão e flauta. Na preparação das fichas usadas pelos professores,
como está descrito no decorrer deste relato, selecionei figuras, de livros e revistas,
que proporcionassem uma sonorização, a qual foi expressa em forma gráfica nas
próprias fichas durante a atividade; só depois é que as histórias foram criadas e os
sons foram produzidos com os instrumentos.
Além disso, privilegiei a integração da música erudita no ouvir, o
internalizar e identificar a música, bem como interpretá-la e, em alguns momentos,
expressar-se com o corpo, segundo o sentimento que ela trazia, fosse pela harmonia
das notas, pela intensidade dos fortes e pianos, fosse pelo seu andamento. Esses
foram os objetivos que tive ao preparar esta oficina, realizada no dia 29 de maio de
2003, das 8h às 11h e 15min, contando com 38 professores presentes.
No primeiro momento da oficina, fiz minha apresentação pessoal,
relatando minha formação e algumas experiências musicais vividas na infância,
como está descrito nas primeiras páginas deste trabalho. Em seguida fizemos uma
dinâmica de apresentação, em que cada um escreveu seu nome e a escola em que
trabalha num papel, colocando-o dentro de um balão, enchido em seguida. Todos
colocaram-se em posição confortável, com espaço dos lados, e passaram a se
movimentarem ao som da “Sonata em dó menor” (Patética), de Beethoven; em
seguida, os movimentos foram ritmados pelo primeiro movimento da “5ª Sinfonia”,
também de Beethoven. Ao terminar a música, solicitei que alguns expusessem como
haviam se sentido com relação às duas músicas. As respostas giraram em torno de
44
que, na primeira, o sentimento fora de paz, de harmonia e de tranqüilidade e, na
segunda, houvera um sentimento de agitação. Nesse primeiro momento, em que os
movimentos foram feitos de olhos fechados, notou-se uma certa timidez por parte de
alguns, talvez por medo de crítica, de se sentirem ridicularizados.
Os balões foram jogados ao chão e em seguida, cada um pegou um
balão qualquer, estourando-o e apanhando o papel nele contido. Lido o nome do
papel, a pessoa referida se apresentava e dizia a série em que trabalhava. Essa
atividade foi prazerosa, pois houve uma integração do grupo e a maioria sentiu-se à
vontade para continuar a oficina.
A fundamentação teórica tem uma importância fundamental em qualquer
área, pois é a base de tudo e não se pode fazer qualquer coisa sem ter uma base
teórica, ou do contrário o trabalho ficará jogado ao vento, sem alicerces. Por esse
motivo, apresentei aos professores com os quais estava trabalhando alguns
aspectos teóricos das concepções de Gardner (1994a, 1994b, 1995), Mársico
(1982), e Schafer (1991), embora não pretendesse ser aprofundada em razão do
limite do tempo, pois este não nos permitia delongas. Tópicos foram refletidos na
parede através do retro projetor, e à medida em que iam aparecendo, eu ia
discorrendo sobre o assunto como segue o relato abaixo.
Sobre Gardner, enfocamos sua teoria das inteligências múltiplas, em que
a música é referenciada como a primeira inteligência a aflorar: “De todos os talentos
com que os indivíduos podem ser dotados, nenhum surge mais cedo do que o
talento musical.” (GARDNER, 1994b, p.78). Argumentei, baseada nesse autor, que a
música não é só tom, ritmo, timbre, não se trata apenas de compassos ritmados e
melodias, é muito mais do que isso. Não se pode ocultar a história que cada música
traz, seja erudita ou popular. A emoção também não pode ser excluída, devendo-se
45
levar em conta o estado de espírito do compositor e a situação histórica e emocional
que vivia na época da composição de suas obras.
Para Gardner (1994b) a música faz parte da vida da criança desde sua
mais tenra infância. Assim é que bebês de dois meses podem imitar a altura da voz
da mãe e o contorno melódico de músicas cantadas por elas; aos quatro meses,
podem se adequar ao ritmo das canções e, a partir de um ano de idade, começam a
produzir contornos melódicos parecidos com músicas que lhe são familiares.
Contudo, depois dos três ou quatro anos, as músicas da cultura vencem a produção,
com o que a criança deixa de produzir para cantar o que já está posto.
Para exemplificar essas afirmações, as professoras ouviram um relato lido
por mim, que descreve o comportamento do menino Boria, feita por Teplov (1966,
apud MARSICO, 1982, p. 31-32):
2 meses e 18 dias Durante os últimos 14 dias, observa-se que Boria reage violentamente aos sons musicais. Ouve esses sons com muita atenção. Parece sentir prazer ao ouvir sons tirados do piano mas chora quando se toca uma peça inteira. Ouve-me cantar e permanece imóvel enquanto eu canto.
4 meses e 18 dias A música e o canto excitam sua atenção. Ouve com interesse a canção que canto, mas continua a chorar quando toco uma peça ao piano. Chora também quando ouve sons agudos e penetrantes.
6 meses e 2 dias
Quando a babá canta, Boria põe-se muitas vezes a choramingar, como se quisesse ajudá-la a cantar.
1 ano Manifesta aptidões vocais e acompanha os outros, algumas vezes, com voz delicada e com a letra “a”. Canta também sozinho.
1 ano, 5 meses e 5 dias Até aqui batia no teclado do piano com os cinco dedos ao mesmo tempo; agora toca com um dedo somente.
1 ano e 9 meses Depois de alguns dias, canta uma canção que toca ao piano com a mãe. Canta destacando corretamente cada som.
46
1 ano, nove meses e 5 dias Boria reconhece a mesma canção que toco ao piano e se põe a cantá-la, mas não no tom dado ao piano.
2 anos, 2 meses e 13 dias Boria tem provavelmente um ouvido musical apurado e é muito sensível aos sons musicais. Quando toco um acorde dissonante ao piano, olha-me com perplexidade. Se as dissonâncias são muito fortes, chora.
2 anos, 6 meses e 21 dias Canta as canções de ninar que são empregadas para fazê-lo dormir.
Quadro 1 – Relato de comportamento do menino Bória Fonte: A autora (2002)
Esse relato foi feito para que pudéssemos observar como as crianças
podem ser estimuladas e dar respostas positivas ao estímulo musical. Comentamos
também como perdemos oportunidades preciosas de auxiliar no desenvolvimento
musical das crianças, simplesmente por ignorar o fato de que a sensibilidade pode e
deve ser desenvolvida.
A música, no entanto, não se trata somente de sons; o silêncio também
faz parte da música, não só através das pausas apresentadas na notação musical,
mas do “saber ouvir”, que faz diferença na vida do ser humano. Como pode alguém
se entender se não sabe ouvir a si próprio? Podemos ouvir tudo ou nossos ouvidos
estão tão habituados aos sons cotidianos que nem prestamos atenção aos sons que
passam por eles? Murray Schafer (1991) fala sobre a importância do silêncio e que
devemos exercitar nossos ouvidos para os refocalizar e então perceber sons
diferentes daqueles a que estamos acostumados.
Na primeira infância, as crianças recebem os sons e conseguem devolvê-
los com o mesmo timbre e sonoridade. É a fase de recepção e devolução de sons
sem “sotaque”, ou seja, conseguem expressar a repetição de sons da mesma forma
que os ouviram, sem outras interferências, sem transformá-los. Portanto, elas
possuem uma sonoridade própria delas, e aos educadores cabe instigar o
47
desenvolvimento dessa capacidade. “Musicalizar nada mais é do que despertar-lhe a
expressão espontânea e as potencialidades latentes”. (MÁRSICO, 1982, p. 39).
Na idade pré-escolar propriamente dita, a música faz parte do dia-a-dia
das crianças, mas o seu despertar para o desenvolvimento apurado da música
requer um pouco de esforço por parte da escola. Alguns aspectos podem ser
destacados nessa caminhada da musicalização infantil na idade dos três aos seis
anos, segundo Mársico (1982):
• as atividades devem ser diárias, com duração de 20 minutos;
• as canções são importantes no processo de musicalização porque
reúnem ritmo, melodia, forma, harmonia, tempo, dinâmica e,
principalmente, ação, pois as crianças, ao ouvirem as canções, logo se
põem a balançar e inventar gestos;
• a música deve ser diferenciada de instrumento musical. Não é só o tocar
instrumento que é música: o cantar, o cantarolar, o assobiar, o estalar
de dedos, entre outros, devem ser considerados também como música;
• o desenvolvimento do senso rítmico musical e a audição compreendem
os níveis sensorial e rítmico-melódico;
• a valorização do silêncio como forma até de criar o hábito de ouvir;
• a identificação dos sons: de onde vêm, quais suas direções. A
percepção musical está muito ligada ao desenvolvimento da percepção
também no que se refere à identificação de qual som se está ouvindo,
se é voz, instrumento, ruído etc.;
• movimentos sonoros (ascendente / descendente);
• atributos do som: altura, intensidade, duração, timbre.
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A história de cada um é construída a partir das experiências que se
iniciam no ventre materno e passam pela infância, pela adolescência, pela juventude
e pela fase adulta. Por isso solicitei ao grupo de trabalho, considerando que todos
têm experiências e vivências musicais, que cada um, ao som da mesma sonata em
dó menor ouvida anteriormente, lembrasse e escrevesse, num papel, algum fato de
sua infância ou adolescência relacionado com a música. Ao terminar essa parte da
atividade, perguntei aos participantes se conheciam a música ouvida, ou se já a
tinham ouvido. Uma professora disse que a conhecia, duas ou três disseram que
“achavam” já tê-la ouvido, mas não sabiam onde. Relatei, então, que a música fora a
mesma da dinâmica anterior, com o objetivo de identificar se houvera a percepção
musical durante a audição nas duas vezes. Então, grande foi o espanto deles ao
perceberem que não tinham reconhecido a música ouvida há poucos minutos.
Como afirma Schafer (1991), o ouvido deve ser pensante, não somente ouvinte; não
é o ouvir pelo ouvir, mas ouvir com percepção.
O ideal seria que todos pudessem ouvir um fato musical de cada
participante para que a troca de experiências fosse mais profunda e abrangente no
intuito de haver a percepção de que todos têm experiências musicais as quais são
bem diversificadas, conforme a vivência de cada um. Contudo, como o número de
pessoas era grande, foram divididos em seis grupos, da seguinte forma: cada um
recebeu um número, até seis, cada número correspondia a um animal (cachorro,
pinto, vaca, peru, gato e pato). Deslocamo-nos, então para outra sala, onde o
espaço era maior, e, ao meu sinal, todos fizeram os sons dos animais
correspondentes ao seu número. A tarefa era, então, encontrar os animais com o
mesmo som, identificando a sonoridade dos sons dos animais, o que também faz
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parte da música. Assim, formaram-se grupos, nos quais cada um pôde compartilhar
com os outros integrantes seu fato musical.
Em seguida solicitei que aqueles que não se importassem entregassem
os papéis que continham a experiência; alguns o fizeram e esses fatos aleatórios,
sem identificação dos autores, estão descritos a seguir:
“Lembrei-me de quando tinha 11 anos e colocava meu irmão (bebê) para
dormir. Eu cantava cantigas de ninar para ele”.
“Quando eu era criança (10 – 11 anos), adorava vir aqui na escola ouvir
música com a profª Terezinha Campagnholo, que tocava maravilhosamente o piano
que pertencia ao Grupo Escolar Roberto Trompowsky na época. Ela era professora
e nos intervalos tocava para as crianças que ficavam encantadas. Eu adorava e
sempre pedia para me ensinar“.
“Quando eu era pequeno eu gostava de subir nas árvores e cantava as
músicas que ouvia no rádio, ou cantos que aprendi com minha mãe“.
“Perto do dia de Natal, na igreja da vila onde eu morava, eles cantavam
“Noite feliz”, e eu também murmurava tentando cantar; depois parei e fiquei só
ouvindo e consegui ver através de minha imaginação: uma noite de lua cheia o céu
todo estrelado, em todos os lugares piscavam luzes, anjinhos flutuando e cantando e
as renas puxando o Papai Noel, passavam entre as nuvens e os anjinhos. Era tudo
tão lindo e real”.
“A vó me ensinou a dançar, eu escutava o pai tocar gaita de boca”.
“Minha mãe cantava muito enquanto trabalhava e eu brincava. Ela
contava histórias que tinham canções de repetição. No jardim de infância,
cantávamos bastante e em casa gostava de cantá-las também, andando de balanço.
Lembrei-me: do ritmo da máquina de lavar roupa, das fitas do carro do pai, concerto
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para juventude aos domingos de manhã, violão e piano (da minha prima), na casa
dela, durante as férias, hinos na igreja acompanhados do harmônio e da flauta
transversal, da escola dominical e os hinos de Natal.”
Embora muitas pessoas pensem que por não saberem tocar um
instrumento musical, não tiveram e não têm experiências musicais, pudemos
constatar que a música faz parte da vida de todos: para alguns, de modo mais
marcante; para outros, talvez, faltando apenas uma motivação para que as
lembranças musicais venham à tona.
A atividade seguinte teve como objetivo a sonorização das figuras através
de formas gráficas, a visualização dos sons através da grafia, a imitação dos sons
com o uso de instrumentos rítmicos, violão, flauta e teclado, relacionando um com o
outro e, a criatividade na invenção das histórias. Além da exploração dos
instrumentos musicais e rítmicos e, a demonstração de exemplos de atividades que
podem ser feitos com as crianças.
Então, nos mesmos grupos, oito fichas com figuras (telefone, crianças,
carros, bicicletas, motos etc.) foram distribuídas para cada grupo. Dessas fichas,
cada grupo deveria escolher quatro ou cinco, discutir qual som a figura poderia
simbolizar e representar graficamente tal som, ou sons, na própria ficha. Depois dos
sons estarem representados, os grupos montaram uma história utilizando as fichas
escolhidas com os sons. Montada a história, os participantes tiveram a oportunidade
de explorar alguns sons da bandinha rítmica, da flauta doce soprano, da flauta doce
contralto, do violão e dos vários sons que o teclado pode fazer. Dos sons explorados
puderam escolher os mais semelhantes aos sons de sua história e usá-los na
apresentação ao grande grupo.
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Quando vemos crianças se deparando com novidades, percebemos quão
curiosas elas são e que não tem medo da exploração do novo. Ao me deparar com
adultos, a impressão que tive foi de medo perante a novidade, perante o teclado,
como se fosse algo tão frágil que não poderia ser tocado. Todavia com algumas
palavras de motivação, de encorajamento, aos poucos o “gelo” foi sendo quebrado e
a apresentação foi muito agradável.
As histórias ficaram assim:
FIGURAS: SONS:
Burro Io, io ,io, plof, plof, plof
Molho de chaves Blim, blim, clac clac...
Cachorro Au, au ploc,plo, rhrr...
Vaca Muuuuu, schilapt, chilapt, tchi, tchi...
2 Meninos jogando bola Eh! Eh! Eh! Bum, bum, poc,poc... Quadro 2 – Sons definidos pelo grupo 1 Fonte: A autora (2002)
Um dia de Sol
Os meninos foram jogar bola (som com o teclado), fecharam a casa com
as chaves. O cachorro ouviu o barulho e latiu.
A vaca curiosa veio ver o que era, e viu o burro chegando com o pão.
Fotografia 1 – Apresentação do grupo 1 Fonte: A autora (2002)
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FIGURAS: SONS:
Relógio Triiimm, tic-tac.
Flauta Tu –tu, flu, flu, fu,fu
Moto Rruummm, hrummmm...
Coração Tum, tum
Peixes Glub..glub...
Menina com olhar de admiração e anel no
dedo
Ohh!Ohh! Ohh!
Quadro 3 – Sons definidos pelo grupo 2 Fonte: A autora (2002)
Música
(Este grupo resolveu fazer uma música usando os sons ao invés de uma
história.)
Melodia: Eu tive um sonho (George Israel/ Paula Toller)
Eu tive um sonho vou te contar um motoqueiro parou em meu andar. Era
preciso ter o coração forte para suportar.
O que ele veio fazer, me trazer um anel (Ohh! Ohh!)
E ele a flauta tocou, e os peixes assustou.
Não, não, não, não deixei o relógio tocar se não vou acordar e meu
sonho vai atrapalhar.
Fotografia 2 – Apresentação do grupo 2 Fonte: A autora (2002)
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FIGURAS: SONS:
Cachorro Au, au, au!
Urso Grrr...grrrrr...
Leões Grrrr, grrrr
Machado Poc, poc, poc...
Foguete Pum, pum, fich, pom, pim, pim, pum...
Lobo Auuu, auuu, auuuu....
Gelo Trac, trac
Telefone Trim, trim, trim-trim
Patins Gim, giiim
Ambulância Ió, ió, ió, ió...
Chuva Ploc, ploc, ploc...
Pianista Plim, plom, dim, dom Quadro 4 – Sons definidos pelo grupo 3 Fonte: A autora (2002)
Passeio ao Zoológico
Eu estava tocando piano , e ouvindo a chuva cair lá fora. E meu cachorro
começou a latir por causa de uma ambulância que passou pela rua.
Neste momento tocou o telefone, era meu amigo convidando para ir ver a
inauguração do zoológico. Como havia parado de chover, peguei meu roller, e fui
deslizando pela calçada.
Quase caí ao escorregar na calçada, pois estava lisa como gelo.
Quando cheguei, ainda havia alguns homens montando as barracas, só
ouvia o barulho do machado nas tábuas.
Alguns instantes depois, começou a estourar foguetes. Entramos e
começamos a visitar as jaulas. Primeiro a do leão e sua companheira a leoa , eles
faziam muito barulho.
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Depois fomos ver o urso, mas quando começou a grunhir o meu amigo
ficou com medo. Então fomos para casa assistir ao filme dos três porquinhos e o
Lobo Mau .
Fotografia 3 – Apresentação do grupo 3 Fonte: A autora (2002)
FIGURAS: SONS:
Telefone Trim-trim-trim...
Meninos assistindo partida de futebol Gooooool, goooool, e-e-viva....
Jipe Brum-brum-vrum-vrum...
