Processos Compartilhados Em Dança: Investigação, Criação e Aprendizado

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Esta proposta aponta para aspectos básicos da correlação dinâmica entre ensino aprendizagem e processos de criação compartilhada em dança. Apresenta a perspectiva de construção de conhecimento como criação, dada a novas conexões quese estabelecem do/no/pelo corpo. Neste sentido, deflagram-se indícios de que a criação compartilhada ao investir no exercício da autonomia-colaborativa, sob a perspectiva da transdisciplinaridade, pode propiciar um entendimento do processocriativo/coletivo em dança como espaço de construção de conhecimento. A relaçãodialógica entre teoria e prática, sinaliza, de antemão, a necessidade de uma metaobservação do fazer-pensar dança.

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  • 7 Seminrio de Pesquisa em Artes da Faculdade de Artes do Paran

    Anais Eletrnicos

    Anais do 7 Seminrio de Pesq. em Artes da Faculdade de Artes do Paran, Curitiba, p. 85-89, jun., 2012.

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    PROCESSOS COMPARTILHADOS EM DANA: INVESTIGAO, CRIAO E APRENDIZADO.

    Aline Vallim de Melo1

    Faculdade de Artes do Paran

    Lucas Valentim Rocha2

    Universidade Federal da Bahia

    RESUMO

    Esta proposta aponta para aspectos bsicos da correlao dinmica entre ensino-aprendizagem e processos de criao compartilhada em dana. Apresenta a perspectiva de construo de conhecimento como criao, dada a novas conexes que se estabelecem do/no/pelo corpo. Neste sentido, deflagram-se indcios de que a criao compartilhada ao investir no exerccio da autonomia-colaborativa, sob a perspectiva da transdisciplinaridade, pode propiciar um entendimento do processo criativo/coletivo em dana como espao de construo de conhecimento. A relao dialgica entre teoria e prtica, sinaliza, de antemo, a necessidade de uma meta-observao do fazer-pensar dana.

    Palavras-chave: investigao, criao, aprendizado.

    1 Graduada em Dana pela Faculdade de Artes do Paran- FAPR (2009), tem Especializao em Estudos

    Contemporneos em Dana pela Universidade Federal da Bahia-UFBA (2011), mestranda em Dana pelo Programa de ps- graduao em Dana (PPGD) pela Universidade Federal da Bahia. Foi bolsita na Casa Hoffmann -Centro de Estudos do Movimento (2008-2009), participou como intrprete-criadora do Grupo de Dana da Fap (2007 a 2009), artista e proponente do trabalho artstico Bodas de Arame e Fita-Crepe. [email protected] 2 Licenciado em Dana pela Universidade Federal da Bahia UFBA (2011), mestrando pelo Programa de Ps-

    graduao em Dana (PPGD) na Universidade Federal da Bahia, bolsista CAPES e desenvolve sua pesquisa sob orientao da professora Gilsamara Moura. integrante do Ncleo VAGAPARA desde sua formao (2007). Atualmente dirige o Grupo de Dana Contempornea da UFBA GDC. [email protected]

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    A dana emergncia contextual, seus modos diversos e singulares de

    configurao e de existncia esto colados ao tempo - espao em que produzida.

    Porm, a noo de contexto prev no somente a relao espao-temporal em que

    corpoambiente se inscrevem, mas, tambm, o modo como se do as trocas, distines

    e operaes entre o fluxo permanente e transitrio de informaes circunstanciais:

    Contexto inclui, portanto, sistema cognitivo (mente), mensagens que fluem

    paralelamente, a memria de mensagens prvias que foram processadas ou

    experienciadas e, sem dvida, a antecipao de futuras mensagens que ainda sero

    trazidas a ao, mas j existem como possibilidade. (KATZ e GREINER, 2005,P.130)

    Esta formulao busca por meio de uma escrita compartilhada, enunciar

    correlaes dinmicas entre processos de criao em dana e experincias de ensino-

    aprendizagem. Para tanto observaremos dois ambientes distintos: O Grupo de Dana

    Contempornea da UFBA3 e o Projeto Trs Danas4, de Juazeiro do Norte - CE. Os

    motivos que detonaram essa articulao so provenientes de um exerccio contnuo

    enquanto educadores/aprendizes/criadores dentro e fora da academia. Vale dizer que

    este trabalho construdo sob o prisma da dana, no qual nos encontramos inseridos

    artisticamente e academicamente, mas as questes aqui emergentes podem, em

    algumas instncias, serem correlatas a outros processos de criao compartilhada.

