Prof. Armin F. Isenmann -...

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1 CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS CAMPUS TIMÓTEO Processos Industriais Módulo Aço, parte 2 (Parte 1: O processo do alto-forno e a produção de aço; Parte 3: Da análise térmica ao diagrama das fases) Prof. Armin F. Isenmann 2. ENTENDER O DIAGRAMA DAS F ASES DO AÇO 2.1. Características gerais de misturas binárias fundidas Nesta consideração introdutória referimo-nos a sistemas binários, contendo os compostos A e B. A partir da sua solução, líquida e homogênea, observamos os típicos comportamentos de solidificação. Como a discussão do cap. 2.1 tem caráter geral, então não importa se tivermos um sistema de dois metais fundidos, duas substâncias orgânicas, sais fundidos ou um sal soluto em água. 2.1.1. Separação dos compostos sólidos puros Ao dissolvermos um composto B (por exemplo, nitrato de prata) em um líquido A (por exemplo, em água), o ponto de congelamento de A abaixa-se, um fenômeno conhecido como efeito coligativo. O gráfico da temperatura de fusão verso fração molar em B, obtemos uma curva decrescente (linha AC, na Fig. 1). O mesmo se observa quando no líquido B se dissolve cada vez mais A (curva BC, na Fig. 1). As duas curvas cruzam-se no ponto mais baixo C, denominado de ponto eutéctico ou eutético. Aqui solidifica-se, a partir de uma solução da composição C, uma mistura micro- cristalina de cristais A e cristais B. Mesmo que os cristalitos por si são os puros compostos A e B, geralmente não é possível separar esta mistura eutéctica (do grego: fácil de fundir) em seus componentes. Então o diagrama dos estados é dividido em vários campos distintos quando colocamos as duas curvas de fusão. Acima das curvas encontra-se o campo da solução insaturada. Aqui é possível variar temperatura e composição da mistura, sem provocar a formação de uma nova fase sólida. A regra das fases de Gibbs permite prever o grau de liberdade, isto é, o número de parâmetros que podem ser livremente escolhidos sem criar novas fases ou extinguir uma das fases existentes; em nosso exemplo, o grau de liberdade é de 2 (composição e temperatura): No equilíbrio encontram-se apenas duas fases, a solução sob sua própria pressão de vapor. O número de componentes é dois (A e B). A regra das fases de Gibbs diz:

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1

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS

CAMPUS TIMÓTEO

Processos Industriais

Módulo Aço, parte 2

(Parte 1: O processo do alto-forno e a produção de aço; Parte 3: Da análise térmica ao diagrama das fases)

Prof. Armin F. Isenmann

2. ENTENDER O DIAGRAMA DAS FASES DO AÇO

2.1. Características gerais de misturas binárias fundidas Nesta consideração introdutória referimo-nos a sistemas binários, contendo os compostos A e

B. A partir da sua solução, líquida e homogênea, observamos os típicos comportamentos de

solidificação. Como a discussão do cap. 2.1 tem caráter geral, então não importa se tivermos

um sistema de dois metais fundidos, duas substâncias orgânicas, sais fundidos ou um sal

soluto em água.

2.1.1. Separação dos compostos sólidos puros

Ao dissolvermos um composto B (por exemplo, nitrato de prata) em um líquido A (por

exemplo, em água), o ponto de congelamento de A abaixa-se, um fenômeno conhecido como

efeito coligativo. O gráfico da temperatura de fusão verso fração molar em B, obtemos uma

curva decrescente (linha AC, na Fig. 1).

O mesmo se observa quando no líquido B se dissolve cada vez mais A (curva BC, na Fig. 1).

As duas curvas cruzam-se no ponto mais baixo C, denominado de ponto eutéctico ou

eutético. Aqui solidifica-se, a partir de uma solução da composição C, uma mistura micro-

cristalina de cristais A e cristais B. Mesmo que os cristalitos por si são os puros compostos A

e B, geralmente não é possível separar esta mistura eutéctica (do grego: fácil de fundir) em

seus componentes.

Então o diagrama dos estados é dividido em vários campos distintos quando colocamos as

duas curvas de fusão. Acima das curvas encontra-se o campo da solução insaturada. Aqui é

possível variar temperatura e composição da mistura, sem provocar a formação de uma nova

fase sólida. A regra das fases de Gibbs permite prever o grau de liberdade, isto é, o número de

parâmetros que podem ser livremente escolhidos sem criar novas fases ou extinguir uma das

fases existentes; em nosso exemplo, o grau de liberdade é de 2 (composição e temperatura):

No equilíbrio encontram-se apenas duas fases, a solução sob sua própria pressão de vapor. O

número de componentes é dois (A e B).

A regra das fases de Gibbs diz:

2

No das fases + grau de liberdade = N

o de componentes + 2 ( = 4)

1.

Podemos então resfriar uma solução insaturada, até cruzar com uma das curvas de

congelamento (= curvas de saturação). Daí ocorre a separação de cristais de A ou de B. Por

exemplo, resfriamos uma solução da composição 1 (ver Fig. 1), isto é, andamos na vertical

para baixo seguindo a seta, observamos a formação dos primeiros cristais quando chegar na

curva AC. A composição destes cristais é puro A, já que ultrapassamos a temperatura de fusão

dos cristais de A.

Ao se procurar a composição dos cristais que se depositam por resfriamento de uma solução,

então andamos na vertical para baixo até encontrar uma linha marcante do diagrama; daí

procuramos na horizontal a intersecção com outra linha marcante do diagrama onde se faz a

leitura da composição da nova fase. No entanto, neste procedimento nunca se deve passar por

cima de um ponto eutéctico ou outro ponto fixo do diagrama!

Isto faz com que a solução empobreça em A o que, conforme a curva AC, acarretando o

abaixamento do seu ponto de congelamento. Sendo assim, caminhamos ao longo da curva AC

para baixo em direção ao ponto C, sempre precipitando mais A. Chegamos no ponto C as

condições para o composto B também são para congelar, assim se solidifica o eutéctico.

