Processo Civil - Casos Práticos

121
PROCESSO CIVIL FDUCP Maria Luísa Lobo 2012/2013 Página 1 I - Tipos de acção, formas de processo e providências cautelares Caso I 1. Aníbal comprou na loja “FNAT”, no Porto, uma televisão da conhecida marca “XPTO”, pelo valor de €2.500,00. TEMA: TIPOS DE ACÇÕES E FORMAS DE PROCESSO a) Passado um tempo, Aníbal verifica que a televisão não tem as características que lhe foram asseguradas pelo Vendedor e instaura uma acção de anulação do contrato, com fundamento em erro, no Tribunal cível do Porto. Qual o tipo de acção e a respectiva forma de processo? Tipo de Acção Nos termos do art. 4º/1 CPC podem existir dois tipos de acções: acções declarativas e acções executivas (pressupõe a existência de um título executivo art. 45º e ss. CPC) Nos termos das alíneas constantes do nº2 do art. 4º CPC as acções declarativas podem ser: de simples apreciação (al. a), de condenação (al. b) e constitutivas (al. c). Uma vez que no presente caso não existe nenhum título executivo, não estamos face a uma acção executiva. Deste modo é necessário saber que tipo de acção declarativa é que está em causa no presente caso. Em regra, as acções declarativas constitutivas visam o exercício de direitos potestativos, isto é o autor pretende obter, com a coadjuvação da autoridade judicial, um efeito jurídico novo, que altera a esfera jurídica do demandado, independentemente da vontade deste. Sendo que a produção de efeitos da anulação dependem da declaração de anulação pelo Tribunal, as acções de anulação são acções declarativas constitutivas, nos termos do art. 4º/1 e art. 4º/2 al. c) CPC. NOTA1: nas acções de declaração de nulidade o tribunal limita-se a declarar a nulidade, ao contrário do sucede nas acções de simples apreciação em que sendo o negócio nulo tal não produz qualquer efeito. NOTA2: A anulação de um negócio pode ser acompanhada da restituição daquilo que já foi pago. Daqui resultam as seguintes teorias: A restituição do preço que já foi pago é uma acção declarativa de condenação Prof. Maria dos Prazeres Beleza: considera que a restituição do preço que já foi pago não é uma acção declarativa de condenação, mas sim uma consequências da acção declarativa constitutiva, ou seja da acção de anulação. A restituição do preço é algo que resulta da lei não sendo necessário autonomizar o pedido. Hipóteses Práticas de Processo Civil Prof. Rita Gouveia 2012/2013

Transcript of Processo Civil - Casos Práticos

Page 1: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 1

I - Tipos de acção, formas de processo e providências cautelares

Caso I

1. Aníbal comprou na loja “FNAT”, no Porto, uma televisão da conhecida marca

“XPTO”, pelo valor de €2.500,00.

TEMA: TIPOS DE ACÇÕES E FORMAS DE PROCESSO

a) Passado um tempo, Aníbal verifica que a televisão não tem as características

que lhe foram asseguradas pelo Vendedor e instaura uma acção de anulação

do contrato, com fundamento em erro, no Tribunal cível do Porto. Qual o tipo

de acção e a respectiva forma de processo?

Tipo de Acção

Nos termos do art. 4º/1 CPC podem existir dois tipos de acções: acções declarativas e

acções executivas (pressupõe a existência de um título executivo – art. 45º e ss. CPC)

Nos termos das alíneas constantes do nº2 do art. 4º CPC as acções declarativas

podem ser: de simples apreciação (al. a), de condenação (al. b) e constitutivas (al. c).

Uma vez que no presente caso não existe nenhum título executivo, não estamos face

a uma acção executiva. Deste modo é necessário saber que tipo de acção

declarativa é que está em causa no presente caso.

Em regra, as acções declarativas constitutivas visam o exercício de direitos

potestativos, isto é o autor pretende obter, com a coadjuvação da autoridade

judicial, um efeito jurídico novo, que altera a esfera jurídica do demandado,

independentemente da vontade deste. Sendo que a produção de efeitos da

anulação dependem da declaração de anulação pelo Tribunal, as acções de

anulação são acções declarativas constitutivas, nos termos do art. 4º/1 e art. 4º/2 al. c)

CPC.

NOTA1: nas acções de declaração de nulidade o tribunal limita-se a declarar a

nulidade, ao contrário do sucede nas acções de simples apreciação em que sendo o

negócio nulo tal não produz qualquer efeito.

NOTA2: A anulação de um negócio pode ser acompanhada da restituição daquilo

que já foi pago. Daqui resultam as seguintes teorias:

A restituição do preço que já foi pago é uma acção declarativa de

condenação

Prof. Maria dos Prazeres Beleza: considera que a restituição do preço que já foi

pago não é uma acção declarativa de condenação, mas sim uma

consequências da acção declarativa constitutiva, ou seja da acção de

anulação. A restituição do preço é algo que resulta da lei não sendo

necessário autonomizar o pedido.

Hipóteses Práticas de Processo Civil – Prof. Rita Gouveia

2012/2013

Page 2: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 2

Forma do Processo

Em primeiro lugar é necessário determinar qual o valor da causa, pelo que se terá de

recorrer ao art. 305º e ss CPC.

Nos termos do art. 305º/1 CPC ‘’A toda a causa deve ser atribuído um valor certo (…)

o qual representa a utilidade económica imediata do pedido’’. A importância da

determinação do valor da causa, tal como é referido no nº2 do art. 305º CPC, assenta

em através desta se determinar qual o tribunal competente, qual a forma de processo

aplicável e a relação da causa com a alçada do tribunal.

Nos termos do art. 306º CPC consagram-se os critérios gerais para a fixação do valor,

salvo se se aplicar um critério especial.

Ora, no presente caso estamos face a uma acção de declaração de anulação de

um contrato, pelo que o art. 310º/1 CPC determina que ‘’Quando a acção tiver por

objecto a (…) validade (…) de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto

determinado pelo preço ou estipulado pelas partes’’. Deste modo sendo o valor da

televisão de €2.500,00 o valor da causa será este.

Determinado o valor da causa (€2.500,00) é necessário determinar qual a forma de

processo aplicável. Para tal é necessário recorrer às normas constantes do art. 460º e ss

CPC e ao art. 31º da LOFTJ 2008

Nos termos do art. 460º o processo pode ser comum ou especial. Nos termos do art.

461º e 462º o processo comum pode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo. Partindo do

princípio que não existe nenhum processo especial, é necessário determinar qual a

forma de processo comum é que se encontra em causa.

Nos termos do art. 31º da LOFTJ 2008 a alçada do Tribunal da Relação é de € 30. 000,

00 e a alçada dos Tribunais de 1ª Instância de € 5. 000, 00. Ora, sendo o valor da causa

€2.500,00 exclui-se a possibilidade de ser processo comum ordinário, uma vez que o

valor da causa é inferior à alçada do Tribunal da Relação. Sendo o valor da acção

inferior ao valor da alçada dos Tribunais de 1ª Instância (critério do valor) e não se

enquadrando em nenhum dos objectos presentes no art. 462º CPC (critério do

objecto) exclui-se a possibilidade de ser processo comum sumaríssimo. Deste modo, no

presente caso estamos face ao processo comum ordinário.

Analisada está questão do ponto de vista do processo comum, é necessário atender

que ainda existe o Regime do Processo Civil Experimental, que é um processo especial.

Este Regime do Processo Civil Experimental foi consagrado em 2006 pelo legislador e

aplica-se às acções declarativas civis comuns (ordinário, sumário e sumaríssimo) e às

acções especiais (acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias

emergentes dos contratos – DL 269/98, de 1 de Setembro).

Nos termos do art. 21º e 22º do Regime do Processo Civil Experimental consagra-se que

este regime só se aplica aos Tribunais que forem determinados por Portaria, sendo que

para o efeito existem duas Portarias a regular a sua aplicação no espaço: a Portaria

955/2006 consagra que este regime se aplica aos tribunais de Almada, Porto e Seixal; a

Portaria 115-C/2001 consagra que este regime se aplica aos tribunais das comarcas do

Barreiro e de Matosinhos e nas varas cíveis do Tribunal da Comarca do Porto. Deste

modo, o Regime do Processo Civil Experimental só se aplica nos casos consagrados

nas Portarias referidas, sendo que nos restantes casos aplica-se o Processo Civil

Comum.

Page 3: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 3

Em suma, tratando-se de uma acção declarativa comum segue-se o processo comum

ordinário nos termos do art. 460º a 462º do CPC; se se tratasse de um tribunal

abrangido pela área de incidência das portarias aplicar-se-ia o Regime do Processo

Civil Experimental.

b) Para pagamento da televisão, Aníbal entrega um cheque, que foi devolvido

pelo Banco por falta de provisão. Que meios tem a FNAT à sua disposição para

obter o efectivo pagamento do preço?

Tipo de Acção

Da conjugação do art. 2º/2 e do art. 4º do CPC resultam duas coisas: primeiro, quanto

à causa de pedir, esta assenta no contrato de compra e venda de onde emerge o

contrato; segundo, quanto ao pedido, este assenta na condenação do réu ao

pagamento do preço.

Nos termos do art. 4º/1 CPC as acções podem ser declarativas ou executivas. Quanto

às acções executivas, da conjugação do referido artigo com o art. 4º/3 CPC, resulta

que tais pressupõe a existência de um título executivo. Da conjugação do art. 45º com

o art. 46º/1 al. c) CPC resulta que o cheque é um título executivo.

Embora tal não seja obrigatório, a verdade, é que é mais vantajoso à FNAT intentar

primeiro uma acção de condenação (art. 4º/1 e art. 4º/2 al. b) CPC) e só depois uma

acção executiva, tal porque as acções declarativas visam reconhecer a existência do

direito. Depois é necessário também considerar a matéria das custa.

Entende-se por acção declarativa de condenação, nos termos do art. 4º/2 al. b) CPC,

a situação em que o autor ou requente, arrogando-se a titularidade dum direito que

afirma estar a ser violado pelo réu, pretende que se declare a existência e a violação

do direito, e se determine ao reu a realização da prestação (em regra, um acção,

mas podendo bem ser uma abstenção ou uma omissão) destinada a reintegrar o

direito violado ou a reparar de outro modo a falta cometida.

Nos termos do art. 446º/2 CPC entende-se que dá causa às custas do processo a parte

vencida, na proposição da acção. Contudo, existe uma excepção tal, excepção

essa consagra no art. 449º CPC.

Nos termos do art. 449º/1 CPC consagra-se a responsabilidade do autor pelas custas

quando (1) o réu não tenha dado causa à acção e (2) o réu não conteste à acção.

É necessário ainda atender ao disposto no art. 449º/2 al. c) CPC que entende que o

réu não deu causa à acção ‘’Quando o autor, munido de um título com manifesta

força executiva, recorra ao processo de declaração’’. Esta norma aplica-se ao caso

concreto. É importante salienar que quando esta norma se refere a ‘’um título com

manifesta força executiva’’ não faz sentido que seja uma sentença, uma vez que o

autor já tem uma sentença em mãos, pelo que se trata de um título extrajudicial

(cheque).

Em suma, o autor terá duas possibilidades: poderá intentar uma acção executiva nos

termos do art. 4º/1, 4º/3, 45º e 46º/1 al. c) do CPC; ou poderá intentar uma acção

declarativa de condenação nos termos do art. 4º/1 e 4º/2 al. b) CPC.

NOTA1: Nos termos do art. 879º al. c) CC, Aníbal incumpriu um dos efeitos essenciais da

compra e venda que assenta na obrigação de pagamento do preço.

Page 4: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 4

NOTA2: O emitir de um cheque sem provisão, em certos casos, pode ser considerado

um crime. Deste modo é necessário atender ao art. 11º do Regime Penal do Cheque.

Em Processo Penal, nos artigos 71º e 72º do Código de Processo Penal, existe o Princípio

da Adesão que assenta no facto de se sofrendo um dano que decorreu da prática de

um crime, em princípio, em Processo Penal, deve fazer-se o pedido de indemnização.

Deste modo, de acordo com o Regime Penal do Cheque o pedido teria de ser

deduzido no Processo Penal.

Forma de Processo

Nos termos do art. 460º CPC consagram-se os tipos de formas de processo, podendo

este ser comum ou especial. O processo comum só se aplica se não existir nenhum

processo especial.

Ora, existe um processo especial para as acções especiais de cumprimento de

obrigações pecuniárias emergentes de contratos constante do Decreto Lei 269/98.

Deste modo, não se irá aplicar o processo comum mas sim o processo especial nos

termos do art. 460º/1 e 2º CPC.

Nos termos do art. 1º do Regime da Acção Declarativa Especial para Cumprimento de

Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos consagra-se que este regime se

aplica a ‘’procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações

pecuniários emergentes de contratos de valor não superior a € 15. 000, 00. No presente

caso, uma vez que se está face a uma quantia no valor de €2.500,00 pode-se aplicar

este regime.

Necessário é atender ao artigo 7º deste Regime, constante em Anexo, que consagra a

Injunção, que tem como propósito dar força executiva, podendo ser usada em duas

situações distintas (situações a que se refere o art. 1º do regime que se está a analisar

e situações de obrigações emergentes de transacções comerciais).

Deste modo, pelo regime da injunção, e de acordo com o art. 7º conjugado com o

art. 1º do Regime em análise o autor terá duas possibilidades: ou intenta uma acção

declarativa especial (art. 1º do Regime), ou intenta uma acção, através do regime da

injunção, ficando a possuir um título executivo (art. 7º do Anexo).

Em suma, existem três soluções possíveis:

1. Pelo artigo 460º/1 e 2 utiliza-se o processo especial e remete-se para o Decreto-

Lei 269/98 e utiliza-se o seu art. 1º

2. Pelo artigo 460º/1 e 2 utiliza-se o processo especial e remete-se para o Decreto

Lei 269/98 e recorre-se ao art. 7º, constante em Anexo.

3. Pelo artigo 460º/1 e 2 utiliza-se o processo especial e remete-se para o Regime

do Processo Cvil Experimental e recorrer-se ao seu art. 1º (‘’acções especiais

para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos’’).

NOTA: ocorre uma remissão do art. 4º/2 al. b) CPC para a Lei dos Julgados de Paz.

Contudo, a aplicação da Lei dos Julgados de Paz fica excluída pelo artigo 9º/1 al. a)

em que, quanto à competência destes, eles serão competentes para decidir ‘’Acções

destinadas a efectivar o cumprimento de obrigações, com excepção das que

tenham por objecto prestação pecuniária’’.

Page 5: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 5

c) No caso de ter optado pela acção declarativa, qual o tipo de acção e forma

de processo adequadas?

Tipo de Acção

Exactamente a mesma solução dada para a resposta na alínea b.

Forma de Processo

Em primeiro lugar é necessário determinar qual o valor da causa, pelo que se terá de

recorrer ao art. 305º e ss CPC.

Nos termos do art. 305º/1 CPC ‘’A toda a causa deve ser atribuído um valor certo (…)

o qual representa a utilidade económica imediata do pedido’’. A importância da

determinação do valor da causa, tal como é referido no nº2 do art. 305º CPC, assenta

em através desta se determinar qual o tribunal competente, qual a forma de processo

aplicável e a relação da causa com a alçada do tribunal.

Nos termos do art. 306º CPC consagram-se os critérios gerais para a fixação do valor,

salvo se se aplicar um critério especial.

Ora, no presente caso estamos face a uma acção de declaração de anulação de

um contrato, pelo que o art. 310º/1 CPC determina que ‘’Quando a acção tiver por

objecto a (…) validade (…) de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto

determinado pelo preço ou estipulado pelas partes’’. Deste modo sendo o valor da

televisão de €2.500,00 o valor da causa será este.

Determinado o valor da causa (€2.500,00) é necessário determinar qual a forma de

processo aplicável. Para tal é necessário recorrer às normas constantes do art. 460º e ss

CPC e ao art. 31º da LOFTJ 2008

Nos termos do art. 460º o processo pode ser comum ou especial. Nos termos do art.

461º e 462º o processo comum pode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo.

Nos termos do art. 31º da LOFTJ 2008 a alçada do Tribunal da Relação é de € 30. 000,

00 e a alçada dos Tribunais de 1ª Instância de € 5. 000, 00. Ora, sendo o valor da causa

€2.500,00 exclui-se a possibilidade de ser processo comum ordinário, uma vez que o

valor da causa é inferior à alçada do Tribunal da Relação. Sendo o valor da acção

inferior ao valor da alçada dos Tribunais de 1ª Instância (critério do valor), mas

enquadrando-se num dos objectos presentes no art. 462º CPC, ou seja no

cumprimento de obrigações pecuniárias (critério do objecto) exclui-se a possibilidade

de ser processo comum sumário, sendo por isso um processo comum sumaríssimo.

Contudo, uma vez que existe um processo especial não se poderia aplicar o processo

comum, contudo existe uma excepção a este ‘’princípio’’.

Nos termos do art. 449º/2 al. d) CPC consagra-se que quando o autor tenha a

possibilidade de (1) propor acção declarativa especial para cumprimento de

obrigações pecuniárias, (2) recorrer a processo de injunção, poderá optar pelo

recurso ao processo de declaração ‘’comum’’.

Prof. Rita Gouveia: é difícil entender a norma do art. 449º/2 al. d) CPC, havendo

autores que defendem que esta norma só se aplica quando não se escolhem

injunções; enquanto outros autores defendem que o art. 460º CPC foi derrogado desta

norma.

Page 6: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 6

d) Se o preço da televisão fosse de €30500,00 a sua resposta seria a mesma?

Nos termos do art. 460º CPC consagram-se os tipos de formas de processo, podendo

este ser comum ou especial. O processo comum só se aplica se não existir nenhum

processo especial.

Ora, existe um processo especial para as acções especiais de cumprimento de

obrigações pecuniárias emergentes de contratos constante do Decreto Lei 269/98.

Deste modo, não se irá aplicar o processo comum mas sim o processo especial nos

termos do art. 460º/1 e 2º CPC.

Nos termos do art. 1º do Regime da Acção Declarativa Especial para Cumprimento de

Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos consagra-se que este regime se

aplica a ‘’procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações

pecuniários emergentes de contratos de valor não superior a € 15. 000, 00. No presente

caso, uma vez que se está face a uma quantia no valor de €30500,00 não se pode

aplicar este regime.

Necessário é atender ao artigo 7º deste Regime, constante em Anexo, que consagra a

Injunção, que tem como propósito dar força executiva, podendo ser usada em duas

situações distintas (situações a que se refere o art. 1º do regime que se está a analisar

e situações de obrigações emergentes de transacções comerciais). Para se poder

aplicar o regime da injunção a situações de obrigações emergentes de transacções

comerciais é necessário considerar o Decreto Lei 32/2003, de 17 de Setembro.

Aníbal seria um consumidor (o decreto lei não define consumidor, pelo que é

necessário recorrer à noção consagrada na Lei 24/96, de 31 de Julho), contudo não se

pode aplicar, neste caso, o regime da injunção uma vez que esta aplicação às

transacções comerciais encontram-se excluídas quando se trate de operações

realizadas por consumidores.

Deste modo, sendo Aníbal um consumidor, a FNAT (credor) não poderá cobrar a

dívida através do recurso à injunção constante do art. 7º do Anexo do DL 269/98,

porque (1) o valor excede aos € 15. 000, 00 (2) e não se trata de uma transacção

comercial.

É necessário agora atender ao facto que ainda existe o Regime do Processo Civil

Experimental, que é um processo especial.

Este Regime do Processo Civil Experimental foi consagrado em 2006 pelo legislador e

aplica-se às acções declarativas civis comuns (ordinário, sumário e sumaríssimo) e às

acções especiais (acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias

emergentes dos contratos – DL 269/98, de 1 de Setembro).

Nos termos do art. 21º e 22º do Regime do Processo Civil Experimental consagra-se que

este regime só se aplica aos Tribunais que forem determinados por Portaria, sendo que

para o efeito existem duas Portarias a regular a sua aplicação no espaço: a Portaria

955/2006 consagra que este regime se aplica aos tribunais de Almada, Porto e Seixal; a

Portaria 115-C/2001 consagra que este regime se aplica aos tribunais das comarcas do

Barreiro e de Matosinhos e nas varas cíveis do Tribunal da Comarca do Porto. Deste

modo, o Regime do Processo Civil Experimental só se aplica nos casos consagrados

nas Portarias referidas, sendo que nos restantes casos aplica-se o Processo Civil

Comum.

Page 7: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 7

Quanto aos Julgados de Paz, resulta do art. 8º da sua Lei conjugado com o art. 31º da

LOFTJ 2008 que a sua competência aplica-se a questões cujo valor não exceda € 5.

000, 00, pelo que no presente caso também não se poderia aplicar.

Não existindo nenhuma forma de processo especial é necessário atender ao processo

comum.

Em primeiro lugar é necessário determinar qual o valor da causa, pelo que se terá de

recorrer ao art. 305º e ss CPC.

Nos termos do art. 305º/1 CPC ‘’A toda a causa deve ser atribuído um valor certo (…)

o qual representa a utilidade económica imediata do pedido’’. A importância da

determinação do valor da causa, tal como é referido no nº2 do art. 305º CPC, assenta

em através desta se determinar qual o tribunal competente, qual a forma de processo

aplicável e a relação da causa com a alçada do tribunal.

Nos termos do art. 306º CPC consagram-se os critérios gerais para a fixação do valor,

salvo se se aplicar um critério especial.

Ora, no presente caso estamos face a uma acção de declaração de anulação de

um contrato, pelo que o art. 310º/1 CPC determina que ‘’Quando a acção tiver por

objecto a (…) cumprimento (…) de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto

determinado pelo preço ou estipulado pelas partes’’. Deste modo sendo o valor da

televisão de €30500,00 o valor da causa será este.

Determinado o valor da causa (€30500, 00) é necessário determinar qual a forma de

processo aplicável. Para tal é necessário recorrer às normas constantes do art. 460º e ss

CPC e ao art. 31º da LOFTJ 2008

Nos termos do art. 460º o processo pode ser comum ou especial. Nos termos do art.

461º e 462º o processo comum pode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo. É necessário

determinar qual a forma de processo comum é que se encontra em causa.

Nos termos do art. 31º da LOFTJ 2008 a alçada do Tribunal da Relação é de € 30. 000,

00 e a alçada dos Tribunais de 1ª Instância de € 5. 000, 00. Ora, sendo o valor da causa

€30500, 00 estamos face ao processo comum ordinários nos termos do art. 460º, 461º e

462º, primeira parte CPC.

Page 8: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 8

Caso II

A sociedade Vinhos do Côa, Lda., aprovou, em assembleia-geral realizada em 10 de

Setembro de 2011, a destituição do sócio António das suas funções de gerente e a

nomeação do sócio Bernardo como gerente, tendo ambos os sócios estado presentes

na referida assembleia. Em 13 de Setembro de 2012, a Vinhos do Côa, Lda., registou as

deliberações perante a Conservatória do Registo Comercial. António, inconformado

com aquelas deliberações e receando que Bernardo lese os interesses da Vinhos do

Côa, Lda., pretende impedir que este assuma as funções de gerente. António dispõe

de algum meio para fazê-lo?

TEMA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES (DELIBERAÇÕES SOCIAIS)

No presente caso estamos no âmbito da matéria das providências cautelares

consagradas no art. 381º e ss CPC, cuja função específica consiste em prevenir os

perigos que, antes da propositura de uma acção ou durante o tempo em que esta se

encontra pendente, possam comprometer os resultados (ou seja, alcançar a

pretensão deduzida na acção), regular provisoriamente o conflito de interesses até ser

lograda a composição definitiva, ou, inclusivamente, em antecipar a realização dos

efeitos jurídicos e do direito que previsivelmente poderá vir a ser reconhecido na

acção.

Nos termos do art. 381º/3 CPC existindo um procedimento cautelar especificado em

que se possa resolver a questão não se pode resolver a mesma com recurso ao

procedimento cautelar comum.

Nos termos do art. 396º e ss CPC encontra-se regulada a suspensão de deliberações

sociais que constitui um procedimento cautelar especificado.

A suspensão de deliberações sociais, providência dirigida às sociedades (civis,

comerciais, ainda que estás últimas esteja irregularmente constituídas, e às

associações de direito privado) é instrumental ou anciliar das acções de declaração

de invalidade (nulidade ou anulabilidade) de deliberações tomadas pelos órgãos

competentes daquelas pessoas colectivas (Assembleia Geral, Conselho de

Administração, Direcção, Conselho Fiscal) por serem contrárias às leis, aos estatutos ou

ao contrato de sociedade, independentemente do desvalor da deliberação social

cuja suspensão seja pedida. É uma providência antecipatória, visto que permite, de

algum modo, adiantar certos efeitos derivados da sentença que, na acção principal,

declare com efeitos constitutivos de nulidade ou anulabilidade dessa deliberação.

Page 9: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 9

É necessário analisar os requisitos contantes do art. 396º CPC para saber se se

encontram reunidas as condições de impugnação de uma deliberação social:

Aprovação de uma deliberação social (‘’A sociedade Vinhos e Côa, aprovou,

em Assembleia geral (…) a destituição do sócio António das suas funções de

gerente e a nomeação do sócio Bernardo como gerente (…)’’) – requisito

verificado

Deliberação Social contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato presume-se

que sim)

Impugnação da deliberação social está dependente de quem tenha a

qualidade de sócio (António era sócio) – requisito verificado

A impugnação da deliberação social terá de ser efectuada no prazo de 10

dias, contando-se o prazo desde o momento em que a deliberação social foi

tomada (neste caso, António teria 10 dias a contar de dia 10 de Setembro, ou

seja poderia requerer a suspensão da deliberação social até dia 20 de

Setembro)

É necessário que a deliberação social possa causar um dano apreciável

(António deixaria de ser Gerente, passando a ser Bernardo o gerente, pelo que

o primeiro receava que o segundo lesasse os interesses da sociedade em

causa) – requisito verificado

A deliberação social ainda não tenha produzido efeitos jurídicos, ou seja não

pode ocorrer a consumação da lesão. Quando se diz ‘’suspende-se’’

pretende-se que a deliberação social em causa ainda não tenha produzido

qualquer efeito jurídico. Como é que se sabe se a deliberação social já

produziu ou não efeitos? Em resposta a tal questão existem duas teorias:

Uma parte da doutrina entende que com o registo das deliberações

perante a Conservatória do Registo Comercial a 13 de Setembro, ou

seja com o registo dos órgãos resultantes de uma deliberação social, tal

torna-se intacável, uma vez que não se pode requerer uma providência

cautelar contra a lei, apenas podendo intentar-se uma acção de

anulação ou de nulidade (a acção principal pode sempre propor-se).

Contudo, a boa doutrina e a boa jurisprudência defendem que a

deliberação social em causa é uma deliberação de execução

continuada, ou seja todos os dias aquela produz efeitos jurídicos,

podendo então neste caso a suspensão produzir efeitos.

Deste modo, António poderia intentar uma providência cautelar específica de

suspensão da deliberação social.

Page 10: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 10

NOTA1: coloca-se a questão de saber se se pode impugnar directamente uma

decisão do Conselho de Administração. Tal é uma matéria de direito substantivo que

não será estudada nesta disciplina. A questão que se coloca, concretamente, é se se

pode servir deste procedimento especial ou se tal é exclusivo das deliberações sociais

da Assembleia Geral.

NOTA2: não existe nenhum prazo para requerer uma providência cautelar comum

NOTA3: Razão da Exigência do Prazo de 10 dias para a Impugnação de Deliberações

Sociais – a situação jurídica de uma sociedade comercial tem de estar estabilizada,

não podendo uma deliberação social estar no limo de ser ou não suspensa.

NOTA4: passado o prazo de impugnação de uma deliberação social, ou seja

passados 10 dias, não se pode recorrer ao procedimento cautelar comum, ou seja

para ocorrer a suspensão de uma deliberação social tal tem de ser realizado através

do art. 396º CPC. Problema: se se entender que este procedimento cautelar específico

não se aplica às deliberações do Conselho de Administração (NOTA1) estas poderão

ser impugnadas a todo o tempo, uma vez que o procedimento cautelar comum não

tem prazo (NOTA2)

NOTA5: o procedimento cautelar específico de suspensão de deliberações sociais,

quando é requerido, e após a citação da sociedade, faz com a sociedade quanto à

deliberação social em causa fique paralisada. Ora é muito perigoso poder-se paralisar

deliberações de órgãos sociais. Os procedimentos cautelares podem estar sujeitos a

um controlo prévio do juiz, podendo este indeferir liminarmente o processo, mas só

quando é manifesta a improcedência de tal (por exemplo, o prazo de 10 dias já

passou).

NOTA6: Nos termos do art. 397º/3 CPC se a sociedade mesmo que citada executar a

deliberação tal consubstancia uma situação de responsabilidade civil, havendo quem

entenda que tais actos praticados serão ineficazes. Contudo, o nº3 do art. 397º CPC

regere como efeito a responsabilidade civil e não a ineficácia dos actos, uma vez que

não se pode com a citação antecipar os efeitos que só poderão ser produzidos pela

sentença.

Page 11: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 11

Caso Prático III

Em 9 de Agosto de 2012, Caetano foi citado pelo Tribunal Judicial de Portimão de que

fora decretado o arresto de todos os bens imóveis de que é proprietário, no âmbito do

procedimento cautelar requerido contra si pelo seu credor Diogo. Diogo foi notificado

da citação de Caetano em 13 de Agosto de 2012.

TEMA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES (ARRESTO)

a) Caetano insurge-se contra a sentença por a mesma ter sido decretada sem a

sua prévia audição, não tendo Diogo demonstrado em Tribunal que a sua

audição poria em risco sério o fim ou a eficácia da providência. Tem razão?

No presente caso estamos face a uma situação de arresto que consubstancia uma

providência cautelar conservatória, ou seja estas visam prevenir o efeito útil da acção

principal assegurando a permanência da situação existente à época em que o

conflito de interesses foi desencadeado ou quando se verificou a situação de

periculum in mora.

O arresto, consagrado no art. 406º e ss CPC e no art. 601º e 619º CC, pode ser

requerido por todo aquele que se arroga na qualidade de credor do requerido,

contando que, demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e o fundando

ou justo receio da perda da sua garantia patrimonial. Ou seja, o arresto consiste na

apreensão, por parte de um agente de execução, de bens (penhoráveis) do devedor

ou de bens que foram por este transmitidos a um terceiro.

Uma das características dos procedimentos cautelares é o facto de nestes poder ser

dispensada a audiência previa do requerido, ou seja a providência cautelar pode, em

casos excepcionais (art. 3º/2 CPC) ser decretada, sem que o requerido tenha sido

ouvido. O juiz só está autorizado a dispensar a audiência do requerido quando os

conceitos indeterminados ‘’risco sério’’ e ‘’fim ou eficácia da providência’’ estiverem

no caso concreto preenchidos.

Há casos em que no dominio das providências cautelares especificadas, como é o

arresto, é praticamente imposta por lei. Nos termos do art. 408º/1 consagra-se que não

existe audiência prévio, sendo que conjugando este artigo com o art. 406º, é óbvio

que se se provar que o requerido se encontra a praticar actos que coloquem em

causa uma diminuição do seu património, não faz sentido que ele seja ouvido. Nestes

termos o art. 408º/1 relaciona-se com o art. 385º/1 CPC que consagra um desvio ao

Princípio do Contraditório.

Page 12: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 12

b) Caetano, inconformado com a sentença que determinou o arresto porque

baseada em depoimentos de testemunhas da confiança de Diogo, pretende

que o Tribunal Judicial de Portimão ouça o depoimento de outras testemunhas,

pelo que recorreu daquela sentença. Procedeu correctamente?

Decretado o arresto, Caetano será citado para exercer o seu direito de defesa, nos

termos do art. 385º/6 e art. 388º/1 CPC. Tal direito de defesa pode se realizar através

de oposição ou de recurso.

