Professor Sousa Lara - Entrevista ao Jornal Correio da Linha

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ANTÓNIO DE SOUSA LARA Foi graças à censura que me tornei num homem livre… Entrevista ao Jornal Correio da Linha Dezembro de 2010 Academia de Letras e Artes

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Entrevista concedida pelo Professor Doutor António de Sousa Lara, Presidente da ALA - Academia de Letras e Artes, ao Jornal O Correio da Linha.

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ANTÓNIO DE SOUSA LARA

Foi graças à censura que me tornei num homem livre…

Entrevista ao Jornal Correio da LinhaDezembro de 2010

Academia de Letras e Artes

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O Correio da Linha (CL) – Que influências estiveram na base do seu percurso profissional?

António Sousa Lara (ASL) – Tenho várias vidas paralelas e que se ligam umas às outras. Uma delas é a minha carreira, sobre a qual nunca tive grandes dúvidas. Estudei no Colégio Alemão, no Estoril, uma belíssima escola que me permitiu aprender a falar alemão como sendo a minha segunda língua. Aliás, além do português, é a única língua em que não penso como traduzir quando a falo. Foi ali que fiz toda a instrução primária, que foi interessantíssima, porque os alemães são muito rigorosos e têm como classificações primeiras aquilo que eles chamam as “notas da cabeça”. Ao contrário de nós que privilegiamos as línguas ou as matemáticas, as notas principais deles centram-se na aplicação, na ordem e no comportamento. Por algum motivo os alemães perderam duas guerras mundiais e já estão novamente a mandar na Europa. Já nós, por outro lado, somos descendentes dos Viriatos e dos povos ibéricos que eram perfeitamente caóticos na sua maneira de ser. Mas voltando à pergunta, fui entretanto para o Colégio João de Deus, onde aprendi muito com o grande pedagogo Dias Valente, Foi lá que fiz todo o Liceu e a matemática do sétimo ano.

Professor, político, diplo-mata, pintor e até jornalista são algumas das profissões e actividades profissionais que podem ser apontadas a António Sousa Lara, monár-quico convicto e defensor acérrimo dos valores mo-rais. Outrora mediatizado pelo conflito institucional que travou com o escritor José Saramago, António Sosa Lara abriu as portas da Academia de Letras e Artes (ALA) de Cascais, da qual é presidente, para nos falar do seu passado e do seu presente profissional. Bem ao seu estilo, sem meias palavras.

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CL – Nessa Altura já sabia que carreira profissional queria seguir?

ASL - Tinha algumas dúvidas. Sabia que não queria ser advogado, apesar de mais tarde ainda ter sido aluno da Faculdade de Direito de Lisboa. Eu sabia mais o que não queria ser do que aquilo que queria ser: não queria ser advogado nem diplomata.Aos poucos, fui-me apercebendo que o que realmente gostaria era de ser professor. No entanto, fui para o ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas) porque a minha família tinha negócios no Ultramar e era uma forma de ter uma relação formativa com aquilo que seria previsivelmente a minha carreira futura porque eu era o filho mais velho do filho mais velho e, portanto, havia ali uma espécie de continuidade que era preciso seguir.

CL – Que negócios eram esses?

ASL - Estou a falar de empresas enormes como a Companhia do Açúcar de Angola ou a Companhia dos Cimentos de Angola que também era parte do meu avô, havia de facto um património vastíssimo que era preciso ser gerido por alguém. O meu bisavô foi quem mais recentemente iniciou essa caminhada e o meu pai sempre me disse para me preparar pois seria eu a continuar este trabalho. Também o meu pai queria ser diplomata e o meu avô não deixou porque ele precisava de um engenheiro químico nos negócios. Naquela altura não havia propriamente democracia e as coisas aconteciam assim mesmo.

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CL – Como digeriu essa posição por parte do seu pai?

