PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO I · Mirian Martins Sozim – Coordenadora COLABORADOR...

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LICENCIATURA EM HISTÓRIA MODALIDADE A DISTÂNCIA pró LICENCIATURA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO I ANDREA PAULA DOS SANTOS SUZANA LOPES SALGADO RIBEIRO PONTA GROSSA 2008

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LICENCIATURA EM HISTÓRIAMODALIDADE A DISTÂNCIA

próLICENCIATURA

PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO I

ANDREA PAULA DOS SANTOSSUZANA LOPES SALGADO RIBEIRO

PONTA GROSSA2008

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CRÉDITOS

REITOR UEPGJoão Carlos Gomes

VICE-REITORCarlos Luciano Sant’Ana Vargas

PRÓ-REITORIA DE ASSUNTOS ADMINISTRATIVOSCandida Leonor Miranda – Pró-Reitor

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃOGraciete Tozetto Góes – Pró-Reitor

DIVISÃO DE PROGRAMAS ESPECIAISMaria Etelvina Madalozzo Ramos - Chefe

NÚCLEO DE TECNOLOGIA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIALeide Mara Schmidt – Coordenadora Geral

Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Pedagógica

PROGRAMA PRÓ-LICENCIATURAGina Maria Bachmann – Coordenadora Geral

Curso de Geografia – Modalidade a DistânciaPaulo Rogério Moro – Coordenador

Curso de História – Modalidade a DistânciaEdson Armando Silva – Coordenador

Curso de Letras – Língua Portuguesa e Espanhola – Modalidade a DistânciaMirian Martins Sozim – Coordenadora

COLABORADOR FINANCEIROLuiz Antonio Martins Wosiak

COLABORADORES DE PLANEJAMENTOCarlos Roberto Ferreira

Silviane Buss Tupich

COLABORADORES EM INFORMÁTICACarlos Alberto Volpi

Carmen Silvia Simão CarneiroAdilson de Oliveira Pimenta Júnior

Juscelino Izidoro de Oliveira Júnior - EstagiárioOsvaldo Reis Júnior – EstagiárioKin Henrique Kurek - Estagiário

COLABORADORES EM EADDênia Falcão de Bittencourt

Jucimara Roesler

COLABORADORES DE PUBLICAÇÃOÁlvaro Franco da Fonseca - Ilustração

Anselmo Rodrigues de Andrade Júnior - IlustraçãoCeslau Tomaczyk Neto – Ilustração

Eloise Guenther - DiagramaçãoGideão Silveira Cravo - Revisão

Márcia Zan Vieira - RevisãoRosecler Pistum Pasqualini – Revisão

Vera Marilha Florenzano - Revisão

COLABORADORES OPERACIONAISEdson Luis Marchinski

Joanice Küster de AzevedoJoão Márcio Duran Inglêz

Maria Clareth Siqueira

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APRESENTAÇÃOINSTITUCIONAL

É com grande satisfação que a Universidade Estadual de Ponta Grossa inicia seus cursos de licenciatura na modalidade a distância, dando continuidade a uma política de expansão e disseminação dessa modalidade, que vem se desenvolvendo com sucesso principalmente por meio de programas e cursos de formação inicial e continuada de professores.

Os cursos de Licenciatura (EaD) em História, Geografia e Letras Português/ Espanhol representam mais uma contribuição da Universidade Estadual de Ponta Grossa, de seus Setores e Departamentos e do seu Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância (NUTEAD), para a formação dos professores em exercício. Eles se tornaram possíveis graças à parceria estabelecida entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e as universidades brasileiras que se dispuseram a atuar intensivamente na qualificação de professores. São parceiras da UEPG na execução desse projeto a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (FAFIPAR) e a Universidade do Contestado (UNC).

Nossa instituição detém uma longa e rica tradição de ensino, pesquisa e extensão em diversos cursos e particularmente nas licenciaturas, que sempre mereceram o melhor dos nossos esforços. Acumula também significativa experiência em educação a distância, iniciada no ano de 2000, sendo credenciada pelo MEC, conforme Portaria nº 652, de 16 de março de 2004, para ministrar cursos de graduação, seqüenciais, extensão e pós-graduação (lato sensu) na modalidade a distância (EaD).

Tudo isso nos permite avançar com segurança na oferta dos atuais Cursos de Licenciatura a distância, que constituem hoje uma alternativa ideal para alunos trabalhadores, que necessitam de horários diferenciados de estudo e pesquisa, de modo a cumprir tanto os seus compromissos profissionais como seus compromisso acadêmicos.

Nossos cursos e produtos são elaborados pensando no professor, nos seus saberes e experiências e na importância da interação entre eles e os conhecimentos produzidos e acumulados nas instituições universitárias, de modo a incentivá-lo a repensar sua prática e o suporte teórico que a embasa. Esse curso não será diferente dos demais, pois a qualidade é um compromisso dessa Instituição. A diferença se encontra na utilização de materiais e mídias próprias da educação a distância que, além de facilitarem o seu aprendizado, vão garantir constante interação entre alunos, tutores, professores, coordenação e demais membros da equipe responsável pelo curso.

Você, acadêmico, não está sozinho nessa jornada, pois poderá se comunicar conosco, esclarecer dúvidas e apresentar críticas e sugestões acessando nosso e-mail [email protected] ou utilizando as demais mídias disponíveis para os alunos desses cursos.

Desejamos que você tenha excelentes resultados de aprendizagem, bem como que utilize o que aprender para tornar ainda mais dinâmica, consistente e atraente a sua prática pedagógica.

EQUIPE DO PRÓ-LICENCIATURA

UEPG

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APRESENTAÇÃO INTITUCIONAL ____________________________ p. 03PALAVRAS DO PROFESSOR __________________________________ p. 07OBJETIVOS E EMENTA ______________________________________ p. 09

UNIDADE I – Desafios do fazer histórico contemporâneo ____________p. 11Seção 1 – A produção do conhecimento histórico no mundocontemporâneo ____________________________________________ p. 12Seção 2 – Várias interpretações para o mesmo contexto histórico _____ p. 19Seção 3 – Redescrever e escrever histórias: alguns tipos em circulação ________________________________________________ p. 24Seção 4 – Desconstruir velhas certezas para constuir novaspossibilidades _____________________________________________ p. 26

UNIDADE II – Reflexões sobre história na teoria e na prática ________ p. 33Seção 1 – O que é História? _________________________________ p. 34Seção 2 – A construção do conhecimento histórico na teoriae na prática _______________________________________________ p. 39

UNIDADE III – Compreender, interpretar, democratizar a História:em busca da tolerância e da diversidade ___________________________ p. 51

Seção 1 – Fatos e Interpretação _______________________________ p. 52Seção 2 – Fontes históricas __________________________________ p. 59

ANEXOS ____________________________________________________ p. 73PALAVRAS FINAIS ___________________________________________ p. 79REFERÊNCIAS ______________________________________________ p. 81QUEM SOMOS ______________________________________________ p. 83

SUMÁRIO

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PALAVRAS DO PROFESSOR

Afinal, o que faz o historiador? Para que e para quem busca escrever a História? A partir de que instrumentos, teorias, valores e concepções recorta seus temas, seleciona seu material documental? Como produz sua escrita do passado? E mais, sobre qual passado escreve? Ricos ou pobres? Brancos ou negros? Mulheres ou homens? Um passado de diversidade, ou constituído a partir da figura imaginária do homem branco europeu pensado como universal? É preciso deixar claro, desde este início, que a História tem uma história que com o passar do tempo foi sendo mudada. A História, como é estudada hoje, é resultado de uma construção, feita a partir das fontes existentes e dos recursos teórico-metodológicos escolhidos por quem a escreveu. Não se pode mais pensar, de modo ingênuo, que a História é o registro do passado como ele aconteceu. Isso seria impossível, pois muito se perdeu no caminho. Sabendo disso, os historiadores e historiadoras devem prestar atenção nos discursos que consomem e, muitas vezes, reproduzem.

Nessa perspectiva, se podem ver profundas mutações da disciplina, após as contribuições dos trabalhos do filósofo e historiador francês Michael Foucault. Aprendeu-se com ele a questionar o documento como mera transparência da realidade, reflexo do real, ou meio de acesso direto a acontecimentos e personagens. Aprendeu-se a ler o documento como discurso feito por alguém, em um determinado tempo e espaço, com intenções específicas. Assim, passou-se a olhar a história como uma dentre várias possíveis. Trouxe-se a subjetividade, que ajudou a mostrar outras verdades, interpretações diferenciadas, superando a idéia de um passado único, “real” e “científico” que até então tinha sido construído.

Diferentes modos de narrar a história passam a existir e a ser aceitos, com diferenças entre a história do vencedor e do vencido, desmistificando o processo de construção do conhecimento e dando visibilidade a “outras histórias”: “história vista de baixo”, história das mulheres, história dos movimentos sociais... Ou seja, histórias plurais construídas a partir de diversas interpretações que ora se entrecruzam, ora se contradizem, ou se sobrepõem, em constantes disputas de poder. Cabe, portanto, a cada um decidir com quais concordará e quais combaterá.

Como foi que a produção do conhecimento histórico passou de uma idéia de que ela atingiria uma verdade única sobre o passado para uma visão mais democrática? Responder a tal pergunta é o objetivo central desta disciplina.

Por isso, este momento inicial é para dar as boas-vindas! É preciso também dizer que foi com muito cuidado e dedicação que preparamos o presente fascículo para você conhecer como a História foi e está sendo escrita. Essa disciplina em especial é muito importante, pois proporciona, mais diretamente, uma reflexão sobre o próprio fazer do historiador e do professor de história, sua própria prática de trabalho. A intenção é fazer com que se troquem alguns conhecimentos e com isso renove-se nosso modo de trabalhar. Tais estudos, embora teóricos, não estão, de modo algum, apartados do

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fazer diário. Em cada linha dos conteúdos fala-se sobre o nosso tempo. Nada deve ser alheio ao que está sendo vivido, portanto seria um bom exercício observar nas ruas os assuntos tratados aqui.

Este fascículo destina-se aos que estão começando a estudar a questão “o que é história, para e por quem ela é feita” e, portanto, como se faz a produção do conhecimento histórico. Quer, dessa forma, provocar uma visão crítica para que você possa desenvolver sua própria reflexão sobre a produção do conhecimento histórico e ter o controle de seu discurso particular, para fazer uso dele de forma mais consciente e competente.

Assinalamos que o fazer do historiador e do professor de história é perpassado pelo trabalho de pesquisa, marcado por escolhas, pela construção de um sentido para a elaboração de um produto final, sejam aulas, produtos e projetos a serem desenvolvidos com os estudantes, apresentações públicas ou publicações. Tomara que, a partir dessas reflexões, você produza histórias tanto com o que foi aqui proposto quanto com sua experiência nas salas de aula onde leciona!

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OBJETIVOS DO FASCÍCULO

Esta disciplina tem como objetivo desenvolver e problematizar a construção e a produção do conhecimento histórico no mundo contemporâneo. Para tanto, você vai interagir com conceitos e questões que esclarecem qual o papel do professor e do pesquisador frente a esse desafio. Assim, pontualmente, são objetivos:

•Refletir sobre os fundamentos e as formas de comunicação do conhecimento histórico, colocando a reflexão da História frente às demais Ciências Humanas, para compreender algumas características do pensamento e do conhecimento histórico.

•Levantar questões sobre a objetividade e a subjetividade do conhecimento em História, para promover um maior entendimento do papel do historiador na criação e na interpretação da realidade histórica.

•Entender a representação histórica do tempo. Refletir sobre o fato histórico e os documentos como fontes históricas.

•Criticar a narrativa histórica totalizante, simplificadora e linear, valorizando a imprevisibilidade, as diferenças, as ambigüidades e os acasos, pluralizando, ou seja, democratizando a produção do conhecimento histórico.

•Relacionar os ofícios do historiador: a pesquisa e o ensino.

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IDesafios do fazer histórico contemporâneo

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A presente unidade tem o objetivo de oportunizar que você desenvolva seu olhar crítico sobre a narrativa histórica simplificadora e passe a valorizar as diferenças e complexidades. Para tanto, irá: refletir sobre os fundamentos e as formas de comunicação do conhecimento histórico, colocando a reflexão da História frente às demais Ciências Humanas; compreender algumas características do pensamento e do conhecimento histórico; entender a importância de relacionar as atividades de pesquisa e de ensino.

ROTEIRO DE ESTUDO

Seção 1: A produção do conhecimento histórico no mundo contemporâneo

Seção 2: Várias interpretações para o mesmo contexto histórico

Seção 3: Redescrever e escrever histórias: alguns tipos em circulação

Seção 4: Desconstruir velhas certezas para construir novas possibilidades

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12 Para início de conversa

Esta é a primeira unidade e nela você irá trabalhar com assuntos bastante contemporâneos. A idéia é partir de um entendimento maior do seu presente, do mundo em que você vive, de toda a complexidade que o cerca, para se aventurar nos passos seguintes da disciplina.

Aqui você irá entender um pouco melhor a contemporaneidade e a produção do conhecimento histórico em nosso tempo. Para isso, o primeiro passo será mostrar, em linhas bastante gerais, quais as principais teorias sobre o conhecimento já produzidas e como elas foram sendo substituídas por outras perspectivas e teorias sobre a produção do conhecimento. Além disso, será sua preocupação pensar de que forma esse movimento marcou disputas políticas pelo conhecimento. Em seguida, chegando ao hoje, você poderá discutir por que alguns teóricos denominam o nosso tempo de pós-modernidade, entre várias denominações, e quais outras interpretações este tempo presente pode receber. Você está pronto para iniciar esta trilha? Siga em frente!

SEÇÃO 1

A produção do conhecimento históricono mundo contemporâneo

Para refletir sobre a produção do conhecimento histórico no mundo contemporâneo, é preciso contextualizar quais são as características do tempo em que você está vivendo. Uma explicação interessante a esse respeito encontra-se na narrativa de um historiador, no livro A história repensada, de Keith Jenkins (2005).

Esse historiador inglês – que, segundo a historiadora brasileira Margareth Rago, tentou fazer com que se possa conhecer um pouco mais os avanços e recuos ocorridos na área de História nas últimas décadas – afirmou que há muito tempo , por volta do século XVIII, as hierarquias sociais pré-modernas baseavam-se predominantemente no que se consideravam valores a ela inerentes, que constituíam sua essência. Tais valores como divindade, sangue, raça, estirpe determinavam a posição de um ser humano desde seu nascimento, definindo o que ele deveria conhecer como sendo “seu lugar” na sociedade, sem que considerasse importante questionar esses valores e esse lugar.

Porém, foram justamente essas ordens naturais, legitimadoras de monarquias, que a burguesia comercial, financeira e industrial enfraqueceu e destruiu. Assim, a burguesia começou a produzir a tudo e a si mesma. Viria expressar suas ambições mediante a idéia de utilidade, de acordo com a qual os homens deveriam ter valor pelo mérito, a ser conquistado, e localizar seu valor em objetos exteriores, como a propriedade privada. O liberalismo, valorizando a liberdade de iniciativa do indivíduo burguês, expressava uma nova teoria sobre os rumos que a história deveria seguir, e o capitalismo significava a concretização desse modo de pensar e de atuar na sociedade.

UNIDADE I

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Saiba mais

Para conhecer melhor a respeito de como o liberalismo está presente no modelo interpretativo dominante sobre o que é “ciência”, leia Um discurso sobre as ciências, do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos:

“... uma forma de conhecimento, assente numa tal visão de mundo, tenha vindo a constituir um dos pilares da idéia de progresso que ganha corpo no pensamento europeu a partir do século XVIII e que é o grande sinal intelectual da ascensão da burguesia. (...) Uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar. No plano social, é esse também o horizonte cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia ascendente que via na sociedade em que começava a dominar o estádio final da evolução da humanidade.” Fonte: SANTOS, 2005, pp. 31-32.

Para um panorama geral das vertentes do pensamento liberal, leia o verbete “Liberalismo”, no Dicionário dos conceitos históricos:

“Em pleno século XXI, pensar a relação entre os indivíduos e o Estado, e a própria noção de estado e de indivíduo como cidadão, é um exercício necessário à constituição de práticas políticas mais humanas. Exercício que implica o estabelecimento da relação passado-presente no que concerne, por exemplo, aos princípios liberais que norteiam hoje a maioria dos Estados do Ocidente. (...) O liberalismo, em sua forma atual rebatizada como neoliberalismo, é a ideologia política do mundo globalizado. É ele que advoga a abertura de mercados, o livre fluxo de capitais e os investimentos privados, a redução das responsabilidades sociais do Estado e a própria diminuição deste como mecanismo administrativo (tido em geral como dispendioso e antieconômico), em nome da privatização. O neoliberalismo é a reafirmação dos valores liberais originados do liberalismo econômico do século XIX. (...) Precisamos ainda ficar alertas, pois os discursos, incorporados pelo senso comum, tendem a associar o liberalismo/neoliberalismo à democracia, à prosperidade econômica e à igualdade, o que configura uma postura a-histórica e muitas vezes inverossímil, porque liberalismo, democracia e igualdade social não são sinônimos nem sempre andaram juntos. Na verdade, o neoliberalismo chega mesmo a pregar a desigualdade social.” Fonte: SILVA e SILVA, 2005, pp. 257-261.

UNIDADE I

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No entanto, os trabalhadores começaram a usar contra a burguesia a mesma idéia de utilidade que esta tinha usado contra a aristocracia. Foi o filósofo Karl Marx quem, no século XIX, elaborou para as classes trabalhadoras uma compreensão filosófica e histórica de sua posição. Isso viria a produzir uma ideologia que não valorizava o ganho de alguma propriedade pela classe trabalhadora, pois o argumento era que o caminho para a liberdade real estava na abolição da propriedade. Afinal, o que poderia ser mais valioso para os trabalhadores do que si próprios, a única coisa que realmente possuíam? Nessa perspectiva, os seres humanos adquiriam valor simplesmente por estarem vivos.

Saiba mais

Para conhecer melhor as idéias de Karl Marx, leia o Manifesto do Partido Comunista, escrito em parceria com Friedrich Engels, em 1848, e disponível na íntegra na internet:

“A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias é a história da luta de classes. Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acaba sempre pela transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes.

Nas primeiras épocas históricas, constatamos, quase por toda a parte, uma organização completa da sociedade em classes distintas, uma escala gradual de condições sociais: na Roma antiga, encontramos patrícios, cavaleiros plebeus e escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos, e, além disso, em quase todas estas classes encontramos graduações especiais.

A sociedade burguesa moderna, que saiu das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Apenas substituiu as velhas classes, as velhas condições de opressão, as velhas formas de luta por outras novas.

Entretanto, o caráter distintivo da nossa época, da época da burguesia, é o de ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.” Fonte: MARX & ENGELS, 1848.

Disponível em: http://www.vermelho.org.br/img/obras/manifesto_comunista.asp

e também em: http://www.pstu.org.br/biblioteca/marx_engels_manifesto.pdf

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http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/traduzidos/manifesto_comunista.htm

A partir das idéias de Karl Marx, desenvolveram-se várias vertentes do pensamento marxista. Para um panorama geral a respeito, leia o verbete “Marxismo”, no Dicionário dos conceitos históricos:

“A teoria marxista, de profunda inspiração filosófica, trouxe inovações para se pensar o homem e o mundo no século XIX. Marx foi o primeiro a mostrar que o significado de uma teoria só pode ser compreendido em relação à prática histórica correspondente. Uma teoria não pode ser pensada e entendida sem correspondência com o contexto histórico. Toda teoria deve, portanto, estar enraizada na realidade histórica e dizer alguma coisa que possa transformá-la. Dessa forma, Marx buscou conciliar reflexão filosófica e prática política, teoria e práxis (entendida como a ação humana que transforma o mundo e transforma a si mesma). Em direção a uma sociedade sem exploradores ou explorados, o projeto marxista incluía a união da Filosofia, da Política e do movimento social à classe explorada para se construir uma síntese verdadeira, uma sociedade superior em que cada um desses elementos seria transformado. A teoria marxista aborda a realidade sob vários prismas: o filosófico, o histórico, o social e o econômico. Essa realidade é pensada não de forma fixa, mas em movimento, em sua mudança. Daí que a grande preocupação filosófica de Marx era o devenir histórico, ou seja, a transformação. (...) Nas últimas décadas do século XX, o marxismo entrou em crise como de resto todo o pensamento científico da modernidade. Sendo o marxismo um projeto de explicação racional, herdeiro do Iluminismo e da modernidade, foi um dos principais alvos da crítica aos chamados grandes sistemas explicativos da realidade. A crise do marxismo é a crise da própria Razão. Hoje, a maioria dos pesquisadores evita tentar explicar toda uma realidade histórica, como faziam aqueles vinculados ao marxismo e ao materialismo histórico. (...) Não podemos nos furtar a discutir o tema na escola, visto a enorme influência que ele teve no mundo contemporâneo, assim como na própria historiografia. Devemos analisar com cuidado os livros didáticos que abordam apenas as questões culturais, esquecendo os temas ‘antigos’, como luta de classes, revoluções, política, economia, Estados etc. (...) O profissional de ensino precisa ter uma postura crítica, sem cair, por um lado, no marxismo dogmático, nem, por outro, no modismo pós-moderno. Além disso, o marxismo está tão enraizado na História Contemporânea que seu estudo crítico se torna obrigatório para a compreensão daquilo que o mundo se tornou e daquilo que ele poderia ter se tornado, pois o que não aconteceu na história também faz parte da História.” Fonte: SILVA e SILVA, 2005, pp. 267-271.