Navio Piuiii-piuiii-piuiiii, chuá- chuá- chuá... Quadro 5 – Sons definidos pelo grupo 4 Fonte: A autora (2002)
Tarde Divertida
Toca o telefone, trim-trim-trim, mamãe atende, são os meninos avisando
que estão no jogo de futebol e que seu time fez um gol, gooool, gooool, que
alegria o time dos meninos venceu.
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Para comemorar eles participaram da carreata com o jipe do pai de
Pedro, vrum- vrum- brum- brum.
Mais tarde, chegando em casa, combinaram de brincar no rio, ao lado da
casa de Pedro, com o navio que ele tinha ganho no Natal, piuii- piuii- piuii- piuiii-
chuá- chuá.
Fotografia 4 – Apresentação do grupo 4 Fonte: A autora (2002)
FIGURAS: SONS:
Pintinhos Piu! Piu! Ploc!Ploc!
Índios Uh! Ugh! Uh! Uuuuuuuuu!!!
Leão Grrrrrr!
Cachorro Mmmmmm!
Cidade Brum – brum! Bang- Bang, piiiii...ai,ai,ai!
Miau! Au-au! Tac-tac, blá-blá-blá, lá-lá-
lá, chuuuuuuu... Uí-u
Moto Brrrrrr! Immm...immm
Bicicleta Tac, tac, tac, tac!
Menino tropeçando em uma pedra Ploccc, ui!ii Tum!
Violão Dom- dom! Blim – blim! Bram Quadro 6 – Sons definidos pelo grupo 5 Fonte: A autora (2002)
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Uma aventura na cidade
Certa vez, um grupo de índios foi a uma visita à cidade . Na despedida,
realizaram um ritual de boa sorte: Ug! Uh!
Os animais ficaram tristes. O Leão grrrr e o cachorro chorou mmmm.
Chegando lá, ficaram apavorados com a imensa barulheira , com a qual não
estavam acostumados, pois eram sons estranhos.
Por falta de sorte, ou atenção, sem conhecer sinais de trânsito, se
assustaram com o barulho da moto e um deles foi atropelado por uma bicicleta: ui,
ui – tum. No pronto-socorro, um voluntário estava tocando violão para alegrar os
doentes, o que lhes chamou a atenção, ficando assim, mais calmos.
Depois de dias na cidade, voltaram para a aldeia e reencontraram seus
animais. Os passarinhos vieram encontrá-los muito alegres. Falaram à tribo, que tão
cedo não voltariam para a cidade , pois o som da aldeia era mais agradável.
Fotografia 5 – Apresentação do grupo 5 Fonte: A autora (2002)
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FIGURAS: SONS:
Sapatos Tekk... packk...
Piano Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si.
Bailarina Tic, tac.. tic, tac, passa as horas
Jogador de futebol cansado Ufa..., uufaá..., haaá..., haaá..., uuufa
Cidade Biiiiiiii..., biiiii....., bibi..., fom fom..., brumm...
bi bi...
Carro Ramm...bibi..., urruuu..., bibiii..., bibi....,
rammm...,urruuu... Quadro 7 – Sons definidos pelo grupo 6 Fonte: A autora (2002)
O Sufoco
Em sua casa a pequena Larissa ensaiava para uma apresentação de
balé em homenagem ao Dia dos Pais, ao som do seu relógio.
Seu pai saiu nervoso e cansado por estar atrasado, pois o jogo de
futebol demorara mais do que o esperado.
Às pressas chamou um táxi, que chegou rapidamente. Mas o que não
esperava era encontrar um enorme engarrafamento .
Com muito esforço conseguiu chegar a tempo para a apresentação de
sua filha. Ao subir as escadas da escola, ouviu o som do piano e ficou tão feliz, que
nem percebeu que estava sem os seus sapatos novos.
Fotografia 6 – Apresentação do grupo 6 Fonte: A autora (2002)
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Os olhares de satisfação pelo trabalho realizado e pelos sons
conseguidos dentro da história puderam ser vistos nas expressões de cada um.
Então, como última atividade, ouvimos o primeiro movimento da sonata “Claire de
Lune”, ou “Sonata ao Luar”, de Ludwig van Beethoven, tentando buscar na música a
mensagem nos transmitir.
Ouvida a música, falei que quem quisesse se manifestar poderia dar a
sua interpretação para a música, o que sentira, o que achava que o compositor
estava querendo transmitir com a música. Sintetizando respostas, as interpretações
foram as seguintes: “tristeza, melancolia, paixão, morte, amor.” Realmente
Beethoven, ao compor essa sonata, estava apaixonado pela condessa Giulietta
Guicciardi. Envolvera-se com a moça em 1801, mas o pai dela fora extremamente
contra o namoro. Beethoven quis se casar com ela, mas não teve o consentimento,
por causa da sua condição social inferior. Em carta a seu amigo Wegeler, de 16 de
novembro de 1801, ele escreveu:
Essa mudança foi provocada por uma jovem encantadora e muito querida, que me ama e a quem amo. Depois de dois anos, volto a desfrutar de alguns momentos felizes; e pela primeira vez sinto que – o casamento poderia me trazer a felicidade. Infelizmente, ela não é da minha classe – e no momento – eu certamente não poderia me casar – ainda preciso dar muito duro. (ORGA, 1992, p. 121).
Mais tarde, Giulietta se casaria com outro homem, agora de sua classe
social. Um dia quando ela e o marido estiveram em Viena, cidade em que Beethoven
morava, ele disse a seu amigo Schindler: “Ela me amou muito mais do que ao marido.
No entanto, ele foi seu amante muito mais do que eu.” (ORGA, 1992, p. 122).
Para haver uma contextualização da música, é necessário conhecer um
pouco da história do compositor, do que se passou na sua vida durante os períodos
de composição, não só a título de conhecimento, mas para entender o seu estilo
59
musical. Para tanto, contei-lhes uma história resumida de Beethoven utilizando um
álbum confeccionado por mim, com pinturas feitas sobre ele, de lugares que
marcaram sua vida e de pessoas que foram coadjuvantes de sua trajetória pessoal e
musical, coladas em folhas de cartolina e encadernadas, tudo com base no livro
bibliográfico de Beethoven de Attes Orga (1992). A história foi sendo contada por
mim enquanto as figuras eram mostradas:
Uma parte dos ancestrais de Beethoven era camponesa, outra parte era comerciante. O bisavô de Beethoven, Michael van Beethoven, trabalhou como padeiro chefe e comerciante de rendas, mas foi à falência e fugiu para Bonn (Alemanha), em 1741. Um de seus filhos, chamado Ludwig, tornou-se músico da Corte Imperial, bem como seu filho Johann, mais tarde. Johann casou-se com Maria Magdalena. Ludwig van Beethoven foi o primeiro filho do casal a sobreviver. O casal teve sete filhos dos quais somente três sobreviveram: Ludwig, Caspar Anton Carl e Nikolaus Johann. A mortalidade infantil, na época, era muito grande por causa da falta de higiene das cidades. Beethoven desde muito cedo se interessou por música. Tinha aulas diárias de teclado (piano) e violino. Queria tocar de ouvido sem notas, mas seu pai o obrigava a ler notas. Em 26 de março de 1778, fez sua primeira apresentação pública, aos sete anos e três meses, mas seu pai dizia que ele tinha seis anos. Sua primeira obra a ser impressa foi “Variações para Fortepiano” sobre uma Marcha de Dressler, aos doze anos de idade. Aos 15 anos de idade, começou a dar aulas de música. Em 2 de novembro de 1792, Beethoven foi para Viena e nunca mais retornou a Bonn. Foi uma fuga apressada por causa da guerra contra a França. Foi estudar com Haydn, um compositor que também se tornou famoso pelas suas composições e sua atuação musical. No salão do Augarten, Beethoven fez muitas apresentações, como também Mozart. Beethoven também se apresentava no Teatro de Viena, teatro da Corte Imperial. Beethoven viveu uma vida de muita solidão, em seu quarto, com seu piano, compôs muitas músicas, sonatas, sinfonias, variações, entre outras. Ele se apaixonou algumas vezes, mas não foi correspondido. Dizem que sua aparência não era das melhores, sendo seu rosto cheio de berrugas.
60
Beethoven compunha músicas e era o regente da orquestra da cidade de Viena, coisa que ele gostava de fazer. Quando seu irmão Caspar Carl morreu, Beethoven ficou incumbido de ajudar na educação do sobrinho Karl. Mas Beethoven e a mãe de Karl não se entendiam, o que os fez brigar na justiça pela guarda do menino. Karl foi morar com o tio, mas seu caráter não era dos melhores o que o fez fugir e voltar para sua mãe; Beethoven, então, desistiu de lutar por ele. No final de sua vida, estava muito doente e acabou ficando completamente surdo, tanto que um dia estava regendo a orquestra e os músicos pararam de tocar porque eles tocavam uma coisa e Beethoven regia outra. Beethoven morreu no dia 26 de março de 1827, aos 57 anos, de edema pulmonar.
A história de cada um, mesmo que não venha a ser conhecida por grande
número de pessoas é importante, pois é singular; cada indivíduo é único, assim
como Beethoven também foi único e tornou-se parte da vida da humanidade. Como
esta pesquisa versa sobre as experiências e vivências musicais, individuais de cada
professora, considerei proveitoso contextualizar a vida desse maravilhoso compositor.
Ao final dos trabalhos, encerramos a oficina com uma avaliação oral. As
manifestações por parte dos participantes foram de satisfação e anseio de
continuidade, fato a ser levado em consideração tanto pela importância da música
na educação infantil, como pelo aprimoramento dos professores, que, na maioria das
vezes, se sentem despreparados e “bloqueados” com relação à música, o que pudemos
perceber durante o desenvolvimento das atividades. Portanto, a oficina foi encerrada não
com a sensação de fim, mas de um começo para uma continuidade próxima.
Nesse encontro, foram selecionados os participantes da pesquisa da
seguinte forma: durante a realização da oficina, foi passada uma lista de presença,
na qual havia um espaço para as pessoas marcarem quem estava disposto a auxiliar
no trabalho proposto por mim. Apresentaram-se então nove professoras integrantes
das três redes de ensino: particular, municipal e estadual.
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Para Husserl, a intencionalidade é algo “puramente descritivo, uma peculiaridade íntima de algumas vivências”. Desta maneira, a intencionalidade característica da vivência determinava que a vivência era consciência de algo[...] A importância do conceito de intencionalidade, para a fenomenologia, é fundamental, se pensa que a vivência e a consciência são idéias básicas desta filosofia. (TRIVIÑOS, 1992, p. 45).
A valorização da vivência das professoras não teve a intenção de explicar,
mas de descrever os dados, na busca da essência do fenômeno. No entanto, “o
método fenomenológico não se limita a uma descrição passiva. É simultaneamente
tarefa de interpretação (tarefa da Hermenêutica) que consiste em pôr a descoberto
os sentidos menos aparentes, o que o fenômeno tem de mais fundamental”.
(MASINI, 1989, p. 63).
2.3 SCHERZO
Seguindo essa linha, o scherzo, terceiro movimento, foi a realização de
entrevista fenomenológica, pois a sensibilidade e a música estão em íntimo contato
e devem aflorar na entrevista, não com a intenção de explicar fatos, mas de
compreender e descrever a realidade, como se apresenta. Para essa entrevista aberta, a
pergunta inicial foi a seguinte: “fazendo um retrospecto da sua vida com relação à
música, que significação você atribui a ela na sua vivência pessoal e profissional?”
Segundo Carvalho, a entrevista fenomenológica,
[...] não submete a situação observada e o cliente a uma análise conceitual, classificadora, orientada por um esquema de idéias e direcionada para determinados fins [...] é um “ver” que não é “pensamento de ver”, como observa Merleau-Ponty, mas efetivação de uma consciência de si, a do cliente. (1987, p.30).
62
Na fenomenologia, o pesquisador não pode ser completamente separado
do fenômeno, porque ele faz parte do que está pesquisando, é envolvido pelo
fenômeno; o objetivo não é analisar o entrevistado, nem tentar encontrar causas e
efeitos ou explicar o fenômeno, mas compreendê-lo e descrevê-lo:
[...] compreender o pensamento do cliente é penetrar o seu mundo, sua presença e sua vida. E, para tanto, há que haver uma comunhão com quem fala, um ouvir olhando para o cliente, envolvendo-se com ele, sendo tomado pelo seu gesto lingüístico [...] não é ouvir por complacência ou misericórdia, não é ouvir mesmo por acaso ou coincidência mas é tornar-se sensibilidade e intuição. Igualmente, não se trata de permanecer passivo diante de um cliente que efetua uma “catarse”, deixando-o falar até que se “esvazie inteiramente”. (ibid, 1987, p. 40-41).
2.4 PRESTO FINALE: A OBRA-PRIMA
O movimento finale, um presto com expressão, é a tentativa de
compreensão das entrevistas no comparativo com o material teórico revisado. A
partitura tem agora sua estrutura na harmonização da obra-prima com os fatos
teóricos, a obra- prima realizada.
Para que isso fosse possível, de uma forma que o fenômeno aflorasse, foi
necessário seguir alguns passos do método fenomenológico. Segundo Ormezzano e
Torres (2002) quatro são os passos apontados:
• o primeiro foi a leitura do todo, a compreensão do todo, ou seja, a
leitura minuciosa das entrevistas transcritas várias vezes até que a
linguagem das entrevistadas se tornasse familiar, na busca da
compreensão do todo;
63
• no segundo, aconteceu a redução fenomenológica, quando o
fenômeno pesquisado foi focado. Isso aconteceu com a releitura do
texto da entrevista, num exercício de percepção como numa música
com sinais de repetição, mas, por fim, o coda aparece e a música
pode seguir em frente;
• no terceiro a sensibilidade do pesquisador aflora, numa compreensão
da essência das entrevistadas, das suas experiências e vivências.
Para isso, foi necessário mergulhar em seu mundo, a fim de entender
a mensagem e transformar o fenômeno em linguagem psicoeducativa;
• no quarto aconteceu uma síntese da entrevista, quando a intuição da
pesquisadora fez com que a essência do fenômeno aparecesse; ao
mesmo tempo, nessa síntese a percepção fundiu-se com a das
entrevistadas, surgindo uma síntese nova, numa visão totalizadora,
como numa música para piano, em que a melodia da mão direita se
funde com a da mão esquerda, numa mistura de claves, mas para
quem ouve e aprecia a melodia musical aparece da mesma forma,
harmonicamente.
Surge então a obra-prima, o resultado da composição feita com dedicação
e parte da sinfonia.
64
CAPÍTULO III
3 A OBRA-PRIMA – ESSÊNCIAS FENOMENOLÓGICAS DA PESQUI SA
Para identificar as participantes da entrevista, utilizei nomes de
instrumentos da orquestra escolhidos aleatoriamente.
Violino é uma professora de trinta e cinco anos, que trabalha na rede
privada e municipal de ensino. Gosta de ouvir música, mas não declarou um gosto
definido pelo estilo, apesar de dizer que gosta de músicas tranqüilas. Violino disse
que gostaria de ter aprendido a tocar um instrumento musical, como o acordeão ou o
violão, porém a situação financeira da família não o permitiu.
Flauta, de trinta e cinco anos, trabalha na rede privada de ensino e tem
uma caminhada significativa com a música, pois toca flauta e violão e canta músicas
eruditas. Gosta de ouvir música e detém-se mais nas clássicas, mas também gosta
de bossa nova. Atribui um significado muito grande à música em sua vida.
Piano, de quarenta e quatro anos, trabalha na rede privada de ensino,
gosta de ouvir música, tem muitas lembranças referentes à família com relação à
música; gostaria de tocar piano, e tentou colocar os filhos em aulas de piano e
flauta, mas eles não quiseram aprender a tocar.
Xilofone, de trinta e três anos, gosta de músicas populares que tenham alguma
letra significativa, com alguma mensagem; não teve muito contato com a música, mas se
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lembra de um colega de trabalho que era professor de música e a encantava com a
maneira como trabalhava. É professora da rede municipal de ensino, e utiliza a música
como parte do seu trabalho, mas de forma a complementar outra atividade.
Clarinete, com trinta e sete anos, é professora da rede estadual. A música
faz parte do seu dia-a-dia porque todos os dias a ouve para relaxar; se está triste
ouve uma música mais calma, e, se está feliz algo com ritmo mais rápido.
Viola, de trinta e cinco anos, gostaria muito de ter aprendido a tocar um instrumento
musical, mas não teve condições financeiras para isso. Então, tentou proporcionar esta
oportunidade aos filhos, mas eles, até o momento, não demonstraram interesse para tal.
Harpa, de vinte e quatro anos, é professora da rede municipal e ouve
música todos os dias quando volta da faculdade; gosta de músicas românticas, de
ritmo mais lento.
Romantismo é uma palavra tão abrangente que sempre é preciso explicar em que sentido está sendo empregada. Em todas as épocas pode-se identificar um impulso “romântico” do ser humano: é quando os sentimentos tomam o primeiro lugar, quando as emoções são fortes. (HORTA, 2000, p. 71).
A respeito, sabemos que o estilo musical pode dizer muito da pessoa;
assim pessoas românticas provavelmente gostarão de música de estilo romântico,
de andamento mais lento. O temperamento do indivíduo também influencia no estilo
de música que ele gosta. Minha professora de piano sempre me oferecia o mesmo
estilo de partituras musicais para eu escolher. Ela conhecia o estilo romântico e lento
de músicas que eu gostava e gosto até hoje. Meus alunos de piano e flauta, por sua
vez têm gostos específicos. Alguns não gostam de maneira alguma de tocar músicas
de ritmo lento, preferindo músicas mais alegres, mais ritmadas, com ritmo mais
marcado. Observando esse comportamento e refletindo sobre ele, pude perceber
que isso ocorre com todos, conforme o estilo e o temperamento de cada um.
66
Fagote, de trinta e sete anos, tem muito orgulho por seus filhos estarem
aprendendo a tocar um instrumento musical; a menina toca violino e o menino,
teclado. Sua realização é ver os filhos tocando, pois ela gostaria muito de ter
aprendido, mas seus pais não tinham condições financeiras para isso. Ela é
professora da rede estadual de ensino.
