Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silício

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295 Hortic. bras., v. 24, n. 3, jul.-set. 2006 O cultivo hidropônico de plantas no Brasil tem crescido nos últimos anos. No entanto, a sua técnica é pouco conhecida por parte dos agricultores tra- dicionais, o que gera apreensão e inse- gurança em adotar este sistema de pro- dução. Porém, buscando atender a um mercado cada vez mais exigente em qualidade, a hidroponia se apresenta como uma técnica bastante promissora, devido as suas principais vantagens: controle no uso de nutrientes; antecipa- ção da colheita; homogeneidade de ofer- ta e qualidade dos produtos durante todo o ano; ausência de necessidades de ro- tação de culturas, permitindo ao produ- tor um altíssimo nível de especialização; menor incidência de pragas e doenças; menor utilização de mão-de-obra e ra- cionalização do uso da energia. As des- vantagens deste sistema são: custo ini- cial de implantação elevado, exige alto grau de tecnologia e acompanhamento permanente do sistema, dependência de LUZ JMQ; GUIMARÃES STMR; KORNDÖRFER GH. 2006. Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silício. Horticultura Brasi- leira 24: 295-300. Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silício José Magno Q Luz; Silése T M R Guimarães; Gaspar Henrique Korndörfer 1 UFU-Instituto de Ciências Agrárias, C. Postal 593, 38400-783 Uberlândia-MG; [email protected] energia elétrica ou de sistema alternati- vo, e a fácil disseminação de patógenos através da própria solução nutritiva (Faquim & Furlani, 1999). A alface ( Lactuca sativa L.), é considerada a hortaliça folhosa mais im- portante na alimentação do brasileiro e, juntamente com o tomate é a hortaliça preferida para as saladas por ser refres- cante, de sabor agradável e de fácil pre- paro, o que assegura à cultura expressi- va importância econômica. No Brasil são plantados seis grupos de cultivares de alface, sendo: grupo Americana com folhas que formam uma cabeça, seme- lhante ao repolho, com os bordos das folhas crespas (ex.: cultivares Tainá e Lucy Brown); Repolhuda-Manteiga, semelhante ao anterior, mas com os bor- dos das folhas lisas (ex.: cultivares Elisa e Aurélia); grupo Solta-Lisa que são al- faces que não formam uma cabeça e possuem os bordos das folhas lisas (ex.: cultivares Regina e Uberlândia-10000); Solta-Crespa que são alfaces semelhan- tes ao grupo anterior, mas possuem os bordos das folhas crespas (ex.: cultiva- res Vera e Verônica)- é o que mais cres- ceu o plantio no Brasil, correspondendo hoje a 70% do mercado; existem ainda o grupo Mimosa, que são alfaces com folhas bem recortadas (ex.: cultivar Salad Bowl) e o grupo Romana, sendo estes dois últimos com menor importân- cia econômica (Filgueira, 2003). Recentemente, tem crescido o culti- vo desta hortaliça em sistema hidropônico no Brasil, principalmente de cultivares do grupo Solta-Crespa. Esta técnica está sendo utilizada pelos produtores como forma da agregação de valor ao produto e viabilização do negó- cio (Costa & Junqueira, 2000). Segundo Bliska Jr. & Honório (1995), a hidroponia reduz em cerca de dez dias o período de colheita da alface, devido à possibilida- de do perfeito controle das condições de umidade e temperatura dentro da estufa. RESUMO Avaliou-se o efeito do silício sobre o desempenho de nove culti- vares de alface cultivadas em solução nutritiva no sistema hidropônico NFT. O experimento foi conduzido em ambiente prote- gido, durante os meses de março a maio de 2003. O delineamento experimental foi o de blocos casualizados em esquema fatorial 9x2, com três repetições, com os fatores: nove cultivares de alface (Vera, Verônica, Elisa, Regina, Aurélia, Tainá, Lucy Brown, Uberlândia- 10000 e Mimosa Salad Bowl); e duas soluções nutritivas, uma con- tendo silício - 1,5 mmol L -1 e outra sem silício. A fonte de silício utilizada foi a sílica gel de origem japonesa, com 20% de SiO 2 e 80% de H 2 O. As características analisadas foram: diâmetro da cabe- ça, massa seca e fresca de parte aérea e de raiz e, concentração de silício nas folhas e raízes. As plantas de alface que receberam silício apresentaram um menor tamanho quando comparadas às plantas cultivadas em solução sem silício, apesar de, em ambos os casos, terem alcançado tamanho comercial. As plantas tratadas com silício apresentaram menor incidência da anomalia fisiológica queima dos bordos. Dessa forma o silício pode ser uma alternativa viável para produção hidropônica de alface, principalmente quando se leva em consideração as novas tendências de mercado por produtos menores e com boa aparência. Palavras-chave: Lactuca sativa, sílica gel, nutrição de plantas, hidroponia. ABSTRACT Hidroponic production of lettuce in hidroponic solution with or without silicon The effect of silicon was evaluated on the performance of nine lettuce cvs, cultivated in the nutritive solution in hidroponic system NFT. The experiment was conducted in protected cultivation, from March to May 2003. The randomized complete blocks design 9x2 was used, with three replications. Two factors were studied: nine lettuce cultivar (Vera, Verônica, Elisa, Regina, Aurélia, Tainá, Lucy Brown, Uberlândia-10000 and Mimosa), and presence (1,5 mmol L -1 ) or absence of silicon (japanese “silica gel”) in the nutritive solution with 20% of SiO 2 and 80% of H 2 O. The head diameter, weight of dry and fresh matter of head and roots, the concentration of silicon in leaves and roots were analyzed. The lettuce plants which received silicon presented a lower weight in comparison to the ones cultivated in solution without silicon, although both reached commercial weight. The lettuce treated with silicon presented lower incidence of physiological anomalies such as tip burn. Therefore, the silicon may be a reliable alternative for hydroponics production of lettuce mainly when considering the new market tendencies for products with better appearance. Keywords: Lactuca sativa, gel silica, plant nutrition, hydroponics. (Recebido para publicação em 22 de agosto de 2005; aceito em 30 de agosto de 2006)