    O contexto que nos debruaremos se encontra no campo de certos processos

    investigativos que se valem de uma metodologia pautada em uma lgica

    transdisciplinar. Buscaremos discutir as implicaes terico-prticas em um exerccio

    artstico-pedaggico. O modo de observar tais experincias compartilha com o que

    Edgar Morin chama de unidualidade ao se referir s co-determinaes entre corpo-

    ambiente na construo do sujeito-mundo.

    Tentaremos focar nesta escrita o contato entre duas experincias especficas

    que, por afinidades conceituais e operacionais, se aproximam pelo jeito de tratar a

    dana como uma trama indissocivel entre o fazer-pensar e o aprender-criar. Outro

    ponto relevante a tais aspectos o que aqui denominaremos como autonomia-

    colaborativa. A definio aqui tomada por autonomia se refere faculdade de

    governar-se por si. Ao entender a condio humana de ser biolgico-cultural,

    possvel dizer que o exerccio de governar-se implica em reconhecer o outro

    (alteridade) e estabelecer trocas constantes com o ambiente-contexto. Com a mesma

    inteno delimitamos que colaborao trata da ao complexa de desenvolver um

    trabalho em comum e complexidade segundo o prprio Morin aquilo que se tece

    junto.

    3

    Grupo de Dana formado por alunos da graduao que conta com projetos coreogrficos mediados por professores ou alunos da ps-graduao. Atualmente se encontra sob a responsabilidade de Lucas Valentim. 4

    Projeto proposto pela Associao de Dana Cariri atravs do Prmio Funarte Klauss Vianna de Dana - 2010. Trata-se de um intercmbio artstico colaborativo em dana, que ocorreu entre agosto de 2011 a janeiro de 2012, no qual Aline Vallim atuou como proponente do processo artstico intitulado Bodas de Arame e Fita Crepe.

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    A partir de tais circunstncias que esta proposta aponta processos terico-

    prticos que estabelecem como princpio um formato que preza pela colaborao

    como meio de preservar os interesses individuais e as sintonias/parcerias prprias dos

    processos de criao compartilhada. Em uma vivncia como esta, sob a perspectiva da

    autonomia-colaborativa, o trabalho deve ser direcionado a borrar o conceito

    tradicional de hierarquia (no que diz respeito ao poder, status, posio social) sempre

    tentando valorizar as experincias pessoais e competncias especficas de cada uma

    das partes. Tal caracterstica nos coloca diante da necessidade de observar de maneira

    dialgica a diversidade existente nos grupos e a singularidade de cada um dos

    envolvidos. Verificam-se tambm, como afirma Leda Iannitelli em seu artigo Dana,

    Corpo e Movimento: A criatividade artstica o interesse em articular

    (...) outros processos dialgicos entre elementos de ao complementar e interativa. Dialogias entre corpo e mente, consciente e incosnciente, intencionalidade e indeterminao, julgamento e intuio, interioridade e exterioridade, individualidade e coletividade etc., que ocorrem num processo de intercomunicao continua, interativa e em constante transformao. (IANNITELLI, 2000, p. 251-252).

    Como tornar possvel a emergncia de processos criativos que se configurem

    como ambientes de ensino-aprendizado? possvel pensar a dana como produo de

    conhecimento? Como, a partir do corpo que dana problematizar questes que

    ultrapassem as especificidades da prpria dana enquanto linguagem? Tais questes

    nos levaram a beiras de abismos lugares de no saber ao certo o se tem no fundo do

    imenso vo. Decidimos nos lanar assim:

    No GDC escolhemos partir da questo O que te move? Ela deflagrou a

    necessidade de pensar sobre as vontades e os desejos individuais. Essa maneira de

    operar nos fez entender um possvel modo de pensar a transdisciplinariedade na

    dana. Partir da questo (ou questes) e abrir as portas que ela suscita indo alm das

    disciplinas para pensar a prpria questo em seus diferentes aspectos.

    Esse contexto denotou a emergncia de outras questes sobre co-autoria e

    diluio do sujeito autoral; as implicaes polticas de se nomear danarino,

    intrprete-criador, bailarino ou diretor; hierarquias e lideranas situacionais etc. A

    partir de tais questionamentos foram configurados resultantes parciais. Escolhemos,

    por exemplo, assumir o lugar de danarinos como uma maneira de reafirmar esse

    lugar que abarca implicitamente o aspecto criador. Afinal o danarino tambm cria a

    obra.

    Esse jeito de desenvolvimento do processo pressupe o de exerccio de uma

    meta-observao enquanto sujeito-grupo o que implica em experienciar momentos de

    criao, discusso, escolhas, conceitualizao e reorganizao de idias e aes.

