Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade...

10

Click here to load reader

Transcript of Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade...

Page 1: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II

Anderson José Lisboa Baptista

Universidade Federal Fluminense – Programa de Pós-Graduação em Educação - RJ

Agência Financiadora: CAPES

Eixo: Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação

Categoria: Comunicação

O presente texto é fruto de pesquisa realizada para dissertação de mestrado,

defendida em fevereiro de 2014 no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal Fluminense: “Alunos da EJA em escolas com tradição de

excelência: Uma análise do Proeja no Colégio Pedro II”, na qual estudei o encontro

entre alunos da educação de jovens e adultos (EJA) e o Colégio Pedro II (CPII).

Localizado no estado do Rio de Janeiro, o CPII foi criado no século XIX. Destaca-se

na História da educação no Brasil como primeiro colégio laico, humanitário e

propedêutico do país. Teve em seus quadros docente e discente figuras bastante

conhecidas no cenário nacional e acumulou historicamente o status de escola de

excelência. Na dissertação foi possível refletir sobre o processo de entrada do

Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica

na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) nessa instituição. Assim

como, destacar características, experiências e perspectivas de sujeitos ali inseridos,

além de tecer uma análise da realidade do Programa no CPII enquanto política

educacional.

A pesquisa teve como objeto principal de análise os alunos do Proeja no CPII. O

objetivo foi a partir da perspectiva desses sujeitos, refletir sobre o Programa na

instituição, investigando principalmente os resultados do encontro de realidades tão

distintas: o CPII e a EJA.

Quando considero a distinção entre as realidades do CPII enquanto instituição de

excelência e a da educação de jovens e adultos, não o faço a partir da perspectiva de

que ali seja um não lugar para esta modalidade de ensino. Mas, considerando a

configuração que se consolidou historicamente, na qual tais escolas contam com um

rígido modelo de seleção e por isso, abrigam estereótipos de alunos padrões, que se

distingue em muitos aspectos daqueles que costumam compor os quadros da EJA.

Uma das hipóteses que fundamentaram o trabalho foi a de que este encontro de

realidades “distintas” pode ajudar na reflexão sobre os rumos da EJA atual.

Page 2: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

A metodologia utilizada foi a de uma pesquisa qualitativa, sem contudo, abrir mão

de dados quantitativos, que em muitos casos possibilitaram um olhar mais apurado

para o objeto. Neste caso, além de revisão bibliográfica, pesquisa de documentos e

legislações, trabalhei com entrevistas, a partir de uma abordagem biográfica, que

também se enquadra no que Guerra (2006, p.18), chama de “entrevista

compreensiva”.

Seja qual for o método a ensaiar, nas entrevistas compreensivas os sujeitos tomam estatutos de informadores privilegiados, uma postura muito diferente da dos entrevistados nos métodos de pesquisa mais cartesianos, que são reduzidos à posição de informadores objetivos. [...] Claro que se trata de atores situados em contextos de ação concretos, e a atenção à criação de significações pelos atores (sense making) – centro de interesse das problemáticas interpretativas – remete para uma dimensão social fundamental que corresponde à relação entre perspectivas dos atores e os contextos nos quais eles se encontram implicados.

Os sujeitos entrevistados foram: alunos, egressos, professores, gestores e

funcionários. A partir das informações levantadas na dissertação apresentarei aqui

apenas algumas considerações de alguns dos entrevistados.

Entre os teóricos que fundamentaram algumas das análises da pesquisa estão:

Pierre Bourdieu (2008; 2012), Danilo Martuccelli (2007; 2010), Paulo Freire (2006;

2008) etc. Além de autores como: Jane Paiva (2009), Maria Margarida Machado

(2009), Sérgio Haddad (2006), entre outros, que foram fundamentais na empreitada da

pesquisa e contribuem especialmente com o recorte temático aqui proposto.

