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O processo de elaboração de políticas no estado capitalista moderno Christopher Ham e Michael Hill Título do Original: Ham, C. e Hill, M.: The policy process in the modern capitalist state, Harvester Wheatsheaf, Londres, 1993, segunda edição. Tradução: Renato Amorim e Renato Dagnino Adaptação e Revisão: Renato Dagnino Material para uso exclusivo nos Programas de Capacitação do GAPI-UNICAMP e nas disciplinas ministrada s pelo DPCT-U NICAMP

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    O processo de elaborao de polticasno estado capitalista moderno

    Christopher Ham e Michael Hill

    Ttulo do Original:Ham, C. e Hill, M.: The policy process in the modern capitaliststate, Harvester Wheatsheaf, Londres, 1993, segunda edio.

    Traduo: Renato Amorim e Renato Dagnino

    Adaptao e Reviso: Renato Dagnino

    Material para uso exclusivo nos Programas de Capacitao do

    GAPI-UNICAMP e nas disciplinas ministradas pelo DPCT-UNICAMP

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    ndice:

    1. POLTICA E ANLISE DE POLTICA...................................................................................... 14

    Introduo ..................................................................................................................................... 14

    O escopo da anlise de polticas .................................................................................................. 18

    A orientao para a poltica .......................................................................................................... 25

    Concluso ..................................................................................................................................... 34

    2. O PAPEL DO ESTADO ............................................................................................................ 39

    O que o Estado? ........................................................................................................................ 40

    Teoria pluralista............................................................................................................................. 44

    Teoria elitista................................................................................................................................. 49

    Teoria marxista ............................................................................................................................. 54

    Teoria corporativista...................................................................................................................... 59

    O Estado como ator fundamental ................................................................................................. 66

    Concluso ..................................................................................................................................... 68

    3. A BUROCRACIA E O ESTADO ............................................................................................... 71

    Introduo ..................................................................................................................................... 71

    Depois de Weber: a reao pluralista evidncia do crescimento da burocracia ....................... 75

    A Burocracia na teoria marxista do sculo vinte........................................................................... 80

    A Burocracia nas teorias elitista e corporativista .......................................................................... 82

    Concluso ..................................................................................................................................... 90

    4. PODER E TOMADA DE DECISES ....................................................................................... 92

    Introduo ..................................................................................................................................... 92

    O enfoque sobre a deciso ........................................................................................................... 92

    A no-tomada de decises ........................................................................................................... 94

    A terceira dimenso do poder ....................................................................................................... 98

    Poder e interesses ...................................................................................................................... 101

    Concluso ................................................................................................................................... 108

    5. RACIONALIDADE E TOMADA DE DECISES..................................................................... 111

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    Modelos racionais ....................................................................................................................... 111

    Incrementalismo.......................................................................................................................... 115

    Mtodos timos e explorao mista ........................................................................................... 123

    O Incrementalismo revisitado ..................................................................................................... 128

    Concluso: racionalidade e poder .............................................................................................. 130

    6. RUMO TEORIA DA IMPLEMENTAO?........................................................................... 134

    Introduo ................................................................................................................................... 134

    O modelo top-down para o estudo da implementao ............................................................... 135

    Problemas com o modelo top-down ........................................................................................... 140

    Estudos de implementao - descritivos ou prescritivos ? ......................................................... 151

    Concluso ................................................................................................................................... 153

    7. A CONTRIBUIO DO ESTUDO DAS ORGANIZAES PARA A ANLISE DO PROCESSO

    DE ELABORAO DE POLTICAS................................................................................................ 157

    Introduo ................................................................................................................................... 157

    A contribuio de Max Weber..................................................................................................... 157

    Mayo e o desenvolvimento do estudo da vida organizacional ................................................... 160

    A contribuio da sociologia das organizaes .......................................................................... 163

    O interno e o externo .................................................................................................................. 168

    Componentes das organizaes ................................................................................................ 172

    Concluses ................................................................................................................................. 178

    8. BUROCRATAS NO PROCESSO DE ELABORAO DE POLTICAS................................. 180

    Introduo ................................................................................................................................... 180

    Comportamento burocrtico e personalidade burocrtica.......................................................... 181

    Burocracia do nvel da rua .......................................................................................................... 186Profissionais na burocracia......................................................................................................... 193

    Concluso ................................................................................................................................... 199

    9. DISCRICIONARIEDADE NO PROCESSO DE ELABORAO DE POLTICAS .................. 201

    Introduo ................................................................................................................................... 201

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    Definies de discricionariedade ................................................................................................ 202

    Discricionariedade na sociologia das organizaes ................................................................... 203

    O tratamento da discricionariedade no estudo da poltica social ............................................... 210

    Discricionariedade na lei administrativa...................................................................................... 214

    Discricionariedade no cumprimento da lei .................................................................................. 220

    Consideraes normativas no estudo da discricionariedade ..................................................... 223

    Concluso ................................................................................................................................... 227

    10. CONCLUSO: ENCADEANDO NVEIS DE ANLISE...................................................... 230

    Benson: as regras de formao de estruturas............................................................................ 232

    Clegg e Dunkerley: a estrutura de dominao ........................................................................... 235

    Salaman: classe e corporao.................................................................................................... 239

    Burrell e Morgan: a contribuio da teoria radical da organizao ............................................ 241

    Bibliografia .................................................................................................................................. 248

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    UM PREFCIO A ESTA TRADUO

    Renato Dagnino

    SOBRE NOSSO OBJETIVO - ACADMICO, IMEDIATO E ESTRITO - AO

    TRADUZIR ESTE LIVRO

    A deciso de traduzir este livro foi tomada depois de t-lo utilizado como uma

    espcie de livro-texto, a partir de 1994, no Programa de Ps-graduao do

    Departamento de Poltica Cientfica e Tecnolgica da Unicamp (DPCT-UNICAMP).

    Sua escolha ocorreu depois de um processo pouco frutfero, teve incio no comeo

    dos 80, de selecionar dentre uma grande quantidade de livros e artigos de cincia

    poltica, administrao pblica etc alguns que pudessem, numa disciplina

    introdutria de um semestre, possibilitar a alunos de diferente formao um

    adequado entendimento do processo de elaborao de polticas pblicas (em

    particular as direcionadas ao complexo pblico de ensino superior e de pesquisa).

    O bom resultado que temos tido com sua utilizao nas disciplinas ministradas

    pelo DPCT-UNICAMP e nos Programas de Capacitao do Grupo de Anlise de

    Poltica de Inovao (GAPI-UNICAMP) deve-se forma como o livro est

    organizado dez captulos encadeados, escritos com clareza, simplicidade e

    profundidade, versando sobre os principais conceitos e marcos analticos da

    Anlise de Poltica, relacionados a outros dez conjuntos de artigos seminais

    editados pelos mesmos autores numa Coletnea (Reader) , ao estiloque adota

    um recorrente enfrentamento entre posies ideolgicas, escolas de

    pensamento e opes metodolgicas, secundado por um permanente desafio

    crtica e formulao de uma sntese apropriada s situaes enfrentadas e ao

    compromisso assumido pelos seus autores - sistematizar todas essas

    contribuies no intuito de melhorar a maneira como o processo de elaborao de

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    polticas se desenvolve no mbito do Estado contemporneo proporcionando aos

    profissionais com ele envolvidos um conjunto de categorias e mtodos de anlise

    apropriados para a construo de alternativas aos cursos de ao tradicionais.

    Este livro possui uma caracterstica que o distingue de outras obras tambmdedicadas ao ainda em consolidao campo da Anlise de Poltica, como o

    bastante conhecido Policy Analysis for the Real World, escrito por Hogwood e

    Gunn e publicado em 1984 pela Oxford University Press. Elas obras buscam

    apresentar aos fazedores e implementadores de polticas, receitas para

    formular polticas que possam ser executadas de modo a alcanar os objetivos e

    os impactos visados. Diferentemente, este livro concentra-se na anlise dos

    condicionantes - de policye de politcs- do processo de elaborao de polticas

    visando instrumentalizar o leitor enquanto analista dedicado ao acompanhamento,

    avaliao e crtica de polticas cuja responsabilidade de formulao e

    implementao corresponde a um outro ator. Assim, relativamente pouca nfase

    dada capacitao do leitor enquanto responsvel pela elaborao, propriamente,

    de polticas pblicas.

    No obstante, o contedo que o livro apresenta constitui-se num subsdio to

    importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar etambm avaliar) polticas pblicas, que se espera de um profissional situado no

    interior do aparelho de Estado, que omiti-lo seria algo assim como esperar que

    algum que nunca pisou numa cozinha possa fazer um bom bolo apenas com

    uma receita (por melhor que ela seja). Em outras palavras, seria aceitar a

    proposio tecnocrtica de que a elaborao de poltica pblica pode ser

    encarada como a simples operacionalizao de um conjunto de normas,

    procedimentos e passos de um manual.

    SOBRE NOSSO OBJETIVO - TAMBM ACADMICO, MAS MENOS IMEDIATO

    E RESTRITO - AO TRADUZIR ESTE LIVRO

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    A leitura deste livro na conjuntura em que vivemos pode servir como uma ajuda

    para responder uma pergunta que a muitos preocupa no meio acadmico: como

    contribuir para gerar as bases cognitivas para alavancar o processo em curso em

    nossa sociedade de construo do estado necessrio. Isto , como incorporar

    nossa atividade acadmica de pesquisa e capacitao de recursos humanos o

    objetivo comum de conformar um estado que possa alavancar o atendimento das

    demandas da maioria da populao e projetar os pases da Amrica Latina numa

    rota que leve a estgios civilizatrios sempre superiores?