Ora a diferença entre o recurso e a oposição assenta no facto de que recorrer da

decisão serve para atacar a prova, isto é para recorrer da matéria de direito e da

matéria de facto, nos termos do art. 388º/1 al. a) CPC (por exemplo, quando não se

concorda com a apreciação feita pelo tribunal de uma determinada prova recorre-se

da decisão); enquanto a oposição é deduzida quando se pretende alegar factos ou

produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que podem afastar os

fundamentos da providência ou determinar a sua redução, nos termos do art. 388º/1

al. b) CPC.

Tendo em consideração que Caetano pretende a audição de novas testemunhas

deveria ter deduzido oposição nos termos do art. 388º/1 al. b) e não recorrido da

decisão.

c) Em 10 de Setembro de 2012, Diogo propôs uma acção executiva contra

Caetano, requerendo ao Tribunal Judicial de Portimão que o arresto fosse

apenso à esta acção. Em 17 de Setembro de 2012, Caetano apresentou um

requerimento no âmbito do procedimento cautelar de arresto requerendo a

extinção da instância com fundamento em caducidade do mesmo dado que o

arresto não pode ser dependência de uma acção executiva.

Nos termos do art. 383º/1 CPC, o procedimento cautelar pode ser dependente de

uma acção executiva, sendo o procedimento cautelar acessório à acção executiva

nos termos da 2ª parte da norma em análise.

NOTA1: existindo um título executivo, mas sabendo que o executado se encontra a

dissipar os bens, intenta-se primeiro uma acção declarativa e só posteriormente uma

acção executiva. Nos termos do art. 383º/1 CPC o procedimento cautelar é sempre

dependente/acessório de uma acção declarativa ou executiva. Quando a acção

executiva é fundada num título judicial (sentença), sendo requerida antes da citação

do executado, realiza-se logo a penhora dos bens. Deste modo, nestas situações

poder-se-ia dizer que o arresto não seria tão necessário.

NOTA2: nos termos do art. 382º CPC o procedimento cautelar é urgente, ou seja tem

prioridade relativamente aos demais processos não urgentes. Nos termos do art. 143º/2

CPC, a característica da urgência dos procedimentos cautelares manifesta-se

também nesta norma quanto às férias judiciais (15 de Julho a 31 de Agosto (férias de

verão), férias de natal e da páscoa também existem mais com prazos relativamente

mais curtos – LOFTJ 2008)

Page 13: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 13

NOTA3: Quanto ao prazo do arresto, este deverá ser decidido em 15dias, a não ser

que a parte contrária tenha de ser citada, pelo que nesse caso o prazo alarga-se para

2 meses.

d) Caetano invoca que a acção da qual o arresto deveria ser dependente não foi

intentada. Quid iuris? (Hipótese Aula Prática)

Nos termos do art. 389º/1 al. a) CPC a regra é que uma vez decretada providência

cautelar, o requerente tem 30 dias para propor a acção principal sob pena de

caducidade da providência cautelar.

No art. 389º/2 do CPC consagra-se uma regra diferente que assenta em que o

requerente da providência de arresto que foi decretada tem o prazo de 10 dias para

propor a acção principal, contando-se tal prazo a partir do momento em que o

requerente foi notificado de que foi efectuado ao requerido a notificação prevista no

art. 385º/6 CPC.

NOTA1: no arresto existe uma regra, constante no art. 410º CPC, que pode conduzir em

erro. Nos termos do art. 410º CPC englobam-se as situações em que se requer uma

providência cautelar mas intenta-se uma acção de condenação que é objecto de

recursos até que ocorra o seu trânsito em julgado. Neste caos, o legislador quer

assegurar que a partir do momento em que se tem um arresto e uma acção

condenatória, que se promova à execução subsequente da acção declarativa, sob

pena de o arresto ficar sem efeito.

NOTA2: Segundo o Prof. Lebre de Freitas o prazo de 30 dias também se pode aplicar às

situações em que o prazo de 10 dias se encontra compreendido no prazo de 30 dias.

Nesta circunstância o requerente goza do prazo de 30 das uma vez que se confere a

possibilidade de exercer o direito num prazo maior. Contudo, é um tese com

aplicação nula.

Page 14: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 14

II - Personalidade, Capacidade e Patrocínio Judiciário

CASO IV

O condomínio de um prédio situado na Baixa de Lisboa pretende instaurar uma acção

contra Bernardo, proprietário de uma das fracções (4.º Direito), pelo facto de este

último não proceder ao pagamento das quantias devidas nos últimos três anos, após

repetidas solicitações para o fazer. Pode fazê-lo? Em caso afirmativo, como?

TEMA: PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

No presente caso estamos no âmbito dos pressupostos processuais. Entende-se por

pressupostos processuais os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz

proferir decisão sobre o pedido formulado, condenando ou inferindo a providência

requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à

partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa.

Importa ainda salientar que os pressupostos processuais podem ser de dois tipos:

Positivos: requisitos cuja existência é essencial para que o juiz se deva

pronunciar sobre a procedência ou improcedência da acção.

Personalidade judiciária

Capacidade judiciária

Legitimidade

Interesse processual

Patrocínio judiciário

Negativos: factos cuja verificação impede o juiz de entrar na apreciação do

mérito do pedido

Listispendência

Compromisso arbitral

No presente caso, estamos no âmbito da personalidade judiciária que se encontra

consagrada no art. 5º e ss. CPC. Nos termos do art. 5º/1, a personalidade judiciária

consiste na susceptibilidade de ser parte. Entende-se por partes as pessoas pela qual e

contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária.

Deste modo, a personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer (autor)

ou de contra si ser requerida (réu) , em próprio nome, qualquer das providências de

tutela jurisdicional reconhecidas na lei.

Nos termos do art. 5º/2 do CPC consagra-se o Princípio da Equiparação, ou seja o

critério geral fixado na lei para se saber quem tem personalidade judiciária é o da

correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (ou

capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária.

Nos termos do art. 66º do CC, tem-se personalidade jurídica com o nascimento

completo e com vida, pelo que, consequentemente, todas as pessoas singulares têm

personalidade judiciária.

Todos os indivíduos, quer sejam maiores ou menores, quer sejam capazes, interditos ou

inabilitados, quer nacionais ou estrangeiros gozam de personalidade judiciária, podem

ser partes em juízo, visto que todos eles podem ser sujeitos, em princípio, de quaisquer

relações jurídicas, nos termos do art. 67º do CC.

Page 15: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 15

O corolário aplicável às pessoas singulares estende-se de igual modo, quer às pessoas

colectivas, quer às sociedades que seja reconhecida personalidade jurídica. Também

as pessoas colectivas e as sociedades, embora agindo necessariamente em juízo por

meio dos seus representantes estatutários, são as verdadeiras partes da acção,

sempre que esta seja proposta em nome delas ou contra elas.

Contudo, há inúmeras situações em que não há uma correspondência ou uma

coincidência entre a capacidade de gozo de direitos (a personalidade jurídica) e a

personalidade judiciária. Nestes casos, a lei estende ou atribui personalidade judiciária

a entes que não gozam de personalidade jurídica. Deste modo, a lei estende a

atribuição de personalidade judiciária a entres desprovidos de personalidade jurídica,

desde logo, em virtude da tutela de situações de separação ou de diferenciação

patrimonial. Tais casos encontram-se consagrados no art. 6º do CPC.

No presente caso estamos no âmbito do art. 6º al. e) que se conjuga com o art. 1436º

al. e) e 1437º do CC, ou seja ocorre a extensão de personalidade judiciária ao

condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se

inserem no âmbito dos poderes do administrador. A parte é o administrador e não

cada um dos condóminos, uma vez que o condomínio age através do administrador

que é quem em juízo vai praticar os actos.

Importa ainda salientar que este caso consubstancia um caso particular, uma vez que

existe o regime da propriedade horizontal, que apesar de integrado no CC, possui

legislação avulsa (DL 268/94) que regula toda a matéria relativamente ao condomínio.

Através do referido diploma legal, a acta da assembleia de condomínios na qual se

fixa o valor devido pelos condóminos constitui um titulo executivo (art. 46º al. d) CPC),

pelo que o administrador do condomínio poderia requerer a acção executiva em vez

da acção declarativa.

Em suma, o administrador do codominio poderia pretender que o tribunal declarasse a

existência do direito em causa (pagamento das quantias devidas nos últimos três

anos) através de uma acção declarativa ou de uma acção executiva.

NOTA: quando no exame surge um caso de uma sociedade comercial é errado dizer

que ela tem personalidade judiciária nos termos do art. 6º al. d) do CPC. Nunca se

alude a esta norma quando a hipótese simplesmente se refere a uma sociedade ou

uma sociedade civil. O art. 6º só é utilizado para as sociedades que ainda não têm

personalidade jurídica. Tendo personalidade jurídica necessariamente tem-se

personalidade judiciária nos termos do art. 5º CPC.

Page 16: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 16

CASO V

Caroline, francesa, residente em Paris, celebrou com o Banco Crédit Français, com

sede em Paris, um contrato de concessão de crédito para a compra de um imóvel em

Portugal, onde instalou uma sucursal do seu atelier de arquitectura.. A agência

portuguesa do Banco Crédit Français pretende agora propor uma acção contra

Caroline, com fundamento na falta de cumprimento do contrato de concessão de

crédito, e fazer valer-se do imóvel dado em garantia . Quid Iuris?

TEMA: PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

No presente caso estamos no âmbito dos pressupostos processuais. Entende-se por

pressupostos processuais os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz

proferir decisão sobre o pedido formulado, condenando ou inferindo a providência

requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à

partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa.

Importa ainda salientar que estamos no âmbito de um pressuposto processual positivo

(personalidade judiciária), ou seja de um requisito cuja existência é essencial para que

o juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou improcedência da acção.

No presente caso, estamos no âmbito da personalidade judiciária que se encontra

consagrada no art. 5º e ss. CPC. Nos termos do art. 5º/1, a personalidade judiciária

consiste na susceptibilidade de ser parte. Entende-se por partes as pessoas pela qual e

contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária.

Deste modo, a personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer (autor)

ou de contra si ser requerida (réu) , em próprio nome, qualquer das providências de

tutela jurisdicional reconhecidas na lei.

Nos termos do art. 5º/2 do CPC consagra-se o Princípio da Equiparação, ou seja o

critério geral fixado na lei para se saber quem tem personalidade judiciária é o da

correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (ou

capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária.

Nos termos do art. 66º do CC, tem-se personalidade jurídica com o nascimento

completo e com vida, pelo que, consequentemente, todas as pessoas singulares têm

personalidade judiciária.

O corolário aplicável às pessoas singulares estende-se de igual modo, quer às pessoas

colectivas, quer às sociedades que seja reconhecida personalidade jurídica. Também

as pessoas colectivas e as sociedades, embora agindo necessariamente em juízo por

meio dos seus representantes estatutários, são as verdadeiras partes da acção,

sempre que esta seja proposta em nome delas ou contra elas.

Contudo, há inúmeras situações em que não há uma correspondência ou uma

coincidência entre a capacidade de gozo de direitos (a personalidade jurídica) e a

personalidade judiciária. Nestes casos, a lei estende ou atribui personalidade judiciária

a entes que não gozam de personalidade jurídica. Deste modo, a lei estende a

atribuição de personalidade judiciária a entres desprovidos de personalidade jurídica,

desde logo, em virtude da tutela de situações de separação ou de diferenciação

patrimonial.

Quanto à Caroline, ela terá personalidade judiciária, nos termos do art. 5º e art. 66º do

CC, uma vez que quem tem personalidade jurídica terá personalidade judiciária.

Page 17: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 17

NOTA: Caroline tem personalidade jurídica nos termos do art. 66º CC ou da Lei

Francesa? É um problema de Direito Internacional Privado que não irá ser estudado

nesta disciplina.

Quanto à agência, é necessário saber se tem ou não personalidade jurídica.

Se chegarmos à conclusão que a agência portuguesa é uma sociedade, ou seja uma

pessoa jurídica subsidiária ao banco francês entender-se-ia que, assim, ela teria

personalidade jurídica nos termos do art. 5º do CPC

Se pelo contrário, neste caso, estivermos no âmbito de agência no sentido do art. 7º

do CPC, ela não terá personalidade jurídica, uma vez que é um ramo de uma

sociedade jurídica constituída, mas verificados certos requisitos poderá ter

personalidade judiciária.

Ou seja, a personalidade judiciária é, nos termos do art. 7º CPC, atribuída a

determinadas entidades desprovidas de personalidade jurídica em virtude da

imputação do acto gerador do conflito de interesses. Nos casos do art. 7º está-se

perante empresas em sentido objectivo, estabelecimentos comerciais ou industriais

secundários.

Deste modo, para que a agência em questão possa possuir personalidade judiciária é

necessário que:

Nos termos do art. 7º/1, que a acção proceda de facto por ela praticado. Ora

este requisito não se encontra verificado, uma vez que o contrato de

concessão de crédito para a compra de um imóvel em Portugal foi celebrado

com o Banco Crédit Français.

Nos termos do art. 7º/2, ainda que a acção derive de facto praticado pela

sede da agência em país estrangeiro, a agência poderá demandar desde

que:

A obrigação tenha sido contraída com um português. Ora este requisito

não se encontra verificado, uma vez que Caroline era francesa.

A obrigação tenha sido contraída com um estrangeiro domiciliado em

Portugal. Ora tal requisito não se encontra verificado, uma vez que

Caroline era residente em Paris.

Deste modo, e com base nos artigos 5º, 6º e 7º do CPC a agência não possui

personalidade judiciária pelo que não poderá demandar Caroline numa acção com

fundamento na falta de cumprimento do contrato de concessão de crédito.

Deste modo, faltando um pressuposto processual, a personalidade judiciária (da

Agência) consubstancia uma excepção dilatória nos termos do art. 494º al. c) CPC,

ocorrerá a absolvição da instância do réu (Caroline).

NOTA1: a falta de personalidade judiciária é em princípio insanável. A Falta de

Personalidade Judiciária ocorre sempre que o demandante ou o demandado são

coisas/realidades jurídicas despersonificadas às quais nem o direito processual

concede personalidade judiciária. Tanto pode tratar-se (1) de entes destituídos de

personalidade judiciária; (2) de realidades desprovidas de personalidade jurídica e

consequentemente de personalidade judiciária.

Page 18: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 18

NOTA2: Nos termos do art. 265º CPC, permite-se ao juiz desencadear o processo que

visa a sanação da falta dos pressupostos processuais (condições que permitem ao juiz

conhecer do mérito da causa).

NOTA3: o art. 5º e ss CPC são artigos específicos sobre o pressuposto da personalidade

judiciária. O legislador tem um regime geral sobre os pressupostos processuais quando

se refere às excepções dilatórias que se encontram consagradas no regime da

defesa, na contestação, nos termos do art. 487º e ss CPC.

NOTA4: Nos termos do art. 494º al. c) CPC consagra-se que a falta de personalidade

judiciária consubstancia uma excepção dilatória. Todas as exceções dilatórias, nos

termos do art. 495º CPC, são de conhecimento oficioso, havendo apenas excepção a

esta regra quanto aos casos de incompetência relativa não abrangidos no art. 110º

do CPC e nos casos em que sendo a competência do litigio de um tribunal judiciário

ter-se-ia colocado a acção num tribunal arbitral.

NOTA5: Nos termos do art. 510º/1 al. a) o juiz deve conhecer das expeções dilatórias no

despacho saneador, ou seja na fase do Saneamento e da Condensação. Importa

ainda salientar que nos termos do art. 508º/1 al. a) remete-se para o art. 265º/2 do CPC

provocando a intervenção da administração principal.

NOTA6: O art. 288º CPC refere-se aos casos de absolvição da instância, ou seja o juiz

deverá abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância no caso de

faltar um pressuposto processual.

NOTA7: Nos termos do art. 23º CPC permite-se o suprimento da incapacidade

judiciária e da irregularidade de representação através da intervenção de

representante legitimo.

NOTA8: A falta de personalidade judiciária é insuprível, com excepção do art. 8º CPC

devido aos factos de neste caso muitas vezes os actos serem praticados com as

deslocações comerciais das pessoas físicas.

CASO VI

Duarte comprou a Filipe uma moto quatro pelo valor de 3.000 Euros. Como conhecia

Duarte, Filipe entregou a moto quatro antes de receber a quantia. No entanto, Duarte

nunca chegou a pagar os 3.000 Euros e Filipe resolveu intentar uma acção com a

finalidade de obter a quantia devida. Duarte é menor.

TEMA: PERSONALIDADE JUDICIÁRIA E CAPACIDADE JUDICIÁRIA

a. Imagine que Duarte contestou a acção. Quid Iuris?

No presente caso estamos no âmbito dos pressupostos processuais. Entende-se por

pressupostos processuais os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz

proferir decisão sobre o pedido formulado, condenando ou inferindo a providência

requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à

partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa.

Importa ainda salientar que estamos no âmbito de dois pressupostos processuais

positivos (personalidade judiciária e capacidade judiciária), ou seja de um requisito

cuja existência é essencial para que o juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou

improcedência da acção.

Page 19: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 19

Nos termos do art. 5º/1, a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser

parte. Entende-se por partes as pessoas pela qual e contra a qual é requerida, através

da acção, a providência judiciária.

Deste modo, a personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer (autor)

ou de contra si ser requerida (réu) , em próprio nome, qualquer das providências de

tutela jurisdicional reconhecidas na lei.

Nos termos do art. 5º/2 do CPC consagra-se o Princípio da Equiparação, ou seja o

critério geral fixado na lei para se saber quem tem personalidade judiciária é o da

correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (ou

capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária.

Nos termos do art. 66º do CC, tem-se personalidade jurídica com o nascimento

completo e com vida, pelo que, consequentemente, todas as pessoas singulares têm

personalidade judiciária.

Todos os indivíduos, quer sejam maiores ou menores, quer sejam capazes, interditos ou

inabilitados, quer nacionais ou estrangeiros gozam de personalidade judiciária, podem

ser partes em juízo, visto que todos eles podem ser sujeitos, em princípio, de quaisquer

relações jurídicas, nos termos do art. 67º do CC.

Deste modo, podemos concluir que tanto Duarte como Filipe, por aplicação do art. 5º

do CPC e dos art. 66º e 67º do CC, têm personalidade judiciária.

Quanto à capacidade judiciária, esta encontra-se consagrada no art. 9º/1 do CPC e

consiste na susceptibilidade de estar por si em juízo ou de se fazer representar por

representante voluntário. Ou seja, a capacidade judiciária é o espelho, na relação

processual, da capacidade de exercício de direitos, pois aquela é aferida por esta:

quem tem capacidade de exercício de direitos (ainda que limitada ou parcial: os

menores nos casos do art. 127º CC) tem também capacidade judiciaria

correspondente à produção dos efeitos possíveis balizados pela concreta

capacidade de exercício de direitos (art. 10º/1, in fine CPC).

Os menores fora dos casos previstos no artigo 127º CC não tendo capacidade de

exercício de direitos também não gozam de capacidade judiciaria, visto que está é a

medida e baseia-se na capacidade de exercício de direitos.

Deste modo, sendo Duarte (comprador) menor é necessário abrir as seguintes

hipóteses:

Nos termos do art. 127º/1 al. a) CC seria válido o acto que o menor (mas maior

de 16anos) tivesse praticado desde que o tivesse adquirido pelo seu trabalho.

Ou seja, se Duarte tivesse trabalho e ‘’amealhado’’ o dinheiro dai resultante e

com tal tivesse comprado a moto quatro, o acto seria válido e Duarte teria

capacidade judiciária

Nos termos do art. 127º/1 al. b) CC seria válido o acto desde que se

enquadrasse dentro dos ‘’negócios jurídicos próprios da vida corrente do

menor’’. Ou seja, o caso não nos dá elementos suficientes para saber se Duarte

seria ‘’muito rico’’ ou não, mas é importante abrir a hipótese (para o filho do

Cristiano Ronaldo três mil euros é uma quantia pequena)

Page 20: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 20

Não se enquadrando em nenhum dos casos do art. 127º do CC, pelo que Duarte não

teria capacidade de exercício para praticar o acto nem teria capacidade judiciária

para agir nos termos do art. 9º e 10º CPC. Sendo esta a hipótese, estamos face a uma

situação de incapacidade judiciária.

Analisando a hipótese de estarmos face a uma situação de incapacidade judiciária,

uma vez que Duarte contestou a acção questiona-se quais os efeitos que a sua

incapacidade judiciária acarreta.

Nos termos do art. 23º/1 do CPC a incapacidade judiciária é suprível. Logo que o juiz

se aperceba da incapacidade judiciária deve oficiosamente e a todo o tempo

providenciar pela regularização, o que ocorre mediante a intervenção ou citação do

representante do incapaz, para o efeito de ratificar ou renovar os actos praticados.

Nos termos do art. 10º/1 do CPC a incapacidade judiciária é suprida através da

assistência e da representação. Nos termos do art. 124º e 1902º do CC e do art. 10º/2

do CPC, normalmente, os representantes dos menores são os pais. Sendo que no nosso

caso o menor é réu ambos os pais serão citados para o exercer o direito de contestar

a acção, podendo praticar, deste modo, uma nova contestação.

Importa salientar que, nos termos do art. 288º al. c) e do art. 494º al. c) CPC a falta de

capacidade judiciária consubstancia uma excepção dilatória que se não for suprida

conduzirá à absolvição da instância.

Respeitando o vício ao réu a sanação verifica-se com a mera citação dos

representantes legitimas dessa parte. Contudo, se a sanação estivesse condicionada

pela pratica de qualquer acto por este representante do incapaz, a sanação era

deixada na sua inteira disponibilidade, o que até lhe seria altamente favorável, visto

que, se nada fizesse, o réu, seria absolvida da instância. deste modo, em último caso

aplica-se o disposto no art. 15º/1 CPC que consagra que incumbe ao Ministério Público

a defesa do réu, para o que será citado.

De qualquer modo, ainda que não seja apresentada qualquer contestação, que

possui como efeito normal a revelia, tal efeito não se produz nos termos do art. 485º al.

b) CPC.

b. Imagine agora que os pais de Duarte estão em desacordo quanto à estratégia

a adoptar no processo. Quid Iuris?

Nos termos do art. 12º do CPC, havendo divergência entre os pais na representação

do menor, a resolução do conflito cabe ao juiz em causa, no respeito pelos melhores

interesses do menor, podendo atribuir a representação a um só dos pais, designar

curador ou conferir a representação ao Ministério Público (nº3).

O art. 12º distingue dois momentos, duas situações:

Litigio surge antes da Instauração da Acção: qualquer um dos representantes

pode requerer ao tribunal competente para a causa a resolução do conflito

(nº1)

Litigio surge no decorrer do processo (caso prático): qualquer dos pais, no

prazo de realização do primeiro acto processual afectado pelo desacordo,

pode requerer ao juiz da causa que providencie sobre a forma de o incapaz

ser nela representado, suspendendo-se a instância para se tentar promover o

acordo e a resolução do litigio (nº2). Importa ainda salientar que a contagem

do prazo suspenso reinicia-se com a notificação da decisão (nº4).

Page 21: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 21

c. Na situação referida em a) se, em vez de ser menor, Duarte tivesse sido

inabilitado a resposta manter-se-ia?

Nos termos do art. 13º CPC regula-se a capacidade judiciária dos inabilitados. Os

inabilitados, fora das circunstâncias previstas no art. 153º/1, in fine do CC, não tendo

capacidade de exercício de direitos também não gozam de capacidade judiciária,

visto que está é a medida e baseia-se na capacidade de exercício de direitos. O que

o artigo 153º do CC consagra é que os actos de disposição do inabilitado têm de ser

praticados pelo curador, não se estando face a uma incapacidade genérica, não é

uma incapacidade natural, resultando antes de uma decisão judicial.

Deste modo, é necessário analisar o acto e a sentença que inabilitou Duarte para

apurar se ele de acordo com a sentença podia ou não praticar o acto em causa.

Podendo praticar estes actos então não se está face a uma situação de

incapacidade judiciária nos termos do art. 13º CPC, podendo a acção ser proposta

contra ele. Contudo é necessário analisar até que ponto a sentença resultante da

acção não seria um acto de disposição. Um dos efeitos possíveis da sentença seria a

perda da mota quatro (que Filipe lhe entregara) o que conduziria a um acto de

disposição. Se Duarte não pudesse praticar actos de disposição, para efeitos do art.

13º CPC, ele não teria capacidade judiciária.

Assim sendo, a incapacidade judiciária dos inabilitados é suprida através do curador

(art. 153º CC). O inabilitado pode, porém, estar pessoalmente em juízo e intervir,

devendo ser citado quando é reu (art. 13º/1 CPC). Todavia, é o curador que autoriza a

pratica dos actos pelo inabilitado, pelo que, em caso de divergência entre o curador

e o inabilitado, prevalece a orientação do curador nos termos do art. 13º/2 CPC.

CASO VII

João instaurou contra Pedro uma acção de reivindicação de um terreno avaliado em

40.000 Euros.

TEMA: PATROCÍNIO JUDICIÁRIO

a. Pedro, estudante de Direito e convicto de que poderia fazer a sua própria

contestação, apresentou a mesma no prazo legalmente estabelecido. Um

advogado seu amigo, Manuel, fez a revisão da peça e afirmou que a mesma

estava perfeita. Quid Iuris?

No presente caso estamos no âmbito dos pressupostos processuais. Entende-se por

pressupostos processuais os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz

proferir decisão sobre o pedido formulado, condenando ou inferindo a providência

requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à

partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa.

Importa ainda salientar que estamos no âmbito de um pressuposto processual positivo

(patrocínio judiciário), ou seja de um requisito cuja existência é essencial para que o

juiz se deva pronunciar sobre a procedência ou improcedência da acção.

O Patrocínio Judiciário, regulado no art. 32º e ss CPC, consiste na representação e

assistência técnica e profissional das partes em juízo, por parte de advogados e

solicitadores, na condução da lide em geral ou na pratica de certos actos em

especial, fundando-se num contrato de mandato. Através deste contrato de

mandato, a parte atribui ao mandatário poderes para a representar em todos os

Page 22: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 22

actos e termos do processo (art. 36º/1), incluindo o poder de substabelecer o mandato

(subcontrato de mandato), nisto consistindo os poderes forenses gerais (art. 37º/1

CPC).

É importante salientar que o patrocínio judiciário só é pressuposto processual quando é

obrigatório.

Em geral, as acções em que é admitido recurso ordinário carecem de patrocínio

judiciário nos termos do art. 32º/1 al. a) do CPC.

No presente caso estamos face a uma acção de reivindicação de um terreno

avaliado em quarenta mil euros. A primeira coisa a analisar é o valor da causa.

Para determinar o valor da causa é necessário recorrer ao art. 305º e ss. Nos termos do

art. 311º/1, se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade (acção de

reivindicação) sobre uma coisa, o valor da coisa (terreno) determina o valor da causa.

Deste modo, estando o terreno avaliado em quarenta mil euros o valor da causa será

de quarenta mil euros.

O art. 31º da LOFTJ 2008 consagra que a alçada do Tribunal da Relação é de trinta mil

euros e a alçada dos tribunais de 1ª Instância de cinco mil euros. Sabendo que, no

presente caso, o valor da causa é de quarenta mil euros é necessário analisar o

Princípio consagrado no art. 678º/1 CPC. Nos termos do art. 678º/1 é necessário que o

valor da causa seja superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação (quarenta mil

euros > trinta mil euros) e posteriormente olhar para a sentença em si. Deste modo,

admite-se recurso até ao STJ.

Sendo assim, admitindo-se, portanto, recurso até ao STJ, seria obrigatório patrocínio

judiciário, não podendo Pedro representar-se a si próprio, tendo, por efeito, de recorrer

à constituição de mandatário judicial.

A Falta de Constituição de Advogado encontra-se consagrada no art. 33º CPC, não

gera imediatamente as consequências típicas da falta de pressupostos processuais. O

juiz deve, antes disso, notificar a parte faltosa para suprir a falta dentro de certo prazo

(despacho convite).

As consequências da falta de constituição de advogado, quanto ao réu, assentam no

não seguimento de recurso (quando é o caso, mas não é o nosso) ou de a defesa

ficar sem efeito (o que seria o nosso caso). Caso a defesa fique sem efeito tal traduz-se

na revelia, consagrada no art. 484º/1 CPC, e dar-se-iam como provados os factos.

NOTA1: regra da dupla conforme – sendo-se condenado em 1ª Instância e

posteriormente no Tribunal da Relação, salvo raras situações, já não se pode recorrer

para o STJ.

NOTA2: Aplicação do art. 40º CPC: só se aplica às situações em que se assume um

mandato e o cliente ainda não mandou a procuração, faltando a demonstração que

o mandatário está constituído. O Tribunal fixa um prazo para ser suprida a falta ou

corrigido o vício. O juiz deve conhecer de tal, nos termos do art. 508º al. a), no

despacho pré saneador.

b. Imagine que Pedro optou antes por pedir ao seu amigo Manuel que o

representasse em juízo. Na contestação apresentada, Manuel fez confissões

expressas de factos. João vem depois invocar a confissão feita na fase dos

articulados. Quid Iuris?

Nos termos do art. 37º CPC consagram-se os poderes gerais forenses, ou seja a

procuração pode atribuir poderes gerais ou especiais. O poder de confessar é um

poder especial, na medida em que o poder de dar ao mandatário o poder de

Page 23: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 23

confessar ou de desistir pode ter consequências gravosas, exigindo-se para tal uma

ponderação especial.

Nos termos da conjugação do art. 38º e do art. 567º CPC resulta que a confissão, em

principio, é irretractável. As confissões expressas de factos, feitas nos articulados, só

podem ser retiradas (razões de arrependimento), enquanto a parte contrária não as

tiver aceitado especificamente

Em suma, se o João invoca/aceita a confissão, nos termos do art. 567º, esta é

irretractável.

NOTA: O Prof. Alberto dos Reis discutia se o art. 567º CPC (que se insere na matéria da

prova por confissão) abrangia as confissões feita pela parte ou só pelo mandatário,

uma vez que o presente artigo não restringe aos mandatários tal faculdade. É uma

questão de interpretação.

III - Legitimidade

CASO VIII

Ana propôs contra a sua vizinha Beatriz uma acção de condenação no pagamento de

uma indemnização pelos danos causados na sua plantação de morangos, alegando

que Beatriz contaminara a água do ribeiro que separa as duas propriedades, a qual

destruíra a referida plantação.

Beatriz, citada para contestar a acção, requereu ao Tribunal a absolvição do pedido

com fundamento em ilegitimidade, alegando que a responsabilidade pela referida

contaminação era de Carlota, proprietária de uma quinta banhada pelo mesmo

ribeiro e situada a montante da sua.

TEMA: LEGITIMIDADE

a. Como deverá decidir o Tribunal?

No presente caso, nada nos é dito que nos leve a presumir a não existência de

personalidade judiciária (art. 5º do CPC e art. 66º CC), de capacidade judiciária (art.

9º CPC) e de patrocínio judiciário (art. 32º e ss CPC), pelo que partimos do pressuposto

que tais pressupostos se encontram verificados.

A Legitimidade Processual encontra-se consagrada nos artigos 26º e ss CPC,

entendendo-se que ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão

dirigida em juízo ou a defesa contra ela oponível.

A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer

a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista, e terá

legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à

procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente

atingida pela providência requerida.

Quanto a Ana não existem dúvidas que ela terá legitimidade processual enquanto

autora. A questão coloca-se relativamente a Beatriz, que invoca que a

responsabilidade pela contaminação seria de Carlota e não dela.

Esta questão reflecte um problema que foi suscitado num caso celebre que envolvia

toneladas de chumbo, existindo para o efeito duas teorias. Trata-se de um caso em

que se realizou um contrato de venda de certo número (60) de toneladas de chumbo.

Page 24: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 24

O vendedor não cumpriu integralmente a obrigação que contraíra e o comprador

propôs acção a exigir a entrega das toneladas (cerca de 20) de chumbo em falta ou,

em alternativa, o pagamento da respectiva indemnização.