Sendo assim, apresento neste artigo apenas algumas das discussões que se

evidenciaram na dissertação. Divido-o em duas seções. Primeiro faço um breve

resgate histórico conceitual da EJA em sua configuração contemporânea enquanto

modalidade de ensino da educação básica, e apresento, dentro deste contexto, o

Proeja e suas propostas. Em seguida apresento a discussão sobre a EJA

especificamente no CPII a partir do Proeja.

Um breve panorama do Proeja no contexto da EJA contemporânea

O tema educação aparece na nossa Carta Constitucional de 1988 como um direito

social, que deve ser assegurado a todos pelo Estado e pela família. Um dos princípios

para aplicação deste direito aparece no artigo 206, inciso I: “igualdade de condições

para o acesso e permanência na escola”.

A simples necessidade de uma modalidade de ensino voltada para um público que

não desfrutou do direito do acesso ou da permanência na escola, por quaisquer que

sejam os motivos, nos leva a inferir que tal direito tem sido negado. Desta forma, essa

Page 3: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

modalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja

perpetuada.

Conforme aponta Paiva (2009, p.61), o direito à educação é uma construção social,

desta forma o acesso ao conhecimento é um “bem cultural simbólico das civilizações”.

Sendo assim, “ter acesso a esse bem constitui o direito e, por oposição, não ter

acesso, o não direito, traduzido como exclusão/apartação, por não ser direito natural,

mas construção social”. No caso específico do público da EJA, podemos falar em

direito negado.

Na década de 1990, a discussão da EJA como garantia de direito ganha uma força

extra. Fruto da V Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos (V

Confitea), realizada em 1997, a Declaração de Hamburgo afirma que “a educação de

adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave para o século

XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma

plena participação na sociedade.

Paiva (2009, p. 67) destaca que um dos aspectos fundamentais do texto da

Declaração está no fato da educação ser reafirmada como “mais que um direito”.

Segundo a autora, a concepção do direito à educação esteve ausente em algumas

conferências anteriores, mas reapareceu na década de 1990, recuperando, “(...) lugar

de relevo em acordos em torno do meio ambiente, das mulheres, das populações, dos

assentamentos humanos etc.”.

Machado (2009, p.18), ao discutir as principais políticas para educação de jovens e

adultos a partir da instituição da LDBEN o faz com a ressalva de que não devemos

reduzi-la a questão da escolarização. Reconhecer a educação como direito significa

entender que o mesmo está além da realidade escolar e deve se ampliar à “produção

do conhecimento que se dá no mundo da cultura e do trabalho nos diversos espaços

do convívio social, em que jovens e adultos seguem constituindo-se como sujeitos”.

Segundo Paiva (2009, p.67), a partir de então, a EJA pode ser pensada como

“processo de longo prazo”, no qual “o aprendizado acontece durante a vida inteira”.

Isso significa que pensar a EJA como direito nos dias de hoje implica considerar que a

apreensão plena deste direito deve se relacionar diretamente com a questão do

trabalho.

Pelo menos dois aspectos são fundamentais para pensarmos a EJA

contemporânea: o primeiro é de que ela se enquadra em uma perspectiva mais ampla

da educação como direito. Isso significa de que não se tratar mais de mera

assistência, ou ações de caridade voltadas para atender indivíduos que não

Page 4: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

concluíram a formação escolar na idade certa. Significa que se a educação é um

direito de todos, deve ser assegurado pelo Estado, inclusive para jovens e adultos. E

mais, este direito não se restringe apenas a formação escolar. Ele deve ser

assegurado também na perspectiva de uma formação ao longo da vida. (PAIVA, 2009)

O segundo aspecto está no fato de que a EJA atualmente é uma modalidade de

ensino da educação básica. Isto significa na prática que estamos diante de

especificidades que precisam ser consideras e respeitadas em todas as ações

voltadas para ela. Sejam estas de cunho pedagógico, curricular ou político e

administrativo.