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O cultivo hidropônico de plantas noBrasil tem crescido nos últimos

anos. No entanto, a sua técnica é poucoconhecida por parte dos agricultores tra-dicionais, o que gera apreensão e inse-gurança em adotar este sistema de pro-dução. Porém, buscando atender a ummercado cada vez mais exigente emqualidade, a hidroponia se apresentacomo uma técnica bastante promissora,devido as suas principais vantagens:controle no uso de nutrientes; antecipa-ção da colheita; homogeneidade de ofer-ta e qualidade dos produtos durante todoo ano; ausência de necessidades de ro-tação de culturas, permitindo ao produ-tor um altíssimo nível de especialização;menor incidência de pragas e doenças;menor utilização de mão-de-obra e ra-cionalização do uso da energia. As des-vantagens deste sistema são: custo ini-cial de implantação elevado, exige altograu de tecnologia e acompanhamentopermanente do sistema, dependência de

LUZ JMQ; GUIMARÃES STMR; KORNDÖRFER GH. 2006. Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silício. Horticultura Brasi-leira 24: 295-300.

Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silícioJosé Magno Q Luz; Silése T M R Guimarães; Gaspar Henrique Korndörfer1UFU-Instituto de Ciências Agrárias, C. Postal 593, 38400-783 Uberlândia-MG; [email protected]

energia elétrica ou de sistema alternati-vo, e a fácil disseminação de patógenosatravés da própria solução nutritiva(Faquim & Furlani, 1999).