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Essas idéias fizeram com que muitas pessoas acreditassem que, num futuro próximo, estava a perspectiva de desaparecimento do capitalismo e o surgimento de um mundo vivido em comum e com autêntica liberdade humana, cujo sistema econômico social seria denominado de maneira geral de socialista ou comunista.

É sabido que a Revolução Socialista na União Soviética, ocorrida em 1917, deu início a esse experimento. Contudo, desde o começo, as ambições universalizantes de substituição do capitalismo pelo socialismo foram contrariadas. A proposta universal do socialismo marxista se modificou em variantes nacionais e seus propósitos emancipatórios e libertadores da humanidade foram desvirtuados por meios ditatoriais. O socialismo real ajudou a desconstruir seu próprio potencial, tornando cada vez mais pessimista o próprio marxismo, que um dia tinha sido a mais otimista das teorias sobre os rumos que a história deveria seguir, para que o ser humano se desenvolvesse plenamente numa coletividade.

Jenkins afirma que, enquanto isso, no Ocidente, viveram-se os traumas decorrentes das duas guerras mundiais iniciadas na Europa; das crises econômicas; do fascismo; do nazismo e da descolonização. Somaram-se as críticas ao capitalismo apresentadas pelo marxismo ocidental e mais recentemente pelas feministas que, finalmente, demoliram as derradeiras teorias que alicerçavam as noções de progresso liberal, de harmonia pela competição, da crença otimista na racionalidade do homem burguês.

Nesse contexto, o capitalismo teve que achar outra forma de valorização. E então encontrou essa forma nas forças do mercado, produzindo novas teorias, numa situação de alta produtividade econômica pós-1950. Passou-se a mostrar aquilo que na realidade sempre tinha sustentado o capitalismo, mas que ele considerava arriscado expor de forma explícita enquanto o socialismo real ainda representava uma ameaça, obrigando-o a adotar algumas políticas protetoras para os indivíduos, como, por exemplo, a criação da previdência social, presente em vários países.

A valorização das forças do mercado deu prioridade à escolha do consumidor, trazendo para o primeiro plano o utilitarismo (isto é, o praticismo e o pragmatismo) e uma visão relativista dos valores e das funções das coisas de acordo com sua utilização; pois, no mercado aberto, as mercadorias não têm um valor próprio de troca, visto que seu valor reside naquilo pelo que podem ser trocadas.

Atenção! Nessa sociedade, vista como um grande mercado, as pessoas também assumem aspecto de mercadoria, de objetos, e tentam encontrar seu valor em relações externas a si mesmas, relações de consumo, de compra e venda, de negociação e troca.

Os valores privados e públicos são afetados, os princípios que orientam o comportamento humano – isto é, a Ética – se tornam personalizados e voltados apenas para si mesmos, autocentrados, narcisistas. Tudo torna-se uma questão de gosto e de estilo de vida, sendo relativo e livre de regras.

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17“Cara, você pode o que quiser!” Você já teve a sensação de que todas as propagandas e as mercadorias que são apresentadas reforçam essa idéia como sendo própria de todos os indivíduos deste tempo presente? Mas, afinal, essa idéia corresponde ao modo de vida de que grupos específicos que tentam generalizar seus discursos como se fossem de todos?

Nenhum valor ou princípio que possa orientar o comportamento humano passa pelo cotidiano. Esse relativismo e esse ceticismo – uma idéia segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão absoluta do real – afetam também a situação das teorias e das práticas da produção de todo tipo de conhecimento, incluindo a História.

Dessa forma, restaram apenas posições, perspectivas, modelos, ângulos, paradigmas. Impera o que é chamado de um pragmatismo flexível – quer dizer, o que é bom é o que dá lucro, resultando numa série de práticas egoístas – em que os que produzem algum tipo de saber, deliberadamente só pensam em si mesmos e nos seus interesses em termos de valor de mercado.

Numa cultura assim banalizada pelo relativismo, qualquer versão considerada de esquerda, da teoria marxista que busque a emancipação da humanidade, já é vista como fracassada por conta do insucesso dos regimes do socialismo real. Ela já se torna confusa, até porque tinha a classe trabalhadora, ou seja, o proletariado, como protagonista desse projeto histórico, agora considerado em virtual desaparecimento.

Para muitos estudiosos e, especialmente nas palavras de Jenkins, o proletariado foi decomposto, assim como a sociedade industrial que possibilitou seu aparecimento. E, no lugar dele, agora existe uma série de coisas diferentes: um pequeno núcleo de operários, uma nova (ou quase nova) classe de marginalizados e os agrupamentos bastante instáveis de (alguns) jovens, desempregados, negros, mulheres, homossexuais, ambientalistas etc.

Fazendo um balanço histórico contemporâneo: nessa época que se poderia chamar de pós-tudo (pós-liberal, pós-ocidental, pós-indústria pesada, pós-marxista, pós-moderna, pós-colonialista), as velhas teorias (eurocêntricas, positivistas, patriarcais, lineares), que legitimavam os velhos centros, mal se agüentam. São chamadas de metanarrativas, consideradas nada promissoras, parecendo inverossímeis do ponto de vista dos críticos do início do século XXI. “Imagine se alguém vai acreditar numa coisa dessas!”, diz Jenkins.

Fredric Jameson, pensador e crítico de nossa sociedade e cultura contemporâneas, afirma que possivelmente nenhuma formação social que conheçamos, tenha erradicado tão sistematicamente quanto o capitalismo neoliberal a idéia de valores universais inerentes ao desenvolvimento da história da humanidade. E isso, para ele, não ocorreu por meio da escolha dos sujeitos, mas da própria lógica cultural que alguns chamam de capitalismo tardio, outros, de globalização. Ou então de modernidade tardia, modernidade líquida, modernidade auto-reflexiva, hipermodernidade, supermodernidade e – por fim, uma das mais polêmicas – de pós-modernidade.

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Saiba mais

Conheça um pouco mais sobre o termo pós-moderno a partir das reflexões de Terry Eagleton, filósofo e crítico literário marxista, no livro As ilusões do pós-modernismo:

“A palavra pós-modernismo geralmente refere-se a uma forma de cultura contemporânea, enquanto que o termo pós-modernidade alude a um período histórico específico. Pós-modernidade é um estilo de pensamento que duvida das noções clássicas de verdade, razão, identidade, e objetividade, da idéia de progresso e emancipação universais, de estruturas únicas, grandes narrativas ou fundamentos definitivos de explicação [...] Pós-modernismo é um estilo de cultura que reflete alguma coisa dessa mudança de uma época, numa arte pluralista, superficial, descentralizada, infundada, auto-reflexiva, divertida, derivativa, eclética, que torna indistintas as fronteiras entre cultura ‘alta’ e ‘popular’, bem como entre arte e experiência cotidiana.” Fonte: EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 7. (trecho citado traduzido da obra em inglês no verbete “Pós-moderno” do livro de FIGUEIREDO, Eurídice (org.) Conceitos de literatura e cultura. Juiz de Fora: UFJF, 2005, p. 369).

Para maiores informações sobre a idéia de pós-modernidade e seu histórico, bem como uma pequena bibliografia, vide o verbete correspondente na famosa enciclopédia virtual Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-modernismo

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Várias interpretações para o mesmo contexto histórico

Para refletir

Mas, por que várias denominações (capitalismo tardio, globalização, modernidade tardia, modernidade líquida, modernidade auto-reflexiva, hipermodernidade, supermodernidade, pós-modernismo...) para o mesmo contexto histórico contemporâneo? Por trás delas, há interpretações comuns e alguns olhares diferentes sobre nosso presente.

São difíceis de precisar as definições desses termos. Isto porque todos os que as criaram concordam que o que caracteriza nosso presente é o fato de que nada mais é fixo ou sólido. O que já prejudica tentativas de definições, sendo que alguns até colocam em dúvida a validade de algumas dessas interpretações.

Uma definição de pós-modernidade pode ser atribuída ao filósofo francês Jean-François Lyotard, em O pós-moderno (1988), que parte da análise do mundo ocidental em que vivemos nos termos que colocamos anteriormente. Considera-o como uma formação social na qual, sob o impacto do fim da predominância da influência religiosa, da democratização, da informatização e do consumismo, o mapa e o status do conhecimento estão sendo retraçados e redescritos.

Essa mesma perspectiva é compartilhada por autores como o crítico literário e teórico marxista estadunidense, Fredric Jameson, e o sociólogo inglês, Anthony Giddens, que usam as denominações capitalismo tardio ou modernidade tardia para enfatizar a decadência da sociedade capitalista.

Igualmente, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman defende a idéia de uma modernidade líquida, ressaltando seus aspectos de instabilidade, insegurança, fluidez, gerados pelas mudanças velozes e implacáveis da sociedade capitalista. O filósofo francês Gilles Lipovetsky define nosso tempo como sendo o da hipermodernidade, caracterizando-o como típico da intensificação do liberalismo, da mercantilização, da exploração utilitarista e instrumentalizada da razão e do individualismo exacerbado.

Na perspectiva do antropólogo francês Marc Augé, que denomina de supermodernidade o contexto histórico contemporâneo, destacam-se traços como a proliferação dos não-lugares (supermercados, shopping centers, aeroportos, rodoviárias). Eles são espaços de não-vivência, apenas de consumo e passagem dos sujeitos, um

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mundo provisório e efêmero, comprometido com o transitório e com a solidão. Para ele, os não-lugares são a medida de uma época que se caracteriza pelo excesso de informações e de fatos a serem compreendidos; pela superabundância espacial, com a velocidade dos meios de transporte que pode levar o indivíduo a qualquer parte do mundo em poucas horas; e pela individualização das referências, com a publicidade e a história aparentemente voltada para cada sujeito, mas contraditoriamente homogeneizadora de todos.

Esses estudiosos, entre muitos outros, enfatizam aspectos comuns e particulares de um mesmo tempo presente que, no que diz respeito ao campo de produção do conhecimento, pode ser caracterizado como o da “morte dos centros” e da “incredulidade ante as metanarrativas”.

- Mas, afinal de contas, você pode perguntar: o que significa isso?Lá vai uma tentativa de resposta. “Morte dos centros” significa

que todos aqueles velhos quadros de referência que pressupunham a posição privilegiada de diversos centros (anglocêntricas, eurocêntricas, etnocêntricas, sexistas) já não são considerados legítimos e naturais (ou melhor, legítimos porque naturais). Mas sim temporários, parciais, úteis para formular interesses que, ao invés de universais, eram muito particulares.

E falar sobre a “incredulidade ante as metanarrativas”, em outras palavras, é o mesmo que dizer que perderam vitalidade as grandes narrativas estruturadoras – como a liberal e a marxista das quais falamos – que deram significado à evolução ocidental. Após o fim da predominância das explicações religiosas ou da metanarrativa teológica sobre o mundo, ocorreu um questionamento de todas as outras formas explicativas predominantes, que se baseavam na razão e na ciência para se dizerem como as verdadeiramente válidas.

Esse fenômeno do final do século XIX e início do século XX tornou problemáticos todos aqueles discursos que se fundamentavam, e ainda se fundamentam, nessas explicações ditas racionais e científicas com pretensão a se assumirem como verdade absoluta. Foram desconstruídos o projeto do Iluminismo e os vários programas de progresso e modernidade que dele decorreram, identificados com idéias de reforma e de emancipação do indivíduo que se manifestavam, por exemplo, no humanismo, liberalismo, marxismo, nazismo, fascismo etc.

Atenção! Portanto, todas essas denominações para a falência ou a crise do projeto iluminista da modernidade são expressões gerais dessa situação. Não são um movimento unificado, nem tendências que simplesmente possam ser definidas num espectro político como de centro, de esquerda ou de direita.

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Pensadores de todas as tendências precisaram, conforme as necessidades, reavaliar seus discursos disciplinares – filosofia, política, arte, literatura, lingüística e também a história – revendo as bases de suas posições para se ajustarem às reviravoltas do tempo presente que atravessam desde o campo social, econômico, político até o cultural.

Essas reavaliações, embora conduzidas por motivos diversos e até opostos, chegaram à mesma conclusão. Enquanto se esforçavam para fundamentar suas posições, todos perceberam que a solidez intocável de suas teorias e metodologias não existia nem para eles, nem para ninguém mais.

Para refletir

O escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu vários textos literários que ficaram famosos por criticarem o discurso dos intelectuais que tentavam afirmar verdades absolutas em suas áreas de conhecimento. Como Borges fez isso? Numa escrita simultaneamente verossímil e fantástica, ele fazia críticas de autores, livros e enciclopédias que não existiam, utilizando as mesmas práticas discursivas empregadas por críticos literários, historiadores ou outros intelectuais. Dessa forma, quando o leitor lê seus textos, sabe que são construções ficcionais que utilizaram a linguagem científica ou histórica. E assim fica também evidente que os escritos de outros, sejam cientistas ou filósofos, são igualmente construídos, legitimados por referências, citações de fontes e outros autores... Para problematizar a ciência como uma construção histórica e discursiva, uma professora de História da Ciência escolheu um dos contos mais brilhantes de Borges, deixando-o para que os estudantes lessem e debatessem numa próxima aula. O conto “Pierre Menard, autor de Quixote” faz o balanço da obra de um autor inexistente, inclusive com citações e referências bibliográficas também inexistentes. Porém, qual não foi a surpresa da professora quando vários de seus alunos, convencidos pela ficção, reclamaram da ausência de obras de Pierre Menard na biblioteca da Universidade! E assim a professora teve a oportunidade de debater como os discursos da ciência e da história são construídos e quais são as diversas estratégias existentes nos textos para nos convencer de teorias, conceitos e interpretações da realidade...

Agora, reflita também sobre um outro conto desse escritor:“A Biblioteca de Babel é um conto de Jorge Luis Borges,

inserido no livro Ficciones (Ficções), de 1944. Este conto, essencialmente metafísico, fala de uma realidade em que o mundo é constituído por uma biblioteca infindável, abrigando uma infinidade de livros. O narrador, um dos muitos bibliotecários, supõe que os volumes

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da biblioteca contêm todas as possibilidades da realidade. Alguns não fazem o menor sentido, ou o fazem numa língua há muito desconhecida. Outros são meras repetições de uma mesma palavra. Busca-se incessantemente alguém que saiba decifrar as mensagens contidas nos misteriosos volumes, que seria o correspondente a um deus.

Entre as várias interpretações possíveis do conto de Jorge Luis Borges, uma dá conta que se trata de uma grande metáfora em que mundo e literatura se confundem. Ler um texto é tentar decifrá-lo, mas se considerarmos que o próprio mundo está impregnado de linguagem, a própria realidade pode ser considerada como uma grande biblioteca cheia de textos à espera de quem os decifre.”

Fonte disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Biblioteca_de_Babel, acessado em 10/11/2006.

Conheça vários textos de Jorge Luis Borges que podem ser lidos na Internet. Veja, por exemplo, em: http://www.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/textos_borgesjorgeluis/textos7.htm

O filósofo e historiador Michel Foucault, com seus trabalhos sobre as práticas discursivas, trouxe a possibilidade de compreender todos os saberes disciplinares como discursos historicamente construídos e que, portanto, deveriam ser também desconstruídos. Dessa forma, os pressupostos intelectuais dominantes do tempo atual, como conseqüência desse processo de reavalização e de desconstrução da produção dos conhecimentos, forjaram as generalizações do ceticismo, isto é, a ausência de qualquer certeza absoluta, e do niilismo – ponto de vista que considera que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência.

Essas idéias permearam historicamente a “tradição ocidental”. Porém, o que antes era descontínuo e periférico, hoje abarca a cultura ocidental e é acolhido com satisfação. Vários intelectuais, inclusive os historiadores, ao utilizarem, de modo crítico, a amplamente reconhecida inadequação da realidade aos conceitos provindos das teorias atualmente existentes, negam-se a sentir nostalgias daqueles centros e metanarrativas e seus beneficiários.

Saiba mais

Ao filósofo francês Jacques Derrida é atribuída a noção de desconstrução, que consiste em desfazer os textos, considerando, numa análise, os modos como eles foram organizados em suas

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origens, revelando significados que estavam ocultos ou encobertos. A desconstrução não se identifica simplesmente com uma destruição pura e simples dos textos e das teorias, como pode parecer numa interpretação mais simplista desse procedimento teórico-metodológico. Ao desconstruir textos e teorias que se consideravam definitivos e únicos, portadores de verdades inquestionáveis, o filósofo buscou encorajar a pluralidade de discursos, legitimando a não-existência de uma única verdade ou interpretação, possibilitando a disseminação de possíveis e novas verdades. Desde então, os discursos produzidos pelas áreas de conhecimento passaram a ser construídos de forma diferenciada, evidenciando seus próprios processos de construção e a parcialidade e a incompletude inerente dos saberes criados. Evando Nascimento, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, afirmou a respeito das idéias de Derrida: “Por um lado, podemos pensar que o mundo teria sido desconstruído de fato por todo o processo que consiste em não ser mais possível acreditar que um único centro, como ponto situável no tempo e no espaço, organize a realidade das coisas. Esse processo de descentramento foi algo inerente ao século XX e ocorreu nos diversos planos da cultura, sobretudo na cultura ocidental, que tinha sido construída sobre sólidos centramentos.” Também o adido cultural do consulado francês, Jean-Paul Lefèvre, afirmou: “A desconstrução não é demolição, é refletir sobre o processo e levar a crítica aos mínimos detalhes. Essa forma de reflexão nos ajuda a viver momentos tão fortes quanto os que atravessamos agora.”

Fontes: RODRIGUES, Carla. “Desconstruir é democratizar”. O Globo. 08/10/2005. Disponível em: http://www.estacaoliberdade.com.br/clip/globopensar.htm; SILVA, Beatriz Coelho. “Derrida, para entender este mundo”. O Estado de São Paulo. 10/10/2005. Disponível em: http://www.estacaoliberdade.c o m . b r / c l i p /oesppensar.htm. Para saber mais sobre o pensamento de Jacques Derrida, leia os livros de DERRIDA & B E N N I N G T O N , 1996; DERRIDA & ROUDINESCO, 2004; e NASCIMENTO, 2005.

Para saber mais sobre a biografia de Jacques Derrida e a noção de desconstrução, leia os verbetes correspondentes na Enciclopédia Virtual Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Desconstru%C3%A7%C3%A3o

e também em http://pt.wikipedia.org/wiki/Derrida

Por conta da desconstrução de como tais saberes se afirmam perante outros, houve uma mudança de perspectiva histórica que produziu várias interpretações sobre os mesmos contextos históricos, que pode ser conhecida pela leitura da massa de gêneros históricos existentes e que tem ajudado a historizar e relativizar a história.