Com a proposta de integrar a educação profissional com a EJA, o Proeja foi criado

no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A sua implantação foi no ano de

2005 a partir do Decreto nº 5.478/05. Todavia, no ano de 2006, esse decreto foi

revogado e substituído pelo Decreto nº 5.840/06, que ampliou o atendimento do

Programa, incluindo o ensino fundamental além de acrescentar novas instituições,

entre elas as Redes Municipais e Estaduais, Sistema S e o CPII.

O Programa nasceu em um contexto em que a Educação Profissional passava por

uma reestruturação e a Educação de Jovens e Adultos emergia com certo destaque

no governo do presidente Lula. Dentro deste cenário, ele assumiu algumas

características importantes no quadro da educação nacional. A primeira foi a forma

como o Programa foi gestado na sua reformulação em 2006, que culminou no Decreto

nº 5.840/2006. Foi um processo que contou com a participação de distintos atores

interessados no Programa.

Outro diferencial do Proeja foi ter promovido a associação da Educação Profissional

com a EJA. Embora não tenha sido o primeiro programa a fazer isto, o faz a partir da

proposta de um currículo integrado. Esta integração aparece de forma bem clara no

Documento Base do Proeja (Brasil, 2007a, p. 41):

[...] o que se pretende é uma integração epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de práticas educativas. Refere-se a uma integração teoria-prática, entre o saber e o saber-fazer. Em relação ao currículo, pode ser traduzido em termos de integração entre uma formação humana mais geral, uma formação para o ensino médio e para a formação profissional.

A proposta do currículo integrado é alinhada no Programa com o conceito de

politecnia, que surge no documento a partir da lógica do trabalho como princípio

educativo. De certa forma, este fato evidência, na proposta, pelo menos em relação ao

Proeja Ensino Médio (Proeja Médio), um rompimento com a lógica de formação de

mão de obra exclusivamente para o mercado.

Page 5: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

No texto do Documento Base do Proeja Médio, há uma clara opção epistemológica,

que certamente é fruto dos diálogos estabelecidos com os diversos atores que

participaram dos grupos de trabalho que elaboraram o referido Documento Base. Em

relação a isso, Moura e Pinheiro (2009, p. 93) ressaltam uma “referência explícita

desse Documento ao trabalho como princípio educativo e à integração entre trabalho,

ciência e tecnologia e cultura”.

[...] a concepção de uma política, cujo objetivo da formação está fundamentado na integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, pode contribuir para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional das populações, pela indissociabilidade dessas dimensões no mundo real. Ademais, essas dimensões estão estreitamente vinculadas às condições necessárias ao efetivo exercício da cidadania. (BRASIL, 2007, p. 35)

È importante destacar que a concepção do trabalho como princípio educativo já

vem sendo exposta no cenário educacional brasileiro há algum tempo por autores do

campo trabalho e educação. Esses autores partem geralmente da dimensão

ontológica dos conceitos de trabalho e educação para pensar o trabalho como

princípio educativo. Isso implica romper com a concepção que relaciona trabalho a

emprego, a salário, e que propõe uma formação limitada ao suprimento de mão de

obra para o mercado. Ou seja, significa uma opção distinta ao modelo que converteu

tanto o trabalho, como a ciência e tecnologia em mercadoria, em elementos de lucro

em detrimento do valor de uso que os mesmos deveriam ter para sociedade como um

todo. Não se trata apenas de uma “técnica didática ou metodológica no processo de

aprendizagem, mas sim um princípio ético-político” (FRIGOTTO, 2012. p. 60).

A reformulação do Programa estabelecida no Decreto nº 5.840/06 também

estabeleceu o atendimento ao Ensino Fundamental, através de cursos de Formação

Inicial e Continuada (Proeja- FIC), todavia esta pesquisa é voltada apenas para o

Ensino Médio.

No Proeja Médio, os alunos obtém no final do curso, além do Ensino Médio, a

formação técnica.