A alface (Lactuca sativa L.), éconsiderada a hortaliça folhosa mais im-portante na alimentação do brasileiro e,juntamente com o tomate é a hortaliçapreferida para as saladas por ser refres-cante, de sabor agradável e de fácil pre-paro, o que assegura à cultura expressi-va importância econômica. No Brasilsão plantados seis grupos de cultivaresde alface, sendo: grupo Americana comfolhas que formam uma cabeça, seme-lhante ao repolho, com os bordos dasfolhas crespas (ex.: cultivares Tainá eLucy Brown); Repolhuda-Manteiga,semelhante ao anterior, mas com os bor-dos das folhas lisas (ex.: cultivares Elisae Aurélia); grupo Solta-Lisa que são al-faces que não formam uma cabeça epossuem os bordos das folhas lisas (ex.:cultivares Regina e Uberlândia-10000);

Solta-Crespa que são alfaces semelhan-tes ao grupo anterior, mas possuem osbordos das folhas crespas (ex.: cultiva-res Vera e Verônica)- é o que mais cres-ceu o plantio no Brasil, correspondendohoje a 70% do mercado; existem aindao grupo Mimosa, que são alfaces comfolhas bem recortadas (ex.: cultivarSalad Bowl) e o grupo Romana, sendoestes dois últimos com menor importân-cia econômica (Filgueira, 2003).

Recentemente, tem crescido o culti-vo desta hortaliça em sistemahidropônico no Brasil, principalmentede cultivares do grupo Solta-Crespa.Esta técnica está sendo utilizada pelosprodutores como forma da agregação devalor ao produto e viabilização do negó-cio (Costa & Junqueira, 2000). SegundoBliska Jr. & Honório (1995), a hidroponiareduz em cerca de dez dias o período decolheita da alface, devido à possibilida-de do perfeito controle das condições deumidade e temperatura dentro da estufa.

RESUMOAvaliou-se o efeito do silício sobre o desempenho de nove culti-

vares de alface cultivadas em solução nutritiva no sistemahidropônico NFT. O experimento foi conduzido em ambiente prote-gido, durante os meses de março a maio de 2003. O delineamentoexperimental foi o de blocos casualizados em esquema fatorial 9x2,com três repetições, com os fatores: nove cultivares de alface (Vera,Verônica, Elisa, Regina, Aurélia, Tainá, Lucy Brown, Uberlândia-10000 e Mimosa Salad Bowl); e duas soluções nutritivas, uma con-tendo silício - 1,5 mmol L-1 e outra sem silício. A fonte de silícioutilizada foi a sílica gel de origem japonesa, com 20% de SiO

2 e

80% de H2O. As características analisadas foram: diâmetro da cabe-

ça, massa seca e fresca de parte aérea e de raiz e, concentração desilício nas folhas e raízes. As plantas de alface que receberam silícioapresentaram um menor tamanho quando comparadas às plantascultivadas em solução sem silício, apesar de, em ambos os casos,terem alcançado tamanho comercial. As plantas tratadas com silícioapresentaram menor incidência da anomalia fisiológica queima dosbordos. Dessa forma o silício pode ser uma alternativa viável paraprodução hidropônica de alface, principalmente quando se leva emconsideração as novas tendências de mercado por produtos menorese com boa aparência.

Palavras-chave: Lactuca sativa, sílica gel, nutrição de plantas,hidroponia.

ABSTRACTHidroponic production of lettuce in hidroponic solution with

or without silicon

The effect of silicon was evaluated on the performance of ninelettuce cvs, cultivated in the nutritive solution in hidroponic systemNFT. The experiment was conducted in protected cultivation, fromMarch to May 2003. The randomized complete blocks design 9x2was used, with three replications. Two factors were studied: ninelettuce cultivar (Vera, Verônica, Elisa, Regina, Aurélia, Tainá, LucyBrown, Uberlândia-10000 and Mimosa), and presence (1,5 mmol L-1)or absence of silicon (japanese “silica gel”) in the nutritive solutionwith 20% of SiO

2 and 80% of H

2O. The head diameter, weight of

dry and fresh matter of head and roots, the concentration of siliconin leaves and roots were analyzed. The lettuce plants which receivedsilicon presented a lower weight in comparison to the ones cultivatedin solution without silicon, although both reached commercial weight.The lettuce treated with silicon presented lower incidence ofphysiological anomalies such as tip burn. Therefore, the silicon maybe a reliable alternative for hydroponics production of lettuce mainlywhen considering the new market tendencies for products with betterappearance.