Saxofone, com trinta e nove anos, é uma professora da rede privada de
ensino, estudou piano durante cinco anos na sua adolescência; disse que gostaria
muito de voltar a ter aulas para praticar novamente. A música faz parte da sua vida,
ela gosta de ouvir música sempre. Na sua infância o rádio ficava ligado durante todo
o dia e ela não se esquece disso, hábito que permanece até a atualidade.
A experiência musical é um fato inegável na vida do ser humano, tanto
que mesmo aqueles indivíduos desprovidos da audição podem sentir as vibrações
dos sons. A questão é que, dependendo da cultura de um povo, da educação, das
prioridades educacionais de um país, os sons, os ritmos, a música são mais ou
menos valorizados. Portanto, as experiências musicais têm mais significado para
alguns e menos para outros, dependendo do destaque que a ela se dá.
Podem-se focalizar as experiências musicais de forma que elas se tornem
significativas para as pessoas, se a figura é o foco de interesse, mas que também
possa-se ver o fundo e o campo, como explica Schafer:
foram os psicólogos fenomenológicos que apontaram para o fato de que aquilo que é percebido como figura de fundo é determinado principalmente pelo campo e pelas relações que o sujeito mantém com esse campo... A figura corresponde ao sinal, ou marca sonora. O fundo corresponde aos sons do ambiente à sua volta – que podem , com freqüência, ser sons fundamentais – e o campo, ao lugar onde todos os sons ocorrem, a paisagem sonora. (2001, p. 214).
Nesta paisagem sonora afloram as experiências musicais das
entrevistadas. Algumas demonstraram na entrevista enxergar não só a figura, mas
também o fundo, tornando mais ampla a experiência. No entanto para obter
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respostas mais concretas questiono sobre qual a significação da música para
professoras da educação infantil em sua trajetória de vida pessoal e de que maneira
suas vivências musicais são aproveitadas em sua profissão.
Para responder a isso, é necessário fazer uso da fenomenologia e
encontrar as essências das dimensões que envolvem família, escola, mídia, desejos
pessoais, as quais foram três: Música na infância; Mídia, cotidiano escolar e
musicalização; Importância da música na vida.
3.1 MÚSICA NA INFÂNCIA
A primeira essência aborda as lembranças e primeiras referências
musicais das entrevistadas e está subdividida em três dimensões assim designadas:
Relatos de sons da infância; Referência aos gostos musicais da família; Lembranças
das músicas infantis na escola.
Cada dimensão procura encontrar o cerne de cada entrevista realizada,
buscando no íntimo da entrevistada suas experiências e vivências musicais.
3.1.1 Relatos de sons da Infância
Flauta gostava de ouvir os sons dos aparelhos eletrodomésticos que tinha
na sua casa. “Tinha máquina de lavar, uma bem antiga que ficava funcionando boa
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parte da manhã enquanto eu ficava brincando lá perto da mãe. Gostava de ficar
fazendo barulho, dançando e imitando o aspirador de pó, a enceradeira. Eu gostava
de ouvir os ruídos dos equipamentos”. Conforme Schafer (1991, p. 73), “o som corta
o silêncio (morte) com sua vida vibrante. Não importa o quão suave ou forte ele está
dizendo: ‘Estou vivo’. O som, introduzindo-se na escuridão e esquecimento do
silêncio, ilumina-o.”
Saxofone imitava os sons da madeireira de seu pai que ficava em frente a
sua casa. Ela lembra que muitas das suas brincadeiras eram embaladas pelo som
provindo deste lugar, pois o barulho era constante. Então ela aproveitava para
brincar com os sons. Neste sentido o som não se refere somente à música, mas
envolve também aqueles sons que o ambiente nos proporciona, os sons que estão
ao redor, no fundo, que provavelmente, só perceberemos se quisermos ouvir.
A maioria das entrevistadas lembra das cantigas de roda como os sons
que marcaram a sua infância. Piano lembra especificamente da ”Gata Cega e
Ciranda Cirandinha” e “quando criança, agente aprendeu muita música de
brincadeiras que a mãe ensinava e a gente brincava com as amigas”.
O canto faz parte da cultura de um povo. No Brasil temos as cantigas de
roda, que estão muito presentes na infância, e as canções de ninar que as mães
cantam para as crianças ao fazê-las dormir. É uma expressão musical que vai
acrescentando à vida das crianças um experiência de ouvir música. Cantar é “uma
atividade profundamente humana, cultural e social”. (TAFURI, 2000, p. 27).
Xilofone diz que as cantigas de roda marcaram sua infância, tanto
cantadas pela mãe antes de dormir, como nas brincadeiras com os colegas: “Minha
música preferida era Ciranda cirandinha”.
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Já Viola teve sua infância marcada pela empregada, que cantava e
brincava de roda com ela e seus dois irmãos.
Clarinete gostava muito de ouvir música. Ela morava com sua avó que
ouvia músicas sertanejas no rádio e a ensinava a dançar. Ela lembrou com
entusiasmo outro fato: “Eu lembrei que na casa do meu tio ele tinha aqueles toca-
disco antigo. Então ele tinha uns discos e eu lembro que nós escutávamos e eu
achava aquilo perfeito”.
O bebê identifica-se com os sons que lhe são familiares: a voz da mãe, do
pai, um ruído da sua casa. Harpa tem uma experiência nesse sentido. A mãe dela
conta que, quando ela era bebê e estava chorando, assim que a mãe começasse a
cantar a música “Atirei o pau no gato”, ela parava de chorar.
Eu mesma tive o privilégio de ter pais que cantavam muito, todos os dias,
quando era pequena, para eu dormir. Depois eu mesma escolhia as músicas para
que eles cantassem. Quando estávamos viajando de carro, sempre eles eram
requisitados por mim para que cantassem algo; mal balbuciava as primeiras palavras
e já tinha meus gostos musicais, músicas de que eu mais gostava, provavelmente
porque estavam associadas a momentos agradáveis que eu passara.
A música marca nossa memória, organiza nossa sensação de tempo e intensifica nossas experiências no presente. Uma prova de que a música organiza nossa noção de tempo em que uma canção pode nos trazer as mais vivas lembranças do passado (MAFFIOLETTI, 2002, p. 44).
A mãe de Fagote cantava canções de ninar para ela; cantava e brincava
com as cantigas de roda envolvendo os seus sete irmãos. A exemplo da mãe, logo
Fagote começou também a cantar para os irmãos mais velhos, atividade que lhe
dava prazer.
70
“As experiências musicais são valiosas para maturação emocional e o
desenvolvimento de qualquer criança”. (LELIS, 2000, p. 28). Flauta lembra com
saudade o modo como a mãe cantava para ela:
“Eu passei assim a minha infância, desde bebezinho, ouvindo ela cantar. Eu acho que este meu gosto pelo canto eu tenha herdado dela, embora ela não cante mais agora. E também quando ela ia me fazer dormir ela contava historinhas e essas historinhas tinham alguns refrões de música de repetição”.
O lar é um lugar de segurança para a criança e onde ela tem seus
primeiros contatos. A música seja vinda do canto da mãe, seja da avó, da
empregada, do tio, influencia a criança na sua caminhada. São essas as suas
primeiras experiências musicais.
3.1.2 Referência aos gostos da família
Os gostos musicais podem variar conforme os elementos sócioculturais
como etnia, classe social, casa, escola, grupo de amizades, comunidade em que
está inserido etc.
As entrevistadas demonstraram de diversas formas os gostos musicais da
família, algumas relatando o gosto da família quando ainda eram crianças, outras do
marido, dos filhos e o seu próprio na idade infantil, adolescente ou adulta.
Para Fagote as lembranças afloraram à medida que foi falando de sua
família quando ainda era uma menina. A família morava no interior, o seu pai era
agricultor e a mãe, professora. A presença da mãe foi musicalmente marcante, pois
era uma professora diferente para a época; ela cantava e brincava com os alunos e
71
também com os filhos. “Minha mãe era rígida no sentido de não deixar os filhos
brincarem na casa dos outros, então, pra compensar isso, ela cantava e brincava
conosco. Foi uma época inesquecível para mim. Eu e meus irmãos brincávamos e
cantávamos muito com nossa mãe.”
Já Violino e Viola não têm lembranças da mãe cantando. Violino afirma
com tristeza: “...minha mãe não tinha tempo disponível e achava que cantar era
perder tempo“. Viola não menciona por que a mãe não cantava. Simplesmente não
lembra de ouvi-la cantando, somente tem lembranças da empregada que cantava e
brincava com ela e seus irmãos quando eram pequenos. Por outro lado depois que
ela teve seus filhos, procurou incentivá-los musicalmente:
“sempre cantei canções de ninar para meus filhos quando eram bebês e mais tarde cantigas de roda. Tentei colocá-los na aula de música para aprenderem a tocar algum instrumento, mas a menina que é mais velha não quis e o menino já ganhou até um violão pequeno mas por enquanto não demonstrou interesse.”
Flauta ainda não tem filhos, mas desde bebê foi incentivada pela mãe a
gostar de música, a qual cantava para ela; mais tarde, também foi, juntamente com a
irmã mais velha, sua platéia para apresentações de violão que ela começava a
aprender. O gosto musical de Flauta também teve a influência da mãe e atualmente
é bem variado: músicas eruditas, óperas, árias (solistas), MPB, bossa nova, música
regionalista, gaúcha e rock (não pesado). Contudo a predileção é por música erudita.
A mãe e o contexto cultural vivido por Flauta foram marcantes em sua
vida, pois, como afirma Sekeff:
O homem é um animal social, simbólico, construtor de cultura, e o grupo é o aspecto mais importante de seu ambiente... Assim, se o comportamento humano resulta de sua constituição individual, é também alimentado do repertório cultural (pelo qual o indivíduo é construído e construtor) e da aprendizagem, o que quer dizer que ele é flexível. (2002, p 58).
72
Portanto, o ambiente cultural vivido pelas pessoas é muito importante na
sua formação musical, bem como em outros aspectos. Por isso podemos dizer que
“a emoção musical é alimentada por nossa sensibilidade e favorecida pela
aprendizagem e pela cultura.” (p. 59).
A casa, o lar, as pessoas que convivem conosco são muito importantes
no processo de formação musical, não só o aprendizado da música como
instrumento ou cantada, mas a musicalidade de que todos nós temos necessidade.
Para Piano marcou sua infância o fato de em sua casa muitas vezes sua mãe estar
fazendo almoço, com alguma música tocando, geralmente sertaneja ou clássica, e o
pai pegar a mãe para dançar. Ela, então, largava tudo e os dois dançavam. Isso a
marcou tanto que hoje Piano, já casada e com filhos, cultiva o mesmo hábito com o
marido.
A mãe de Clarinete não costumava cantar para ela, pois teve uma
educação diferente e era mais fechada, reflete ela. Já a mãe de Saxofone
proporcionou uma forma abrangente de experiências musicais. Ela gostava muito de
cantar; cantava no coral da igreja e, nos finais de semana, tocava violão e o tio
tocava acordeão. O estilo variava de músicas sertanejas, como de Tonico e Tinoco,
a Amado Batista e Roberto Carlos, além de não faltarem músicas religiosas. A
música era tão presente em sua família que, quando a mãe dela morreu, durante o
enterro, o coral da igreja cantou; e, conta Saxofone, era como se eles estivessem
vendo a mãe cantar, tal era o amor que ela tinha pela arte musical.
Portanto, em todas as experiências citadas, a música mostrou-se
presente na vida das entrevistadas de uma forma ou de outra.
73
3.1.3 Lembrança das músicas infantis da escola
A escola é um lugar de grandes experiências e marcante na vida da
maioria das pessoas. Assim como a música está inserida no contexto familiar, está
também algumas vezes mais, outras menos, na escola.
Lembrar de fatos ocorridos há anos nem sempre é fácil, pois nossa
memória guarda apenas os fatos mais significativos de nossa existência, aqueles
que nos marcaram e que fizeram alguma diferença em nossa vida. Relata Lieury:
Muito longe do conceito de que desfruta no imaginário popular, a memória não é uma entidade única, mas fragmentada em múltiplos módulos que armazenam milhares de informações e se comunicam por interfaces e “cabos” em milésimos de segundo. Por causa dessa complexidade, a memória não é a mesma aos 7 anos ou aos 77 anos. Com o envelhecimento, os módulos estão cheios de lembranças (palavras, imagens, fisionomias), mas a morte dos neurônios acarreta esquecimentos esporádicos, o desgaste dos processos bioquímicos diminui a qualidade da memorização, os dois hemisférios do cérebro têm dificuldade de comunicar-se e as transmissões, através de cabos desgastados, de uma região para outra do cérebro tornam-se lentas (1997, p.101).
Para Violino, algo inesquecível é a música:
“Há três noites que eu não durmo, oh, lá, lá,
Pois perdi o meu galinho, oh, lá, lá,
Pobrezinho, oh, lá, lá
Coitadinho, oh, lá, lá.
Ele está lá no jardim.”
Violino a cantou toda durante a entrevista, lembrando com saudades da
professora da terceira série, a qual ensinou esta música para a turma. Ela lembra também
74
que não pôde freqüentar a educação infantil, pois somente as escolas particulares
ofereciam educação para essa faixa etária, na época. Para Ormezzano e Torres:
O reforço positivo por parte do adulto, parente ou professor, o propiciar a atividade musical de forma agradável e prazerosa, são caminhos para que a criança carregue a semente da música pela vida afora... cada adulto traz suas músicas e canções; sejam elas tocadas ou cantadas, do folclore ou das cantigas de ninar ( 2002, p.147).
Foi assim para Flauta. A professora do pré-escolar, além de tocar violão e
cantar com a turma, o que é lembrado com muito carinho por Flauta, era amiga de
sua irmã mais velha e freqüentava sua casa, onde também tocava violão e cantava.
Essa experiência positiva, levou a que Flauta desenvolvesse um amor muito grande
pela música.
Duas músicas marcaram a infância de Piano: “A gata cega” e “Ciranda
cirandinha”. Essas músicas foram citadas como muito cantadas por ela e pelas
amigas na escola, mas a lembrança não está relacionada com alguma professora
especificamente, nem com conteúdo ministrado em sala de aula, e, sim, associada
às amigas que cantavam na hora do recreio e brincavam simultaneamente.
Fagote, que iniciou a caminhada escolar já nas séries iniciais, lembra que
a escola foi uma adaptação difícil para ela, pois ela estava costumada com uma mãe
que brincava com ela e com os irmãos; não cursando a educação infantil, a
preparação para as séries iniciais não aconteceu. Além disso, a ruptura foi maior
porque o professor era homem e lecionava para as quatro séries ao mesmo tempo
(escola multisseriada). Conta Fagote que ele era enérgico, não brincava e nem
cantava; por isso, ela ficava muito angustiada na hora de ir para a escola. Todavia,
no recreio, assim como Piano, brincava de roda com os colegas. As músicas de que
ela lembra são: “Ciranda cirandinha”, “Roda cutia” e “Passa Passará”.
75
Brincadeira é uma atividade que a criança realiza por iniciativa própria, sem um objetivo educativo ou de aprendizagem, para seu prazer e sua recreação, e que permite a ela entrar em contato com os outros e com o espaço, com o meio ambiente, com a cultura. (SANTOS, 2000, p. 125).
Muitas vezes os professores pensam que a educação acontece apenas
em sala de aula, mas, conforme as experiências vividas por algumas das entrevistadas,
podemos constatar que a hora do intervalo, musicalmente, foi o que as marcou mais.
Quando o recreio é compartilhado por alunos e professora, fica ainda mais significativo.
Harpa teve esse privilégio, segundo ela, de ter a professora participando
do recreio e cantando, fazendo brincadeiras de roda cantadas. Ela tem lembrança
de quatro músicas em especial: “Ciranda cirandinha”, “Atirei o pau no gato”,
“Negrinhos da África” e “Senhora Dona Cândida”. No entanto, o único estilo de
música que ela lembra de ser cantada na escola eram as cantigas de roda.
Conforme suas lembranças, não havia outros tipos de música, cantadas ou tocadas,
na educação infantil. Nas séries seguintes a música foi diminuindo e quase não era
trabalhada. As lembranças que ela tem sobre esse período incluindo a música são
praticamente nulas, pois não soube citar nenhuma.
Como atividade lúdica, ela (a música) se recorta como um jogo, cuja dinâmica é caracterizada por uma escuta que se enriquece da aprendizagem, motivando, criando necessidades e despertando interesses. É aí atentamos para os estudos de R. Hubert (Not, 1987) em torno da evolução do educando em sua fase de desenvolvimento cognitivo (SEKEFF, 2002, p.121).
A importância da música envolvendo a brincadeira fica explícita porque o
envolvimento do indivíduo na fase da infância com a música, geralmente, encontra-se
relacionado com a brincadeira, que nessa fase tem uma importância muito grande.
Para Xilofone as cantigas de roda marcaram a infância. Nas brincadeiras
com os colegas de aula, as amigas e ensinadas pela professora da educação
infantil. A música preferida dela era: “Ciranda cirandinha,” além da brincadeira do
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“ovo choco” que ela brincava na escola. Ela contou que ficava esperando a hora de
ir para a escola para poder brincar com as amigas, o que lhe trazia muita alegria.
O brinquedo ou cantiga de roda é , sem dúvida, uma atividade de grande valor educativo. É modalidade de jogo muito simples e, por incluir tradição, música e movimento, se constitui num poderoso agente socializador... A roda é o princípio do grupo, dá a sensação de união, de um todo ao qual se pertence. Daí a satisfação que a criança sente em estar de mãos dadas com seus coleguinhas, de cantar e movimentar-se ao som da melodia, de participar de um grupo em que todos fazem os mesmos gestos. (NOVAES, 1986, p.7).
Tanto Violino, como Fagote, que não tiveram a oportunidade de freqüentar a
educação infantil, sentem que perderam uma parte importante da sua educação,
tanto na área psicomotor como na área musical. Clarinete também teve essa experiência
de não ter participado do convívio social, educacional e musical da educação infantil.
Das séries em que iniciou sua jornada escolar, Clarinete tem apenas uma
lembrança musical que também é uma cantiga de roda: “O cravo brigou com a rosa”.