ASL - Não enjeitava a ideia de dar uma perninha nos negócios mas não queria que fosse aquela a minha vida. Já na altura escrevia para os jornais, uma altura em que ninguém se metia na política dado que o Estado Novo convidava as pessoas a não se envolverem na vida política. Os meus amigos universitários ou eram comunistas, de extrema-esquerda, maoistas, ou então eram de uma direita que não sabiam que era direita e que diziam pouco se importar com a política. Pelo contrário, eu fazia parte de uma pequeníssima minoria que se mexeu em termos políticos e a minha iniciaçãonessa área foi através do movimento monárquico. Tinha 15/16 anos quando entrei para a Juventude Monárquica Portuguesa, tendo mais tarde acabado por ser eleito Presidente do Conselho Geral da Juventude Monárquica Portuguesa.

CL – A que se deveu esse interesse pela Causa Monárquica?

ASL - É difícil responder-lhe. O meu pai era e é daqueles produtos típicosdo Estado Novo para quem a política era rigorosamente zero. O meu avô ainda nasceu no tempo da monarquia, assistiu à implantação da república e sempre me disse: ou estamos na política, ou estamos nos negócios. Uma coisa com a outra é impraticável... e ele escolheu a via dos negócios. Voltando à pergunta, o meu tio António toda a vida foi monárquico e a favor do Sr. Dom Duarte Nuno mas não era propriamente um político. Era uma pessoa muito próxima de Salazar, tenho inclusivamente inúmeras pastasde correspondência entre ambos. Eu meti-me na Juventude Monárquica Portuguesa onde conheci pessoas muito interessantes como o Jacinto João de Almeida Dias, O Rui de Andrade, o Reis Sobral ou o Cimbrom. Fizemos algo completamente novo, que nada tinha a ver com o que havia, que foi um boletim chamado “Avante” mas tivemos que deixar cair essa ideia porque, por acaso, era um nome coincidente com o jornal do Partido Comunista na clandestinidade. Resolvemos então começar a publicar um jornal chamado “O debate” e que era dirigido por um professor catedrático chamado Jacinto Ferreira. Era um projecto muito curioso onde tudo o que fosse monárquico era para ali direccionado, de maneira que congregava monárquicos que quase não o eram, ou seja, homens da extrema-direita mas que tinham lá um espaço porque eram tolerantes à monarquia, até outros que eram anarquistas, integralistas, etc.

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CL – Qual era o Seu papel Naquele Jornal?

ASL - Pediram-me que me ocupasse de uma página chamada Juventude e Cultura, que era feita por mim e por um senhor que tinha idade para ser meu trisavô! [risos] A partir daí, comecei a escrever regularmente para os jornais, tanto com o meu nome como com um pseudónimo chamado António Paranhos, que utilizava para as gazetilhas, que eram poesias políticas altamente contundentes que não queria assinar.

CL – Teve artigos cortados pela censura?

ASL - Sim, tive vários, e um deles mudou o meu futuro. Já estava na universidade quando escrevi um artigo sobre a droga em que perguntava porque não se mostravam os malefícios da droga. Esse artigo foi cortado pela censura de cima abaixo e o velho Jacinto Ferreira chamou-me e disse-me que o artigo havia sido cortado porque «há coisas que não se podem dizer» Aquilo deu-me um impacto que mudou a minha vida e disse-lhe: «senhor professor, comigo não. Comigo á para dizer. Nesse dia mudei, foi talvez o maior clique da minha vida e até hoje sou um homem irreverente, incontrolado, ninguém manda em mim e não me importo de pagar pelo direito de dizer aquilo que entendo que é certo. Não deixa de ser curioso que foi graças à censura que me tornei uma pessoa livre.

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CL – E acabou por enveredar pela carreira do ensino.