Keywords: Lactuca sativa, gel silica, plant nutrition, hydroponics.

(Recebido para publicação em 22 de agosto de 2005; aceito em 30 de agosto de 2006)

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Ainda podem ser citadas as reduções nouso de agrotóxicos, quando comparadoscom o cultivo tradicional, a possibilida-de de um excelente plano deescalonamento de produção e uma me-lhor padronização dos produtos.

Um aspecto fundamental para o cul-tivo hidropônico é a escolha da soluçãonutritiva, que deve ser formulada deacordo com o requerimento nutricionalda espécie que se deseja produzir, ouseja, todos os elementos essenciais parao seu crescimento em proporções ade-quadas. No entanto são poucas as infor-mações sobre a melhor solução. Alter-nativas de novas formulações vêm sen-do estudadas, inclusive com silício, quedemonstra um potencial na redução dedoenças e anomalias fisiológicas como,por exemplo, queima dos bordos em al-face. Korndorfer et al. (2002) demons-traram que o silício é capaz de aumen-tar a resistência das plantas aos ataquesde insetos, nematóides, bactérias e fun-gos na melhoria do estado nutricional,na redução da transpiração e possivel-mente também em alguns aspectos daeficiência fotossintética (Korndorfer etal., 2002). Em alface, a sílica solúvelcomo fonte de silício, tem sido poucoestudada, entretanto inúmeros trabalhostêm demonstrado o efeito benéfico dasua utilização em diversas outras cultu-ras (Barbosa Filho et al., 2001). Voogt& Sonneveld (2001), usando silício emsolução nutritiva com e sem silício nocultivo de alface, verificaram que a pre-sença de silício diminuiu significativa-mente os sintomas de toxidez demanganês, que se caracteriza por man-chas escuras nas margens das folhasmais velhas da alface. No entanto, osautores verificaram que a absorção deSi na alface foi pequena, e o conteúdode Si nas plantas que receberam o trata-mento foi pouco maior em comparaçãoas do tratamento sem Si.

Em alface as doenças de maior inci-dência em hidroponia são míldio(Bremia lactuca), podridão de raízes porPythium, podridão por esclerotínia(Sclerotinia sclerotiorum), septoriose(Septoria lactucae) e o vírus vira-cabe-ça, transmitido por tripes. Estas doen-ças podem ser atenuadas por uma sériee medidas de caráter preventivo, taiscomo: utilização de sementes sadias,limpeza e desinfecção do sistema

hidropônico, e fertilização com soluçãonutritiva adequada, e nesta última me-dida é que o silício pode ser benéfico.Vale ressaltar que as principais cultiva-res plantadas, incluindo as utilizadasneste trabalho, não possuem resistênciapara as estas doenças, bem como para odistúrbio fisiológico queima dos bordos.

O objetivo deste trabalho foi avaliaro efeito do silício sobre o desempenhode nove cultivares de alface cultivadasem solução nutritiva no sistemahidropônico NFT (Nutrient FilmTechnique).

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido naUniversidade Federal de Uberlândia,Campus Umuarama, durante os mesesde março a maio de 2003, em estufa tipotúnel alto, em 2 bancadas de cultivo com8,75 m de comprimento cada uma, comnove perfis médios de polipropileno (100mm) para cultivo hidropônico comespaçamento de 18 cm entre perfis e25cm entre orifícios. Cada perfil foi abas-tecido por um reservatório plástico de1000 litros ao qual foi conectado umabomba de 1 CV. Os reservatórios esta-vam enterrados com o objetivo de evitaro aquecimento da solução nutritiva. Osistema hidropônico adotado foi o NFT.