Fig. 1. Diagrama de fusão de um sistema binário onde os compostos sólidos são

totalmente incompatíveis.

1 Essa regra presume que os componentes A e B se misturem em qualquer proporção, tanto no estado gasoso

como no líquido. No entanto, conhecemos sistemas onde coexistem duas ou até mais fases líquidas. Nestes casos

a regra de Gibbs não se aplica.

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Voltando ao nosso exemplo, como já precipitamos cristais de A antes do eutéctico, a mistura

sólida tem a aparência de ilhas de A (que geralmente são cristais maiores), dentro de um mar

congelado de eutéctico. De maneira análoga, quando resfriarmos uma mistura da composição

2, solidifica-se primeiramente puro B que depois será enluvado pelo eutéctico.

Deduzimos que as curvas AC e BC da Fig. 1 representam as condições de solução saturada.

Exatamente em cima destas curvas temos um grau de liberdade a menos do que na solução

insaturada. Isto é, podemos escolher livremente somente um parâmetro e todos os outros

parâmetros são dados pelo sistema; ao mexer em dois parâmetros independentes, então corre-

se o perigo de criar novas fases ou perder uma das antigas. Podemos então escolher a

temperatura, daí a composição da mistura (%) é definida. Ou escolhemos a composição, daí se

conhece já a temperatura.

Logo abaixo das curvas encontram-se as áreas de supersaturação. Isto significa que as

soluções contêm mais A (ou B) do que permitido pelas curvas de saturação. O sistema quando

se encontra nesta região do diagrama, é instável e se decompõe espontaneamente. Isto é

mostrado pelo ponto 3 na Fig. 1 que se desfaz em uma parte de cristais B e outra solução

saturada. Podemos até predizer as quantidades relativas destas novas fases, aplicando a

“Regra de alavanca” (ver p. 10).

Um ponto especial no diagrama das fases é C, o ponto eutéctico. Nesta temperatura e

composição temos a solução coexistente com o eutéctico que é uma mistura de cristalitos de

puro A e cristalitos de puro B. Sendo assim, temos quatro fases coexistentes (incluindo a fase

do vapor em cima do sistema), ou seja, pela regra das fases o grau de liberdades é zero.

Abaixamos a temperatura perdemos a fase líquida. Andamos ainda à direita ou à esquerda,

obteremos misturas sólidas de B e eutéctico e A e eutéctico, respectivamente.

Mencionamos alguns exemplos para sistemas onde componentes solidificados se tornam

incompatíveis, conforme mostrado na Fig. 1 - todos com relevância industrial: refinamento da

prata, a partir de minérios de chumbo, abaixamento da temperatura de fusão da bauxita por

criolita no processo da eletrólise em fundição, na produção de alumínio metal. Também

referido um exemplo encontrado no laboratório já mencionado acima, a mistura de água e

nitrato de prata.

Componente A Componente B Eutéctico C

Fórmula Tfus Fórmula Tfus % mássica Tfus

Ag

Al2O3

AgNO3

961 °C

2045 °C

212 °C

Pb

Na3AlF6

H2O

327 °C

1009 °C

0 °C

2,5% Ag

18,5% Al2O3

47,1% AgNO3

304 °C

935 °C

-7,3 °C

Todos eles podem ser separados em cristais de A e eutéctico ou B e eutéctico, através de um

simples resfriamento da solução.

2.1.2. Formação de um composto sólido de composição definida

Alguns sistemas dos compostos A e B mostram a tendência de formar um novo composto de

composição definida, por exemplo, o composto da fórmula AB. Daí tanto A como B podem

formar um diagrama do tipo Fig. 1 com o composto AB. Ao juntarmos esses dois diagramas

na ordenada em comum recebemos um diagrama do tipo Fig. 2, onde a linha pontilhada no

meio representa a existência do composto AB. O mais marcante neste diagrama é a aparência

de um máximo de temperatura de congelamento (também é conhecido como "distéctico"), o

que é idêntico com a temperatura de fusão do composto AB. Neste princípio se baseiam os

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métodos para descobrir a composição de compostos de acesso difícil. Por exemplo, através

das temperaturas de congelamento se descobriram as fórmulas dos hidratos do ácido sulfúrico.

No exemplo mostrado na Fig. 2 o composto AB se destaca por ter um ponto definido de

fusão. Além disso, as composições são idênticas em solução e no cristal (= 50%, no exemplo).

Estas transformações das fases, onde não há mudanças nas composições químicas, se chamam

de transformações congruentes. No exemplo da Fig. 2 tem-se uma fusão congruente do

composto sólido AB. Mas também existem outros sistemas onde o composto AB somente

existe em fase sólida. Ao derreter ela se desproporciona em uma fase líquida e um novo sólido

cuja composição é diferente. Este caso, a fusão incongruente do composto AB que ocorre

num intervalo térmico, é discutido abaixo ("peritéctico"; esboçado na Fig. 3).

Fig. 2. Diagrama de fusão onde se separa um composto definido, neste exemplo da

fórmula AB.

Portanto, o distéctico ou fusão congruente não deve ser confundido com o peritéctico. Na

reação peritéctica, uma fase líquida L e uma fase sólida α estão em equilíbrio termodinâmico

com uma fase sólida β cuja composição química e estrutura cristalina são diferentes da fase α,

conforme esboçado na Fig. 3.

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Fig. 3. Diagrama das fases com peritéctico (P).

Arrefece-se lentamente uma mistura contendo as fases L e α, atingindo a temperatura

peritética aquela proporção da mistura que corresponde à composição peritética se transforma

em uma fase β. Somente depois desta transformação se completar a temperatura da mistura

volta a cair. Uma vez que a composição de β não é a mesma que da fase L ou da fase α, a

reação peritética é chamada de transformação incongruente.