Essa cantiga era cantada pela diretora da escola em que ela estudava durante o
recreio. Clarinete lembra que a diretora ia a um lugar mais alto do pátio e cantava
com os alunos, fato que foi muito marcante em sua vida. Portanto, as lembranças de
Clarinete se restringem à diretora da escola, pois nenhuma professora é mencionada
como tendo marcado sua vida educacional na área musical.
Outras lembranças musicais de Clarinete referem-se ao curso de
Magistério, que ela cursou dez anos após ter terminado o ensino fundamental. Neste
ela cantava com as colegas e professoras músicas infantis para serem utilizadas nas
aulas que iriam ministrar. Com tristeza ela refere não ter tido nenhum contato com a
música no período em que cursou da quinta à oitava série.
Saxofone tem mais lembranças da escola, especificamente das séries
iniciais. Da primeira série lembra-se da música que a professora cantava para
desenvolver a coordenação motora, com a melodia da cantiga “Ciranda cirandinha”:
77
”O meu lápis sobe e desce, sobe e desce sem parar, vejam só meus amiguinhos, quem
acaba de chegar.“ Era um exercício que tinham que fazer indo da esquerda para a direita
com vários tipos de linhas, curvas, triangulares, etc. Sempre ao final da linha
traçada, havia um desenho de algum animal, o que ela mais lembra era o coelho.
Na segunda série as lembranças são da voz da professora, ela não
lembra das músicas, mas ao remeter-se ao passado era como se a professora
estivesse cantando para ela. O professor da terceira série era um homem que
segundo Saxofone, era muito carinhoso com as e gostava de cantar com os alunos.
Viola tem lembranças que marcaram sua vida, ela não lembra em que ano
especificamente, mas quando cursava entre a quinta e oitava série, relata que um
irmão (padre) cantava e tocava violão para os alunos, e conta sobre uma
homenagem que ela e seus colegas fizeram para um outro irmão (padre), de setenta
anos, cantando uma música de Roberto Carlos “-esses seus cabelos brancos,
bonitos”, música que ela não esqueceu mais. Das séries iniciais, Viola lembra a
professora de educação física, que cantava e trabalhava com cantigas de roda,
como “Ciranda cirandinha” e “Negrinhos da África”.
A música tem sido usada na escola muitas vezes como complemento
para outra atividade, não por ela mesma, provavelmente porque os professores não
têm preparo para tal, pois, para que a música seja usada por si própria, é necessário
que o professor tenha objetivos claros sobre o que pretende realizar com a utilização
da música. Nas escolas atuais o problema continua, embora em algumas já existam
professores especializados em música, que trabalham a música como matéria
específica. Eu tive essa experiência quando trabalhei numa escola de ensino
privado, onde trabalhava a música por ela mesma. O resultado foi impressionante, e
o gosto que os alunos demonstraram pela música é algo que jamais poderei
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esquecer. Nessa escola, as músicas eruditas puderam ser trabalhadas e cada
compositor teve seu momento com sua história revivida, e suas músicas
executadas. Era fantástico ouvir as crianças, mesmo que em tão tenra idade, na
educação infantil, pedindo para ouvir Beethoven, Mozart, Villa-Lobos, entre outros. A
criação musical também era enfatizada, tanto a criação de letras, fazendo paródias,
quanto a criação de melodias, com a própria voz, com instrumentos como flauta e
teclado ou a criação de ritmos com instrumentos da bandinha rítmica.
Infelizmente, entretanto, sabemos que, por mais que, na LDB esteja
inserida obrigatoriamente no currículo escolar, como citado neste trabalho, e
também na lei estadual que rege o ensino na educação infantil no estado, a música
ainda é trabalhada superficialmente.
Em meados da década de 1930, Villa-lobos, famoso compositor brasileiro
e amante da música, da educação musical e do Brasil, foi convidado para debater o
ensino da música e canto orfeônico nas escolas do Distrito Federal. Não demorou
muito para que Villa-Lobos organizasse cursos para capacitar professores que
ministrariam as aulas de música nas escolas, o que ocorreria no Rio de Janeiro. Em
23 de fevereiro de 1932, numa entrevista ao Diário de Notícias (jornal do estado do
Rio de Janeiro), Villa-Lobos proferiu uma frase que viria a ficar conhecida
nacionalmente: “O povo brasileiro deve cantar.” (SILVA, 2003).
Foi criada a Superintendência da Educação Musical e Artística (Sema)
das Escolas Públicas do Rio de Janeiro, fundada pelo educador Anísio Teixeira. A
qual criou o curso de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e Canto
Orfeônico, para preparação dos educadores. Contudo, para manter um bom nível
dos profissionais as exigências eram de uma boa preparação e, num país como o
Brasil, em que as distâncias são enormes, as dificuldades apareceram.
79
A despeito de qualquer controvérsia, não há como negar a importância do canto orfeônico no Brasil. Villa-Lobos acreditava que as escolas deveriam oferecer muito mais que os elementos básicos necessários para a vida prática. Dessa forma, o seu trabalho educacional tinha como intenção ensinar a apreciar, compreender e criticar de forma discriminada os produtos da mente, da voz e do corpo que dão dignidade ao homem e lhe exaltam o espírito. O insucesso de sua empreitada na área da educação musical deve-se muito mais a problemas de ordem operacional do que a problemas de ordem conceitual (GOLDEMBERG, 2002).
Na época, foi enviada a todos os estados brasileiros uma carta pedindo
aos governadores que incentivassem a implantação das aulas de canto orfeônico
nas escolas. Alguns atenderam, mas, devido às dificuldades já citadas, esse projeto,
que era um sonho de Villa-Lobos, não pôde se concretizar. Por isso o Brasil
continuou a ficar sem as aulas de música nas escolas.
3.2 MÍDIA, COTIDIANO ESCOLAR E MUSICALIZAÇÃO
A segunda essência trata da influência da mídia e do cotidiano escolar na
musicalização das pessoas, que passaram pela infância e, agora, já na fase adulta,
ainda têm lembranças musicais daquilo que as influenciou musicalmente, mesmo
que algumas não tivessem consciência disso antes da entrevista. Como a
fenomenologia faz as essências aflorarem, assim aconteceu nas entrevistas, sendo
que aflorando as falas e até emoções durante a mesma, algumas entrevistadas
tomaram consciência de que a mídia também pode contribuir para a formação
musical, ainda que informal e sutilmente.
Esta essência tem três dimensões, que são: Referência à mídia; Temas
trabalhados na escola e aspectos profissionais; Conhecimento musical das
participantes.
80
3.2.1 Referência à mídia
A mídia é algo cada vez mais presente na realidade dos dias atuais, seja
provinda da televisão, do rádio, da internet e até dos celulares. A cada dia, a
tecnologia avança um pouco mais e aparecem coisas não imaginadas há alguns
anos. Ao contrário, no período em que nossas entrevistadas estavam na infância, o
computador não era algo muito comum, muito menos a internet, pois o avanço
tecnológico nos últimos anos cresceu em nível extraordinário. Mesmo assim, a mídia
através da televisão e do rádio fez parte da sua vida musical.
Ainda que na época em que vivenciaram a infância e a fase escolar não
tivessem consciência disso, a mídia não passou desapercebida em suas vidas, pois
a música não se restringe a tocar, ler partituras, cantar, mas está inserida em um
contexto social, agindo na vida das pessoas diariamente, mesmo que de forma sutil,
seja através da família, da escola, da mídia ou de qualquer outra forma de
expressão musical.
[...] precisamos ter em mente que, quando vivenciamos música, não nos relacionamos somente com a matéria musical em si (altura, duração, intensidade, timbre, estrutura e expressão) e suas relações. Logo que ouvimos os primeiros sons de qualquer música, começamos assimilá-los a partir de uma rede de significados construídos no mundo social (Green, 1988, p.27). É no mundo social que definimos e convencionamos o que consideramos como sendo música e quais as funções e usos de determinada peça musical, seja ela de pular, de gente jovem ou para uma cena triste de novela. (SOUZA, 2000, p. 102)
Para Clarinete, a televisão teve uma participação significativa pelos os
temas de novelas a que ela assistia, tanto de músicas nacionais como de
estrangeiras. Uma música que a marcou muito provinda da televisão foi o tema de
uma campanha contra a fome de crianças, cujo nome era: “We are the world”.
81
Segundo Clarinete, todas as vezes que ela via uma criança maltrapilha na rua,
lembrava-se da música veiculada na comunicação televisiva há alguns anos quando
ela estava na adolescência.
Outras formas de expressão musical na televisão também foram
mencionadas, através de programas mais específicos de música. No relato de
Saxofone, ela citou o programa “Globo de Ouro” da Rede Globo, a que ela assistia
todas as semanas e lembra com carinho, pois servia-lhe de inspiração para as suas
brincadeiras com as primas. Então todas se vestiam com as roupas das mães,
sapatos de salto e brincavam de cantar e se apresentar no programa citado.
Também nos sábados à tarde ela assistia ao programa do Chacrinha, onde eram
cantadas muitas músicas, e também ao programa de calouros do SBT. Diz Saxofone
que gostava de assistir a esses programas porque as pessoas estavam tentando
cantar, o que ela achava muito legal.
Além desses programas, um infantil a marcou Vila Sésamo, no qual havia
muitas músicas e algumas partes ela lembra até hoje.
Os programas de televisão estão repletos de músicas, até os comerciais
apresentam música, cada uma com seu objetivo.
Nas novelas, filmes e desenhos animados, por exemplo, há música, boa parte do tempo, como trilha sonora, reforçando as intenções e emoções das cenas. Na propaganda a música vem enfatizar os conceitos subentendidos no texto e nas imagens. A música de abertura reforça o caráter dos programas, sejam jornalísticos ou humorísticos. Em programas de auditório a música não só preenche espaço entre os quadros como também reforça os diferentes temas abordados, de modo semelhante à trilha sonora nas novelas, filmes e desenhos. (DEL BEN, 2000, p. 102).
Dessa forma a música caracteriza-se também pelo ver, não só pelo ouvir.
A televisão trouxe essa forma de relacionar a música a uma imagem, cena ou
situação. Até mesmo os jingles cantados nos comerciais podem ser interessantes e
chamar a atenção dos ouvintes, pois essa é a intenção da propaganda. Flauta conta
82
que os jingles na televisão a alegravam muito na infância, tanto que tinha um
caderno para anotá-los.
A música faz a diferença em qualquer situação e pode, inclusive, mudar a
interpretação de uma situação. Lembro de uma aula em que eu e meus colegas
fomos desafiados a analisar a pintura de um quadro, não me lembro de qual o pintor,
quando a professora colocou uma música de fundo, erudita, lenta e bem
melancólica, provavelmente de Chopin. Então, ao final, quase todos os alunos
expressaram opiniões parecidas sobre a história do quadro, influenciados pela
melancolia da música.
Esse fato pode sugerir que a música pode influenciar a finalidade e a
história de qualquer coisa que esteja sendo apresentada. Como exemplo, num filme
de suspense a música é essencial para dar ênfase ao suspense em si; num filme de
romance, ao aspecto sentimental.
Os filmes de Elvis Presley marcaram a vida de Viola, pois assistia aos
seus filmes e chorou muito quando ele morreu. Gostava das músicas dele, e que na
fase da adolescência se tornou seu ídolo.
Para Piano, a música romântica é a sua preferida desde a adolescência,
em especial a trilha sonora e o próprio filme Romeu e Julieta, marcaram sua vida e a
fizeram sonhar em ir para a Itália para ouvir lá as músicas do filme. Felizmente, esse
sonho se realizou na idade adulta e, enquanto Piano me contava esse fato, lágrimas
corriam pelo seu rosto, mostrando uma forte emoção ao relatar o acontecimento.
A mídia influenciou também Violino, que na adolescência ouvia músicas
que estavam em evidência na televisão. Ela lembra que a irmã mais velha viajou
para Cascavel e trouxe uma mochila com a foto do Michael Jackson, cujas músicas
ela gostava de ouvir e também dos Menudos.
83
A televisão gera muitas críticas dos estudiosos, sejam pedagogos ou
psicólogos, mas a questão talvez seria como utilizá-la de maneira proveitosa, de
maneira a não ultrapassar os limites de idade das crianças e jovens e para trazer
informações úteis e momentos agradáveis para apreciar e recordar. Segundo Flauta,
a televisão contribuiu para diversificar seu gosto musical também para MPB e
música clássica. Ela assistia a Concertos para a Juventude, e Vila Sésamo onde
ouvia Marcos Valle cantando, considerado um cantor da segunda geração da bossa
nova. Flauta apreciava muito ouvir. Uma música que a marcou foi “Construção”, de
Chico Buarque, cujo timbre de voz ela considera interessante; esta música lhe
causava curiosidade e tristeza, uma sensação estranha, segundo ela.
Outras influências televisivas em sua vida foram Tom Jobim, Elis Regina e
uma novela chamada Bravo, que abordava a história de um maestro apaixonado por
uma moça. E na abertura da novela, ele aparecia regendo uma orquestra. A irmã de
Flauta comprou o disco da trilha sonora dessa novela que continha trechos de obras
famosas interpretados por Osvaldo de Los Rios, fazendo uma interpretação mais
popular para cativar as pessoas. Então Flauta ouvia diariamente essas músicas.
Segundo ela, essa foi uma forte influência para despertar seu gosto pela música
erudita.
O rádio é um outro meio de comunicação da mídia, onde a música
está muito presente, mas já foi muito mais utilizado antes do advento da
televisão. Só para exemplificar: “Em 1969, os americanos estavam ouvindo 268
milhões de aparelhos de rádio, quer dizer, cerca de um para cada cidadão. A vida
moderna foi ventriloquizada”. (SHAFER, 2001, p. 135).
84
Na casa de Saxofone durante sua infância, o rádio ficava ligado durante
todo o dia, para ouvir programas religiosos e músicas. Ela também cantava e
dançava durante as músicas, o que a marcou muito.
Na família de Violino as músicas ouvidas também eram do rádio,
sertanejas, românticas, músicas da época. Ela relata que poderia ter ouvido músicas
de melhor qualidade.
Harpa ouvia as músicas no rádio junto com seu pai, o qual gostava de
músicas sertanejas e influenciou no seu gosto. Também se lembra das músicas de
Roberto Carlos, fazendo parte de sua adolescência, inclui também na lista de
lembranças Zezé de Camargo e Luciano.
Viola lembra-se do rádio como parte do seu namoro, incluindo também os
discos gravados por cantores como Tim Maia e Roberto Carlos.
Da mesma forma, Fagote apreciava as músicas sertanejas e gauchescas
ou regionalistas, juntamente com sua família. Ela conta que, como não tinham
televisão em casa, a família se reunia em volta do rádio a pilha para ouvir o
programa do Teixeirinha, que tocava músicas nativistas; logo após, havia outro
programa da Rádio de São Paulo que tocava músicas sertanejas, o qual era o
programa familiar preferido de todos os filhos.
Tanto a televisão quanto o rádio e, atualmente, também a internet, i-Pods,
CDs e outras formas de mídia, seja ouvida ou visual, influenciam a musicalidade das
pessoas, pois, se a criança tem contato com todos os tipos de música, fica mais
democrática a sua escolha pelo estilo musical preferido. Contudo, se ela tem contato
apenas pela televisão, onde nos canais abertos, não se apresenta grande variedade
de estilos musicais. O que vemos na mídia hoje é um crescente aumento da
85
divulgação por conveniência, ou seja, para que seja vendido pelas gravadoras aquilo
que é de seu interesse, não importando se é de qualidade ou não.
Mesmo assim, não se pode condenar a mídia; o fato é que ela existe e
influencia as pessoas até musicalmente, como pudemos ver em alguns casos
citados. Algumas vezes, essa influência pode parecer não muito significativa, mas
em outras parece ter tido mais importância na vida musical dos indivíduos. Dessa
forma, podemos destacar que, a mídia tem uma influência grande sobre a
musicalidade das pessoas e, especificamente nos dias atuais, é necessário que “[...]
a cultura midiática seja seriamente tomada como local de aprendizagem e
contestação, especialmente para as crianças”. (SOUZA, 2000, p.53). A variedade da
mídia pode ser aproveitada na escola, tanto como conhecimento musical, como para
desenvolver a criticidade dos alunos e a musicalidade em si.
Portanto, a escola tem um papel importante no desenvolvimento musical
da criança, seja trabalhando as músicas, seja mostrando-lhe a diversidade musical
existente, seja na televisão, no rádio, computador, video games, CDs e outros.
Também deve trabalhar no desenvolvimento crítico do aluno de modo que com o
conhecimento adquirido possa avaliar a qualidade ou não das músicas ouvidas e
veiculadas nos meios de comunicação. Esse, é um ideal que ainda nos parece longe
de ser alcançado, entretanto acreditar nas mudanças é a principal tarefa de um
educador, para que possa também ser um agente transformador. Como as entrevistas
revelaram ainda estamos longe desse ideal, no que se refere à musicalidade escolar.
A segunda dimensão dessa essência são os temas trabalhados na escola
e os aspectos profissionais, que relatam e trazem à tona o que é trabalhado pelas
professoras entrevistadas na sua sala de aula e os aspectos profissionais da sua
musicalidade.
86
3.2.2 Temas trabalhados na escola e aspectos profissionai s
O que os professores trabalham em sala de aula com seus alunos mostra
o modo como usam suas habilidades de ensinar e demonstram seus conhecimentos
sobre o que estão trabalhando. Não se pode esquecer que o professor estará, de
uma forma ou outra influenciando seus alunos. Afinal, a educação não é algo
impessoal, mas envolve sentimentos, emoções, além das múltiplas inteligências e
habilidades e da influência social de cada um.
Assim como a mente de cinco anos perdura no aluno em idade escolar, também os valores e a prática da comunidade mais ampla não desaparecem apenas por que o estudante está sentado em uma classe e escutando o professor falar. Uma vez que o estudante saia no fim do dia, ou no fim de sua carreira escolar, as mensagens e as práticas apresentadas na televisão, os objetos apreciados pela sociedade de consumo, as partidas jogadas...adquirem enorme saliência. Apenas como equilibrar e integrar a missão da escola com as práticas da comunidade mais ampla é um problema que poucas instituições educacionais resolveram. (GARDNER, 1994a, p. 123).