    Responder essa pergunta um dos objetivos que a traduo deste livro

    contempla, na medida em que a sua leitura pode vir a colaborar significativamente

    nesse sentido.

    A pergunta demanda, em primeiro lugar, que se identifique as caractersticas do

    estado que herdamos do perodo autoritrio que sucedeu ao nacional-

    desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento, em curso, pelo

    neoliberalismo. Para faz-lo, parece necessrio reconhecer que, mais alm das

    preferncias ideolgicas, a combinao que herdamos, de um estado que

    combinava autoritarismo com clientelismo, hipertrofia com opacidade, insulamento

    com intervencionismo, deficitarismo com megalomania no atendem nem aoprojeto da direita nem ao projeto da esquerda latino-americana*.

    um princpio bsico da atuao das organizaes, o fato de qualquer deciso

    envolve um custo de operao e que, se equivocada, demanda a absoro de

    custos de oportunidade econmicos e polticos. O estado legado pelo

    autoritarismo no contemplava os recursos como escassos. Os econmicos

    podiam ser financiados com aumento da dvida imposta populao, os polticos

    eram virtualmente inesgotveis, uma vez que seu aparato repressivo podiasufocar qualquer oposio.

    A destruio deste estado, que pregava a doutrina neoliberal e que

    empreenderam os governos civis que sucederam dbcledo militarismo no cone

    sul da Amrica Latina, no encontrou muitos opositores. Para a direita, a questo

    * ver a respeito Aguilar, L. El Estudio de las Polticas Pblicas. Mxico, Miguel

    Angel Porrua, 1996.

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    era inequvoca: no havia porque defender um estado superinterventor,

    proprietrio, deficitrio, paquidrmico, que ademais, tornava-se crescentemente

    anacrnico na cena internacional. Na verdade, j h muito, desde que, no

    cumprimento de sua funo de garantir a ordem capitalista, havia sufocado as

    foras progressistas e restaurado as condies para a acumulao de capital, ele

    se tornara disfuncional.

    Para a esquerda, a questo era bem mais complicada. Ela havia participado no

    processo de fortalecimento do estado do nacional-desenvolvimentismo por

    entend-lo como um baluarte contra a dominao imperialista ou como um

    sucedneo de uma burguesia incapaz, por estar j aliada com o capital

    internacional, de levar a cabo sua misso histrica de promover uma revoluo

    democrtico-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo, o inchamento

    do estado promovido pelos militares era visto como um mal menor. A esquerda,

    ao mesmo tempo em que denunciava o carter de classe, repressivo e reprodutor

    da desigualdade social que possua o estado latino-americano, via este

    crescimento como necessrio para viabilizar seu projeto de reconstruo e

    emancipao nacional.

    A questo da privatizao dividiu a esquerda. De um lado ficaram os que, frente ameaa de um futuro incerto, instintivamente queriam preservar o passado, e os

    que, resguardando interesses corporativos, defendiam ardorosamente o estado

    que herdramos. De outro os que, por entender que a construo do estado

    necessrio iria demandar algumas das providncias que estavam sendo tomadas

    pelo neoliberalismo e que o fortalecimento de uma alternativa democrtica e

    popular no devia principalizar a questo, defendiam um legtimo, embora

    inexeqvel na conjuntura existente, controle da sociedade sobre o processo de

    privatizao.

    O final do autoritarismo deu incio a um processo de democratizao poltica que

    tende a possibilitar um aumento da capacidade dos segmentos marginalizados de

    veicular seus interesses levando expresso de uma demanda crescente por

    direitos de cidadania. Na medida em que este processo avanar, aumentar ainda

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    mais a capacidade desses segmentos de pressionar pela satisfao de suas

    necessidades no atendidas por bens e servios - alimentao, transporte,

    moradia, sade, educao, comunicao etc. e, com isto, a demanda por

    polticas pblicas capazes de promover seu atendimento.

    Esse processo, que tem sido chamado de cenrio tendencial da democratizao,

    coloca ao ambiente acadmico um desafio cognitivo enorme. E num primeiro

    momento, pelo menos, para as cincias sociais, e mais especificamente para a

    rea Anlise de Poltica, que ele se reveste de maior importncia. Isto porque

    cabe a essa rea, a partir da criao das bases cognitivas para a construo do

    estado necessrio, municiar todas as demais cincias e assim potencializar sua

    contribuio para o esforo comum em que est engajada a sociedade brasileira.

    SOBRE NOSSO OBJETIVO - ESTRATGICO E MAIS AMPLO - AO TRADUZIR

    ESTE LIVRO

    Satisfazer as necessidades sociais associadas ao cenrio da democratizao com

    eficincia, e no volume que temos em pases como o Brasil, ser necessrioduplicar o tamanho dessas polticas (ou, mais precisamente, do volume de

    recursos envolvidos e impactos esperados) para incorporar os 50% da populao

    hoje desatendida. Se no for possvel promover um processo de transformao do

    estado que herdamos em direo ao estado necessrio que permita satisfazer

    necessidades sociais represadas ao longo de tanto tempo, o processo de

    democratizao pode-se ver dificultado e at abortado, com uma fatal esterilizao

    de energia social e poltica. claro que para satisfazer aquelas demandas, oingrediente fundamental, que no depende diretamente do estado, uma ampla

    conscientizao e mobilizao polticas que, espera-se, ocorra sem um custo

    social maior do que o que esta sociedade vem pagando.

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    O fato de que parece necessrio que o estado faa a "sua parte" um dos

    motivos que nos levaram a traduzir este livro. Acreditamos que ao faz-lo seja

    possvel trabalhar com antecipao, na "frente interna", gerando as condies

    cognitivas necessrias para a transformao do estado. verdade que a

    correlao de foras polticas, que sanciona uma brutal e at agora crescente

    concentrao de poder econmico, muito pouco espao deixa para que uma ao

    no sentido de disponibilizar conhecimento que possa levar melhoria das polticas

    pblicas e da eficincia da mquina do estado contribua para alavancar o

    processo de democratizao. Mas tambm verdade que, como esse espao se

    ir ampliando medida que a democratizao avance e a concentrao de renda,

    que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a sociedade, for sendo

    alterada, este conhecimento poder fazer toda a diferena. Isto , talvez ele venhaa ser o responsvel por se alcanar ou no a adequao scio-tcnica e a

    governabilidade necessrias para tornar materialmente sustentvel o processo de

    mudana social que se deseja.

    Ao longo desse processo, avaliar em que medida privatizao, desregulao,

    liberalizao podem permitir que o estado se concentre em saldar a dvida social e

    impedir que sejam apenas formas de mascarar a sua desresponsabilizao em

    relao proteo aos mais fracos, desnacionalizao da economia e

    subordinao aos interesses do capital globalizado, fundamental.

    Democratizao e redimensionamento do estado, por sua vez, so tarefas

    interdependentes e complementares. A redefinio das fronteiras entre o pblico e

    o privado exige uma cuidadosa deciso: quais assuntos podem ser

    desregulamentados e deixados para que as interaes entre atores privados com

    poder similar determinem incrementalmente um ajuste socialmente aceitvel e

    quais devem ser objeto da agenda pblica, de um processo de deciso racional,participativo e de uma implementao e avaliao sob a responsabilidade direta

    do estado.

    Questes como essas conformam a agenda sobre as quais o campo da Anlise

    de Poltica que trata este livro ter que abordar. Isto porque a democracia uma

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    condio apenas necessria para construir um estado que promova o bem-estar

    das maiorias. S o conjunto que ela forma com uma outra condio necessria a

    capacidade de gesto pblica suficiente. S a democracia aliada efetividade

    da gesto pode levar ao estado necessrio para a transformao da sociedade

    no sentido que ela deseja. Sem democracia no h participao e transparncia

    nas decises, no h avaliao de polticas, no h prestao de contas, no h

    responsveis, h impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso poltico

    genrico e sem relao com ao de governo pode degenerar num assemblesmo

    inconseqente e irresponsvel e numa situao de descompromisso e ineficincia

    generalizada.

    Governar num ambiente de democracia e participao e, ao mesmo tempo, com

    enormes desigualdades sociais que clamam por soluo, requer capacidades e

    habilidades extremamente complexas e difceis de conformar, sobretudo no

    mbito de um estado como o que herdamos. E construir essas capacidades e

    habilidades um desafio acadmico da maior relevncia.

    A democratizao poltica est levando a um crescimento exponencial da agenda

    de governo; a erupo de uma infinidade de problemas que, em geral, demandam

    solues especficas e criativas, muito mais complexas do que aquelas que oestilo tradicional de elaborao de polticas pblicas homogeneizador,

    uniformizador, centralizador, tecnocrtico, tpico do estado que herdamos - pode

    absorver.

    A maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os problemas que o

    estado deveria tratar ficava restrita ao que a orientao ideolgica e o pensamento

    poltico conservador dominante eram capazes de visualizar. A explicao dos

    mesmos estava constrangida por um modelo explicativo que, de um lado tendia quase monocausalidade e, de outro a solues genricas, universais. Isto levou

    ao estabelecimento de um padro nico causa problema soluo no qual,

    embora fosse percebida uma certa especificidade nos problemas enfrentados, o

    fato de que segundo o modelo explicativo adotado, sua causa bsica era a

    mesma, terminava conduzindo proposio de uma mesma soluo.