Na transformação peritética a nova fase sólida β é formada na interface entre as fases α e L, de

modo que possa atuar como uma barreira de difusão. O recém-formado cristal misto β então

cresce em volta do já existente cristal misto α, daí o nome peritética (do grego: construído em

volta). O crescimento do sólido a custo do líquido L e do sólido , enluvando a fase

completamente, separa cada vez mais os reagentes, L e . Isso tem como consequência que

reações peritéticas ocorram muito mais lentamente do que as transformações semelhantes,

eutéctica e eutetóide e, portanto, geralmente são de menor importância técnica.

O rosto de uma transição peritéctica é um V invertido e uma beira horizontal através da sua

ponta superior, do tipo . (Ao invés deste, o ponto eutéctico se evidencia por um V

normal com barra horizontal através da sua ponta, do tipo .)

Um bom exemplo de uma transição peritéctica fornece o sistema prata –platina (Fig. 4), onde

no ponto P estão em equilíbrio (além da fase de vapor) a fase líquida, uma fase sólida de

cristais mistos (em seguida abreviados por CM) ricos em prata e outra rica em platina. Note

que, neste exemplo, as áreas I, II e III são uma fase só, enquanto os campos IV e V indicam

uma decomposição espontânea em uma parte líquida e outra de cristais mistos; o campo VI,

finalmente, implica a decomposição espontânea em CM rico em prata (V) e outro CM rico em

platina (VI).

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Fig. 4. Ocorrência de peritéctico (P) no sistema prata/platina. x2 = fração mássica

da platina

Último exemplo a ser dado para um peritéctico é a reação entre o ferro fundido e cristais

mistos de ferro δ / C, para CM de ferro-γ com carbono (= austenita), ocorrendo na

temperatura peritéctica de 1493 ° C e numa composição mássica de 0,16% C (ver Fig. 13, em

volta do ponto I).

2.1.3. Separação de cristais mistos (de composição não definida)

Caso A: Miscibilidade contínua.

Na p. 2 vimos que sistemas de pouca compatibilidade separem-se em seus compostos puros,

cristais de A e cristais de B. Mas também existem muitos exemplos onde os componentes se

misturam a nível molecular enquanto se solidificam. O oposto seria um sistema

completamente compatível no estado sólido, daí se tem a formação de um cristal misto.

Vamos primeiro sondar em quais casos temos que contar com cristais mistos.

Metais entre si formam frequentemente cristais mistos - conhecidos como ligas metálicas.

Nestas observamos solubilidade mútua, ou seja, os átomos do segundo metal se encontram em

lugares estatísticos da rede cristalina do primeiro2.

Já mais delicada é a questão da compatibilidade entre os sais. Relativamente raros são os

exemplos onde os cátions ou os ânions de um cristal iônico podem repor-se aos poucos, sem

que o tipo da rede cristalina seja perturbado ou até alterado. Um exemplo deste é o cloreto de

sódio, onde os íons Na+ podem ser repostos aos poucos por Ag

+. Observamos uma transição

suave, das propriedades do sal de cozinha em cloreto de prata. Isto se conhece como

"isomorfia", o produto é um cristal misto. Podemos ainda discriminar entre miscibilidade

completa e incompleta, dependendo se os íons podem se substituir em quaisquer proporções

ou somente dentro de uma faixa limitada.

Antigamente acreditava-se que a condição para cristais mistos seja o mesmo número de carga

naqueles íons que se repõem. Só que logo se evidenciou que essa "Regra de Mitscherlich" não

2 Também se conhecem casos de formação de cristais metálicos de fórmula definida. São discutidos no artigo A.

Isenmann, "Como se explica a estrutura dos sais?", cap. 8: As regras de Hume-Rothery.

P

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era satisfatória para explicar um grande número de misturas. Hoje sabemos que mais

importantes para a formação de cristais mistos são:

a identidade do tipo de fórmula (AX, A2X, A3X2, etc.),

ter as mesmas distâncias interiônicas (que têm a ver com os raios iônicos) e,

na maioria dos casos, também ter o mesmo tipo de rede iônica (cúbico, hexagonal,

tetraédrico, etc.),

mais do que as cargas iônicas e a semelhança química entre os íons, que são critérios de

menor importância. Um exemplo:

Os sais K[MnO4] - K[BF4] - Ba[SO4] - Y[PO4] formam cristais mistos entre si, mesmo

que as cargas iônicas e a reatividade química são bastante distintas.

Na maioria dos pares de sais onde as distâncias da rede cristalina são quase idênticas,

observamos compatibilidade ilimitada, enquanto os pares com maiores diferenças nas

dimensões (a temperatura ambiente, este limite fica em torno de 6%) um sal consegue

acomodar o outro sal somente até um valor limite e vice versa - nós observamos uma lacuna

de miscibilidade (ver discussão na p. 9), mais ou menos larga.

Raros são os exemplos onde os íons ocupam lugares definidos dentro da rede cristalina de

outros sais. Exemplos para estes "sais duplos" são: a dolomita CaMg(CO3)2 ou o alúmem

KAl(SO4)2.12H2O. Essa última fórmula parece bem complexa, mas ela pode ser notada

também na forma [K2SO4:12 H2O + Al2(SO4)3

.12 H2O], ou até como [K

+(H2O)6 +

Al3+

(H2O)6 + 2 SO42-

]. Especialmente a última fórmula deixa claro que os íons envolvidos se

encontram em lugares definidos da rede cristalina. O resultado é uma estequiometria fixa

entre os cátions (juntos à sua água cristalina na esfera interna de coordenação) e os ânions

(compensando a carga dos cátions complexos), ou seja, um composto definido do tipo

representado na Fig. 2.

Olhamos então no diagrama das fases para um sistema de miscibilidade total (Fig. 5).

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Fig. 5. Diagrama das fases onde se solidificam cristais mistos de composição

variável.

Observamos que, além das curvas líquidus que já observamos no sistema incompatível (ver

Fig. 1, linhas AC e CB), neste sistema precisamos mais duas curvas para descrever a

composição dos cristais mistos que é diferente da solução a parir da qual se formaram. Essas

novas curvas são chamadas de "curvas sólidus". Ao ligar as curvas líquidus e sólidus por uma

linha horizontal, então podemos fazer a leitura da composição de equilíbrio térmico, do

líquido e do cristal misto. É característico que a composição do cristal misto varia com a

composição da solução saturada, além disso, sua composição é diferente da mistura fundida.