A acção foi proposta contra um comerciante português, como se fora ele o

outorgante do contrato como vendedor. Contudo, o réu alegou e provou que agiu

como mero intermediário (‘’sem responsabilidade pessoal’’) duma sociedade

espanhola, que era a verdadeira vendedora:

Prof. Barbosa Magalhães: as partes eram legítimas e acção devia julgada

improcedente, ou seja devia ocorrer a absolvição do pedido uma vez que o

vendedor/intermediário nada devia ao comprador (solução do Tribunal da

Relação) com fundamento de que o autor carecia do direito que se arrogava

sobre a pessoa demandada. Em suma, a relação material controvertida que

serve de base à determinação da legitimidade processual era a relação

material configurada unilateral e subjectivamente pelo autor na petição inicial

– tese subjectivista

Prof. Alberto dos Reis: as partes eram ilegítimas (solução do Tribunal de 1ª

Instância) e o juiz devia abster-se de conhecer do mérito da causa, ou seja

devia ocorrer a absolvição da instância uma vez que existe uma excepção

dilatória resultante da falta de legitimidade processual (saber se do contratou

resultou o direito invocado pelo autor, se o vendedor estava realmente em

falta ou se o não cumprimento resultou de motivo de força maior), porque o

réu nada tinha com a questão de fundo submetida à apreciação do tribunal.

Em suma, a relação material controvertida que serve de base à determinação

da legitimidade processual era a relação material tal como se apresenta real e

objectivamente ao tribunal, ao juiz, depois de ouvidas as partes e de serem

examinas as provas relevantes – tese objectivista

Actualmente vigora a tese do Prof. Barbosa Magalhães consagrando-se no art. 26º/3

do CPC que a legitimidade processual é apurada pela relação controvertida, tal

como ela é configurada pelo autor, na petição inicial.

A favor da tese do Prof. Barbosa Magalhães e contra a tese do Prof. Alberto dos Reis

invoca-se o facto de que não é possível saber à partida se as partes são, ou não, os

sujeitos da relação material controvertida, sem que previamente se conheça do fundo

ou do mérito da questão. Contudo, o Prof. Antunes Varela invoca que não se está a

entrar na questão de mérito da causa, uma vez que quando se analisa o pressuposto

da legitimidade presume-se que a relação exista tal como é descrita pelo autor,

sendo necessário verificar quem são os seus titulares. A ilegitimidade singular acaba

por se verificar em situações residuais, em casos de erro manifesto (exemplo: escreve-

se mal o nome da outra parte).

Deste modo, de acordo com a tese subjectivista do Prof. Barbosa Magalhães e nos

termos do art. 26º/3 CPC o tribunal deverá considerar que Beatriz é parte legítima na

acção.

Além do mais, importa salientar, que Beatriz deveria ter pedido a absolvição da

instância e não a absolvição do pedido, uma vez que a primeira (absolvição da

instância) é a consequência da falta da legitimidade, ou seja da falta de um

pressuposto processual o que consubstancia uma excepção dilatória nos termos do

art. 493º e art. 494º al. e) CPC.

No fim, ao concluir do mérito da causa, se o juiz concluir que ela não é parte legítima

irá absolve-la do pedido.

Page 25: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 25

NOTA1: ter legitimidade e ter interesse em agir são coisas diferentes, uma vez que a

primeira estabelece a relação com o objecto da acção.

NOTA2: A ilegitimidade processual, sendo uma excepção dilatória, nos termos do art.

495º CPC é de conhecimento oficioso. Nos termos do art. 510º CPC o juiz no despacho

saneador conhece das excepções dilatórias formando-se caso julgador.

b. Poderia Ana ter proposto a acção contra Beatriz e Carlota alegando ao

Tribunal não saber qual das duas fora responsável pela contaminação?

Nos termos do art. 31º- B CPC permite-se deduzir um mesmo pedido por autor ou

contra réu diverso do que aquele que demanda ou é demandado a título principal.

Tal só é possível se existir uma dúvida fundada sobre o(s) sujeito(s) que são titulares da

relação material controvertida.

Trata-se de situações em que:

Por um lado, o credor da pretensão ignora, sem culpa, a que título ou em que

qualidade o devedor interveio no acto ou no facto que serve de causa de

pedir. O autor pode demandar (inicialmente) um réu e formular

subsidiariamente contra ele um pedido no caso de dúvida fundamentada

sobre quem é o verdadeiro sujeito passiva da relação material controvertida. O

autor terá que afirmar quais as razões que o levam a não ter a certeza sobe o

titular passivo da relação material controvertida que configura ou apresenta

(pluralidade subjectiva subsidária). Deste modo, se um for absolvido, o outro(s)

serão condenados.

Por outro lado, o credor da pretensão ignora se é titular activo dela ou se é o

único titular activo.

Na opinião do Prof. Castro Mendes, os tribunais não servem para resolver dúvidas

deste teor, devendo o autor fazer o trabalho de casa.

NOTA: o art. 26º-A CPC consagra legitimidade processual aqueles que visem a defesa

dos interesses difusos, mais concretamente no nosso caso prático do ambiente,

devendo tal norma ser conjugada com a Lei da Acção Popular.

Caso IX

Em Dezembro de 2010, Diana e Eugénia compraram um imóvel situado em Ponte de

Lima a Filipa, através de contrato celebrado por escritura pública. Em Fevereiro de

2011, Filipa propôs uma acção contra Diana, na qual peticionou a declaração de

nulidade daquele contrato com fundamento no facto de o mesmo ter sido celebrado

com simulação de todas as partes contraentes. Na contestação, Diana invocou a

ilegitimidade passiva, porquanto a acção deveria ter sido proposta também contra

Eugénia. Como deverá o juiz decidir esta questão?

TEMA: LEGITIMIDADE (LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO E VOLUNTÁRIO)

A regra no processo é a da dualidade das partes (autor e réu), embora no mesmo

processo o autor possa cumular dois ou mais pedidos contra o réu. Contudo, muitas

vezes, em lugar de um só autor ou um só réu, a acção tem vários autores ou é

proposta contra dois ou mais réus.

Page 26: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 26

Nestes casos, à dualidade das partes substitui-se a pluralidade das partes, podendo

esta ser:

Pluralidade activa, se a acção é proposta por dois ou mais autores contra o

mesmo réu

Pluralidade passiva, se o autor demanda simultaneamente vários réus

Pluralidade mista, quando a acção é instaurada por dois mais autores contra

vários réus.

Nos termos do art. 27º e ss CPC distingue-se entre litisconsórcio, que pode ser

necessário ou voluntário, e coligação:

Litisconsórcio: há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material

controvertida, existindo como tal um único pedido formulado contra ou por

vários réus; a esta unicidade da relação controvertida corresponde uma

pluralidade de pessoas (e, logo, de partes).

Voluntário (regra): a cumulação depende exclusivamente da vontade

das partes. Se os interessados não forem demandados daí não resulta

qualquer ilegitimidade pois o litisconsórcio verifica-se por iniciativa das

partes ou de uma delas.

Necessário: a cumulação resulta de determinação da lei (litisconsórcio

necessário legal), de prévia estipulação dos interessados (litisconsórcio

necessário convencional) ou da natureza da relação jurídica

(litisconsórcio necessário natural). É necessário que todos os sujeitos da

relação material controvertida se encontrem em juízo para que o juiz

conheça do mérito da causa, sob pena de, nos termos do art. 493º,

494º al. e) e 288º/1 al. d) absolver da instância (a ilegitimidade

processual consubstancia uma excepção dilatória)

Coligação: à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações

matérias litigadas, exigindo-se uma pluralidade de pedidos, sendo a

cumulação pedida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da

dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os

fundamentos destes.

No presente caso, existe um só pedido que assenta na declaração de nulidade do

contrato de compra e venda pelo que se está face a uma situação de litisconsórcio.

Tendo Diana e Eugénia comprado o imóvel em conjunto tal exclui a possibilidade de

se estar face a um litisconsórcio voluntário uma vez que o direito de Eugénia será

incompatível com o direito de Filipa (é sempre necessário analisar a situação

concreta).

Excluída a coligação e a possibilidade de o litisconsórcio ser voluntário, resta-nos

portanto o litisconsórcio necessário mas é necessário determinar qual a sua

modalidade: não resultando da lei nem tendo sido convencionado estar-se-á face a

um litisconsórcio necessário natural.

O Litisconsórcio necessário natural encontra-se consagrado no art. 28º/2 CPC e é

aquele em que é imposta a presença de todos os interessados na acção (maxime de

todos os titulares da relação material controvertida), pois, doutro modo, a decisão

judicial a obter não produz o seu efeito útil normal, atenta a natureza da relaçao

jurídica em discussão.

Page 27: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 27

O Efeito útil Normal de uma decisão judicial consiste na composição definitiva do litígio

entre as partes relativamente ao pedido formulado, de modo que o caso julgado

material possa abranger todos os interessados, evitando tornar-se incompatível (por

que contraditória, total ou parcialmente) com a decisão eventualmente obtida numa

outra acção. O essencial é que o resultado da composição do tribunal vincule as

partes que estão no processo compondo definitivamente a situação jurídica entre

elas, não podendo esta composição ser afectada por uma outra que, eventualmente,

venha a ser obtida em ulterior acção entre as mesmas partes.

Deste modo, nos termos do art. 28º/2 CPC existe uma situação de litisconsórcio

necessário natural, pelo que não tendo Eugénia sido demandada na acção

intentada por Filipa estamos face a uma situação de ilegitimidade processual, que nos

termos do art. 493º e 494º al. e) consubstancia uma excepção dilatória tendo como

consequência a absolvição da instância.

Contudo, esta excepção dilatória pode ser sanável nos termos do art. 508º/1 al. a) que

se conjuga com o art. 265º/2, ou seja o juiz notifica o autor que existe uma situação de

ilegitimidade processual e confere-lhe o prazo de dez dias para sanar, se quiser, a falta

de legitimidade, provocando a intervenção de Eugénia. A intervenção de Eugénia na

acção terá de ser realizada por Filipa e não pelo Tribunal. Deste modo surge uma

nova parte na acção.

NOTA1: ao considerar que há litisconsórcio necessário está se a obrigar alguém que

não quis ser autor a intentar esta acção. Diz-se que se está a obrigar alguém

efectivamente a intentar uma vez que se ele não quiser intentar a acção

conjuntamente com o outro autor pode-se provocar um incidente de intervenção de

terceiros provocada, passando aquele que não quis intentar a acção a ser parte

obrigatória, ou seja passa a ser obrigado a intervir sem que nada possa fazer para

recusar.

NOTA2: a coligação em regra é voluntária, só sendo necessária nos casos de

acidentes de viação em que não há culpa.

NOTA3: incidente de intervenção de terceiros (art. 325º CPC). É necessário analisar

com atenção o disposto no art. 328º/2 CPC.

Page 28: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 28

Caso X

Com o objectivo de nele construir um empreendimento turístico, a sociedade MMM,

SA, com sede em Lisboa, celebrou com João e Luís, portugueses, domiciliados em

Aveiro um contrato-promessa de compra e venda de um terreno sito em Sintra, com

eficácia real, pelo preço de € 300.000,00.

A escritura pública não se realizou na data marcada porque Luís e João não

compareceram no notário, em violação do que fora acordado.

Entretanto, MMM, S.A., tomou conhecimento que Luís e João prometeram vender o

mesmo imóvel a Nuno, português, domiciliado em Aveiro, por 400mil euros.

MMM, SA, propôs então uma acção contra Luís e contra Nuno pedindo (i) a execução

específica do contrato promessa (contra Luís) e a (ii) declaração de nulidade do

contrato promessa celebrado com Nuno (contra Luís e contra Nuno).

TEMA – LEGITIMIDADE PROCESSUAL (COLIGAÇÃO e COMPETÊNCIA)

a. Podem ambos os pedidos ser feitos simultaneamente na mesma acção?

Uma vez que estamos face a um caso em que existe pluralidade de pedidos estamos

no âmbito da coligação que se encontra regulada nos art. 30º e ss CPC.

A cumulação de pedidos encontra-se consagrada no artigo 470º CPC, estando este

pensado para as situações em que há um autor e um réu estando assegurada a

conexão entre os pedidos. Na coligação existe, contudo, uma pluralidade de relações

materiais controvertidas exigindo-se como tal a conexão entre os pedidos, pelo que

ocorre uma remissão do art. 470º para o art. 31º CPC.

Não se verificando nenhum obstáculo à coligação nos termos do art. 31º podemos

concluir que a cumulação entre pedidos é possível.

Para que se possa verificar uma situação de coligação é necessária a verificação de

certos requisitos que se encontram consagrados no art. 30º, 31º e 470º do CPC:

Compatibilidade substantiva entre os pedidos – art. 470º CPC

Relação de Dependência ou Prejudicialidade entre os pedidos – art. 30º/1 CPC

Compatibilidade Processual (competência e forma) – art. 31º CPC

Requisito 1 – Compatibilidade Substantiva Entre os Pedidos

Nos termos do art. 470º CPC, exige-se uma compatibilidade substantiva entre os

pedidos. No presente caso, é compatível pedir a execução específica com a

declaração de nulidade.

Requisito 2 – Relação de Prejudicialidade ou de Dependência entre os Pedidos

Page 29: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 29

Nos termos do art. 30º CPC, pode haver coligação quando os pedidos estiverem numa

relação de dependência ou de prejudicialidade entre si, ou seja quando um réu é

demandado como devedor da obrigação fundamental e o outro é demandado

como devedor da relação cambiária, como avalista (coligação passiva), quando dois

filhos maiores deduzem pedidos de fixação de alimentos destinados a completar a sua

formação profissional contra os dois progenitores (coligação activa e passiva);

quando, em razão da identidade da causa de pedir, os diversos trabalhadores lesados

pelo mesmo facto ilícito demandarem, na mesma acção, a entidade patronal e a

seguradora da entidade patronal (coligação activa e passiva).

Ou seja, está em causa uma ideia de economia e celeridade processual que se traduz

no facto de evitar que a máquina da justiça tenha de apreciar duas acções

separadamente quando as mesmas poderiam ter sido apreciadas numa mesma

acção. Contudo, é necessário uma certa relação de dependência ou de

prejudicialidade para o efeito não ser o contrário.

Nos termos do art. 30º CPC consagram-se várias relações de conexão, mas a verdade

é que basta a existência de apenas uma para se verificar a coligação.

No presente caso, estamos no âmbito de uma relação de prejudicialidade ou de

dependência consagrada no nº1 do art. 30º CPC (antigamente só se previa o facto

de ser uma relação de dependência, tendo sido a relação de prejudicialidade

acrescentada posteriormente).

Coloca-se a questão de saber se existe alguma diferença entre a dependência e a

prejudicialidade, e se sim em que termos.

Na opinião do Prof. Alberto dos Reis, na dependência, para além da questão

da prejudicialidade, poderia existir uma Acessoriedade entre os pedidos;

dependência no sentido em que um dos pedidos é acessório relativamente ao

outro pedido. Por exemplo, quando se propõe uma acção de invalidade de

um testamento contra os herdeiros, invocando para o efeito dolo, e acresce-se

um pedido de indemnização, o pedido relevante é o da invalidade do

testamento, sendo a indemnização acessória da invalidade do testamento.

Contudo, no caso concreto é difícil separar a prejudicialidade da

dependência.

A Prof. Rita Gouveia não encontra, para efeitos de coligação, nenhuma

situação que não seja dependente e prejudicial em simultâneo.

No presente caso, só através da acção de execução específica é que o direito de

propriedade surge na esfera jurídica da sociedade MMM, pelo que a acção de

nulidade do contrato promessa celebrado com Nuno encontra-se dependente da

acção de execução especifica.

NOTA1: no exame, quanto a esta questão, deve responder-se ‘’existe uma conexão

entre os pedidos que assenta na dependência e prejudicialidade’’

NOTA2: a aplicação do art. 30º/3 CPC assenta nos títulos de crédito e nas obrigações

cambiárias

Requisito 3 – Compatibilidade Processual (Competência e Forma)

Nos termos do art. 31º CPC exige-se uma compatibilidade processual que se traduz na

competência e na forma de cada pedido.

Page 30: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 30

Importa salientar que, por um lado, a identidade das formas de processo não

necessita de ser absoluta, e por outro lado, a competência é absoluta (em razão da

matéria, da hierarquia e do território).

Uma vez que se está face a dois pedidos é sempre necessário analisá-los em

separado, fazendo-se o seguinte processo: primeiro analisa-se a forma de processo e o

tribunal competente de um dos pedidos e depois analisa-se novamente a forma de

processo e o tribunal competente quanto ao outro pedido. Se a forma de processo e

o tribunal competente forem os mesmos em ambos os pedidos a coligação é possível.

Quanto à Forma do Processo

Pedido1 – Execução Específica do Contrato Promessa

Em primeiro lugar, é necessário determinar o valor da causa, pelo que neste caso é

necessário recorrer às normas constantes do art. 305º e ss CPC.

Estamos face a uma acção de execução específica de um contrato promessa cujo

seu objectivo é o cumprimento do contrato de compra e venda, pelo que de acordo

com o artigo 310º consagra-se que ‘’quando a acção tiver por objecto a apreciação

da existência (…) de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado

pelo preço’’. Deste modo, de acordo com o art. 310º/1 CPC o valor da acção seria

trezentos mil euros pois este é preço do terreno em causa.

Contudo é necessário atender ao artigo 311º, nomeadamente ao seu nº1 e nº4. Nos

termos do art. 311º/1 CPC ‘’se a acção tiver por fim fazer valer o direito de

propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa’’. Aplicando

esta norma, o valor da causa também seria, tal como dispõe o art. 310º/1 CPC, de

trezentos mil euros. Nos termos do art. 311º/4 CPC ‘’tratando-se de outro direito real

(não o direito de propriedade – nº1) atender-se-á ao conteúdo e duração provável.’’

Ora, o artigo 311º/4 CPC exprime uma ideia económica do direito, do valor do direito

quando se refere ao conteúdo do mesmo; quando se refere à duração tal relaciona-

se com o facto de existirem direitos reais temporários. Relacionando o art. 311º/1 com

o art. 311º/4 CPC podemos pressupor que o nº1 pressupõe a titularidade do direito de

propriedade, só sendo então utilizado para acções de reinvindicação.

De qualquer forma, tanto por aplicação do art. 310º/1, do art. 311º/1 e do art. 311º/4

CPC o valor da causa seria de trezentos mil euros. Contudo, se fosse uma acção de

execução específica sem eficácia real nunca se aplicaria nenhuma das normas do

art. 311º CPC aplicando-se apenas o art. 310º/1 CPC.

Determinado o valor da causa é necessário agora atender, nos termos do artigo 4º do

CPC, ao tipo de acção que a acção de execução específica é. Ora, nos termos do

art. 4º/1 e 2 estamos face a uma acção declarativa.

Quanto à forma do processo é necessário recorrer ao artigo 460º e ss CPC. Uma vez

que não existe nenhum processo especial, nos termos do artigo 460º, 461º e 462º

aplica-se o processo ordinário comum, uma vez que nos termos do art. 31º da LOFTJ

2008 o valor da alçada do Tribunal da Relação é de trinta mil euros e o valor da causa

no presente caso prático de trezentos mil euros. Poder-se-ia ainda suscitar-se a

questão do Regime do Processo Civil Experimental devido ao facto de este não ter

limitação de valor.

Pedido2 – Declaração de Nulidade do Contrato Promessa Celebrado com Nuno

Page 31: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 31

Em primeiro lugar, é necessário determinar o valor da causa, pelo que neste caso é

necessário recorrer às normas constantes do art. 305º e ss CPC.

Estamos face a uma acção de declaração de nulidade do contrato promessa

celebrado com Nuno, pelo que nos termos do art. 310º/1 ‘’Quando a acção tiver por

objecto a (…) validade (…) de um acto jurídico, atender-se-á ao valor do acto

determinado pelo preço ou estipulado pelas partes’’ o valor da causa será de

quatrocentos mil euros.

Determinado o valor da causa é necessário agora atender, nos termos do artigo 4º do

CPC, ao tipo de acção que a acção de declaração de nulidade do contrato

promessa é. Ora, nos termos do art. 4º/1 e 2 estamos face a uma acção declarativa.

Quanto à forma do processo é necessário recorrer ao artigo 460º e ss CPC. Uma vez

que não existe nenhum processo especial, nos termos do artigo 460º, 461º e 462º

aplica-se o processo ordinário comum, uma vez que nos termos do art. 31º da LOFTJ

2008 o valor da alçada do Tribunal da Relação é de trinta mil euros e o valor da causa

no presente caso prático de quatrocentos mil euros.

Em suma, sendo a forma de processo (processo comum ordinário) a mesma, tanto

quanto à acção de execução específica como quanto à acção de declaração de

nulidade do contrato promessa celebrado com Nuno, a coligação é possível.

NOTA: para que a coligação seja possível quanto à forma de processo é necessário

que: (1) exista identidade entre as formas de processo; (2) a diferença entre a forma

de processo devido valor da causa entre os pedidos é possível (processo comum

ordinário e sumário) – art. 31º/1 in fine CPC; (3) diferença entre as formas de processo,

quando não é apenas em relação ao valor da causa, conduz a que seja o juiz a

decidir (processo comum sumário e processo comum sumaríssimo – critério do valor e

do objecto; processo comum e processo especial) – art. 31º/2 CPC

Quanto ao Tribunal Competente

Pedido1 – Execução Específica do Contrato Processo

É necessário analisar os critérios de competência absoluta nesta fase, uma vez que

quanto à competência relativa está só será analisada depois a primeira se encontrar

verificada:

Competência Internacional

O presente litigio encontra-se centrado na ordem jurídica portuguesa, não existindo

nenhum facto de conexão com outra ordem jurídica (poderia existir se o contrato

prevê-se uma cláusula de foro, mesmo que não fosse válida). Deste modo, não é

necessário sujeitar a resolução do processo ao Regulamento de Bruxelas, ao artigo 65º

e ss CPC ou a Pactos de Jurisdição. Conclui-se que os tribunais portugueses têm

competência em razão do território.

Competência em Razão da Matéria (art. 66º e ss CPC)

De acordo com a natureza das matérias que são objecto dos conflitos de interesses,

assim o poder jurisdicional é atribuído a distintos tribunais. Nos termos do art. 66º CPC

consagra-se que a competência dos tribunais judiciais é residual no confronto com as

restantes ordens jurídicas de jurisdição permanente (art. 209º e ss. CRP – Tribunal

Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunais Administrativos, Tribunais Fiscais e Tribunais

Militares).

Page 32: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 32

Deste modo, a competência em razão da matéria distingue os tribunais judiciais

relativamente aos tribunais de outras ordens de jurisdição em função da

especialização das matérias em causa. Nos termos do art. 26º/1 da LOFTJ 2008 as

causas que não sejam da competência de outra ordem de jurisdição são da

competência dos tribunais judiciários.

No presente caso, considerando o art. 209º da CRP, as inerentes leis de organização

das diferentes ordens dos tribunais, o art. 66º do CPC e o art. 26º da LOFTJ 2008

estamos face a uma acção de execução específica entre dois particulares pelo que

a competência pertence aos Tribunais Judiciais.

Dentro da ordem de jurisdição dos tribunais judiciais, a lei distingue diferentes tribunais,

no tocante à competência em razão da matéria. Deste modo, e de acordo com o

art. 73º/2 da LOFTJ, os tribunais judiciais podem ser de:

Competência Genérica (art. 110º LOFTJ 2008): se o autor invoca factos que

permitem várias qualificações jurídicas, o tribunal que tenha sido provocado é

materialmente competente se no seu âmbito de competência couber, pelo

menos, uma das qualificações jurídicas. O tribunal embora competente,

somente pode analisar o caso à luz da qualificação para que seja

materialmente competente.

Competência Especializada (art. 111º e ss LOFTJ 2008): quando os factos

alegados pelo autor apenas autorizam uma determinada qualificação jurídica,

com exclusão de outras qualificações, o tribunal em que ele deduziu a acção

é competente, se e quando essa qualificação for subsumida no âmbito de

competência material desse tribunal.

No presente caso, a acção de execução específica não se insere em nenhum dos

casos de competência especializada previstos no art. 74º/2, com ressalva da al. i), ou

seja no tocante à instância civil.

Deste modo, ou o tribunal competente será de competência genérica ou será de

competência especializada de instância civil, desde que tal exista na comarca em

causa.

NOTA1: Quando é necessário determinar qual o tribunal competente deve-se ter

como pressuposto os vários tipos de tribunais existentes e os conhecimentos de direito

substantivo.

NOTA 2: ocorre um acidente na auto estrada porque o condutor atropelou um peru e

consequentemente sofreu danos. O condutor intenta uma acção de indemnização

contra a concessionária no tribunal judicial ou administrativo? Ora, a indemnização é

uma questão de responsabilidade civil e a concessionária uma entidade privada mas

está a substituir um ente público. Neste caso recorre-se ao art. 4º ETAF.

Competência em Razão da Hierarquia

A ordem de jurisdição constituída pelos tribunais judiciais é dotada de uma hierarquia

de tribunais, qual pirâmide judiciária: os tribunais judiciais de 1ª Instância, os Tribunais

da Relação (tribunais judiciais de 2ª Instância) e o Supremo Tribunal de Justiça.

Page 33: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 33

Nos termos do art. 27º da LOFTJ 2008 os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados

para efeitos de recurso das suas decisões, não sendo como tal uma hierarquia do

ponto de vista administrativo (dar instruções aos tribunais inferiores).

Na LOFTJ 2008 a competência dos tribunais judiciais encontra-se consagrada, quanto

ao Supremo Tribunal de Justiça no art. 41º e ss, quanto ao Tribunal da Relação no art.

65º e ss e quanto aos Tribunais de Comarca no art. 73º e ss.

Por exclusão de partes, ou seja por nem ser nem da competência do Tribunal da

Relação nos termos do art. 65º e ss LOFTJ 2008, nem da competência do Supremo

Tribunal de Justiça nos termos do art. 41º e ss LOFTJ 2008, o pedido de acção de

execução especifica do contrato promessa será da competência do Tribunal de 1ª

Instância.

NOTA: é absolutamente errado entender que nos casos em que o pedido é de

trezentos mil euros, por exemplo, por este valor ser superior ao valor da alçada da

Relação, que tal é da competência do Supremo Tribunal de Justiça.

Pedido2 – Declaração de Nulidade do Contrato Promessa Celebrado com Nuno

Quanto aos critérios da competência absoluta é necessário analisar:

Competência Internacional

Exactamente igual ao pedido de execução específica do contrato promessa

Competência em Razão da Matéria

Exactamente igual ao pedido de execução específica do contrato promessa

Competência em Razão da Hierarquia

Exactamente igual ao pedido de execução específica do contrato promessa

Em suma, pode existir coligação uma vez que o tribunal competente para conhecer

do pedido de execução específica do contrato promessa e o tribunal competente

para conhecer do pedido da declaração de nulidade do contrato promessa é o

mesmo, quer em razão da hierarquia, quer em razão da matéria e quer em razão do

território.

b. Pode o pedido ii) ser proposto em simultâneo contra aqueles dois réus?

TEMA: LEGITIMIDADE (LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NATURAL)

No caso concreto pretende-se saber se a acção de declaração de nulidade do

contrato promessa pode ser proposta contra Luís e contra Nuno.

Estamos face a uma situação em que um terceiro (a sociedade MMM, SA) pretende

propor uma acção de declaração de nulidade de um contrato promessa de que em

que aquele não é parte, uma vez que o contrato promessa foi celebrado com Nuno

por Luís e João.

Page 34: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 34

Nos termos do art. 27º e 28º do CPC, entende-se por litisconsórcio a situação em que

existe uma pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida,

existindo como tal um único pedido formulado contra ou por vários réus; a esta

unicidade da relação controvertida corresponde uma pluralidade de pessoas (e, logo,

de partes). O litisconsórcio pode ser:

Voluntário (regra): a cumulação depende exclusivamente da vontade das

partes. Se os interessados não forem demandados daí não resulta qualquer

ilegitimidade pois o litisconsórcio verifica-se por iniciativa das partes ou de uma

delas.

Necessário: a cumulação resulta de determinação da lei (litisconsórcio

necessário legal), de prévia estipulação dos interessados (litisconsórcio

necessário convencional) ou da natureza da relação jurídica (litisconsórcio

necessário natural). É necessário que todos os sujeitos da relação material

controvertida se encontrem em juízo para que o juiz conheça do mérito da

causa, sob pena de, nos termos do art. 493º, 494º al. e) e 288º/1 al. d) absolver

da instância (a ilegitimidade processual consubstancia uma excepção

dilatória)

No presente caso, existe um só pedido que assenta na declaração de nulidade do

contrato de compra e venda pelo que se está face a uma situação de litisconsórcio.

Tendo a sociedade MMM celebrado um contrato promessa de compra e venda de

um terreno com João e Luís e tendo posteriormente estes celebrado outro contrato

promessa com incidência no mesmo terreno com Nuno tal exclui a possibilidade de se

estar face a um litisconsórcio voluntário uma vez que o direito da sociedade será

incompatível com o direito de Nuno (é sempre necessário analisar a situação

concreta).

Excluída a coligação (existe uma pluralidade de partes mas apenas uma única

relação material controvertida) e a possibilidade de o litisconsórcio ser voluntário,

resta-nos portanto o litisconsórcio necessário mas é necessário determinar qual a sua

modalidade: não resultando da lei nem tendo sido convencionado estar-se-á face a

um litisconsórcio necessário natural.

O Litisconsórcio necessário natural encontra-se consagrado no art. 28º/2 CPC e é

aquele em que é imposta a presença de todos os interessados na acção (maxime de

todos os titulares da relação material controvertida), pois, doutro modo, a decisão

judicial a obter não produz o seu efeito útil normal, atenta a natureza da relaçao

jurídica em discussão.

O Efeito útil Normal de uma decisão judicial consiste na composição definitiva do litígio

entre as partes relativamente ao pedido formulado, de modo que o caso julgado

material possa abranger todos os interessados, evitando tornar-se incompatível (por

que contraditória, total ou parcialmente) com a decisão eventualmente obtida numa

outra acção. O essencial é que o resultado da composição do tribunal vincule as

partes que estão no processo compondo definitivamente a situação jurídica entre

elas, não podendo esta composição ser afectada por uma outra que, eventualmente,

venha a ser obtida em ulterior acção entre as mesmas partes.

Deste modo, substancialmente, sendo a sociedade MMM um interessado

juridicamente é possível intentar tal acção. Deste modo, do ponto de vista processual,

estamos face a uma situação de litisconsórcio, mais concretamente uma situação de

litosconsórcio natural.

Page 35: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 35

Em suma, a acção de declaração de nulidade do contrato promessa pode ser

proposta pela sociedade MMM contra Luís e Nuno nos termos do art. 26º (norma geral)

e do art. 28º/2 do CPC.

c. O facto de a acção não ter sido proposta contra João deverá obstar ao

conhecimento do mérito da mesma?

TEMA: LEGITIMIDADE (LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NATURAL)

No presente caso existem dois pedidos formulados pela Sociedade MMM: o pedido de

execução específica do contrato promessa e o pedido de declaração de nulidade

do contrato promessa celebrado com Nuno.

Pedido de Declaração de Nulidade do Contrato Promessa celebrado com Nuno

Neste caso, o pedido é formulado pela Sociedade MMM e é contra Nuno e contra

Luís, não sendo João parte. Na al. b) contatou-se que é possível este pedido ser

proposto em simultâneo contra Nuno e Luís pelo que se remete para lá neste caso.

Pedido de Execução Específica do Contrato Promessa

Neste caso, o pedido é formulado pela Sociedade MMM contra Luís, não sendo João

parte. É necessário analisar se estamos face a uma situação de litisconsórcio ou de

coligação.

A regra no processo é a da dualidade das partes (autor e réu), embora no mesmo

processo o autor possa cumular dois ou mais pedidos contra o réu. Contudo, muitas

vezes, em lugar de um só autor ou um só réu, a acção tem vários autores ou é

proposta contra dois ou mais réus.

Nestes casos, à dualidade das partes substitui-se a pluralidade das partes, podendo

esta ser:

Pluralidade activa, se a acção é proposta por dois ou mais autores contra o

mesmo réu

Pluralidade passiva, se o autor demanda simultaneamente vários réus

Pluralidade mista, quando a acção é instaurada por dois ou mais autores

contra vários réus.