O delineamento experimental foi ode blocos casualizados em esquema fa-torial 9x2, com três repetições, sendonove cultivares de alface (Vera,Verônica, Elisa, Regina, Aurélia, Tainá,Lucy Brown, Uberlândia-10000 ouUDIA 10000 e Mimosa Salad Bowl) eduas soluções nutritivas, sendo uma con-tendo silício - 1,5 mmol L-1 e outra semsilício. A fonte de silício utilizada foi asílica gel de origem japonesa com 20%de SiO

2 e 80% de H

2O, e a solução nu-

tritiva foi a proposta por Furlani et al.(1999). Os blocos foram dispostos deacordo com a posição da planta no per-fil hidropônico (posição superior - en-trada do perfil, posição mediana e posi-ção inferior – saída do perfil). A parcelafoi composta por 11 plantas em cadacanal, na posição superior (bloco I) e por12 plantas em cada canal na posiçãomediana (bloco II) e inferior (bloco III).

Para o desenvolvimento das mudasde alface foram utilizadas placas de es-

puma fenólica com dimensões de2,5x2,5x3,0 cm por célula, que foramenxaguadas com água corrente, com oobjetivo de eliminar possíveis compos-tos ácidos remanescentes de sua fabri-cação. Metade das placas foramumedecidas com solução nutritiva, di-luída em 50% e a outra metade com amesma solução nutritiva mais 1,5 mmolL-1 de silício. As mudas foram mantidasem uma estrutura coberta com tela de50% de sombreamento por 18 dias. Emseguida as plântulas obtidas foramtransferidas para duas bancadas de de-senvolvimento (berçário) que continhaquinze perfis de polipropileno pequeno(50 mm) espaçadas de 10 cm entre si ecom 10 cm entre orifícios. Em uma ban-cada ficaram as plântulas que recebiamsolução nutritiva diluída em 50% comsilício, e passaram a receber a soluçãonão mais diluída, mas também com si-lício (sílica gel 1,5 mmol L-1 de silício),e na outra bancada ficaram as plântulasque recebiam solução nutritiva diluídaem 50% sem silício, e passaram a rece-ber a solução não mais diluída, tambémsem silício.

A circulação da solução nutritiva nosperfis foi controlada por umtemporizador “timer” programado paradurante o dia (de 6 h às 18 h) permane-cer ligado 15 min e desligado 15 min, eàs 24 h era ligado por 15 min, com umfluxo de solução de 1,0 litro por min.

As mudas permaneceram no berçá-rio por um período de 12 dias, sendoentão transferidas para duas bancadas decrescimento e submetidas à irrigaçãocom a mesma solução nutritiva, com ousem silício, sob o mesmo regime de cir-culação da solução. Foi feito sorteio paracada variedade no momento da transfe-rência para o perfil de crescimento emrelação às posições: inicial, mediana efinal do perfil.

A solução nutritiva foi preparada apartir da água da rede urbana (Departa-mento Municipal de Águas e Esgotosde Uberlândia - DMAE), a qual foi ana-lisada pelo Instituto de Química da Uni-versidade Federal de Uberlândia – UFU,estando de acordo com as especificaçõesde Martinez (1997). Este recomenda queao se usar água da rede urbana, é con-veniente deixá-la em repouso por cercade 24 horas para eliminação do cloro

JMQ Luz et al.

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usado em seu tratamento. Para tanto foiinstalado um reservatório com capaci-dade de 1000 litros.

Para o preparo de 1000 litros da so-lução nutritiva proposta por Furlani etal. (1999), foi utilizado um kit comer-cial para hidroponia, denominado kitbásico (Tabela 1). Todos os reagentescom exceção das fontes de micronu-trientes, que já vêm na forma líquidapronta para o uso, foram dissolvidosseparadamente em um balde, antes deserem adicionados ao reservatório de1000 L. Esse cuidado foi tomado parase evitar uma reação prévia entres osreagentes, que poderia ocasionar a for-mação de precipitados. No momento datransferência das plantas para os perfisde 100mm, foram ajustados acondutividade elétrica (CE) e o pH dasduas soluções.