Somente no ponto especial C (= eutéctico) temos o caso que as composições de cristal misto e

da solução saturada são idênticas.

É notável que, ao decorrer do processo da solidificação, tanto a parte líquida como a parte

cristalizada estão mudando na sua composição, em direção ao ponto eutéctico. Em casos onde

a velocidade da cristalização é rápida em comparação à velocidade do resfriamento, tem-se a

chance de obter poucos e grandes cristais mistos. Dentro destes pode-se então observar um

gradiente na composição: enquanto seu centro ainda é bastante longe da composição

eutéctica, as suas beiradas já se aproximaram bastante a esta marca. E mais uma

particularidade nos diagramas dos cristais mistos: nem sempre a fase líquida chega ao ponto

eutéctico. Em casos onde se parte de misturas líquidas bastante longe da mistura eutéctica

(nas Fig. 5 e Fig. 6, essas são as composições < 30% e >80% de A, aproximadamente), a fase

líquida se esgota antes de chegar no ponto eutéctico. Esses limites se evidenciam quando os

primeiros cristais têm a mesma distância da composição de partida que o último líquido da

composição original, só que na outra direção (medida em cima da linha líquidus); daí a

composição média dos cristais é idêntica à composição da solução líquida de partida, e isso

significa que tudo se solidificou.

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Uma questão prática: é possível separar os componentes puros, A e B, a partir de um sistema

compatível? A resposta é sim, mas isso requer de esforços maiores do que em sistemas

incompatíveis. Em analogia à destilação fracionada (por exemplo, de O2 e N2, sistema

perfeitamente compatível) é preciso refinar os cristais em várias etapas operacionais. A

técnica utilizada se chama cristalização fracionada. Ela é usada, por exemplo, na refinação de

silício para fim de produção de chips semicondutores.

Exemplos para este tipo de diagrama são os sistemas ouro-cobre e cloreto de potássio - cloreto

de sódio.

Caso B: Advento de uma lacuna de miscibilidade (imiscibilidade parcial).

Nem sempre os dois componentes formam cristais mistos de qualquer composição, como era

o caso na Fig. 5. Pode ocorrer uma lacuna de miscibilidade, mais ou menos larga. Isso é

representado na Fig. 6. A diferença mais marcante é que a solução saturada no ponto eutéctico

C se transforma no primeiro caso em uma mistura íntima de mini-cristais de A e B (eutéctico

da Fig. 1), no segundo caso em uma mistura micro-cristalina de cristais mistos da composição

I e II (ver Fig. 6). Aqui temos então uma aparência do eutéctico sólido, que fica entre os

extremos do eutéctico da Fig. 1 (cristalitos de puro A + puro B) e do eutéctico da Fig. 5

(mistura molecular e uniforme). Fora desta característica, a interpretação dos diagramas da

Fig. 5 e da Fig. 6 é a mesma.

Exemplos para este tipo de mistura são os sistemas Fe-C e Fe-Fe3C, discutidos logo a seguir.

Fig. 6. Diagrama com cristais mistos, enquanto suas composições são limitadas.

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2.2. Cálculo das proporções mássicas das fases, aplicando a

“Regra da alavanca” A partir de qualquer ponto que se encontre dentro de um campo metaestável do diagrama das

fases (onde tem condições termodinâmicas instáveis; supersaturação), podemos tracejar uma

linha horizontal para chegar de ambos os lados deste ponto às beiradas de outras linhas de

transformação. Realmente, uma mistura desta composição se desproporciona

espontaneamente, formando duas novas fases, de composições conforme os pontos de

cruzamento com as linhas características, lidas na abscissa do diagrama. Daí pode-se calcular

as proporções molares (ou mássicas) das duas novas fases. Observa-se que quanto mais

próxima uma beirada ao ponto de origem, maiores suas proporções mássicas. No diagrama

das fases, Fe-cementita (Fig. 7) temos três destas linhas características onde pode ser aplicada

a regra da alavanca com sucesso:

a linha peritéctica (horizontal cortando o ponto B; sem relevância prática)

a linha E-C-F que permite calcular as proporções da austenita e da cementita dentro de

uma fase eutéctica conhecida como “ledeburita”.

a linha P-S-K que permite estimar as grossuras relativas das lamelas, feitas de ferrita e

cementita, dentro da perlita.

O cálculo que se conhece como “Regra de alavanca”, seja exemplificado neste último caso.

Na linha horizontal a 723 °C percebe-se que o ponto S fica bem mais perto de P do que de K.

Portanto, podemos esperar na “perlita”, fase que se forma abaixo de 723 °C, maiores

proporções de ferrita (tamanho do peso azul) do que de cementita (tamanho do peso verde).

Olhando nos comprimentos das linhas PS e SK, basta referir-se à distância total de PK para se

obter as porcentagens:

%8802,067,6

8,067,6)%(

PK

SKferrita e %12)%(

PK

PScementita .

A regra da alavanca não se restringe às linhas horizontais de saturação, como nossos

exemplos acima poderiam sugerir, mas ela pode ser aplicada em qualquer ponto dentro de um

campo metaestável (quer dizer, onde esperamos um sistema bifásico). Basta localizar a

situação em que o sistema se encontra (temperatura, composição), a partir deste ponto se

procura em ambos os lados e na mesma altura os limites do campo bifásico. Das distâncias do

ponto de partida até as beiradas se calcula então as quantidades relativas das duas fases

coexistentes.