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24 SEÇÃO 3

Redescrever e escrever histórias:alguns tipos em circulação

O filósofo contemporâneo estadunidense Richard Rorty, no livro Verdade e Progresso, defende a idéia de que a finalidade da ciência, da investigação ou de qualquer outra área da cultura não é atingir a verdade, mas sim solucionar problemas. Quando se aceita essa noção, pode-se abandonar a idéia de que a investigação caminha para um ponto final e considerar que seus horizontes estão em constante expansão, à medida que se deparam com novos problemas. Também para esse filósofo, de acordo com a explicação de Jenkins, o que se vê desde o século XVIII, generalizando-se agora em nossa cultura, é a idéia de que basta um ato de redescrição para que tudo se torne bom ou mau, desejável ou indesejável, útil ou inútil (da mesma forma que esse relato redescreveu o que tinha valor para o aristocrata, o burguês e o proletariado). E foi tal virada redescritiva que veio a abarcar o passado/história.

Atenção! Trata-se de um passado que pode ser redescrito infinitamente e pode sustentar incontáveis relatos plausíveis e suas orientações metodológicas igualmente legítimas, apropriando-se do passado de forma diversa e controlando-o de acordo com seus interesses.

E, hoje, mais do que nunca, há pessoas querendo coisas que atendam a seus interesses. No rastro desses centros ausentes e metanarrativas ruídas, as condições do tempo presente produzem aquela multiplicidade de relatos históricos que se encontram por toda parte nas sociedades democráticas/consumistas, uma massa de gêneros (algumas histórias têm até grife) para usar e abusar a gosto.

Dicas para sala de aula

Alguns tipos de história em circulação:1 - histórias dos historiadores – são histórias profissionais

que tentam estabelecer hegemonia no campo de estudo através de teses, monografias, artigos e livros;

2 - história dos professores de escola – popularizações UNIDADE I

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das histórias dos historiadores profissionais através dos livros didáticos;

3 - e outras formas como: relatos históricos para crianças; relatos da memória popular; relatos de vários grupos sociais, tais como negros, brancos, mulheres, feministas, homens; relatos de herança cultural; relatos de reacionários, de elites, marginais etc., influenciados por perspectivas locais, regionais, nacionais e internacionais.

Todos esses gêneros têm fronteiras irregulares e sobrepostas, e todos se apóiam uns nos outros e se definem pelo que não são: é o que Jenkins chama de intertextualidade. Com pressupostos epistemológicos, metodológicos e ideológicos variados, combinam e recombinam-se os elementos disponíveis, de forma que os relatos resultantes não tenham necessariamente permanência e não expressem nenhuma essência.

O que fica claro é, portanto, a absoluta imprevisibilidade das leituras e o reconhecimento de que as interpretações no (pode-se dizer) “centro” da cultura ocidental estão lá, não porque sejam verdadeiras ou metodologicamente corretas, mas porque estão alinhadas com o discurso dominante, numa relação entre saber e poder.

Esse fluxo interpretativo, quando visto de forma positiva, tem o potencial para capacitar até os mais marginalizados, na medida em que eles pelo menos podem produzir suas próprias histórias, mesmo que não tenham poder para torná-las a de outras pessoas.

É improvável que hoje a História possa ser resgatada do desconstrucionismo historiograficamente orientado e metodologicamente balizado. Questionar a noção de verdade do historiador, assinalar a facticidade variável dos fatos, insistir em que os historiadores escrevem o passado a partir de posições ideológicas, enfatizar que a história é um discurso escrito tão passível de desconstrução quanto qualquer outro, afirmar que o “passado” é um conceito tão especulativo quanto o “mundo real” a que os romancistas aludem na ficção realista – só existindo nos discursos presentes que o formulam, - tudo isso desestabiliza e fratura o passado, de modo que nas rachaduras nele abertas se podem produzir novas histórias.

Mas, por outro lado, a liberdade de proporcionar interpretações alternativas parece subversiva, pois é vista negativamente por aqueles que detêm suficiente poder para estabelecer os limites da “história como se deve”, ainda teimosamente definida com referência a uma suposta objetividade. Para eles, aquela liberdade parece uma contestação. Por conseguinte, o que em geral ocorre é que as práticas dominantes de discurso procuram encerrar ou desqualificar (isolar e/ou findar) as leituras/interpretações que consideram indesejáveis; ou, ironicamente, essas práticas dominantes capitalizam o fenômeno da ausência de passado pós-moderno (ausência porque o que foi escrito e dado como definitivo está sendo questionado), tranformando (redescrevendo) o passado para fins delas próprias.

Se o passado pode mesmo ser lido como um trânsito infinito de interesses e estilos, isso se aplica não apenas às leituras que são dominantes, como àquelas alternativas mais recentes.

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26Equivale dizer que todos estão “no mesmo barco”, mas que nem

todos os ocupantes do barco estão na mesma posição. Para alguns, a desconstrução dos seus alicerces e posições é mais danosa do que para outros. Ou seja, alguns têm mais a perder.

Porém, nessa situação de desconstrução, existe um espaço para um resultado desejável: tantos grupos e pessoas, quantos possíveis, poderão produzir suas próprias histórias, de modo que eles sejam capazes de fazer-se ouvir (produzir efeitos reais) no mundo. Dessa forma, embora não se possa determinar em definitivo a direção e o impacto desses efeitos, é fato que as histórias criadas influenciam a realidade vivida no presente, produzindo novas percepções e novas situações emancipatórias, a partir do que elas próprias são, isto é, uma prática discursiva que possibilita a mentalidades do presente irem aos vestígios do passado para tentar sondá-lo e reorganizá-lo de maneira adequada às suas necessidades atuais.

SEÇÃO 4

Desconstruir velhas certezas para construir novas possibilidades

Desde as reflexões de Derrida sobre a desconstrução (apresentadas no “Saiba mais”, da seção 2), argumenta-se que os discursos das disciplinas que serão a partir de agora considerados mais válidos, serão aqueles capazes de evidenciar seus próprios processos de produção e assinalar a natureza construída (e não “descoberta”) de seus referentes.

Trabalhar assim é adotar um método que desconstrói e historiza todas aquelas interpretações que têm pretensão à certeza e não questionam suas próprias condições de produção; interpretações que esquecem de indicar sua subserviência a interesses ocultos, que não conseguem reconhecer seu próprio momento histórico e que mascaram os pressupostos ideológicos que medeiam em todos os lugares e em todos os momentos a transformação do passado em história.

Para refletir

O historiador Keith Jenkins pergunta: Como então pôr em prática essa abordagem desejável da história, uma abordagem

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concebida para desenvolver uma inteligência crítica que seja democratizante?

Para tentar pôr em prática essa inteligência crítica, é interessante comparar as reflexões desse historiador com as do sociólogo Nildo Viana, professor da Universidade Estadual de Goiás, que não concorda com as idéias defendidas por Keith Jenkins, em A história repensada, pois acredita que seu discurso também oculta as relações de poder que o atravessam, além de defender que as idéias em torno do pós-moderno não existem e que não passam de um modismo intelectual. Para conhecer melhor seus argumentos, leia seu texto: “Keith Jenkins, historiografia e poder” e tire suas próprias conclusões. Disponível em http://www.npmueg.ubbihp.com.br/pos5-viana2.html, acessado em 07/11/2006.

Ao fazer a reflexão proposta acima, sempre considerando diferentes pontos de vista e reelaborando constantemente idéias e práticas, acaba-se por desenvolver uma das primeiras atitudes necessárias para o redimensionamento do trabalho do historiador: a adoção de uma metodologia reflexiva.

Saiba mais

Segundo Anthony Giddens, “Com o advento da modernidade, a reflexividade assume um caráter diferente. Ela é introduzida na própria base da reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente refratados entre si. (...) A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz da informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter.” Fonte: GIDDENS, 1991, p. 45.

Isso significa que tão logo se tenha organizado uma reflexão ou produzido um conhecimento, ele já precisa ser questionado pelas próprias pessoas que o produziram e por outros estudiosos, de modo que comporte reelaborações. Assim, é preciso constantemente proporcionar aos estudantes uma análise explícita do porquê de ensinarem-lhes esta ou aquela história. Ademais, haveria então a necessidade de fazer estudos historiográficos detalhados para examinar em que medida as histórias anteriores

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e atuais foram construídas, tanto do aspecto metodológico quanto do conteudístico. Sugere-se uma historização radical da história. Historizar sempre é ponto de partida para um historiador que saiba refletir sobre sua própria atividade, desenvolvendo uma posição consciente e assumida em seus trabalhos. E você não pode escolher entre tomar uma posição ou não, pois sempre haverá uma posição da qual se fala: resta saber se você fará a escolha entre uma história que estará consciente do que faz e uma história que não está, pois toda história também é teórica e todas as teorias se posicionam.

Também se faz necessário, para ajudar numa abordagem criticamente reflexiva, realizar uma seleção adequada a essa prática, considerando não só uma série de histórias que ajudasse a compreender o mundo em que se vive, mas também as formas de história que ajudaram as pessoas a produzi-lo e que, ao mesmo tempo, ele produziu. Pode-se argumentar que o conteúdo e o contexto da história deveriam ser constituídos por uma ampla série de estudos metodologicamente reflexivos sobre as maneiras de se fazerem as histórias da própria “pós-modernidade”.

Síntese

Como você estudou nesta unidade I, a produção do conhecimento histórico no mundo contemporâneo parte do tempo presente e das várias interpretações que damos para o nosso próprio contexto histórico.

Assim, você aprendeu que a História tem o passado como objeto, mas é feita no presente, numa situação em que, cada vez mais, é preciso desconstruir velhas certezas para construir novas possibilidades de produção do conhecimento histórico. Trata-se de um processo de trabalho de pesquisa e de ensino que redescreve as histórias já existentes em outros termos, ou escreve novas histórias, mostrando a pluralidade das interpretações sobre o nosso passado e o nosso presente.

Para isso, o historiador redimensiona seu trabalho e faz seleções adequadas a essa prática, considerando várias histórias que ajudam a entender nosso mundo. Historiza radicalmente, usando uma metodologia reflexiva.

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29Atividades

Seção 1

1) Leia com atenção a síntese do verbete “Pós-modernidade”, no Dicionário de conceitos históricos:

“A pós-modernidade é assunto multidisciplinar: artistas, cientistas, filósofos, entre outros, refletem sobre esse tema. Mas para alguns desses pensadores o termo exprime coisas tão diferentes que explica, na verdade, muito pouco. No entanto, mesmo seus mais ferrenhos críticos parecem concordar com a existência de algumas características presentes em todos os discursos que se dizem pós-modernos. A principal delas é a crítica aos valores da sociedade ocidental, oriundos do Iluminismo, do racionalismo e da Revolução Industrial. (...) a pós-modernidade é uma mistura eclética de coisas bastante diversas, fruto da sociedade consumidora de serviços, despolitizada e individualista. Mas como muitas são as abordagens pós-modernas, essa perda de sentido da realidade não se encontra em todas. Para o teórico da cultura Homi Bhabba, por exemplo, se a pós-modernidade for apenas a crítica da modernidade – esta entendida como o discurso racional iluminista –, ela é inútil. Para Bhabba, a crítica pós-moderna precisa ultrapassar a simples desconstrução dos valores da modernidade e incorporar novas formas de saber, como o fim das idéias etnocêntricas e a possibilidade de se escutar outras vozes e histórias, principalmente dos grupos minoritários. (...) Já o cientista político Michel Zaidan considera que a pós-modernidade tem grande influência sobre as concepções irracionalistas de história, influenciadas por Michel Foucault ou Walter Benjamin, ou ainda pela Nova História francesa. Essa produção seria irracionalista por não acreditar que se pode explicar a realidade e permanecer estudando apenas os discursos produzidos na História. (...) dificilmente o professor de História pode escapar de se defrontar com esse problema atual: o que é a pós-modernidade? Como não há uma resposta fácil para essa questão, é importante que o educador busque as diferentes formas nas quais aparece esse discurso pós-moderno, inclusive a crítica à existência de uma pós-modernidade. (...) O professor hoje depara com estudantes que nasceram e são criados sob o constante bombardeio de discursos e produções que apresentam uma linguagem pós-moderna (...) razão pela qual se faz necessário que ele reflita sobre elas, para melhor trabalhar com determinadas linguagens na sala de aula, desde a já usual linguagem cinematográfica até as histórias em quadrinhos.” Fonte: SILVA & SILVA, 2005, pp. 338-342.

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Seção 2

Observe as reflexões de Michel Foucault, ao desconstruir o que é uma disciplina, por exemplo, uma área do saber como a História:

“(...) uma disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um corpus de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos: tudo isto constitui uma espécie de sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele, sem que seu sentido ou sua validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor. (...) Para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade de formular, e de formular indefinidamente, proposições novas. (...) uma disciplina não é a soma de tudo o que pode ser dito de verdadeiro sobre alguma coisa; não é nem mesmo o conjunto de tudo o que pode ser aceito, a propósito de um mesmo dado, em virtude de um princípio de coerência ou de sistematicidade. (...) No interior de seus limites, cada disciplina reconhece proposições verdadeiras e falsas. (...) Em resumo, uma proposição deve preencher exigências complexas e pesadas para poder pertencer ao conjunto de uma disciplina. (...) A medicina não é constituída de tudo o que se pode dizer de verdadeiro sobre a doença; a botânica não pode ser definida pela soma de todas as verdades que concerne às plantas. (...) como qualquer outra disciplina são feitas tanto de erros como de verdades (...) A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso”. Fonte: FOUCAULT, 2004, pp. 30-36.

Agora responda:a) Como Foucault apresenta o que é uma disciplina?b) O que é necessário para que haja uma disciplina? c) Uma disciplina dá conta de todas as explicações sobre os

assuntos que estuda?

A partir da leitura do texto, responda às questões a seguir:a) A discussão sobre a pós-modernidade pertence

exclusivamente à disciplina “produção do conhecimento histórico”? Justifique.

b) Quais são os valores criticados no contexto do debate sobre a pós-modernidade?

c) Para o teórico Homi Bhabba, o que o pensamento pós-moderno precisa fazer para ir além da crítica da modernidade?

d) Por que o cientista político Michel Zaidan considera que a pós-modernidade tem grande influência sobre as concepções irracionalistas de história?

e) Quais atitudes o professor pode tomar diante da complexidade do debate sobre o que é o pós-moderno?

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Seção 3

De acordo com a “Caixinha de Dicas” apresentada anteriormente, com os diversos tipos de história nela apresentados (histórias dos historiadores; história dos professores de escola; e outras formas), escolha um desses tipos, faça uma pequena pesquisa sobre ele e anote aqui o trecho selecionado.

Seção 4

a) Escolha um tema que considere importante sobre o tempo presente para ser estudado na escola, como por exemplo: a questão do desemprego, os problemas da juventude, as mudanças de hábitos e costumes, o crescimento do mercado informal, eleições, democracia, corrupção, enfim, qualquer tema, - mas lembre-se de fazer um recorte adequado a um trabalho pequeno. Procure fazer uma seleção de conteúdos e de fontes históricas para o seu estudo, ou seja, se você optar pela questão do desemprego, defina se sua pesquisa vai entrevistar um desempregado, procurar notícias no jornal sobre o tema e/ou qualquer outro tipo de fonte. Mostre, por meio da prática de uma metodologia reflexiva e de uma seleção adequada, como e porquê se transformaram as formas e as visões relacionadas àquela problemática escolhida, ao longo do tempo .

b) Resolva as seguintes questões:

1) Descreva algumas características que marcaram as mudanças das sociedades pré-modernas para as modernas.

2) Agora descreva algumas características históricas que começaram a mostrar o próprio questionamento da sociedade moderna e de seus projetos de emancipação humana.

3) Que solução a sociedade capitalista encontrou para a crise da sociedade moderna, e que características foram definidas no mundo contemporâneo a partir dela?

4) Considerando essas características citadas, como elas afetaram as idéias que as diversas áreas de conhecimento – incluindo a produção do conhecimento histórico – tinham de si mesmas, por meio de suas teorias e metodologias?

5) Sobre as “várias interpretações para o mesmo contexto histórico” apresentadas na seção 2 responda:

a) Quais as denominações possíveis para os nossos tempos?b) Quais são os pensadores e suas idéias apontadas na seção 2?c) O que todos têm em comum?6) Cite alguns tipos de história em circulação nos nossos

tempos.7) Para um historiador, como é possível desconstruir velhas

certezas e construir novas possibilidades?

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IIReflexões sobre história na teoria e na prática

ROTEIRO DE ESTUDO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Quatro objetivos centrais serão trabalhados nesta unidade. O primeiro será refletir sobre os fundamentos e as formas de comunicação do conhecimento histórico, colocando a reflexão da História frente às demais Ciências Humanas, para compreender algumas características do pensamento e do conhecimento histórico. Paralelamente, trataremos de levantar questões sobre a objetividade e a subjetividade do conhecimento em História, a fim de promover um maior entendimento do papel do historiador na criação e na interpretação da realidade histórica. A intenção é que você passe a criticar a narrativa histórica totalizante, valorizando a imprevisibilidade, as diferenças, as ambigüidades e os acasos. Por fim, pretende-se que você relacione as questões aqui trabalhadas com a pesquisa e com ensino, os dois fazeres do historiador.

Seção 1: O que é História?

Seção 2: A construção do conhecimento histórico na teoria e na prática

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34 Para início de conversa

Em geral, quando se propõe o estudo da produção do conhecimento, tem sido recorrente perguntar: “o que é a história?”. Além dessa questão, tenta-se responder também uma que decorre do tipo de fazer do historiador na contemporaneidade, que é: “para quem é a história?”. Nessa segunda unidade, portanto, você refletirá, mais especificamente, como o historiador realiza seu trabalho na teoria e na prática.

Nas duas seções dessa unidade, será tratada a produção do conhecimento histórico, trabalhando a questão do ofício do historiador. Afinal, do que se ocupa o historiador, quando está desempenhando sua profissão na teoria e na prática?

SEÇÃO 1

O que e história?

Nesta seção, a proposta é refletir e, além disso, pensar sobre qual a importância da produção do conhecimento em história. Para tanto, é preciso historizar. Mas o que é isso? É preciso contar a história de como aquilo já foi estudado, para dizer o que de diferente você está propondo com o trabalho que apresenta. Portanto, será feita aqui uma pequena historização, ou seja, um balanço dos trabalhos que já abordaram a questão da produção do conhecimento histórico.

Até bem pouco tempo atrás, um estudante de história poderia recorrer basicamente a alguns manuais de história.

Vavy Borges, professora da Unicamp, em seu livro O que é história, faz uma história da história. A autora inicia seu texto dizendo que os homens sempre quiseram produzir explicações sobre o seu mundo e que, portanto, as explicações míticas seriam a “pré-história da história”. Em seguida, a autora escreve sobre uma história teológica, que cedeu lugar a uma iluminista (valorização da erudição, da razão e do progresso) que, por sua vez, foi sobreposta pelo materialismo histórico marxista e pela história acadêmica positivista.

Chegando ao mundo atual, apóia que a maior influência em nossa produção contemporânea vem de duas grandes visões da história: o marxismo e a escola francesa (também conhecida como Escola dos Annalles – defensora do estudo das estruturas, de uma história total, ou seja, da construção de histórias dos grupos humanos, considerando todos seus aspectos em interação com outras áreas de conhecimentos, tais como a economia, a sociologia, a antropologia, a psicologia...). E afirma:

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... fica bem claro que a história, como todas as formas de conhecimento, está sempre se reformulando, buscando caminhos novos e próprios. [esse livro] não é “receitinha ideal” de como escrever a história, válida “para todos os tempos e todos os lugares”! É óbvio que essa é a minha visão, resultante histórica de minha própria posição. Infelizmente, é preciso desiludir-se de início: escrever história não é estabelecer certezas, mas é reduzir o campo das incertezas, é estabelecer um feixe de probabilidades... todas as conclusões são provisórias, pois podem ser aprofundadas e revistas por trabalhos posteriores. Um “saber absoluto”, uma “verdade absoluta” não servem aos estudiosos sérios e dignos do nome, servem aos totalitários, tanto de direita como de esquerda, que colocando-se como donos do saber e da verdade, procuram, por meio da explicação histórica justificar sua forma de poder. (BORGES, pp. 69-70)

Outro manual que foi muito utilizado nos cursos de história é o clássico Que é história?, escrito por Edward Carr e originalmente publicado em 1961. A seu respeito, pode-se destacar que o autor, referindo-se à historiografia inglesa, percebe que é o historiador o responsável pela organização e seleção para a produção da história. Portanto, a história é sempre uma história contemporânea:

O historiador começa com uma seleção provisória de fatos e uma interpretação também provisória, a partir da qual a seleção foi feita – tanto pelos outros quanto por ele mesmo. Enquanto trabalha, tanto a interpretação e a seleção quanto a ordenação de fatos passam por mudanças sutis e talvez parcialmente inconscientes, através da ação recíproca de uma ou de outra. Essa ação mútua também envolve a reciprocidade entre presente e passado, uma vez que o historiador faz parte do presente e os fatos pertencem ao passado. O historiador e os fatos históricos são necessários um ao outro. O historiador sem seus fatos não tem raízes e é inútil; os fatos sem seu historiador são mortos e sem significado. Portanto, minha primeira resposta à pergunta “que é história?” é que ela se constitui de um processo contínuo de interação entre o historiador e seus fatos, um diálogo interminável, entre o presente e o passado. (CARR, 2002, p. 65).