Nos termos do art. 27º e ss CPC distingue-se entre litisconsórcio, que pode ser

necessário ou voluntário, e coligação:

Litisconsórcio: há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material

controvertida, existindo como tal um único pedido formulado contra ou por

vários réus; a esta unicidade da relação controvertida corresponde uma

pluralidade de pessoas (e, logo, de partes).

Voluntário (regra): a cumulação depende exclusivamente da vontade

das partes. Se os interessados não forem demandados daí não resulta

qualquer ilegitimidade pois o litisconsórcio verifica-se por iniciativa das

partes ou de uma delas.

Page 36: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 36

Necessário: a cumulação resulta de determinação da lei (litisconsórcio

necessário legal), de prévia estipulação dos interessados (litisconsórcio

necessário convencional) ou da natureza da relação jurídica

(litisconsórcio necessário natural).

É necessário que todos os sujeitos da relação material controvertida se

encontrem em juízo para que o juiz conheça do mérito da causa, sob

pena de, nos termos do art. 493º, 494º al. e) e 288º/1 al. d) absolver da

instância (a ilegitimidade processual consubstancia uma excepção

dilatória)

Coligação: à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações

matérias litigadas, exigindo-se uma pluralidade de pedidos, sendo a

cumulação pedida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da

dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os

fundamentos destes.

No presente caso estamos face a uma acção de execução específica proposta pela

Sociedade MMM contra Luís, colocando-se a questão de saber se aquela também

deveria ser proposta contra João, uma vez que o contrato promessa (que não foi

cumprido) foi celebrado entre a Sociedade MMM com Luís e João. Ou seja, existe

apenas uma relação material controvertida e um único pedido (pedido de execução

específica) pelo que se exclui a possibilidade de se estar face a uma situação de

coligação.

Excluída a possibilidade de se estar face a uma situação de coligação, coloca-se a

questão de saber se se está face a um litisconsórcio voluntário ou necessário.

Para responder a esta questão é necessário formular uma outra questão: o efeito útil

normal da sentença produz-se se a acção for proposta apenas contra um dos

promitentes, neste caso Luís?

O Litisconsórcio necessário natural encontra-se consagrado no art. 28º/2 CPC e é

aquele em que é imposta a presença de todos os interessados na acção (maxime de

todos os titulares da relação material controvertida), pois, doutro modo, a decisão

judicial a obter não produz o seu efeito útil normal, atenta a natureza da relaçao

jurídica em discussão.

O Efeito útil Normal de uma decisão judicial consiste na composição definitiva do litígio

entre as partes relativamente ao pedido formulado, de modo que o caso julgado

material possa abranger todos os interessados, evitando tornar-se incompatível (por

que contraditória, total ou parcialmente) com a decisão eventualmente obtida numa

outra acção. O essencial é que o resultado da composição do tribunal vincule as

partes que estão no processo compondo definitivamente a situação jurídica entre

elas, não podendo esta composição ser afectada por uma outra que, eventualmente,

venha a ser obtida em ulterior acção entre as mesmas partes.

Imagine-se a seguinte situação: no pedido de execução específica proposto contra

Luís este é declarado procedente, mas se o mesmo pedido for proposto contra João e

declarado improcedente esta improcedência coloca em causa a procedência do

primeiro pedido. A não oponibilidade conduz a que a sentença não produza o seu

efeito útil normal.

Page 37: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 37

Deste modo, e em suma, para impedir que a sentença não produza ao seu efeito útil

normal e que consequentemente o juiz não possa conhecer do mérito da causa nos

termos do art. 493º e 494º al. e) o autor deverá provocar a intervenção de João quer

de forma espontânea quer de forma provocada, nos termos do art. 320º al. a) e ss.

CPC.

IV - Competência

CASO XI

Fernando, furioso por ter sido despedido pela empresa Transportes Velocidade, S.A., no

âmbito de uma alegada reestruturação motivada pela crise financeira, instaura acção

de condenação no Juízo de Grande Instância Cível contra esta última, pedindo o

pagamento dos salários e das férias em atraso, bem como uma indemnização por

danos morais que alega ter sofrido com um despedimento tão abrupto. Quid iuris?

TEMA: COMPETÊNCIA ABSOLUTA (INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA)

No presente caso, Fernando instaura uma acção de condenação contra a empresa

Transportes Velocidade, no Juízo de Grande Instância Cível. É necessário analisar se o

Juízo de Grande Instância Cível teria competência para conhecer do mérito da

causa.

Deste modo, é necessário analisar os critérios de competência absoluta nesta fase,

uma vez que quanto à competência relativa está só será analisada depois a primeira

se encontrar verificada:

Competência Internacional

O presente litigio encontra-se centrado na ordem jurídica portuguesa, não existindo

nenhum facto de conexão com outra ordem jurídica (poderia existir se o contrato

prevê-se uma cláusula de foro, mesmo que não fosse válida). Deste modo, não é

necessário sujeitar a resolução do processo ao Regulamento de Bruxelas, ao artigo 65º

e ss CPC ou a Pactos de Jurisdição. Conclui-se que os tribunais portugueses têm

competência em razão do território.

Competência em Razão da Matéria (art. 66º e ss CPC)

De acordo com a natureza das matérias que são objecto dos conflitos de interesses,

assim o poder jurisdicional é atribuído a distintos tribunais. Nos termos do art. 66º CPC

consagra-se que a competência dos tribunais judiciais é residual no confronto com as

restantes ordens jurídicas de jurisdição permanente (art. 209º e ss. CRP – Tribunal

Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunais Administrativos, Tribunais Fiscais e Tribunais

Militares).

Deste modo, a competência em razão da matéria distingue os tribunais judiciais

relativamente aos tribunais de outras ordens de jurisdição em função da

especialização das matérias em causa. Nos termos do art. 26º/1 da LOFTJ 2008 as

causas que não sejam da competência de outra ordem de jurisdição são da

competência dos tribunais judiciários.

Page 38: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 38

No presente caso, considerando o art. 209º da CRP, as inerentes leis de organização

das diferentes ordens dos tribunais, o art. 66º do CPC e o art. 26º da LOFTJ 2008

estamos face a uma acção de condenação proposta por Fernando contra a

empresa Transportes Velocidade pelo que a competência pertence aos Tribunais

Judiciais.

Dentro da ordem de jurisdição dos tribunais judiciais, a lei distingue diferentes tribunais,

no tocante à competência em razão da matéria. Deste modo, e de acordo com o

art. 73º/2 da LOFTJ, os tribunais judiciais podem ser de:

Competência Genérica (art. 110º LOFTJ 2008): se o autor invoca factos que

permitem várias qualificações jurídicas, o tribunal que tenha sido provocado é

materialmente competente se no seu âmbito de competência couber, pelo

menos, uma das qualificações jurídicas. O tribunal embora competente,

somente pode analisar o caso à luz da qualificação para que seja

materialmente competente.

Competência Especializada (art. 111º e ss LOFTJ 2008): quando os factos

alegados pelo autor apenas autorizam uma determinada qualificação jurídica,

com exclusão de outras qualificações, o tribunal em que ele deduziu a acção

é competente, se e quando essa qualificação for subsumida no âmbito de

competência material desse tribunal.

No presente caso, estamos no âmbito de uma relação de trabalho em que Fernando

tinha sido despedido pela empresa Transportes Velocidades, pelo que nos termos do

art. 74º/2 al. c) LOFTJ, existindo um tribunal de competência especializada na região

(que no caso nenhum elemento nos é dado quanto a este facto), seria da

competência especializada do Tribunal do Trabalho, não podendo a acção ser

intentada na Instância Cível (competência residual). Ou seja, por força do art. 73º/2, in

fine e do art. 74º/2 al. c) LOFTJ competentes são os Tribunais do Trabalho.

Deste modo, sendo a acção proposta no Juízo de Grande Instância Cível tal foi

proposta num tribunal que é materialmente incompetente (quem seria competente

seria o Tribunal do Trabalho, estando portanto face a um caso de incompetência

absoluta nos termos do art. 101º CPC (‘’A infracção das regras de competência em

razão da matéria (…) determina a incompetência absoluta do tribunal’’)

Nos termos do art. 102º CPC, a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes.

Nos termos do art. 105º CPC a incompetência absoluta pode conduzir a uma das

seguintes consequências: ou ocorre a absolvição do réu da instância, ou ocorre o

indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar. A segunda

possível consequência constitui uma excepção pelo que esta norma necessita de ser

conjugada com o art. 234º-A.

NOTA1: Nos termos do art. 102º/1 a incompetência absoluta deverá ser suscitada

oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver

sentença com transito em julgado sobre o fundo da causa. Ou seja, se a acção tivesse

sido proposta num tribunal administrativo aplicar-se-ia o art. 102º/1 CPC uma vez que é

uma incompetência absoluta mais gravosa.

NOTA2: Nos termos do art. 102º/2 conjugado com o art. 495º, mesmo que não tenha

sido arguida pelas partes, a incompetência em razão da matéria é de conhecimento

oficioso, desde que o seja até ser proferido o despacho saneador, ou, não havendo

lugar a este, até ao início da audiência de discussão e julgamento. Quando se está

Page 39: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 39

face a uma incompetência absoluta que se situa no seio da jurisdição judicial aplica-

se o art. 102º/2 uma vez que o tribunal judicial poderá conhecer de questões de Direito

do Trabalho (o Contrato de Trabalho encontra-se previsto no Código Civil), uma vez

que embora tenha ocorrido a autonomização do Direito do Trabalho, este continua a

ser um ramo de Direito Civil.

Deste modo, a especialização dos juízes nestas matérias não impõe, do ponto de vista

em sede de recurso, que a acção possa voltar para trás. A incompetência continua a

existir, a ser de conhecimento oficioso, mas tem um prazo mais curto (‘’até ser

proferido despacho saneador (…)até ao início da audiência de discussão e

julgamento’’) – mesmo que aquele tribunal fosse incompetente torna-se competente

(sanação do vício)

NOTA3: Nos termos do art. 103º CPC, sendo a incompetência arguida antes do

despacho saneador o juiz poderá conhecer dela imediatamente ou reservar a sua

apreciação para esse despacho; se a incompetência for arguida após proferido o

despacho saneador ela deverá ser conhecida de imediato.

NOTA4: Quanto às consequências da incompetência absoluta, consagradas no art.

105º, esta constitui uma excepção dilatória nos termos do art. 493º/2 e 494º al. a),

obstando deste motivo ao conhecimento do mérito da causa e gerando a absolvição

da instância nos termos do art. 288º/1 al. a), sendo nos termos do art. 495º é de

conhecimento oficioso.

NOTA5: Nos termos do art. 106º, a decisão sobre a incompetência absoluta possui

força de caso julgado formal, ou seja é uma decisão que será sempre passível de

recurso, pelo que se deve conjugar a referida norma com o art. 678º/2 al. a) CPC.

CASO XII

Ana, francesa, residente em Paris, pretende instaurar uma acção contra a sociedade

Belavista, S.A., com sede em Braga, e que explora um jornal com o mesmo nome,

pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de

€100.000,00 por danos morais causados por notícia que, no seu entender, viola a sua

honra e o seu bom nome.

a. Qual o Tribunal competente?

TEMA: COMPETÊNCIA ABSOLUTA E COMPETÊNCIA RELATIVA

É necessário analisar os critérios de competência absoluta nesta fase, uma vez que

quanto à competência relativa está só será analisada depois da primeira se encontrar

verificada

Competência Absoluta (Internacional, Matéria e Hierarquia)

Competência Internacional

A competência internacional (dos tribunais portugueses) é a fracção do poder

jurisdicional atribuída a estes tribunais portugueses, no seu conjunto, relativamente à

fracção do poder jurisdicional atribuída, por leis nacionais estrangeiras ou tratados ou

convenções internacionais, a tribunais estrangeiros sempre que o litígio seja

transfronteiriço, isto é, quando apresente elementos de conexão com ordens jurídicas

estrangeiras. Na ordem jurídica portuguesa, a competência internacional é

determinada independentemente da lei material aplicável à apreciação do objecto

do litígio ou mérito da causa: os tribunais portugueses podem ser internacionalmente

competentes ainda quando a causa deva ser apreciada à luz de uma lei estrangeira;

Page 40: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 40

os tribunais portugueses podem julgar-se internacionalmente incompetentes mesmo

que a acção deva ser apreciada pela lei portuguesa.

As regras da competência internacional (directa) que constam para os regulamentos

comunitários valem tanto para os tribunais do foro (tribunais de um Estado Membro

onde, em concreto a acção foi proposta) como para os tribunais de qualquer outro

Estado Membro, como por exemplo, é o caso do Regulamento nº 44/2001.

Diferentemente, as regras que determinam a competência internacional dos tribunais

portugueses consagradas no art. 65º e 65º-A do CPC são regras unilaterais, pois só

fixam a competência (Internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro

nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e

validade daquelas regras.

Deste modo, face a cada caso concreto, é necessário conciliar o âmbito de

aplicação das normas de competência internacional reguladas no CPC com o

âmbito de aplicação das normas de competência internacional directa disciplinadas

em qualquer regulamento comunitário.

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

Da conjugação do art. 1º/1 com o objecto da acção, ou seja a acção de

condenação no pagamento de uma indemnização que Ana pretende propor,

conclui-se que este Regulamento é aplicado.

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 4º/1, se o réu não tiver domicilio em qualquer um dos Estados

Membros (exemplo: Brasil ou Angola) a competência é regulada pela lei processual

interna do Estado Membro onde a acção foi intentada, sem prejuízo da aplicação das

regras sobre competências exclusivas, constantes no art. 22º, e por eventuais pactos

de jurisdição válidos, nos termos do art. 23º.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. Nos termos do art. 59º, sendo

a acção proposta em Portugal o tribunal português irá aplicar a lei portuguesa para

determinar se a parte tem domicilio em Portugal. Nos termos do art. 60º/1 al. a)

entende-se que uma sociedade tem domicilio no lugar em que tiver a sua sede social.

No presente caso, o demandando, a sociedade Belavista, tem sede em Braga, pelo

que da conjugação do art. 2º/1, do art. 59º e do art. 60º/1 al. a), se Ana instaurar a

Page 41: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 41

acção em Portugal, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes

para conhecer da questão

Apesar de já se ter apurado que os tribunais portugueses são competentes

internacionalmente para conhecer da questão em analise, podemos ainda abrir

outras hipóteses.

Nos termos do art. 22º consagra-se uma série de casos de competência

exclusiva dos tribunais dos Estados Membros, as quais prevalecem sobre

quaisquer critérios gerais ou específicos, impedindo, inclusivamente, a

celebração de válidos pactos de jurisdição, quando estes respeitem às

matérias previstas nestas competências exclusivas. Estas regras de

competência exclusiva devem ser aplicadas mesmo que o demandando não

tenha domicilio ou sede num dos Estados Membros. Analisando o art. 22º

conclui-se que no caso em análise o objecto da acção (indemnização) não se

insere em nenhum dos seus números pelo que nesta hipótese não existia

competência exclusiva.

Nos termos do art. 23º consagram-se os pactos de jurisdição. Os pactos de

jurisdição atingem as regras de determinação da competência internacional

dos tribunais portugueses, havendo que distinguir entre:

Pactos Atributivos de Jurisdição: concede-se a competência

internacional a um ou a vários tribunais portugueses, a qual pode ser

exclusiva ou concorrente.

Pactos Privativos de Jurisdição: as partes retiram a competência a um

ou a vários tribunais portugueses e atribuem-na, em exclusivo ou

concorrentemente, a um ou a vários tribunais estrangeiros (art. 99º/2

CPC). Para que a competência seja atribuída em exclusivo ao foro

estrangeiro é preciso que as partes retirem a competência legal aos

tribunais portugueses; se o não fizerem o caso poderá ser apreciado e

julgado concorrentemente pelos tribunais portugueses.

No presente caso, nada nos é dito sobre a celebração de um pacto de

jurisdição entre as partes pelo que considera-se que não existe nenhum.

Nos termos do art. 5º consagra-se um conjunto de critérios especiais de

atribuição da competência internacional, para os casos em que o reu tem

domicilio num dos Estados Membros e o autor pretende que ele possa ser

demandado perante os tribunais de um outro Estado Membro (art. 3º/1).

Quando algum dos critérios especiais constantes do art. 5º se encontra

presente, o autor dispõe da seguinte alternativa: (1) propõe a acção junto dos

tribunais do Estado Membro do domicilio (ou sede) do réu; (2) ou, intenta a

acção noutro tribunal de um outro Estado Membro, uma vez observadas as

regras especiais de competência consignadas no art. 5º e ss.

Page 42: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 42

Quanto ao presente caso podemos equacionar duas possíveis soluções:

Nos termos do art. 5º/3, quanto às matérias extracontratuais o réu pode

ser demandando perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá

verificar-se o facto danoso. A sede do Jornal situa-se em Braga mas se

tal jornal for publicado noutros países (como sucede com o Jornal A

Bola) o facto danoso irá ocorrer no local onde se tem conhecimento da

notícia – a noticia seria realizada em Portugal mas seria publicada em

França. Contudo, parte-se do princípio que os tribunais portuguesas são

competentes internacionalmente.

Nos termos do art. 5º/4, as acções de indemnização baseadas numa

infracção penal são propostas e apreciadas no tribunal do Estado

Membro onde foi intentada a acção pública, ou seja se a lei desse

Estado permitir conhecer do pedido cível. Em Portugal tal é plausível

uma vez que o art. 71º e ss. Código do Processo Penal estatui que o

pedido indemnizatório deve ser apresentado na acção penal, na

esteira do Princípio da Adesão, excepto nas situações previstas no art.

72º/2 do referido Código. Trata-se de pedidos de indemnização cíveis

que foram feitos numa acção penal.

Em suma, quanto à competência absoluta internacional os Tribunais Portugueses

seriam internacionalmente competentes para conhecer do mérito da questão.

NOTA1: o âmbito de aplicação do Regulamento nº44/2001 é definido pelo art. 1º/1 e

não pelo nº2. Primeiro é necessário ver se a situação em concreto se refere a matéria

civil ou comercial e posteriormente há-de verificar-se se tal situação não se enquadra

em nenhum dos casos de exclusão constantes do nº2.

NOTA2: o Regulamento nº 44/2001 entrou em vigor no dia 1-03-2002, nos termos do art.

76º, pelo que as suas disposições aplicam-se às acções instauradas após essa data,

nos termos do art. 66º/1. Quando os casos práticos nada digam em contrário presume-

se que são posteriores à data de entrada em vigor do Regulamento, mais

concretamente, situam-se no presente (exemplo: ano 2012)

NOTA3: o art. 5º/4 do Regulamento não exclui o art. 5º/3 do mesmo.

Competência em Razão da Matéria (art. 66º e ss CPC)

De acordo com a natureza das matérias que são objecto dos conflitos de interesses,

assim o poder jurisdicional é atribuído a distintos tribunais. Nos termos do art. 66º CPC

consagra-se que a competência dos tribunais judiciais é residual no confronto com as

restantes ordens jurídicas de jurisdição permanente (art. 209º e ss. CRP – Tribunal

Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunais Administrativos, Tribunais Fiscais e Tribunais

Militares).

Deste modo, a competência em razão da matéria distingue os tribunais judiciais

relativamente aos tribunais de outras ordens de jurisdição em função da

especialização das matérias em causa. Nos termos do art. 26º/1 da LOFTJ 2008 as

causas que não sejam da competência de outra ordem de jurisdição são da

competência dos tribunais judiciários.

Page 43: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 43

No presente caso, considerando o art. 209º da CRP, as inerentes leis de organização

das diferentes ordens dos tribunais, o art. 66º do CPC e o art. 26º da LOFTJ 2008

estamos face a uma acção de condenação proposta por Ana contra a sociedade

Belavista pelo que a competência pertence aos Tribunais Judiciais.

Dentro da ordem de jurisdição dos tribunais judiciais, a lei distingue diferentes tribunais,

no tocante à competência em razão da matéria. Deste modo, e de acordo com o

art. 73º/2 da LOFTJ, os tribunais judiciais podem ser de:

Competência Genérica (art. 110º LOFTJ 2008): se o autor invoca factos que

permitem várias qualificações jurídicas, o tribunal que tenha sido provocado é

materialmente competente se no seu âmbito de competência couber, pelo

menos, uma das qualificações jurídicas. O tribunal embora competente,

somente pode analisar o caso à luz da qualificação para que seja

materialmente competente.

Competência Especializada (art. 111º e ss LOFTJ 2008): quando os factos

alegados pelo autor apenas autorizam uma determinada qualificação jurídica,

com exclusão de outras qualificações, o tribunal em que ele deduziu a acção

é competente, se e quando essa qualificação for subsumida no âmbito de

competência material desse tribunal.

No presente caso, a acção de condenação ao pagamento de uma indemnização

não se insere em nenhum dos casos de competência especializada previstos no art.

74º/2, com ressalva da al. i), ou seja no tocante à instância civil.

Deste modo, ou o tribunal competente será de competência genérica ou será de

competência especializada de instância civil, desde que tal exista na comarca em

causa.

Competência em Razão da Hierarquia

A ordem de jurisdição constituída pelos tribunais judiciais é dotada de uma hierarquia

de tribunais, qual pirâmide judiciária: os tribunais judiciais de 1ª Instância, os Tribunais

da Relação (tribunais judiciais de 2ª Instância) e o Supremo Tribunal de Justiça.

Nos termos do art. 27º da LOFTJ 2008 os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados

para efeitos de recurso das suas decisões, não sendo como tal uma hierarquia do

ponto de vista administrativo (dar instruções aos tribunais inferiores).

Na LOFTJ 2008 a competência dos tribunais judiciais encontra-se consagrada, quanto

ao Supremo Tribunal de Justiça no art. 41º e ss, quanto ao Tribunal da Relação no art.

65º e ss e quanto aos Tribunais de Comarca no art. 73º e ss.

Por exclusão de partes, ou seja por nem ser nem da competência do Tribunal da

Relação nos termos do art. 65º e ss LOFTJ 2008, nem da competência do Supremo

Tribunal de Justiça nos termos do art. 41º e ss LOFTJ 2008, o pedido de acção de

condenação ao pagamento de uma indeminização será da competência do Tribunal

de 1ª Instância.

NOTA: A competência dos Tribunais de 1º Instância é residual face à competência da

Relação e do STJ.

Page 44: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 44

Competência Relativa (Território, Valor da Causa e Forma de Processo)

Valor da Causa

Nos termos do art. 305º/1 CPC ‘’A toda a causa deve ser atribuído um valor certo (…)

o qual representa a utilidade económica imediata do pedido’’. A importância da

determinação do valor da causa, tal como é referido no nº2 do art. 305º CPC, assenta

em através desta se determinar qual o tribunal competente, qual a forma de processo

aplicável e a relação da causa com a alçada do tribunal.

Nos termos do art. 306º CPC consagram-se os critérios gerais para a fixação do valor,

salvo se se aplicar um critério especial. No presente caso não existe nenhum critério

especial pelo que se aplica o art. 306º CPC, ou seja ‘’Se pela acção se pretende obter

quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa’’.

Deste modo, sendo o valor da indemnização no montante de € 100. 000,00 será este o

valor da causa nos termos do art. 306º CPC.

NOTA1: O Valor da Causa visa determinar que tipo de tribunal (singular ou colectivo)

irá apreciar o mérito da causa tal como determinar se intervém uma pequena, média

ou grande instância (art. 127º LOFTJ 2008)

NOTA2: O art. 312º é utilizado em situações em que não esteja em causa a

materialidade do direito. Entende-se que são ‘’interesses imateriais’’, por exemplo, as

acções populares em que estejam em causa a defesa ambiental, direitos humanos,

etc.

Forma de Processo

Nos termos do art. 460º o processo pode ser comum ou especial. Nos termos do art.

461º e 462º o processo comum pode ser ordinário, sumário ou sumaríssimo. Partindo do

princípio que não existe nenhum processo especial, é necessário determinar qual a

forma de processo comum é que se encontra em causa.

Nos termos do art. 31º da LOFTJ 2008 a alçada do Tribunal da Relação é de € 30. 000,

00 e a alçada dos Tribunais de 1ª Instância de € 5. 000, 00. Ora, sendo o valor da causa

€100. 000, 00 nos termos do art. 460º, 461º e 462º estamos face ao processo comum

ordinário.

Analisada está questão do ponto de vista do processo comum, é necessário atender

que ainda existe o Regime do Processo Civil Experimental, que é um processo especial.

Este Regime do Processo Civil Experimental foi consagrado em 2006 pelo legislador e

aplica-se às acções declarativas civis comuns (ordinário, sumário e sumaríssimo) e às

acções especiais (acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias

emergentes dos contratos – DL 269/98, de 1 de Setembro).

Nos termos do art. 21º e 22º do Regime do Processo Civil Experimental consagra-se que

este regime só se aplica aos Tribunais que forem determinados por Portaria, sendo que

para o efeito existem duas Portarias a regular a sua aplicação no espaço: a Portaria

955/2006 consagra que este regime se aplica aos tribunais de Almada, Porto e Seixal; a

Portaria 115-C/2001 consagra que este regime se aplica aos tribunais das comarcas do

Barreiro e de Matosinhos e nas varas cíveis do Tribunal da Comarca do Porto.

Page 45: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 45

Deste modo, o Regime do Processo Civil Experimental só se aplica nos casos

consagrados nas Portarias referidas, sendo que nos restantes casos aplica-se o

Processo Civil Comum.

Em suma, tratando-se de uma acção declarativa comum segue-se o processo comum

ordinário nos termos do art. 460º a 462º do CPC; se se tratasse de um tribunal

abrangido pela área de incidência das portarias aplicar-se-ia o Regime do Processo

Civil Experimental.

Analisada a forma de processo iremos agora determinar qual o tipo de tribunal que irá

conhecer do mérito da causa, ou seja se é um tribunal singular ou um tribunal

colectivo, sendo que para tal é necessário recorrer à LOFTJ 2008.

Nos termos do art. 135º e ss da LOFTJ 2008 consagram-se as normas que determinam a

intervenção do Tribunal de Júri (art. 140º e ss), Singular (art. 135º) e Colectivo (art. 136º

e ss).

Nos termos do art. 135º/2 LOFTJ 2008 consagra-se que o Tribunal Singular irá julgar os

processos que não devam ser julgados pelo Tribunal Colectivo ou do Júri. O Tribunal

Singular é, deste modo, residual face ao Tribunal Colectivo e do Júri. Para saber se se o

Tribunal Singular é competente então será necessário primeiro determinar a

incompetência do Tribunal Colectivo e do Júri.

Nos termos do art. 140º e ss, quanto ao Tribunal de Júri, estes possuem uma

competência residual nunca tendo aquela quando se esteja face a uma matéria civil

(como é o caso). Deste modo, os Tribunais de Júri, no presente caso, encontram-se

excluídos.

Nos termos do art. 136º e ss, quanto ao Tribunal Colectivo, estes são competentes

devido ao disposto no art. 137º al. b) (‘’Compete ao Tribunal Colectivo julgar (…) as

questões de facto nas acções de valor superior à alçada dos Tribunais da Relação’’)

Conjugando o art. 137º al. b) da LOFTJ 2008 com o art. 128º/1 al. a) da LOFTJ 2008

(‘’Compete à Grande Instância Cível (…) A preparação e Julgamento das Acções

Declarativas Cíveis de valor superior à alçada do Tribunal da Relação’’) o Tribunal

Colectivo de Grande Instância Cível seria o tribunal competente para conhecer do

mérito da questão.

NOTA1: O Juízo de Média Instância Cível (art. 130º LOFTJ 2008) tem competência

residual

NOTA2: Nos termos do art. 646º do CPC a intervenção do Tribunal Colectivo só

acontecerá quando: (1) existir acordo das partes quanto a tal – nº1; (2) Nas acções

em que alguma das partes haja requerido a gravação da audiência final não será

admissível a intervenção do Tribunal Colectivo, uma vez que a gravação da

audiência já oferece a segurança necessária. Deste modo, normalmente intervirá o

Tribunal Singular.

NOTA3: O CPC antigamente previa a intervenção do Tribunal Singular na Grande

Instância Cível em harmonia com o regime da LOFTJ. Contudo, o CPC foi alterado e a

LOFTJ não. Deste modo, quando se propõe uma acção, embora se saiba que com

toda a probabilidade o Tribunal Colectivo não irá intervir, não se deixa de se intentar

na Grande Instância Cível.

Page 46: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 46

Território

A repartição do poder de julgar, nos tribunais judiciais, é efectuada em função do

território onde cada um destes tribunais desfruta de poderes jurisdicionais. No domínio

da LOFTJ 2008 o território nacional encontra-se dividido em distritos judiciais e

comarcas, nos termos do art. 18º.

Deste modo, constatada a competência internacional dos tribunais portugueses, os

conflitos localizam-se sempre em determinada área do território português. É a lei

processual que fixa os elementos de conexão relevantes, os quais determinam, nos

casos concretos, o tribunal territorialmente competente. Tais elementos de conexão

encontram-se consagrados no art. 73º a 95º do CPC.

Nos termos do art. 86º CPC, uma vez que o réu é uma pessoa colectiva (sociedade

Belavista) consagra-se o foro do réu, correspondendo tal a uma regra supletiva, à qual

se recorre sempre que o caso não esteja previsto noutra norma, ou seja, sempre que

não haja disposição especial em contrário, competente para a acção é o tribunal em

cuja circunscrição o réu tenha o sede da administração principal.

Contudo, existe uma regra especial constante no art. 74º/2 CPC (‘’Se a acção se

destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no

risco, o tribunal competente é o da correspondente ao lugar onde o facto ocorreu’’).

Deste modo, de acordo com o art. 74º/2 CPC é necessário determinar o local onde o

facto danoso ocorreu. Como na hipótese só nos é dito que a sede do Jornal se situa

em Braga, presume-se que foi ai que ocorreu o facto danoso, pelo que seria

competente o Tribunal de Braga (Grande Instância Cível de Braga).

NOTA: A Competência Territorial encontra-se consagrada, no CPC, nos art. 73º a 95º. O

art. 85º consagra a regra geral das pessoas singulares; o art. 86º consagra a regra geral

das pessoas colectivas e o art. 87º a regra geral da pluralidade de pedidos.

b. Imagine que a acção tinha sido proposta no Juízo de Média Instância Cível de

Coimbra. Quid iuris?

TEMA: INCOMPETÊNCIA RELATIVA

Na resolução da alínea anterior conclui-se que a competência pertencia ao Juízo de

Grande Instância Cível de Braga, pelo que sendo a acção proposta no Juízo de

Média Instância Cível de Coimbra tal consubstancia um caso de incompetência

relativa, que se encontra consagrada no art. 108º e ss CPC.

Nos termos do art. 493º/1 e 2 e no art. 494 al. a) CPC os casos de incompetência

relativa consubstancia excepção dilatória. Nos termos do art. 495º CPC consagra-se

que ‘’ o tribunal deve conhecer oficiosamente de todas as excepções dilatórias, salvo

da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo art. 110º’’. Deste modo, é

necessário analisar o art. 110º CPC a fim de se determinar se tal excepção dilatória

poderá ser conhecida oficiosamente.

Antes de passarmos a analisar o art. 110º e a sua aplicação ou não ao caso concreto

importa salientar que, independentemente do conhecimento oficioso, a parte

demandada (o réu), nos termos do art. 109º CPC, poderá sempre suscitar a questão

da incompetência relativa na contestação, de acordo com o Princípio da

Concentração da Defesa na Contestação. Se não o fizer poderá provocar o

conhecimento oficioso do juiz.

Page 47: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 47

Acção proposta no Juízo de Média Instância Cível quando deveria ter sido proposta

no Juízo de Grande Instância Cível

Neste caso, estamos face a uma incompetência relativa em razão do valor da causa

e da forma de processo. Nos termos do art. 110º/2 ‘’a incompetência em razão do

valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre de conhecimento

oficioso do tribunal’’. O momento até o qual o juiz poderá suscitar e decidir a questão

da incompetência depende da existência ou não de despacho saneador e encontra-

se consagrado no art. 110º/3 CPC. Importa ainda salientar que o art. 110º/4 procede a

uma extensão do art. 110º/2

Acção proposta em Coimbra quanto deveria ter sido proposta em Braga

Neste caso, estamos face a uma incompetência relativa em razão do território. Nos

termos do art. 110º/1 al. a) tal poderá ser conhecida oficiosamente (‘’A

incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal

(…) nas causas a que se refere (…) o nº2 do art. 74º’’). O momento até o qual o juiz

poderá suscitar e decidir a questão da incompetência depende da existência ou não

de despacho saneador e encontra-se consagrado no art. 110º/3 CPC.