Parte específica:

2.3. O rosto do diagrama Ferro-Cementita A Fig. 7 mostra a parte do diagrama das fases Ferro-Carbono que é importante na prática

siderúrgica. Observamos que a relevância se estende apenas até 6,7% mássicos em carbono,

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isto corresponde à composição molar 3 Fe . C (Fe3C = cementita). Neste sistema o carbono

pode aparecer tanto em forma pura (grafita, cristalização hexagonal), quanto em forma da liga

cementita (também chamada de carbeto de ferro; rômbico). Como a cementita se decompõe

ao ser temperada por um tempo prolongado, ela deve ser considerada sendo meta-estável. A

explicação deste fato é a endotermia da sua formação (lembre-se que um equilíbrio

endotérmico se desloca à esquerda, ao abaixar a temperatura; Princípio de LeChatelier):

21,8 kJ + 3 Fe + C Fe3C.

No entanto, a decomposição da cementita é bastante lenta. Como as velocidades de

resfriamento na prática quase sempre são maiores ( 20 K.min

-1) que a velocidade da reação

acima dada, a quantidade da grafita formada é muito pequena e grande parte da cementita se

mantém dentro das fases da liga resfriada.

Fig. 7. Diagrama das fases Fe-C.

Linhas pontilhadas: limites de solubilidade para a modificação grafita;

Linhas diretas: limites de solubilidade para a modificação cementita, Fe3C.

Da Fig. 7, das linhas diretas podemos identificar os limites de existência de aços, ferro gusa

branco e ferro fundido duro (todas as fases meta-estáveis; formadas durante um resfriamento

não muito lento). Nas linhas pontilhadas e os pontos marcados com traço, por outro lado,

identificamos as existências do ferro gusa temperado e do ferro fundido cinzento (a coloração

escura destas duas fases tem sua origem na grafita; fases termodinamicamente estáveis,

formadas por um resfriamento extremamente lento). Ao temperar ligas ricas em carbono ou

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esfriá-las bastante lentamente, pode-se então observar a transformação da cementita em

grafita e ferro, no sentido oposto da equação química dada acima. Essa tendência é bastante

atenuada, no entanto, em ligas pobres em carbono.

Mais importante para a formação dos aços de alto desempenho, sem dúvida, é o sistema Fe -

Fe3C 3.

Observamos três transformações importantes das fases neste diagrama (= linhas horizontais):

1. A 1493 °C ocorre a transformação peritéctica, numa liga de 0,1 a 0,51% em C. Como já

mencionado na p. 5, ela não tem relevância técnica, portanto será dispensada de uma

discussão mais aprofundada.

2. Já mais importante é a transformação eutéctica da fundição que ocorre numa temperatura

de 1147 °C, em misturas entre 2,06 e 6,67% em C. A mistura eutéctica consiste de cristais

mistos de austenita e cementita, em homenagem ao metalúrgico A. Ledebur é conhecida

como ledeburita. Os cristalitos nesta mistura são tão finos que é impossível separar

mecanica ou quimicamente os componentes. A mistura eutéctica aparece, portanto,

pseudo-homogênea.

3. De suma importância para a produção de aço de qualidade é a decomposição eutoectóide.

Abaixo de 723 °C a solução de C em Fe- (= austenita) se decompõem durante o

resfriamento não muito rápido (< 40 °.min

-1, aproximadamente), em uma mistura de CM

(Fe-C) e cementita. Entende-se por decomposição eutectóide uma transformação de uma fase sólida com as características de uma reação eutéctica - por sua vez definida

rigorosamente só para líquidos, porém ambas com linhas em formato .

O eutectóide é conhecido como perlita, pois essa fase tem um brilho parecido à madrepérola

quando observada numa amostra recentemente polida. Este efeito óptico se deve às espessuras

típicas das fases adjacentes, que coincidem com os comprimentos da luz visível. Sua

formação ocorre espontaneamente abaixo de 723 °C.

Assim, podemos constatar os seguintes limites de solubilidade para o carbono:

Solubilidade na rede cfc (= Fe-): no máximo 2,06%, isso acontece a 1147 °C; a

distribuição dos carbonos é estatística e conta com 1 carbono a cada 2,6 células

unitárias de Fe. A solubilidade é apenas de 0,8% a 723 °C.

Solubilidade na rede ccc (= Fe- e Fe-): o máximo é a 723 °C, mas esta vez são apenas 0,02% de C (ou seja, 1 carbono a cada 538 células unitárias do Fe). E isso

diminui continuamente e chega a 0,001% a temperatura ambiente.

2.3.1. Discussão dos processos de solidificação das ligas fundidas, em

ordem de crescente C.

Em seguida fala-se de „cristais mistos“ (nas Fig. 10 e Fig. 11 referidos com a sigla “CM”, na

Fig. 13 com a sigla “MK”, do alemão: Mischkristall), quando há quantidades variáveis de

3 Note que existem aços tecnicamente importantes (por exemplo, a Martensita ou a Bainita) que se devem a taxas

de resfriamento mais elevadas. As fases que se apresentam nestes materiais estão completamente fora do

equilíbrio químico e, portanto, não são tratados aqui. Literatura especial: W.D.Callister Jr., Ciência e engenharia

de materiais – uma introdução. LTC 2008, Cap. 10.

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carbono soluto no ferro; nestes casos os átomos de carbono ocupam as lacunas da rede

cristalina do ferro (ccc ou cfc), de maneira randômica.

0 a 2,06% de C; formação de "Aço carbono"

Da fundição separam-se cristais abaixo da linha liquidus AC os primeiros cristais mistos de

Fe-que são chamados em homenagem de Robert Austen de austenita. Os primeiros são

pobres em C, mas enriquecem-se continuamente ao crescer. Ao mesmo tempo, a quantidade

mássica da fase líquida está diminuindo, pois está sendo consumida pela formação dos cristais

de austenita. Como consequência o contínuo do resfriamento leva a uma fase líquida, cada

vez mais rica em C. Após completar a solidificação tem-se um conjunto de cristais mistos ,

conforme descritos acima Esses cristais mistos cresceram livremente e sem impedimentos

dentro da fundição, desta maneira aparecem com hábito alongado com galhos laterais. Eles

parecem um pouco árvores de natal (chamados de dentritos ou dentrímeros). Como também

dito acima, o limite superior da solubilidade é de 2,06% de C (atingido a 1147 °C, no ponto

E), mas cai novamente para 0,8% de C neste mesmo cristal , quando deixar resfriá-lo lentamente a 723 °C (ponto S). Implica que o carbono em excesso é expulso dos cristais da

austenita, ele se enriquece nas beiradas dos cristais e leva à formação de uma liga rica em

carbono, no caso a cementita secundária. Note que a cementita secundária somente aparece

em ligas super-eutectóides, ou seja, em ligas com > 0,8% em C. Mas isso acontece somente

quando tudo já se solidificou, portanto será mais bem descrito na p. 17.