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    O governo no apenas filtrava as demandas da sociedade com um vis

    conservador e elitista. Ele adotava uma maneira tecnoburocrtica para trat-las

    que levava sua uniformizao, ao seu enquadramento num formato genrico

    que facilitava o tratamento administrativo. Ao faz-lo, escondia sob um manto de

    aparente eqidade os procedimentos de controle poltico e assegurava a

    docilidade do povo, desprotegido e desprovido de cidadania, frente ao

    burocratismo onipotente do estado. Esta situao perpetuava e retroalimentava a

    elaborao de polticas que eram no apenas injustas e genricas. Eram tambm

    incuas, uma vez que as verdadeiras causas ou no eram visualizadas ou no

    podiam ser explicitadas. Este estilo de elaborao de polticas que se consolidou -

    objetivos, instrumentos, procedimentos, agentes, tempos alm de incremental,

    assistemtico e pouco racional tendia a gerar polticas que eram facilmentecapturadas por interesses das elites.

    A sociedade deve estar preparada para fazer com que as demandas que o

    processo de democratizao poltica ir cada vez mais colocar sejam filtradas com

    um vis progressista por uma estrutura que deve celeremente aproximar-se do

    estado necessrio. E isto ir originar um outro tipo de agenda poltica. Sero

    muito distintos os problemas que a integraro e tero que ser processados por

    este estado em transformao. Eles no sero mais abstratos e genricos, sero

    concretos e especficos, conforme sejam apontados pela populao que os sente,

    de acordo com sua prpria percepo da realidade, com seu repertrio cultural,

    com sua experincia de vida, freqentemente de muito sofrimento e justa revolta.

    VOLTANDO AO OBJETIVO ACADMICO PARA CONCLUIR

    Em flagrante contraste com as demandas acima caracterizadas, existem poucos

    trabalhos acerca da relao que as polticas pblicas guardam com os interesses

    polticos e as necessidades sociais. Esta carncia pode ser explicada tanto pelo

    relativo desinteresse dos policy makers que atualmente orientam a poltica pblica

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    e dos que efetivamente a implementam, como daqueles que, adotando posies

    explicitamente progressistas criticam os atuais balizamentos da gesto

    governamental.

    Mas, e talvez este seja o ponto mais crtico da questo, este dficit de produode trabalhos sobre o tema um srio problema para aqueles que, na posio de

    analistas, policy makers ou de, simplesmente, pesquisadores desejariam ir ao

    encontro dos interesses da maioria e de alguma forma contribuir para a satisfao

    das necessidades sociais. um srio obstculo a este desejo o fato de que as

    ferramentas de diagnstico, explicao, anlise e planejamento estratgico

    encontrem-se limitadas a um magro arsenal, normalmente derivado de marcos

    conceituais concebidos a partir de simplrias racionalidades custo-benefcio, ou

    maximizadoras de eficincia administrativa.

    Da mesma forma que pertinente a colocao de que no pode ser deixada de

    lado a necessidade de tornar mais eficiente o modo como se gastam os recursos

    alocados, parece pouco discutvel a afirmao de que a mera adoo de

    estratgias de reengenharia institucional ser incapaz de alterar o status quo. Em

    outros termos: as propostas centradas na otimizao da qualidade de gesto,

    so pr-inerciais e, portanto, inteis para redirecionar os complexos sistemassociais locais de interao entre estado e sociedade para objetivos polticos e

    sociais alternativos.

    O fato apontado, relativo escassa reflexo existente, contribui para explicar

    porque, apesar das numerosas experincias falidas de reforma institucional

    acumuladas na regio durante a dcada passada, ainda se continue buscando

    implementar estratgias baseadas na otimizao da gesto.

    Nossa expectativa, ao traduzir este livro, contribuir para enfrentar a esse desafio:

    como conceber polticas e estratgias orientadas satisfao de necessidades

    sociais e objetivos de desenvolvimento scio-econmico adequadas para reforar

    e consolidar processos de democratizao poltica e econmica?

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    1. POLTICA E ANLISE DE POLTICA

    Introduo

    O interesse na anlise de poltica1tem crescido continuamente nos ltimos anos.

    Iniciado nos Estados Unidos, nos anos 60, o movimento de polticas pblicas

    partiu de duas vertentes de interesse. Em primeiro lugar, a escala e a aparente

    intratabilidade dos problemas frente aos quais se colocam governos de

    sociedades industrializadas ocidentais levaram fazedores de poltica2 a buscar

    ajuda para a soluo daqueles problemas. Em segundo lugar, pesquisadores

    acadmicos, particularmente em cincias sociais, progressivamente voltaram suas

    atenes a questes relacionadas s polticas pblicas3e procuraram aplicar seu

    conhecimento elucidao de tais questes. importante no exagerar nenhuma

    destas tendncias. No houve nenhuma corrida sbita dos fazedores de poltica

    para recorrerem pesquisa acadmica, nem houve uma reordenao imediata

    entre pesquisadores visando anlise de polticas pblicas. O que de fato ocorreu

    foi, ao longo de um perodo de alguns anos, o desenvolvimento de novos

    programas universitrios de ensino em polticas pblicas; diversos jornais

    1NT: policy analysis, no original, foi traduzido por anlise de poltica. necessrio estabelecer

    desde o incio a distino entre dois termos ingleses, policy e politics, uma vez eles que fazem

    referncia a dois conceitos bastante distintos mas que possuem a mesma traduo em portugus:

    poltica. Ao utilizarmos a expresso poltica queremos referir, ao longo do livro, o conceito de

    policy(que possui como uma das tradues possveis para o portugus o termo planejamento) e

    qualquer utilizao diferente ser explicitada. Desta forma, traduzimos policy analysis como

    anlise de poltica ou anlise de polticas. Seguindo nesta linha, sempre que surgirem termos no

    original para os quais isto se faa necessrio, indicaremos a traduo adotada e sua forma em

    ingls: policyou politics.

    2NT: policy-maker, no original, foi traduzido como fazedor de poltica.

    3NT: A expresso public policy, no original, foi traduzida como poltica pblica

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    15

    acadmicos devotados anlise de poltica, estudos polticos e cincias polticas

    foram lanados; professores e pesquisadores em disciplinas consolidadas, tais

    como cincia poltica, economia e sociologia comearam a produzir publicaes

    sobre temas relacionados a poltica. Simultaneamente, agncias governamentais

    comearam a empregar analistas de polticas4, assim adotando tcnicas e prticas

    que viriam a se colocar na ordem do dia para o analista de polticas como, por

    exemplo, anlise de custo e benefcio, oramento por programas e anlise de

    impacto.

    Ao escrever sobre estes desenvolvimentos em 1972, Heclo referiu-se

    modernidade renovada (p. 83) da anlise de poltica, um til lembrete de que,

    embora a rea estivesse expandindo-se, ela no era inteiramente nova. Fazendo

    eco a estes argumentos, Rhodes observou que muito do trabalho tido como novo

    era todo muito familiar (1979, p. 26). Esta familiaridade advinha em parte do

    velho interesse, entre acadmicos e pesquisadores, na atuao do governo e em

    questes polticas. Estudos que haviam sido originalmente desenvolvidos a partir

    do trabalho de estudiosos de anlise de polticas, economistas e outros foram

    ento adotados pela perspectiva emergente da anlise de poltica. Igualmente, a

    tentativa de aplicar o conhecimento da cincia social a problemas governamentais,

    e de influenciar as atividades e decises do governo, recorria a uma tradioenvolvendo indivduos como Keynes, os Webbs e mesmo Marx. Enquanto muito

    era, portanto, familiar, a escala de interesse em questes polticas era nova. Uma

    comparao entre a resposta limitada ao apelo de Lasswell a acadmicos para

    perseguirem uma orientao para a poltica5, em um livro publicado em 1951

    (Lasswell, 1951), e a taxa muito maior de atividade desenvolvida nos anos 60 e 70

    ilustra isto. Uma outra diferena foi que o movimento de polticas pblicas alegava

    oferecer uma nova abordagem para problemas do governo, particularmente

    4NT: do mesmo modo que no caso de policy analysis, traduzimos policy analyst, no original, como

    analista de polticas.

    5NT: policy orientation, no original, foi traduzido como orientao para a poltica.

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    16

    quando comparado com a administrao pblica, cujas falhas evidentes

    forneceram s universidades americanas, no final dos anos 60, o estmulo para o

    desenvolvimento de cursos de anlise de poltica. Muitos dos programas de ps-

    graduao em polticas pblicas tomaram como modelo programas de mestrado

    em administrao de empresas levados a cabo por escolas de administrao

    (business schools). A nfase era dada a mtodos quantitativos combinados

    anlise organizacional e ao desenvolvimento de tcnicas prticas de

    administrao mediante uma abordagem de estudos de casos reais. tica e

    valores tambm encontraram seu lugar em alguns programas. Ainda que alguns

    destes programas afirmassem superar a estreiteza e falta de rigor dos cursos de

    administrao pblica, alguns observadores no ficaram convencidos de que eles

    fossem realmente to diferentes (Rhodes, 1979).