Em suma, a incompetência relativa, nos termos do art. 493º/1 e 2, art. 494º al. a) e a

art. 288º consubstancia uma excepção dilatória que, sem prejuízo de poder ser

arguida pelo demandado na contestação nos termos do art. 109º CPC, poderá ser de

conhecimento oficioso nos termos do art. 495º e art. 110º do CPC.

NOTA1: Nos termos do art. 111º/3, existindo um caso de incompetência relativa o

processo será remetido para o tribunal competente.

NOTA2: Ao contrário do que sucede quanto aos casos de incompetência absoluta

(art. 678º), nos casos de incompetência relativa o recurso é admitido apenas até à

Relação.

NOTA3: Nos termos do art. 111º/2, a decisão com transito em julgado toma força de

caso julgado material.

Page 48: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 48

CASO XIII

A sociedade Investimentos Produtivos, S.A. (“IP”), com sede em Luanda, celebrou um

contrato promessa de compra e venda com a sociedade Xin Chao (“XC”), com sede

em Shangai, prometendo comprar um terreno situado em Faro, para aí construir um

empreendimento, tendo ficado acordado que o contrato definitivo seria assinado em

Faro. Qual o Tribunal competente em razão da nacionalidade, considerando que:

IP (Luanda) ----> Contrato Promessa de C/V de um Imóvel (Faro) <---- XC (Shangai)

TEMA: COMPETÊNCIA ABSOLUTA (INTERNACIONAL) & COMPETÊNCIA RELATIVA

(TERRITÓRIO)

a. IP quer demandar a XC pedindo a anulação do contrato com fundamento em

erro, por o terreno não ter as características garantidas por esta última?

IP (Luanda) ---> anulação do contrato com fundamento em erro <--- XC (Shangai)

Competência Absoluta (Internacional)

A competência internacional (dos tribunais portugueses) é a fracção do poder

jurisdicional atribuída a estes tribunais portugueses, no seu conjunto, relativamente à

fracção do poder jurisdicional atribuída, por leis nacionais estrangeiras ou tratados ou

convenções internacionais, a tribunais estrangeiros sempre que o litígio seja

transfronteiriço, isto é, quando apresente elementos de conexão com ordens jurídicas

estrangeiras. Na ordem jurídica portuguesa, a competência internacional é

determinada independentemente da lei material aplicável à apreciação do objecto

do litígio ou mérito da causa: os tribunais portugueses podem ser internacionalmente

competentes ainda quando a causa deva ser apreciada à luz de uma lei estrangeira;

os tribunais portugueses podem julgar-se internacionalmente incompetentes mesmo

que a acção deva ser apreciada pela lei portuguesa.

As regras da competência internacional (directa) que constam para os regulamentos

comunitários valem tanto para os tribunais do foro (tribunais de um Estado Membro

onde, em concreto a acção foi proposta) como para os tribunais de qualquer outro

Estado Membro, como por exemplo, é o caso do Regulamento nº 44/2001.

Diferentemente, as regras que determinam a competência internacional dos tribunais

portugueses consagradas no art. 65º e 65º-A do CPC são regras unilaterais, pois só

fixam a competência (Internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro

nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e

validade daquelas regras.

Deste modo, face a cada caso concreto, é necessário conciliar o âmbito de

aplicação das normas de competência internacional reguladas no CPC com o

âmbito de aplicação das normas de competência internacional directa disciplinadas

em qualquer regulamento comunitário.

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

Page 49: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 49

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 4º/1, se o réu não tiver domicilio em qualquer um dos Estados

Membros (exemplo: Brasil ou Angola) a competência é regulada pela lei processual

interna do Estado Membro onde a acção foi intentada, sem prejuízo da aplicação das

regras sobre competências exclusivas, constantes no art. 22º, e por eventuais pactos

de jurisdição válidos, nos termos do art. 23º.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. No presente caso, a

sociedade XC tem sede em Shangai pelo que não tem domicilio em nenhum dos

Estados Membros da União Europeia, pelo que não se pode aplicar a regra constante

no art. 2º. Sendo assim, será agora necessário analisar se a situação se enquadra em

algum dos casos de competência exclusiva dos Tribunais dos Estados Membros

constantes do art. 22º.

Nos termos do art. 22º consagra-se uma série de casos de competência exclusiva dos

tribunais dos Estados Membros, as quais prevalecem sobre quaisquer critérios gerais ou

específicos, impedindo, inclusivamente, a celebração de válidos pactos de jurisdição,

quando estes respeitem às matérias previstas nestas competências exclusivas. Estas

regras de competência exclusiva devem ser aplicadas mesmo que o demandando

não tenha domicilio ou sede num dos Estados Membros. Analisando o art. 22º conclui-

se que no caso em análise o objecto da acção (anulação do contrato com

fundamento em erro) não se insere em nenhum dos seus números pelo que nesta

hipótese não existia competência exclusiva.

Não se aplicando o Regulamento nº44/2001 é necessário analisar se existe alguma

convenção internacional entre Portugal e China. A resposta é negativa.

Deste modo, não tendo o demandando domicilio num dos Estados Membros, excluída

a possibilidade de aplicação do Regulamento nº 44/2001 e da existência de alguma

Convenção Internacional, a atribuição da competência internacional aos tribunais

portugueses é efectuada à luz dos art. 65º e 65º-A do CPC, visando-se determinar se o

litigio possui algum elemento de conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.

A atribuição da competência internacional, aos tribunais portugueses, com base no

direito processual civil português, depende da verificação alternativa de algum dos

critérios atributivos de competência consagrados no art. 65º, 65º-A e 99º CPC.

Page 50: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 50

O art. 65º CPC consagra nas suas alienas dois princípios:

Princípio da Coincidência (al. b): se a acção dever ser instaurada em Portugal

segundo as regras da competência territorial (interna) estabelecidas no CPC

(art. 73º a 89º) dai segue que os tribunais portugueses também serão

internacionalmente competentes para julgar o litigio, pese embora este possua

elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.

Princípio da Necessidade (al. d): os tribunais portugueses são

internacionalmente competentes quando o direito invocado (pelo autor ou

pelo réu, este último em reconvenção) não possa tornar-se efectivo senão

através de uma acção proposta em território português, perante os nossos

tribunais. Este critério é excepcional e subsidiário: só é mobilizado quando o

anterior o não o possa ser e quando:

Se constata uma situação de impossibilidade de o direito ser tutelado,

através de uma acção, em tribunal português ou em tribunal

estrangeiro (impossibilidade absoluta) conflito negativo de jurisdição

(nenhuma das jurisdições se considera competente para apreciar o

litigio)

Quando a acção pode ser proposta em tribunal estrangeiro, mas se

constata existir uma dificuldade grave (dificuldade considerável ou

apreciável) de o direito se poder tornar efectivo por meio de acção

proposta no tribunal estrangeiro (impossibilidade relativa).

Quando Angola estava em Guerra, se os tribunais angolanos

fossem os competentes, existia uma dificuldade apreciável, pelo

que se poderia aplicar esta alínea.

Hoje, em abstracto, poder-se-ia equacionar a aplicação desta

aliena aos casos em que o país da jurisdição competente não

reconhece o direito (exemplo: países que não reconhecem o

direito ao divórcio).

No presente caso, nada indica que estejamos face a uma situação da al. d) do art.

65º e, uma vez, que estamos face a uma situação de apreciação da validade de um

contrato, tal situação não se encontra abrangida, igualmente, em nenhum dos casos

previstos no art. 65º-A CPC. Deste modo, parece que estamos face a uma situação

constante da al. b) do art. 65º CPC, pelo que agora será necessário analisar o regime

do art. 73º e ss CPC quanto à competência territorial.

NOTA1: O art. 22º do Regulamento nº44/2001 não é aplicável uma vez que o legislador

comunitário não dá tanta importância como aquela que o legislador nacional dá a

este tipo de situações.

NOTA2: Quando se esteja face a uma situação em que se pondera aplicar o art. 65º

ou 65º-A CPC haverá que atender sempre à nova lei (LOFTJ 2008 – art. 187º/1)

NOTA3: Deve começar-se sempre por analisar a norma do art. 65º e só depois,

verificado que tal normal não enquadra a situação em causa, analisa-se o art. 65º-A.

NOTA4: O art. 65º-A (Competência Exclusiva dos Tribunais Portugueses) é uma norma

semelhante à norma que consta no art. 22º do Regulamento nº 44/2001 (Competência

Exclusiva)

Page 51: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 51

Competência Relativa (Território)

A repartição do poder de julgar, nos tribunais judiciais, é efectuada em função do

território onde cada um destes tribunais desfruta de poderes jurisdicionais. No domínio

da LOFTJ 2008 o território nacional encontra-se dividido em distritos judiciais e

comarcas, nos termos do art. 18º.

Deste modo, constatada a competência internacional dos tribunais portugueses, os

conflitos localizam-se sempre em determinada área do território português. É a lei

processual que fixa os elementos de conexão relevantes, os quais determinam, nos

casos concretos, o tribunal territorialmente competente. Tais elementos de conexão

encontram-se consagrados no art. 73º a 95º do CPC.

Nos termos do art. 86º/2 CPC consagra a regra geral quanto às pessoas colectivas,

uma vez que o réu é uma pessoa colectiva (XC) consagra-se o foro do réu,

correspondendo tal a uma regra supletiva, à qual se recorre sempre que o caso não

esteja previsto noutra norma, ou seja, sempre que não haja disposição especial em

contrário, competente para a acção é o tribunal em cuja circunscrição o réu tenha o

sede da administração principal. Analisados os restantes artigos conclui-se que não

existe nenhum critério especial quanto à apreciação de validade dos contratos pelo

que se coloca agora a questão de saber se, de acordo com o art. 86º CPC, os

tribunais portugueses são ou não competentes.

Ora, a sociedade XC tem sede na Shangai, pelo que nos termos do art. 86º CPC os

tribunais portugueses não têm competência para julgar o litígio.

NOTA1: Se o réu fosse uma pessoa singular, e como tal estivéssemos no âmbito de

aplicação do art. 85º (pressupondo que não existia nenhuma norma especial

aplicável), uma interpretação literal do nº3 da norma em análise conduziria a afirmar

que os tribunais portugueses seriam sempre internacionalmente competentes, mesmo

nos casos em que o demandando não tenha domicilio em Portugal. Contudo, a

doutrina tem entendido que a remissão constante do art. 65º al. b) CPC para as regras

da competência territorial não abrange o art. 85º/3, porque tal conduziria a que,

desse modo, os tribunais portugueses fossem sempre competentes.

NOTA2: Se se aplicasse a lei antiga (LOFTJ 99) por força do Princípio da Causalidade

(art. 65º al. c)) consagrava-se que os tribunais portugueses eram, igualmente,

internacionalmente competentes quando ocorressem em Portugal os factos (ou os

acontecimentos reais e concretos) que servissem de causa de pedir na acção, o que

conduziria a que neste caso os tribunais portugueses fossem internacionalmente

competentes.

Page 52: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 52

b. Na data da celebração do contrato definitivo, a sociedade XC não compareceu

e IP quer agora instaurar acção de execução específica do contrato promessa

de compra e venda?

IP ---> Acção de Execução Específica <--- XC

É necessário analisar duas hipóteses: o contrato promessa ter sido celebrado com

eficácia real ou sem eficácia real, uma vez que na primeira hipótese a acção terá

como objecto um direito real, enquanto na segunda hipótese a acção terá como

objecto apenas um direito obrigacional.

Competência Absoluta Internacional

Contrato Promessa Com Eficácia Real (Direito Real)

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 4º/1, se o réu não tiver domicilio em qualquer um dos Estados

Membros (exemplo: Brasil ou Angola) a competência é regulada pela lei processual

interna do Estado Membro onde a acção foi intentada, sem prejuízo da aplicação das

regras sobre competências exclusivas, constantes no art. 22º, e por eventuais pactos

de jurisdição válidos, nos termos do art. 23º.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. No presente caso, a

sociedade XC tem sede em Shangai pelo que não tem domicilio em nenhum dos

Estados Membros da União Europeia, pelo que não se pode aplicar a regra constante

no art. 2º. Sendo assim, será agora necessário analisar se a situação se enquadra em

algum dos casos de competência exclusiva dos Tribunais dos Estados Membros

constantes do art. 22º.

Page 53: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 53

Nos termos do art. 22º consagra-se uma série de casos de competência exclusiva dos

tribunais dos Estados Membros, as quais prevalecem sobre quaisquer critérios gerais ou

específicos, impedindo, inclusivamente, a celebração de válidos pactos de jurisdição,

quando estes respeitem às matérias previstas nestas competências exclusivas. Estas

regras de competência exclusiva devem ser aplicadas mesmo que o demandando

não tenha domicilio ou sede num dos Estados Membros. Analisando o art. 22º conclui-

se que no caso em análise o objecto da acção, sendo uma acção de execução

específica do contrato promessa com eficácia real tal enquadra-se no nº1 do art. em

análise (‘’Em matéria de direitos reais sobre imóveis (…) os tribunais do Estado Membro

onde o imóvel se encontre situado’’)

Deste modo, conclui-se, que os tribunais portugueses são competentes

internacionalmente para conhecer do litígio por força da aplicação do art. 4º e 22º/1

do Regulamento nº 44/2001, uma vez que o terreno se situa em Faro.

NOTA1: Muitos alunos começam por aplicar primeiro o CPC e só depois o

Regulamento. Tal é absolutamente errado sendo sempre obrigatório começar por

analisar a aplicabilidade do Regulamento ao caso concreto.

NOTA2: Se não existisse o art. 22º do Regulamento e consequentemente este não fosse

aplicado, qual a norma aplicável? Ter-se-ia de ir ao CPC e ver se a situação se

enquadra no art. 65º ou 65º-A. Não se enquadrando no art. 65º enquadrar-se-ia no art.

65º-A.

NOTA3: Quanto o art. 65º-A c) se refere a ‘’direitos reais ou pessoais de gozo sobre

bens imóveis’’ como se deve interpretar tal?

Direitos Reais e Direitos Pessoais de Gozo, ou

Direitos Reais de Gozo e Direitos Pessoais de Gozo

↳ Boa Doutrina: considera que se aplica o primeiro sentido, ou seja Direitos Reais (sem

Gozo) e Direitos Pessoais de Gozo (no caso estamos face a um Direito Real de

Aquisição, pelo que se se defendesse o segundo sentido tal norma não poderia ser

aplicável).

Contrato Promessa Sem Eficácia Real (Direito Obrigacional)

Tendo em consideração o exposto anteriormente, uma vez que não se está face a um

direito real, mas sim a um direito obrigacional, não se poderia aplicar o art. 22º do

Regulamento 44º/2001 pelo que, em suma, não se aplica aqui o Regulamento.

Não se aplicando o Regulamento nº44/2001 é necessário analisar se existe alguma

convenção internacional entre Portugal e China. A resposta é negativa.

Deste modo, não tendo o demandando domicilio num dos Estados Membros, excluída

a possibilidade de aplicação do Regulamento nº 44/2001 e da existência de alguma

Convenção Internacional, a atribuição da competência internacional aos tribunais

portugueses é efectuada à luz dos art. 65º e 65º-A do CPC, visando-se determinar se o

litigio possui algum elemento de conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.

A atribuição da competência internacional, aos tribunais portugueses, com base no

direito processual civil português, depende da verificação alternativa de algum dos

critérios atributivos de competência consagrados no art. 65º, 65º-A e 99º CPC.

Page 54: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 54

O art. 65º CPC consagra nas suas alienas dois princípios:

Princípio da Coincidência (al. b): se a acção dever ser instaurada em Portugal

segundo as regras da competência territorial (interna) estabelecidas no CPC

(art. 73º a 89º) dai segue que os tribunais portugueses também serão

internacionalmente competentes para julgar o litigio, pese embora este possua

elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.

Princípio da Necessidade (al. d): os tribunais portugueses são

internacionalmente competentes quando o direito invocado (pelo autor ou

pelo réu, este último em reconvenção) não possa tornar-se efectivo senão

através de uma acção proposta em território português, perante os nossos

tribunais. Este critério é excepcional e subsidiário: só é mobilizado quando o

anterior o não o possa ser e quando:

Se constata uma situação de impossibilidade de o direito ser tutelado,

através de uma acção, em tribunal português ou em tribunal

estrangeiro (impossibilidade absoluta) conflito negativo de jurisdição

(nenhuma das jurisdições se considera competente para apreciar o

litigio)

Quando a acção pode ser proposta em tribunal estrangeiro, mas se

constata existir uma dificuldade grave (dificuldade considerável ou

apreciável) de o direito se poder tornar efectivo por meio de acção

proposta no tribunal estrangeiro (impossibilidade relativa).

No presente caso, nada indica que estejamos face a uma situação da al. d) do art.

65º e, uma vez, que estamos face a uma situação em que se pretende instaurar uma

acção de execução específica de um contrato promessa, tal situação não se

encontra abrangida, igualmente, em nenhum dos casos previstos no art. 65º-A CPC.

Deste modo, parece que estamos face a uma situação constante da al. b) do art. 65º

CPC, pelo que agora será necessário analisar o regime do art. 73º e ss CPC quanto à

competência territorial.

Competência Relativa (Território)

Antes de passarmos a analisar a competência relativa é necessário atender que

anteriormente considerarmos que os Tribunais Portugueses seriam competentes

internacionalmente em virtude do facto de, tendo sido o contrato promessa

celebrado com eficácia real, a competência internacional dos tribunais decorria da

aplicação do art. 4º e 22º/1 do Regulamento nº44/2001; tendo sido o contrato

promessa celebrado sem eficácia real, a competência internacional dos tribunais

decorrida da aplicação do art. 65º al. b) CPC.

A repartição do poder de julgar, nos tribunais judiciais, é efectuada em função do

território onde cada um destes tribunais desfruta de poderes jurisdicionais. No domínio

da LOFTJ 2008 o território nacional encontra-se dividido em distritos judiciais e

comarcas, nos termos do art. 18º.

Deste modo, constatada a competência internacional dos tribunais portugueses, os

conflitos localizam-se sempre em determinada área do território português. É a lei

processual que fixa os elementos de conexão relevantes, os quais determinam, nos

casos concretos, o tribunal territorialmente competente. Tais elementos de conexão

encontram-se consagrados no art. 73º a 95º do CPC.

Page 55: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 55

Nos termos do art. 86º CPC, uma vez que o réu é uma pessoa colectiva (sociedade

XC) consagra-se o foro do réu, correspondendo tal a uma regra supletiva, à qual se

recorre sempre que o caso não esteja previsto noutra norma, ou seja, sempre que não

haja disposição especial em contrário, competente para a acção é o tribunal em cuja

circunscrição o réu tenha o sede da administração principal.

Contudo, existe uma regra especial constante no art. 73º/1 CPC (‘’Devem ser

propostas no tribunal da situação dos bens as acções referentes a direitos reais ou

pessoas de gozo sobre imóveis).

NOTA: poder-se-ia ainda ponderar a aplicação do art. 74º/1 CPC?

Nos casos de aplicação desta norma existem duas opões:

Acção pode ser proposta no tribunal do domicílio do réu (a sociedade

XC tem sede em Shangai)

Acção pode ser proposta no tribunal do lugar em que a obrigação

deveria ser cumprida (por exemplo, no caso de a celebração do

contrato ser em Faro) – neste caso, os tribunais portugueses seriam

competentes territorialmente

Problemas da Aplicação deste artigo ao caso concreto:

Esta norma refere-se a cumprimento das obrigações e não a execução

específica

Para se aplicar esta norma pressupõe-se que o art. 73º se aplica apenas

a situações de execução especifica com eficácia real (‘’é muito

rebuscado’’)

Implicaria seguir a posição que o art. 65º-A al. c) se deverá interpretar

como referindo-se a direitos reais de gozo.

c. Celebrado o contrato definitivo, IP não paga o remanescente do preço,

obrigando XC a instaurar a respectiva acção de condenação?

XC (Shangai) ----> Acção de Condenação <----- IP (Luanda)

Competência Absoluta (Internacional)

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Page 56: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 56

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 4º/1, se o réu não tiver domicilio em qualquer um dos Estados

Membros (exemplo: Brasil ou Angola) a competência é regulada pela lei processual

interna do Estado Membro onde a acção foi intentada, sem prejuízo da aplicação das

regras sobre competências exclusivas, constantes no art. 22º, e por eventuais pactos

de jurisdição válidos, nos termos do art. 23º.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. No presente caso, a

sociedade IP tem sede em Luanda pelo que não tem domicilio em nenhum dos

Estados Membros da União Europeia, pelo que não se pode aplicar a regra constante

no art. 2º. Sendo assim, será agora necessário analisar se a situação se enquadra em

algum dos casos de competência exclusiva dos Tribunais dos Estados Membros

constantes do art. 22º.

Nos termos do art. 22º consagra-se uma série de casos de competência exclusiva dos

tribunais dos Estados Membros, as quais prevalecem sobre quaisquer critérios gerais ou

específicos, impedindo, inclusivamente, a celebração de válidos pactos de jurisdição,

quando estes respeitem às matérias previstas nestas competências exclusivas. Estas

regras de competência exclusiva devem ser aplicadas mesmo que o demandando

não tenha domicilio ou sede num dos Estados Membros. Analisando o art. 22º conclui-

se que no caso em análise o objecto da acção (acção de condenação) não se

enquadra em nenhuma das situações neste consagradas pelo que o Regulamento

não se poderá aplicar.

Deste modo, não tendo o demandando domicilio num dos Estados Membros, excluída

a possibilidade de aplicação do Regulamento nº 44/2001 e da existência de alguma

Convenção Internacional entre Portugal e Angola, a atribuição da competência

internacional aos tribunais portugueses é efectuada à luz dos art. 65º e 65º-A do CPC,

visando-se determinar se o litigio possui algum elemento de conexão relevante com a

ordem jurídica portuguesa.

A atribuição da competência internacional, aos tribunais portugueses, com base no

direito processual civil português, depende da verificação alternativa de algum dos

critérios atributivos de competência consagrados no art. 65º, 65º-A e 99º CPC.

O art. 65º CPC consagra nas suas alienas dois princípios:

Princípio da Coincidência (al. b): se a acção dever ser instaurada em Portugal

segundo as regras da competência territorial (interna) estabelecidas no CPC

(art. 73º a 89º) dai segue que os tribunais portugueses também serão

internacionalmente competentes para julgar o litigio, pese embora este possua

elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras.

Page 57: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 57

Princípio da Necessidade (al. d): os tribunais portugueses são

internacionalmente competentes quando o direito invocado (pelo autor ou

pelo réu, este último em reconvenção) não possa tornar-se efectivo senão

através de uma acção proposta em território português, perante os nossos

tribunais. Este critério é excepcional e subsidiário: só é mobilizado quando o

anterior o não o possa ser e quando:

No presente caso, nada indica que estejamos face a uma situação da al. d) do art.

65º e, uma vez, que estamos face a uma situação em que se pretende instaurar uma

acção de condenação, tal situação não se encontra abrangida, igualmente, em

nenhum dos casos previstos no art. 65º-A CPC. Deste modo, parece que estamos face

a uma situação constante da al. b) do art. 65º CPC, pelo que agora será necessário

analisar o regime do art. 73º e ss CPC quanto à competência territorial.

Competência Relativa (Territorial)

A repartição do poder de julgar, nos tribunais judiciais, é efectuada em função do

território onde cada um destes tribunais desfruta de poderes jurisdicionais. No domínio

da LOFTJ 2008 o território nacional encontra-se dividido em distritos judiciais e

comarcas, nos termos do art. 18º.

Deste modo, constatada a competência internacional dos tribunais portugueses, os

conflitos localizam-se sempre em determinada área do território português. É a lei

processual que fixa os elementos de conexão relevantes, os quais determinam, nos

casos concretos, o tribunal territorialmente competente. Tais elementos de conexão

encontram-se consagrados no art. 73º a 95º do CPC.

Nos termos do art. 86º CPC, uma vez que o réu é uma pessoa colectiva (sociedade IP)

consagra-se o foro do réu, correspondendo tal a uma regra supletiva, à qual se

recorre sempre que o caso não esteja previsto noutra norma, ou seja, sempre que não

haja disposição especial em contrário, competente para a acção é o tribunal em cuja

circunscrição o réu tenha o sede da administração principal.

Contudo, existe uma regra especial constante no art. 74º/1 CPC (‘’A acção destina a

exigir o cumprimento de obrigações (…) é proposta no tribunal do domicilio do réu,

podendo o credor optar pelo lugar em que a obrigação deveria ser cumprida’’). Ou

seja, a lei permite que o autor escolha qual o tribunal competente de acordo com os

critérios consagrados nela. Se a sociedade XC escolhesse o domicilio do réu, ou seja

Luanda, os tribunais portugueses não seriam competentes territorialmente; contudo, se

se tivesse acordado que o pagamento do preço deveria ser efectuado no acto da

escritura (e não por transferência bancária) os tribunais portugueses já seriam

competentes territorialmente.

Page 58: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 58

CASO XIV

Por escritura pública lavrada no dia 1 de Abril de 2012, Manuel, brasileiro, vendeu a

Nélia, também brasileira mas residente em Lisboa, um prédio de que era proprietário

situado na cidade do Porto, pelo preço de 250000 euros. Da escritura consta a cláusula

de que parte do preço ainda não paga (100000 euros) seria entregue a Manuel daí a

seis meses, no seu domicílio (Porto).

Manuel instaura contra Nélia uma acção destinada a pedir a declaração de nulidade

do mesmo contrato, por simulação, sendo certo que da escritura constava uma das

seguintes cláusulas:

MANUEL (BRASIL) ---> COMPRA E VENDA DE IMÓVEL <--- Nélia (BRASIL, RESIDENTE EM

LISBOA)

MANUEL (BRASIL) ---> ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE <--- Nélia (BRASIL,

RESIDENTE EM LISBOA)

a. “Se vier a surgir algum litígio relativo à validade deste contrato, a acção

deverá ser proposta, em primeira instância, no Tribunal da Relação do Porto”.

Manuel assim fez. Procedeu bem?

TEMA: COMPETÊNCIA ABSOLUTA (INTERNACIONAL (PACTO DE JURISDIÇÃO) E

HIERARQUIA (PACTO DE COMPETÊNCIA))

Competência Absoluta (Internacional)

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 4º/1, se o réu não tiver domicilio em qualquer um dos Estados

Membros (exemplo: Brasil ou Angola) a competência é regulada pela lei processual

interna do Estado Membro onde a acção foi intentada, sem prejuízo da aplicação das

regras sobre competências exclusivas, constantes no art. 22º, e por eventuais pactos

de jurisdição válidos, nos termos do art. 23º.

Page 59: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 59

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. Nos termos do art. 59º, sendo

a acção proposta em Portugal o tribunal português irá aplicar a lei portuguesa para

determinar se a parte tem domicilio em Portugal. Nélia reside em Lisboa pelo tem

domicilio no território de um Estado Membro da União Europeia, neste caso Portugal.

Deste modo, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para

conhecer da questão.

Apesar de já se ter apurado que os tribunais portugueses são competentes

internacionalmente para conhecer da questão em analise, podemos ainda abrir a

hipótese da existência de um pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 23º consagram-se os pactos de jurisdição. Os pactos de jurisdição

atingem as regras de determinação da competência internacional dos tribunais

portugueses, havendo que distinguir entre:

Pactos Atributivos de Jurisdição: concede-se a competência internacional a

um ou a vários tribunais portugueses, a qual pode ser exclusiva ou concorrente.

Pactos Privativos de Jurisdição: as partes retiram a competência a um ou a

vários tribunais portugueses e atribuem-na, em exclusivo ou concorrentemente,

a um ou a vários tribunais estrangeiros (art. 99º/2 CPC). Para que a

competência seja atribuída em exclusivo ao foro estrangeiro é preciso que as

partes retirem a competência legal aos tribunais portugueses; se o não fizerem

o caso poderá ser apreciado e julgado concorrentemente pelos tribunais

portugueses

No presente caso estaríamos face a um pacto atributivo de jurisdição, sendo que nos

termos do art. 23º do Regulamento basta que uma das partes esteja domiciliada em

Portugal para que os tribunais deste Estado-Membro tenha competência para decidir

o litígio (se tal tiver sido acordado entre as partes obviamente).

Deste modo, os tribunais portugueses seriam competentes internacionalmente quer

em virtude do art. 2º quer em virtude do art. 23º do Regulamento nº44/2001.

Competência Absoluta (Hierarquia)

A ordem de jurisdição constituída pelos tribunais judiciais é dotada de uma hierarquia

de tribunais, qual pirâmide judiciária: os tribunais judiciais de 1ª Instância, os Tribunais

da Relação (tribunais judiciais de 2ª Instância) e o Supremo Tribunal de Justiça.

Nos termos do art. 27º da LOFTJ 2008 os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados

para efeitos de recurso das suas decisões, não sendo como tal uma hierarquia do

ponto de vista administrativo (dar instruções aos tribunais inferiores).

Na LOFTJ 2008 a competência dos tribunais judiciais encontra-se consagrada, quanto

ao Supremo Tribunal de Justiça no art. 41º e ss, quanto ao Tribunal da Relação no art.

65º e ss e quanto aos Tribunais de Comarca no art. 73º e ss.

No presente caso é necessário ponderar a situação se estarmos face a um pacto de

competência.

Page 60: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 60

Em certas eventualidades, as partes podem prevenir a competência territorial do

tribunal (art. 100º/1, 1ªparte do CPC), à margem das regras estipuladas nos art. 73º a

89º CPC.

São várias, no entanto, as acções por cujo respeito não é admissível a celebração de

qualquer pacto de competência para afastar certas regras de fixação da

competência territorial (interna). É o caso das situações previstas no art. 110º/1, ex vi

do art. 100º/1 CPC.

O Pacto de Competência respeita a uma questão que não apresenta, em regra,

elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras: as partes definem como

componente em razão do território um tribunal português diferente daquele que seria

competente segundo as regras da competência em razão do território previstas na lei

processual.

Para o Pacto de Competência ser válido é necessário que:

Respeite a forma do contrato substantivo, se for um contrato formal ou, não o

sendo, se tiver sido (facultativamente) reduzido a escrito – art. 100º/2 CPC

Mencione as questões submetidas à apreciação do tribunal, bem como o

critério de determinação do tribunal (territorialmente diferente) ao qual é

atribuída a competência – art. 100º/2, 2ª parte CPC

Note-se que, como a competência convencional interna vincula as partes que

subscrevem estes pactos de competência, a sua violação determina a

incompetência relativa do tribunal onde a acção foi indevidamente proposta – art.

108º CPC.

Nos termos do art. 100º/1 CPC consagra-se que ‘’As regras da competência em razão

(…) da hierarquia (…) não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é

permitida a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de

competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o art. 110º’’.

Ou seja, as partes, mesmo celebrando um pacto de competência, não poderiam

alterar a hierarquia do tribunal. Deste modo, a cláusula seria nula.

Sendo a cláusula nula, estamos face a uma situação de incompetência absoluta em

razão da hierarquia nos termos do art. 105º, o que consubstancia uma excepção

dilatória nos termos do art. 493º/1 e 2 e 494º al. a) o que conduz à absolvição da

instância nos termos do art. 288º CPC.

NOTA: Poder-se-ia defender que tal cláusula só seria nula quanto à competência

hierárquica. Estando-se a analisar um contrato que, em primeira linha, é substantivo

com efeitos processuais, sendo um contrato nulo pode ser reduzido de modo a

eliminar a parte nula (leia-se o pacto de competência quanto à hierarquia),

considerando-se válido o pacto de jurisdição e pacto de competência quanto ao

território? Depende: as partes têm como vontade hipotética a redução?