2,06 a 4,3% de C; ferro fundido branco subeutéctico.

Abaixo da linha liquidus AC separam-se cristais mistos da fundição, como vimos acima. Ao

abaixar a temperatura o grau em C nestes cristais aumenta até chegar no máximo de 2,06%.

Igualmente aumenta o teor em C na fase fundida e, quando chegar na temperatura eutéctica de

1147 °C, ela tem a composição eutéctica de 4,3% C. Ao tirar mais energia do sistema, a

temperatura não cai até que todo o eutéctico (= mistura íntima de cristalitos de austenita e

cementita) se solidificou. Sendo assim, essa mistura mostra um definido ponto de fusão, igual

a um componente puro. Abaixo da linha solidus EC tudo é sólido e tem a aparência de cristais

mistos banhados em um contínuo de eutéctico (= ledeburita). Continuamos o resfriamento,

os cristais mistos diminuem em tamanho segregando cementita secundária, ao longo da

linha SE.

4,3 a 6,67% C; ferro fundido branco supereutéctico

Essa mistura líquida, muito rica em carbono, mostra o comportamento típico de uma mistura

binária totalmente incompatível. Isto quer dizer, separa-se aquele componente que está em

excesso em referência à composição eutéctica. Isto são, no caso, cristais de cementita,

chamados de "cementita primária" (linha CD). O restante líquido empobrece então em

carbono e aproxima-se ao ponto eutéctico. Lá solidifica-se totalmente e deixa aparecer a

mistura sólida como cristais alongados e bem formados de cementita, dentro de um mar

congelado de eutéctico. A Fig. 12 representa a aparência desta fase.

2.3.2. Transformações em estado sólido

Dentro do diagrama das fases Fe-Fe3C repete-se o mesmo padrão de transformação das fases

que se observou na região do ferro fundido, onde acima do eutéctico têm-se linhas de

solubilidade em forma de um "V", levando à austenita (ao lado esquerdo do eutéctico) e à

cementita (ao lado direito do eutéctico). Em fase sólida observa-se o mesmo tipo de triângulo,

também conhecida como "esquina do aço": forma-se o eutectóide no ponto S. Do seu lado

14

esquerdo há formação de ferrita (= cristais mistos de C em Fe-), enquanto do seu lado direito

separa-se a cementita secundária. O acontecimento nestas duas regiões será discutido

detalhadamente a seguir.

Ligas com 0 a 0,02% C.

A mais importante fase nesta composição são os cristais mistos de C em Fe- (= "ferrita", também conhecida como "aço doce") Acima da linha GS essas ligas ainda são de austenita.

Quando a temperatura cai abaixo da linha GS, ocorre uma transformação dos cristais mistos

de Fe- (na austenita) em cristais mistos de Fe- (na ferrita). Como os cristais de ferrita

conseguem acomodar muito menos átomos de carbono do que a austenita, então a parte que

ainda está austenítica enriquece em carbono. Ao abaixar a temperatura a composição da

austenita muda-se aos poucos, ao longo da linha GS. Neste mesmo tempo, também a parte da

ferrita enriquece em carbono ao abaixar a temperatura (até chegar em 723 °C e 0,02% em C;

ponto P). Note que não há formação de perlita nestas ligas, pois a parte austenítica será

completamente consumida, antes de chegar ao ponto S. Abaixo da linha GP encontram-se até

723 °C cristais mistos homogêneos. O teor máximo em C é de 0,02% (ver Fig. 8). Abaixo do ponto P a ferrita separa carbeto de ferro em forma de “cementita terciária”, devido à

inclinação da curva PQ. Por muitos metalurgistas essa cementita terciária não vale como fase

distinta, pois nas ligas esfriadas à temperatura ambiente ela evidencia-se apenas como beirada

fina em volta dos grãos bem formados de ferrita.

Ligas com 0,02 a 0,8% C (= Aços subeutectóides ou hipoeutectóides)

Também essas ligas separam cristais mistos de ferrita a partir da austenita, logo abaixo da

linha GS. Esses novos cristais depositam-se de preferência nas beiradas dos grandes grãos de

austenita. Ao abaixar a temperatura mais, os novos cristais saturam-se em carbono que chega

em 0,02% (a 723 °C). Ao mesmo tempo aumenta também o carbono nos cristais mistos .

Fig. 8. Parte do canto do aço: formação de ferrita

A última parte em austenita tem 0,8% C e transforma-se no ponto eutectóide em cristais

mistos e cementita, formando uma nova fase heterogênea não muito valorizada pelos

15

metalurgistas: a perlita. A formação da perlita certamente representa um processo marcante

dentro da liga Fe-C, portanto seja discutida mais em detalhe a seguir.

A formação da perlita começa na beirada do grão de austenita porque lá encosta na ferrita -

cristal que promove a nucleação da fase da perlita. A perlita assim cresce para dentro do

grão de austenita, em forma de tufos. Esse acontecimento é ilustrado na Fig. 9. A formação da

perlita pode-se explicar na seguinte forma: os átomos de carbono difundem, organizando-se

em camadas finas de grossura na ordem de um micrômetro. Assim dão origem a uma lamela

fina de cementita. A outra parte empobrece em C até chegar em 0,02%, para finalmente

transformar sua célula unitária do Fe- em Fe-. Aplicando a regra da alavanca, pode-se calcular uma quantidade de 12% de cementita e 88% de ferrita que resultam da decomposição

eutectóide. Na micrografia da Fig. 9 identificamos, portanto, as lamelas escuras e mais

grossas como ferrita e as tiras claras e finas como cementita.