Dentre esses textos introdutórios, um dos mais marcantes é o de Marc Bloch. Considerado por muitos como o fundador da Antropologia Histórica, Bloch, em seu livro Apologia da história, parte do pedido de seu filho: “Papai, então me explica para que serve a história”.

Para o autor, esse problema revelava a importância da questão da legitimidade da história, no contexto da Segunda Guerra Mundial, após a ocupação da França pelos nazistas. Já na prisão, ele tenta responder àquela questão, que também provocava inquietação em muitos historiadores da época preocupados com os rumos da história da humanidade, frente à barbárie da guerra e do nazismo. Bloch reiterou sua convicção na obrigação do historiador de difundir e esclarecer essa questão. E, portanto, o historiador deveria: “saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes”. Jaques Le Goff, no prefácio, nos lembra que “este livro inacabado é um ato completo de história”. Realmente é um ato completo, pois Bloch foi fuzilado pelos nazistas, enquanto elaborava sua resposta, defensora da “compreensão” como a principal tarefa do historiador.

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Para refletir

“Uma palavra, para resumir, domina e ilumina nossos estudos: ‘compreender’. Não digamos que o historiador é alheio às paixões; ao menos, ele tem esta palavra, não dissimulemos, carregada de dificuldades, mas também de esperanças. Palavra, sobretudo, carregada de benevolência. Até na ação, julgamos um pouco demais. É cômodo gritar ‘à forca!’. Jamais compreendemos o bastante. Quem difere de nós – estrangeiro, adversário político – passa, quase necessariamente, por mau. Inclusive, para travar as inevitáveis lutas, um pouco mais de compreensão das almas seria necessário; com mais razão ainda para evitá-las, enquanto ainda há tempo. A história, com a condição de ela própria renunciar a seus falsos ares de arcanjo, deve nos ajudar a curar esse defeito. Ela é uma vasta experiência de variedades humanas, um longo encontro dos homens. A vida, como a ciência, tem tudo a ganhar se esse encontro for fraternal.” (BLOCH, 2001, p. 128).

Hoje, quando alguém entra na universidade e tenta responder à questão “o que é história?”, encontra uma grande diversidade de produções que se propõem a responder a tal pergunta.

Assim, a tarefa ficou mais complicada! Apresentamos uma tentativa de explicar um pouco. Lembra da Caixinha de dicas

da seção 3, unidade 1? Pois é, aqui está detalhado o item 1, em que se falou de alguns tipos de histórias produzidas por historiadores profissionais.

Dicas para sala de aula

Histórias construídas sobre a produção do conhecimento histórico, em circulação na atualidade:

1 – As que trabalham diretamente a questão dos sentidos e significados da história, seus principais conceitos, noções, dilemas e debates. São exemplos: Lucien Febvre, Combates pela história (1989); François Furet, A Oficina da História (1991); Peter Burke, A escrita da história (1992); Hayden White, Meta-história (1992); François Dosse, A história à prova do tempo (2001) e A história (2003);

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Michel De Certeau, A invenção do cotidiano (2000/2002); Roger Chartier, À beira da falésia, a história entre certezas e inquietude (2002); Keith Jenkins, A história repensada (2005); entre muitos outros.

2 – As que apresentam histórias dos historiadores ou introduções à historiografia. Algumas delas: Jaques Le Goff, A história nova (2005); François Dosse, A História em Migalhas (1989); Peter Burke, A Escola dos Annalles (1991); Paul Veyne, Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história (1998); Marie-Paule Caire-Jabinet, Introdução à historiografia (2003).

3 – As que expõem a variedade de abordagens, domínios e especialidades da história. Lynn Hunt, A nova história cultural (1992); Ronaldo Vainfas e Ciro Flamarion Cardoso, Domínios da História (1997); José D’Assunção Barros, O campo da história (2004); Peter Burke, A escrita da história: novas perspectivas (1992) e O que é história cultural? (2005).

4 – Além de dicionários, muito utilizados para nos auxiliar na compreensão de conceitos ou para nos ajudar a entender e contextualizar a leitura dos livros que acabamos de listar. Dois dos mais utilizados são: André Burguiére, Dicionário das ciências históricas (1993) e Maciel Henrique Silva e Kalina Vanderlei Silva, Dicionário de conceitos históricos (2005).

Todos esses historiadores concordam que a palavra “história” refere-se, ao mesmo tempo, aos acontecimentos que se passaram (passado) e aos estudos sobre esses acontecimentos (historiografia). O passado é objeto de atenção dos historiadores, e a historiografia é a maneira pela qual os historiadores o abordam. Dessa forma, o termo “história”, muitas vezes nos trabalhos, indica ambos os significados.

Para refletir

Que distinção pode ser feita entre passado (o que já aconteceu) e história/historiografia (produção dos historiadores sobre o passado)?

“A história, então, em ambos os sentidos da palavra – significando tanto o exame, conduzido pelo historiador quanto os fatos do passado que ele examina - é um processo social em que os indivíduos estão engajados como seres sociais. (...) O passado é inteligível para nós somente à luz do presente.” (CARR, 2002, p. 90).

“... a história constitui um dentre uma série de discursos a respeito do mundo. Embora esses discursos não criem o mundo

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(aquela coisa física na qual aparentemente vivemos), eles se apropriam do mundo e lhe dão todos os significados que têm. O pedacinho de mundo que é o objeto (pretendido) de investigação da história é o passado. A história como discurso está, portanto, numa categoria diferente daquela sobre a qual discursa. Ou seja, passado e história são coisas diferentes. Ademais, o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter uma, e apenas uma leitura histórica do passado. O passado e a história existem livres um do outro; estão muito distantes entre si no tempo e no espaço. Isso porque o mesmo objeto de investigação pode ser interpretado diferentemente por diferentes práticas discursivas (...), ao mesmo tempo que, em cada uma dessas práticas há diferentes leituras interpretativas no tempo e no espaço. No que diz respeito à história, a historiografia mostra isso muito bem.” (JENKINS, 2005, pp.23-24).

Como você acabou de ver, o passado já aconteceu! Foi! E a máquina do tempo ainda não foi inventada! Então, o que resta?

Resta a leitura e a interpretação desse passado por meio do material que se tem à disposição ou que pode ser criado no presente com os sujeitos que participaram dos processos históricos. Assim, o que está disponível em bibliotecas, arquivos, entrevistas são meios de produzir um entendimento de uma época, sempre a partir da própria época em que se vive. Mas, lembre-se sempre de perguntar a si mesmo: “Por meio da leitura de um autor específico, você chega ao passado tal como existiu ou à interpretação do autor ou do sujeito histórico sobre aquela época?”.

O que está sendo dito é que o passado sempre será estudado por meio de representações que partem de pontos de vistas diferenciados, que sempre selecionam e, portanto, excluem acontecimentos e sujeitos da história (historiografia) que se produz. Só se tem acesso ao “mundo” ou ao “passado” em forma de narrativas. Não se tem como sair delas, deixar de ser leitores ou autores delas, para verificar se correspondem a um suposto mundo ou passado reais.

Na prática, são elas mesmas que dão significados e moldam o que se entende por “realidade”. E, por isso, essas maneiras de ler o mundo precisam de interpretação/contextualização, pois estão sempre mudando, recompondo e posicionando o próprio mundo e os sujeitos e grupos que vivem concretamente nele. Ou seja, como passado e história não estão unidos, o mesmo objeto/sujeito é passível de muitas interpretações, diferentes no tempo e no espaço. Por isso, não se pode dizer que existe uma única leitura de qualquer fenômeno que seja.

Resultado desse movimento é a necessidade de se fazer uma autocrítica constante, produzindo continuamente novos conhecimentos; é estar sempre ciente de que os significados que são atribuídos ao passado, na história produzida no presente, podem ser bastante diferentes dos significados que as pessoas que viveram lá construíram sobre o seu próprio tempo!

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39SEÇÃO 2

A construção do conhecimento histórico na teoria e na prática

Como você viu até agora, a história é um discurso construído pelos historiadores e em constante transformação. Ou seja, da existência do passado não se pode deduzir uma interpretação única, pois ao mudar o olhar e/ou deslocar a perspectiva, aparecem muitas novas interpretações. No entanto, mesmo isso não sendo nenhuma novidade para os historiadores, a maioria parece desconsiderá-la, de caso pensado, e se empenha em alcançar a objetividade e a verdade mesmo assim. E essa busca pela verdade transcende posições ideológicas e metodológicas.

O que pode ser considerado como verdadeiro é que a simples escolha e o domínio de uma metodologia não definem que um trabalho histórico pode chegar a uma verdade única e definitiva, posto que as escolhas são sempre ideológicas, em todas as áreas. Arma-se o discurso histórico à medida que se acionam determinados conceitos (também construídos por historiadores, em seus tempos e espaços) que não são universais, ao contrário, sofrem mudanças com o tempo. Assim é feita a produção do conhecimento.

Dicas para sala de aula

De acordo com Keith Jenkins, a história, na teoria, é composta por três dimensões: a das epistemologias, das metodologias e das ideologias.

Saiba o que significa cada um desses termos: Epistemologias – São reflexões gerais em torno da natureza,

etapas e limites do conhecimento humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito e o objeto. Podem ser compreendidas como dimensões teóricas que refletem sobre o próprio sentido do conhecimento, como estudos da história, princípios, práticas, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico. As epistemologias analisam seus paradigmas, ou seja, os modelos de interpretação que cada área de conhecimento constrói para legitimar suas explicações. Atualmente, muitos historiadores afirmam que as dimensões epistemológicas da história são bastante frágeis e problemáticas, pois é consenso que o passado, objeto de referência do historiador, nunca poderá ser conhecido

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plenamente, objetivamente, como estes pretenderam por muito tempo. Por outro lado, não caberia mais à história essa pretensão, propondo-se outros sentidos, por exemplo, garantir a democracia, a tolerância e a emancipação humana, com o favorecimento da pluralidade de visões sobre o passado e o presente. A mudança de uma perspectiva para outra, considerando as subjetividades para a produção do conhecimento histórico, configura-se como um exemplo das transformações da própria dimensão epistemológica da história.

Metodologias – Podem ser definidas como modos de fazer, procedimentos ou técnicas, estabelecidos para realizar pesquisas, conduzindo à construção de conhecimentos. Com o surgimento da ciência moderna, pressupunha-se que os métodos científicos utilizados garantiriam o sucesso de uma investigação, rumo ao estabelecimento de uma única verdade sobre cada assunto. Porém, essa visão foi questionada, pois os seres humanos criaram inúmeros métodos de estudo e de pesquisa que poderiam levar a uma enorme diversidade de resultados, mesmo quando o objeto investigado era o mesmo. Atualmente, graças às reflexões do filósofo Edgar Morin - em Ciência com consciência (2005), - considera-se que a utilização de qualquer metodologia precisa se conjugar com uma atitude intelectual que busque a integração das múltiplas ciências e de seus procedimentos de construção de conhecimentos diversificados e complexos. Assim como em outras áreas do saber, são inúmeras as metodologias que os historiadores podem escolher para realizar suas pesquisas e todos concordam que – ao contrário do que se defendia em épocas anteriores – nenhuma delas estabelecerá uma única e definitiva explicação sobre qualquer assunto que seja. A defesa da livre escolha e combinação de diferentes metodologias é o reconhecimento de que metodologias são instrumentos importantes para aceitar e ao mesmo tempo contribuir para a diversidade e a complexidade de interpretações possíveis da realidade. Assim, objetividade e subjetividade fazem parte da construção do conhecimento. Dessa forma, os pesquisadores ofereceram alternativas de compreensão para que as pessoas escolham democraticamente como e quais conhecimentos construídos podem vir a contribuir com a melhoria de suas vidas.

Ideologias – São conjuntos ordenados de idéias, crenças, representações, normas e regras interdependentes, sustentadas pelos grupos sociais de qualquer natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos, econômicos ou culturais. Nenhum indivíduo ou grupo social é desprovido de crenças e valores, portanto, a ideologia é parte inerente da vida humana e das manifestações objetivas e subjetivas do pensamento e do conhecimento criados por nós para nos posicionarmos e

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entendermos o mundo. Dessa forma, mesmo que alguém não queira se posicionar ideologicamente e mesmo que não tenha consciência de qual é sua ideologia, ela não deixa de existir. Por muito tempo, para desmerecer alguns trabalhos de pesquisa, dizia-se destes que eram “ideológicos”, como se não fossem “objetivos”, “científicos”, como se a ciência pudesse ser neutra. Porém, atualmente, compreende-se que não cabe aos historiadores decidirem se terão ou não uma ideologia, mas sim se assumirão ou não quais são as suas, expondo suas subjetividades em seus trabalhos, para que aqueles que os leiam possam ter uma visão crítica do conhecimento ali produzido.

Dito isso, torna-se importante transformar a pergunta inicial desta unidade (o que é história) em: para quem é a história?

Assim, se ressalta que toda história produzida é destinada a alguém e foi feita por alguém (que partiu de pressupostos epistemológicos, escolhas metodológicas e posicionamentos ideológicos), mesmo que não tenha consciência do que significam todas as dimensões envolvidas na produção do conhecimento histórico.

Saiba mais

“... embora a esmagadora maioria dos historiadores de carreira se declare imparcial, e embora de certa maneira eles realmente consigam um ‘distanciamento’, é ainda assim esclarecedor ver que esses profissionais nem de longe estão fora do conflito ideológico e que eles até ocupam posições bem dominantes dentro de tal conflito – em outras palavras, é esclarecedor que as histórias ‘profissionais’ são expressões de como as ideologias dominantes formulam a história em termos ‘acadêmicos’.” (JENKINS, 2005, p. 44).

Agora que já foi problematizada a construção do conhecimento histórico na teoria, tente entender como ele se dá na prática do fazer do historiador.

Afinal, quem é o historiador? Pode-se dizer que o historiador é um trabalhador como outro qualquer que, quando vai trabalhar, leva consigo certas coisas identificáveis.

O que ele leva para realizar seu trabalho, consciente ou inconscientemente?

1 – leva a ele mesmo e suas ideologias: valores, posições, perspectivas políticas;2 – leva seus pressupostos epistemológicos: categorias, conceitos, pressuposições

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sobre qual conhecimento será produzido, mediante hipóteses, abstrações, vocabulário próprio de seu ofício, sem o qual não seria possível entender os trabalhos dos seus colegas de profissão;

3 – leva metodologias, ou seja, rotinas e procedimentos para (re)organizar seus materiais de modo a orientar suas escolhas e obter resultados de suas pesquisas.

Como ele realiza seu trabalho? 1 – transita entre obras publicadas de outros estudiosos e materiais não publicados,

normalmente chamados de fontes;2 – organiza todo esse material de forma nova e variada;3 – conclui, finalmente, seu trabalho quando elabora aulas, narrativas escritas ou

outros produtos históricos que transformam o “passado” em “história”. Mas, se ele é um trabalhador comum, tem-se que pensar também a que tipos de

práticas cotidianas e pressões está submetido.Quais as pressões que ele enfrenta para realizar seu trabalho?1 - pressões da família e dos amigos2 - pressões do local de trabalho3 - pressões relacionadas à edição, finalização e exposição de seu trabalho (Qual

extensão/tempo? Que formato terá? Para qual público/mercado? Quais prazos? Qual estilo literário/materiais didáticos? Que revisões críticas foram ou serão feitas? A partir delas, o que será reescrito/refeito?).

No entanto, como o historiador produz a história para alguém, seus textos ou produtos precisam ser lidos ou consumidos. E isso pode ser feito de forma totalmente diferentes das esperadas pelos historiadores. Pois, por um lado, não há como o historiador ter controle sobre as interpretações feitas de seu trabalho e, por outro, o leitor não tem como compreender exatamente o que o autor pretendia dizer. Como sabemos, contextos e leituras não se repetem. O que se pode dizer é que por conta do poder estabelecido, ocorrem interpretações e leituras em dados contextos mais ou menos previsíveis, produzindo alguns entendimentos comuns, consensos de caráter geral. Tal fato sucede porque as pessoas possuem afinidades que têm relação com suas necessidades de grupos e classes, porque vivem num sistema social e não isoladamente.

Síntese

Você viu nessa unidade que a história é um discurso problemático e em constante mudança, tendo como objeto um aspecto do mundo, o passado. Esse discurso é produzido por um grupo de trabalhadores cuja cabeça está no presente (e que, em nossa cultura são na imensa maioria, assalariados); que tocam seu ofício de maneira reconhecível uns para os outros (maneiras posicionadas em termos epistemológicos, metodológicos, ideológicos e práticos), e cujos produtos, uma vez colocados em circulação, vêem-se sujeitos a uma série de usos e abusos que são teoricamente infinitos; mas

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que, na realidade, correspondem a uma gama de bases de poder que existem naquele momento determinado e que estruturam e distribuem ao longo de um espectro do tipo dominantes/marginais os significados das histórias produzidas. O historiador Michel de Certeau, ao falar sobre como as pessoas reinventam seu cotidiano criando novas representações a partir das já existentes (inclusive as históricas), chamou esses usos e abusos de apropriações.

Mas veja: se, como o historiador Keith Jenkins, entende-se que a história é o que fazem os historiadores; que eles a fazem com base em frágeis comprovações; que a história é inevitavelmente interpretativa; que há pelo menos meia dúzia de lados em cada discussão e que, por isso, a história é relativa... se entende-se tudo isso, pode-se muito bem pensar: então para que estudá-la? Se tudo é relativo, para que fazer história? Em certo sentido, essa maneira de ver as coisas é positiva. É uma liberação, pois joga velhas certezas no lixo e possibilita desmascarar quem se beneficia delas. Então, em certo sentido, tudo é relativo mesmo! Porém, ao constatar essa característica, as pessoas se sentem num beco sem saída...

Mas não há necessidade disso: relativizar e desconstruir a história de outras pessoas é pré-requisito para construir a própria história, de maneira que se possa entender e saber o que se está fazendo. Constantemente é preciso lembrar que a história é sempre destinada a alguém, porque, embora, a lógica diga que todos os relatos são problemáticos e relativos, a questão é que alguns são dominantes e outros ficam à margem. Pode-se pensar que todos são a mesma coisa, mas não, pois estão hierarquizados. Por quê? O conhecimento está relacionado ao poder e os que têm mais poder distribuem e legitimam o que é considerado como conhecimento. A forma de escapar do relativismo na teoria é analisar o poder na prática. Portanto, uma perspectiva relativista pode conduzir a uma emancipação, pois você também poderá relativizar as histórias com as quais não concorda e produzir suas próprias .

Isso significa reconhecer que o ofício do historiador e a produção do conhecimento histórico são atravessados por relações de poder! Agora, ao invés de tentar ingenuamente responder apenas o que é a história, precisamos perguntar e responder: “O que significa história para mim ou para nós?” e “Para quem é a história?”.

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Seção 1

1) Sobre os autores citados que trataram da questão da produção do conhecimento histórico, é possível traçar linhas comuns entre suas idéias e explica ções?

2) Como foi dito nessa seção, a compreensão sobre “para

quê e como” se processa a produção do conhecimento histórico vem mudando e se avolumando. Quais os autores citados e quais as principais mudanças em seus modos de pensar?

3) A partir das reflexões presentes nessa seção, diferencie história e passado.

4) Classifique, de acordo com a numeração abaixo, os trechos de historiadores com histórias construídas sobre a produção de conhecimento em nossa área, em circulação na atualidade, a partir das caracterizações apresentadas na Caixinha de dicas:

1 – Os que trabalham diretamente a questão, os sentidos e significados da história, seus principais conceitos, noções, dilemas e debates.