Para trabalhar com a música em sala de aula, seria necessário muito mais
que o simples ato de ouvir música com objetivos diferenciados, geralmente para
acompanhar outra atividade.
A valorização do cotidiano social dos alunos no que se refere à música e
o aproveitamento das experiências pessoais das crianças para o trabalho em sala de
aula tem uma importância significativa, pois o ser humano não é um ser isolado, não
é uma ilha na escola, mas consigo traz toda a bagagem de suas vivências.
As professoras entrevistadas, adotam diferentes formas de trabalhar a
música com seus alunos, as quais variam conforme a segurança que cada uma tem
para trabalhar com seus alunos. Essa segurança se dá através do conhecimento
que cada uma detém ao trabalhar e ao se expressar com relação à música. Essa
87
demonstração de conhecimento pode ser observada na fala de Flauta, que revela
uma preocupação com o repertório empobrecido das crianças. Por isso, ela procura
trazer uma variedade de músicas, principalmente aquelas a que as crianças
dificilmente têm acesso em casa.
Flauta também leva para a sala músicas clássicas, para bebês, para
crianças, CDs do grupo Palavra Cantada, do Castelo Ratimbum, que tem sons de 42
instrumentos musicais, para trabalhar os timbres, e também CDs de cantigas de
roda. Sobre a visão de Flauta, Celso Antunes afirma que “o ciclo da educação infantil
não será completo enquanto não forem exploradas a sensibilidade tátil, a acuidade
auditiva, a motricidade e a dinâmica de sua inteligência cinestésico-motora, além da
audição e do paladar.” (2001, p.30).
Viola procura trabalhar a música em sala porque acredita que a música
pode ajudar a desenvolver todas as habilidades das crianças. Assim, ela canta com
elas e apresenta-lhes músicas novas e agradáveis para movimentação e gestos;
explora as letras das músicas para trabalhar as palavras e também a dramatização;
usa muita música nas brincadeiras da “Hora lúdica”, que é um momento diário
específico de brincadeiras, mas com objetivos de aprendizagem.
Em minha experiência profissional como professora de música na
educação infantil, o uso da música apenas pela música, sem outro objetivo de
aprendizagem, como ler, escrever, contar, entre outras habilidades que são tarefas
da educação infantil, parecia ser novidade para os alunos. O apenas ouvir música e
apreciá-la começou a ser uma constante em minha sala de aula, onde tínhamos o
momento de apreciação musical, com comentários sobre o que cada um tinha
percebido ao ouvir a música. Algumas vezes os alunos davam interpretações
parecidas, outras vezes, bem diferentes, segundo o ponto de vista de cada um.
88
As habilidades de conhecer, observar, compreender, comparar, reunir,
conferir (ANTUNES, 2001) podem ser desenvolvidas com a audição de música,
principalmente de música erudita ou de música sem palavras, somente tocadas, pois
o conhecer se dá ao ouvi-las várias vezes e em dias diferentes. Isso demonstrará o
nível de percepção das crianças, ou seja, se elas identificam o que estão ouvindo.
Quanto ao observar, por mais que se possa pensar que é preciso usar a
visão para observar, o ouvido pode também ser utilizado como instrumento
observador, ou seja, os deficientes visuais, por exemplo, usam os outros sentidos
para observar, e o fazem muito bem. É necessário que os professores tenham a
consciência de que todos os sentidos devem ser desenvolvidos.
Além de dar sua interpretação da música, é interessante conhecer a
história do compositor e em que situação ele compôs a música ouvida, quais eram
seus sentimentos na época, por que se expressou desta forma. Assim, a habilidade
de compreender estará também sendo usada.
Ao ouvir várias músicas do mesmo compositor ou de compositores
diferentes, a criança poderá comparar, seja um com o outro, ou seja uma música
com outra da mesma autoria, aumentando, assim, suas habilidades comparatórias.
Da mesma forma, poderá separar ou reunir músicas que têm o mesmo andamento
ou andamentos diferentes e consultar músicas para identificar sua intensidade, seu
andamento, sua forma melódica. A identificação de diferentes instrumentos que
estão sendo tocados pela orquestra também faz parte dessa habilidade.
Conta Piano que, durante a audição das músicas eruditas, algumas
crianças conseguem diferenciar qual instrumento está tocando, principalmente o
piano e a flauta. Certamente, essa linguagem de intensidade, altura, forma melódica
não é usada explicitamente com as crianças dessa faixa etária, mas “mais devagar”,
89
“mais rápido”, “mais forte”, “mais fraco”, são linguagens de fácil entendimento para
as crianças nessa faixa etária e que a auxiliam no desenvolvimento de outras
habilidades operatórias. A intensidade, a altura e a melodia das músicas podem
variar, mas sempre terão suas próprias características.
Incentivar as próprias crianças a inventarem melodias também é algo
muito significativo pra elas. “Parafraseando Paul Klee, uma melodia é como levar um
som a um passeio”. (SCHAFER, 1991, p. 81).
Para começar a exploração dos sons, nada melhor do que as crianças
descubram os sons que o próprio corpo faz. É assim que Flauta começa as
atividades musicais com seus alunos, com noções de som sons corporais; depois vai
avançando para outras atividades, como onomatopéia, ritmo, freio inibitório,
intensidade, volume, timbres, às vezes ouvindo os diferentes tipos de instrumentos,
das vozes deles, que são gravadas para eles ouvirem e analisarem se gritaram, se
ficou bom, o que poderia melhorar.
Violino trabalha as cantigas de roda, o resgate do folclore. As músicas
folclóricas são cantadas e brincadas, diz ela, como, por exemplo, “Escravos de Jô”,
brincando com pedrinhas, passando e marcando o ritmo da música. Esta professora
também tenta adequar a música folclórica e as cantigas de roda aos conteúdos.
As aulas de Piano são iniciadas com música, bem como todas as
atividades que as crianças fazem, de modo que elas já sabem o que vão fazer em
seguida, ou seja, reconhecem qual será a atividade que farão pela música que
está sendo cantada. Essa estratégia utilizada por Piano não é recente, pois,
quando da instalação dos jardins de infância no Brasil, algumas regras eram
seguidas rigorosamente, principalmente no que se tratava à seqüência das
atividades.
90
De acordo com a programação da Revista do Jardim de Infância, cantava-se tanto antes como após a refeição, para visitantes, na entrada e na saída, marchando. As canções e as práticas corporais eram alguns dentre outros marcadores do tempo escolar, presentes em seqüências fixas e atividades repetidas diariamente, instituindo regularidade para crianças e adultos. (SANTOS, 2000, p. 115)
Harpa também faz uso dessa prática utilizando músicas específicas para
a hora do lanche e para ficar em silêncio; quando ela canta determinada música, as
crianças já sabem que têm de ficar em silêncio.
Além desse objetivo, nas entrevistas aflorou a idéia da música usada para
desenvolvimento da expressão corporal das crianças, o que Piano faz com música
clássica. As crianças ouvem a música e fazem movimentos corporais seguindo seu
ritmo. Se é uma música lenta, suave, elas caminham ou rolam mais devagar; se é de
intensidade mais forte e de andamento mais rápido, elas fazem movimentos que
combinem com este ritmo.
Piano nos contou que, como na escola em que trabalha há uma
professora que trabalha especificamente a expressão corporal das crianças, ela não
se preocupa com isso, deixando essa responsabilidade àquela.
Harpa também cita a expressão geral e corporal da criança através das
músicas que ela trabalha em sala.
As músicas populares também são usadas com os alunos, como Piano
declarou citando pagode e samba. Já Clarinete pensa de forma diferente, não
usando música popular, pois afirma que é preciso ter um cuidado muito grande com o
repertório que aparece na mídia. Assim, ela prefere deter-se nas músicas folclóricas
infantis, “[...] além de usar a música popular por seus próprios valores, os professores
devem estar cientes da força das letras das músicas e do comércio no qual a música
popular está imersa, pois as letras carregam mensagens culturais.” (NARITA, 1998, p.56).
91
Tendo essa visão da música popular, Clarinete canta e coloca CDs de
cantigas de roda e músicas folclóricas para as crianças ouvirem e cantarem;
segundo ela, com o CD as crianças aprendem muito mais rápido do que apenas com
a professora cantando. Outra estratégia que ela adota para trabalhar com a música
é explorar sua letra, seja para analisar, seja até mesmo para alfabetizar as crianças.
Clarinete diz que sempre gostou de trabalhar com música em sua sala de aul,
porém, se ressente por não ter tido maior preparo em sua formação profissional.
Xilofone também utiliza as músicas folclóricas e cantigas de roda com
gestos e sons de animais, que as crianças ouvem e imitam, desenvolvendo a
expressão corporal e a socialização. Já no início da aula de Xilofone, as cantigas de
roda estão presentes, até mesmo havendo a oportunidade de as crianças criarem,
improvisarem músicas, o que eles fazem na hora e cantam para os colegas.
A improvisação é algo que as crianças têm muito presente, e que pode
ser muito explorado pelos professores. A gravação das músicas inventadas pelas
crianças e a análise dessas músicas num momento posterior, para ver se combinam
ou não, se rimam, se algo poderia ser diferente, ajuda no desenvolvimento das
habilidades já citadas anteriormente.
[...] a aula deve possibilitar ao aluno sair da posição de simples consumidor passivo e se tornar um produtor e um transmissor. Só assim pode sair de um consumo alienante, podendo ter uma opinião própria sobre a música... A intenção é tomar a questão do seu objetivo educacional em seu sentido mais fundamental, ou seja, entendida como educação que não quer a modelagem de pessoas, porque não temos o direito de fazê-lo, e também a mera transmissão de conhecimentos, mas a produção de uma consciência verdadeira que exigiria a participação de pessoas emancipadas. (SOUZA, 2000, p. 178, 179).
A emancipação das pessoas deveria ser o objetivo principal da educação
como um todo, em todas as fases de desenvolvimento da criança. Todavia, a
realidade observada, nos mostra algo um pouco diferente, pois a música é
92
trabalhada como suporte ou complemento de outra atividade, não como fator ativo
no desenvolvimento pensante da criança.
Quando os alunos de Harpa levam de casa músicas de vários estilos,
como rock ou de rodeio, eles as ouvem e dançam na sala, mesmo que não esteja no
planejamento da aula, o que valoriza a criança. Quando eles acabam as atividades
também é colocada música para ouvirem e conforme o conteúdo que está sendo
trabalhado, a música é aproveitada como aquelas que falam de números, de
palavras, desmembramentos de palavras. Isso é incluído no planejamento, feito
pelas quatro professoras da mesma série, pois existem quatro turmas de cada série,
na escola em que trabalha. Segundo Harpa, quando o conteúdo é trabalhado com
música, as crianças não o esquecem mais.
Também dependendo do conteúdo que está sendo trabalhado, Fagote
propõe músicas na aula, mas também promove rodinhas onde todos cantam, batem
palmas e dançam durante as cantorias das músicas.
Flauta, por sua vez, aproveita músicas que se encaixam nos conteúdos
desenvolvidos, como, por exemplo, no projeto realizado pela educação infantil sobre
família, ela aproveitou para explorar a família dos instrumentos musicais família das
flautas doce: flauta soprano, flauta contralto, flauta tenor, e flauta baixo; a família de
teclas: piano, teclado, cravo; a família de cordas: violão, violino, viola, violoncelo, e assim
por diante. Flauta também procura valorizar os gostos das crianças. Assim se
alguma criança leva CD de música infantil, mesmo que não seja de qualidade, este é
ouvido, pois ela sabe que tais músicas também fazem parte da vida da criança.
O professor, além de respeitar a opção da criança, não deve se restringir apenas a um tipo de música. Cabe-lhe adaptar as atividades ao nível do desenvolvimento da criança, apresentando diversos temas musicais, mas dosando a quantidade de temas e os assuntos que podem ser trabalhados (JEANDOT, 1993, p. 117).
93
Quando Harpa trabalhou numa creche com crianças de zero a dois anos,
costumava colocar músicas que os pais das crianças ouviam em casa. Ela nos
relatou que o resultado era impressionante, ou seja, as crianças se acalmavam pois
a música lhes lembrava o seu ambiente e os influenciava.
A experiência de infância contada por Harpa, retrata como as marcas
deixadas pelas vivências das pessoas continuam fazendo parte da vida adulta.
Assim é que, seguidamente, quando ela está cantando com seus alunos, remete-se
à sua própria infância, por serem músicas que lá ela ouvia.
A mesma experiência foi contada com emoção por Fagote, que disse
muitas vezes se reportar à sua própria infância quando está cantando com seus
alunos, seja pela lembrança das músicas cantadas em casa pela mãe e com os
irmãos, ou seja pela lembrança de que não teve oportunidade de participar da
educação infantil e cantar com a professora.
Ao caírem no domínio infantil, as letras e quadras em referência conservaram as características de origem e, passando de geração a geração, constituem hoje uma tradição popular. É interessante notar-se que, ainda hoje, nas cidades do interior, nas fazendas, podem ser observadas as rodas que se organizam à tardinha ou à noite, integradas não só por crianças, como também por adultos de ambos os sexos. (NOVAES, 1986, p. 10)
Em minha vivência juvenil, participei várias vezes de grupos que
brincavam de roda com as quadrinhas e cantiga, o que era muito divertido, pois
eram jovens e adultos que participavam e a alegria resplandecia no rosto de cada
um. Foi uma experiência muito agradável que tive. Esse grupo se reunia
semanalmente na igreja e, após estudo da Bíblia havia brincadeiras de roda.
Dessa forma, percebe-se que a escola não é o único lugar em que as cantigas de
roda estão introduzidas, pois elas são realmente populares, no sentido literal da
palavra, pertencem ao povo de qualquer faixa etária. Como Fagote mencionou
94
que sua mãe fazia parte das brincadeiras, assim também há outros jovens e
adultos que participam, não apenas como instrutores, mas como participantes
ativos do grupo.
As músicas também são usadas em apresentações na escola, como
recurso agradável aos sentidos da audição e visão na apresentação do todo. Fagote
vale-se desse recurso para as apresentações folclóricas ou de outra espécie feitas
na escola. Ela conta que tem o aparelho de som sempre na sala para colocar
músicas de fundo enquanto as crianças estão fazendo alguma atividade, como
músicas infantis, cantigas de roda, ou de cantoras como Xuxa e Angélica. Fagote
afirma que essas músicas fazem parte do convívio das crianças e as conduzem a se
sentirem mais familiarizadas com o ambiente escolar.
Para Saxofone, a música também serve como recurso didático. Ela
relata que trabalha muito com música na sala de aula, meio pelo qual, as crianças
memorizam até palavras em inglês muito mais facilmente. Para ensinar a contar,
trabalhar os animais também utiliza a música, que está presente todos os dias em
sua sala da aula.
A música pode ser utilizada como recurso didático e por sinal tem se
mostrado, como vimos nas falas, um ótimo recurso. Contudo, deve ser o uso da
música por si só, independente de outro objetivo; a música usada apenas como
música, defendendo sua independência, o aprender a apreciar diversos ritmos,
diversas melodias, intensidades, alturas. A participação efetiva da música na escola.
Portanto, pontuar música na educação é defender a necessidade de sua prática em nossas escolas, é auxiliar o educando a concretizar sentimentos em formas expressivas; é auxiliá-lo a interpretar sua posição no mundo; é possibilitar-lhe a compreensão de suas vivências, é conferir sentido e significado à sua condição de indivíduo e cidadão. (SEKEFF, 2002, p.120).
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É claro que tudo isso implica ter um conhecimento, ter um preparo
para trabalhar com os alunos dessa forma, desenvolvendo suas habilidades,
expressões e capacidade de pensar a música, não somente de ouvi-la. É disso
que trata a próxima dimensão desta essência.
3.2.3 Conhecimento musical das participantes
No Brasil, a música faz parte do currículo da Lei de Diretrizes e Bases em
que está inserida a educação infantil. Mas, se é assim, qual é a formação oferecida
pelas universidades na formação dos professores da educação infantil?
Em sua fala Xilofone deixou claro: “Nunca trabalhei a música em si, com
objetivos específicos, porque não tive formação para isto.” Da mesma forma,
Violino afirmou que não trabalha profundamente a música por falta de
conhecimento. Disse que ainda não consegue trabalhar como foi feito na oficina,
porque não tem preparo para isso. Contudo, depois da oficina a sua visão quanto ao
trabalho com a música mudou, segundo sua afirmação, pois, não canta mais só por
cantar. Todavia, declarou que ainda lhe falta conhecimento para trabalhar melhor
com a música em sala de aula. Violino disse que na escola existe a bandinha
rítmica, com a qual ela não trabalha por não ter segurança de como fazê-lo.
Como Flauta teve uma formação musical extracurricular, ou seja, fora da
escola formal, ela toca flauta e violão e também teve aulas de canto e aulas teóricas.
Então aproveita seu conhecimento e leva para a sala instrumentos musicais como
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flauta doce, que as crianças têm a oportunidade de experimentar, e o violão (o
mesmo verde que ela brincava quando criança).
Saxofone, apesar de ter feito quatro anos de aulas de piano na infância e
também aulas de violão, não lembra mais como tocar, apenas lembra das notas
musicais e das melodias e ritmos que tocava. Ela tentou tocar na igreja enquanto
fazia aulas de piano, mas o instrumento que havia ali na época era um harmônio, um
instrumento de teclas parecido com o piano, mas que, para funcionar precisa ser
pedalado. Como ela ficava preocupada com os pedais, não conseguia se concentrar
nas notas, por isso desistiu. Apesar disso, ela aproveita seus conhecimentos
musicais de ritmo, melodia, canto, história da música como auxílio no trabalho em
sala de aula.
Para Clarinete a realidade mostra-se diferente. Ela declarou que, na
formação acadêmica, o professor deveria ser preparado para trabalhar com a
música, que é utilizada todos os dias em sala de aula. A formação da entrevistada
não abrangeu a música, pois a disciplina de artes foi especificamente expressão
corporal, o que poderia ter sido direcionado para a música, que seria mais
proveitoso, segundo a entrevistada.