Proeja: A EJA no CPII

O Colégio Pedro II está entre as instituições que oferecem o Proeja Médio, no Rio

de Janeiro. Ele foi assumido na instituição, no segundo semestre de 2006 nos

seguintes campi: Centro, Engenho Novo II e Realengo II. O campus Tijuca II, passou a

oferecer o Programa a partir de 2007. Começou com o Curso Técnico em Manutenção

e Suporte em Informática. Em 2007, iniciou-se o Curso Técnico em Manutenção

Page 6: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

Automotiva, realizado em parceria com o CEFET (Unidade Maria da Graça). Neste

caso específico, o Colégio Pedro II é responsável pela parte propedêutica, enquanto

que o CEFET pelo curso técnico. Em 2010, o Proeja do CPII passou a oferecer

também o Técnico em Administração.

Entre os fatores que despertaram o interesse pela pesquisa se realizar no CPII,

está o de que, ao chegar na instituição o Programa a colocou diante de duas

realidades: a educação profissional e a EJA. A educação profissional já era oferecida

mas, diferentemente de outras instituições que abrigaram o Programa, como os

Institutos Federais, por exemplo, esta nunca foi a principal linha de atuação do

Colégio. Um exemplo disso é que entre os anos de 2009 e 2012, ele teve um número

próximo de 14.300, alunos matriculados no Ensino Médio Regular e apenas 2.600,

aproximadamente, no Ensino Médio Técnico.

No caso da EJA, o CPII nunca havia trabalhado com esta modalidade de ensino.

Esta experiência começou em 2006 com o Proeja. Vejamos então alguns aspectos

que podemos chamar de encontros e desencontros oriundos desta vivência. Dentro da

perspectiva aqui proposta vou considerar como encontro aquilo que está de acordo

com o que foi sinteticamente destacado acima como característica fundamental na

EJA contemporânea: a EJA como direito e como modalidade de ensino da educação

básica. E consequentemente chamo de desencontro aquilo que aparece de forma

contrária a esta concepção. Entretanto, ratifico que estão sendo levantadas neste

artigo, apenas algumas das discussões decorrentes da pesquisa, o que significa que

há outros aspectos além dos aqui privilegiados.

Ao proporcionar o encontro da EJA com uma instituição como o CPII, o Proeja,

consequentemente proporcionou o encontro de sujeitos, em muitos casos marcados

por interrupções em suas trajetórias escolares, com uma instituição socialmente

reconhecida pela excelência, e detentora de grande sentido simbólico.

Neste caso muitos dos sujeitos entrevistados declararam o fato de estarem

estudando no CPII, como um grande privilégio, como resgate de autoestima. Em

muitos casos, trata-se de sujeitos marcados pela exclusão e/ ou fracasso no sistema

escolar.

A fala de uma das alunas entrevistadas evidencia bem esta questão, ela tem 45

anos e está no primeiro ano. Segundo ela, muitas pessoas a desencorajaram quando

expressou a intenção de estudar no CPII. Todavia, o fato de ter conseguido entrar na

instituição a faz se sentir orgulhosa se si mesma.

Page 7: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

Quando sujeitos que vivem o estigma social da ausência do diploma escolar tem

assegurado o direito de estudar em uma instituição como o CPII, se sentem

resgatados. É o que pode ser percebido na fala de um egresso de 36 anos, formado

no curso Técnico de Manutenção de Computadores, quando faz a seguinte afirmação:

“Eu me sinto pelo Proeja, não só pelo Pedro II... eu me sinto resgatado. É o que eu te

falei, eu me sentia perdido e me sinto no meu lugar, graças a este curso”.

Entre estes encontros da EJA com o CPII, me deparei com duas questões bem

importantes no que se refere a esfera institucional. A primeira delas está no

funcionamento noturno da biblioteca em todos os dias da semana, que passou a

ocorrer para atender os alunos do Proeja, inclusive por reivindicação deles mesmos.

Deparei-me, inclusive, com alunos que se tornaram frequentadores assíduos este

importante setor. Outro fator é o do jantar que é oferecido aos alunos do Proeja. Como

funcionários fizeram questão de relatar, trata-se de uma alimentação de qualidade

preparada exclusivamente para os alunos do Proeja.