2 – Os que apresentam histórias dos historiadores ou introduções à historiografia.

3 – Os que expõem a variedade de abordagens, domínios e especialidades da história.

4 – Além de dicionários, muito utilizados para auxiliar na compreensão de conceitos ou para ajudar a entender e contextualizar a leitura dos livros que acabamos de listar.

( ) “Desde o século 12 lançam-se as regras da erudição, mas a história só se torna uma paixão nacional nos séculos 14 e 15, quando ela encontra o público laico. Já na Idade Média, punha-se a questão do sentido da história e sua utilidade, a questão também da narração e do estilo na escritura da história. No entanto, durante os séculos, até o 17, a história foi preponderantemente considerada como uma disciplina menor ao lado da teologia, e o sentido da história permaneceu no âmbito dos desígnios da Providência. Os séculos 16 e 19 são os grandes séculos da escritura da história e da vontade de encontrar um equilíbrio entre erudição rigorosa cujas regras são lançadas, e preocupação de se construir um pensamento histórico.”

Fonte: CAIRE-JABINET, Marie-Paule. Introdução à Historiografia. Bauru, SP: Edusc, 2003, p. 9.

Atividades

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( ) “Seguir assim ‘à beira da falésia’ também permite formular mais seguramente a constatação de crise ou, no mínimo, de incerteza frequentemente enunciada hoje em dia acerca da história. (...) [Houve] a perda de confiança nas certezas da quantificação, o abandono dos recortes clássicos, primeiramente geográficos, dos objetos históricos, ou ainda, o questionamento das noções (‘mentalidades’, ‘cultura popular’, etc.), das categorias (classes sociais, classificações socioprofissionais, etc.), dos modelos de interpretação (estruturalista, marxista, demográfico, etc.) que eram os da historiografia triunfante. A crise de inteligibilidade histórica (...) fez a história perder sua posição de disciplina federalista no seio das ciências sociais.”

Fonte: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, pp. 7-8.

( ) “Ao publicarmos este Dicionário de conceitos históricos, acreditamos necessário,

antes de tudo, explicar os critérios que nortearam sua elaboração. Conceitos são

dinâmicos, têm historia. Não podem ser utilizados indiscriminadamente. Por

isso, tomamos o cuidado de especificar a natureza de cada conceito histórico. E

foram esses cuidados que nos serviram de critério para a escolha de, basicamente,

três tipos de conceitos: primeiro, os conceitos históricos, stritu senso, aquelas noções

que só podem ser utilizadas para períodos e sociedades particulares, como

Absolutismo, Candomblé, Comunismo. Em segundo lugar, conceitos mais abrangentes,

muitas vezes denominados categoria de análise, como Escravidão, Cultura, Gênero,

Imaginário, que podem ser empregados para diferentes períodos históricos. E por

último, conceitos que funcionam como ferramentas para o trabalho do historiador,

como Historiografia, Interdisciplinaridade, Teoria.” Fonte: SILVA, Maciel Henrique e SILVA, Kalina Vanderlei.

Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Ed. Contexto, 2005, p. 10.( ) “Ouve-se falar em História Cultural, em História das

Mentalidades, em História do Imaginário, em Micro-História, em História Serial, em História Quantitativa ... o que define esses e outros campos? É um dos objetivos deste texto contribuir precisamente para o esclarecimento relacionado a cada uma das várias modalidades em que, nos dias de hoje, freqüentemente, se divide o campo historiográfico. (...) a ampla maioria dos bons trabalhos historiográficos situa-se na verdade em uma interconexão de modalidades. Se são bons, são complexos. E se são complexos,

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hão de comportar algum tipo de ligação de saberes, seja os interiores ou exteriores ao saber historiográfico”.

Fonte: BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidade e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, pp. 7-8.

Atividades

1) Leia e analise os trechos de narrativas históricas abaixo,,versando sobre um mesmo tema, a situação dos trabalhadores brasileiros no início do século XX. Depois responda às questões a seguir: a) Cada autor/sujeito pode ter escrito suas reflexões em épocas diferentes ou na mesma época. Quais são elas?

b) Todos ressaltam aspectos comuns e diferenciados. Cite alguns deles.

c) Os autores utilizam conceitos variados, conforme sua área de conhecimento. Identifique essas características em sua resposta.

“A greve, segundo a polícia‘1917: greve geral dos operários da Companhia de Gás.

Reivindicam melhores salários (o eterno problema...). (...) 8 de julho de 1917: piquetes de mulheres grevistas, reforçados por milhares de operários (entre eles os da Companhia Antarctica), percorrem os estabelecimentos fabris (inclusive a Companhia de Gás), concitando os companheiros a aderirem ao movimento paredista. Um dos motivos alegados (motivo justo e humano) é o da elevação do custo de vida (...). Os trabalhadores, que no ano passado sofreram redução nos salários, pedem agora um aumento de 20% (os ‘patrões’ ofereceram 10%, que foi recusado). A essa altura dos acontecimentos, todo efetivo da Força Pública (...) encontrava-se

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Seção 2

1 – Para a realização do trabalho do historiador na teoria, estão presentes três dimensões, ao mesmo tempo objetivas e subjetivas, da produção do conhecimento em história.

a) Quais são elas?b) Explique como cada uma delas interfere no trabalho do

historiador. 2 – Como qualquer outro trabalhador, o historiador deve

desenvolver seu trabalho na prática.a) Para tanto, o que leva para realizá-lo? b) Como o realiza? c) Quais as pressões que enfrenta para realizá-lo?3 - Considere o último trabalho de faculdade que você teve

que fazer. Pense no esforço que empreendeu para fazê-lo. Faça uma reflexão/descrição por escrito desse processo.

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nas ruas – ocasião em que foi distribuído à tropa um boletim que finaliza nos seguintes termos:

‘Não vos presteis, soldados, a servir de instrumento de opressão dos Matarazzo, Crespi, Gamba, Hoffman etc. (sic), aos capitalistas que levam a fome ao lar dos pobres... Soldados! (...) os grevistas são vossos irmãos na miséria e no sofrimento, os grevistas morrem de fome, ao passo que os patrões morrem de indigestão! Soldados! Recusai-vos ao papel de carrascos. São Paulo, julho de 1917’.

[No dia 9 de julho], junto aos portões da fábrica Mariângela, no Brás, ocorreu sério choque entre a diminuta guarnição da F. P. e um piquete de grevistas (...) Durante a refrega perdeu a vida o operário José Ineguez Martinez (...). Foi responsabilizado por esse crime [um] soldado. (...) [O] crime iria tumultuar toda a capital (...) o movimento paredista (parcial) alastrou-se, arrastando demais operários para as ruas, num total de 70.000 (...), tomando forma de ‘guerra civil’ (...) bondes e outros veículos são incendiados... Armazéns e estabelecimentos fabris são saqueados e arrasados!”

Fonte: GANINI, Tenente Pedro. Fragmentos da História da Polícia de São Paulo, in Nosso Século, 1910-1930. São Paulo: Abril Cultural, 1981, p. 97.

“Os comunistas brasileirosOs anarquistas (...) Em 1917, o operariado nacional,

sentindo-se prejudicado, revoltou-se contra os baixos salários. Em São Paulo, os tecelões protestaram contra as condições de trabalho que lhes eram impostas pelos patrões e o movimento se alastrou com surpreendente rapidez. A polícia reprimiu a greve com truculência e matou um trabalhador, porém a mobilização se ampliou ainda mais e chegou a envolver cerca de 100 mil pessoas. Um comitê de jornalistas, com a aprovação do governo estadual, encaminhou negociações que levaram o empresariado a fazer algumas concessões.”

Fonte: KONDER, Leandro. História das Idéias Socialistas no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2003, pp. 41-42. (L. Konder é filósofo).

“O espaço industrial brasileiro – Concentração e desconcentração industrial

Os processos de industrialização promovem, sempre, a concentração espacial da riqueza e dos recursos financeiros e produtivos. Essa tendência de concentração espacial acompanhou a industrialização brasileira, desde o início do século XX. Em escala nacional, o seu resultado foi a configuração, no Sudeste, de uma região industrial central, dinâmica e integrada. O núcleo dessa região corresponde ao estado de São Paulo”.

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Fonte: MAGNOLI, Demétrio Paulo; ARAÚJO, Regina. Geografia, Paisagem e Território. São Paulo: Editora Moderna, 2001, p. 177. (D. Magnoli é jornalista e cientista social, Doutor em Geografia Humana; R. Araújo é geógrafa, Doutora em Geografia Humana).

“A Primeira República – Movimentos sociais urbanosO crescimento das cidades e a diversificação de suas atividades

foram os requisitos mínimos de constituição de um movimento da classe trabalhadora. As cidades concentraram fábricas e serviços, reunindo centenas de trabalhadores que participavam de uma condição comum. (...) Mesmo assim, não devemos exagerar. O movimento da classe trabalhadora urbana no curso da Primeira República foi limitado e só excepcionalmente alcançou êxitos. As principais razões desse fato se encontram no reduzido significado da indústria, sob o aspecto econômico, e da classe operária, sob o aspecto político. As greves só tinham repercussão quando eram gerais ou quando atingiam setores-chave do sistema agro-exportador, como as ferrovias e os portos. (...) Dentre as três greves gerais do período, a de junho/julho de 1917 em São Paulo permaneceu mais forte na memória histórica, a tal ponto que a atenção dos historiadores tende a se concentrar nela, esquecendo-se o quadro mais amplo das mobilizações. Apesar dessa ressalva, a greve de 1917 realmente merece uma referência especial por seu impacto e dramaticidade.

Começando por duas fábricas têxteis, ela abrangeu praticamente toda a classe trabalhadora da cidade, em um total de 50 mil pessoas. Durante alguns dias, os bairros operários do Brás, da Mooca e do Ipiranga estiveram em mãos grevistas. O governo mobilizou tropas, e a Marinha mandou dois navios de guerra para Santos. Afinal, chegou-se a um acordo com os industriais e o governo pela mediação de um Comitê de Jornalistas. Houve um aumento de salários, aliás logo corroído pela inflação, e vagas promessas de se atender às demais reivindicações. A onda grevista arrefeceu a partir de 1920 (...)”

Fonte: Fausto, Boris. História do Brasil. 6ª ed., São Paulo: Edusp/FDE, 1999, pp. 297-302.

“Perfil social de militante anarquista português expulso do Brasil em 1921

Português de Vila de Beira Alta, A. V. Coutinho era casado, alfabetizado e padeiro por profissão. Membro do Conselho Geral do Trabalho Operário na Federação dos Trabalhadores, tinha 24 anos quando foi expulso, após várias detenções, por sua participação no movimento grevista. Por ocasião de sua última prisão, foram apreendidos, em sua residência, um retrato de Kropoktin, evidenciando sua filiação ao comunismo-anárquico; um artigo datilografado intitulado ‘A Questão Social no Brasil’; um quadro

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O campo histórico

Fonte: BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidade e abordagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p.19.

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denominado ‘Um Flagrante do Tormento’, de inspiração anarquista, e os 36 livros dirigidos à causa operária. Partidário da Propaganda pela Ação, como vários padeiros da mesma nacionalidade, Coutinho exercia, sem dúvida alguma, liderança destacada no conjunto do movimento, o que parece comprovado pelo registro de inúmeros protestos contra sua expulsão.”

Fonte: MENEZES, Lená M. de. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na capital federal (1890-1930). Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1996, p. 110. In DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. O livro de ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 286.

2) De acordo com o quadro abaixo, o que caracteriza o campo da história?

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Compreender,interpretar,democratizar a História: umabusca da tole-rância e dadiversidade

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Esta unidade de encerramento retomará muitos dos assuntos trabalhados e,conseqüentemente, seus respectivos objetivos de aprendizagem; relacionando-os, porém, com novos conteúdos.. Assim, pode-se dizer que os cinco objetivos do fascículo serão abordados aqui, no entanto foram destacados os seguintes, relacionados ao fazer do historiador: promover de um maior entendimento do papel do historiador na criação e na interpretação da realidade histórica; refletir sobre o fato histórico e o trabalho com as diferentes fontes históricas; pluralizar e democratizar a produção do conhecimento histórico, sempre relacionando com as atividades de ensino e pesquisa.

ROTEIRO DE ESTUDO

Seção 1: Fatos e Interpretação

Seção 2: Fontes Históricas

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52 Para início de conversa

Como sempre, nosso trabalho começa com questionamentos. Os que nortearam a escrita desta unidade giraram em torno dos seguintes temas: Como se opera o trabalho do historiador? Como interpretamos os fatos? Como trabalhar com fontes históricas diferentes? Isso tudo para abordar as mudanças que se tem que operar para conseguir produzir um conhecimento que melhor explique o tempo atual.

O trabalho do historiador é o centro dos assuntos que trataremos nesta unidade. Assim, será tratado sobre como ele pode ser feito, a quais questões o historiador deve se preocupar em responder, como proceder com as especificidades dos documentos, e qual a finalidade de fazer tudo isso de forma reflexiva. Tais assuntos apontam para a importância da pluralização da produção do conhecimento histórico,tendo em vista o alargamento do viver democrático.

SEÇÃO 1

Fatos e interpretação

Quando se afirma que os significados dos fatos e o que se entende por tempo histórico dependem das interpretações dadas pelos historiadores, muitos perguntam: será que existem fatos ou tempos históricos que podem ser conhecidos em definitivo? Ou a história é mesmo só interpretação?

Saiba mais

Noção de tempo na história

“O tempo, como produção humana, é uma ferramenta da História, visível em instrumentos como o calendário e a cronologia. Cronologia é a forma de representar os acontecimentos históricos no tempo, o que exige um calendário e uma noção de contagem do

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tempo. Todas as civilizações possuem uma data que convencionam como o início do tempo e, logo, o início da história. Assim, contando a partir dessa data – que representa normalmente o início do mundo – demarcam os anos e os séculos, situando cada acontecimento. Nessa perspectiva, o calendário, o ano, o século e a cronologia são invenções da mais alta importância para a História como a entendemos hoje. Juntas compõem o tempo cronológico, medição adotada pelos historiadores. E, no entanto, cada cultura tem uma maneira específica de ver o tempo, muitas delas inclusive prescindindo do calendário. Dessa forma, nem todo tempo histórico é tempo cronológico, pois uma sociedade pode não registrar seus acontecimentos em uma cronologia, não possuindo uma organização de anos e séculos, sem que isso faça com que ela deixe de ter história. Nesse sentido, a História é a experiência humana pensada no decorrer do tempo, mesmo sem cronologia.”

(SILVA & SILVA, 2005, p. 390).

Considerando a definição de datas, início de uma guerra, ou ascensão de alguém ao poder, é legítimo responder que sim. Porém, tais fatos e datas, embora importantes e “verdadeiros”, são banais no âmbito das questões mais amplas que historiadores discutem, pois eles desejam descobrir “o que, como e por quê” algo aconteceu, além do que elas significaram e significam para diversos grupos com visões até mesmo antagônicas.

Atenção ! (...) embora possam existir métodos para descobrir “o que aconteceu”, não existe absolutamente nenhum método pelo qual se possa afirmar, de uma vez por todas, “ponto final”, o que os “fatos” significam. (...) Não há método que estabeleça significados definitivos; a fim de terem significado, todos os fatos precisam inserir-se em leituras interpretativas que obviamente os contêm, mas que não surgem pura e simplesmente deles. (JENKINS, 2005, p. 60-61).

Algumas pessoas podem afirmar que esse problema seria facilmente resolvido se o historiador se colocasse no lugar das pessoas do passado. Assim, ele saberia de suas dificuldades e pontos de vista, e teria uma compreensão histórica real. Ou seja, veria o passado do ponto de vista do próprio passado.

Mas você acha que seria possível um historiador estabelecer tal empatia, isto é, “entrar na cabeça” das pessoas ou mesmo tentar “reviver” o passado para explicar o que realmente aconteceu?

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Parece que isso é impossível, inalcançável, por quatro razões principais:

Duas delas são de ordem filosófica:1 – Estudos filosóficos mostraram que não é possível “entrar na cabeça” de uma

pessoa que se conhece bem, nem de um número enorme de pessoas, muito menos das que estão distantes no tempo e no espaço.

2 – Outros estudos mostraram que todo ato de comunicação acarreta um ato de interpretação e, assim, os historiadores, queiram ou não, transportam seu modo de pensar para o passado.

Outras duas razões são de ordem prática:3 – Não há como o historiador pensar da forma existente no passado, pois é

impossível eliminar as questões teóricas e práticas que envolvem seu ofício (trabalhadas na unidade 2), que o fazem pensar da forma que pensa.

4 – Professores de história constataram que é um recurso didático falho pedir para que os alunos, em uma sala de aula, coloquem-se na situação de personagens históricos, pois somente se pode “aproximar” desses personagens e dos fatos a eles ligados de forma indireta e mediada por meio dos escritos dos historiadores e das ações dos professores.

Assim, o que se pode imaginar é que, apenas mediante muita interpretação crítica, os historiadores talvez adquiram uma compreensão provisória, subjetiva e incerta do que aconteceu no passado.

De qualquer maneira, o que não se pode deixar acontecer é que os historiadores ignorem essas reflexões, supondo que as interpretações derivam diretamente do que pensam os personagens históricos ou dos fatos passados. Toda interpretação feita é temporária e localizada, nunca exata, “objetiva” e “científica”. Nunca é uma verdade absoluta.

A noção de verdadePode até parecer que já se falou desse assunto, mas cabe aqui explorar

dois campos:1 – Por que continuar procurando verdades do passado?2 – Como é que o termo “verdade” opera nos discursos da história?

Na cultura ocidental, historicamente se valoriza a busca pelas certezas e, portanto, pela verdade. Mas isso não é natural, e sim uma construção cultural e histórica, como já foi dito. Isso é justificado pelas visões ocidentais das filosofias da história, pelo senso comum e pelas práticas cotidianas educacionais. Cobram-se sempre das crianças e jovens que “falem a verdade”, que afirmem com certeza isso ou aquilo. Pede-se para que contem sobre como “exatamente” ocorreu tal fato, para que não sejam parciais. Como se a realidade não fosse complexa como é! Como se fosse possível olhar de fora, oniscientemente, como um deus, o que está se passando e ser imparcial nas opiniões emitidas!

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Dessa forma, também para a história, a noção de verdade serve para dar potência, legitimidade e objetividade ao que está sendo dito. Porém, tudo é uma convenção arbitrária, que estabelece uma relação entre palavras e coisas, sem que haja uma correspondência entre ambas. Michel Foucault foi um dos filósofos contemporâneos que se empenhou em mostrar a ruptura entre a palavra e as coisas do mundo, entre os signos e seus significados. (FOUCAULT, 2002).

Por exemplo, quando se diz algo aparentemente simples como ROSA, essa palavra pode ter, no mínimo, três significados: uma cor, uma flor ou ainda o nome de uma mulher! Imagine, então, quando se diz CLASSE SOCIAL!? A quais dos inúmeros grupos sociais existentes em nossa sociedade pode-se estar referindo? Será que aqueles que são colocados arbitrariamente nessa classificação se julgarão pertencentes a ela? E, ainda assim, será que por estar nessa classe, todos agem da mesma maneira? E o que entender sobre CULTURA? São modos de vida? Ou são conjuntos de manifestações artísticas? Essa é uma palavra das mais utilizadas pelos historiadores e cientistas sociais com significados e contextos tão plurais que não haveria espaço nessa reflexão para expô-los...

Você mesmo viu que quando dizemos HISTÓRIA, pode-se estar referindo a várias coisas, mesmo no contexto deste fascículo (passado que já passou, historiografia, acontecimentos, área de conhecimento...) E, como já foi visto, ninguém vai garantir que você entenda exatamente o que havia na cabeça das autoras na hora em que foram escritas essas linhas! Você terá liberdade para interpretar da forma que lhe convier...

O que isso significa? Significa que não há verdade absoluta, não há uma correspondência direta entre o que é o dito ou escrito e a realidade existente, pois o real é muito mais complexo do que uma palavra ou um conjunto de palavras podem pretender abarcar, mesmo se forem contextualizadas... Nossas formulações podem comunicar muitas coisas, de acordo com quem se apropria delas! Por isso, é preciso reconhecer a limitação e parcialidade das verdades sempre construídas a partir do que cada um é, ou seja, um ser humano, localizado no tempo e no espaço, entre outros bilhões que aqui existem e existiram, e que pensam, sentem, enxergam, falam, escrevem de formas diferentes e variadas.