O manejo da solução nutritiva foirealizado diariamente através da repo-sição da água consumida; do acompa-nhamento da condutividade elétrica, quefoi mantida em uma faixa de 1,8 a 2,0mS cm-1 e da correção do pH, que foirealizada diariamente com uma soluçãode NaOH 1mol L-1 e HCL 10%, man-tendo-o entre 5,5 a 6,5. O ajuste da CEfoi efetuado todas as vezes que esta bai-xasse de 25% em relação a CE inicial,ou seja todas as vezes que a CE diminuís-se 0,25 mS cm-1 era adicionado a mes-ma 1 L da solução A e 1 L da solução B,e uma vez por semana se adicionava 50ml/1000 da solução C (micronutrientes),soluções estas propostas por Furlani etal. (1999) (Tabela 2).

Quando todas as plantas atingiramo tamanho comercial, foi feita a colhei-ta das duas plantas centrais de cada par-cela e avaliação das características: diâ-metro da cabeça, massa fresca da parteaérea e de raiz e, teores de silício nasfolhas e raízes.

Em seguida as medições das massasfrescas e do diâmetro da cabeça, as plan-tas foram submetidas a uma pré-seca-gem dentro da casa de vegetação por 24horas (ponto de murcha) e a uma seca-gem em estufa a 65° C até atingir massaconstante para avaliação das massas se-cas de raiz e de parte aérea, o que ocor-reu após 72 horas de secagem.

Após a avaliação das massas secas,essas amostras foram moídas para a rea-

lização da análise de silício nas folhas eraízes. Utilizou-se a metodologia deElliot & Snyder (1991) adaptada. Fo-ram pesados 0,100 g de cada amostra,colocados em tubos de polietileno(100mL) previamente enxaguados comNaOH 0,1 mol L-1 e água destilada, ondeforam adicionados 2 mL de H

2O

2 50% e

levemente agitados por alguns minutosem um vibrador e 3 mL de NaOH 50%seguindo o mesmo procedimento. Apósessa etapa, os tubos foram colocados embanho-maria durante uma hora, agitan-do-os periodicamente durante os trintaprimeiros min. Após este procedimen-to, os tubos foram individualmente co-bertos com copos plásticos e, posterior-mente, levados à autoclave com 138KPa por uma hora. Completado esteperíodo, os tubos foram removidos eacrescidos de 45 mL de água destilada.

As amostras foram deixadas em repou-so por 12 horas e, em seguida foi sepa-rada uma alíquota de 1 mL dosobrenadante do extrato, colocado emcopo plástico, de volume de 50 mL,acrescentando-se 15 ml de água desti-lada. Foram adicionados às amostras,rapidamente, os seguintes reagentes: 1ml de HCl (1:1 ou 50%) + 2 ml demolibdato de amônio. A cor amarelaapareceu em todas as amostras conten-do silício. Depois de 5 a 10 min, foramadicionados 2 ml de ácido oxálico(50%). Ao mesmo tempo, foram prepa-radas curvas padrões, com concentra-ções diferentes de silício. A determina-ção do silício foi realizada em umcolorímetro com comprimento de ondade 410 nm após um intervalo de 2 min.A cor amarela é pouco estável, perma-necendo assim por apenas 15 min.

Tabela 2. Composição de sais das soluções de ajuste para as culturas de hortaliças de folhas(Furlani et al., 1999). UFU, Uberlândia, 2004.

Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silício

Tabela 1. Quantidade de sais para o preparo de 1000 litros de solução nutritiva (Furlani etal., 1999) UFU, Uberlândia, 2004.

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Os dados obtidos em todas as variá-veis foram avaliados com auxílio doprograma estatístico SANEST (Zonta &Machado, 1984).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As plantas de alface cultivadas emsolução nutritiva com silício apresenta-ram menor diâmetro de parte aérea, me-nor massa fresca e seca de parte aérea ede raiz não diferindo, no entanto, da so-lução sem silício para a porcentagem desilício na raiz (Tabela 3). Provavelmenteo silício interfira na absorção de algumdos nutrientes essenciais para a alface. Aadição de silício para plantas de arrozcultivadas em solução nutritiva diminuiuos teores de boro e fósforo nas raízes, deboro, cálcio, ferro e manganês na casca(Silva & Bohnen, 2001).