Tanto o funcionamento da biblioteca no turno da noite, quanto a preparação de um

jantar específico e de qualidade parecem ser coisas óbvias. Todavia, infelizmente,

esta não é uma realidade muito comum na EJA de uma forma geral. Percebemos no

contato com os sujeitos que o encontro dessas realidades é um dos fatores

fundamentais para manutenção de muitos deles no curso. No caso do jantar, não há

dúvida de que é um elemento essencial para os alunos depois de intensas jornadas de

trabalho.

Reconhecer a especificidade do público da EJA abrange também questões como

esta. Isso faz com que haja necessidade de uma adaptação da estrutura da instituição

que pelo que constatamos na pesquisa, ocorre em algumas áreas do Colégio, porém

não acontece em todas.

Neste caso, a fala de uma gestora, diretora do Proeja no campus pesquisado,

apontou que tem dificuldades administrativas, uma vez que a estrutura do Colégio, que

foi toda pensada para atender os turnos diurnos, não se adaptou para a EJA. Desta

forma, alguns setores importantes da instituição não funcionam à noite e isto dificulta e

atrasa algumas ações importantes.

Surge com isso uma indagação. Falamos em encontros entre as realidades da EJA

e do CPII, mas será que este encontro foi capaz de disponibilizar a esta modalidade

de ensino apenas o espaço físico ou também o lugar social da instituição?

Alguns dos gestores e funcionários entrevistados foram categóricos em afirmar nas

entrevistas que existem diferenças entre o que acontece no CPII diurno e no noturno.

Page 8: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

Para eles é como se existissem duas instituições diferentes. Como profissionais da

casa eles identificam um tratamento bastante diferenciado dispensado ao Proeja

dentro do CPII.

Neste caso seria como se a EJA estivesse ali, mas não desfrutasse ainda de toda

estrutura e características existentes na instituição. Afinal, trata-se de uma modalidade

de ensino que não corrobora com a visibilidade social da instituição como colégio de

excelência.

Uma fala que me chamou a atenção, neste sentido foi a de um gestor, que atuou

diretamente na implantação do Programa no Colégio, inclusive com algumas

iniciativas bem interessantes. Ele foi o primeiro sujeito entrevistado e contribuiu

bastante com a realização da pesquisa. Ao ser perguntado se o CPII em algum outro

momento tinha trabalhado com a EJA, respondeu que a instituição nunca trabalhou

com a EJA e que continua não trabalhando, uma vez que no momento atua com o

Proeja.

Ou seja, ele aponta a EJA e o Proeja como situações distintas e destaca que a

instituição trabalha apenas com o Proeja. Seria esta uma dificuldade inconsciente de

assumir que o CPII atua com o público da EJA? Ou será que se trata apenas de

desconhecimento? Infiro que não seja mera questão de desconhecimento, uma vez

que ele teve inclusive a oportunidade de realizar a sua dissertação de mestrado sobre

o Proeja. Todavia, penso que também tal distinção não seja formulada por ele de

forma consciente. Mesmo porque, este gestor, também foi professor no Programa e

relatou que em suas aulas buscava o tempo todo métodos diferenciados para atender

o público em questão.

Tais encontros e desencontros da EJA enquanto direito e modalidade de ensino da

educação básica em uma instituição de excelência do CPII evidenciam que tais

relações dialéticas estão presentes constantemente na implementação de políticas

educacionais. Neste caso, o diálogo com sujeitos envolvidos no processo é fator

fundamental para uma reflexão sobre o que de fato tais políticas proporcionam na

prática.

Considerações Finais:

Não podemos negar que tivemos importantes avanços na EJA, do ponto de vista de

reconhecimento legal. Algumas políticas se materializam através de programas, que

em casos como o do Proeja, expõem em suas propostas alguns desses avanços.

Todavia, assim como parte de determinado processo histórico e social, a

Page 9: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

implementação de uma política é composta por continuidades e rupturas. É justamente

neste sentido que pude observar na pesquisa encontros e desencontros da EJA

enquanto direito e modalidade de ensino no CPII, através do Proeja.