No entanto, apesar de se ter constatado a discrepância entre a palavra e o mundo, e o fato de todos os significados/verdades serem criados em circunstâncias incertas, as coisas ainda parecem corresponder-se. Por quê? Porque a cultura ocidental tem uma longa tradição dominante na qual a verdade e a certeza são consideradas descobertas e não criações. O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos afirma que este é o paradigma dominante, ou seja, o modelo de interpretação do mundo que é considerado válido. Mas, ao construir um discurso crítico sobre a ciência, ele mostrou que esse modelo entrou em crise com as próprias transformações dos modos de se fazer ciência. Surgiu um paradigma emergente, no qual a idéia de verdade absoluta foi substituída pela idéia de pluralização das verdades, que agora são vistas como sempre criadas e não descobertas.

Contudo, é o modelo interpretativo, isto é, o paradigma da ciência moderna (tão questionada atualmente), que ainda vigora nas escolas e universidades, fazendo erroneamente as pessoas pensarem que seus métodos, inspirados nas ciências ditas exatas, poderiam conduzi-las à verdade absoluta. (SANTOS, 2002, 2005).

Hoje, o que se considera é que as verdades são criações de quem tem poder para torná-las “verdadeiras”. Porque o poder impede de se dizerem certas coisas e expressarem-se outras. Esses argumentos são totalmente aplicáveis à História, pois um

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historiador profissional pode incluir-se na história existente até então ou contestá-la com a divulgação de seus trabalhos. Por exemplo, até bem pouco tempo atrás, apesar de a história ser construída e vivida por homens e mulheres, não era difícil imaginar narrativas que generalizavam os sujeitos: “o burguês é um homem acostumado com a diversidade e a mudança”; “o operário vivia em péssimas condições”; “o homem dos tempos medievais...”; “o homem moderno...”; “o homem pós-moderno...”.

Saiba mais

Para saber mais sobre essas idéias, leia o texto de Michel Foucault:

“A história não está fora do âmbito do poder [...] é produzida apenas em virtude de múltiplas formas de repressão. [...] Cada sociedade tem [...] sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos; a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

[...] por ‘verdade’, não quero dizer ‘o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir e a aceitar’, mas ‘o conjunto das coisas verdadeiras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e das regras [que] se atribui aos verdadeiros efeitos específicos de poder’, entendendo-se também que não se trata de um combate ‘em prol’ da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do papel econômico e político que ela desempenha.

A ‘verdade’ deve ser entendida como um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. A ‘verdade’ está ligada [...] a sistemas de poder, que a produzem e sustentam [...] Um ‘Regime da verdade’.” Fonte: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, pp. 12-14.

Depois de se questionar a noção de verdade, fica mais fácil entender que o termo “parcial” para qualificar/desqualificar um trabalho ou alguém, não faz sentido. Afinal, como você viu, todo conhecimento produzido sempre será parcial...

Atenção! Portanto, a imparcialidade, por tanto tempo defendida pelos historiadores, não existe!

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O discurso sobre a parcialidade historiográfica aparece com maior freqüência num tipo específico de história que está comprometido com a idéia de que, de algum modo, o passado pode ser recriado objetivamente.

Os historiadores sabem que chegar a relatos definitivos é uma meta inalcançável, mas procuram chegar a ela. Para eles, parcialidade significa distorcer fontes para validar uma tese, ocultar documentos, falsificar provas... Porém, a história pode ser produzida de outras formas e a partir de novas idéias. Ela pode ser vista como a maneira pela qual grupos e/ou classes dão sentido a seu próprio passado apossando-se , apropriando-se dele. Por conseguinte, pode-se elaborar o passado de modo que tenha significado para diferentes posições políticas, ideológicas e teóricas. É claro que, em cada uma dessas visões, haverá mecanismos de verificação para validar as interpretações dadas que, por vezes, podem se opor democraticamente. Afinal, como vivemos numa democracia, não podemos simplesmente apagar as interpretações e diferentes perspectivas com as quais não concordamos. Pode-se combatê-las, mas não ignorá-las ou autoritariamente excluí-las, como se não existissem! Pois, ao agir assim, você estará autorizando que façam o mesmo com você (seu grupo ou classe social) e a sua visão da história...

Não é fato notório que um grande número de historiadores (todos honestos e escrupulosos) vão às mesmas fontes e produzem relatos diferentes? Não é fato que todo historiador tem suas próprias e muitas narrativas para contar?

Nesse sentido, olhando a história dessa maneira (como uma série de interpretações, todas elas posicionadas) fica claro não existir nenhum critério não-posicionado com que se possa julgar o grau de parcialidade. A pretensão de que é possível detectar a parcialidade e erradicá-la bastando seguir “o que as fontes dizem”, vê-se destruída e solapada pelo fato de que as fontes não são mudas. São os historiadores que formulam tudo que as fontes dizem com as interpretações que fazem delas .

Para refletir

Atualmente, afirmar com tom de desprezo e de desqualificação que “tal grupo é parcial” não tem muito sentido, ou melhor, é bastante problemático, posto que:

1 – dizer-se imparcial é fundamental para aqueles que querem impor sua interpretação como sendo a “central”, a única, a de todos;

2 – essa prática também costuma afirmar o absurdo de que supostamente “os fatos falam por si”.

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Essa forma de pensar está vinculada ao (neo)liberalismo que, como prática dominante, está presente em todas as instituições de ensino. Temos certeza de que você, assim como outros, tem dificuldade de entender essa problemática... Afinal, quantas vezes já se falou e se ouviu de professores e colegas que quem faz história precisa julgar, pesar as coisas e ver ambos os lados, pesquisar a “história pela história”, já que ela parece falar por si mesma sem mediação?!

Essa é, infelizmente, a prática dominante, que mascara as relações de poder e as ideologias existentes em todo o processo de trabalho de professores e historiadores.

Muitos foram educados para proceder como se esse jeito de fazer as coisas fosse o único válido, “científico”, “objetivo”, “neutro”, “confiável”, “bom”... Ele se universalizou e institucionalizou sua noção de “relato fiel”, afirmando ser possível alcançar a verdade se a parcialidade for detectada e erradicada.

Se, no fim das contas, tudo é interpretação, e se a parcialidade de uns é a verdade de outros, como fica o historiador? O problema da parcialidade é especificamente colocado por aqueles que querem estabelecer sua prática como dominante, distribuindo seus problemas como se fossem os de todos. Mas se sabe atualmente que não é assim. Outros discursos têm seus próprios problemas não expressos nesses termos. Quando alguém tenta dar respostas aparentemente equilibradas a partir de uma suposta posição central e neutra, fica a dúvida: centro de quê? O que acontece caso seja deslocado quem se julga na posição central para a periferia (seja à esquerda ou à direita) e trouxer para o centro o que antes era periférico? Você verá que não só o centro é des-centrado, mas também todo aquele conceito se torna problemático! Pois as explicações sobre o mundo podem partir de várias posições que são centrais apenas para as pessoas que as produziram. O fato é que caso acredite-se nelas, busca-se, por meio de disputas de poder, torná-las centrais, ou seja, fazê-las mais importantes do que as outras.

Dessa forma, não existem centros em si, mas posições dominantes e marginalizadas, todas elaboradas e interpretadas por historiadores e outros estudiosos. E caso haja certeza de que tais posições são ideológicas, e que qualquer discurso se posiciona ideologicamente, volta-se à questão colocada na unidade 2, de que as histórias sempre se destinam a alguém, ou seja, para quem é a história.

Atenção! É preciso considerar que muitos dos termos que os historiadores consideraram fundamentais para analisar os processos históricos (causa e efeito; continuidade e mudança; semelhança e diferença) também são muito relativos, porque são construções simplificadoras dos conhecimentos. Por isso mesmo, é preciso problematizá-los e não usá-los como conceitos naturalizados, sem história, capazes de explicar tudo.

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Se os historiadores tivessem condições de determinar as causas e conseqüências de cada tema que estudassem, até onde seria necessário recuar no tempo e no espaço para oferecer uma análise satisfatória das causas necessárias e suficientes de um acontecimento? Ou ainda, de acordo com que visão de teoria da história você poderia responder aos questionamentos de uma pesquisa?

Veja alguns exemplos relacionados ao tema Globalização, um dos mais importantes dos tempos atuais:

Pelo viés marxista, predomina um olhar econômico e político que valoriza a luta de classes. A partir disso, que data é importante no contexto da globalização? Que acontecimento é decisivo?

Podemos listar muitos, tais como: queda do Muro de Berlim; Fim da União Soviética; organização dos blocos econômicos (Mercado Comum Europeu, Nafta, Mercosul...); surgimento do movimento antiglobalização.

Pelas interpretações inspiradas nos trabalhos dos historiadores franceses da Escola dos Annales, ou então no campo da chamada História Cultural, predomina um olhar sobre as mentalidades, os comportamentos, as culturas, as apropriações, o cotidiano, a vida privada. Então, a partir disso, que data é importante no mesmo contexto da globalização? Que acontecimento é marcante?

Pode-se fazer uma nova e imensa lista, onde figurariam episódios como: o uso generalizado das novas tecnologias de comunicação (internet, tv a cabo, celulares, notebooks...); o aumento da individualização e do isolamento das pessoas; o surgimento de culturas híbridas que mesclam referências tradicionais com as da cultura de massa global; a emergência de novas configurações familiares, novas relações de gênero, de geração e de etnias.

E então, diante desse panorama geral, que nada mais é do que um pequeno recorte, pergunta-se: o que é causa e conseqüência de quê? Onde é possível demarcar com clareza e certeza o que é mudança e continuidade? A partir de quais critérios pode-se dizer que algo é semelhante ou diferente?

Conforme você viu, como não há uma única forma de enxergar e escrever a história, cada olhar possível valorizará aspectos explicativos diferentes, que considerarão importantes e válidos, para entender o passado de acordo com as teorias, as metodologias, as ideologias e os conceitos deles decorrentes, construídos e aplicados nas pesquisas.

SEÇÃO 2

Fontes Históricas

Como foi dito, o professor e o historiador realizam seu trabalho a partir da (re)organização e interpretação de fontes históricas. Veja agora uma das definições atuais mais aceitas sobre o que é fonte histórica.

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Para refletir

“Fonte histórica, documento, registro, vestígio são todos termos correlatos para definir tudo aquilo produzido pela humanidade no tempo e no espaço; a herança material e imaterial deixada pelos antepassados que serve de base para a construção do conhecimento histórico. O termo mais clássico para conceituar a fonte histórica é documento. Palavra, no entanto, que, devido às concepções da escola metódica, ou positivista, está atrelada a uma gama de idéias pré-concebidas, significando não apenas o registro escrito, mas principalmente o registro oficial. Vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: que os mitos, a fala, o cinema, a literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-se fonte para o conhecimento da história.” (SILVA & SILVA, 2005, p. 158).

É preciso ressaltar que um mesmo texto documental é passível de múltiplos usos – que alguns, de início, denominariam como fonte primária ou secundária – dependendo do objetivo da pesquisa. Por exemplo, você pode usar um livro de outro historiador para debater suas idéias ou para analisar como fonte sobre algum tema.

Mas o importante é saber que não existe mais a necessidade de se estabelecer essa categorização das fontes, muitas vezes tentando demonstrar que algumas podem ser mais “profundas” ou “verdadeiras” do que outras, pois todas contêm subtextos que podem ser interpretados infinitamente, conforme os objetivos do pesquisador. Assim, nenhum exame exaustivo ou em “profundidade” de qualquer fonte histórica garantirá que as pesquisas que se utilizaram delas sejam definitivas e inquestionáveis. Portanto, os historiadores quando fazem seu trabalho de pesquisa vão não ao fundo, mas para os lados, passando de um conjunto de fontes a outro, fazendo estudos comparativos.

Se não se enxerga isso e usa-se a palavra “fonte” sem compreendê-la no sentido de “vestígios”, de “indícios”; e denomina-se como “primárias” algumas daquelas fontes; e , às vezes, substitui-se “primárias” por “originais”; isso pode dar a entender erroneamente que, indo aos originais, “provas” serão encontradas e se chegará à verdade/profundidade.

Atenção! Portanto, lembre:a) o passado aconteceu e não há como “resgatá-lo”;b) ficaram vestígios dele que são utilizados como fontes históricas;c) esses vestígios estão lá, sem importar se o historiador vai a eles ou não;d) é equivocado utilizar o termo “prova” para denominar os vestígios

ou fontes históricas, pois, quando isso é feito, parece que você é o dono da verdade, que pode provar por A + B o que exatamente aconteceu no passado. O que já se viu que é impossível, pois o seu trabalho é uma dentre as inúmeras interpretações possíveis.

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A idéia de “prova” é produto do discurso do historiador positivista que quer legitimar sua interpretação como a única verdadeira e definitiva. O professor e o historiador do século XXI não precisam mais dessa idéia para (re)organizarem os vestígios do passado e validarem suas interpretações. Pois, mais do que tentar provar qualquer coisa, atualmente seu trabalho busca abrir várias possibilidades de compreensão do passado, sempre a partir dos problemas do presente e da percepção de que grupos e pessoas existem em disputa na sociedade.

No entanto, muitos historiadores ainda insistem em usar a idéia de prova, como se num passe de mágica pudessem legitimar seus argumentos. Usando palavras como prova e verdade, as fontes históricas são projetadas num âmbito que, pretende-se, esteja para além ou fora do discurso que é elaborado com elas. É como se as fontes históricas pudessem fazer parte de um discurso que existiria antes do próprio discurso sobre a história! Mas isso não é possível, pois as próprias fontes chegam aos historiadores como formas discursivas, sejam documentos escritos, orais, audiovisuais ou da cultura material. Todas elas também foram produzidas por alguém em alguma época específica e possuem estruturas narrativas e formas estéticas que se entrelaçam com seus conteúdos, oferecendo possibilidade de construção de sentidos e significados para os que quiserem interpretá-las...

Por isso, é mais do que necessário trabalhar em sala de aula com fontes históricas. Essa prática ajuda a formar as novas gerações de maneira que elas possam pensar, refletir, contextualizar e construir novas fontes e novas interpretações do mundo. Cabe, portanto, aos professores, conhecer a história, a diversidade, as linguagens e os recursos para trabalhar com esses vestígios, não delegando esse papel apenas ao historiador acadêmico e profissional ou aos autores de livros didáticos.

Para auxiliar você nesse trabalho, será utilizado o livro Fontes Históricas (PINSKY, 2005), no qual vários autores dão dicas sobre como lidar com os vários vestígios de que o historiador e o professor de história podem dispor.

Dicas para sala de aula

Como trabalhar com fontes de arquivos

Veja as dicas de Carlos Bacellar, no capítulo “Fontes documentais: uso e mal uso dos arquivos” (PINSKY, 2005, p. 72):

•Conhecer a origem dos documentos (estudar o funcionamento da máquina administrativa para entender o contexto de produção dos documentos).

•Descobrir onde se encontram os papéis que podem ser úteis para a pesquisa.

• Preparar-se para enfrentar as condições de trabalho do arquivo escolhido.

•Localizar as fontes no arquivo com base em instrumentos UNIDADE III

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de pesquisa e investigações adicionais, munido de muita paciência.•Usar luvas, máscara e avental no contato direto com os

documentos.•Manusear os papéis com cuidado, respeitando seus limites.

Trabalhar com lupa e régua leve. Colocar sob o documento frágil uma folha de papel sulfite.

•Manter os documentos guardados na ordem encontrada.• Assenhorear-se da caligrafia e das formas de escrita do

material. (...)• Aprender e aprimorar-se em técnicas de levantamento,

seleção e anotação do que é interessante e de registro das referências das fontes para futura citação.

•Observar as regras existentes para transcrições e edições. Anotar a referência do documento transcrito e indicar todos os dados que permitam identificá-lo. (...)

•Trabalhar com número adequado de casos que garantam margem aceitável de segurança para fazer afirmações, especialmente de caráter quantitativo e generalizante.

•Contextualizar o documento que se coleta (entender o texto no contexto de sua época, inclusive o significado das palavras e das expressões empregadas).

• Estar atento às medidas utilizadas por quem produziu o documento, assim como a seus critérios, vieses e problemas de identificação de pessoas.

Cruzar fontes, cotejar informações, justapor documentos, relacionar texto e contexto (...).

Como trabalhar com fontes da cultura material

Agora veja as dicas de Pedro Paulo Funari, em “Fontes arqueológicas: os historiadores e a cultura material” (PINSKY, 2005, p.108):

•Buscar ferramentas interpretativas (modelos de interpretação, leituras de caráter metodológico, antropológico, sociológico e filosófico que devem ser feitas pelo pesquisador).

•Estudar as informações já registradas sobre a sociedade analisada.

• Abordar as fontes arqueológicas tendo em vista a possibilidade do paralelo etnográfico (formular conceitos que destaquem o meio de subsistência, acerca de grupos de caçadores-coletores, agricultores-ceramistas...).

•Estudar os indícios materiais e os textos em conjunto.•Estar atento às diferenças e contradições entre as fontes

arqueológicas, escritas e outras.•Explorar também as fontes arqueológicas referentes aos

segmentos sociais pouco presentes nas fontes escritas.

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• Atentar para os indícios de conflitos e tensões sociais presentes nas fontes arqueológicas.

• Fichar o conteúdo (constar uma reprodução do objeto com escala em que se mencionam matéria-prima, técnica de produção, proveniência, local de produção se conhecido e dimensões em centímetros) das fontes arqueológicas em separado, com procedimentos próprios.

Como trabalhar com fontes impressas

Veja uma seleção de dicas de Tania Regina de Luca, no artigo “Fontes impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos” (PINSKY, 2005, p.142):

•Encontrar as fontes e constituir uma longa e representativa série.

•Localizar a(s) publicação(ções) na História da imprensa.• Atentar para as características de ordem material

(periodicidade, impressão, papel, uso/ausência de iconografia e de publicidade).

• Assenhorear-se da forma de organização interna do conteúdo.

• Caracterizar o material iconográfico presente, atentando para as opções estéticas e funções cumpridas por ele na publicação.

•Caracterizar o grupo responsável pela publicação.•Identificar os principais colaboradores.•Identificar o público a que se destinava.•Identificar as fontes de receita.•Analisar todo o material de acordo com a problemática

escolhida.

Como trabalhar com fontes orais

Veja algumas dicas de Verena Alberti quando escreve sobre “Fontes orais: histórias dentro da história” (PINSKY, 2005, p.190-191):

•Elaborar o projeto de pesquisa (explicitar claramente o tema de pesquisa e qual questão está sendo perseguida).

•Definir que tipo de pessoa será entrevistada, quantos serão entrevistados e qual tipo de entrevista será realizada.

•Contactar os entrevistados e providenciar todo o material necessário à realização da entrevista (equipamento técnico, documento de cessão de direitos).

•Elaborar os roteiros das entrevistas (o roteiro geral e os roteiros individuais).

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•Reservar um tempo relativamente longo para a realização da entrevista.

•Ao iniciar a gravação, gravar uma espécie de "cabeçalho" da entrevista, informando o nome do entrevistado, do(s) entrevistador(es), a data, o local e o projeto no qual a entrevista se insere.

•Usar, de preferência, perguntas abertas.•Aproveitar outros recursos que estimulem o depoimento

(fotografias, recortes de jornal, documentos e menção a fatos específicos).

•Duplicar a gravação.•Transcrever o material, se for necessário.•Produzir instrumentos de auxílio à consulta, como sumários

e índices temáticos.•Editar o texto, se for publicado.•Analisar os depoimentos (...)

Como trabalhar com fontes biográficas

Observe algumas dicas de Vavy Pacheco Borges em “Fontes biográficas: grandezas e misérias da biografia” para o trabalho com biografias (PINSKY, 2005, p.228):

•Estudar e analisar o que já foi escrito antes sobre o indivíduo biografado e procurar formar uma opinião a respeito a partir de sua própria pesquisa.

•Aceitar e destacar a subjetividade, evitando o psicologismo.•Estabelecer critérios e selecionar fatos significativos para a

narração.• Aproveitar também as ausências e vazios existentes na

documentação.•Estabelecer uma cronologia, um esquema de parentesco,

uma árvore genealógica e outros instrumentos necessários à melhor compreensão da vida do biografado.