    Estabelecendo coerncias individuais e coletivas os integrantes fazem dana movendo

    e pensando.

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    A geografia de ideias que permeia o processo artstico Bodas de Arame e Fita

    Crepe, se delineia a partir da descoberta de uma inquietude comum. O que e de

    que forma se d o processo coletivo-colaborativo em dana? Para tanto, no haveria

    outra soluo seno descobri-lo no prprio fazer.

    Na busca por potencializar as singularidades e, ao mesmo tempo, compreender

    as funes que emergiram do fazer coletivo, nos esbarramos tambm na necessidade

    compreender o que significa cada funo. Revistamos o que entendamos por

    coregrafo. Se antes mestre, detentor do conhecimento-movimento, hoje um possvel

    amarrador de fios, fomentador de possibilidades, mediador de materiais criativos

    emergentes no processo. Questionamos tambm a necessidade, de se ter um

    ensaiador, muitas vezes entendido como aquele que passa, repassa e passa

    novamente a coreografia. Mas se ns havamos escolhido apostar em um tipo de

    dana que se configura a partir das relaes e atualizaes entre corpoambiente, de

    que serviria repetio de uma lgica linear pela busca de perfeio e eficincia?

    Refletimos tambm sobre a impossibilidade de estabelecermos parmetros

    fixos para processos investigativos-criativos em dana uma vez que h reconstrues

    permanentes atravs das trocas, o que deflagra o surgimento de metodologias vivas.

    Aes que so construdas de forma relacional, a partir de necessidades contextuais

    como enfatiza Tridapalli em sua dissertao:

    O corpo que investiga dana um corpo que pode de uma maneira subversiva inverter algumas lgicas, deixar de lado as frmulas e contedos pr-determinados de como se prepara um corpo para criar e fazer dana e arriscar outros caminhos: uma trilha que no prprio percurso indica o modo do caminho ser feito. outra possibilidade. s na ao de caminhar que a estrada se tece embaixo dos ps que a trilharam (TRIDAPALLI, 2008, p.80).

    Nossa proposta emerge da observao de que, ainda hoje, muitas prticas

    educacionais em dana tm como parmetro norteador a transmisso e reproduo

    de passos prontos, contedos pr-estabelecidos e concepes dualistas e rgidas. Seja

    atravs da padronizao dos movimentos, da ausncia de dilogos crticos e criativos,

    da estrutura do corpo de baile, da figura do mestre de dana, de um padro especfico

    de corpo ou da valorao de conhecimentos. Modos de relacionamento hierrquicos,

    excludentes, e que de certo modo continuam sendo utilizados reforando assim uma

    lgica simtrica, linear e progressivista.

    luz de Morin, se faz urgente o reconhecimento do sujeito a partir do vis da

    complexidade que nos sugere outro modo de olhar e interpretar a realidade,

    entendendo o processo educacional como um projeto infindvel de reconstruo

    permanente atravs da pluralidade dos saberes. Este paradigma de conhecimento

    prope, entre outras coisas, a atualizao do conhecimento construdo na Idade

    Moderna que se apoiava numa viso linear de tempo e espao fixados nas leis de

    previsibilidade da fsica mecnica newtoniana.

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    REFERNCIAS

    CHEROBINI, Ana Lina; MARTINAZZO, Celso Jos. O pensamento complexo e as

    implicaes da transdisciplinaridade para a prxis pedaggica. Vitria da

    Conquista: Edies Uesp, 2006.

    GREINER, Christine, KATZ, Helena. Por uma teoria do corpomdia. O corpo: pistas para

    estudos indisciplinares. So Paulo: Annablume, p. 125-134, 2005.

    IANNITELLI, Leda Muhana. Dana, Corpo e Movimento: A criatividade Artstica. In:

    BIAO, Armindo; PEREIRA, Antnia; CAJABA, Lus Cludio e PITOMBO. (Org.).

    Temas em Contemporaneidade, Imaginrio e Teatralidade. 1 ed. So Paulo:

    Annablume, 2000.

    MORIN, Edgar. Os sete saberes necessrios Educao do futuro. 8. ed. So Paulo:

    Cortez; Braslia, DF: Unesco, 2003

    MORIN, Edgar - Educao e complexidade: os sete saberes necessrios a educao do

    futuro, 2. ed. So Paulo: Cortez; Brasilia, DF: UNESCO, 2001.

    MORIN, Edgar. Introduo ao pensamento complexo. 4. Ed. Lisboa: Instituto Piaget,

    2003.

    TRIDAPALLI, Gldis. Aprender investigando: a educao em dana criao

    compartilhada. Dissertao de Mestrado. Salvador 2008. UFBA-BA.