Page 61: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 61

b. “Se vier a surgir algum litígio quanto à validade ou ao cumprimento deste

contrato, o seu julgamento cabe em exclusivo, ao tribunal do Rio de Janeiro,

competente segundo a lei brasileira”. Manuel, porém, propõe a acção em

Lisboa. Procedeu bem?

TEMA: COMPETÊNCIA ABSOLUTA (INTERNACIONAL – PACTO DE JURISDIÇÃO)

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. Nos termos do art. 59º, sendo

a acção proposta em Portugal o tribunal português irá aplicar a lei portuguesa para

determinar se a parte tem domicilio em Portugal. Nélia reside em Lisboa pelo tem

domicilio no território de um Estado Membro da União Europeia, neste caso Portugal.

Deste modo, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para

conhecer da questão.

Apesar de já se ter apurado que os tribunais portugueses são competentes

internacionalmente para conhecer da questão em analise, podemos ainda abrir a

hipótese da existência de um pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 23º consagram-se os pactos de jurisdição. Os pactos de jurisdição

atingem as regras de determinação da competência internacional dos tribunais

portugueses, havendo que distinguir entre:

Pactos Atributivos de Jurisdição: concede-se a competência internacional a

um ou a vários tribunais portugueses, a qual pode ser exclusiva ou concorrente.

Page 62: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 62

Pactos Privativos de Jurisdição: as partes retiram a competência a um ou a

vários tribunais portugueses e atribuem-na, em exclusivo ou concorrentemente,

a um ou a vários tribunais estrangeiros (art. 99º/2 CPC). Para que a

competência seja atribuída em exclusivo ao foro estrangeiro é preciso que as

partes retirem a competência legal aos tribunais portugueses; se o não fizerem

o caso poderá ser apreciado e julgado concorrentemente pelos tribunais

portugueses

No presente caso estaríamos face a um pacto privativo de jurisdição uma vez que as

partes acordaram que na eventualidade da ocorrência de algum litigio quanto ao

cumprimento ou validade do contrato o tribunal do Rio de Janeiro seria o

componente.

Na medida em que se pretende anular o contrato com base na sua simulação tal

insere-se no âmbito da cláusula (‘’algum litígio quanto à validade’’).

Os pactos de Jurisdição devem observar alguns requisitos, requisitos esses constantes

do art. 99º CPC (e não do art. 23º do Regulamento):

Litígio tem de ter natureza internacional – art. 99º/1

NOTA1: O Regulamento nº 44/2001 visa que a União Europeia seja um

todo, não sendo necessária a exigência de uma relação controvertida

com mais de uma ordem jurídica, isto porque no Regulamento

entende-se a União Europeia como sendo um todo, um único Estado

Membro. O caracter internacional é inerente à União Europeia. Por sua

vez, o art. 99º do CPC visa evitar o ‘fórum shopping’, ou seja que se

escolha a instância mais conveniente.

NOTA2: se as partes não tivessem dito que a competência era exclusiva

(‘’o seu julgamento cabe em exclusivo, ao tribunal do Rio de Janeiro’’),

nos termos do art. 99º/2 CPC tal competência seria alternativa, mas

pelo Regulamento nº 44/2001 essa mesma competência seria exclusiva.

Caso: requisito verificado – ordem jurídica portuguesa e ordem jurídica brasileira.

Só podem incidir sobre situações jurídicas disponíveis – art. 99º/3 al. a) – o que

não abrange apenas as acções sobre o estado das coisas (acções de divórcio

por exemplo)

Caso: requisito verificado uma vez que consiste no direito de anulação de um contrato

Deve ser aceite pela lei do tribunal estrangeiro designado pelas partes – art.

99º/3 al. b)

Caso: nada no caso nos indica que sim ou que não, pelo que terá de se considerar

que este pacto de jurisdição só seria válido na medida em que a lei brasileira assim o

dissesse. O facto de as partes inserirem tal no Pacto de Jurisdição não tem qualquer

influência se a lei brasileira não o aceitar.

Page 63: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 63

Necessitam de ser justificados por um interesse sério de ambas as partes ou de

uma delas e, nesse caso, não envolver inconveniente grave para a outra – art.

99º/3 al. c)

NOTA: o legislador não define interesse sério. Alguma doutrina entende

que o interesse sério deve ser interpretado com recurso ao art. 398º/2

CC, ou seja interesse sério enquanto interesse digno de protecção

legal.

Caso: ter-se-ia de demonstrar que tal escolha corresponderia a um interesse sério e

que não conduziria a nenhum inconveniente grave para a outra parte.

Não podem ofender a competência exclusiva dos tribunais portugueses, nos

casos previstos no art. 65º-A – art. 99º/3 al. d)

Caso: uma vez que no caso nada nos é dito iremos presumir que sim.

Devem constar de documento escrito ou confirmado por escrito – art. 99º/3 al.

e) e nº4

NOTA: O Regulamento tem uma preocupação com a forma (escrita ou

verbal com confirmação escrita), como consta do art. 23º/1 al. a) b) e

c) e nº2, mas abre o âmbito de validade formal do pacto de jurisdição

em muito, uma vez que permite que os usos da relação entre as partes

possam ditar a forma daquele. Por sua vez, o art. 99º CPC quanto à

forma escrita tem também uma certa abertura (art. 99º/3 al. e) e nº4)),

mas não tanta como a amplitude conferida pelo Regulamento.

Caso: requisito verificado nos termos do art. 99º/4 CPC (‘’considera-se reduzido a

escrito o acordo constante de documento assinado pelas partes’’)

Deve mencionar expressamente (directa ou indirectamente) a jurisidição

competente – art. 99º/3 al. e), in fine

Caso: requisito verificado (‘’o seu julgamento cabe em exclusivo, ao tribunal do Rio de

Janeiro, competente segundo a lei brasileira’’)

Embora não se consiga provar com a maior clareza a verificação dos requisitos da al.

b) e d), presume-se que se encontram verificados. Sendo a acção efectivamente

proposta em Portugal, Manuel procedeu mal.

Nos termos do art. 100º CPC as partes podem convencionar as regras de competência

em razão do território, desde que tais não consubstanciem nenhum dos casos previstos

no art. 110º (o que neste caso efectivamente não sucede).

Sabendo que Manuel agiu mal, uma vez analisados e verificados os requisitos dos

pactos de jurisdição, cabe saber quais as consequências que daí derivem. Para tal é

necessário saber se a violação de um pacto de jurisdição conduz a um caso de

incompetência absoluta ou incompetência relativa.

Page 64: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 64

Nos termos do art. 101º CPC consagra-se que a infracção de regras quando haja mera

violação de um pacto privativo de jurisdição não determina a incompetência

absoluta do tribunal.

Nos termos do art. 108º CPC consagra-se que a infracção das regras decorrentes do

estipulado nas convenções previstas no art. 99º e 100º (pactos de jurisdição)

determinam a incompetência relativa do tribunal.

Deste modo estamos face a uma excepção dilatória nos termos do art. 493º/1 e 2 e do

art. 494º al. a), gerando a absolvição da instância nos termos do art. 288º CPC. Esta

excepção dilatória, nos termos do art. 495º CPC, não será de conhecimento oficioso

(‘’O tribunal deve conhecer oficiosamente e todas as excepções dilatórias, salvo da

incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 110º’’), pelo

que nos termos do art. 109º a incompetência relativa terá de ser arguida pelo réu

(Nélia) para poder ser conhecida pelo tribunal, sendo tal conhecida deste nos termos

do art. 110º/3.

Nos termos do art. 111º/3 CPC consagra-se como consequência ‘geral’ da

incompetência relativa a remessa do processo para o tribunal competente. Contudo,

na parte final desse artigo, consagra-se que tal consequência não se aplica aos casos

de violação de pactos privativos de jurisdição, sendo que nestas situações ocorre a

absolvição da instância do réu. Tal deve-se ao facto de não se dever interferir na

jurisdição de outros Estados. Deste modo, Manuel deveria propor a acção no Brasil.

NOTA1: Quando se realiza um pacto de jurisdição é necessário ter atenção ao seu

âmbito de incidência.

NOTA2: É sempre necessário analisar se o pacto de jurisdição não interfere com

nenhumas das competências exclusivas constantes do art. 22º, uma vez que um pacto

de jurisdição nunca pode violar uma daquelas regras.

NOTA3: O art. 24º do Regulamento nº44/2001 consagra aquilo que costuma ser

designado como pactos tácitos. A norma consagra que ‘’é competente o tribunal de

um Estado Membro perante o qual o requerido compareça’’, ou seja o tribunal torna-

se competente pois o comportamento de comparecer perante aquele tribunal é

como a celebração tácita de um pacto. Mas esta norma têm limites, constantes na

sua segunda parte:

Limite1: a comparência tiver por único objectivo arguir a incompetência

E se o requerido se se defender por impugnação mas invocar a

incompetência do tribunal?

Deve-se ter cuidado na força como se interpreta a palavra

‘’único’’, uma vez que tal é enganoso.

A interpretação correcta deste limite vai no sentido de que a

comparência vise suscitar a incompetência sem prejuízo das

restantes defesas que possam ser suscitadas.

Page 65: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 65

Limite2: existir outro tribunal com competência exclusiva por força do art. 22º

do Regulamento

c. “Se vier a surgir algum litígio quanto à validade, à interpretação ou à execução

deste contrato, as partes comprometem-se a submetê-lo à apreciação de um

tribunal arbitral, constituído de acordo com as seguintes regras…”. Manuel,

porém, propõe a acção no tribunal judicial que, na falta desta convenção,

seria competente. Procedeu bem?

TEMA: COMPETÊNCIA (INSTÂNCIA ARBITRAL – LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA)

As partes podem atribuir a composição do seu conflito de interesses a um terceiro

imparcial, por elas escolhido (arbitragem não institucionalizada) ou que esteja

permanentemente à disposição dos interessados para a resolução de controvérsias

que estes resolvam atribuir a esses terceiros (arbitragem institucionalizada). O

submeter, pelos contraentes através de uma convenção de arbitragem, a resolução

de um litigio a um tribunal arbitral traduz a realização de um negócio jurídico

processual que é expressão da autonomia negocial e não da actividade jurisdicional

estadual enquanto poder público inerente à soberania do Estado.

Deste modo, a Arbitragem poderá ser:

Não Institucionalizada: a resolução do lítigio tem lugar através de um ou mais

árbitros, pessoas humanas designadas pelas próprias partes, sendo que estas

podem resultar as regras do processo e o lugar onde funcionará o tribunal. Esta

arbitragem também é uma arbitragem não permanente, pois estes tribunais

arbitrais extinguem-se após a resolução do litígio tipo de arbitragem que, em

particular, foi regulada na Lei da Arbitragem em Vigor em Portugal

Institucionalizada: a resolução do litígio tem lugar através de um ou mais

árbitros sob a égide de uma instituição permanente, já constituída e que está à

disposição dos litigantes – quer antes de o litígio existir entre eles, quer depois

de o litígio ter sido ai eventualmente dirimido

Na Arbitragem Voluntária, a competência jurisdicional dos árbitros radica numa

convenção das partes, que assim emitem declarações negociais convergentes em

submeter um certo litígio a esta forma de composição do seu conflito de interesses.

Neste caso, as partes podem, ou não, submeter um concreto litígio à (hétero)

composição vinculativa de um terceiro (o árbitro).

Por sua vez, na Arbitragem Necessária, a controvérsia somente pode ser decidida por

árbitros em atenção à natureza ou ao objecto do concreto litígio, precisamente

porque uma disposição legal, e não já a vontade das partes, impõe a obrigação de

submeter a árbitros certos lítigios.

No presente caso, e de acordo com o regime do art. 1º/1, estamos face a um caso

em que se consagra que qualquer litígio quanto à validade, interpretação ou

execução do contrato celebrado entre as partes será submetido à apreciação de

uma instância arbitral, pelo que não se está face a nenhuma situação em que exista

legislação avulsa que imponha uma arbitragem necessária nem se encontra

submetido exclusivamente aos tribunais do Estado. Deste modo, e de acordo com a

Page 66: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 66

mesma norma, estamos face a um contrato que envolve interesses patrimoniais, ou

seja interesses suceptíveis de avaliação pecuniária (critério da patrimonialidade) e

não se refere a um litígio actual mas sim eventual (‘’Se vier a surgir algum litígio’’),

contemplando uma cláusula compromissória ou seja respeita a todo e qualquer litígio

que possa surgir entre as partes relativas a matérias de validade, interpretação e

execução do contrato. Pretendendo Manuel instaurar contra Nélia uma acção

destinada a pedir a declaração de nulidade do contrato, por simulação, tal diz

respeito a uma questão de validade do mesmo, pelo que nos termos do art. 1º/1 é

aplicável a Lei de Arbitragem Voluntária.

Verificado que a presente cláusula compromissória integra o objecto da presente lei

nos termos do art. 1º/1 é necessário ainda que tal observe os requisitos de forma

constante do art. 2º, ou seja terá de ser reduzida a escrita, o que neste caso se verifica

uma vez que da escritura constava está cláusula.

Uma vez que da escritura constava uma cláusula que consagrava o recurso à

arbitragem voluntária e Manuel propôs a acção no tribunal judicial ele procedeu de

forma errada.

Nos termos do art. 493º/1 e 2 e do art. 494º al. j) CPC estamos face a uma excepção

dilatória que conduz à absolvição da instância nos termos do art. 288º CPC. As

excepções dilatórias, nos termos do art. 495º CPC, em regra, são de conhecimento

oficioso, salvo nos casos de preterição do tribunal arbitral voluntário. Deste modo, de

acordo com o disposto no art. 495º in fine CPC, se Nélia, na contestação, não invocar

a violação da convenção de arbitragem voluntária, considera-se que tacitamente

está a aceitar a sua não aplicação, sendo neste caso os tribunais judiciais

competentes para conhecer da questão (‘’Manuel porém, propôs a acção no

tribunal judicial que, na falta desta convenção, seria competente’’).

Contudo, se Nélia, na contestação, tivesse invocado a violação da convenção de

arbitragem, como já foi referido, tal consubstancia uma excepção dilatória nos termos

do art. 493º/1 e 2 e do art. 494º al. j) conduzindo à absolvição da instância nos termos

do art. 288º CPC. Importa salientar que nos termos do art. 5º, o Tribunal Estadual

confrontado com a propositura desta acção, salvo existindo uma manifesta nulidade

da convenção arbitral, deverá considerar-se incompetente para conhecer do mérito

da causa e absolver o réu da instância.

E se em vez de uma cláusula compromissória estivéssemos face a um compromisso

arbitral? Imagine-se que o litígio já existe e que se encontra pendente no Tribunal de

Lisboa. Mais concretamente, imagine-se que, na pendência de tal acção no Tribunal

de Lisboa, surge um justo receio de perda da garantia patrimonial e pretende-se o

arresto dos bens. Sendo que tal arresto se realiza no Tribunal de Lisboa, tal influencia a

acção que corre no Tribunal Arbitral?

Nos termos do art. 7º consagra-se que, independentemente de ser antes ou durante o

processo arbitral, uma convenção de arbitragem não é incompatível com o

requerimento de providências cautelares apresentado a um tribunal estadual.

Page 67: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 67

NOTA1: Actualmente vigora a Lei nº63/2011 em que se consagra o critério da

patrimonialidade e da susceptibilidade de transacção do direito controvertido mesmo

que não respeitem a direitos patrimoniais (art. 1º/1 e 2), mas na Lei 31/86 o critério era

o da disponibilidade dos direitos (que também se encontra consagrado no art. 1º/2)

NOTA2: A lei 31/86 não permitia a arbitragem sobre direitos indisponíveis em sentido

restrito, ou seja uma coisa seria renunciar ou dispor do direito de indemnização de

clientela, por exemplo, quando ele ainda não se formou na esfera jurídica, outra seria

quando ele já se teria formado, pelo que neste caso já se poderia então renunciar ou

dispor daquele.

NOTA3: A cláusula arbitral abrange as cláusulas compromissórias e os compromissos

arbitrais, mas se num caso se disser que existe uma cláusula arbitral por norma

estaremos face a uma cláusula compromissória. Entende-se por cláusula

compromissória a situação em que as partes sujeitam os litígios das matérias

constantes daquela à apreciação de um tribunal arbitral, ou seja de um tribunal

constituído por vontade das partes e cujas decisões têm a força de uma sentença de

um tribunal estadual. O que é exigível num deste tipos de cláusulas assenta em

identificar a fonte possível do litigio. Ou seja, numa cláusula compromissória as partes

comprometem que na eventualidade de surgir um lítigio submete-lo a um tribunal

arbitral. Por sua vez, entende-se por compromisso arbitral algo que pode ter

previamente uma cláusula compromissória, pressupondo que o litígio já surgiu e as

partes submetem tal a um tribunal arbitral. É necessário identificar o litígio e não a sua

fonte. Ou seja, num compromisso arbitral surgindo um lítigio as partes comprometem-

se a submete-lo a um tribunal arbitral a diferença entre ambas é mais ou menos a

diferença entre o contrato promessa e o contrato definitivo.

NOTA4: A Convenção de Arbitragem é uma cláusula compromissória, sendo que para

ser válida terá de incidir sobre direitos disponíveis, sendo que para além do critério do

objecto (art. 1º/1 e 2) existem requisitos quanto à forma da mesma (art. 2º),

nomeadamente o facto de tal cláusula ter de ser reduzida a escrita. Note-se que o art.

2º/5 consagra um incentivo à arbitragem uma vez que pode nunca ter existido uma

cláusula de arbitragem mas se se invocar a existência de convenção e a outra parte

nada dizer em contrário considera-se que tal existe.

NOTA5: a natureza da arbitragem tem particularidades que tornam difíceis os regimes

das providências cautelares previstos no CPC

NOTA6: É necessário analisar com atenção o disposto no art. 22º e 23º, uma vez que

uma ordem preliminar não serve para nada, mas depende sempre do tipo.

NOTA7: Nos termos do art. 27º, a execução das providências cautelares é realizada

pelos tribunais estaduais, não existindo providências cautelares proferidas por um

Tribunal Arbitral que sejam auto suficientes, dependendo sempre do Tribunal Estadual.

NOTA8: O desrespeito por uma providência cautelar no CPC consubstancia um crime.

E o desrespeito de uma providência cautelar no âmbito dos Tribunais Arbitrais? A lei

nada indica a este respeito. A Prof. Rita Gouveia considera que é sempre mais seguro

intentar uma providência cautelar nos Tribunais Estaduais.

Page 68: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 68

NOTA9: A grande vantagem da arbitragem, nos termos do art. 30º, assenta no facto

de as partes poderem escolher quais as regras do processo a aplicar e adaptá-las a

este.

NOTA10: Nos termos do art. 33º consagra-se a forma como se desencadeia o processo

mas nada se refere quanto à possibilidade de réplica ou de tréplica. Tal deriva do

facto de se pretender que o processo arbitral tenha regras adequadas a cada litígio.

V - Marcha do Processo

CASO XV (Caso Típico de Exame)

Por escritura pública celebrada em Lisboa, ARPURO, Lda. (“A”), sociedade de

construção civil, com sede no Rio de Janeiro, vendeu a B, C e D, todos portugueses e

domiciliados em Lisboa, respectivamente, os andares correspondentes às fracções B,

C e D de um prédio que construíra, situado em Lisboa, pelos preços de 250 mil, 150 mil

e 200 mil euros. A continuou proprietário dos restantes andares.

Alegando que B e C se apoderaram indevidamente da garagem do prédio,

sustentando ilegitimamente que era parte comum, A instaurou contra eles uma acção

na qual pediu que o tribunal declarasse que a garagem, à qual atribuiu o valor de 200

mil euros, é uma fracção autónoma, da qual é proprietário e, consequentemente,

condenasse B e C a entregar-lha desocupada.

Aproveitou ainda para pedir a condenação de C no pagamento da parte do preço

que ainda lhe devia (7.500 euros) e para demandar D pedindo igualmente a sua

condenação no pagamento do que faltava pagar do preço do andar que comprara

(2000 euros).

‘’A’’ (RIO DE JANEIRO) -- C/V FRACÇÕES -- B C D (LISBOA)

‘’A’’ (RIO DE JANEIRO) - ACÇÃO GARAGEM --- B C (LISBOA) – PEDIDO 1

‘’A’’ (RIO DE JANEIRO) - ACÇÃO DE CONDENAÇÃO (7.500 euros) -- C (LISBOA) –

PEDIDO 2

‘’A’’ (RIO DE JANEIRO) - ACÇÃO DE CONDENAÇÃO (2000 euros) - D (LISBOA) –

PEDIDO 3

a. Diga, justificando, se a acção foi regularmente proposta e qual o tribunal

competente.

TEMA: INTERESSE EM AGIR, LEGITIMIDADE E COMPETÊNCIA

No presente caso A intenta três pedidos pelo que será necessário analisar cada um

deles individualmente.

No presente caso, uma vez que nada nos é dito em sentido contrário, presume-se que

quanto à personalidade judiciária (art. 5º CPC), à capacidade judiciária (art. 9º CPC)

e ao patrocínio judiciário (art. 32º e ss CPC) estes pressupostos se encontram

verificados.

Quanto ao interesse em agir/processual, tal consiste na necessidade de usar o

processo, ou seja exprime a necessidade ou a situação objectiva de carência (real,

justificada e razoável) de tutela judiciária por parte do autor, face à pretensão que

deduz, ou do réu, à luz do pedido reconvencional que tenha oportunamente

formulado.

Page 69: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 69

Esta situação de carência de tutela exprime-se na concreta utilidade da concessão

dessa mesma tutela judiciária para que a parte que formula a pretensão, estando tal

consagrado no art. 26º/2 CPC.

No presente caso, ‘’A’’ (autor) tem necessidade de obter a tutela judiciária, uma vez

que o bem (garagem) de que se arroga ser proprietário encontra-se a ser violado

(‘’Alegando que B e C se apoderaram indevidamente da garagem do prédio’’).

Analisando a verificação do interesse em agir e presumindo a verificação da

personalidade judiciária, da capacidade judiciária e do patrocínio judiciário, iremos

agora analisar a legitimidade processual.

A regra no processo é a da dualidade das partes (autor e réu), embora no mesmo

processo o autor possa cumular dois ou mais pedidos contra o réu. Contudo, muitas

vezes, em lugar de um só autor ou um só réu, a acção tem vários autores ou é

proposta contra dois ou mais réus.

Nestes casos, à dualidade das partes substitui-se a pluralidade das partes, podendo

esta ser:

Pluralidade activa, se a acção é proposta por dois ou mais autores contra o

mesmo réu

Pluralidade passiva, se o autor demanda simultaneamente vários réus

Pluralidade mista, quando a acção é instaurada por dois mais autores contra

vários réus.

Nos termos do art. 27º e ss CPC distingue-se entre litisconsórcio, que pode ser

necessário ou voluntário, e coligação:

Litisconsórcio: há pluralidade de partes, mas unicidade da relação material

controvertida, existindo como tal um único pedido formulado contra ou por

vários réus; a esta unicidade da relação controvertida corresponde uma

pluralidade de pessoas (e, logo, de partes).

Voluntário (regra): a cumulação depende exclusivamente da vontade

das partes. Se os interessados não forem demandados daí não resulta

qualquer ilegitimidade pois o litisconsórcio verifica-se por iniciativa das

partes ou de uma delas.

Necessário: a cumulação resulta de determinação da lei (litisconsórcio

necessário legal), de prévia estipulação dos interessados (litisconsórcio

necessário convencional) ou da natureza da relação jurídica

(litisconsórcio necessário natural). É necessário que todos os sujeitos da

relação material controvertida se encontrem em juízo para que o juiz

conheça do mérito da causa, sob pena de, nos termos do art. 493º,

494º al. e) e 288º/1 al. d) absolver da instância (a ilegitimidade

processual consubstancia uma excepção dilatória)

Coligação: à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações

matérias litigadas, exigindo-se uma pluralidade de pedidos, sendo a

cumulação pedida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da

dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os

fundamentos destes.

Page 70: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 70

No presente caso, relativamente a B e C existe um pedido comum (acção em que A

pede que o tribunal reconheça que a garagem é uma fracção autónoma),

relativamente a C existem dois pedidos (acção anterior e acção de condenação) e

relativamente a D um pedido (acção de condenação).

Deste modo, estamos face a uma situação de coligação relativamente a B C D (três

réus e três pedidos), sendo de salientar que quanto a C existe uma cumulação de

pedidos.

Uma vez que estamos face a um caso em que existe pluralidade de pedidos estamos

no âmbito da coligação que se encontra regulada nos art. 30º e ss CPC.

Para que se possa verificar uma situação de coligação é necessária a verificação de

certos requisitos que se encontram consagrados no art. 30º, 31º e 470º do CPC:

Compatibilidade substantiva entre os pedidos – art. 470º CPC

Relação de Dependência ou Prejudicialidade entre os pedidos – art. 30º/1 CPC

Compatibilidade Processual (competência e forma) – art. 31º CPC

Requisito 1 – Compatibilidade Substantiva Entre os Pedidos

A cumulação de pedidos encontra-se consagrada no artigo 470º CPC, estando este

pensado para as situações em que há um autor e um réu estando assegurada a

conexão entre os pedidos. Na coligação existe, contudo, uma pluralidade de relações

materiais controvertidas exigindo-se como tal a conexão entre os pedidos, pelo que

ocorre uma remissão do art. 470º para o art. 31º CPC.

Não se verificando nenhum obstáculo à coligação nos termos do art. 31º podemos

concluir que a cumulação entre pedidos é possível.

Em suma, nos termos do art. 470º CPC, exige-se uma compatibilidade substantiva entre

os pedidos. No presente caso, não é todo incompatível formular os três pedidos em

conjunto pelo que se conclui que este requisito se encontra verificado.

Requisito 2 – Relação de Conexão entre os Pedidos

Nos termos do art. 30º CPC consagram-se várias relações de conexão, mas a verdade

é que basta a existência de apenas uma para se verificar a coligação.

No presente caso, nos termos do art. 30º/1, 1ª parte CPC estamos no âmbito de uma

situação em que a causa de pedir é a mesma (‘’É permitida a coligação (…) por

pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única’’), uma vez que

estes pedidos emergem de um mesmo contrato (‘’Por escritura Pública’’, ou seja

evidencia a celebração de um único contrato, embora não seja tal muito frequente

suceder) celebrado entre A com B C D.

NOTA: Se a causa de pedir fosse diferente mesmo assim a coligação seria possível nos

termos do art. 30º/1 in fine (se os pedidos estivessem numa relação de dependência

ou de prejudicialidade) e ainda nos termos do art. 30º/2, 2ª parte (‘’ (…) cláusulas de

contratos perfeitamente análogas’’)

Page 71: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 71

Requisito 3 – Compatibilidade Processual (Competência e Forma)

Nos termos do art. 31º CPC exige-se uma compatibilidade processual que se traduz na

competência absoluta e na forma de cada pedido.

Importa salientar que, por um lado, a identidade das formas de processo não

necessita de ser absoluta, e por outro lado, a competência é absoluta em razão da

matéria, da hierarquia e do território.

Uma vez que se está face a três pedidos é sempre necessário analisá-los em separado.

I - Competência Absoluta: internacional, em razão da matéria e da hierarquia

Quanto à Competência Internacional

Pedido1 (B C) – Acção que tem por objecto o reconhecimento de que a garangem

constitui uma fracção Autónoma

O Regulamento (CE) nº 44/2001 visa facilitar o funcionamento do mercado interno, por

via da unificação das regras de conflito de jurisdição e assegurar o rápido

reconhecimento e execução das decisões em matéria civil e comercial. Este

Regulamento vincula todos os Estados Membros da União Europeia, à excepção da

Dinamarca, nos termos do seu art. 3º/1.

Nos termos do art. 1º, o âmbito de aplicação deste Regulamento restringe-se à

matéria civil e comercial.

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º/1, os tribunais seriam

competentes internacionalmente uma vez que B e C eram portugueses domiciliados

em Portugal.

Importa ainda salientar que nos termos do art. 22º consagra-se uma série de casos de

competência exclusiva dos tribunais dos Estados Membros, as quais prevalecem sobre

quaisquer critérios gerais ou específicos, impedindo, inclusivamente, a celebração de

válidos pactos de jurisdição, quando estes respeitem às matérias previstas nestas

competências exclusivas. Estas regras de competência exclusiva devem ser aplicadas

mesmo que o demandando não tenha domicilio ou sede num dos Estados Membros.

Analisando o art. 22º conclui-se que no caso em análise o objecto da acção (acção

que declarasse que a garagem seria uma fracção autónoma) enquadrava-se no nº1

da referida norma (‘’Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicilio em

matéria de direitos reais sobre imóveis (…) os tribunais do Estado onde o imóvel se

encontre situado’’), uma vez que o prédio em causa, mais concretamente as suas

fracções autónomas, se situavam em Lisboa. Deste modo, os tribunais portugueses

seriam competentes internacionalmente quer por aplicação do art. 2º/1 quer por

aplicação do art. 22º do Regulamento nº 44/2001.

Page 72: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 72

Pedido 2 (C)– Acção de Condenação no Valor de €7.500

O critério geral da competência encontra-se consagrado no art. 2º, sendo que tal

depende do domicilio ou sede do demandando: se é num dos Estados Membros ou

fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º/1, os tribunais

portugueses seriam competentes internacionalmente uma vez que C era português e

domiciliado em Portugal.

Importa ainda salientar que nos termos do art. 5º consagra-se um conjunto de critérios

especiais de atribuição da competência internacional, para os casos em que o reu

tem domicilio num dos Estados Membros e o autor pretende que ele possa ser

demandado perante os tribunais de um outro Estado Membro (art. 3º/1). Quando

algum dos critérios especiais constantes do art. 5º se encontra presente, o autor dispõe

da seguinte alternativa: (1) propõe a acção junto dos tribunais do Estado Membro do

domicilio (ou sede) do réu; (2) ou, intenta a acção noutro tribunal de um outro Estado

Membro, uma vez observadas as regras especiais de competência consignadas no

art. 5º e ss.

Nos termos do art. 774º CC consagra-se que ‘’Se a obrigação tiver por objecto uma

quantia pecuniária, deve a prestação ser efectuada no lugar do domícilio que o

credor tiver ao tempo do cumprimento’’, contudo existe uma regra especial para a

compra e venda consagrada no art. 885º CC ‘’O preço deve ser pago no momento e

no lugar da entrega da coisa vendida’’. Ou seja, aplicando esta regra e como resulta

da hipótese considera-se que o preço foi pago no momento da escritura que ocorreu

em Lisboa.

Pressupondo a aplicação do art. 885º/1 CC aplicar-se-ia o art. 5º/1 al. a) do

Regulamento que consagra que ‘’Uma pessoa com domicílio no território de um

Estado Membro pode ser demandada noutro Estado em matéria contratual perante o

tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão’’, ou seja

sendo o local do cumprimento em Lisboa os tribunais portugueses teriam competência

internacional. Os tribunais portugueses apenas não seriam competentes

internacionalmente, nos termos do art. 5º/1 al. a), se o cumprimento da obrigação

devesse ser realizado no Rio de Janeiro, mas continuariam a sê-lo por aplicação do

art. 2º.

Deste modo, os tribunais portugueses são competentes internacionalmente quer por

aplicação do art. 2º quer por aplicação do art. 5º/1 al. a) do Regulamento.

Pedido 3 (D) – Acção de Condenação no Valor de € 2000

Exactamente a mesma solução apurada para o Pedido 2 (só difere o valor da acção)

Competência em Razão da Matéria

Pedido1 (B C) – Acção que tem por objecto o reconhecimento de que a garangem

constitui uma fracção Autónoma

De acordo com a natureza das matérias que são objecto dos conflitos de interesses,

assim o poder jurisdicional é atribuído a distintos tribunais. Nos termos do art. 66º CPC

consagra-se que a competência dos tribunais judiciais é residual no confronto com as

Page 73: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 73

restantes ordens jurídicas de jurisdição permanente (art. 209º e ss. CRP – Tribunal

Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunais Administrativos, Tribunais Fiscais e Tribunais

Militares).