•Atentar para os condicionamentos sociais do biografado.•Definir como o contexto social será apresentado na narrativa

biográfica.•Evitar finalismos, buscando as possibilidades com as quais

o biografado pode ter se defrontado.•Trabalhar com as diferentes temporalidades.• Desenvolver uma narrativa atraente e de qualidade em

termos historiográficos e literários.

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Como trabalhar com fontes audiovisuais

Marcos Napolitano, no artigo nomeado “Fontes audiovisuais: a história depois do papel” faz um apanhado sobre o trabalho com fontes relacionadas à música, ao cinema e à televisão (PINSKY, 2005, pp. 281-283):

Música•Escolher o suporte material (fonograma ou partitura).•Coletar a documentação para a análise tendo em vista o

período, o objeto e a problemática da pesquisa.• Delimitar historicamente o fonograma ou a partitura

analisados. •Empreender uma audição sistemática e repetida diversas

vezes.• Analisar letra, estrutura musical, sonoridades vocais e

instrumentais, performances visuais e outros efeitos extramusicais (que são indissociáveis, mas devem ser decupados no momento inicial da pesquisa).

•Buscar, em seguida, o sentido da fonte musical na rearticulação desses elementos, formando uma crítica interna ampla.

•Anotar os registros objetivos e as impressões.•Cotejá-los com o contexto extramusical (dados da biografia

dos compositores, cantores e músicos; ficha técnica do fonograma; críticas musicais e textos explicativos dos próprios artistas envolvidos; dados de consumo da canção e outras informações que completem os sentidos intrínsecos que uma canção pode conter).

•Empreender a análise contextual.•Mapear as "escutas" (crítica, público e os próprios artistas)

que dão sentido histórico às obras musicais, apoiando-se nos materiais e na linguagem que estruturam cada peça musical.

•Cotejar as manifestações escritas da escuta musical (crítica, artigos de opinião, análises das obras, programas e manifestos estéticos etc.) com as obras em sua materialidade (fonogramas, partituras, filmes).

Cinema•Definir a abordagem: o cinema na História, a história no

cinema ou História do cinema.•Assistir sistemática e repetidamente aos filmes que constituem o

corpo documental da pesquisa, buscando articular análise fragmentada (decupagem dos elementos de linguagem) e síntese (cotejo crítico de todos os parâmetros, canais e códigos que formam a obra).

•Familiarizar-se com algumas regras estruturais básicas que norteiam o tipo de cinema ("clássico" ou "moderno") em que se estrutura o filme.

•Buscar os elementos narrativos: "o que um filme diz e como o diz".

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• Identificar os elementos narrativos ou alegóricos da encenação do filme a partir de planos e seqüências, técnicas de filmagem e narração, elementos verbais, imagéticos e musicais.

•Produzir um "fichamento" que tente dar conta da riqueza da imagem em movimento e suas conexões ao longo do filme analisado, procurando informar sobre a natureza da linguagem e as estratégias de abordagem do tema do filme operadas pelos realizadores.

•Levar em conta que todo filme, ficcional ou documental, é manipulação do "real".

•Entender o sentido intrínseco de um filme para analisá-lo como fonte histórica. Observar o filme como o conjunto de elementos que buscam encenar uma sociedade, nem sempre com intenções políticas ou ideológicas explícitas.

• Resgatar os diálogos do filme analisado com outros documentos, discursos históricos e materiais artísticos.

Televisão•Entender a natureza específica dos gêneros televisuais e

como eles operacionalizam as regras gerais do audiovisual.•Fazer fichamento do material televisual construindo campos

de registro, informação e comentário, de acordo com o gênero, a linguagem e a função do referido programa.

• Encarar a linguagem da televisão (compreendendo as estratégias dos diversos gêneros e tipos de televisão) como um conjunto de operações de registro, seleção, edição, e realizar o movimento inverso dessas operações, desconstruindo os fatos descritos ou os eventos narrados pelo documento televisual.

• Observar a televisão como uma nova experiência social do tempo histórico que faz confluir o "real" e o "imaginário" no fluxo do presente.

Como você acabou de estudar, o trabalho com fontes históricas em sala de aula pode ser bastante interessante, amplo e variado. E pode proporcionar ao estudante uma visão mais crítica da própria história e dos problemas do presente, situando-o num contexto em que muitos se sentem desnorteados, sem projetos, sem perspectivas.

Você não acha que os estudantes e os professores, ao perceberem os documentos como construções de pessoas e grupos que defenderam posições, projetos, ações, que assim transformaram os sentidos da história, podem se sentir também como sujeitos produtores de conhecimento, ativos diante da realidade que os rodeia?

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Para tanto, é preciso incentivar na sala de aula e na escola um trabalho pedagógico que conte com uma grande pluralidade das fontes históricas, permitindo praticar junto com os estudantes a formulação de perguntas aos documentos, construindo inúmeras respostas e interpretações possíveis, valorizando os olhares múltiplos e não apenas as histórias dominantes. Assim como os autores do livro O imaginário e o poético nas Ciências Sociais, há possibilidade de defender que, no estudo das fontes históricas, é preciso se dedicar: “... às dimensões menos prezadas da vida social, aos recantos do imaginário, e da poesia que há no viver dos que sonham, mesmo na adversidade. Trazer ao leitor as perspectivas das ciências sociais em outras linguagens é lutar contra o esquecimento de gestos e saberes de uma longa trajetória humana. Aquela em que eclodem sons, cores, lembranças, imagens, palavras, trocas sociais, reciprocidades cognitivas que nos convidam a repensar a cultura e a sociedade naquilo que lhes é próprio: a riqueza da diversidade. O humano se dá a ver de muitos modos”. (MARTINS, ECKERT; NOVAES, 2005, p. 9).

Síntese

O papel da produção do conhecimento histórico na contemporaneidade: ajudar a compreender e garantir a coexistência democrática

Como você pode perceber, tudo o que está sendo discutido neste fascículo perpassa a problemática ou a questão da existência e da busca de uma verdade única. Defende-se que:

a) o conhecimento é, de fato, complexo, intersubjetivo e interpretativo e os historiadores não têm como adquiri-lo apenas de maneira supostamente objetiva, por meio de práticas teóricas e metodológicas mais “apropriadas” do que outras;

b) a história não está livre de juízos de valor e é sempre posicionada “para alguém”;

c) a história não é inocente/pura, neutra, imparcial, mas sim ideológica, parcial, repleta de fatos construídos pela interpretação e pela imaginação dos historiadores;

d) não é possível uma empatia que nos proporcione um entendimento real das pessoas que viveram no passado;

e) não existem “fontes originais” que possam garantir o alcance de um conhecimento verdadeiro e profundo, pois todas elas são vestígios do passado produzidos por alguém e que chegam ao historiador também como discursos passíveis de interpretações infinitas;

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f) os pareamentos conceituais, tais como causa e conseqüência, continuidade e mudança, semelhança e diferença, foram construídos e podem ser utilizados ou não pelos historiadores em suas explicações, que sempre podem ser questionadas e transformadas.

Assim, ao ter chegado a uma série de conclusões que põe bastante em dúvida a possibilidade de um conhecimento pleno e absoluto do passado, para ser coerente é obrigatório investir contra todo tipo de produção do conhecimento histórico que tenha pretensões à certeza e à verdade única. É obrigatório também reafirmar que a história é intersubjetiva e ideologicamente posicionada, e que a objetividade sem a subjetividade e a imparcialidade são impossíveis. Essa pode parecer para alguns uma posição cética, negativa ou mesmo descrente em relação à noção anteriormente estabelecida sobre o que era a produção do conhecimento histórico. No entanto, considera-se que tal noção se transformou e incorporou o relativismo moral e o ceticismo epistemológico, positivo e reflexivo, para constituir uma base de conhecimentos que defenda a tolerância social e o reconhecimento positivo das diferenças.

Trata-se, portanto, de uma atitude que considera que a produção do conhecimento histórico pode ser uma coisa boa, criativa, útil, sobretudo depois que a própria cultura ocidental contemporânea mostrou os limites do conhecimento que tinha pretensões inatingíveis à certeza absoluta que, de forma autoritária, arrogante e megalomaníaca, os historiadores tradicionais julgavam possuir.

Atividades

Seção 1

1) Pare e pense! Sobre a questão de o que é central para nossa sociedade e sobre o que é importante. A palavra central é usada como sinônimo de relevante. Assim o que é importante fica no centro de nossa vida. Mas tente, neste exercício, refletir sobre isso.

a - Com essas idéias em mente, observe um mapa do estado do Paraná. Pense sobre a disposição espacial de suas cidades e sobre a relevância política e/ou econômica delas.

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Síntese Unidade

1) “O trabalho do historiador é produzir interpretações sobre o passado”. Você concorda com a idéia expressa nessa frase? Justifique sua resposta.

2) Depois do estudo dessa unidade, o que você aprendeu sobre os conceitos de:

a) empatiab) verdadec) parcialidade3) Por que, ainda hoje, é tão difícil falar na impossibilidade da

busca pela verdade?4) Pode-se dizer que há fontes mais profundas ou mais

Seção 2

Agora tente ver se você consegue trabalhar com as fontes históricas, da forma indicada pelos historiadores acima. Escolha uma ou mais fontes sobre um determinado assunto e analise – a (s) segundo as dicas correspondentes ao trabalho com elas.

b - Agora compare, tendo como base seus conhecimentos, os valores centrais de uma sociedade do capitalismo financeiro e industrial e de uma sociedade tradicional indígena. Esses valores são os mesmos?

2) Faça um outro exercício para você analisar o acontecimento histórico do “11 de setembro de 2001”, refletindo sobre os pareamentos: causa e conseqüência, mudança ou continuidade, semelhança e diferença.

Mapa político do Paraná

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verdadeiras que outras? Justifique.5) Por que não se pode dizer que o trabalho do historiador

resgata o passado?6) Hoje, frente às novas perspectivas da história, surgem vários

tipos de fontes para o trabalho do historiador. a) Cite algumas das trabalhadas nessa seção.b) Agora escolha uma e disserte sobre a especificidade do

trabalho com ela.7) Qual a finalidade de se produzir histórias plurais?

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71Anotações

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ANEXOS

Respostas:

Unidade I

Atividades – Seção 1a) Não, pois é assunto de muitas áreas de conhecimentos (multidisciplinar) e pode

compreender visões contraditórias.b) Criticam-se valores da sociedade ocidental, oriundos do Iluminismo, do racionalismo

e da Revolução Industrial. A pós-modernidade é vista como uma mistura eclética de aspectos bastante diversos, fruto da sociedade consumidora de serviços, despolitizada e individualista.

c) Para Bhabba, a crítica pós-moderna precisa ultrapassar a desconstrução dos valores da modernidade e incorporar novas formas de saber, como o fim das idéias etnocêntricas e a possibilidade de se escutar outras vozes e histórias, principalmente dos grupos minoritários.

d) Essa produção seria irracionalista por não acreditar que se pode explicar a realidade e permanecer estudando apenas os discursos produzidos na História.

e) O professor de história não pode escapar de se defrontar com esse problema atual. É importante que o educador busque as diferentes formas nas quais aparece esse discurso pós-moderno, inclusive a própria crítica sobre sua existência. Afinal, ele hoje se depara com estudantes que nasceram e são criados sob o constante bombardeio de discursos e produções que apresentam uma linguagem pós-moderna. Razão pela qual se faz necessário que ele reflita sobre elas, para melhor trabalhar com determinadas linguagens na sala de aula, desde a já usual linguagem cinematográfica até as histórias em quadrinhos.

Atividades – Seção 2a) Para Foucault, uma disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de

métodos, um corpus de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e de definições, de técnicas e de instrumentos: tudo isto constitui uma espécie de sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele, sem que seu sentido ou sua validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor. Como aponta-se no final do texto, “uma disciplina é um princípio de controle da produção do discurso”.

b) Para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade de formular, e de formular indefinidamente, proposições novas, pois ela nunca é a soma de tudo o que pode ser dito de verdadeiro sobre alguma coisa; não é nem mesmo o conjunto de tudo o que pode ser aceito, a propósito de um mesmo dado, em virtude de um princípio de coerência ou de sistematicidade. Ou seja, uma disciplina tem sempre que se renovar.

c) Não. No interior de cada disciplina há limites que reconhecem proposições verdadeiras e falsas, que devem preencher exigências complexas e pesadas. Por exemplo, a medicina não é constituída de tudo o que se pode dizer de verdadeiro sobre a doença, a botânica não pode ser definida pela soma de todas as verdades que concerne às plantas. Por sua vez a história não abarca tudo que pode ser dito sobre o tempo e sobre o passado.

Atividades – Seção 3Resposta individual. A intenção é que o estudante/professor consiga identificar, utilizar e

caracterizar a variedade de discursos produzidos pela história.Atividades – Seção 4a) Resposta individual. Nessa atividade é fundamental que os trabalhos mostrem os

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conflitos de visões e diferentes leituras sobre o mesmo tema. Não se busca a construção de uma análise homogênea, mas sim que se mostrem os conflitos e contradições das histórias. Ou seja, o que se pretende é que nesse trabalho seja dado abertura para várias leituras, sejam mostrados os questionamentos que foram feitos e seja proposta a reelaboração constante.

b) 1) As hierarquias sociais pré-modernas baseavam-se predominantemente no que se consideravam valores a ela inerentes, que constituíam sua essência.

- Determinavam a posição de um homem desde seu nascimento, definindo o que ele deveria conhecer como sendo “seu lugar”.

- Foram justamente essas ordens naturais, legitimadoras de monarquias e cleros, que a burguesia comercial, financeira e industrial enfraqueceu e destruiu.

- A idéia de utilidade, de acordo com a qual os homens deveriam ter valor pelo mérito, a ser conquistado, e localizar seu valor em objetos exteriores, como a propriedade privada. O liberalismo, valorizando a liberdade de iniciativa do indivíduo burguês, expressava uma nova teoria sobre os rumos que a história deveria seguir.

- No entanto, não demorou para que os trabalhadores começassem a usar contra a burguesia a mesma idéia de utilidade que esta tinha usado contra a aristocracia.

- Isso viria a produzir uma ideologia que não valorizava o ganho de alguma propriedade pela classe trabalhadora, pois o argumento era que o caminho para a liberdade real estava na abolição da propriedade.

2) - Contudo, desde o começo, as ambições universalizantes de substituição do capitalismo pelo socialismo foram contrariadas. A proposta universal do socialismo marxista se modificou em variantes nacionais, e seus propósitos emancipatórios e libertadores da humanidade foram desvirtuados por meios ditatoriais.

- No Ocidente, viveram-se os traumas decorrentes das duas guerras mundiais iniciadas na Europa; das crises econômicas; do fascismo; do nazismo e da descolonização. Somaram-se as críticas ao capitalismo apresentadas pelo marxismo ocidental e mais recentemente pelas feministas que, finalmente, demoliram as derradeiras teorias que alicerçavam as noções de progresso liberal.

3) - O capitalismo teve que achar outra forma de valorização. E então encontrou-a nas forças do mercado.

- A valorização das forças do mercado deu prioridade à escolha do consumidor, trazendo para o primeiro plano o utilitarismo (isto é, o praticismo e o pragmatismo).

- Nessa sociedade, vista como um grande mercado, as pessoas também assumem aspecto de mercadoria.

- Os valores privados e públicos são afetados, os princípios que orientam o comportamento humano – isto é, a Ética – se tornam personalizados e voltados apenas para si mesmos, autocentrados, narcisistas.

4) - O relativismo e o ceticismo – uma idéia segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão absoluta do real, – afetam também a situação das teorias e das práticas da produção de todo tipo de conhecimento, incluindo a História.

- Os que produzem algum tipo de saber, deliberadamente só pensam em si mesmos e nos seus interesses em termos de valor de mercado.

- Fazendo um balanço histórico contemporâneo: nessa época que se poderia chamar de pós-tudo (pós-liberal, pós-ocidental, pós-indústria pesada, pós-marxista, pós-moderna, pós-colonialista), as velhas teorias (eurocêntricas, positivistas, patriarcais, lineares) que legitimavam os velhos centros, mal se agüentam.

- Nenhuma formação social que conheçamos erradicou tão sistematicamente quanto o capitalismo neoliberal a idéia de valores universais inerentes ao desenvolvimento da história da humanidade. E isso, para ele, não ocorreu por meio da escolha dos sujeitos, mas da própria lógica cultural do que alguns chamam de capitalismo tardio, outros de globalização. Ou então de modernidade tardia, modernidade líquida, modernidade auto-reflexiva, hipermodernidade,

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supermodernidade e – por fim, uma das mais polêmicas – de pós-modernidade.5) a) Algumas denominações possíveis para a contemporaneidade são: capitalismo

tardio, globalização, modernidade tardia, modernidade líquida, modernidade auto-reflexiva, hipermodernidade, supermodernidade, pós-modernismo... Interpretações comuns e alguns olhares diferentes sobre nosso presente.

b) François Lyotard usa o conceito “pós-modernidade” para caracterizar os nossos tempos como uma formação social na qual, sob o impacto do fim da predominância da influência religiosa, da democratização, da informatização e do consumismo, o mapa e o status do conhecimento estão sendo retraçados e redescritos. Fredric Jameson e Anthony Giddens usam para caracterizar os nossos tempos as denominações capitalismo tardio ou modernidade tardia para enfatizar a decadência da sociedade capitalista. Zygmunt Bauman defende a idéia de uma modernidade líquida, ressaltando seus aspectos de instabilidade, insegurança, fluidez, gerados pelas mudanças velozes e implacáveis da sociedade capitalista. Gilles Lipovetsky define nosso tempo como sendo o da hipermodernidade, caracterizando-o como típico da intensificação do liberalismo, da mercantilização, da exploração utilitarista e instrumentalizada da razão e do individualismo exacerbado. Marc Augé denomina de supermodernidade o contexto histórico contemporâneo. Destacam-se traços como a proliferação dos não-lugares, espaços de não-vivência, de consumo (ver mais no texto didático).

c) Esses estudiosos, entre muitos, enfatizam aspectos comuns e particulares de um mesmo tempo presente que, no que diz respeito ao campo de produção do conhecimento, pode ser caracterizado como o da “morte dos centros” e da “incredulidade ante as metanarrativas”. São difíceis de precisar as definições das denominações citadas, mas todos os que as criaram concordam que o que caracteriza nosso presente é o fato de que nada mais é fixo ou sólido. Isso já prejudica tentativas de definições, sendo que alguns até colocam em dúvida a validade de algumas dessas interpretações.

6) São três os apontados na seção 3: histórias dos historiadores, história dos professores de escola, outras formas tais como: relatos históricos para crianças; relatos da memória popular etc. (para uma resposta mais completa ver Caixinha de dicas).

7) À medida que a história tem o passado como objeto, mas é feita no presente, se coloca a importância de desconstruir para construir novas possibilidades de produção do conhecimento histórico. Um processo de trabalho de pesquisa e de ensino que redescreve as histórias já existentes em outros termos, ou escreve novas histórias, mostrando a pluralidade das interpretações sobre o nosso passado e o nosso presente. Para isso, o historiador redimensiona seu trabalho e faz seleções adequadas a essa prática, considerando várias histórias que ajudam a entender o nosso mundo. Historiza radicalmente, usando uma metodologia reflexiva.

Unidade 2

Atividades - Seção 11) Sim. As explicações são diferentes, mas de modo geral podemos dizer que convergem

para a concepção de história como processo e por isso provisório, resultado do diálogo entre historiador e fontes e entre presente e passado.