O mecanismo da formação da perlita é de suma importância para o tratamento térmico dos

aços.

Fig. 9. Mecanismo da transformação eutectóide: crescimento da perlita

Abaixa-se mais a temperatura (< 723 °C), a parte da ferrita dentro da perlita não consegue

mais manter seus 0,02% em C. Ela separa, conforme a curva PQ, cementita terciária. Note

que a cementita terciária aqui não se percebe como nova fase, uma vez que acrescenta-se

diretamente à lamela de Fe3C da perlita. Desta forma, mudam apenas as espessuras relativas

dentro da perlita, ou seja, a cementita cresce a custo da ferrita.

16

Fig. 10. Processos de transformação das fases em estado sólido, para aços

subeutectóides, sob resfriamento lento.

a) (à esquerda): liga de 0,01% C. Também chamado de aço doce. Serve para latas,

chapas para carrocerias de carros, pregos, rebites, peças de formas prensadas em

molde.

b) (à direita): liga de 0,2% C. Aço de construção. Serve para vergalhões, perfis, aços

adequados para solda, aços que podem ser endurecidos posteriormente.

Liga de 0,8% de C (= Aço eutectóide)

Essa é a liga eutectóide. Os grãos bem formados de austenita decompõem-se a 723 °C em

duas novas fases, ferrita e cementita, em forma de lamelas finas que já conhecemos como

perlita. Isso é a aparência final deste aço: pura perlita (ver também Fig. 11), um material

bastante duro mas infelizmente pouco plástico e elástico.

17

Fig. 11. Processos de transformação em aços:

a) (à esquerda): aço eutectóide (= 0,8% C).

b) (à direita): aço com 1,5% C. Esse marca a concentração superior em carbono

para aços de ferramenta. Serve para peças com alta demanda à abrasão.

Ligas de 0,8 a 2,06% C (= Aços hipereutectóides)

Essas ligas são as chamadas hipereutectóides, usada para produzir os aços de qualidade mais

duros. A capacidade para dissolver o carbono é no caso da austenita, como já discutido, de

2,06% (a 1147 °C). Porém, essa concentração não foi atingida, pois a fase ainda líquida

(acima da linha líquidus, BC) já tinha se esgotada antes de chegar ao ponto eutéctico. Agora,

resfriamos abaixo de 1147 °C, o limite de solubilidade da austenita para o carbono fica cada

vez menor e a composição da austenita caminha ao longo da linha ES. O carbono não pode ser

mais segurado dentro do grão de austenita, daí há uma migração do carbono para a beirada do

grão onde se enriquece. Forma-se nesta beirada a cementita secundária. Isso acontece de

forma contínua até a temperatura chegar em 723 °C. Neste ponto o grão da austenita reduziu

seu teor em carbono a 0,8%. Espontaneamente ocorre a mudança da austenita em perlita,

devido à transformação eutectóide. Na perlita, como ilustrado na Fig. 9, as duas novas fases

estão organizadas em lamelas finas e retas, enquanto a cementita secundária que já se separou

antes, permanece como casca em volta dos grãos de perlita (ver imagem na Fig. 11b). A liga

resfriada aparece assim em grãos de perlita, separados por uma rede de cementita secundária.

Note que a cementita que foi formada na mistura sólida, é sempre mais fina (cristalitos

menores) do que a cementita primária, onde o ambiente ainda líquido não impediu o

crescimento livre dos cristais de Fe3C.

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Ligas com 2,06 a 4,3% C (ferro fundido, liga hipoeutéctica ou subeutéctica)

Essas ligas contêm, logo após sua solidificação, mais ou menos cristais de austenita de

exatamente 2,06% de carbono, além de uma fase contínua de ledeburita. Junto ao

resfriamento prolongado (< 1147 °C) ocorre a segregação descrita acima, da cementita

secundária, ao longo da linha ES. Essas ligas dispõem da máxima grossura da cementita

secundária possível, quando medida em relação ao tamanho dos grãos de austenita. A 723 °C

os grãos têm um teor de 0,8% de carbono, então ocorre a transformação eutectóide. À

temperatura ambiente a liga consiste então de eutéctico ledeburita 4 e grãos de perlita que por

si são enluvados por uma camada grossa de cementita secundária.

Ligas com 4,3 a 6,67% de carbono

As ligas hipereutécticas do ferro fundido não têm cristais de austenita "autônomos", mas

todos esses cristais são escondidos dentro da fase do eutéctico, em forma de cristalitos

submicroscópicos. Portanto, não se observa a estruturação típica da perlita - nem à

temperatura ambiente. Esse material não tem importância como material de construção, mas é

usado quase que exclusivamente na aciaria, para recarbonatar o ferro puro ("aço doce") que

sai do processo LD.

2.3.3. Resumo e vista geral sobre as fases observadas no diagrama Fe-Fe3C

Austenita:

Cristal misto (= solução sólida) de Fe- (rede cfc) e C. Solubilidade máxima a 1147 °C 2,06% de C. Não é magnético, coeficiente de dilatação térmico maior que o da ferrita,

condutividade térmica menor que a ferrita.

Ferrita:

Cristal misto de Fe- (rede ccc) com carbono, onde a solubilidade é bem menor que na

austenita: no máximo 0,02%, a 723 °C. À temperatura ambiente a solubilidade para o carbono

é ainda menor: <0,001% a 20°C. Essa fase é magnética.

Cementita:

Composto intermetálico da fórmula definida, Fe3C (o que corresponde a 6,67% em massa de

carbono).

rede romboédrica, bastante duro e pouco plástico.

Perlita:

Eutectóide formado de ferrita e cementita, em forma de tiras finas e retas. O comprimento das

lamelas diminui quando a velocidade do resfriamento for mais alta, enquanto sua grossura

depende diretamente da temperatura que rege (conforme explicado no fim da descrição da

mistura “0,02 a 0,8% C).