Deste modo, a competência em razão da matéria distingue os tribunais judiciais

relativamente aos tribunais de outras ordens de jurisdição em função da

especialização das matérias em causa. Nos termos do art. 26º/1 da LOFTJ 2008 as

causas que não sejam da competência de outra ordem de jurisdição são da

competência dos tribunais judiciários.

No presente caso, considerando o art. 209º da CRP, as inerentes leis de organização

das diferentes ordens dos tribunais, o art. 66º do CPC e o art. 26º da LOFTJ 2008

estamos face a uma acção que tem por objecto o reconhecimento de que a

garagem constitui uma fracção autónoma pelo que tal é da competência dos

tribunais judiciais.

Dentro da ordem de jurisdição dos tribunais judiciais, a lei distingue diferentes tribunais,

no tocante à competência em razão da matéria. Deste modo, e de acordo com o

art. 73º/2 da LOFTJ, os tribunais judiciais podem ser de:

Competência Genérica (art. 110º LOFTJ 2008): se o autor invoca factos que

permitem várias qualificações jurídicas, o tribunal que tenha sido provocado é

materialmente competente se no seu âmbito de competência couber, pelo

menos, uma das qualificações jurídicas. O tribunal embora competente,

somente pode analisar o caso à luz da qualificação para que seja

materialmente competente.

Competência Especializada (art. 111º e ss LOFTJ 2008): quando os factos

alegados pelo autor apenas autorizam uma determinada qualificação jurídica,

com exclusão de outras qualificações, o tribunal em que ele deduziu a acção

é competente, se e quando essa qualificação for subsumida no âmbito de

competência material desse tribunal.

No presente caso, a acção em questão não se insere em nenhum dos casos de

competência especializada previstos no art. 74º/2, com ressalva da al. i), ou seja no

tocante à instância civil.

Deste modo, ou o tribunal competente será de competência genérica ou será de

competência especializada de instância civil, desde que tal exista na comarca em

causa.

Pedido 2 (C)– Acção de Condenação no Valor de €7.500

Exactamente a mesma solução encontrada para o Pedido 1

Pedido 3 (D) – Acção de Condenação no Valor de € 2000

Exactamente a mesma solução encontrada para o Pedido 1.

É necessário, contudo, ainda ponderar a aplicação da Lei dos Julgados de Paz, uma

vez que nos termos do art. 8º da mesma, estes têm competência para questões cujo

valor não exceda € 5 000 (conjugar com o art. 31º da LOFTJ 2008). Contudo, a

aplicação da Lei dos Julgados de Paz fica excluída pelo artigo 9º/1 al. a) em que,

quanto à competência destes, eles serão competentes para decidir ‘’Acções

destinadas a efectivar o cumprimento de obrigações, com excepção das que

tenham por objecto prestação pecuniária’’.

Page 74: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 74

NOTA: mesmo que fosse possível aplicar a lei dos Julgados de Paz tal não obstava à

coligação do Pedido 3, uma vez que estes não possuem competência exclusiva mas

sim alternativa (acórdão de uniformização de jurisprudência), ou seja o autor poderia

escolher entre o tribunal judicial de competência genérica ou especializada de

instância civil ou o Julgado de Paz.

Competência em Razão da Hierarquia

Pedido1 (B C) – Acção que tem por objecto o reconhecimento de que a garangem

constitui uma fracção Autónoma

A ordem de jurisdição constituída pelos tribunais judiciais é dotada de uma hierarquia

de tribunais, qual pirâmide judiciária: os tribunais judiciais de 1ª Instância, os Tribunais

da Relação (tribunais judiciais de 2ª Instância) e o Supremo Tribunal de Justiça.

Nos termos do art. 27º da LOFTJ 2008 os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados

para efeitos de recurso das suas decisões, não sendo como tal uma hierarquia do

ponto de vista administrativo (dar instruções aos tribunais inferiores).

Na LOFTJ 2008 a competência dos tribunais judiciais encontra-se consagrada, quanto

ao Supremo Tribunal de Justiça no art. 41º e ss, quanto ao Tribunal da Relação no art.

65º e ss e quanto aos Tribunais de Comarca no art. 73º e ss.

Por exclusão de partes, ou seja por nem ser nem da competência do Tribunal da

Relação nos termos do art. 65º e ss LOFTJ 2008, nem da competência do Supremo

Tribunal de Justiça nos termos do art. 41º e ss LOFTJ 2008, o pedido da acção em

questão será da competência do Tribunal de 1ª Instância.

Pedido 2 (C)– Acção de Condenação no Valor de €7.500

Exactamente a mesma solução encontrada para o Pedido 1

Pedido 3 (D) – Acção de Condenação no Valor de € 2000

Exactamente a mesma solução encontrada para o Pedido 1

Conclusão quanto à competência absoluta: todos os pedidos preenchem os requistos

necessários para a verificação desta.

II Forma de Processo

Pedido 1 (B C) – Acção que tem por objecto o reconhecimento de que a garagem

constitui uma fracção Autónoma

Em primeiro lugar, é necessário determinar o valor da causa, pelo que neste caso é

necessário recorrer às normas constantes do art. 305º e ss CPC.

Estamos face a uma acção que tem por objecto o reconhecimento de que a

garagem constitui uma fracção autónoma de que A é titular nos termos do art. 311º/1

CPC ‘’se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o

valor desta determina o valor da causa’’. Aplicando esta norma, o valor da causa

seria, duzentos mil euros. O art. 311º/1 CPC pressupõe a titularidade do direito de

propriedade, só sendo utilizado para acções de reinvindicação.

Page 75: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 75

Quanto à forma do processo é necessário recorrer ao artigo 460º e ss CPC em que se

consagra que o processo pode ser comum ou especial, sendo que apenas será o

primeiro se não existir nenhum regime especial. Nos termos do artigo 460º, 461º e 462º

aplica-se o processo ordinário comum, uma vez que nos termos do art. 31º da LOFTJ

2008 o valor da alçada do Tribunal da Relação é de trinta mil euros e o valor da causa

no presente caso prático de duzentos mil euros. Poder-se-ia ainda suscitar-se a

questão do Regime do Processo Civil Experimental devido ao facto de este não ter

limitação de valor.

Pedido 2 (C) – Acção de Condenação no Valor de €7.500

Em primeiro lugar, é necessário determinar o valor da causa, pelo que neste caso é

necessário recorrer às normas constantes do art. 305º e ss CPC.

Estamos face a uma acção de condenação no valor de € 7 500 pelo que nos termos

do art. 310º/1 ‘’Quando a acção tiver por objecto (…) cumprimento (…) de um acto

jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas

partes’’ o valor da causa será de € 7 500.

Quanto à forma do processo é necessário recorrer ao artigo 460º e ss CPC em que se

consagra que o processo pode ser comum ou especial, sendo que apenas será o

primeiro se não existir nenhum regime especial. Nos termos do art. 31º da LOFTJ 2008 a

alçada do Tribunal da Relação é de € 30. 000, 00 e a alçada dos Tribunais de 1ª

Instância de € 5. 000, 00. Ora, sendo o valor da causa € 7 500 e não se incluindo em

nenhum dos objectos consagrados no art. 462º conclui-se que neste caso estamos

face a um processo um comum sumário.

Contudo, existe um processo especial para as acções especiais de cumprimento de

obrigações pecuniárias emergentes de contratos constante do Decreto Lei 269/98.

Deste modo, supostamente não se irá aplicar o processo comum mas sim o processo

especial nos termos do art. 460º/1 e 2º CPC.

Nos termos do art. 1º do Regime da Acção Declarativa Especial para Cumprimento de

Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos consagra-se que este regime se

aplica a ‘’procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações

pecuniários emergentes de contratos de valor não superior a € 15. 000, 00. No presente

caso, uma vez que se está face a uma quantia no valor de €7 500 pode-se aplicar este

regime.

Necessário é atender ao artigo 7º deste Regime, constante em Anexo, que consagra a

Injunção, que tem como propósito dar força executiva, podendo ser usada em duas

situações distintas (situações a que se refere o art. 1º do regime que se está a analisar

e situações de obrigações emergentes de transacções comerciais).

Deste modo, pelo regime da injunção, e de acordo com o art. 7º conjugado com o

art. 1º do Regime em análise o autor terá duas possibilidades: ou intenta uma acção

declarativa especial (art. 1º do Regime), ou intenta uma acção, através do regime da

injunção, ficando a possuir um título executivo (art. 7º do Anexo).

Contudo é necessário atender ao art. 449º do CPC. Nos termos do art. 449º/1 CPC

consagra-se a responsabilidade do autor pelas custas quando (1) o réu não tenha

dado causa à acção e (2) o réu não conteste à acção.

Page 76: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 76

É necessário ainda atender ao disposto no art. 449º/2 al. d) CPC que entende que o

réu não deu causa à acção ‘’Quando o autor, podendo propor acção declarativa

especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, recorrer ao processo de

injunçã ou a outros análogos previstos na lei, opte pelo recurso ao processo de

declaração’’. Esta norma aplica-se ao caso concreto, uma vez que não parece existir

uma verdadeira exclusão no sentido de o DL 269/98, de 1 de Setembro afastar a forma

de processo comum.

Deste modo, ou se aplica o processo comum sumário (art. 460º a 462º CPC e art. 31º

LOFTJ 2008) ou se aplica o processo especial constante do DL 269/98, de 1 de

Setembro.

Pedido 3 - Acção de Condenação no Valor de € 2000

Em primeiro lugar, é necessário determinar o valor da causa, pelo que neste caso é

necessário recorrer às normas constantes do art. 305º e ss CPC.

Estamos face a uma acção de condenação no valor de € 2000 pelo que nos termos

do art. 310º/1 ‘’Quando a acção tiver por objecto (…) cumprimento (…) de um acto

jurídico, atender-se-á ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas

partes’’ o valor da causa será de € 2 000.

Quanto à forma do processo é necessário recorrer ao artigo 460º e ss CPC em que se

consagra que o processo pode ser comum ou especial, sendo que apenas será o

primeiro se não existir nenhum regime especial. Nos termos do art. 31º da LOFTJ 2008 a

alçada do Tribunal da Relação é de € 30. 000, 00 e a alçada dos Tribunais de 1ª

Instância de € 5. 000, 00. Ora, sendo o valor da causa € 2000 e incluindo-se num dos

objectos consagrados no art. 462º, ou seja cumprimento de obrigações pecuniárias,

conclui-se que se está face a um processo comum sumaríssimo.

Coloca-se a mesma questão e nos mesmos termos que para o Pedido 2 quanto ao DL

269/98, de 1 de Setembro.

Conclusão quanto à Forma de Processo: não ponderando o DL 269/98, existem

divergências quanto à forma de processo de cada pedido. O Pedido 1 consiste num

processo comum ordinário, o Pedido 2 no processo comum sumário e o Pedido 3 no

processo comum sumaríssimo. Ou seja, entre o pedido 1 e o pedido 2 a diferença

entre ambos é apenas quanto ao valor, mas quanto ao pedido 3 além do valor

também se encontra em causa o objecto. Coloca-se então a questão de saber se a

coligação é possível ou se existe algum obstáculo a tal nos termos do art. 31º CPC.

Para que a coligação seja possível quanto à forma de processo é necessário que:

Exista identidade entre as formas de processo (não se verifica)

A diferença entre a forma de processo devido valor da causa entre os pedidos

é possível (processo comum ordinário e sumário) – art. 31º/1 in fine CPC;

A diferença entre as formas de processo, quando não é apenas em relação ao

valor da causa, conduz a que seja o juiz a decidir (processo comum

ordinário/sumário e processo comum sumaríssimo – critério do valor e do

objecto) – art. 31º/2 CPC

Deste modo, conclui-se que a coligação seria admitida (pressupondo que quanto ao

processo sumaríssimo o juiz decidisse a favor) nos termos do art. 31º/1 in fine e do art.

31º/2 CPC

Page 77: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 77

NOTA1: Nos termos do art. 31º/2 CPC permite-se a coligação entre o processo comum

e o processo especial (por exemplo, DL 269/98, de 1 de Setembro). Existe uma

comparação entre as acções declarativas especiais e o processo comum, estando a

comparação ao nível do processo sumaríssimo. Ou seja, o âmbito de aplicação da

acção declarativa especial acaba por ser uma simplificação. A diferença entre estas

formas de processo não justifica a impossibilidade de coligação.

NOTA2: Chegando à conclusão que os Julgados de Paz seriam competentes, a acção

que ai corresse seguiria uma tramitação diferente daquela que corre quanto ao

processo comum. Antes do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que

considera que a competência de tais é alternativa, se tal competência fosse exclusiva

os requisitos para a admissibilidade da coligação não estariam verificados.

Competência Relativa: Valor e Forma de Processo e Território

Valor e Forma de Processo

Em primeiro lugar, é necessário determinar o valor da causa, pelo que neste caso é

necessário recorrer às normas constantes do art. 305º e ss CPC.

Nos termos do art. 306º/2 CPC consagra-se que ‘’Cumulando-se na mesma acção

vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma de todos eles’’, pelo que

deste modo o valor da acção seria de € 209500 (€200 000 + €7 500 + €2 000).

Quanto à forma do processo é necessário recorrer ao artigo 460º e ss CPC em que se

consagra que o processo pode ser comum ou especial, sendo que apenas será o

primeiro se não existir nenhum regime especial. Nos termos do artigo 460º, 461º e 462º

aplica-se o processo ordinário comum, uma vez que nos termos do art. 31º da LOFTJ

2008 o valor da alçada do Tribunal da Relação é de trinta mil euros e o valor da causa

no presente caso prático de €209500.

Analisada a forma de processo iremos agora determinar qual o tipo de tribunal que irá

conhecer do mérito da causa, ou seja se é um tribunal singular ou um tribunal

colectivo, sendo que para tal é necessário recorrer à LOFTJ 2008.

Nos termos do art. 135º e ss da LOFTJ 2008 consagram-se as normas que determinam a

intervenção do Tribunal de Júri (art. 140º e ss), Singular (art. 135º) e Colectivo (art. 136º

e ss).

Nos termos do art. 135º/2 LOFTJ 2008 consagra-se que o Tribunal Singular irá julgar os

processos que não devam ser julgados pelo Tribunal Colectivo ou do Júri. O Tribunal

Singular é, deste modo, residual face ao Tribunal Colectivo e do Júri. Para saber se se o

Tribunal Singular é competente então será necessário primeiro determinar a

incompetência do Tribunal Colectivo e do Júri.

Nos termos do art. 140º e ss, quanto ao Tribunal de Júri, estes possuem uma

competência residual nunca tendo aquela quando se esteja face a uma matéria civil

(como é o caso). Deste modo, os Tribunais de Júri, no presente caso, encontram-se

excluídos.

Nos termos do art. 136º e ss, quanto ao Tribunal Colectivo, estes são competentes

devido ao disposto no art. 137º al. b) (‘’Compete ao Tribunal Colectivo julgar (…) as

questões de facto nas acções de valor superior à alçada dos Tribunais da Relação’’)

Page 78: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 78

Conjugando o art. 137º al. b) da LOFTJ 2008 com o art. 128º/1 al. a) da LOFTJ 2008

(‘’Compete à Grande Instância Cível (…) A preparação e Julgamento das Acções

Declarativas Cíveis de valor superior à alçada do Tribunal da Relação’’) o Tribunal

Colectivo de Grande Instância Cível seria o tribunal competente para conhecer do

mérito da questão.

Território

Pedido 1 – Acção que tem por objectivo reconhecer que a garagem é uma fracção

autónoma de que A é o titular

A repartição do poder de julgar, nos tribunais judiciais, é efectuada em função do

território onde cada um destes tribunais desfruta de poderes jurisdicionais. No domínio

da LOFTJ 2008 o território nacional encontra-se dividido em distritos judiciais e

comarcas, nos termos do art. 18º.

Deste modo, constatada a competência internacional dos tribunais portugueses, os

conflitos localizam-se sempre em determinada área do território português. É a lei

processual que fixa os elementos de conexão relevantes, os quais determinam, nos

casos concretos, o tribunal territorialmente competente. Tais elementos de conexão

encontram-se consagrados no art. 73º a 95º do CPC.

Nos termos do art. 87º/1 consagra-se a regra geral quanto à pluralidade de pedidos

segundo a qual ‘’Havendo mais de um réu na mesma causa, devem ser todos

demandados no tribunal do domicilio do maior número; se for igual o número nos

diferentes domicílios, pode o autor escolher o de qualquer deles’’.

Contudo, no presente caso existe a regra especial do art. 73º CPC que consagra que

‘’Devem ser propostas no tribunal da situação dos bens as acções referentes a direitos

reais ou pessoas de gozo sobre imóveis’’, pelo que situando-se o prédio em Lisboa

seria neste tribunal que a acção deveria ser proposta.

Pedido 2 - Acção de Condenação no Valor de € 7500

A regra geral quanto à cumulação de pedidos contante do art. 87º/1 já foi analisada

anteriormente pelo que agora se chama atenção à regra especial constante no art.

74º/1 CPC que consagra que ‘’A acção destinada a exigir o cumprimento de

obrigações (…) é proposta no tribunal do domicilio do réu’’. Sendo que C é

domiciliado em Lisboa seria este o tribunal territorialmente competente.

Pedido 3 - Acção de Condenação no Valor de € 2000

Exactamente a mesma solução do que a referida para o Pedido 2.

Page 79: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 79

b. Identifique os tipos de defesa utilizados por C e diga se são admissíveis.

TEMA: CITAÇÃO (NOÇÃO. EFEITOS. MODALIDADES) E CONTESTAÇÃO

NOTA1: Uma vez recebida pela secretaria e não sendo por ela recusada, a petição é

apresentada a distribuição. Este é o acto processual pelo qual as diferentes petições

são repartidas entre as diferentes secções de processo da secretaria e entre os

diversos juízes (pelo menos dois) que servem o tribunal – art. 209º e ss CPC. Feita a

distribuição, o processo é remetido à secção, juízo ou vara designados onde o

processo vai correr e é aí autuado com os documentos que o acompanham. Feita a

autuação, o processo não é normalmente concluso ao juiz, ou seja não há em regra

despacho liminar sobre a petição inicial, sendo que o juiz só toma contacto, pela

primeira vez com o processo, na fase do saneador. Contudo, nos casos em que não

há despacho liminar pelo juiz da causa, a secretaria pode submeter a petição à

apreciação do juiz, quando julgue ocorre a falta de um pressuposto processual

insanável e de conhecimento oficioso.

NOTA2: Compete à secretaria promover oficiosamente e em regra sem necessidade

de despacho prévio as diligências adequadas à citação do réu – art. 234º/1 e art. 479º

CPC. O acto de citação, uma vez realizado, implica a remessa ao citando do

duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham, sendo

o citando advertido de que fica citado para a acção, sendo indicado o tribunal, vara

e secção onde corre o processo – art. 235º/1 CPC. No acto de citação pessoa deve

ser indicado ao réu o prazo dentro do qual pode oferecer a contestação, a eventual

necessidade de patrocínio judiciário e as cominações que sobe ele a lei fará incidir

em caso de falta de contestação – art. 235º/2 CPC. Note-se que a noção de citação

encontra-se consagrada no art. 228º CPC.

NOTA3: Importa salientar quais são os efeitos da citação:

Efeitos Processuais

Impede que o réu proponha contra o autor uma acção com o mesmo

objecto, prevenindo a litispendência – art. 481º/1 al. c) CPC

Constitui uma situação de litispendência se o réu já tiver sido

citado para outra acção idêntica movida pelo mesmo autor –

art. 499º/1, art. 494º al. i), art. 497º e art. 498º CPC

A citação do réu estabiliza os elementos essenciais da causa, ou seja,

os sujeitos (as partes), o pedido e a causa de pedir – art. 268º

Atenção que tal efeito não significa que tais elementos

permaneçam imutáveis, uma vez que podem sobrevir, por um

lado, alterações objectivas (alteração do pedido e da causa de

pedir – art. 270º e 271º CPC), e por outro lado, podem ocorrer

modificações subjectivas (incidentes de intervenção de

terceiros)

Page 80: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 80

Efeitos Substantivos

Com a citação ocorre a cessação da boa fé do possuidor – art. 481º al.

a) CPC. Com a citação o réu fica a saber que está a lesar o direito do

autor (proprietário, usufrutuário), ou seja não pode desconhecer que os

poderes de facto que sobre a coisa exerce estão a lesar o direito do

autor – art. 1260º/1 CC.

Interrupção da prescrição: se o réu for o devedor e estiver a correr em

seu beneficio o prazo de prescrição (pode não estar a correr esse prazo

em seu beneficio – art. 318º a 322º CC) a prescrição interrompe-se com

o acto de citação. Contudo, como a citação depende da promoção

oficiosa da secretaria e esta pode ter muito serviço ou expediente em

atraso, em homenagem aos interesses do autor/credor, a prescrição é

automaticamente interrompida dentro dos 5 dias posteriores à entrada

da petição na secretaria, se a citação não for efectuada dentro desses

5 dias por facto não imputável ao autor – art. 323º/2 CC. Note-se que

quando a citação é anulada, a prescrição é interrompida.

O réu fica constituído em mora se a obrigação for sem prazo, ou seja, se

for uma obrigação pura – art. 805º/1 CC e art. 662º/2 al. b) CPC. A

citação do réu, sendo a obrigação pura produz, deste modo, a

interpelação judicial produtora do vencimento da obrigação.

NOTA4: A citação pode ser de duas modalidades: pessoal ou edital – art. 233º/1 CPC

Citação Pessoal: é a regra, encontrando-se o seu regime consagrado no art.

233º/2 e ss CPC.

Citação Edital: é a excepção, ocorrendo quando o citado se encontre em

parte incerta (art. 244º e 248º CPC) e quando sejam incertas as pessoas a citar

(art. 233º/6 CPC) – art. 251º CPC. Esta modalidade de citação é o ultimo

recurso, sendo que se utiliza tal quando não for possível cita o reu por qualquer

outra via e após terem resultado infrutíferas as buscas efectuadas nas bases de

dados – art. 244º/1 CPC. Realiza-se mediante a afixação de ditais e a

publicação de anúncios – art. 248º a 252º CPC. Sendo a citação edital e não

tendo o réu contestado não se produzem os efeitos da revelia - art. 485º al. b)

in fine CPC.

NOTA5: Sendo a pessoa citada, começa a correr o prazo para constar que, no

processo comum ordinário, é de 30 dias nos termos do art. 486º CPC. Note-se que a

este prazo pode-se acrescer uma dilação.

NOTA6: A contestação é, do ponto de vista material, a peça escrita através da qual o

réu responde à petição inicial, tomando posição perante essa petição e

manifestando oposição ao pedido formulado pelo autor. Em certos casos, o réu pode,

na contestação deduzir pedidos contra o autor (reconvenção). A falta de oposição

pode, por sua vez, traduzir-se na omissão de qualquer conduta reactiva do réu que se

traduz na revelia – art. 484º e 485º CPC.

Page 81: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 81

NOTA7: Se o réu contestar, a sua contestação pode, do ponto de vista formal, assumir

duas modalidades: a contestação-defesa e a contestação-reconvenção. Iremos

agora proceder a uma breve enunciação da matéria em causa:

Contestação Defesa

Defesa por Impugnação

Defesa por Impugnação Directa/Frontal: o réu limita-se a

impugnar os factos articulados pelo autor (dizendo que não é

verdade ou é inexacto ou que não aceita o que o autor afirma

nos artigos X, Y e Z da petição inicial)

Defesa por Impugnação Indirecta: o réu, não impugnando os

factos, afirma que desses factos não resulta o efeito jurídico

pretendido pelo autor (o autor alega que cedeu o gozo ao réu

de um imóvel a título de comodato, a que agora pôs termo

pedindo a restituição do imóvel, alegando o réu que existiu, de

facto, essa cedência do gozo, mas que ela foi feita na

decorrência de um contrato de doação, que teria celebrado

com o autor). Ou seja, o réu aceita os factos alegados pelo

autor, ou alguns deles, mas impugna a qualificação jurídica

fornecida pelo autor e os factos a ela ligados, atribuindo-lhes

uma diferente versão jurídica (negação indirecta). É claro que o

mesmo que o réu não impugne indirectamente, o tribunal

conhece oficiosamente a matéria de direito (a qualificação

jurídica dos factos dados como assentes ou que tenham sido

objecto de prova), podendo (e devendo) controlar se os efeitos

jurídicos pretendidos pelo autor poem ser actuados a partir do

factos alegados.

Defesa por Excepção

Defesa por Excepção Dilatória: o réu aceita os factos narrados

na petição inicial, mas alega factos capazes de obstar à

apreciação do mérito da causa e que conduzam (ou podem

conduzir, se os que forem sanáveis não forem objecto de

sanação) à absolvição da instância ou à remessa do processo

para o tribunal competente – art. 493º. O réu alega a falta de

pressupostos processuais ou outros vícios ou irregularidades da

instância. Sendo as excepções dilatórias (art. 494º CPC) de

conhecimento oficioso pelo tribunal (art. 495º CPC) não pode

entender-se que, a larga maioria, destas são apenas aquelas

cujo relevo depende da vontade do réu em alega-las. Apenas

a incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo art.

110º CPC depende de alegações por parte do réu.

Page 82: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 82

Defesa por Excepção Peremptória: o réu invoca factos

impeditivos, extintivos ou modificativos do efeito jurídico visado

pelo autor; se o conseguir, a consequência é a absolvição total

ou parcial do pedido formulado pelo autor – art. 487º/2 e art.

493º/3 CPC. Se forem julgadas procedentes, a pretensão

originária do autor modifica-se e o tribunal deve condenar o réu

a título condicional, na pretensão subsequente.

Excepções Peremptórias Extintivas: destroem os efeitos

jurídicos resultantes do preenchimento de determinada

previsão da lei

o Caducidade

o Dação em Cumprimento

o Dação Pro Solvendo

o Compensação

o Remissão da dívida

o Consignação em depósito

o Prescrição

o Cumprimento da Obrigação

Excepções Peremptórias Impeditivas: impedem a

produção da consequência jurídica desejada pelo

autor, apesar de se verificarem todos os pressupostos

factuais necessários para realizar a previsão da lei.

o Erro na Declaração

o Dolo

o Incapacidade Acidental

o Erro sobre a pessoa ou o objecto do negócio

o Nulidade do negócio

Excepções Peremptórias Modificativas: a verificação

implica a modificação da pretensão invocada pelo

autor, alterando o objecto da acção.

o Excepção de não cumprimento do contrato

(exemplo: se o réu invocar com sucesso a

excepção de não cumprimento do contrato, o

tribunal deve condená-lo imediatamente a

cumprir o contrato se e quando o autor realizar a

correspondente contraprestação)

o Condição suspensiva (exemplo: se o réu

excepcionar a verificação de uma condição

suspensiva da prestação exigida pelo autor, o

tribunal pode condenar imediatamente o réu a

cumprir a referida prestação quando se verifique

o facto futuro e incerto)

Page 83: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 83

o Modificação oposta a pedido de resolução do

contrato com fundamento em alteração

anormal das circunstâncias

Defesa por Impugnação Indirecta Defesa por Excepção Peremptória

O réu nega simplesmente o efeito

jurídico pretendido pelo autor e atribui

uma diferente versão jurídica aos

factos (que aceita) invocados pelo

autor

O réu opõe ao efeito jurídico

pretendido pelo autor um facto

impeditivo, modificativo ou extintivo

Note-se que as excepções peremptórias respeitam ao mérito da causa, que

não aos pressupostos processuais ou à formação regular da instância, sendo

que deste modo não atingem a relação jurídica processual. A sua

procedência pode ser total ou parcial, visto que pode atingir de diferente

forma o direito material invocado pelo autor.

Quanto ao regime de conhecimento das excepções peremptórias o tribunal

conhece oficiosamente destas cuja invocação a lei não faça depender da

vontade do interessado – art. 496º CPC. Ou seja, somente são de

conhecimento provocado (ou seja, cujo conhecimento brota da iniciativa das

partes, neste caso, do réu) as circunstancias impeditivas, extintivas ou

modificativas do direito invocado pelo autor, quando elas respeitarem a uma

relação jurídica em que a vontade das partes (ou de uma delas, posto que

constitua um direito potestativo) é plenamente eficaz para produzir o efeito

jurídico pretendido pela acção. Deste modo são de conhecimento oficioso as

excepções peremptórias que:

Traduzam nulidades ou o próprio abuso do direito (art.

334º CC) – art. 286º do CC (de contratos ou de negócios

unilaterais) – o pagamento, a novação, a dação em

cumprimento, a remissão ou quaisquer outras causas

extintivas do direito invocado pelo autor. Quanto a estas

basta que os factos que lhe servem de base constem

dos autos para que o juiz possa (e deva) conhece-las,

mesmo que o réu não as tenha invocado na

contestação.

A prescrição, a compensação, a incapacidade, os

vícios do consentimento (erro, dolo, coacção, reserva

mental conhecida) e a caducidade (só em matéria

excluída da disponibilidade das partes)

Page 84: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 84

Contestação Reconvenção: o réu exercita o seu direito de acção contra o

autor. Na contestação a lei dá na verdade a oportunidade ao réu para,

querendo, formular, ele próprio pedidos contra o autor, os pedidos

reconvencionais. O réu pode deduzir reconvenção sem que tenha que

apresentar uma adicional defesa por impugnação ou por excepção,

podendo simplesmente, limitar-se a juntar um pedido reconvencional.

Reconvenção Excepção

Na reconvenção há um pedido

autónomo formulado pelo réu contra o

autor. O réu pretende obter um benefício

económico que não se traduz na mera

extinção, modificação ou impedimento

da pretensão do autor.

Na defesa por excepção peremptória,

embora o réu deduza factos impeditivos,

extintivos ou modificativos do direito

invocado pelo autor e peça que o

tribunal declare, por exemplo, a extinção

desse direito, o certo é que a pretensão

deduzida pelo réu que serve e

fundamento à acção, é dela

intrinsecamente dependente, mais não

passa se não de uma consequência da

excepção invocada contra o autor, por

isso que não transcende a mera

pretensão de improcedência (total ou

parcial) da pretensão do autor.

Condições Processuais de Admissibilidade da Reconvenção: a

reconvenção exige uma certa conexão ou compatibilidade

processual com o objecto processual (pedido e causa de pedir)

definido pelo autor

O tribunal da acção tem que desfrutar da competência em

razão da matéria, hierarquia e da nacionalidade (art. 98º CPC)

para o efeito de apreciar e julgar o pedido reconvencional

Ao pedido inicial do autor e ao pedido reconvencional tem de

corresponder a mesma forma de processo, salvo se a diferença

resultar apenas do diferente valor dos pedidos (art. 274º/3 CPC)

ou o juiz a autorizar, desde que a tramitações de ambas as

formas de processo não sejam manifestamente incompatíveis e

seja indispensável ou conveniente a sua apreciação conjunta.

Não é exigida identidade subjectiva das partes, ou seja a

reconvenção pode ser dirigida contra quem possa vir a

colocar-se ao lado do autor, através do incidente da

intervenção principal provocada (pelo reu). A reconvenção

apresentada pelo reu pode respeitar a terceiros, que possam

ou devam litisconsorciar-se com o autor ou com o réu (art. 325º

e 326º CPC)

Page 85: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 85

À reconvenção do réu não pode o autor, na réplica,

apresentar uma nova reconvenção a esse pedido

reconvencional formulado pelo réu na contestação: é

inadmissível a reconvenção da reconvenção. Na replica o

autor apenas esta salvo de contestar o pedido reconvencional

e responder à matéria das excepções invocadas pelo réu – art.

502º/1 CPC.

▲ Consequência da Falta dos Requisitos Processuais

Reconvencionais: a reconvenção encontra-se viciada

como excepção dilatória o que implica a absolvição do

réu da instância.

Condições Materiais de Admissibilidade da Reconvenção

O pedido reconvencional tem que resultar da mesma causa de

pedir (ou de parte da mesma causa de pedir) que serve de

fundamento à acção ou à defesa – art. 274º/2 al. a) CPC.

É admissível o pedido reconvencional quando o réu deseja

conseguir o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe a

obter – art. 274º/2 al. c) CPC. Nada obsta a que a identidade

do efeito seja apenas parcial.