ASL - Quando acabei o meu curso fui o melhor classificado com 16,5 valores e o Professor Adriano Moreira chamou-me e disse-me que, devido à nota, tinha acesso imediato à carreira diplomática mas, como também iriam recrutar assistentes, ele também não se importava que eu fosse assistente. Apesar de a carreira de diplomata ser muito mais bem paga, disse-lhe imediatamente que queria ser assistente. Ele pediu-me para dormir sobre o assunto e eu assim fiz, e no dia da reunião reafirmei-lhe a minha vontade de ser assistente. Em 1973 comecei a dar aulas de Introdução às Ciências Sociais, que ainda hoje dou aos meus alunos do primeiro ano. Recordo-me que no primeiro dia tinha cerca de duzentas pessoas no anfiteatro e correu-me bem essa prova de fogo. Nesse mesmo ano fiz o primeiro livro de lições de Ciência Política, ainda anteriores ao 25 de Abril. Importa também referir ainda antes da revolução era eu estudante quando teve lugar o Maio de 68, 69 em Portugal, quando um belo dia o meu amigo e colega de carteira Maurício Pires, chefe da UEC (União dos Estudantes Comunistas), vem ter comigo dizendo-me que ia ser preso pela PIDE e que tinha uma série de documentos do partido que tinha que tirar dali sem que a PIDE lhes deitasse a mão e, como na altura era o único que tinha carro e todos sabiam que era monárquico, pediu-me para guardar os documentos no meu carro. Tanto se carpiu que acabei por aceder. Ele e outros comunistas estiveram presos durante cerca de três meses e durante esse tempo andei a passear aqueles documentos. Não imagina o drama que era meter gasolina porque na altura, para o fazer, tinha que abrir o capot central onde também estavam os documentos. Ao fim de três meses lá levaram os documentos para uma sede clandestina do partido que havia em Algés. Quando se dá o 25 de Abril, os professores da universidade vêm quase todos para a rua e eu fui um dos que ficou, protegido pelo Partido Comunista que conhecia a minha história. E foi assim que, absurdamente, foi tudo para a rua excepto meia dúzia de anti-fascistas e eu que era monárquico confesso. Apesar disso, não deixei de passar por algumas situações incómodas nomeadamente pessoas que entravam pela minha aula adentro para discutir com os alunos se eu deveria dar a aula seguinte ou não. Lembro-me também de, na altura, ser parado todos os dias por detrás do Mónaco para abrir a mala do carro porque havia quem dissesse que eu era traficante de armas. Lá se passou o PREC e no dia 25 de Novembro acabou aquela “cegada” toda, tendo o instituto sido suspenso pelo Ministro. Fui então dar aulas para outra universidade e aproveitei para fazer uma licenciatura em Antropologia para complementar o meu estudo em Ciências Políticas. Tirei também mais umas cadeiras na Faculdade de Direito que entendia que me eram vantajosas e candidatei-me a Doutoramento, já depois de ter ido dar aulas para a Universidade Católica como assistente do professor Armando Marques Guedes. Meti-me mais tarde no ensino privado. Primeiro fiz parte do conselho da Universidade Livre, onde nunca dei aulas, e depois fui professor durante cerca de dez anos na Lusíada. Ainda dei aulas na Internacional e fui Vice-Reitor e um dos fundadores da Universidade Moderna, que considero ter sido a universidade com mais qualidade científica onde estive até hoje.

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CL – Em termos políticos como se deu a passagem do Partido Monárquico para o PPD/PSD?

ASL - Em 1969 a Juventude Monárquica aderiu à Convergência Monárquica, que seria o embrião da Comissão Eleitoral Monárquica, que se apresentou às eleições de 1969. Nasceu entretanto o Partido Popular Monárquico e fui naturalmente lá parar, tendo ido inclusivamente para o Directório, que era uma espécie de comité central do partido. Foi desse directório que saíram os elementos que depois integraram o grupo da Aliança Democrática (AD) e foi assim que acabei por passar pela Assembleia da República como deputado. Fui eleito pela AD para a Câmara Municipal de Cascais, onde fui vereador no tempo do Professor Carlos Rosa. Nessa altura, algumas pessoas do PPD-PSD aperceberam-se que a ideologia do PPM não era assim tão diferente da do PD-PSD, ao ponto de mais tarde, quando a AD se extinguiu, de ter sido convidado para ser cabeça de lista do PPD-PSD pela Distrital da Guarda. Entretanto, o PPM é assaltado por uma nova “gerência”que originou inúmeras clivagens que fizeram com que muitos dos que lá estavam, incluindo eu, viéssemos embora. É neste cenário que aparece Cavaco Silva com uma campanha que se supunha que sairia vencedora e lembro-me de estar a almoçar com o Borges Carvalho e a mulher e de lhes sugerir que fossemos oferecer os nossos serviços a Cavaco Silva. Ele recebeu-nos aos três no Gabinete do Banco do Portugal, dissemos-lhe que gostaríamos de colaborar activamente e lembro-me de lhe ter dito, nessa mesma hora, que a minha razão era: «não gosto de estar quieto e o senhor professor vai ser o melhor primeiro-ministro de Portugal e eu gostava de o apoiar por causa disso”. E não me enganei! O Cavaco concordou mas deu-nos uma ficha do partido mas nós gostaríamos de entrar como independentes. A única que não se importou de assinar foi a Margarida Borges de Carvalho e foi esse o único motivo pelo qual ela entrou primeiro do que nós no governo de Cavaco Silva. Furioso, o Borges Carvalho acabou por entrar como independente através do CDS e fez um belíssimo lugar como parlamentar. Eu acabei por ser repescado pelo Dr. Dias Loureiro, entrando como independente e filiando-me depois no PPD-PSD.