    Se os EUA estavam na liderana destes desenvolvimentos, o Reino Unido no

    ficava muito atrs. Programas de ensino universitrio e pesquisa evoluram a partir

    de meados dos anos 70; paralelamente foram estabelecidos vrios jornais e

    publicaes com um enfoque de polticas e, por certo tempo, discusses foram

    efetuadas sobre a formao de um Brookings britnico, modelado segundo o

    Instituto Brookings de Washington. A inteno era estabelecer um centro

    independente de pesquisa de polticas pblicas para produzir trabalhos de altaqualidade sobre problemas relacionados ao governo. Embora o plano nunca tenha

    se materializado, duas unidades de pesquisa existentes - o Centro para Estudos

    em Poltica Social e Planejamento Poltico e Econmico - combinaram-se para

    formar o Instituto de Estudos de Poltica e o Conselho de Pesquisa em Cincia

    Social colocou uma nova nfase em pesquisas relevantes para as polticas

    pblicas. Uma das diferenas significativas entre os respectivos desenvolvimentos

    dos movimentos de polticas pblicas no Reino Unido e nos Estados Unidos foi

    que nestes as atitudes do governo voltadas para as cincias sociais foram muito

    mais favorveis do que na Inglaterra. Como resultado, o financiamento do governo

    para a pesquisa em cincias sociais e a indicao de acadmicos para postos do

    prprio governo ocorreram nos Estados Unidos em uma escala muito maior

    (Sharpe, 1975). Uma outra diferena foi a de que no Reino Unido os analistas de

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    17

    polticas foram raramente empregados por agncias do governo. Mais

    propriamente, servidores civis, administradores e especialistas no governo

    adquiriram, em maior ou menor grau, alguma prtica em anlise de polticas

    (Gunn, 1980).

    Nos anos 80, o interesse em anlise de polticas continuou a se desenvolver,

    apesar de ter havido uma tendncia de deslocamento dos termos do debate. O

    ataque ao setor pblico levou procura de dispositivos de mercado para se

    resolver problemas de alocao social e nfase na necessidade de solues

    para as ineficincias do setor pblico conduziram aplicao de tcnicas de

    gesto tpicas do setor privado. Assim, a administrao pblica veio a ser cada

    vez mais descrita como gesto pblica (Politt, 1990; Hood, 1991). Curiosamente,

    enquanto uma tal nfase estava voltada para a envolver uma afirmao da

    necessidade de aplicar mecanismos tradicionais formais de controle gerencial

    fundamentadas numa crena de que a implementao de polticas um processo

    direto e retilneo, o ceticismo acadmico sobre os limites do uso da anlise de

    polticas teve por finalidade, por outro lado, a ser compartilhado pelos polticos.

    Conseqentemente, na Inglaterra, nenhum membro da Comisso foi apontado

    durante o governo da Sra. Thatcher. Ao contrrio, apenas curtos exerccios de

    anlise de polticas conduzidos com uma orientao explcita poltica por umpequeno nmero de conselheiros ideologicamente confiveis foram realizados.

    Do que foi dito at agora fica claro que a anlise de polticas um termo que

    descreve toda um espectro de atividades. Na verdade, estas atividades so to

    variadas que um autor argumentou que no pode haver nenhuma definio de

    anlise de poltica (Wildavsky, 1979, p. 15). Na viso de Wildavsky, mais

    importante praticar anlise de polticas do que perder tempo definindo-a.

    Conforme ele comenta, a anlise deveria ser mostrada e no apenas definida.Nada mais ridculo que uma busca ftil de essncias aristotlicas (p. 410).

    Embora tenhamos considervel simpatia por este ponto de vista, somos

    compelidos, enquanto autores de mais uma contribuio crescente literatura

    relacionada anlise de poltica, a tentar algum esclarecimento de termos e

    conceitos bsicos. Isto necessrio, entre outros motivos, porque indicar o

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    escopo da anlise de polticas e aqueles aspectos da temtica compreendidos

    neste livro.

    O escopo da anlise de polticas

    Um dos problemas com que os estudantes de anlise de polticas deparam-se a

    variedade desconcertante de termos usados na literatura. Cincias polticas,

    estudos de poltica e anlise de polticas so trs dos termos mais comumente

    usados para descrever o campo de estudos como um todo. s vezes estes termos

    so usados em sentidos especficos e bem definidos; s vezes so usados de

    forma intercambivel. Quando os termos so definidos, freqentemente h pouca

    consistncia nas definies empregadas por diferentes autores. No por acaso

    que Wildavsky e outros procuram evitar o embarao dos debates voltados a tais

    definies.

    Nossa preferncia por anlise de polticas como descrio geral da matria em

    que estamos interessados. Uma razo para isto que, depois de um perodo no

    qual as cincias polticas pareciam estar ganhando ascendncia (Dror, 1971;

    Lasswell, 1951), a anlise de polticas emergiu como o termo favorecido entre os

    autores de uma srie de contribuies significativas literatura (Wildavsky, 1979;Jenkins, 1978; Hogwood e Gunn, 1984). A no ser que haja razes convincentes

    para o contrrio, parece-nos apropriado aceitar a terminologia existente. Uma

    segunda razo para usar o termo anlise de polticas que ele permite que a rea

    possa ser dividida em anlise depolticas e anlise parapoltica (Gordon, Lewis e

    Young, 1977). Esta distino importante porque chama a ateno para a anlise

    de polticas como uma atividade acadmica preocupada primariamente com o

    avano da compreenso e, tambm, para a anlise de polticas como umaatividade aplicada preocupada principalmente em contribuir soluo de

    problemas sociais. Vamos elaborar esta distino rapidamente. Antes de faz-lo,

    entretanto, consideremos em maior detalhe o objeto da anlise de poltica.

    Anlise de polticas, escreve Thomas Dye, descobrir o que os governos

    fazem, porque o fazem e que diferena isto faz (1976, p.1). Na viso de Dye,

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    todas as definies de anlise de poltica, de fato, significam a mesma coisa - a

    descrio e explicao das causas e conseqncias da ao do governo ( ibid.).

    Numa primeira leitura esta definio parece descrever o objeto tanto da cincia

    poltica quanto o da anlise de poltica. Afinal, os cientistas polticos esto

    interessados nas causas e conseqncias da ao governamental e tm

    despendido muito esforo procurando descrever e explicar tal ao. No obstante,

    conforme mostra Dye, cientistas polticos tm-se concentrado no exame das

    instituies e das estruturas de governo. Apenas mais recentemente a cincia

    poltica deslocou-se de um enfoque institucional para um comportamental. E

    apenas atualmente a poltica pblica tornou-se um objeto de anlise importante

    para os cientistas polticos. O que distingue a anlise de polticas em relao a

    muito do que se produz em cincia poltica, na interpretao de Dye, apreocupao dos analistas de polticas com o queo governo faz. Podemos ainda

    adicionar que a anlise de polticas se distingue, tambm, pelo seu uso de

    conceitos de uma variedade de disciplinas diferentes, aspecto que retomaremos

    adiante neste captulo.

    Embora a definio de Dye enfatize o papel da anlise de polticas no aumento do

    conhecimento da ao do governo, ele nota que ela pode igualmente ajudar

    fazedores de poltica a melhorar a qualidade das polticas pblicas (p. 108). Dyeest aqui corroborando as vises de uma srie de outros autores que argumentam

    que a anlise de polticas uma atividade tanto prescritiva quanto descritiva. Um

    dos fundadores da anlise de poltica, Harold Lasswell, observa o crescimento de

    uma orientao para a poltica (Lasswell, 1951) nas cincias sociais e em outras

    disciplinas. Isto compreende dois elementos: o desenvolvimento do conhecimento

    sobre o processo de elaborao de polticas6 em si e a melhoria da informao

    disponvel para os fazedores de poltica. Lasswell tambm descreve a orientao

    para a poltica como uma abordagem tpica da cincia poltica, um termo tomado

    por emprstimo de Yehezkel Dror para se referir contribuio do conhecimento

    6NT: policy process, no original, foi traduzido como processo de elaborao de polticas .

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    sistemtico, da racionalidade estruturada e da criatividade organizada para melhor

    elaborar as polticas (1971, p. ix). Como Lasswell, Dror mantm grandes

    esperanas em relao contribuio que o estudioso de anlise de polticas7

    pode fazer melhoria do processo de formulao de polticas8 e ao alvio de

    problemas sociais. Assim, enquanto Lasswell sustenta que o estudioso de anlise

    de polticas dever-se-ia concentrar nos problemas fundamentais do homem na

    sociedade (p. 8) e procurar ajudar na efetivao da dignidade humana na teoria

    e na prtica (p. 15), Dror afirma que a anlise de poltica9 essencial para a

    melhoria da condio humana e, de fato, conteno de catstrofes (sic) (1971,

    p. ix).

    A orientao prescritiva da anlise de polticas tambm enfatizada por Aaron

    Wildavsky, embora seja notvel a sua maior modstia nas asseres que faz.