Avanços que em princípio podem parecer pequenos não o são se considerarmos o

“não-lugar” que foi dispensado a esta modalidade de ensino a longo da história da

educação brasileira. Contudo, isso não pode representar um contentamento com

“migalhas”, mas sim como estágio de um caminho que aponta para a busca da

consolidação plena de um direito que foi árdua e legitimamente conquistado no plano

legal da EJA enquanto modalidade de ensino da educação básica.

Referências:

BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil de 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 3 de Julho

de 2013.

BRASIL. Decreto nº 5.840 de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o

Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos ‐ PROEJA, e dá outras

providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004‐2006/2006/

decreto/D5840.htm>. Acesso em 12 de Abril de 2012.

BRASIL. PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com

a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Educação

Profissional Técnica de Nível Médio / Ensino Médio. Documento Base. Brasília: MEC,

agosto 2007.

BOURDIEU, Pierre. Efeitos de lugar. In: BOURDIEU, Pierre. A Miséria do Mundo. 7. ed.

Petrópolis: Vozes, 2008. p. 159 – 166

BOURDIEU, Pierre. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, Pierre. Escritos de

educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 217 – 227.

BOURDIEU, Pierre. Classificação, desclassificação, reclassificação. In: BOURDIEU,

Pierre. Escritos de educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p.145 – 183.

CAMPOS, Maria Malta; HADDAD, Sérgio. O direito humano à educação escolar pública de

qualidade. In: HADDAD, Sérgio; GRACIANO, Mariângela (orgs.). A educação entre os

direitos humanos. Campinas: Autores associados, 2006. p. 95 – 125

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessário à prática educativa. São

Paulo: Paz e Terra, 2008.

FREIRE, Paulo. Educação na cidade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

Page 10: Proeja: Encontros e Desencontros da EJA no Colégio Pedro II · PDF filemodalidade assume implicitamente o papel de garantir que tal negação não seja perpetuada. Conforme aponta

FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e Mudanças no Mundo do Trabalho e o Ensino

Médio. In: FRIGOTTO, G. RAMOS, M. CIAVATTA, M. (orgs.). Ensino médio integrado:

concepções e contradições. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2012a. p. 57- 82

HAMBURGO. Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos. V Conferência

Internacional sobre Educação de Adultos: V CONFINTEA, Alemanha: Julho, 1997.

IBGE. Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população

brasileira 2012. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/si

nteseindicsociais2012/default_tab_pdf.shtm> Acesso em Dezembro de 2013.

MACHADO, Maria Margarida. A educação de jovens e adultos no Brasil pós-Lei 9.394/96:

a possibilidade de constituir-se como política pública. In: MACHADO, Maria Margarida

(org). Em Aberto: Educação de Jovens e Adultos. v. 22, n. 82. Brasília: INEP, nov. 2009.

p. 17 – 39

MARTUCCELLI, Danilo. ¿Existen individuos em El ASur? Santiago: LOM Ediciones,

2010.

MARTUCCELLI, Danilo. Cambio de rumbo: la sociedad a escala del individuo. Santiago:

LOM Ediciones, 2007.

MOURA, Dante Henrique; PINHEIRO, Rosa Aparecida. Currículo e formação humana no

ensino médio técnico integrado de jovens e adultos. . In MACHADO, Maria Margarida

(org). Em Aberto: Educação de Jovens e Adultos. v. 22, n. 82. Brasília: INEP, nov. 2009.

p. 91 – 108

PAIVA, Jane. A construção coletiva da política de educação de jovens e adultos no

Brasil. In MACHADO, Maria Margarida (org). Em Aberto: Educação de Jovens e Adultos.

v. 22, n. 82. Brasília: INEP, nov. 2009. p. 59-71

RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In:

FRIGOTTO, G. RAMOS, M. CIAVATTA, M. (orgs.). Ensino médio integrado:

concepções e contradições. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 107-128