O Si acumulado nas célulasepidérmicas e nas paredes dos estômatosencontra-se na forma de H

4SiO

4 (ácido

monosilícico). Quando a planta come-ça a perder água (estresse hídrico) a for-ma monomérica se transforma e formaspoliméricas, isto é o Si começa a for-mar cadeiras mais pesadas de ácidopolisilícico. O Si ao se polimerizar, di-minui a flexibilidade das paredes dosestômatos e a tendência é de permane-cerem fechados. Com os estômatos fe-chados, a transpiração diminui e a per-da de água também. Nestas circunstân-cias, segundo Faria (2000) a fotossíntesediminui, e isto pode ter levado ao me-nor desenvolvimento e conseqüentemenor massa das plantas de alface cul-tivadas na solução com silício, princi-palmente considerando as altas tempe-raturas registradas durante o experimen-to, pois as médias de temperatura máxi-ma e mínima, nos meses de março, abrile maio, variaram de 36,5ºC e 23,5ºC;35ºC e 19ºC; 36ºC e 17ºC, respectiva-mente, tendo sido comum a temperatu-ra atingir os 40ºC nas horas mais quen-tes do dia.

Com relação a variável diâmetro departe aérea a cultivar que apresentoumaior diâmetro foi a Mimosa não dife-rindo estatisticamente, no entanto dosdemais grupos de alface de folhas sol-tas (Tabela 4). Já as cultivares do grupoamericana (Lucy Brown e Tainá) apre-sentaram diâmetro de parte aérea me-nor. Esses resultados já eram esperados,pois o espaçamento entre perfis e entreplantas foram inferiores ao recomenda-do a essas cultivares. No entanto, o me-nor diâmetro médio não significa queestas cultivares tinham tamanho e apa-rência não comerciais. Vale ressaltarque, na prática, as estufas hidropônicassão confeccionadas para plantios maisadensados de maneira a se ter o maiornúmero de plantas possíveis e conse-qüente maior produção, justificando oalto investimento destas estruturas.

As cultivares que apresentarammaior massa fresca e seca de parte aé-rea foram as do grupo americanas (LucyBrown e Tainá) não diferindo da culti-var Aurélia que é do grupo cabeça man-teiga (Tabela 4). Essa superioridadepode ser explicada pelas característicasagronômicas destas cultivares, ou seja,são cultivares que apresentam um gran-de número de folhas em relação às cul-tivares que não formam cabeça.

Todas as cultivares tiveram um bomdesempenho em relação à massa frescade raiz não havendo nenhuma diferen-ça estatística entre elas (Tabela 4). Jápara massa seca de raiz foram observa-das diferenças estatísticas sendo as cul-tivares Aurélia, Lucy Brown, Tainá,Vera, Verônica, UDIA 10000 e Mimosaas que apresentaram maiores valores,porém não diferindo significativamen-te entre si.

As cultivares Tainá e Elisa apresen-taram as maiores porcentagens de silí-cio nas raízes com 0,77 e 0,75% de silí-cio respectivamente, no entanto só di-feriram estatisticamente da cultivarAurélia (Tabela 4). Resultados seme-lhantes foram encontrados por Voogt &Sonneveld (2001), que trabalhando comalface no sistema NFT, verificaram que,apesar do claro efeito do acréscimo de Sina redução da toxidade de Mn, a absor-ção de Si na alface era pequena, e o con-teúdo de Si nas plantas que receberam otratamento era levemente maior em com-

Medias seguidas por letras iguais, na coluna, não diferem entre si no nível de 5% designificância pelo teste de Tukey.