    Conforme notamos, Wildavsky rejeita a idia de que seja possvel chegar a uma

    nica definio de anlise de poltica. Ao invs disso, ele destaca as principais

    caractersticas da anlise de poltica, prestando particular ateno a ela enquanto

    atividade centrada em problemas. Isto , a anlise toma como objeto de estudo

    problemas encarados por fazedores de polticas e visa melhorar estes problemas

    mediante um processo baseado na criatividade, imaginao e profissionalismo. Na

    viso de Wildavsky, freqentemente os problemas no so exatamente resolvidos,mas sim postergados ou engavetados. Dada a intratabilidade de muitos

    problemas sociais, o papel da anlise encontrar problemas em que solues

    podem ser tentadas. Se o analista for capaz de redefinir problemas de uma forma

    que torne alguma melhoria possvel, ento isto j tanto quanto pode ser

    esperado. Como parte deste processo, Wildavsky discute que o analista deveria

    7NT: policy scientist, no original, foi traduzido como estudioso de anlise de polticas. O termo no

    deve ser confundido com political scientist, ou seja, cientista poltico.

    8NT: policy-making, no original, foi traduzido como formulao de polticas, embora em alguns

    casos a expresso elaborao de polticas pudesse tambm ser vlida.

    9NT: policy sciences, no original, foi traduzido como anlise poltica.

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    estar engajado em aes. Pensar sobre problemas e procurar solues -

    interao intelectual, nos termos de Wildavsky - devem ser enriquecidos com

    interao social caso se deseja que a anlise tenha impacto (Wildavsky, 1979, p.

    17). A anlise de polticas est, portanto, preocupada tanto com o planejamento

    quanto com a poltica (politics), e A mais alta forma de anlise usar o intelecto

    para auxiliar a interao entre pessoas (ibid.).

    Vista nestes termos, a anlise de polticas tem tanto a ver com a defesa de idias,

    ou com a sua venda (Wildavsky, 1979, p. 10), quanto com a compreenso. O

    quo longe analistas de polticas acadmicos dever-se-iam engajar na defesa de

    idias uma questo controversa. Lasswell assume uma posio inequvoca

    nesta questo, afirmando que cientistas sociais interessados numa orientao

    para a poltica no deveriam nem se engajar em tempo integral na prtica

    poltica nem empregar seu tempo aconselhando fazedores de polticas em

    questes de cunho imediato. O seu argumento que cientistas sociais dever-se-

    iam concentrar em questes maiores e comunicar suas idias e descobertas a

    fazedores de poltica por intermdio de seminrios em instituies existentes e

    mediante o estabelecimento de novas instituies (Lasswell, 1951). Em uma linha

    semelhante, Dye afirma que a defesa de uma poltica10 e a anlise de polticas

    so empreendimentos separados (1976, p. 3). Ele prossegue, afirmando quecientistas sociais no deveriam se engajar ativamente em poltica (politics), mas

    sim se concentrar na aplicao sistemtica da teoria, da metodologia e das

    descobertas da cincia social a problemas sociais contemporneos da sociedade

    (ibid.). Este argumento encontra eco nos trabalhos de dois autores ingleses,

    Sharpe (1975) e Donnison (1972), que comentam a contribuio de Dye. Sharpe

    conclui uma reviso da relao entre cincias sociais e elaborao de polticas

    sugerindo que as cincias sociais poderiam dar uma maior contribuio

    elaborao de polticas caso os acadmicos se concentrassem na realizao de

    boas pesquisas ao invs de se infiltrarem no Whitehall. J Donnison qualifica seu

    10NT: policy advocacy, no original, foi traduzido como defesa de uma poltica.

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    apelo por um aumento da pesquisa com orientao para a poltica alertando que

    os pesquisadores deveriam permanecer firmemente enraizados no mundo

    acadmico (1972, p. 532).

    Wildavsky nutre alguma simpatia por estas vises, mas vai um pouco almafirmando que a anlise deve incluir consideraes de como as idias que

    emergirem da prpria anlise podero ser aplicadas. Bom profissionalismo - nos

    termos de Dye, a aplicao da teoria aos problemas sociais - requer que as

    dificuldades antecipadas na implementao dos resultados da anlise de polticas

    sejam levadas em conta. Ir alm disto, agindo para implementar a anlise (1979,

    p. 10) e contribuindo ativamente para que idias polticas (policy ideas) possam

    achar seu caminho no mundo (ibid.) so, para Wildavsky, uma opo extra. Ele

    expressa forte preferncia em relao a ela.

    O analista acadmico que se engaja na venda de suas idias est claramente

    operando de forma similar a muitos analistas de polticas que trabalham no

    governo. Como uma atividade governamental, a anlise de polticas tipicamente

    envolve informar e assessorar os fazedores de poltica no processo de escolha

    entre alternativas. O estilo de trabalho de analistas de polticas no governo varia

    consideravelmente. Meltsner (1976), em seu estudo sobre analistas na burocracia

    federal norte-americana, identifica trs tipos: o tcnico, interessado em produzir

    pesquisa - de orientao para a poltica - de boa qualidade que , essencialmente,

    um acadmico em residncia burocrtica; o poltico, preocupado com a obteno

    de influncia e promoo pessoais e interessado em anlises apenas na medida

    em que estas dizem respeito a estes mesmos fins; e o empreendedor, interessado

    no uso da anlise para influenciar a poltica (policy) - e melhorar o impacto desta.

    Um ponto a se observar o fato de analistas acadmicos estarem penetrando

    cada vez mais o mbito do governo, ignorando desse modo a advertncia deLasswell de que eles no deveriam envolver-se diretamente no aconselhamento

    de polticos. Isto verdade no apenas nos Estados Unidos, mas tambm no

    Reino Unido onde, como mencionamos, analistas de polticas como tal tm sido

    raramente empregados por agncias do governo. No Reino Unido, acadmicos

    tm agido como assessores polticos a comits de ministros e parlamentares,

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    alm de atuarem no Grupo Central de Reviso Poltica (Central Policy Review

    Staff), estabelecido em 1970 como um think tank dentro do governo. Em

    conseqncia, a linha divisria entre analistas de polticas dentro e fora do

    governo tornou-se crescentemente difusa. Ao mesmo tempo, analistas de polticas

    acadmicos tm usado em alguns casos suas especializaes para assessorarem

    a grupos de presso a perseguir suas preferncias polticas (policy). esta

    espcie de atividade executada em diferentes cenrios que faz da anlise de

    polticas uma disciplina to difcil de ser delimitada e definida.

    Estudo docontedoda poltica

    Estudo doprocesso deelaborao

    de poltica

    Estudo dosresultadosda poltica

    Avaliao

    Informaopara aelaboraode polticas

    Defesa deprocessos

    Defesa depolticas

    Analistacomo ator

    oltico

    Ator polticocomo analista

    Estudos polticos(Conhecimento depoltica e

    do processo de elaborao de polticas)

    Anlise de polticas(Conhecimento noprocessode elaborao de polticas)

    Figura 1.1 Tipos de estudo da elaborao de polticas pblicas (Fonte:

    Hogwood e Gunn, 1981)

    Contudo, a discusso pode avanar se retornarmos distino entre anlise de

    polticas e anlise para poltica mencionada anteriormente neste captulo. Se,

    conforme sugerimos, alguns analistas de polticas esto interessados em melhorar

    o entendimento da poltica (policy), alguns esto interessados em melhorar a

    qualidade da mesma, e outros em ambas as atividades, possvel fazer distines

    mais precisas entre diferentes tipos de trabalho de anlise de polticas?

    Acreditamos que sim. Em particular, a tipologia proposta por Hogwood e Gunn

    (1981, veja tambm seu livro de 1984) que recorre a uma anlise anterior de

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    Gordon, Lewis e Young (1977), indica sete variedades de anlise de poltica,

    ilustradas na Figura 1.1. Primeiramente, h estudos do contedo da poltica

    (studies of policy content)nos quais os analistas procuram descrever e explicar a

    gnese e o desenvolvimento de polticas particulares. No Reino Unido, muito da

    poltica social e do trabalho de administrao enquadra-se nesta categoria. O

    analista interessado em contedo de polticas geralmente investiga um ou mais

    casos a fim de determinar como uma poltica surgiu, como foi implementada e

    quais foram os resultados. Em segundo lugar, h estudos do processo de

    elaborao de polticas (studies of policy process)em que a ateno dirigida aos

    estgios pelos quais passam questes e procura-se avaliar a influncia de

    diferentes fatores no desenvolvimento da questo. Estudos do processo de

    elaborao de polticas invariavelmente mostram certo interesse pelo contedo depolticas, mas de uma forma geral esto interessados em desvendar as vrias

    influncias na formulao de polticas. Um exemplo clssico o livro de Graham

    Allison (1971) sobre a crise dos msseis em Cuba em que a crise usada para

    demonstrar as vantagens e desvantagens de uma srie de modelos do processo

    de elaborao de polticas. Estudos do processo de elaborao de polticas so

    freqentemente voltados a questes isoladas deste tipo ou a reas polticas

    especficas, mas eles podem igualmente estar dirigidos ao processo deelaborao de polticas dentro de uma organizao ou s influncias sobre a

    poltica dentro de uma sociedade ou comunidade particular. Em terceiro lugar, h

    estudos de resultados de polticas (studies of policy outputs) que procuram

    explicar porque os nveis de gasto ou de proviso de servios variam entre

    diferentes reas. Na terminologia de Dye, estes so estudos de determinao de

    polticas (1976, p. 5), estudos que tomam polticas como variveis dependentes e

    tentam compreend-las em termos de fatores sociais, econmicos, tecnolgicos e

    outros. Estudos de resultados tm recebido muita ateno nos Estados Unidos,

    entre outros, no prprio trabalho de Dye, e tm sido empreendidos de forma

    crescente no Reino Unido e em outros pases da Europa ocidental. Uma rea de

    aplicao particularmente complexa desta abordagem pode ser encontrada na

    vasta literatura que tenta explicar diferenas nacionais no desenvolvimento de

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    polticas de bem-estar social (para uma reviso sucinta, veja Baldwin, 1990). A