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CL – Quanto tempo esteve ligado ao partido?

ASL - Estive lá 10/11 anos, nomeadamente na Comissão dos Negócios Estrangeiros e na Subcomissão de Cultura mas aquilo que mais gostei foi de ter sido Presidente da Comissão Parlamentar de Timor Leste. Infelizmente, o meu trabalho não foi reconhecido, não sei porque é que o meu nome foi apagado dos registos da Comissão, e olhe que cheguei a receber ameaças físicas por causa das denúncias que fazia das atrocidades indonésias contra os timorenses. Entretanto, transitei para o Governo, estava inicialmente previsto que fosse para Secretário de Estado do Dias Loureiro, que na altura ia assumir o cargo de Ministro da Administração Interna, mas acabei por ir para Sub-Secretário de Estado da Cultura com Santana Lopes.

CL – Que recordações guarda desse tempo?

ASL - Fiquei muito contente porque fartei-me de fazer coisas. Recordo-me por exemplo, de ter intervindo na rede de leitura pública em mais de 70 bibliotecas. Lancei a informatização em rede da rede de leitura Pública, isto em 1991/92. Também fui eu que mandei fazer o inventário do património cultural móvel, tal como o inventário da ourivesaria, que foi publicada pelos museus. Num ano e pouco que estive nesse cargo fartei-me de fazer coisas interessantes.

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CL – Não considera que fica na história como o político que comprou uma guerra com José Saramago?

ASL - Não. Tenho consciência que a política é uma merda, para onde converge tudo o que não presta. É óbvio que também aqui há coisas boas, tal como há flores que nascem ao pé do esgoto, mas reconheço que a maioria da política que se faz hoje em dia é uma perfeita porcaria. O senhor Saramago tinha o lobby poderoso do Partido Comunista e assim se explica que esta campanha orquestrada ainda hoje perdure.

CL – Porque diz que a política actual é uma porcaria?

ASL – Porque a meu ver faço parte de uma direita que já quase não existe. Há a direita dos valores e a direita dos interesses. A direita dos valores não cede nos valores morais e é mais à esquerda nos valores económicos. Sou contra a destruição do estado social. Sou contra as soluções que obrigam o Estado a espremer cada vez mais os trabalhadores ou que destruam o serviço nacional de saúde. Agora nos valores morais eu não cedo, não cedo a favor do aborto, do casamento homossexual ou da defesa da pátria, que é um tema que hoje em dia infelizmente já não se discute. Por sua vez, a direita dos interesses cede à politocrassia e à rede financeira mundial que está materializada no Banco Europeu, no Fundo Monetário Europeu ou no Fundo Mundial do Comércio. Como não podem ceder nisso cedem nos valores morais como a eutanásia ou no casamento por parte de homossexuais. São, pois, os partidos do capitalismo sórdido e do imperialismo suez e é por isso que hoje considero que a minha direita é uma direita dinossáurica.

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CL – Gostaria de voltar um dia à vida política activa?

ASL - Não é algo que precise nem de que tenha particulares saudades, excepto da assembleia da república cujo teatro entre os deputados me divertia. Fiz ali muitos amigos e continuo a achar que poderia ser útil mas não mexo nem vou mexer uma palha nesse sentido. Sou actualmente Presidente do Conselho Científico de uma faculdade, sou Coordenador do Departamento de Relações Internacionais dessa mesma universidade, sou também Senador da Universidade Técnica e Professor Catedrático por nomeação definitiva. Com 38 anos de carreira e 400 alunos, creio que estou bem servido. [risos] Além disso, vou publicando alguns livros, tenho mais dois no prelo, um sobre a Guerra Fria que vou re-publicar em breve, assim como a sétima edição do meu Manual de Ciências Políticas que foi, uma vez mais, revisto.