Tabela 3. Diâmetro de parte aérea, massa fresca de parte aérea e raiz (MFPA, MFRA),massa seca de parte aérea e raiz (MSPA, MSRA) e porcentagem de silício na raiz (Si RA) decultivares de alface cultivadas no sistema hidropônico em solução nutritiva com e sem silí-cio. UFU, Uberlândia, 2004.

Medias seguidas por letras distintas, na coluna, diferem entre si, no nível de 5% designificância, pelo teste de Tukey.

Tabela 4. Diâmetro de cabeça, massa fresca de parte aérea e raiz (MFPA, MFRA), massaseca de parte aérea e raiz (MSPA, MSRA) e porcentagem de Silício na raiz (Si RA) emcultivares de alface cultivadas no sistema hidropônico, em solução nutritiva com e semsilício. UFU, Uberlândia, 2004.

JMQ Luz et al.

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299Hortic. bras., v. 24, n. 3, jul.-set. 2006

Médias seguidas pelas mesmas letras maiúsculas, na linha, e pelas mesmas letras minúscu-las, na coluna, não diferem entre si no nível de 5% de significância pelo teste de Tukey.

Tabela 5. Interação entre as nove cultivares e as duas soluções nutritivas, com e sem silício,para a característica percentagem de silício na parte aérea em cultivares de alface em siste-ma hidropônico. UFU, Uberlândia, 2004.

Figura 1. Representação gráfica da incidência da queima dos bordos em cultivares de alface produ-zida no sistema hidropônico em solução nutritiva com e sem silício. UFU, Uberlândia, 2004.

Produção hidropônica de alface em solução nutritiva com e sem silício

paração as do tratamento zero de Si.Houve interação significativa entre

os fatores cultivar e dose de silício paraa variável silício na parte aérea. Na so-lução nutritiva com silício a cultivar queapresentou maior acúmulo deste ele-mento na parte aérea foi a UDIA 10000com 0,33% não diferindo estatistica-mente das cultivares Mimosa eVerônica. Na solução nutriiva sem silí-cio, a cultivar UDIA 10000 tambémapresentou significativamente maioracúmulo com 0,30% deste elemento emrelação às todas as outras cultivares (Ta-bela 5). As plantas cultivadas na solu-ção sem silício, apesar de conter esseelemento em sua composição, apresen-taram valores menores. A presença desilício nestas plantas pode ser explicadapelo fato do silício ser um elementomuito abundante na natureza, estandoassim presente em toda parte, inclusivena água. No entanto, não há como con-firmar esta hipótese, pois não foi medi-da a quantidade de silício na água usadano experimento.

As cultivares de alface Tainá, LucyBrown, UDIA 10000 e Aurélia apresen-taram sintomas de queima dos bordossendo estes em maior proporção nasplantas cultivadas em solução nutritivasem acréscimo de silício (Figura 1).Essas cultivares são suscetíveis a essedistúrbio fisiológico que está relaciona-do à desestruturação da parede celular,às altas temperaturas do ar, a deficiên-cia de Ca e a altas concentrações sali-nas do meio (Fontes, 2003). O efeitobenéfico do silício na diminuição dequeima dos bordos está de certa forma,de acordo com Voogt & Sonneveld(2001), que trabalhando com alface tam-bém observaram uma diminuição dossintomas de manchas escuras nos bor-dos das folhas mais velhas, no entanto,segundo os autores, foi devido à toxidezde manganês.

O silício tem um importante papelna estruturação das plantas. Sua presen-ça na parede celular pode elevar os con-teúdos de hemicelulose e lignina, au-mentando a rigidez da célula (BarbosaFilho et al., 2001). Além disso, o Si regu-la a transpiração e se a planta perde me-nos água, logo a possibilidade de necrosedos tecidos e conseqüente queima dosbordos, por falta de água é menor.

Como as plantas de alface cultiva-das em solução com silício apresenta-ram menores problemas com anoma-lias fisiológicas do tipo queima dos bor-dos, o silício pode ser uma alternativaviável para produção hidropônica dealface, principalmente quando se levaem consideração um mercado consu-midor mais exigente por produtos comótima aparência.

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