    quarta categoria, estudos de avaliao (evaluation studies), marca a fronteira entre

    anlise de polticas e anlise para a poltica. Estudos de avaliao so muitas

    vezes chamados de estudos de impacto por se voltarem ao impacto que as

    polticas tm sobre a populao. Estudos de avaliao podem ser ou descritivos

    ou prescritivos. Em quinto lugar, h a informao para a elaborao de polticas

    (information for policy-making) na qual dados so ordenados a fim de auxiliar

    fazedores de poltica a tomarem decises. Informaes para a poltica podem ser

    obtidas de estudos efetuados dentro do prprio governo, como parte de um

    processo regular de monitoramento, ou fornecidas por analistas de polticas

    acadmicos preocupados com a aplicao de seu conhecimento a problemas

    prticos. Em sexto, h a defesa de processos (process advocacy), uma varianteda anlise para a poltica na qual os analistas procuram melhorar a natureza dos

    sistemas de elaborao de polticas. A defesa de processos manifestada em

    tentativas de melhorar a mquina do governo por intermdio da realocao de

    funes e tarefas, e de esforos para aumentar a base para a escolha entre

    polticas mediante o desenvolvimento de sistemas de planejamento e de novos

    enfoques para avaliao de opes. Finalmente, h a defesa de polticas (policy

    advocacy), a atividade que o analista desempenha ao pressionar pela adoo deopes e idias especficas no processo de elaborao de polticas, seja

    individualmente, seja em associao com outros, freqentemente por intermdio

    de um grupo de presso.

    A orientao para a poltica11

    Tendo esclarecido o significado da anlise de polticas e as vrias formas que ela

    pode tomar, estamos agora prontos para especificar as reas que so de

    particular interesse para ns neste livro. Nosso principal interesse na anlise de

    polticas. Isto implica que estamos preocupados especificamente com estudos do

    11NT: policy orientation, no original, foi traduzido como orientao para a poltica.

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    processo de elaborao de polticas, o que no significa que negligenciemos

    contribuies relevantes de estudos relacionados s outras categorias

    identificadas por Hogwood e Gunn, particularmente estudos de resultados de

    polticas que resultam em proporcionam interpretaes inovadoras dos processos

    de elaborao de polticas. Estamos, pois, interessados em uma importante parte

    especfica de todo o campo de anlise de polticas. Ao estudarmos o processo de

    elaborao de polticas, consideramos til recorrer a idias e contribuies de

    vrias disciplinas acadmicas, particularmente da cincia poltica e da sociologia.

    No concordamos com Dror que a anlise de polticas (na sua terminologia, policy

    sciences) seja uma nova supra-disciplina (1971, p. ix). Antes, endossamos a

    viso de Wildavsky de que a anlise de polticas uma sub-rea aplicada cujo

    contedo no pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim porqualquer coisa que parea apropriada s circunstncias do tempo e da natureza

    do problema (1979, p. 15). Mesmo aqueles com um conhecimento apenas

    superficial da literatura de anlise de polticas reconhecem prontamente os

    problemas que advm da tentativa de situar a anlise de polticas nas categorias

    disciplinares existentes. por este motivo que Lasswell se refere a uma

    orientao para a poltica - uma orientao que vai alm das especializaes

    existentes (1951, p. 3). Esta a formulao que nos propomos seguir.Conforme nossa viso, o propsito da anlise de polticas , utilizando idias

    provenientes de uma srie de disciplinas, interpretar as causas e conseqncias

    da ao do governo, em particular ao voltar sua ateno ao processo de

    formulao poltica. Mas o que poltica (policy)? Esta uma questo que

    novamente tem atrado muito interesse, porm pouca concordncia. Heclo

    observa que poltica no (...) um termo auto-evidente (1972, p. 84) e ele sugere

    que uma poltica pode ser utilmente considerada mais como um curso de ao ou

    inao do que como decises ou aes especficas (p. 85). Como uma variante

    disto, David Easton menciona que uma poltica (...) consiste de uma teia de

    decises e aes que alocam (...) valores (1953, p. 130). Uma definio adicional

    oferecida por Jenkins, que v poltica como um conjunto de decises

    interrelacionadas...concernindo a seleo de metas e os meios de alcan-las

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    dentro de uma situao especificada (...) (1978, p. 15). Outros autores chegam a

    sugerir definies ainda mais vagas: Friend e seus colegas dizem que poltica

    essencialmente uma posio que, uma vez articulada, contribui para o contexto

    dentro do qual uma sucesso de decises futuras ser feita (1974, p. 40);

    Cunningham, um antigo alto funcionrio pblico britnico, discute que poltica

    mais como o elefante - voc o reconhece quando o v, mas no pode defini-lo

    facilmente (1963, p. 229). Os problemas de definio colocados pelo conceito de

    poltica sugerem que difcil trat-lo como um fenmeno muito especfico e

    concreto. A poltica pode por vezes ser identificvel em termos de uma deciso,

    mas muito freqentemente ela envolve ou grupos de decises ou o que pode ser

    visto como pouco mais que uma orientao. As tentativas de definio tambm

    implicam que difcil identificar ocasies particulares em que poltica feita. Apoltica muitas vezes continua a desenvolver-se mais propriamente dentro do que

    convencionalmente descrito como fase de implementao do que da fase de

    formulao do processo de elaborao de polticas.

    Vejamos um pouco mais as implicaes do fato de que a poltica envolve antes

    um curso de ao ou uma teia de decises do que uma deciso. Isto implica

    diversos aspectos. Em primeiro lugar, uma teia de decises, geralmente de

    considervel complexidade, pode estar envolvida no desencadear de aes. Umateia de decises que permanece atuando durante um longo perodo de tempo,

    estendendo-se muito alm do processo inicial de formulao de poltica pode fazer

    parte de uma rede complexa. Um segundo aspecto que, at mesmo no nvel de

    elaborao poltica, esta no comumente expressa em uma nica deciso. Ela

    tende a ser definida em termos de uma srie de decises que, tomadas em seu

    conjunto, possibilita um entendimento mais ou menos comum do que poltica.

    Terceiro, polticas invariavelmente mudam com o passar do tempo. Declaraes

    de intenes de ontem podem no ser as mesmas que as de hoje, seja devido a

    ajustes incrementais a decises anteriores, seja devido a mudanas de direo

    mais significativas. Da mesma forma, a experincia de implementar uma deciso

    pode ser realimentada no processo de tomada de decises, desse modo criando

    ou levando a mudanas na alocao de valores. Isso no quer dizer que polticas

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    estejam sempre mudando, mas simplesmente que o processo de elaborao de

    polticas mais propriamente dinmico que esttico e que devemos estar atentos

    mobilidade das definies de questes. Em quarto lugar, um desenvolvimento

    deste ponto que muito da tomada de decises em poltica concerne, como

    Hogwood e Gunn (1984) notaram, tentativas em torno da difcil tarefa do trmino

    de uma poltica ou de determinar a sucesso da mesma (veja tambm Hogwood

    e Peters, 1983).

    Em quinto, o corolrio dos dois ltimos pontos a necessidade de reconhecer que

    o estudo de polticas tem como um de seus principais interesses o exame de no-

    decises. isto que Heclo mostra em sua referncia inao. O conceito no-

    tomada de decises tem se tornado crescentemente importante nos ltimos anos

    e tem-se discutido que muito da atividade poltica concerne a manuteno do

    status quo e a resistncia a contestaes alocao existente de valores. A

    anlise desta atividade uma parte necessria do exame da dinmica do

    processo de elaborao de polticas e ns investigaremos a no-tomada de

    decises no Captulo 4. Finalmente, as definies citadas acima levantam a

    questo de se poder encarar ou no a poltica como uma ao sem decises.

    Pode ser dito que um padro de aes ao longo de um perodo de tempo constitui

    uma poltica, mesmo que estas aes no tenham sido formalmente sancionadaspor uma deciso? Autores em poltica tm voltado sua ateno de forma crescente

    ao de agentes de mais baixo nvel, algumas vezes chamados de burocratas

    do nvel da rua (Lipsky, 1980), a fim de conquistarem uma melhor compreenso a

    respeito da elaborao e implementao de polticas. Em algumas circunstncias

    sugere-se que neste nvel do sistema que a poltica realmente feita. Pareceria

    importante balancear uma perspectiva de decises de cima para baixo em

    polticas com uma perspectiva de baixo para cima orientada ao. Pode-se

    dizer, portanto, que tanto as aes quanto as decises constituem o enfoque

    apropriado da anlise de polticas e exploraremos a influncia dos burocratas do

    nvel da rua mais adiante neste livro.

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    29

    Demandas

    Apoio

    Entradas Decises e aes

    Sadas

    Ambiente Ambiente

    AmbienteAmbiente

    SISTEMA

    POLTICO

    Figura 1.2 Um modelo simplificado do sistema poltico12

    (Fonte:Easton, 1965a).