Harpa também diz que com música clássica ela nunca trabalhou, por não
ter muito conhecimento. Assim como Clarinete, relatou não ter tido base musical na
faculdade, pois na disciplina de artes trabalhou-se apenas expressão corporal e
teatro; além disso, a professora da disciplina dedicou-se mais à pós-graduação do
que à graduação na época, já que a matéria era intensiva. Ela também disse que
gostaria de fazer cursos de formação continuada sobre música para poder trabalhar
melhor com seus alunos.
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Como exigir dos professores algo para o qual eles não foram preparados?
Como querer que eles desempenhem um papel musical significativo em sala de aula
se eles próprios têm suas limitações de conhecimento? Explica Oliveira (2001):
[...] a educação geral e a educação musical devem objetivar a realização de transações musicais significativas, que combinem as experiências nos domínios cognitivos, afetivo e psicomotor com as relações socioculturais entre os vários contextos disponíveis [...] (p. 37).
Para que isso aconteça, é necessário uma mudança significativa nas
aulas de artes da graduação, dos cursos que formam para o magistério. Isso por que
os relatos sobre a formação acadêmica que obtivemos nesta pesquisa, não são tão
agradáveis quanto deveriam ser.
Ainda com relação à formação acadêmica, Fagote diz que não houve uma
disciplina que contemplasse a música, do que ela sente falta, pois o trabalho na
educação infantil exige música todos os dias e não houve formação para isso. Por
isso, cada um acaba fazendo o que acha melhor, cantando e encaixando as músicas
conforme os conteúdos. O contato musical que ela teve ocorreu no curso do ensino
médio, o magistério, marcado pelas cantigas de roda, por músicas folclóricas que
poderiam se encaixar nos conteúdos que as aspirantes ao professorado iriam
ministrar em sala de aula.
O relato das professoras demonstra claramente que poucas se sentem
preparadas musicalmente para atuar em sala de aula e que mesmo as que tiveram a
oportunidade de desenvolver a musicalidade, o fizeram fora do contexto escolar formal.
Infelizmente, o preparo dos professores para trabalhar a música, não por culpa deles, mas
por toda uma questão social, cultural, desde a infância, e também de formação profissional,
não é satisfatório. Foi o que todas as professoras afirmaram na entrevista. Então, como
fazer um trabalho satisfatório com os alunos se o preparo para isso é insuficiente?
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É essa uma questão a ser pensada e refletida por todos os agentes da
educação, tanto da educação infantil quanto das séries seguintes e da formação
profissional dos professores. É na educação infantil que se torna mais atraente e
mais fácil iniciar o processo de musicalização, cuja continuação é de suma
importância para o desenvolvimento geral da criança e também para o
desenvolvimento musical em si.
Há cursos de pedagogia que oferecem a disciplina de Metodologia do
Ensino da Música, como é o caso da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio
Grande do Sul. Cláudia Ribeiro Bellochio, professora desta cadeira na universidade
citada, explica:
[...] a disciplina de Metodologia do ensino da Música no curso de Pedagogia da UFSM tem propiciado um espaço de desafios e conquistas aos futuros professores, fato que entendo referendar a necessidade de maiores discussões e de implementação de formação musical, teórica e prática, na formação desses professores. (2001, p. 43)
Entretanto, essa não é a realidade nas universidades da nossa região,
razão por que muitos professores já se formaram e não têm preparo algum para
trabalhar com música. Não seria o momento de intervirmos nessa realidade e incluir
a música no currículo, mesmo que seja na matéria “artes” já existente? Há de se
pensar nisso, nesse ciclo de professores que têm dificuldades e insegurança para
trabalhar com a música, cujos alunos terão experiências semelhantes às dos
professores, já que o preparo destes é insuficiente.
Afinal, a música não poder ser considerada como algo apenas passivo,
pois é uma forma de pensar de interagir, um meio de ajudar as pessoas a pensarem
através da música. Não existe solução latente, mas há várias formas de se pensar
em transformar essa realidade, já que os educadores são agentes transformadores
do mundo, não agentes passivos.
99
Mesmo que as professoras não se sintam preparadas para trabalhar com
a música em sala de aula, isso não significa que elas não tenham experiências
musicais, pois, como relatado anteriormente na primeira essência, a música fez
parte da vida de cada uma, apenas não foi aprofundada no que tange à área do
conhecimento. Segundo Ormezzano e Torres: “existe um elo muito forte entre
homem / música que sempre aparece na história humana. As vivências pessoais
estão misturadas, imbricadas com esse universo musical.” (2002, p.121).
Mas o que é música? Será um elo de ligação com nossas vivências e sentimentos? Acreditamos que sim, pois as experiências auditivas e de percepção musical misturam-se com as vivências do homem...Não encontrando uma definição para a música, consideramos como um grupo harmônico de idéias, optando por senti-la e acompanhá-la, assim como ela acompanha ao longo de nossas vidas. (Ibid, p.122).
A música, sem dúvida, acompanha a vida das pessoas, mas seria muito
mais proveitoso se elas tivessem consciência desse fato; se principalmente os
professores que trabalham não com a educação musical em si, mas com a música
tivessem consciência de que a música faz parte da vida e pode produzir bons frutos
se desenvolvida de uma forma mais direcionada e com subsídios.
3.3 IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NA VIDA
A terceira essência, que trata da música na vida das professoras, possui
três dimensões que são: “O desejo de tocar um instrumento,” “Música para relaxar,”
e “Significações pessoais da música.”
100
3.3.1 Desejo de tocar um Instrumento
A música, como parte das vivências musicais das pessoas, acaba por ter
uma importância diferente e única para cada uma, pois cada indivíduo é um ser
totalmente diferente de outro. Portanto, cada experiência é própria de cada um, cada
vivência é única e especial para cada um.
Algumas das entrevistadas mostraram um grande interesse em tocar um
instrumento musical. Violino tinha vontade de aprender a tocar acordeão na
infância, pois sua amiga tinha aulas deste instrumento e ela achava bonito. Porém
sua família não tinha condições financeiras de adquirir um violão para que pudesse
aprender.
O desejo de aprender a tocar um instrumento musical pode ser o primeiro
passo para uma caminhada musical. Se o indivíduo já apresenta o desejo, é mais
fácil de aproveitá-lo, pois este se mostra claro. Mas o desejo latente não é a única
forma de descobrir a vontade ou a identificação com um instrumento específico; há
também a possibilidade de descobrir o desejo de tocar um instrumento através da
musicalização e da exploração de vários instrumentos musicais, procurando
descobrir com qual há maior identificação.
No meu caso, o estímulo dos meus pais ajudou muito, pois iniciei com a
flauta doce fora do ensino formal, como já relatei no princípio deste trabalho;
posteriormente, o desejo de tocar piano e, mais tarde a flauta transversal
também aflorou por haver uma identificação pessoal com esses instrumentos e
a apreciação da sua beleza de minha parte. “O reforço positivo por parte do
adulto, parente ou professor, o propiciar a atividade musical de forma agradável
101
e prazerosa, são caminhos para que a criança carregue a semente da música
pela vida afora.” (ORMEZZANO, TORRES, 2002, p. 147).
O mesmo aconteceu com Flauta em se tratando de influência
familiar.Como sua irmã ganhou um instrumento musical, mas logo de desinteressou
pelas aulas de música, o violão – verde – tornou-se seu brinquedo de infância. Ela
brincou com ele até os dez anos quando começou a fazer aulas de violão. A mãe e a
irmã eram sua platéia e a incentivavam, ouvindo seu repertório, que aumentava a
cada semana. Embora Flauta não tenha avançado nos estudos de violão, hoje ela
toca, porém gostaria de ter aprendido a tocar violão clássico, não popular. Flauta
também toca flauta doce, instrumento pelo qual tem verdadeiro amor.
Piano não teve influência dos pais nesse sentido, mas incentivou os filhos
a aprenderem a tocar um instrumento; infelizmente, segundo ela, apesar do
incentivo dos pais, eles não aprenderam a tocar nenhum instrumento musical. O
marido de Piano toca violão e sempre incentivou os filhos; chegou, mesmo, a
comprar flautas para as crianças e até fez flautas de bambu, porém eles não
quiseram aprender a tocar.
Portanto, nem sempre o incentivo dos pais tem resultado. Seria pois,
importante que a escola tivesse programas para despertar o interesse dos alunos
em tocar um instrumento musical.
Ainda podemos ressaltar a criatividade musical na invenção de canções,
visto que as crianças inventam canções com uma grande facilidade.
Viola contou um fato muito interessante e que retrata algumas
brincadeiras musicais que se tornam posteriormente em desejos reais. Quando Viola
tinha oito anos de idade, ela, sua irmã e a filha da patroa da mãe, colocavam-se
sobre a Kombi do pai de Viola e com pedaços de isopor tocavam e cantavam uma
102
música que elas mesmas haviam composto em uma língua inventada por elas. Elas
decoraram aquela letra e a cantavam, ensaiando todos os dias, com a idéia de que
poderiam gravar esta música um dia. Sonhos tornam-se ou não realidade, conforme
o quanto se investe neles. O sonho de Viola não se realizou, mas os professores
podem incentivar seus alunos a criarem muitas coisas, inclusive música.
Apesar dos professores terem algumas resistências, porque vêem a improvisação e composição como algo difícil, que requer genialidade e grandes competências técnicas, a realidade nos diz que as crianças começam desde pequenas a expressar-se com o canto: primeiro, com pequenas seqüências melódicas que depois se transformam em historinhas cantadas (para acompanhar o jogo e a vida cotidiana) enfim, verdadeiras cançõeszinhas. Isto é possível, com certeza, se ao redor da criança há pessoas cantando: pais, irmãos, professores, etc. (TAFURI, 2000, p.60).
Para Fagote, o desejo encontrava-se latente pelo violão, mas não teve
oportunidade de aprender a tocá-lo. Todavia, mesmo sem ter aprendido, ela
incentiva os filhos, tanto que o menino toca teclado e a menina faz aulas de violino,
o qual ganhou alguns meses atrás, quando completou quinze anos. Relata Fagote
que o professor de violino ficou impressionado ao ver o rápido progresso da menina
com o instrumento. Seu marido não toca nenhum instrumento musical, mas assim
como Fagote, tem vontade de aprender e cultiva nos filhos juntamente com a
entrevistada o gosto pela música seja gauchesca que faz parte da tradição familiar,
ou seja clássica, que traz tranqüilidade, segundo ela.
3.3.2 Música para relaxar
A música também foi citada como fonte de relaxamento, tanto para as
entrevistadas em sua vida pessoal como para seus alunos em suas atividades
103
cotidianas. “A música influencia sobre o metabolismo, a respiração, a pressão
arterial, diminui a fadiga, aumenta os reflexos; diminui as tensões, a ansiedade e
eleva o estado moral.” (ORMEZZANO & TORRES, 2002, p. 90).
Harpa gosta de ouvir músicas românticas quando volta da faculdade para
relaxar do dia cansativo. Ouve música por uma hora aproximadamente e diz que
consegue dormir bem por causa do efeito exercido sobre ela.
Violino gosta de músicas descritas como calmas, das quais não se lembra
do nome, mas deduz serem músicas clássicas. Segundo seu marido ouvir uma
música suave é bom para acalmar quando se levanta e enquanto se toma café.
Então, ela, o marido e o filho, ouvem CDs de músicas instrumentais.
Piano também afirma que a música clássica lhe traz tranqüilidade e paz,
sendo, atualmente, sua preferida.
Flauta contou que sua mãe lhe disse: “Você precisa da música para viver
e relaxar, você fica insuportável sem a música.”
Para Saxofone a música depende do humor; ela diz amar música
instrumental para relaxar, mas nem sempre ter tempo para ouvi-la. Seu filho mais
velho, de 13 anos, ouve música erudita enquanto está fazendo as tarefas escolares,
o que para ele, é uma verdadeira terapia; “A música constitui também um recurso
contra o medo e a ansiedade, além de uma defesa contra situações paranóides e
melancólicas.” (SEKEFF, 2002, p. 112).
No âmbito profissional, a música também é utilizada como forma de
relaxamento, como a usa Violino com seus alunos, para relaxar, acalmar e
descontrair em sala de aula, conforme o momento, conforme o conteúdo que ela
está trabalhando.
104
Para Xilofone, a música também é adotada como relaxante para acalmar
as crianças depois de uma atividade mais agitada.
A música é usada por Clarinete para relaxamento, principalmente quando
as crianças voltam da educação física ou do recreio, bem como por Fagote.
Como recurso para outra atividade, o relaxamento é um exemplo. A
música dispõe de um poder grande, que é o de poder acalmar. O ritmo influencia
muito na condição que o objetivo pede: se for um objetivo de relaxamento, a música
precisa ter andamento lento e intensidade piano.
Cada uma das entrevistadas, traz consigo marcas musicais, mesmo sem
saber, mesmo se ressentindo de não ter tido oportunidade de maior preparo profissional.
A fenomenologia fez aflorar a música e sua história dentro de cada experiência relatada,
pois cada uma mostrou a importância que a música tem para sua vida.
3.3.3 Significações pessoais
Os sons são encontrados não somente na música, mas na própria
natureza, no corpo humano, na terra, no mar, nos pássaros, nos insetos, nas
cigarras, nos animais, no campo, na cidade, no homem, na vida. “Mesmo onde não
há vida, pode haver som.” (SCHAFER, 1977, p. 49).
Para cada indivíduo, os sons são presentes, pois, mesmo nos indivíduos
desprovidos da audição, as vibrações sonóricas podem ser sentidas. Som e música
se entrelaçam e criam um universo musical que transcende as concepções de
música composta. As significações pessoais de cada um têm base em suas
experiências e vivências diárias, desde a infância até a velhice.
105
Para cada indivíduo a significação musical aparece de forma diferente,
atuando em sua vida com mais ou menos intensidade, quer ela seja consciente ou
mesmo inconsciente na mente das pessoas. Muitas vezes, apesar de a música estar
presente na vida diária, ter feito parte da história de cada um, a sua importância
pode passar como imperceptível, caso não haja uma reflexão sobre isso.
Essa caminhada começa com o bebê e o seu balbuciar musical, passando pela criança pequena e suas músicas expressivas e repetidas; as primeiras vivências escolares e a música, os adolescentes e a grande necessidade do som como companheiro até chegar a música dos adultos para relaxar, acabar com o stress do dia, amar, chorar perdas, comemorar as vitórias, relembrar sua infância e juventude, evocar os primeiros amores, realizar sonhos deixados para trás, construir novos caminhos... (ORMEZZANO, TORRES, 2002, p. 122).
Para Flauta a música foi e é parte atuante da sua vida. Segundo suas
próprias palavras, “a música tem para mim, a mesma importância do ar que respiro.
É a música minha companheira nas horas difíceis e nas horas alegres.” A
consciência de que aconteceram vivências musicais significativas é que leva Flauta
a afirmar seu significado musical dessa forma.
Afirma Saxofone:
A música sempre fez parte de minha vida, desde a infância quando lembro de minha mãe cantando, das músicas cantadas na igreja, na Escola Dominical, onde aprendíamos a cantar músicas de Jesus que eu lembro até hoje. Para mim a música ajuda a relaxar, dá ânimo, conforme o meu humor. Sempre estou ouvindo música, se entro no carro, ligo o CD, é automático, se estou fazendo almoço estou ouvindo música. E algumas lembranças gostosas que tenho são de quando cantava para fazer meus filhos dormir.
Para Saxofone a presença da mãe cantando influenciou-a para que
tomasse a mesma atitude com os filhos.
A mãe de Fagote cantava e brincava de roda com seus filhos, o que a
marcou muito; atualmente, ela, os filhos e o marido, têm uma apreciação grande
pela música. Mesmo sem saber tocar um instrumento, ela diz: “A música faz parte da
106
minha vida, gosto tanto que meus filhos sentiram isso, consegui passar isso pra eles
e eles estão aprendendo a tocar teclado e violino. É tão emocionante ouvi-los
tocando, tem uma importância muito grande pra mim”.
Como Harpa ainda não tem filhos, esse compartilhar a música ainda não
aconteceu em sua casa, mas ela diz: “A música me acalma, preciso ouvir antes de
dormir para dormir tranqüila. É algo maravilhoso.”
Mas e aquelas pessoas que não tiveram experiências como essas?
Poderão agir de forma mais musical com a sua descendência ou com seus alunos?
Clarinete mostra que isso é possível, pois, como pôde ser observado no
relato das experiências que ela teve na infância, na primeira essência deste
trabalho, ela não teve incentivo musical por parte de sua mãe ou de outro membro
da família; mesmo assim, a música tem um grande significado em sua vida: ”Não
consigo viver sem música. Se estou triste, ouço uma música mais calma; se estou
alegre, aumento o volume do som e canto uma música mais agitada, e, quando
estou muito cansada, ligo uma música e ouço para relaxar. A música está tão
presente em minha vida, que não saberia viver sem ela.”
Na vida de Violino, a música foi descoberta em sua vida pessoal. Apesar
de ela declarar que não tivera formação musical, na própria entrevista, à medida que
iam surgindo as questões, a expressão de alegria em seu rosto era visível e foi
expressado também através de palavras quando disse: “Então eu tenho
experiências musicais? Achava que não tinha.” Por isso explorar questões que
estão implícitas é uma tarefa da fenomenologia, quando afloraram as vivências
musicais de Violino, ela se sentiu motivada a ter mais experiências nesse sentido.
107
Para outras entrevistadas, a significação da música tem um sentido mais
profissional, como para Viola: “Eu gosto muito de usar a música com meus alunos,
ela é muito importante no meu trabalho, eu não saberia dar aula sem música.”
Piano, além de mostrar como a música faz parte de sua vida pessoal,
principalmente músicas que a marcaram, como citado nas referências aos gostos da
família, também dá uma importância especial à atuação musical na vida profissional:
“A música é algo muito importante para o desenvolvimento da criança. Eu sempre
uso com meus alunos, pois sei que ela ajuda no desenvolvimento cognitivo e
emocional da criança. Eu sempre cantei para meus filhos, mesmo quando ainda
estavam em meu ventre.”