2) Como Vavy Borges afirmou, a história está sempre se reformulando, buscando caminhos novos e próprios, portanto é impossível escrever uma história válida “para todos os tempos e todos os lugares”. Carr aponta que a escrita da história é resultado do trabalho do historiador. Ou seja, suas seleções, escolhas, ordenações e interpretações (somadas à própria seleção feita por outros historiadores e pelo tempo) definem o que será escrito. Assim, é a partir das questões e inquietações do presente que se produz o conhecimento histórico e por isso podemos afirmar que toda história é sempre uma história contemporânea. Por fim, nesse primeiro conjunto de historiadores que se dedicaram a pensar a questão da produção do conhecimento histórico, apresentamos Bloch que defende que a principal tarefa do historiador é compreender. Isso se torna ainda mais forte se pensarmos que ele escreveu o livro em que apresenta essa idéia, enquanto estava preso, pouco antes de ser executado. A história para ele pode e deve mostrar a

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diversidade da “vasta experiência de variedades humanas, um longo encontro dos homens”. E chega a afirmar que “a vida, como a ciência, tem tudo a ganhar se esse encontro for fraternal”. Em um segundo bloco, podemos apontar uma grande variedade de pesquisadores que dividimos em 4 grupos na Caixinha de dicas (os que trabalham diretamente a questão, os sentidos e significados da história; os que apresentam histórias dos historiadores ou introduções à historiografia; os que expõem a variedade de abordagens, domínios e especialidades da história; além de dicionários...)

3) A palavra “história” refere-se, ao mesmo tempo, aos acontecimentos que se passaram (passado) e aos estudos sobre esses acontecimentos (historiografia). O passado é objeto de atenção dos historiadores, e a historiografia é a maneira pela qual os historiadores o abordam. Dessa forma, o termo “história”, muitas vezes nos trabalhos, indica ambos significados.

4) gabarito: (2) (1) (4) (3)Atividades - Seção 21) a- A história na teoria é composta por três dimensões: a da epistemologia, da metodologia

e da ideologia (ver Caixinha de dicas).b - Ver Caixinha de dicas.2) a - 1 – leva a ele mesmo e suas ideologias: valores, posições, perspectivas políticas;

2 – leva seus pressupostos epistemológicos: categorias, conceitos, pressuposições sobre qual conhecimento será produzido mediante hipóteses, abstrações, vocabulário próprio de seu ofício, sem o qual não seria possível entender os trabalhos dos seus colegas de profissão; 3 – leva metodologias, ou seja, rotinas e procedimentos para (re)organizar seus materiais de modo a orientar suas escolhas e obter resultados de suas pesquisas (ver caixinha de dicas).

b - 1 – transita entre obras publicadas de outros estudiosos e materiais não publicados, normalmente chamados de fontes; 2 – organiza todo esse material de forma nova e variada;

3 - conclui, finalmente, seu trabalho quando elabora aulas, narrativas escritas ou outros produtos históricos que transformam o “passado” em “história” (ver Caixinha de dicas).

c - 1 - pressões da família e dos amigos; 2 - pressões do local de trabalho; 3 - pressões relacionadas à edição, finalização e exposição de seu trabalho(ver Caixinha de dicas ).

3) Reflexão pessoal. Mas aqui pretendemos que os estudantes/professores desenvolvam um texto que mostre o trabalho de pesquisa, as idas e vindas, as escolhas mediadas não só por suas idéias, mas também pelas pressões de finalização dos trabalhos.

Atividades1) Lembre-se de que nenhum objeto de estudo tem nada de intrínseco que grite ao

pesquisador: Sou objeto da geografia! Da filosofia! Da história! Podemos ver com clareza que, embora os autores não inventem o objeto realmente, formulam todas as categorias descritivas e significados que se possa dizer que têm.

No exercício, pudemos ver a criação dos conceitos de espaço industrial, classe trabalhadora...

Os autores elaboram as ferramentas analíticas e metodológicas para extrair dessa matéria- prima a sua maneira própria de lê-la e falar a seu respeito: o discurso. É nesse sentido que lemos o mundo como um texto, e tais leituras são infinitas. O mundo ou o passado sempre nos chegam como narrativas e não podemos sair delas para verificar se correspondem ao mundo ou ao passado reais, pois elas constituem a “realidade”. E por isso, essas maneiras de ler o mundo precisam de interpretação/ contextualização, pois estão sempre mudando, recompondo e posicionando. Resultado desse movimento é a necessidade de se fazer uma autocrítica constante.

2) O quadro “O Campo Histórico”, feito por Barros, “foi elaborado com o intuito de organizar estes critérios – distribuindo-os em ‘dimensões’, ‘abordagens’ e ‘domínios’ da História – e buscando esclarecer as várias divisões que esses critérios podem gerar. De certo modo, as três ordens de critérios correspondem a divisões da História, respectivamente relacionadas a ‘enfoques’, ‘métodos’ e ‘temas’. Uma dimensão implica um tipo de enfoque ou um ‘modo de ver’(ou algo que se pretende ver em primeiro plano na observação da sociedade historicamente localizada); uma abordagem implica um ‘modo de fazer a história’ a partir dos materiais com os quais deve trabalhar o historiador (determinadas fontes, determinados métodos e determinados campos de observação); um domínio corresponde a uma escolha mais específica, orientada em

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relação a determinados sujeitos ou objetos para os quais será dirigida a atenção do historiador (campos temáticos como o da ‘história das mulheres’ ou da ‘história do Direito’)” (2004, p.19/20). Evidentemente, os historiadores podem unir em uma perspectiva historiográfica diferentes abordagens e domínios, para a construção do conhecimento.

Unidade 3

Atividades - Seção 11) a - Se olharmos o mapa do estado do Paraná, veremos que as cidades de maior

importância econômica, centrais para a economia, ocupam locais periféricos na espacialização do estado. A capital, Curitiba, não está no centro, no entanto é uma cidade central, de importância econômica, política e administrativa. Com isso podemos perceber que centro e periferia não são valores naturais, e sim construções arbitrárias.

b - Resposta pessoal, pois os argumentos podem ser bastante distintos. No entanto, o que se destaca é a diferença. Podemos ressaltar como valores centrais para a sociedade capitalista a questão do lucro, do consumo, da remuneração pelo trabalho. Já para uma sociedade tradicional destacam-se como valores a maturidade, os mitos e ritos, o trabalho como fazer artesanal e tradicional. Tanto em uma quanto em outra esses são valores importantes. Mas os membros de uma sociedade, ao olhar a outra, podem considerar tais valores secundários, periféricos, desnecessários. Ou seja, nenhum valor é universal e natural.

2) Nessa reflexão é importante que apareça a diversidade de explicações possíveis para o ocorrido no dia 11 de setembro de 2001. Alguns textos podem fazer uma leitura daquela data como conseqüência do imperialismo estadunidense, ou do terrorismo, outros como causa da guerra no Afeganistão e da luta contra o terrorismo. Uns podem apontá-lo como um momento de profunda mudança no estilo de vida norte-americano, outros como a permanência da violência e da militarização como resposta aos problemas internacionais. Alguns podem mostrar as semelhanças desse atentado com outros atos terroristas ocorridos ao longo da história, outros dizerem que esse, diferente dos demais, foi o mais expressivo e contundente ato terrorista da história. E é dessa diversidade que temos que tirar nossas respostas. Perceba que cada argumento dá subsídio para a criação de uma história ideologicamente diferente. Não há como isolar um fato e afirmar que foi causa, pois ao mesmo tempo foi conseqüência de muitos outros. Ao selecionar e explicar algo com tais pareamentos, estamos fazendo escolhas ideológicas e construindo uma determinada versão da história. Então o que temos que fazer é sempre procurar saber se é causa ou conseqüência, mudança ou continuidade, semelhança ou diferença de quê/quem, em relação a quê/quem.

Atividades - Seção 2Resposta individual. Veja se o estudante/professor seguiu as orientações propostas nas

Caixinha de dicas e quais dificuldades teve nesse trabalho. É importante perceber as especificidades das fontes e, portanto, as diferenças dos trabalhos com elas.

Atividades1) Sim, pois embora possam existir métodos para descobrir “o que aconteceu”, não existe

absolutamente nenhum método pelo qual se possa afirmar de uma vez por todas, o que os fatos significam. Dessa forma o historiador apenas produz interpretações.

2) a) Sobre empatia aprendemos que não é possível entrar na “cabeça das pessoas”, nem no presente, quanto mais em um tempo passado. Ainda apresentamos no texto, argumentos de ordem filosófica (estudos filosóficos que mostraram essa impossibilidade; que todo ato de comunicação acarreta um ato de interpretação) e de ordem prática (que envolvem as questões teóricas e práticas do trabalho do historiador que o fazem pensar da forma que pensa; a própria experiência de professores de história ao constatarem este como um recurso didático falho). Assim, o que podemos imaginar é que, apenas mediante muita interpretação crítica, os historiadores talvez adquiram uma compreensão provisória, subjetiva e incerta do que aconteceu no passado.

b) Conceito trabalhado desde a unidade 1, o que pode resultar em um resposta bastante

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ampla. De qualquer maneira sobre “verdade” aprendemos que ainda é muito procurada, por ser um conceito que serve para dar potência, legitimidade e objetividade ao que está sendo dito. Porém ela é uma convenção arbitrária, que estabelece uma relação entre palavras e coisas, sem que haja uma correspondência entre ambas.

c) Sobre parcialidade aprendemos que é algo intrínseco a qualquer produção de conhecimento. O discurso sobre a parcialidade historiográfica aparece com maior freqüência num tipo específico de história que está comprometido com a idéia de que, de algum modo, o passado pode ser recriado objetivamente. Esses historiadores sabem que chegar a relatos definitivos é uma meta inalcançável, mas procuram chegar a ela. Para eles, parcialidade significa distorcer fontes para validar uma tese, ocultar documentos, falsificar provas... Porém, a história pode ser produzida de outras formas e a partir de novas idéias. Ela pode ser vista como a forma pela qual grupos e/ou classes dão sentido a seu próprio passado, apossando-se dele. Por conseguinte, pode-se elaborar o passado de modo que tenha significado para diferentes posições políticas, ideológicas e teóricas.

3) Em nossa cultura, historicamente, se valorizou/valoriza a busca pelas certezas e pela verdade. Mas isso é uma construção cultural e histórica, justificada pelas nossas visões das filosofias da história, pelo senso comum e pelas práticas cotidianas educacionais. A busca pela verdade é parte da afirmação de poder (como dito na questão acima), e normalmente não refletimos que as verdades são criações de quem tem poder para torná-las “verdadeiras”. Esses argumentos são totalmente aplicáveis à história, pois um historiador profissional pode incluir-se na história existente até então ou contestá-la com a divulgação de seus trabalhos; um bom exemplo disso é a ausência das mulheres na história da humanidade.

4) Não há como estabelecer uma categorização das fontes buscando sua profundidade ou veracidade. Pois todas contêm subtextos que podem ser interpretados infinitamente, conforme os objetivos do pesquisador. Assim, nenhum exame exaustivo ou em “profundidade” de qualquer fonte histórica garantirá que as pesquisas que se utilizaram delas sejam definitivas e inquestionáveis. Portanto, os historiadores ao fazerem seu trabalho de pesquisa não devem ir ao fundo, mas aos lados, passando de um conjunto de fontes a outro (sejam elas do mesmo tipo ou não), fazendo estudos comparativos. Devemos compreender fonte como “vestígio” e que, portanto, não há vestígios maiores ou menores, “primários” ou “originais”. Todos são úteis para que possamos entender a diversidade e complexidade do passado.

5) Pode-se . O passado aconteceu e como não há máquina do tempo, nunca saberemos ao certo o que ocorreu. Dele ficaram apenas vestígios que utilizamos como fontes históricas; esses vestígios estão por aí, e o que o historiador produz a partir deles é uma interpretação do que acha que pode ter sido o passado. É impossível saber exatamente o que aconteceu no passado, portanto é impossível resgatá-lo.

6) a) São muitas. Aqui apontamos algumas: fontes de arquivos, fontes da cultura material, fontes impressas, fontes orais, fontes biográficas e fontes audiovisuais.

b) Resposta individual, mas a forma de trabalho para cada uma está nas Caixinha de dicas da seção 2.

7) A importância de se produzir uma história plural é ampliar e consolidar a democracia, construindo uma base de conhecimentos que defendam a tolerância social e o reconhecimento positivo das diferenças. Ou seja, preparamo-nos para viver em um mundo de pluralização das histórias, com multiplicidades de sujeitos, enfoques, procedimentos... Com um pensar mais livre podemos nos opor às formas hierarquizadoras e excludentes de uma história que, por muito tempo, foi pensada como universal. Essas novas histórias plurais devem propor a valorização do trabalho e da defesa da diversidade, da tolerância, da compreensão e da democracia, como base para novas e úteis produções de conhecimentos históricos.

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PALAVRASFINAIS

Parabéns! Você concluiu o estudo desse conteúdo e lidou com assuntos bastante difíceis que abarcam a produção do conhecimento histórico. No decorrer do fascículo pôde ver as implicações da construção desse conhecimento no mundo contemporâneo e desconstruir velhas certezas para construir novas possibilidades de trabalho com história. Assim, refletiu sobre o ofício do historiador, como se dá na teoria e na prática de forma a fornecer subsídios para que você desenvolva seu próprio trabalho de forma reflexiva.

Isso foi feito por se defender que a produção do conhecimento histórico no contexto atual deve ajudar a compreender e garantir a coexistência democrática. Para tanto, é necessário vincular a produção histórica com os poderes que a constituem. Como você vive numa sociedade que se pretende democrática, deve procurar saber quais são as relações de poder e os interesses diversos que atravessam a escrita da história; o que significa também que produções, como esta que você acabou de conhecer, precisam refletir não apenas acerca das perguntas que se fazem e das respostas que se dão, mas também sobre o porquê se fazem estas ou aquelas perguntas e não outras; deste modo e para esses sujeitos e não para outros!

Mesmo sabendo que não é tarefa fácil, considera-se que é preciso teorizar não apenas nos cursos de Ensino Superior, mas também nas salas de aula do Ensino Fundamental e Médio acerca da produção do conhecimento histórico, para se estabelecer uma complexidade no processo de ensino-aprendizagem à altura da complexidade do real existente na sociedade. Aponta-se para tal aspecto, pois há um entendimento da teoria como um ato crítico de pensamento sobre a realidade, “que envolve não apenas a capacidade de abstração (pensamento), como também os sonhos, os projetos, as paixões humanas. Um ato que é, antes de tudo, humano, porque só o homem [e a mulher] pode refletir sobre e como transformar suas práticas; um ato que guarda profundas e estreitas relações com a prática, com a ação.” (SILVA & SILVA, 2005, p. 393).

Conseqüentemente, professores e estudantes precisam saber e aprender a lidar com o fato de que livros, fontes históricas e outros recursos didáticos diversos baseiam-se em concepções de história que guardam fundamentos teóricos. Ao usar esses textos precisam problematizar seus fundamentos. Levanta-se essa questão não por acreditar que uma teoria explique tudo, mas por pensar que elas ajudam a interpretar a sociedade e a subsidiar escolhas e atitudes, propondo ações práticas para viver neste mundo.

Um mundo de pluralização das histórias, com multiplicidades de sujeitos, enfoques, procedimentos... Um mundo que requer crescente e constante democratização e libertação das formas hierarquizadoras e excludentes de uma história que era pensada como universal.

Bem-vindos! Os novos professores/pesquisadores podem compreender qual é o horizonte que se apresenta para o seu trabalho. Surgem objetivos muito mais nobres e urgentes. Os anteriores eram pautados pela cobrança da definição impossível de verdades absolutas e imutáveis e levaram a humanidade ao etnocentrismo, à intolerância

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e à incompreensão. O novo horizonte epistemológico, metodológico e ideológico dos historiadores propõe a valorização do trabalho e da defesa da diversidade, da tolerância, da compreensão e da democracia como base para novas e úteis produções de conhecimentos históricos. Parabéns! Você concluiu o estudo desse conteúdo e lidou com assuntos bastante difíceis que abarcam a produção do conhecimento histórico. No decorrer do fascículo pôde ver as implicações da construção desse conhecimento no mundo contemporâneo e desconstruir velhas certezas para construir novas possibilidades de trabalho com história. Assim, refletiu sobre o ofício do historiador, como se dá na teoria e na prática de forma a fornecer subsídios para que você desenvolva seu próprio trabalho de forma reflexiva.

Isso foi feito por se defender que a produção do conhecimento histórico no contexto atual deve ajudar a compreender e garantir a coexistência democrática. Para tanto, é necessário vincular a produção histórica com os poderes que a constituem. Como você vive numa sociedade que se pretende democrática, deve procurar saber quais são as relações de poder e os interesses diversos que atravessam a escrita da história; o que significa também que produções, como esta que você acabou de conhecer, precisam refletir não apenas acerca das perguntas que se fazem e das respostas que se dão, mas também sobre o porquê se fazem estas ou aquelas perguntas e não outras; deste modo e para esses sujeitos e não para outros!

Mesmo sabendo que não é tarefa fácil, considera-se que é preciso teorizar não apenas nos cursos de Ensino Superior, mas também nas salas de aula do Ensino Fundamental e Médio acerca da produção do conhecimento histórico, para se estabelecer uma complexidade no processo de ensino-aprendizagem à altura da complexidade do real existente na sociedade. Aponta-se para tal aspecto, pois há um entendimento da teoria como um ato crítico de pensamento sobre a realidade, “que envolve não apenas a capacidade de abstração (pensamento), como também os sonhos, os projetos, as paixões humanas. Um ato que é, antes de tudo, humano, porque só o homem [e a mulher] pode refletir sobre e como transformar suas práticas; um ato que guarda profundas e estreitas relações com a prática, com a ação.” (SILVA & SILVA, 2005, p. 393).

Conseqüentemente, professores e estudantes precisam saber e aprender a lidar com o fato de que livros, fontes históricas e outros recursos didáticos diversos baseiam-se em concepções de história que guardam fundamentos teóricos. Ao usar esses textos precisam problematizar seus fundamentos. Levanta-se essa questão não por acreditar que uma teoria explique tudo, mas por pensar que elas ajudam a interpretar a sociedade e a subsidiar escolhas e atitudes, propondo ações práticas para viver neste mundo.

Um mundo de pluralização das histórias, com multiplicidades de sujeitos, enfoques, procedimentos... Um mundo que requer crescente e constante democratização e libertação das formas hierarquizadoras e excludentes de uma história que era pensada como universal.

Bem-vindos! Os novos professores/pesquisadores podem compreender qual é o horizonte que se apresenta para o seu trabalho. Surgem objetivos muito mais nobres e urgentes. Os anteriores eram pautados pela cobrança da definição impossível de verdades absolutas e imutáveis e levaram a humanidade ao etnocentrismo, à intolerância e à incompreensão. O novo horizonte epistemológico, metodológico e ideológico dos historiadores propõe a valorização do trabalho e da defesa da diversidade, da tolerância, da compreensão e da democracia como base para novas e úteis produções de conhecimentos históricos.

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QUEM SOMOS

Andrea Paula dos Santos

É Mestre em História Social e Doutora em História Econômica. Já foi professora do Ensino Médio em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, e professora do Ensino Superior nas áreas de Sociologia e de Antropologia na Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB-SC). Atualmente é professora das disciplinas Produção do Conhecimento Histórico, de Teoria da História e de outras disciplinas no Mestrado Interdisciplinar em Ciências Sociais Aplicadas, além de coordenar o Programa de Extensão “Incubadora de Empreendimentos Solidários” (IESOL) na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR). Foi pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade São Paulo (NEHO/USP) e, atualmente, é pesquisadora do Centro de Estudos Simão Mathias (CESIMA), ligado ao Programa de Pós-Graduação em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É co-autora da coleção de livros didáticos História em Projetos (Ed. Ática, 2007); do livro Vozes da marcha pela terra (Ed. Loyola, 1998); e autora de artigos, capítulos de livros e do livro Ponto de vida, cidadania de mulheres faveladas (Ed. Loyola, 1996).

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Suzana Lopes Salgado Ribeiro

É Mestre e Doutoranda em História Social. Já foi professora do Ensino Fundamental e Médio e coordenou o Programa de Educação do Campo para Jovens e Adultos da UNESCO. Lecionou, em 2005, como professora convidada na Universidade Agostinho Neto, em Angola e, em 2006, foi pesquisadora convidada do Oral History Office da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Atualmente é coordenadora do Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade de São Paulo (NEHO/USP) e pesquisadora do Centro de Estudos Simão Mathias (CESIMA), ligado ao Programa de Pós-Graduação em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pertenceu à equipe de pesquisa de livros didáticos, além de ser autora de artigos, capítulos de livros e co-autora do livro Vozes da marcha pela terra (Ed. Loyola, 1998) e do livro Vozes da terra: histórias de vida de assentados rurais de São Paulo (Ed. Itesp, 2006), em parceria com Zilda M. G. Iokoi, entre outros.

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