4 Como a ledeburita contém também cristalitos de austenita, em uma mistura ultra-fina com cementita, ela sofre

igualmente uma transformação abaixo de 723 °C, já que isso é o limite inferior para a existência da austenita.

Como os grãos são tão pequenos, porém, a formação dessa perlita nem se percebe. Portanto, em algumas

literaturas é referida uma "ledeburita I" acima de 723 °C e uma "ledeburita II" abaixo desta temperatura. De fato,

elas não podem ser distinguidas, nem por ensaios mecânicos nem químicos.

19

Ledeburita:

Eutéctico que consiste, primeiramente de austenita e cementita. Após passar pelo limite de

723 °C a austenita se transforma em perlita que, porém, é tão finamente distribuída que não

tem a aparência em lamelas. Ver também nota de rodapé 4.

2.3.4. Aparência da liga resfriada, em dependência do teor em carbono

Em ordem de carbono crescendo (ver também Fig. 12 / Fig. 13) um pedaço de liga Fe – Fe3C

tem a seguinte aparência à temperatura ambiente:

No início têm-se apenas grãos de ferrita. O pouco carbono que pode conter se acumulou quase

que exclusivamente nas beiradas dos grãos, em forma de cementita terciária.

Ao aumentar o carbono, tem-se cada vez mais perlita na liga.

A 0,8% de C a liga é 100% de perlita.

Acima de 0,8% de C tem-se a cementita secundária como nova fase distinguível, que separa

os grãos da perlita.

Em ligas com mais de 2,06% aparece como nova componente a ledeburita.

Ao aumentar o carbono a ledeburita ganha em peso, enquanto as ilhas de perlita estão

menores. A grossura da camada de cementita secundária, em relação à perlita, fica constante,

a dizer, máxima.

A 4,3% de carbono a liga é 100% de ledeburita.

Teores mais altos ainda em carbono deixam aparecer os primeiros cristais grandes de

cementita primária.

A 6,67%, finalmente, a liga é 100% de cementita.

2.4. Influência sobre as propriedades tecnológicas e

mecânicas Junto ao teor da cementita dura, a dureza da liga aumenta de maneira praticamente linear. A

resistência à tração aumenta no início, até chegar em 0,8% de carbono. Acima desta marca

diminui novamente, devido à aparência da cementita nas beiradas dos grãos - o que deixa o

conjunto dos grãos de perlita menos consistente e menos elástico.

O alongamento até ruptura e o recolhimento perpendicular à direção da tração são

maiores no conjunto de pura ferrita. A cementita é uma fase quebradiça, portanto piora essas

qualidades. Igualmente diminui a tenacidade, medida pela resistência ao impacto com entalhe

(ensaio de Vicat), com a aparência de qualquer cementita.

A plasticidade da liga decresce ao aumentar a porcentagem em carbono. Isto interfere na

trabalhabilidade do material a quente. O limite da forjabilidade fica em torno de 2%.

A plasticidade a frio (importante no processo de laminação) cai drasticamente com a

aparência da cementita, que é dura e quebradiça. O limite para este tipo de transformação fica

em torno de 0,8% C. Consta-se forças necessárias cada vez mais altas quando maior o teor em

carbono.

A soldabilidade depende fortemente do teor em carbono. A solda mais fácil se consegue em

aços pobres em carbono, de preferência abaixo de 0,22% de C. Com teores de carbono mais

20

altos a técnica deve ser cada vez mais sofisticada, incluindo pré-aquecimento da peça, metais

aditivos ao eletrodo de solda e técnicas especiais de solda.

A facilidade de soltar lascas, por exemplo, ao furar buracos ou diminuir a espessura da peça

no torno, vai paralelamente à resistência de tração e à dureza da liga. Isto é, aumento em

carbono melhora essa qualidade (importante nas técnicas de torno e em furações). No entanto,

o contrário é observado quando o carbono aparece na forma de grafita: sua propriedade de

lubrificar opõe à tendência de soltar lascas.

2.5. Anexos

Coordenadas exatas dos pontos marcantes no diagrama das fases Fe-C (ver Fig. 7):

A (0% / 1536 °C)

B (0,53% / 1492 °C)

C (4,3% / 1147 °C)

D (6,67% / 1320 °C)

E (2,06% / 1147 °C)

F (6,67% / 1147 °C)

G (0% / 911 °C)

K (6,67% / 723 °C)

L (6,67% / 20 °C)

P (0,02% / 723 °C)

S (0,8% / 723 °C)

Q (<0,001% / 300 °C)

M (0,017% / 769 °C)

O (0,58% / 769 °C)

S´ (0,68% / 738 °C)

E´ (2,01% / 1153 °C)

C´ (4,2% / 1153 °C)

Linhas marcantes na Fig. 7 (= linhas univariantes):

Linha líquidus: A-B-C-D; linha solidus: A-H-I-E-C-F

Linha eutectical (isotérmica): E-C-F; linha eutectóide (isotérmica): P-S-K; linha peritectical:

H-I-B.

Fenômenos pontuais na Fig. 7 (= pontos invariantes):

Eutéctico: 4,3% a 1147 °C (ponto C)

Eutectóide: 0,8% a 723 °C (ponto S)

Peritéctico: 0,16% a 1493 °C (ponto I)

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Fig. 12. Diagrama mostrando a aparência das fases no estado sólido.

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Fig. 13. Diagrama das fases Fe - Fe3C, mostrando as fases distintas das ligas após o

resfriamento à temperatura ambiente (velocidade do resfriamento: 20 ° min-1

).

“MK” significa cristal misto.

Fontes:

Primeira parte (do alemão): A.F. Holleman, E. Wiberg, Lehrbuch de Anorganischen Chemie,

Ed. 91 a 100, Walter de Gruyter Berlin 1985.

Segunda parte (do alemão):

http://www.haw-hamburg.de/fileadmin/user_upload/IWS/PDF/Skript_teil09.pdf

Literatura para aprofundar:

W.D.Callister Jr., Ciência e engenharia de materiais – uma introdução. LTC 2008, Cap. 9.