Falando do significado profissional, Xilofone diz: “A música deveria ser
uma matéria específica desde a educação infantil até o ensino médio, porque se
trata de algo muito importante para as crianças.” Para ela deve existir uma ponte
entre o aspecto pessoal e profissional: “Para o aluno gostar de música, ele deve
sentir que o professor também gosta; é a mesma coisa com a leitura, o aluno tem
que sentir que o professor gosta. Eu gosto muito de ouvir música, quando estou
sozinha em casa, o som está sempre ligado.”
Portanto, cada uma de sua forma, pois as vivências e experiências são
individuais, mostrou como a música tem importância para elas, para umas mais,
para outras menos, o importante é que a música faz parte de suas vidas.
108
POSLÚDIO
A emoção está quase sempre ligada às vivências musicais das pessoas.
Embora, por falta de conhecimento mais aprofundado, alguns pensem não ter
experiências e vivências musicais, todos as têm, alguns em maior número, outros
em menor, alguns de forma mais sistematizada, outros não. Mas as vivências
ocorrem mesmo assim. Como explica Sekeff,
[...] a palavra é incapaz de traduzi-la (a música) pelo fato de suas naturezas serem diferentes (o código lingüístico opera com signos simbólicos cuja sintaxe é a contigüidade, e a música manipula signos não simbólicos, operando por similaridade), ainda assim é possível uma “transcrição relativamente gratificante” em termos da emoção que a vivência musical suscita (2002, p. 120).
A emoção está intimamente ligada com as vivências pessoais. Mas nem
sempre estas experiências vivenciadas são explícitas, fazendo com que o indivíduo
tenha consciência disso, principalmente no que se trata da música. Pó esse motivo.
este trabalho, buscou fazer aflorar as experiências e vivências musicais das
professoras da educação infantil no município de Joaçaba.
Muitas foram as experiências relatadas, muitas vieram à tona no decorrer
das entrevistas e, algumas das entrevistadas tiveram a oportunidade de tomar
consciência de suas experiências musicais, iniciando na participação da oficina e
após, na realização das próprias entrevistas.
A dependência da música de Flauta fica explícita quando afirma: “Não
posso viver sem música.” O amor de Saxofone pelas músicas que sua mãe cantava
e sua vontade de voltar a tocar piano novamente mostram que a fenomenologia com
seu método de fazer vir à tona, atingiu seu objetivo. Da mesma forma como Violino
109
se expressou ao descobrir que tinha experiências musicais, pois pensava que por
não ter sistematizado o conhecimento, a vivência musical não existia.
O conhecimento musical, no Brasil, infelizmente está restrito a aulas
extra-classe, geralmente fora da escola. Por esse motivo há tanta carência de
conhecimento musical, de apreciação de música de qualidade, com composições
que sejam harmônicas, que soem bem aos ouvidos. Segundo Shafer:
A música é, sobretudo, nada mais que uma coleção dos mais excitantes sons concebidos e produzidos pelas sucessivas operações de pessoas que têm bons ouvidos. O constrangedor mundo de sons à nossa volta, tem sido investigado e incorporado à música produzida pelos compositores de hoje. (1991, p.187-188).
Portanto, as experiências musicais são mais do que simples melodias, do
que tocar um instrumento; é cantar, ouvir todos os tipos de sons, inclusive aqueles
que nem parecem música, mas têm ritmo, como os sons da máquina de lavar roupa
da mãe de Flauta, que a embalavam e a faziam dançar. No mesmo sentido se
explica a ansiedade de Piano, Harpa e Xilofone para brincar com as amigas
cantando as cantigas de roda, que, como afirma Novaes, “além de apresentar...tão alto
valor educativo, imprime na alma e no coração da pessoa, através de sua melodia
ingênua e doce, uma de suas mais belas e duradouras recordações” (1986, p.12).
Ainda emergiu o desejo realizado e emocionado de Fagote, ao contar da
sua realização ao ver os filhos tocando instrumentos musicais e, as lembranças de
Clarinete sobre a hora do recreio, quando a diretora da escola cantava, e o prazer
que tem hoje de ouvir música, conforme seu estado de espírito. As lembranças de
improvisação de Viola, e seus sonhos de gravar um CD, são todas vivências que
mostram que há experiências musicais, pode haver muito mais; é mister prestar
atenção aos pequenos detalhes que fazem a diferença, mas às vezes não são
notados.
110
Assim, a compreensão da vivência musical das professoras da educação
infantil em Joaçaba pôde acontecer, concretizando os objetivos desta pesquisa. Dentre
as muitas experiências e vivências que relatei, a que mais exigiu atenção foi o pedido
de ajuda delas entendido nas entrelinhas, de busca de um maior conhecimento musical
para regozijo próprio e para seu uso profissional em sala de aula.
Ficou demonstrado que não houve preparo musical em sua formação
profissional. Assim, com a realização da oficina e a descoberta do uso da música
como música em si própria, tudo ficou um pouco mais claro, porém seria
interessante que houvesse uma continuidade desse processo. Para tanto, há
necessidade de que em nossa universidade se aproveite a cadeira de teoria e
metodologia do ensino da arte, para a preparação dos professores na área musical,
haja vista a música ser presença constante nessa fase da educação. Não estou
propondo a criação de outra grade curricular, mas, sim, a adequação de uma grade
já existente às necessidades da comunidade docente. Afinal, não é esse um dos
principais objetivos da pesquisa? Que se compreenda a realidade para depois
propor formas de como agir e melhorar o que já existe?
Buscam-se mudanças, movimentos, afinal, música é movimento; não é
estática e não existe música sem movimento (SCHAFER, 1991); música é a
variação dos sons, de intensidade, de altura, de ritmos. Propomos, portanto, que
haja uma adaptação na grade curricular dos cursos que capacitam professores para
contemplar a música, a fim de cultivar a cultura e o desenvolvimento pessoal que
essa área pode trazer.
A vida musical de uma pessoa pode ser cheia de emoções à flor da pele,
ou cheia de emoções prontas a emergir, simplesmente esperando a oportunidade
para aflorar; pode ter muitos movimentos e a formação educacional desde a
111
educação infantil até a acadêmica pode contribuir para que isto aconteça. Nessa
visão é que a sinfonia foi composta, respeitando os movimentos, suas intensidades,
seu ritmo e harmonia.
Ao longo da composição, deparei-me com sinais de repetição,
apogiaturas, colcheias, fusas, semifusas, semibreves, mordentes, pausas, porém,
como a composição é obra do compositor, tudo passou a ter sentido e harmonia no
momento da execução. Afinal, são essas diferenças de tempo, intensidade e altura
que deram beleza ao trabalho, num movimento constante, afinal, é música.
112
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APÊNDICES
SÍNTESE DO TODO
118
APÊNDICE A – Entrevistada: Violino
A entrevistada afirmou não ter tido muito contato com a música.
Na casa dela, não havia o hábito de ouvir música. As músicas ouvidas eram do
rádio, não era música de qualidade, segundo ela.
A situação econômica da família não era boa, então não havia acesso a materiais
como instrumentos musicais.
A entrevistada tinha vontade de aprender a tocar acordeão, pois sua amiga tinha
aulas deste instrumento e ela achava bonito. Sua família não tinha condições
financeiras de ter um violão para que pudesse aprender, sempre teve vontade, mas
eram em três irmãos.
Ela não lembra da mãe cantando, pois esta não tinha tempo disponível e achava
que isto era perder tempo.
Da escola a lembrança que a entrevistada tem é da música: “Há três noites que eu
não durmo, o, lá, lá, pois perdi o meu galinho o lá, lá, pobrezinho lá, lá coitadinho, lá,
lá, ela está lá no jardim”.Foi a professora da terceira série das séries iniciais que
cantava esta música para a turma e a entrevistada nunca esqueceu. Ela não fez
educação infantil, pois só existia particular.
Na adolescência ela ouvia músicas da moda, que estavam na mídia. Ela lembra que
a irmã mais velha viajou para Cascavel e trouxe uma mochila com a foto do Michael
Jackson. Ela gostava de ouvir as músicas dele e também dos Menudos. Segundo
ela pensa hoje, as músicas não tinham qualidade nenhuma.
Nos dias atuais ela mudou seu estilo de música, gosta de músicas calmas, não
lembra o nome, mas sabe que é clássica. Seu marido foi fazer um curso e recebeu
orientação lá que, de manhã, ouvir uma música suave é bom para acalmar quando
119
levanta e enquanto toma café. Então eles ouvem, ela, o marido e o filho. Ouvem CDs de
músicas instrumentais e não gostam de músicas vulgares, fortes, segundo ela.
A entrevistada disse que não ouve só música clássica, mas que está aprendendo a
gostar e gosta também de músicas populares mais calmas, inclusive o filho
adolescente gosta de MPB e não gosta de rock e pagode.
No âmbito profissional ela usa a música para relaxar, acalmar e descontrair em sala
de aula, conforme o momento, conforme o conteúdo que ela está trabalhando. Disse
que ainda não consegue trabalhar como foi feito na oficina (parte do projeto), porque
não tem preparo para isso.
Ela trabalha também as cantigas de roda, o resgate do folclore. As músicas
folclóricas são cantadas e brincadas, como por exemplo, “Escravos de Jô,” que se
brinca com pedrinhas.
Ela costuma colocar a música também com vários tipos de ritmo para as crianças
desenharem ou para se acalmarem quando estão muito agitadas. Afirmou que não
trabalha profundamente a música por falta de conhecimento. Tenta adequar a
música aos conteúdos, mas se trata mais de música folclórica, as cantigas de roda.
Depois da oficina, a visão dela para trabalhar a música mudou, segundo sua
afirmação, não canta mais só por cantar, mas disse que ainda falta conhecimento
para trabalhar melhor com a música em sala de aula.
A entrevistada relatou que na escola existe a bandinha rítmica, mas ela não trabalha
porque não tem segurança de como fazê-lo.
120
APÊNDICE B – Entrevistada: Flauta
Entrevistada: Flauta
A entrevistada foi influenciada pela mãe desde bebezinho.
Uma vizinha e professora do pré a influenciou com suas músicas tocadas no violão e
cantadas.
A irmã da entrevistada ganhou um instrumento musical, mas logo de desinteressou
pelas aulas de música. Este instrumento foi o seu brinquedo de infância, um violão
verde. Ela brincou com ele até os 10 anos quando começou a fazer aulas de violão.
A mãe e a irmã eram sua platéia e a incentivavam, ouvindo seu repertório que
aumentava.
A entrevistada não avançou nos estudos de violão e hoje ela toca, mas gostaria de
ter aprendido a tocar violão clássico e não popular.
A igreja a influenciou, pois gostava de acompanhar os hinos nos cultos, ouvindo o
som do harmônio, tocado sempre, e da flauta transversal, tocada de vez em quando
pelo marido da organista. Gostava também da época do Natal onde havia
apresentações que a entrevistada participava e as crianças, inclusive ela podiam
tocar instrumentos de percussão, como: coco e triângulo. Ela também participava de
corais infantis.
A televisão contribuiu em variar o seu gosto musical também para MPB e música
clássica. Ela assistia a “Concertos para a Juventude”, “Vila Sésamo” , onde o Marcos
Vale cantava e ela gostava. Uma música que a marcou foi “Construção”, de Chico
Buarque, cuja voz ela não percebe como maravilhosa, mas acha o timbre
interessante e a música lhe causava curiosidade e tristeza, uma sensação estranha
segundo ela.
121
Outras influências televisivas foram Tom Jobim, Elis Regina e uma novela chamada
“Bravo”, que era a história de um maestro que era apaixonado, e na abertura
aparecia ele regendo uma orquestra. A irmã da entrevistada comprou o disco da
trilha sonora desta novela que continha trechos de obras famosas interpretado por
Osvaldo de Los Rios, fazendo uma interpretação mais popular para cativar as
pessoas, e a entrevistada ouvia o dia todo essas músicas. Segundo ela, essa foi
uma forte influência pelo seu gosto pela música erudita.
Alguns sons que a marcaram na infância foram o dos eletrodomésticos: aspirador de
pó, enceradeira e máquina de lavar que enquanto funcionava durante a manhã, a
entrevistada ficava imitando o barulho e dançando, acompanhando o ritmo.
Também os jingles da TV, ela gostava tanto que tinha um caderno para anotá-
los.Segundo ela isso a alegrou muito na infância.
A música é parte atuante da vida da entrevistada, a qual afirma que a música para
ela tem a mesma importância do ar que ela respira. É a música sua companheira
nas horas difíceis e nas horas alegres.
Seu gosto é variado: músicas eruditas, óperas, árias (solistas), MPB, Bossa Nova,
música regionalista, gaúcha, rock não pesado, mas a predileção é por música
erudita.
Na vida profissional, ela tem preocupação com o repertório empobrecido das
crianças, por isso procura trazer uma variedade boa de músicas, principalmente as
que as crianças dificilmente têm acesso em casa. Leva para a sala música clássica,
música para bebês, para crianças, CDs do grupo Palavra Cantada, do Castelo
Ratimbum que tem sons de 42 instrumentos musicais, para trabalhar os timbres e
também CDs de cantigas de roda.
122
Leva também para a sala instrumentos musicais como flauta doce que as crianças
têm a oportunidade de experimentar e o violão (o mesmo verde que ela brincava
quando criança).
As atividades com música são noções de som sons corporais, onomatopéia, ritmo,
freio inibitório, intensidade, volume, timbres, às vezes ouvindo os diferentes tipos de
instrumentos, das vozes deles, que é gravada para eles ouvirem e analisarem como
foi se gritaram, se ficou bom, o que poderia melhorar.
Também ela encaixa a música com o conteúdo que está trabalhando, como por
exemplo, no projeto Família, ela encaixou a família dos instrumentos musicais.
Se alguma criança leva CDs de música infantil, mesmo que não seja de qualidade, o
CD é ouvido para valorizar a criança e sabendo que essas músicas também fazem
parte da vida dela.
Segundo a entrevistada, as crianças pedem pras mães para aprender a tocar um
instrumento, pelo contato que têm em sala de aula e vêm falar com a professora,
que incentiva o aprendizado em atividades musicais extraclasse.
123
APÊNDICE C – Entrevistada: Piano
A entrevistada lembra das cantigas de roda na sua infância, seja pela mãe cantando
e ensinando as brincadeiras seja pelas brincadeiras com as amigas. Duas músicas
específicas são:”A gata cega” e “Ciranda cirandinha.”
Um fato marcante era que na infância em sua casa muitas vezes sua mãe estava
fazendo almoço, alguma música tocando, geralmente sertaneja ou clássica e o pai
vinha pegava a mãe para dançar, ela largava tudo e os dois dançavam. Isto marcou
tanto que hoje, a entrevistada, casada, cultiva o mesmo hábito com o marido.
A música romântica é a sua preferência desde que era adolescente, a trilha sonora
e o próprio filme: “Romeu e Julieta”, marcaram sua vida. E um sonho que ela tinha e
conseguiu realizar na idade adulta era ir até a Itália e ouvir lá as músicas do filme.
Houve uma emoção grande da entrevistada ao relatar este fato, que as lágrimas
correram pelo seu rosto.
Na fase atual de sua vida pessoal ela gosta de ouvir músicas eruditas, porque
trazem tranqüilidade e paz.
Na vida profissional ela relatou que inicia a aula com música, e todas as atividades
que as crianças fazem são iniciadas através da música. Então as crianças já sabem
o que vão fazer em seguida.
Ela também leva gravações de música clássica para a sala e as crianças fazem
movimentos corporais através da música. Se é lenta, suave, elas caminham ou
rolam, e assim por diante. A música também serve para acalmar as crianças quando
estas estão muito agitadas. Também tem uma professora que trabalha
especificamente a expressão corporal com eles, então esta parte, afirmou a
entrevistada, fica mais sob a responsabilidade desta professora. Durante a audição,
124
algumas crianças conseguem diferenciar qual instrumento está tocando,
principalmente o piano e a flauta.
As músicas populares também fazem parte do repertório das crianças, pagode,
samba, são levados para a sala pela própria professora.
A música é algo muito importante para o desenvolvimento da criança, disse a
entrevistada, que sempre cantou para seus filhos, mesmo quando ainda estavam em
seu ventre. Segundo ela, a música desenvolve a oralidade da criança, e faz a
criança gostar de música, o que ela pôde constatar com seus filhos, que gostam de
música, mas, apesar do incentivo dos pais, não aprenderam a tocar nenhum
instrumento musical.
O marido toca violão e sempre chegou a comprar flautas para as crianças, até fez
flautas de bambu pra eles, mas eles não quiseram aprender a tocar. Os
instrumentos que ela gosta mais são: piano e violão que segundo ela, bem tocados
fazem bem para o ouvido.
Ela ouve música o dia todo e sempre toma banho cantando, pois a música faz parte
da sua vida.
125
APÊNDICE D – Entrevistada: Viola
A entrevistada afirmou não ter tido muitas experiências musicais. Mas lembra que
quando estudava nas séries iniciais, a professora de educação física, trabalhava
com brincadeiras de roda. Ela lembra de duas: “Ciranda cirandinha” e “Negrinhos da
África.”
Um fato marcante aconteceu quando ela tinha oito anos. A irmã, a filha da patroa da
mãe e ela subiam em cima da Kombi do pai da entrevistada e com pedaços de
isopor tocavam e cantavam uma música que elas mesmas criaram em uma língua
inventada por elas. Elas decoraram aquela letra e cantavam, ensaiavam todos os
dias. Sua idéia era que poderiam gravar esta música um dia.
Da infância ainda, ela lembra de ouvir rádio em casa, da empregada que cantava e
brincava de roda, com ela e seus dois irmãos. Da mãe, ela não tem lembrança de
vê-la cantando para os filhos.
As músicas do Elvis Presley, ela lembra, pois assistia seus filmes e chorou muito
quando ele morreu.
Já quando estava cursando as séries de 5ª a 8ª ela lembra de um irmão (padre) que
cantava e tocava violão para os alunos. E de uma homenagem que ela e seus
colegas fizeram para um irmão (padre), de 70 anos cantando uma música de
Roberto Carlos (...esses seus cabelos brancos, bonitos...), música que ela não
esqueceu mais.