    Discutimos a poltica, at aqui, como o resultado do processo de elaborao de

    polticas. Wildavsky nos lembra de que poltica um processo e tambm um

    produto. O termo usado para se referir ao processo de tomada de decises e

    igualmente ao produto deste processo (1979, p. 387). Ao procurar compreender

    as complexidades do processo de tomada de decises, autores tm posto emevidncia uma variedade de modelos dentre os quais o enfoque sistmico

    esboado por David Easton (1953, 1965a e b) tem recebido considervel

    proeminncia. Easton discute que a atividade poltica pode ser analisada em

    termos de um sistema contendo uma srie de processos que devem permanecer

    em equilbrio a fim de que a atividade sobreviva. O paradigma que ele emprega

    o sistema biolgico cujos processos vitais interagem uns com os outros e com o

    meio ambiente para produzir um estado corporal mutvel e, no entanto, estvel.Easton afirma que sistemas polticos so como sistemas biolgicos e existem em

    12NT: political system, no original, foi traduzido como sistema poltico.

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    um ambiente que contm uma variedade de outros sistemas, incluindo sistemas

    sociais e ecolgicos.

    Um dos processos fundamentais dos sistemas polticos so as entradas que

    tomam a forma de demandas e apoios. Demandas envolvem aes de indivduose grupos buscando alocaes autorizadas de valores. Os apoios encerram aes

    tais como votaes, obedincia lei e pagamento de taxas. Isso entra na caixa

    preta da tomada de decises, tambm conhecida como processo de converso,

    para produzir sadas, as decises e polticas das autoridades. Sadas podem ser

    distinguidas de resultados, que so os efeitos que polticas tm sobre os cidados.

    A anlise de Easton no termina aqui, pois se admite realimentao dentro da

    estrutura dos sistemas mediante a qual as sadas do sistema poltico influenciam

    futuras entradas no sistema. O processo como um todo representado na Figura

    1.2.

    O principal mrito da teoria dos sistemas que ela fornece uma forma de

    conceitualizar o que so, freqentemente, complexos fenmenos polticos. Ao

    enfatizar processos como sendo opostos a instituies ou estruturas, o enfoque de

    Eastman representa um avano em relao a anlises mais tradicionais dentro da

    cincia poltica e da administrao pblica. O enfoque tambm til ao

    desagregar o processo de elaborao de polticas em uma srie de estgios

    diferentes, de forma que cada um dos quais possa ser analisado mais

    detalhadamente. O modelo sistmico importante por todas estas razes e isso,

    sem dvida, ajuda a justificar sua proeminncia na literatura. O modelo, todavia,

    tem suas desvantagens e nossa compreenso de poltica e do processo de

    elaborao de polticas pode ser mais desenvolvido ao examinarmos vrios

    pontos criticveis.

    Primeiramente, seria errneo aceitar a conceitualizao de Easton do sistema

    poltico como uma descrio precisa da forma como sistemas funcionam na

    prtica. Embora a identificao de processos de Easton tenha seu valor, a

    ordenao pura e lgica destes processos em termos de iniciao de demanda,

    atravs do processo de converso para sadas, raramente ocorre de modo to

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    simples no mundo prtico da elaborao de polticas. Por exemplo, os prprios

    fazedores de poltica podem ser a fonte de demandas e, embora Easton

    reconhea a importncia do que ele denomina co-entradas (withinputs), deve ser

    considerada a maneira como os comportamentos individual e grupal podem ser

    moldados por lderes polticos. Um corpo crescente de trabalho sugere que, longe

    de surgirem autonomamente na comunidade, demandas polticas podem ser

    produzidas por lderes que, por meio disso, criam condies para sua prpria ao

    (Edelman, 1971). Mediante a manipulao da linguagem e da criao de crises, as

    autoridades podem impor suas prprias definies de problemas e ajudar a forjar

    a agenda poltica. O reconhecimento destes processos um importante corretivo

    para as hipteses ingnuas encontradas em algumas aplicaes da teoria de

    sistemas. O trabalho de Edelman tambm chama ateno para a forma na qualpolticas servem a propsitos simblicos, isto , polticas podem ser

    freqentemente mais efetivas para dar a impresso de que o governo est

    tomando atitudes, e portanto para manter o apoio poltico, do que para lidar com

    problemas sociais. Conforme Dye mostrou, uma fraqueza da anlise de polticas

    concentrar-se primariamente em atividades dos governos ao invs de em sua

    retrica (1976, p. 21). O que isto sugere que estudantes do processo de

    elaborao de polticas deveriam estar precavidos para no levar os fazedores depoltica muito a srio. Polticas podem ser direcionadas a melhorias de condies

    sociais, mas isto deveria ser mais parte do objeto de investigao do que uma

    hiptese de pesquisa.

    Uma segunda crtica estrutura sistmica decorre de ela salientar a importncia

    central do processo de converso, a caixa preta da tomada de decises e, no

    entanto, dar-lhe relativamente pouca ateno ao compar-lo considerao

    detalhada de demandas e apoios. Isto indica a necessidade de se basear no

    apenas na anlise de sistemas, mas tambm no trabalho que explora a dinmica

    da tomada de decises. Uma parte considervel deste livro concerne a penetrao

    na caixa preta. Incluso no sistema poltico, conforme usado aqui em termos gerais,

    parece haver uma grande quantidade de atividade poltica. Isto envolver a poltica

    inter-organizacional - entre nveis do governo (central e local) e entre diferentes

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    departamentos do mesmo nvel. Estas relaes polticas so canalizadas por

    estruturas e regras, as quais, por seu lado, so o objeto de ao poltica contnua.

    Uma terceira crtica, que parte deste ltimo ponto, o fato de o sistema, e em

    particular a forma em que processos ocorrem dentro da caixa preta, ser eleprprio objeto de ao poltica. Haver diversas partes deste livro em que vamos

    querer mostrar a importncia do que tem sido chamado de elaborao de meta-

    polticas (Dror, 1986; veja tambm Hupe, 1990). Isto diz respeito ao

    estabelecimento e mudana de sistemas e estruturas dentro dos quais ocorrem

    os processos concernindo a sadas (outputs) polticas significativas. Naturalmente,

    a cincia poltica presta ateno considervel aos grandes exemplos de

    elaborao de meta-polticas: a determinao de constituies e as batalhas por

    poder poltico caractersticas da formao de naes ou da desintegrao de

    imprios. O que pode ser negligenciado, entretanto, o modo como as relaes

    entre unidades do governo esto sujeitas a ajustes contnuos na medida em que

    obrigaes e oramentos so alterados. Representaes sistemticas do

    processo de elaborao de polticas tendem a dar a conflitos a aparncia de jogos;

    o problema reside no fato de que a poltica pode tanto ser sobre o asseguramento

    de um resultado especfico quanto sobre mudanas nas regras do jogo. Alm

    disso, este ltimo aspecto pode ser tanto incitado por um interesse em influenciarum resultado atual quanto por uma preocupao em influenciar resultados futuros.

    O modelo sistmico tende a tratar o prprio sistema como algo esttico e

    incontestvel, ou pelo menos apenas sujeito a raras mudanas fundamentais

    dentro de naes-estado mais estveis.

    A prpria nfase na teoria sistmica sobre a idia da caixa preta instrutiva. A

    imagem nos lembra de que estes processos so freqentemente difceis de serem

    penetrados e, conseqentemente, de serem pesquisados. importante, portanto,tentar desenvolver modelos do modo como decises so tomadas e compar-los

    e contrast-los a fim de perceber as diferentes formas em que eles nos ajudam a

    compreender processos. Allison (1971) oferece uma abordagem til aqui. Ele

    sugere que trs modelos so relevantes. H, primeiramente, o modelo do ator

    racional que v aes como sendo formadas por agentes propositados com certas

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    metas e objetivos. Estes agentes tm que escolher entre cursos alternativos de

    ao a fim de alcanar seus objetivos. Associadas s alternativas tm-se,

    supostamente, conjuntos de conseqncias e a escolha racional consiste em

    selecionar a alternativa cujas conseqncias esto situadas num nvel mais

    elevado. Em segundo lugar, h o modelo do processo organizacional que v a

    ao no como escolha racional, mas como o resultado do comportamento

    organizacional. Este comportamento , largamente, a decretao de rotinas

    estabelecidas em que a ateno dada seqencialmente a objetivos e em que

    procedimentos operacionais padro so adotados. Em contraste, o modelo de

    poltica (politics) burocrtica no v a ao nem como escolha nem como

    resultado, mas antes como o resultado de acordos entre grupos e indivduos no

    sistema poltico. H outras maneiras de se formular as alternativas de Allison. Oque realamos aqui o valor do mtodo, que pode usar vrias formas de teoria de

    deciso e organizao. Ns discutiremos e desenvolveremos este ponto em

    captulos posteriores.