CL – Continua a defender a Causa Monárquica?

ASL – Romanticamente continuo pois acredito que estaríamos muito melhor mas também entendo que não é algo exequível. Aliás, costumo dizer aos meus alunos que Portugal é o segundo país mais republicano da Europa, logo a seguir à Suiça que não tem nem nunca teve um rei nem família real. O nosso problema é a inveja porque as pessoas acreditam naquilo que ouvem e não naquilo que é.

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CL – Actualmente presidente também à ALA. Considera o papel desta instituição imprescindível para o desenvolvimento cultural do Concelho de Cascais?

ASL - Cascais estaria seguramente pior se não existisse a ALA. Com os poucos recursos que temos já realizámos cem exposições colectivas e inúmeras exposições individuais, reunindo não só artistas consagrados como outros que nunca tinham tido oportunidade de expor as suas obras em lado nenhum. Eu próprio não sou pintor mas também exponho. Além disso, a ALA é também responsável pela realização de diversos trabalhos escultóricos, temos uma obra em Zamora e outra na América Latina, temos um belíssimo busto do Infante D. Henrique lá em baixo na Via do Infante, no Algarve, temos aqui em Cascais a estátua do Rei Dom Carlos, a estátua dos Descobrimentos e de D. Luís que estão em frente à Câmara, entre outras. Entendo que a cultura nunca é neutra, está sempre imbuída de ideologia e, se assim é assumamo-la como tal. O Rei Dom Carlos, por exemplo, foi um grande homem, um grande amigo desta terra, e também foi um belíssimo pintor e oceanógrafo, por exemplo. Temos também em mãos um projecto que retoma o problema ibérico de uma forma construtiva, constituído por uma estátua que tem Camões, Cervantes, Vasco da Gama e Colombo. A obra pretende mostrar o mundo criado pelos ibéricos e a exportação da cultura ibérica para o mundo inteiro. Temos conseguido graças ao Comendador Baraona, que é a alma desta casa, e a um espírito de equipa fantástico realizar diversas iniciativas, mesmo com poucos recursos.

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CL – A ALA defende de forma acérrima a Portugalidade e a História Milenar deste País. Que conselho daria a Portugal e aos Portugueses nesta altura?

ASL - Os portugueses têm que acordar. Há uma falta de sociedade civil em Portugal que é tenebrosa, fruto de uma série de sucessões perniciosas. A primeira república tinha uma sociedade civil urbana mas não tinha sociedade civil rural, entretanto passaram disso para uma ditadura que durou 48 anos e que castrou o país e desertificou a sociedade civil. Agora estamos entregues a uma gente menor, que não tem um projecto nacional e que, para se manter no poleiro, está a cumprir as ordens sórdidas do capital financeiro que nos desgoverna. Vivemos um período de materialismo diabólico que é contra as pessoas. A prova da ausência de sociedade civil é esta: 33% da comida boa que chega às prateleiras do comércio é deitada para o lixo. Um país como este, onde há tantas famílias com fome e que, ainda assim, faz isto, só pode estar doente. Este país tem de acordar, tem de haver alguém que se preocupe com o povo português, que se preocupe com a doença desta pátria e a faça ressuscitar. Nós já fomos um grande país e hoje somos apenas um sítio mal frequentado onde a democracia é um engano. Já não são as pessoas que mandam no Estado mas sim o Estado que manda em nós e nos esmaga, nos tritura e nos amesquinha até ao ponto do suicídio.

CL – Com 58 anos de idade e um currículo tão cheio, que objectivos tem ainda para concretizar enquanto cidadão?

ASL - Ao contrário do que diz o ditado, para mim recordar é morrer, ou seja, a pessoa que vive exclusivamente do passado morreu. A maioria dos portugueses deve estar num asilo à espera de morrer mas, como sou irrequieto, vou arranjando objectivos para concretizar. Como tal, há uma parte do meu futuro que desconheço mas na qual sei que vou continuar a fazer algo.