Na adolescência, ela lembra de músicas que marcaram seu namoro, músicas do Tim
Maia e do Roberto Carlos.
Atualmente Lea não ouve muita música por falta de tempo, mas gosta de Enia, Era
de ouvir FM. O marido ouve Bruno e Marrone e José Geraldo.
126
Ela diz que sempre cantou para os filhos, quando eram bebês, canções de ninar,
depois cantigas de roda. Tentaram colocar eles na aula de música para aprender
algum instrumento musical, a menina que é mais velha não quis e o menino até já
compraram um violão para ele, mas por enquanto não demonstrou interesse.
Na vida profissional ela disse que trabalha a música em sala porque a música pode
ajudar a desenvolver todas as habilidades. Ela canta com as crianças, leva músicas
novas e agradáveis para movimentação e gestos. Trabalha as letras das músicas
para trabalhar as palavras, também a dramatização. Usa muita a música nas
brincadeiras da “Hora lúdica”, que é um momento diário específico de brincadeiras,
mas com objetivos de aprendizagem. Usa a música também como forma de acalmar
as crianças.
Ressaltou que sempre que as crianças levam CDs para a sala ela os coloca para
tocar, valorizando a criança e sua iniciativa.
Também a escola oferece aulas de música com uma professora específica, o que
tem ajudado as crianças no desenvolvimento, segundo a entrevistada.
127
APÊNDICE E – Entrevistada: Xilofone
As cantigas de roda marcaram a infância da entrevistada, seja cantadas pela mãe
antes de dormir ou nas brincadeiras com os colegas de aula, as amigas e ensinadas
pela professora da educação infantil.
A música preferida dela era: “Ciranda cirandinha” e, também a brincadeira do ovo
choco que ela brincava na escola. Em casa ela lembra que a mãe cantava: “Boi da
cara preta”, “Fui morar numa casinha” e a “Baratinha.”
Ela contou que ficava esperando a hora de ir para a escola para poder brincar com
as amigas e que isto era uma alegria.
Em casa ela assistia televisão e ouvia rádio, mas não tem muitas lembranças sobre
as músicas que ouvia nesses meios de comunicação, seus pais trabalhavam fora e
ela passava o dia brincando com os vizinhos.
Atualmente ela gosta de ouvir músicas que tenham conteúdo, como por exemplo:
“Epitáfio” dos Titãs. Segundo ela este tipo de música faz a pessoa refletir e melhorar
o comportamento, pois ela pode parar para analisar a música e pensar na
mensagem que ela traz.
Na área profissional a entrevistada canta as cantigas de roda com os alunos,
músicas com gestos, que tem sons de animais, para eles ouvirem e imitarem.
Desenvolvendo a expressão corporal e a socialização, segundo ela.
A música também é usada como relaxante para acalmar as crianças depois de uma
atividade mais agitada.
Já no início da aula, as cantigas de roda estão presentes, até mesmo há a
oportunidade de as crianças criarem, improvisarem músicas, que eles inventam na
hora e cantam para os colegas.
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A entrevistada afirmou que nunca trabalhou a música em si, com objetivos
específicos, porque não teve formação para isto. Em uma outra escola que ela
trabalhou havia um professor específico de música que cantava com as crianças e
tocava violão, o que era fascinante para as crianças, segundo ela. Mas as
professoras que participavam também da aula, ficavam encabuladas de movimentar-
se com as crianças e participar mais ativamente da aula.
Os repertórios usados em sala são as cantigas de roda e música popular infantil que
a mídia apresenta Eliana, Xuxa, Gugu, ás quais a entrevistada referiu-se como
ótimas para serem usadas em sala, pois trazem também uma fita de vídeo com os
gestos para as crianças imitarem.
Ela pensa que a música deveria ser uma matéria específica desde a Educação
infantil até o ensino médio, porque se trata de algo muito importante para as
crianças.
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APÊNDICE F – Entrevistada: Clarinete
Da infância alguns fatos marcantes que a entrevistada lembra são da avó que ouvia
músicas sertanejas no rádio e a ensinava a dançar, e de um Tio que comprou um
aparelho de som, um toca disco, e ela ouvia e achava aquilo perfeito.
A mãe não costumava cantar para ela, pois teve uma educação diferente e era mais
fechada, reflete ela.
Na escola, ela não teve a Educação infantil, então a área musical ficou restrita a
Diretora da escola cantar na hora do recreio, uma música lembrada por ela é a do
“Cravo brigou com a rosa”. Relata a entrevistada, que a diretora subia em um lugar
mais alto do pátio e cantava com os alunos, e isto a marcou muito.
Na adolescência, ela ouviu muita música de estilo popular, no rádio e na Televisão,
temas de novela, música estrangeira e nacional. Uma música marcante para ela, foi
o tema de uma campanha contra a fome das crianças, cujo início era: “We are the
world”. Cada vez que ela via crianças maltrapilhas na rua ela lembrava desta
música.
Ela afirma que não consegue viver sem música. Se está triste, ouve uma música
mais calma, se está alegre, aumenta o volume do som e canta uma música mais
agitada, e quando está muito cansada, liga uma música e ouve para relaxar.
Quando está sozinha em casa, o som está sempre ligado.
Na área profissional ela diz que sempre gostou de trabalhar com música. Ela canta e
coloca CDs de cantigas de roda e músicas folclóricas para as crianças ouvirem e
cantarem, segundo ela com o CD as crianças aprendem muito mais rápido do que
só com a professora cantando.
130
Outra forma de trabalhar coma música é explorar a letra da mesma, até mesmo para
alfabetizar as crianças usando letras de músicas. Ela não usa música popular, pois
afirma que é preciso ter um cuidado muito grande com o repertório que aparece na
mídia, então ela prefere deter-se às músicas folclóricas infantis.
A música também é usada para relaxamento, principalmente quando eles voltam da
educação física ou do recreio. Às vezes quando há músicas relacionadas com
histórias, ela coloca a música primeiro e depois conta a história.
No entanto a música clássica nunca foi usada pela entrevistada, mas ela pensa que
seria para relaxamento.
Um problema que ela vê, é que não há um aparelho de som disponível para cada
sala de aula, então algumas vezes a professora quer usar o aparelho de som e não
há nenhum disponível, pois já estão ocupados por outras salas.
Segundo ela, para o aluno gostar de música o professor tem que gostar, assim como
para o aluno gostar de leitura o professor tem que gostar e incentivar.
Ela sente que, na formação acadêmica, o professor deveria ser preparado para
trabalhar com a música, pois é algo que é usado todos os dias, em sala de aula. A
formação da entrevistada não abrangeu a música, pois a disciplina de artes, foi
especificamente expressão corporal, o que poderia ter sido direcionado para a
música, que seria mais proveitoso, reflete ela.
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APÊNDICE G – Entrevistada: Harpa
A entrevistada relatou que a mãe cantava pra ela, principalmente a música: Atirei um
pau no gato. A mãe disse que quando ela estava chorando era só cantar esta
música que ela parava de chorar.
O pai da entrevistada gostava de ouvir no rádio músicas sertanejas e ela acabava
ouvindo junto e gostando. Já da televisão ela não lembra de ouvir músicas na
infância, porque isto não a marcou.
Na escola a professora cantava com as crianças e fazia brincadeiras de roda. As
preferidas que ela têm mais lembrança são: “Atirei o pau no gato”, “Ciranda
cirandinha”, “Negrinhos da África”, “Senhora Dona Cândida”. No entanto não havia
outros tipos de música, eram só as cantigas de roda mesmo.
Nas séries iniciais a música foi diminuindo, quase não era trabalhada.
Na adolescência ela ouvia músicas populares como de Roberto Carlos, Zezé de
Camargo e Luciano.
Atualmente ela ouve músicas calmas, prefere as românticas. Quando volta da
faculdade, fica ouvindo música até tarde para relaxar. Ela também gosta de ouvir
música quando está sozinha em casa.
Ela acha que a música é muito importante na sala de aula, por desenvolver a
expressão em geral e corporal da criança. Quando as crianças trazem músicas de
casa que são de vários estilos como rock ou de rodeio, eles ouvem e dançam,
mesmo que não esteja no planejamento da aula, mas para valorizar a criança.
Quando eles acabam a atividade também se coloca a música para ouvirem. E
conforme o conteúdo que se está trabalhando a música é aproveitada pra ser usada,
como músicas que falam de números, para trabalhar algumas palavras,
132
desmembramentos de palavras, isto está incluído no planejamento que é feito junto
com as quatro professoras da mesma faixa etária da escola. Segundo ela, quando o
conteúdo é trabalhado com música as crianças não esquecem mais.
Também são usadas músicas específicas para a hora do lanche e para ficar em
silêncio, quando canta uma determinada música as crianças já sabem que têm que
ficar em silêncio.
Quando ela trabalhou na creche, com crianças de zero a dois anos, costumava
colocar músicas que os pais das crianças ouviam em casa e relata ela, que o
resultado era impressionante, ou seja, as crianças se acalmavam pois a música
lembrava o ambiente deles, e já os influenciava.
Seguidamente quando ela está cantando com seus alunos é arremetida para sua
própria infância, devido que as mesmas músicas que a marcaram são cantadas
ainda hoje com seus alunos.
Com música clássica ela nunca trabalhou, por não ter muito conhecimento, justifica
ela, que disse não ter tido base musical na faculdade, pois a disciplina de artes foi
apenas expressão corporal, teatro, e a professora dedicou-se mais à pós-graduação
do que à graduação na época, já que a matéria era intensiva.
Ela afirma que gostaria de fazer cursos de formação continuada sobre música.
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APÊNDICE H – Entrevistada: Fagote
As recordações da infância da entrevistada foram marcadas pela mãe cantando
músicas de ninar e depois cantigas de roda. A mãe cantava e brincava com os filhos
que eram em número de oito, a entrevistada é a segunda filha do casal, então conta
ela que a exemplo da mãe cantava para os irmãos.
A família morava no interior seu pai era agricultor e a mãe professora. A presença da
mãe foi marcante, pois era uma professora diferente para a época, enquanto as
escolas eram mais formais e não havia brincadeira, ela cantava e brincava com os
alunos e também com os filhos, que tinham que brincar em casa, já que a mãe
nesse sentido era rígida e não os deixava brincar na casa de outros. No entanto, a
mãe não chegou a ser sua professora.
A família era humilde, não tinham televisão, mas tinham um rádio a pilha, em que o
pai e a mãe ouviam a noite o programa do Teixeirinha, muito apreciado por eles,
com músicas gauchescas e em seguida um programa da Rádio de São Paulo com
músicas sertanejas. Os filhos ouviam também e apreciavam as músicas, era o
programa familiar da noite. O nome da entrevistada é atribuído por muitas pessoas à
uma música do Teixeirinha, mas conta ela que na verdade seu nome tem outra
história.
Iniciou a caminhada escolar já nas séries iniciais, ela lembra que foi uma ruptura
muito grande, pois era um professor homem que lecionava para as quatro séries ao
mesmo tempo (escola multiseriada), ele era enérgico, não brincava e não cantava,
ela ficava apreensiva na hora de ir para a escola. Mas na hora do recreio, brincava
de roda com os colegas, as músicas lembradas são: “Ciranda cirandinha”, “Roda
cutia”, “Passa passará.”
134
De quinta à oitava série não houve mais música na escola, ela só foi ter contato em
se tratando de escola, com a música novamente quando fez o Magistério, dez anos
após ter terminado o ensino fundamental.
Sua adolescência foi uma extensão da infância, ela brincava e cantava as mesmas
músicas da infância. Começou a trabalhar com quinze anos, na antiga LBA com
educação infantil. AS lembranças musicais que ela tem são do rádio e de que ela
cantava.
No curso de magistério, o contato musical se deu pelas cantigas de roda, músicas
folclóricas que poderiam se encaixar nos conteúdos que elas iriam dar em sala de
aula.
Na formação acadêmica não houve uma disciplina que contemplasse a música, ela
sente falta, pois o trabalho na educação infantil exige música todos os dias e não
houve formação para isso, então se acaba fazendo o que cada um acha melhor,
cantando e, encaixando as músicas conforme os conteúdos.
A entrevistada contou que sempre quis aprender a tocar um instrumento musical,
gosta muito de violão, mas não teve oportunidade então ela incentiva os filhos,
sendo que o menino toca teclado e a menina faz aulas de violino que ganhou há uns
meses atrás quando completou quinze anos. O professor de violino ficou
impressionado ao ver o rápido progresso da menina com o instrumento. A mãe se
emociona ao ouvir a filha tocar.
O marido da entrevistada não toca instrumento musical, mas tem vontade de
aprender e cultiva nos filhos junto com a entrevistada o gosto pela música seja ela
gauchesca que faz parte da tradição familiar, já que participavam de CTG na cidade
que moravam anteriormente, seja ela clássica, pois, traz tranqüilidade. Ela enfatiza
que a música sempre esteve muito presente em sua família.
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Ela lembrou que na oficina de música ficou impressionada da forma como eu falei de
Beethoven e com as músicas ouvidas lá. Ela disse que há uma música que não
lembra o nome, mas é de Beethoven e que marcou a sua vida.
No âmbito profissional, ela canta muito com as crianças as cantigas de roda e as
cantigas folclóricas que envolvem datas também folclóricas, inclusive estas músicas
são usadas para apresentações na escola.
A entrevistada conta que tem o aparelho de som sempre na sala para colocar
músicas de fundo enquanto as crianças estão fazendo alguma atividade, as músicas
são infantis, seja cantigas de roda, ou de cantoras como Xuxa e Angélica, pois ela
afirma que estas músicas fazem parte do convívio das crianças e faz com que elas
se sintam mais familiarizadas com o ambiente escolar. As músicas são usadas
também para acalmar.
Dependendo do conteúdo que está sendo trabalhado, as músicas são encaixadas
na aula, mas também são feitas rodinhas onde se canta, bate palma e se dança
durante as cantorias das músicas. A entrevistada diz que muitas vezes se remete à
infância quando está cantando com seus alunos, seja porque as músicas são as
mesmas, seja pela lembrança de que não teve oportunidade de participar da
Educação infantil e cantar com a professora.
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APÊNDICE I – Entrevistada: Saxofone
A entrevistada tem muitas lembranças da infância. Lembra que morava na frente da
madeireira do pai e imitava os sons que vinham de lá. Lembra que a mãe cantava
muitas músicas para ela e sua irmã. Principalmente músicas da igreja que ela
também cantou para seus filhos. Citou alguns nomes: “Meu barco é pequeno; Pedro,
Tiago e João; Deus tem amado; Oh vinde meninos.” Ela cantava para os filhos
dormirem.
Na sua casa, durante a infância, o rádio ficava ligado o dia todo, ouviam programas
religiosos, notícias e música, que ela ouvia, cantava junto e dançava.
Da televisão ela lembra do programa Globo de Ouro, que ela assistia toda a
semana, era um programa que mostrava os cantores cantando as músicas mais
tocadas na semana, era muito bom de assistir, diz ela. Também era fascinada pelo
programa: “Show de calouros do Chacrinha”, aonde as pessoas iam lá para tentar
cantar e ela gostava tanto que era uma das brincadeiras dela e das primas, brincar
de show de calouros,vestiam as roupas de suas mães, sapatos de salto, camisolas e
se apresentavam cantando. Outro programa que ela gostava era “Vila Sésamo”, que
tinha muita música envolvida.
A mãe da entrevistada tocava violão e seu tio tocava gaita. Nos finais de semana
eles se reuniam e tocavam juntos, músicas sertanejas como do Teixeirinha, Tonico
e Tinoco, e também Amado Batista, Roberto Carlos e músicas religiosas. Diz a
entrevistada que se ela sabia a letra cantava junto. Lembra com muito carinho dessa
fase da vida.
Também lembra da mãe cantando no coral da igreja. Ela lembra que gostava muito
de ouvir a mãe cantando e quando ela faleceu o coral cantou no seu enterro, e foi
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muito emocionante, pois ela imaginava a mãe cantando junto. Foi algo que a marcou
muito.
A entrevistada estudou piano por quatro anos, na infância e também teve aulas de
violão. Mas ela parou de fazer as aulas e não lembra mais como tocar, mas ainda
lembra das notas. Ela conta que tentou tocar na igreja, mas não era piano era um
instrumento chamado harmônio, que para funcionar tinha que friccionar os pedais,
então ela não conseguia se concentrar nas notas, nas teclas e nos pedais ao
mesmo tempo e desistiu. Ela diz que sente vontade de voltar a tocar tanto o piano
como o violão novamente.
Ela gosta muito de ouvir música, dependendo do seu humor, ela ouve músicas mais
agitadas ou mais calmas principalmente para relaxar, ela gosta de músicas
instrumentais, mas reclama que nem sempre tem tempo. O filho mais velho dela,
gosta de ouvir música enquanto faz os temas da escola.
Ainda na sua infância, na escola a professora da primeira série cantava uma música
que ela lembra até hoje. Como não fez educação infantil, a coordenação motora era
desenvolvida na primeira série, então a professora cantava (com a melodia da
música “Ciranda cirandinha”): “O meu lápis sobe e desce, sobe e desce sem parar,
vejam só meus amiguinhos quem acaba de chegar.” Ela lembra que quando
chegava ao fim da linha sempre tinha um animal, era o prêmio. Ela lembra do
coelho. Lembra da voz da professora da segunda série que cantava bastante, mas
não lembra das músicas, também o professor da terceira série cantava e como era
homem, a voz era mais forte e foi marcante.
A música sempre fez parte da vida da entrevistada, diz ela. Conta que a igreja teve
um papel importante em sua vida musical. Ela diz que sempre que entra no carro,
liga o som e ouve música e canta junto sempre que está fazendo almoço, gosta do
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grupo Ira e também de música gospel. Ela diz que a música dá ânimo pra pessoa e
a ajuda a relaxar. Sempre cantou para os filhos dormirem.
Também trabalha com a música em sua sala de aula. Diz ela que a música se faz
presente todos os dias em suas aulas. Ela diz que as crianças memorizam melhor
com a música, até palavras em inglês se tornam mais fáceis se a música for usada.
Mas ela usa a música apenas como um recurso a mais.