    Um dos mritos do modelo sistmico que ele chama ateno para o

    relacionamento entre sistemas polticos e outros sistemas. Na Figura 1.2 estes

    outros sistemas so mencionados como sendo simplesmente o meio-ambiente do

    sistema poltico. Este ambiente e sua influncia na poltica (policy) constituem umapreocupao maior nos estudos de resultados de polticas. O trabalho de Thomas

    Dye (1976) - e outros - procura explicar as polticas que emergem de sistemas

    polticos em termos de uma srie de caractersticas no ambiente, incluindo nveis

    de urbanizao, renda per capita, nvel educacional etc. Embora eles no ignorem

    variveis polticas, estudos de resultados tentam situar estas variveis em um

    contexto e avaliar sua importncia relativa s caractersticas sociais e econmicas

    da populao particular sob investigao. Estudos de resultados servem como

    lembretes teis de que a poltica no pode ser considerada isoladamente da

    economia e da sociedade. Como Minogue comenta,

    o que governos fazem envolve o todo da vida social,

    econmica e poltica, seja prtica ou potencialmente. Polticas

    pblicas so, auto-evidentemente, no um campo estreito de

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    investigao, embora analistas de polticas possam bem se

    concentrar apenas em reas estreitas de todo o campo. Polticas

    pblicas fazem coisas a economias e sociedades, de forma que, em

    ltima anlise, qualquer teoria explicativa satisfatria de polticas

    pblicas deve tambm explicar as interrelaes entre Estado,

    poltica, economia e sociedade. (Minogue, n.d., p. 5)

    Ns endossamos esta viso, acrescentando apenas que economias e sociedades

    fazem coisas s polticas e vice versa. Por conseguinte, a anlise de polticas

    deveria atribuir a merecida ateno aos contextos sociais, polticos e econmicos

    dentro dos quais se lida com problemas. Da mesma forma, o estudante do

    processo de elaborao de polticas deveria manter-se afastado do mundo da

    poltica cotidiana a fim de levantar algumas das maiores questes sobre o papel

    do Estado na sociedade contempornea e a distribuio de poder entre diferentes

    grupos sociais. A no ser que isto seja feito, a anlise de polticas dever

    permanecer, na melhor das hipteses, como um empreendimento parcial.

    Embora haja reconhecimento crescente destas questes maiores na literatura de

    anlise de poltica, persiste o caso de muitos autores que ignoram este nvel de

    anlise. De forma breve, o que sugerimos a necessidade de se combinar a

    anlise de sistemas com a anlise sistmica a fim de se obter uma compreenso

    adequada da ao do governo. Isto conduz importncia de se dar ateno a

    questes sobre como decises so tomadas dentro de organizaes, incluindo o

    sistema de elaborao e de implementao poltica, questes sobre os arranjos

    institucionais contendo o sistema e questes sobre o papel do Estado e seu

    relacionamento com a sociedade. Alm disso, h claramente questes,

    particularmente significativas e problemticas, sobre as formas com que estas trs

    preocupaes se assentam juntos.

    Concluso

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    Muito da discusso neste captulo foi baseada na distino entre anlise de

    polticas e anlise para poltica. Ns discutimos que a anlise de polticas

    interessa-se tanto pela promoo da compreenso da poltica e do processo de

    elaborao de polticas quanto por prescrever como polticas podem ser

    melhoradas. Concluindo, queremos chamar ateno para a dificuldade de se

    manter esta distino. Nossa experincia em ensinar e escrever sobre anlise de

    polticas ao longo de vrios anos sugere que estudantes e leitores quase

    invariavelmente procuram extrair lies da anlise, ainda que muito da anlise

    seja apresentado como simples explicao. Por esta razo, o analista acadmico -

    como sua contraparte burocrtica - pode no ser capaz de evitar tornar-se um

    defensor de polticas. Estamos igualmente conscientes de que a anlise no pode

    ser isenta de valores. Como Rein (1976 e 1983) observou, a idia de que a anliseseja cientfica, imparcial e neutra um mito, pois a pesquisa inevitavelmente

    influenciada pelas crenas e suposies do pesquisador. A estrutura dentro da

    qual a pesquisa de polticas efetuada tambm tem um ponto de apoio nos

    pontos que so investigados e nas questes que so levantadas. O fato de a

    pesquisa de polticas ser muitas vezes financiada por agncias do governo

    significa que a agenda de pesquisa determinada mais por polticos e burocratas

    do que por acadmicos. Por todas estas razes Rein contesta a idia de que aanlise possa ser destituda de valores e ele defende uma posio de crtica a

    valores na qual o pesquisador adote um enfoque ctico e questione

    continuamente as suposies dos fazedores de poltica. A posio de crtica a

    valores implica que para analistas de polticas a tarefa mais exigente a

    identificao de seus prprios valores (1976, p. 169). Se este o caso, ento que

    valores o analista de polticas persegue e qual a ideologia implcita da anlise de

    poltica?

    Rein , comparativamente, apenas um dentre vrios analistas de polticas

    americanos que, recentemente, contriburam para deslocar esta atividade em seu

    pas de uma preocupao relativamente ingnua com tecnologias de resoluo de

    problemas para um reconhecimento da extenso na qual esto engajados em uma

    atividade restringida pela poltica (politics) e profundamente penetrada por

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    interesses de valores (veja Heineman et al., 1990). O trabalho de Aaron

    Wildawsky tambm fornece um ponto de referncia para se levantar estas

    questes. Refletindo sobre a falha de programas sociais nos Estados Unidos nos

    anos 60 em seu livro Speaking Truth to Power (Dizendo a Verdade ao Poder),

    Wildavsky comenta que muitas das bolsas de estudos dos anos setenta, a minha

    entre elas, foram um esforo para entender o que havia dado errado e aprender

    como as coisas poderiam ser feitas para funcionarem melhor (1979, p. 4).

    Wildavsky prossegue, afirmando que a anlise de polticas envolve o aprendizado

    a partir da experincia, particularmente da experincia do fracasso e da correo

    dos erros que da surgem. No se deve esperar muito da anlise e, em contraste

    s grandes alegaes feitas para a anlise de polticas por Lasswell e Dror,

    Wildavsky rejeita a idia de que a anlise deveria ser voltada para aapresentao de cenrios utpicos (p. 396). Ao invs disso ele afirma que a

    anlise deve permanecer ancorada ao padro atual de relaes sociais (ibid.). A

    anlise est, portanto, menos interessada em como realizar os objetivos e

    preferncias das pessoas que em modificar e reduzir preferncias de forma que

    elas possam ser realizadas. Da mesma forma, Wildavsky sustenta que a anlise

    de polticas diz respeito a melhorias, melhorar as preferncias do cidado em

    relao s polticas que ele - o povo - possa preferir (p. 19). Dentro destaestrutura, a viabilidade de polticas que fornece o teste para sua boa qualidade.

    Se polticas e problemas puderem ser acomodados a preferncias e objetivos,

    ento o analista ter alcanado sucesso.

    Os valores que Wildavsky articula tm claramente uma natureza conservadora -

    um ponto que ele prprio admite. Se a anlise de polticas est localizada na

    estrutura existente de relaes sociais e se o escopo da anlise limitado a

    questes j na agenda para discusso, ento questes significativas podem ser

    ignoradas e as necessidades de grupos particulares podem ser negligenciadas.

    Embora Wildavsky discuta que a interao social e a cogitao intelectual

    deveriam ser unidas, sua preferncia pessoal pela interao desempenhando

    um papel maior na elaborao de polticas que no planejamento. Dado que os

    governos no tem alcanado um sucesso significativo no trato de problemas

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    sociais, Wildavsky sugere que se considere os governos como tendo um papel

    limitado e que a sua interao com os mercados e com o sistema poltico seja

    realada. Como um revisor comentou, a preferncia geral por solues de

    mercado ao planejamento pblico (Premfors, 1981, p. 222) um elemento-chave

    da ideologia da anlise de polticas desposada por Wildavsky. Como Minogue

    assinala ao parafrasear o ttulo do livro de Wildavsky, Power decides what Truth

    is (O Poder decide o que a Verdade ) (Minogue, 1983, p. 79).

    Nossa posio um tanto diferente. Embora reconheamos as virtudes do

    enfoque pragmtico preferido por Wildavsky, acreditamos que analistas de

    polticas no deveriam se restringir a examinar como polticas podem ser

    melhoradas dentro de relaes sociais e polticas j existentes. Mais que isso,

    estas relaes deveriam ser, em si, parte do campo de investigao. A anlise de

    polticas no tem necessidade de ser conservadora se ela se volta tanto a no-

    decises quanto a decises e se alguns dos cenrios utpicos que Wildavsky

    deliberadamente exclui de sua anlise so examinados. Nossa preferncia pela

    poltica acima do mercado como meio de se chegar a decises e no aceitamos

    que governos tenham sido completamente infrutferos em suas tentativas de

    melhorar problemas sociais. Como o prprio Wildavsky comenta, comparar o

    estado social da nao antes e depois destas polticas sociais [dos anos 60]... Eume questiono se estaramos dispostos a trocar os problemas atuais por aqueles

    que ento tnhamos. Eu no estaria. No considero os anos sessenta como uma

    dcada desastrosa (1979, p. 5). Em qualquer caso, mesmo que o governo tenha

    fracassado em vrias reas polticas, ento o caminho para a ao mais efetiva

    pode estar menos no sentido do desprendimento e da retirada do governo e mais

    no sentido de se agir sobre restries econmicas e sociais que limitam a

    efetividade do governo. precisamente por esta razo que debatemos o caso de

    um enfoque em anlise de polticas que reconhece estas consideraes mais

    extensas. A efetividade de polticas e de processos de elaborao de polticas no

    pode ser avaliada independentemente da anlise da distribuio dos poderes

    econmico e social em sistemas polticos.

  • 5/21/2018 Processo-de-Elaboracao-de-Politicas-no-Estado-Capitalista-Moderno...

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    Como apoio a nosso argumento e comentrio conclusivo, citamos o trabalho de

    Charles Lindblom. Por muito tempo a maior contribuio de Lindblom para a

    anlise de polticas fora amplam