A reconvenção é também possível quando o réu invoca o

direito a ser indemnizado, pelo autor, de benfeitorias ou de

despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é exigida na acção

– art. 274º/2 al. b) in fine CPC

A Compensação de Créditos: Compensação Excepção vs

Compensação Reconvenção: o pedido reconvencional pode ter

como fundamento a compensação de créditos enquanto forma de

extinção das obrigações (art. 847º CC) – art. 274º/2 al. b) primeira

parte.

A tese da compensação excepção (jurisprudência maioritária):

há quem entenda que só existirá reconvenção quando o

contracrédito invocado pelo réu excede o valor do crédito

reclamado pelo autor e o réu pretende a condenação do

autor no montante da diferença que lhe seja favorável.

Argumentos:

A compensação somente pode ser declarada por uma

parte à outra (art. 848º CC) e nunca é susceptível de

constituir um pedido contra o autor, excepto na parte

em que o contracrédito eventualmente exceder o

crédito. Nos restantes casos haverá defesa por

excepção.

Page 86: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 86

A compensação de um contra crédito cujo montante

não exceda o montante do crédito é uma causa

extintiva da dívida, de tal modo que a sua invocação é

um meio de defesa do réu e só artificialmente pode ser

deduzida através de um pedido reconvencional.

Sendo a acção deduzida num processo sumaríssimo (ou

com o processo especial para cumprimento de

obrigações pecuniárias resultantes de contratos) não há

resposta à contestação e o réu esta impedido de

formular reconvenção, pois que ao autor não seria

então assegurado o contraditório.

A tese da compensação reconvenção gera um

obstáculo à dedução da compensação, já que não são

compatíveis as dividas que tenham que ser deduzidas

em tribunal cuja competência seja diferente em razão

da matéria (credito invocado num tribunal ou juízo de

comercio e o contracrédito somente invocável num

juízo de instancia civil) ou hierarquia ou competência

internacional.

Se a compensação respeita a um crédito ilíquido e o reu

pretende que na acção sejam efectuadas as

operações de liquidação, essa compensação deverá

ser deduzida por reconvenção.

A Tese da Compensação Reconvenção: a compensação,

quando pretenda ser invocada pelo réu, é sempre objecto de

um pedido reconvencional, pois representa uma pretensão

autónoma, ainda quando não exceda o montante do crédito

reclamado pelo autor, sendo que o art. 274º/2 al. b) CPC não

distingue se o contra credito do reu é igual, inferior ou superior

ao credito reclamado pelo autor; pretensão que se pode fazer

valer extrajudicialmente e judicialmente, contrariamente ao

sustentado pela anterior posição.

A Tese Mista: a compensação traduz uma figura hibrida, a um

tempo reconvenção e excepção peremptória. A

compensação, ao mesmo tempo que extingue, total ou

parcialmente, o direito de crédito do autor (pela invocação do

contra credito) realiza e dá execução a este contracrédito do

reu, que é distinto e autónomo daquele direito e pode,

inclusivamente, não exibir qualquer nexo com a pretensão

deduzida pelo autor. Há jurisprudência que admite a dedução

da compensação por via reconvencional, ainda que o

contracrédito seja de valor inferior, quando tal crédito emerge

do mesmo facto jurídico invocado pelo autor.

Page 87: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 87

Posição da Prof. Maria dos Prazeres Beleza: tal não se relaciona

com o valor dos créditos uma vez que a compensação não

assenta no excesso pois este é um pedido autónomo sendo

sempre um pedido reconvencional. Apesar das vantagens e

das desvantagens é preferível aplicar a todo o contra crédito o

regime da reconvenção. Ou seja, a professora defende que

existe sempre reconvenção, não se devendo dividir uma

realidade intrínseca do ponto de vista substantivo. Além disso, o

contra crédito encontra-se relacionado com o crédito: um

resulta de uma relação jurídica societária e o outro de um

contrato de compra e venda (por exemplo). Está-se a trazer

uma nova relação jurídica para a acção e tal faz-se através da

reconvenção e não através de uma mera defesa por

excepção.

i. O A sempre referiu durante a negociação que a compra da fracção

abrangia um local de garagem, pelo que tem direito à utilização da

mesma;

No presente caso estamos face a uma Defesa por Impugnação Directa/Frontal (art.

487/1 e 2): o réu limita-se a impugnar os factos articulados pelo autor, uma vez

enquanto o autor (A) alega que C se apoderou indevidamente da garagem do

prédio, C diz que A sempre referiu que a compra da fracção abrangia um local de

garagem.

Efectivamente o círculo de factos aparentemente novos que são invocados não

consubstanciam excepções; estes factos aparentemente novos são factos que

apenas visam contradizer os factos alegados pelo autor. O facto, em análise, alegado

por C, contraria a ideia de facto, ou seja a apropriação.

NOTA1: Enquanto as excepções dilatórias são pressupostos que impedem o

conhecimento do mérito da causa, as excepções peremptórias são factos que

modificam, extinguem ou impedem o direito alegado pelo autor.

NOTA2: Na impugnação indirecta impugna-se o efeito jurídico que o autor pretende

tirar dos factos que alegou,

ii. Caso assim não se considere, nunca a garagem pode ser considerada

fracção autónoma, por força do estabelecido no regulamento de

condomínio;

No presente caso estamos face a uma Defesa por Impugnação Indirecta: o réu, não

impugnando os factos, afirma que desses factos não resulta o efeito jurídico

pretendido pelo autor. Ou seja, o réu aceita os factos alegados pelo autor, ou alguns

deles, mas impugna a qualificação jurídica fornecida pelo autor e os factos a ela

ligados, atribuindo-lhes uma diferente versão jurídica (negação indirecta). Aplicando

tal ao caso concreto: C invoca as regras constantes no regulamento do condomínio.

Page 88: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 88

PROF. ALBERTO DOS REIS: este autor refere a impugnação de direito existindo, em

qualquer dos factos que se irá mencionar de seguida, sempre um erro de direito:

Erro à Indagação da Norma Aplicável: o autor que faz a indagação comete

um erro aplicando, por exemplo, as regras do contrato de doação em vez das

regras do contrato de compra e venda.

Erro de Interpretação: aplica-se a norma correcta mas interpreta-se de forma

errada.

Erro na Aplicação da Norma: embora se aplica a norma correcta e se faça a

interpretação da mesma de forma correcta a aplicação aos factos no caso é

incorrecta.

iii. Não tem de pagar o remanescente do preço porque a fracção não tem

as características que lhe foram asseguradas por A, vendedor, pelo que

o contrato é anulável;

No presente caso estamos face a uma defesa excepção peremptória impeditiva. Ou

seja, existe uma Defesa por Excepção Peremptória quando o réu invoca factos

impeditivos, extintivos ou modificativos do efeito jurídico visado pelo autor; se o

conseguir, a consequência é a absolvição total ou parcial do pedido formulado pelo

autor – art. 487º/2 e art. 493º/3 CPC. Se forem julgadas procedentes, a pretensão

originária do autor modifica-se e o tribunal deve condenar o réu a título condicional,

na pretensão subsequente.

As Excepções Peremptórias Impeditivas: impedem a produção da consequência

jurídica desejada pelo autor, apesar de se verificarem todos os pressupostos factuais

necessários para realizar a previsão da lei, sendo a nulidade do contrato um exemplo

de tal.

Deste modo, aplicando a teoria ao caso concreto: existe um erro impeditivo (a

fracção não tem as características que lhe foram asseguradas por A, vendedor) que

irá anular o contrato (‘’o contrato é anulável’’), não se chegando a constituir o direito

invocado por A. Este vício que conduz à anulação do negócio significa que o direito

nunca chegou a constituir-se, a existir, na esfera jurídica do autor. Deste modo, sendo

o contrato anulável, o direito ao pagamento do preço nunca chegou a constituir-se.

iv. É titular de um crédito sobre A, resultante de ter sido em tempos

accionista dessa sociedade e ter direito ao reembolso de 10 mil euros

que emprestara (suprimentos). O empréstimo havia sido feito por escrito

do qual constava que o dinheiro deveria ser restituído, quando o credor

o reclamasse, na sede de A, pelo que, caso o Tribunal não considere

procedente a defesa alegada em iii, pretende compensar os créditos e

obter a condenação de A na diferença;

A compensação, consagrada no art. 847º do CC, consiste numa forma de extinção

do cumprimento de uma obrigação. Agora, em Processo Civil, coloca-se a questão

de saber se tal consiste numa situação de reconvenção ou de excepção. A doutrina

diverge.

Page 89: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 89

Na Contestação Reconvenção o réu exercita o seu direito de acção contra o autor.

Na contestação a lei dá na verdade a oportunidade ao réu para, querendo, formular,

ele próprio pedidos contra o autor, os pedidos reconvencionais. O réu pode deduzir

reconvenção sem que tenha que apresentar uma adicional defesa por impugnação

ou por excepção, podendo simplesmente, limitar-se a juntar um pedido

reconvencional.

A Compensação de Créditos será uma Compensação Excepção ou uma

Compensação Reconvenção? O pedido reconvencional pode ter como fundamento

a compensação de créditos enquanto forma de extinção das obrigações (art. 847º

CC) – art. 274º/2 al. b) primeira parte.

A Jurisprudência maioritária defende a tese da compensação excepção: há quem

entenda que só existirá reconvenção quando o contracrédito invocado pelo réu

excede o valor do crédito reclamado pelo autor e o réu pretende a condenação do

autor no montante da diferença que lhe seja favorável. Argumentos:

A compensação somente pode ser declarada por uma parte à outra (art. 848º

CC) e nunca é susceptível de constituir um pedido contra o autor, excepto na

parte em que o contracrédito eventualmente exceder o crédito. Nos restantes

casos haverá defesa por excepção. Ou seja, a compensação opera

extrajudicialmente, bastando que uma das partes a comunique à outra parte.

Resulta do Direito Civil este efeito extintivo não podendo ser o Processo Civil a

impedir que tal efeito se produza dizendo que se trata de um caso de

reconvenção.

A compensação de um contra crédito cujo montante não exceda o montante

do crédito é uma causa extintiva da dívida, de tal modo que a sua invocação

é um meio de defesa do réu e só artificialmente pode ser deduzida através de

um pedido reconvencional.

Sendo a acção deduzida num processo sumaríssimo (ou com o processo

especial para cumprimento de obrigações pecuniárias resultantes de

contratos) não há resposta à contestação e o réu esta impedido de formular

reconvenção, pois que ao autor não seria então assegurado o contraditório.

A tese da compensação reconvenção gera um obstáculo à dedução da

compensação, já que não são compatíveis as dividas que tenham que ser

deduzidas em tribunal cuja competência seja diferente em razão da matéria

(credito invocado num tribunal ou juízo de comercio e o contracrédito

somente invocável num juízo de instancia civil) ou hierarquia ou competência

internacional.

Se a compensação respeita a um crédito ilíquido e o reu pretende que na

acção sejam efectuadas as operações de liquidação, essa compensação

deverá ser deduzida por reconvenção.

Segundo a Tese da Compensação Reconvenção (posição da regente que mais à

frente será desenvolvida): a compensação, quando pretenda ser invocada pelo réu,

é sempre objecto de um pedido reconvencional, pois representa uma pretensão

Page 90: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 90

autónoma, ainda quando não exceda o montante do crédito reclamado pelo autor,

sendo que o art. 274º/2 al. b) CPC não distingue se o contra credito do reu é igual,

inferior ou superior ao credito reclamado pelo autor; pretensão que se pode fazer

valer extrajudicialmente e judicialmente, contrariamente ao sustentado pela anterior

posição.

Existe A Tese Mista: a compensação traduz uma figura hibrida, a um tempo

reconvenção e excepção peremptória. A compensação, ao mesmo tempo que

extingue, total ou parcialmente, o direito de crédito do autor (pela invocação do

contra credito) realiza e dá execução a este contracrédito do reu, que é distinto e

autónomo daquele direito e pode, inclusivamente, não exibir qualquer nexo com a

pretensão deduzida pelo autor. Há jurisprudência que admite a dedução da

compensação por via reconvencional, ainda que o contracrédito seja de valor

inferior, quando tal crédito emerge do mesmo facto jurídico invocado pelo autor.

A Posição da Prof. Maria dos Prazeres Beleza assenta em que tal não se relaciona com

o valor dos créditos uma vez que a compensação não assenta no excesso pois este é

um pedido autónomo sendo sempre um pedido reconvencional. Apesar das

vantagens e das desvantagens é preferível aplicar a todo o contra crédito o regime

da reconvenção. Ou seja, a professora defende que existe sempre reconvenção, não

se devendo dividir uma realidade intrínseca do ponto de vista substantivo. Além disso,

o contra crédito encontra-se relacionado com o crédito: um resulta de uma relação

jurídica societária e o outro de um contrato de compra e venda (por exemplo). Está-se

a trazer uma nova relação jurídica para a acção e tal faz-se através da reconvenção

e não através de uma mera defesa por excepção.

Deste modo, iremos resolver a hipótese consoante duas teses:

Segundo a Tese da Jurisprudência Maioritária, ou seja da Compensação

excepção, quanto ao excesso (no caso, € 2.500) este será sempre objecto de

reconvenção, mas os €7.500 serão objecto de excepção.

No caso: o tribunal competente para conhecer da acção dos € 7.500 é competente,

igualmente, para conhecer do pedido reconvencional (€ 2.500). Deste modo não se

aplica o art. 98º, como sucede nos pedidos reconvencionais (quando o são no seu

todo).

Segundo a posição da Prof. Maria dos Prazeres Beleza, não só quanto ao

excesso mas também relativamente aos restante crédito, ou seja o crédito no

seu todo é objecto de reconvenção.

No caso: para que tal situação se possa verificar é necessário analisar se os requisitos

constantes do art. 98º e art. 274º/2 e 3 CPC se encontram preenchidos.

Quanto às Condições Materiais de Admissibilidade da Reconvenção

O pedido reconvencional tem que resultar da mesma causa de pedir (ou de

parte da mesma causa de pedir) que serve de fundamento à acção ou à

defesa – art. 274º/2 al. a) CPC.

Page 91: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 91

É admissível o pedido reconvencional quando o réu deseja conseguir o mesmo

efeito jurídico que o autor se propõe a obter – art. 274º/2 al. c) CPC. Nada

obsta a que a identidade do efeito seja apenas parcial.

A reconvenção é também possível quando o réu invoca o direito a ser

indemnizado, pelo autor, de benfeitorias ou de despesas relativas à coisa cuja

entrega lhe é exigida na acção – art. 274º/2 al. b) in fine CPC

No presente caso, poderíamos dizer que existe a conexão subjectiva entre os pedidos

nos termos do art. 274º/2 al. b), contudo embora a compensação incida apenas sobre

os €7.500, a jurisprudência tem na estendido também quanto aos €2.500. Não

aplicando a al. b) poderíamos sempre aplicar a al. a) uma vez que o pedido

reconvencional, na tese em análise, corresponde à parte da defesa por excepção na

tese da jurisprudência maioritária.

Quanto às Condições Processuais de Admissibilidade da Reconvenção: a

reconvenção exige uma certa conexão ou compatibilidade processual com o

objecto processual (pedido e causa de pedir) definido pelo autor

O tribunal da acção tem que desfrutar da competência em razão da matéria,

hierarquia e da nacionalidade (art. 98º CPC) para o efeito de apreciar e julgar

o pedido reconvencional

Ao pedido inicial do autor e ao pedido reconvencional tem de corresponder a

mesma forma de processo, salvo se a diferença resultar apenas do diferente

valor dos pedidos (art. 274º/3 CPC) ou o juiz a autorizar, desde que a

tramitações de ambas as formas de processo não sejam manifestamente

incompatíveis e seja indispensável ou conveniente a sua apreciação conjunta.

Não é exigida identidade subjectiva das partes, ou seja a reconvenção pode

ser dirigida contra quem possa vir a colocar-se ao lado do autor, através do

incidente da intervenção principal provocada (pelo reu). A reconvenção

apresentada pelo reu pode respeitar a terceiros, que possam ou devam

litisconsorciar-se com o autor ou com o réu (art. 325º e 326º CPC)

À reconvenção do réu não pode o autor, na réplica, apresentar uma nova

reconvenção a esse pedido reconvencional formulado pelo réu na

contestação: é inadmissível a reconvenção da reconvenção. Na replica o

autor apenas esta salvo de contestar o pedido reconvencional e responder à

matéria das excepções invocadas pelo réu – art. 502º/1 CPC.

No Caso: é necessário agora a atender à situação de verificar se o tribunal

absolutamente competente para conhecer do pedido 2 (A C) é o mesmo para

conhecer deste pedido 4 (C A: compensar os créditos e obter a condenação de A

na diferença, ou seja nos €2.500)

Page 92: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 92

Competência Absoluta Internacional

Quanto ao pedido 2 remete-se para a resolução da al. a) do caso constante das

páginas 72 e seguintes: os tribunais portugueses seriam internacionalmente

competentes para conhecer da questão com base na aplicação do art. 2º/1 do

Regulamento 44º/2001 (domicilio do réu, neste caso de C, era em Portugal).

Quanto ao pedido 4: O critério geral da competência encontra-se consagrado no art.

2º do Regulamento 44/2001, sendo que tal depende do domicilio ou sede do

demandando: se é num dos Estados Membros ou fora da União Europeia.

Se o réu tiver domicílio num dos Estados Membros ele deve ser demandado

independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicilio,

nos termos do art. 2º/1. Nos termos do art. 3º/1, este réu somente pode ser

demandando perante os tribunais de um outro Estado Membro se tal resultar da

aplicação de uma competência especial prevista no art. 5º e ss do Regulamento ou

se tiver sido celebrado um válido pacto de jurisdição.

Nos termos do art. 4º/1, se o réu não tiver domicilio em qualquer um dos Estados

Membros a competência é regulada pela lei processual interna do Estado Membro

onde a acção foi intentada, sem prejuízo da aplicação das regras sobre

competências exclusivas, constantes no art. 22º, e por eventuais pactos de jurisdição

válidos, nos termos do art. 23º.

No presente caso, e de acordo com o critério geral do art. 2º, é necessário analisar se

o demandando possui domicílio ou sede no território de um Estado Membro da União

Europeia. Para tal é necessário recorrer ao art. 59º e 60º. No presente caso, a

sociedade A tem sede no Brasil pelo que aplicando o art. 60º al. a) e tomando em

consideração que não é uma situação que incida no âmbito de aplicação do art. 22º,

art. 5º nem que existe nenhum pacto de jurisdição, os tribunais internacionalmente

competentes para conhecer da questão seriam os tribunais brasileiros.

Deste modo, sendo internacionalmente competentes para conhecer do pedido 2 os

tribunais portugueses e sendo internacionalmente competentes para conhecer do

pedido 4 os tribunais brasileiros existe um obstáculo à reconvenção nos termos do art.

98º/1 do CPC.

Contudo, vamos analisar que mesmo que fossem os tribunais portugueses

competentes internacionalmente para conhecer de ambos os pedidos se a

reconvenção seria admitida.

Competência Absoluta em razão da Matéria

Quanto ao pedido 2 remete-se para a resolução da al. a) do caso constante das

páginas 72 e seguintes: os tribunais materialmente competentes seriam os de

competência genérica ou especializada de instância cível.

E quanto ao pedido 4? Quais os tribunais materialmente competentes? De acordo

com a natureza das matérias que são objecto dos conflitos de interesses, assim o

poder jurisdicional é atribuído a distintos tribunais. Nos termos do art. 66º CPC

consagra-se que a competência dos tribunais judiciais é residual no confronto com as

restantes ordens jurídicas de jurisdição permanente (art. 209º e ss. CRP – Tribunal

Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunais Administrativos, Tribunais Fiscais e Tribunais

Militares).

Page 93: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 93

Deste modo, a competência em razão da matéria distingue os tribunais judiciais

relativamente aos tribunais de outras ordens de jurisdição em função da

especialização das matérias em causa. Nos termos do art. 26º/1 da LOFTJ 2008 as

causas que não sejam da competência de outra ordem de jurisdição são da

competência dos tribunais judiciários.

No presente caso, considerando o art. 209º da CRP, as inerentes leis de organização

das diferentes ordens dos tribunais, o art. 66º do CPC e o art. 26º da LOFTJ 2008

estamos face a uma acção que tem por objecto a compensar os créditos e obter a

condenação de A na diferença tal é da competência dos tribunais judiciais.

Dentro da ordem de jurisdição dos tribunais judiciais, a lei distingue diferentes tribunais,

no tocante à competência em razão da matéria. Deste modo, e de acordo com o

art. 73º/2 da LOFTJ, os tribunais judiciais podem ser de:

Competência Genérica (art. 110º LOFTJ 2008): se o autor invoca factos que

permitem várias qualificações jurídicas, o tribunal que tenha sido provocado é

materialmente competente se no seu âmbito de competência couber, pelo

menos, uma das qualificações jurídicas. O tribunal embora competente,

somente pode analisar o caso à luz da qualificação para que seja

materialmente competente.

Competência Especializada (art. 111º e ss LOFTJ 2008): quando os factos

alegados pelo autor apenas autorizam uma determinada qualificação jurídica,

com exclusão de outras qualificações, o tribunal em que ele deduziu a acção

é competente, se e quando essa qualificação for subsumida no âmbito de

competência material desse tribunal.

No presente caso, a acção em questão insere-se nos termos do art. 74º/2 al. d) e art.

121º/1 al. c) (direito social enquanto direito de obter o reembolso de um contrato de

suprimento) pelo que seria competente materialmente o tribunal especializado de

comércio.

Deste modo, o tribunal materialmente para conhecer do pedido 2 (tribunal de

competência genérica ou especializada de instância cível) e o tribunal materialmente

competente para conhecer do pedido 4 (tribunal comercial de competência

especializada) não coincide pelo que existe (mais) um obstáculo à reconvenção nos

termos do art. 98º/1 CPC.

Deste modo, nos termos do art. 98º do CPC a reconvenção não é admissível uma vez

que o tribunal internacionalmente e materialmente competente para conhecer do

pedido 2 e do pedido 4 não é o mesmo. Deste modo, um tribunal conhece do valor

do contra crédito até aos €7.500 mas quanto aos €2.500 ter-se-á de se declarar

incompetente pelo que C terá de intentar uma acção contra a sociedade A, sendo o

objecto de tal a condenação em €2.500. Tal irá conduzir a que existam dois tribunais a

julgar a mesma questão, a avaliar o mesmo facto.

A consequência da não coincidência da competência absoluta do ponto de vista

internacional e material entre o pedido 2 e o pedido 4 tal irá conduzir à absolvição da

instância do réu, nos termos do art. 98º/1 in fine.

NOTA1: Quanto à força do caso julgado tal resulta do facto de se tratar de uma

defesa por excepção ou de reconvenção, encontrando-se a regra geral daquele

consagrada no art. 671º do CPC e a regra especial no art. 96º do CPC.

Page 94: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 94

NOTA2: Em ambas as posições que foram analisadas, ou seja, quer na posição da

jurisprudência maioritária, quer na posição da Prof. Maria dos Prazeres Beleza, existe

sempre a possibilidade de existir réplica, sendo que já quanto à tréplica está só é

admitida quando na contestação tenha existido reconvenção: na primeira posição

quanto aos €7.500 considera-se excepção pelo que não é admissível tréplica, mas na

segunda posição, na posição da regente, tal já seria admissível.

NOTA3: Quanto ao valor da causa, na reconvenção somam-se os valores o que tem

uma enorme relevância para efeitos de recurso.

c. Analise a réplica apresentada por A, considerando que, na mesma, A alegou

que:

TEMA: A RÉPLICA

RÉPLICA: é o terceiro articulado, pelo qual o aturo pode responder à contestação do

réu. É um articulado superveniente, uma vez que a sua dedução, nas acções

ordinárias e sumárias, está dependente da verificação de certos requisitos:

Quando o réu alegue, na contestação, alguma excepção e só serve para

responder à matéria deste – art. 502º/1 CPC

Quando o réu deduza pedido reconvencional, mas só para contestar o pedido

reconvencional e não para formular um novo pedido reconvencional

relacionado com o pedido reconvencional do réu – art. 502º/1 CPC

Nas acções de simples apreciação negativa, para o autor se pronunciar sobre

os factos constitutivos do direito alegado pelo réu: seja para impugnar, seja

para lhes opor factos impeditivos ou extintivos – art. 502º/2 CPC – e

acessoriamente, para o autor alterar o pedido e a causa de pedir – art. 273º/1

e 2 CPC – nos casos que anteriormente foram referidos, ou seja não é possível

apresentar réplica destinada unicamente a alterar o pedido e a causa de

pedir.

PRAZO DE APRESENTAÇÃO DA RÉPLICA: Deve ser apresentado no prazo de 15 dias,

contado a partir da notificação constante no art. 492º CPC, mas se o réu tiver

deduzido reconvenção ou nas acções de simples apreciação negativa o prazo é de

30 dias, (nestes casos, a réplica desempenha a mesma função de uma contestação).

i. Nunca assegurou que a compra da fracção incluía a garagem, pelo

que C alega falsamente e, como tal, deve ser condenado em multa

como litigante de má fé.

Como se pode constatar na resolução da hipótese b) i) o réu, C, defende-se por

impugnação directa/frontal. Oral, tendo em consideração a norma do art. 502º/1 e 2

a réplica apenas pode ser usada nos casos em que o réu se defende por excepção

ou reconvenção (art. 502º/1 CPC) e nas acções de simples apreciação negativa (art.

502º/2 CPC) pelo que neste caso a réplica não seria admitida (não se pode utilizar

uma réplica para responder a uma defesa por impugnação, quer esta seja directa

quer seja indirecta).

Nos termos do art. 201º CPC estamos face a uma nulidade que pode ser de dois tipos:

(1) total ocorrendo a desintegração da réplica no seu todo; (2) parcial ocorrente a

desintegração da réplica na parte em que é nula.

Page 95: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 95

‘’A’’ pretende ainda que C seja considerado litigante de má fé. Nos termos do art.

456º e ss CPC consagra-se a responsabilidade no caso de má fé, sendo que se no

processo, alguém esta a litigar de má fé, de acordo com a referida norma, ‘’a parte

será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta pedir’’.

Para se saber se alguém está a litigar de má fé, neste caso para saber se C é

verdadeiramente litigante de má fé, é necessário recorrer ao nº2 da norma em

análise. No presente caso, tendo em consideração o que foi invocado por A e se tal

for verdade, C seria considerado litigante de má fé por aplicação da al. a) e da al. b)

do nº2. Do nº2 da norma em análise decorre que deste modo, sendo C litigante de má

fé, será sempre admitido recurso mesmo que a outra acção não o admita.

Em suma, estamos face a uma réplica que é nula nos termos do art. 502º/1 e 2 e do

art. 201º CPC, na medida em que tal consiste numa resposta a uma defesa que é feita

por impugnação directa/frontal. Pretendendo o autor, A, fazer um pedido de

condenação por litigância de má fé deverá faze-lo num processo autónomo.

NOTA: Ao contrário do que sucede em Processo Penal, o réu terá de litigar de boa fé

nos termos do art. 456º CPC. Em Processo Civil existe um dever de colaboração das

partes para a descoberta da verdade nos termos do art. 519º CPC. Note-se que o

silêncio poderá conduzir à inversão do ónus da prova.

ii. Nunca recebeu qualquer quantia de C a título de mútuo.

Quando C invoca que já teria dado a A €7.500 (al. b) iv)) como foi analisado

oportunamente tal poderá consistir numa excepção (posição da jurisprudência

maioritária) ou num pedido reconvencional (posição da Prof. Maria dos Prazeres

Beleza). Contudo, posições doutrinárias à parte, na resolução do presente caso, tal é

indiferente, uma vez que nos termos do art. 502º/1 a réplica é admitida tanto como

resposta à defesa por excepção como resposta à reconvenção.

d. Admita agora que nenhum dos réus contestou a acção, sendo certo que C e D

foram citados por carta registada com aviso de recepção e que B foi citado

editalmente.

TEMA: CITAÇÃO, CONTESTAÇÃO E REVELIA

i. explique quais são as consequências resultantes da falta de

contestação, quer do ponto de vista dos réus, quer no que respeita à

marcha do processo;

Nos termos do art. 233º/1 CPC a citação pode ser de duas modalidades: pessoal ou

edital. Quanto a C/D estamos face a uma citação pessoal (‘’’’foram citados por carta

registada com aviso de recepção’’) nos termos do art. 233º/2 al. b) CPC. Quanto a B

estamos face a uma citação edital. Note-se que a citação edital, ao contrário da

citação pessoal que é a regra, é a é a excepção, ocorrendo quando o citado se

encontre em parte incerta (art. 244º e 248º CPC) ou quando sejam incertas as pessoas

a citar (art. 233º/6 CPC) – art. 251º CPC. Esta modalidade de citação é o ultimo

recurso, sendo que se utiliza tal quando não for possível citar o reu por qualquer outra

via e após terem resultado infrutíferas as buscas efectuadas nas bases de dados – art.

244º/1 CPC. Realiza-se mediante a afixação de ditais e a publicação de anúncios –

art. 248º a 252º CPC.

Page 96: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 96

Sendo a pessoa citada, começa a correr o prazo para constar que, no processo

comum ordinário, é de 30 dias nos termos do art. 486º CPC. Note-se que a este prazo

pode-se acrescer uma dilação.

No presente caso nenhum dos réus contestou e tendo em consideração que dois dos

réus foram citados pessoalmente e o outro citado editalmente é necessário analisar

estes dois casos de forma autónoma.

Quanto a C/D – Citação Pessoal

Se o réu, citado pessoalmente ou tendo juntado procuração, não contestar dentro do

prazo estabelecido, nem constituir mandatário, ou não intervir de qualquer forma no

processo, diz-se que ele entra em revelia nos termos do art. 484º/1 CPC. Se além de

não deduzir qualquer oposição, o réu não constituir mandatário nem intervier de

qualquer forma no processo, o tribunal verificará se a citação foi feita com as

formalidades legais e ordenará a sua repetição quando encontre irregularidades nos

termos do art. 483º CPC. Se não encontrar irregularidades, o réu entra em revelia e de

seguida apura-se se tal revelia é operante ou inoperante:

Revelia Operante: implica a confissão dos factos articulados pelo autor nos

termos do art. 484º/1 CPC. Esta é uma cominação que atinge o réu pela não

realização da descoberta da verdade material. Ou seja, o réu, mesmo que

nada declare, reconhece ou admite todos os factos articulados na petição.

Há uma cominação semi plena e o tribunal irá julgar a causa conforme o

direito constituído, pese embora tal comportamento omissivo conduza, por via

de regra, à procedência do pedido. Não há, note-se, uma incontornável e

fatal condenação imediata no pedido como consequência da revelia

operante, não há uma cominação plena. Pelo contrário, os factos

reconhecimentos por falta de contestação podem determinar a procedência

da acção como podem conduzir à absolvição do réu da instância ou do

pedido. Se assim for, esse comportamento omissivo altera profundamente a

marcha do processo; este comportamento omissivo do réu produz um efeito

de encurtamento substancial do processo. Não há mais articulados, não há

saneador, pois não há factos que devam ser dados como assentes e também

não há factos controvertidos, a carecer de prova; não há, de igual modo,

instrução, nem logicamente, discussão da matéria de facto uma vez que o

tribunal não tem que considerar provados ou não provados certos factos.

Dado que aqui não há factos controvertidos, os factos articulados pelo autor

serão tomados como tal na sentença final – art. 659º/3 CPC. Ou seja, passa-se

imediatamente da petição inicial para a fase da discussão escrita da causa

(alegações escritas dos advogados, maxime, do advogado do autor, pois o

réu entrou em revelia operante – art. 484º/2 CPC. Note-se, contudo, que na

revelia operante, o réu tem a faculdade de, querendo, alegar por escrito,

sobre a matéria de direito, desde que tenha advogado constituído, pois trata-

se de acções com declarativas comuns na forma ordinária. De seguida é

proferida a sentença, julgando a causa conforme for de Direito. Isto é, o juiz

tanto pode condenar o réu no pedido, total ou parcialmente, como pode

absolve-lo da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de

que o tribunal tenha conhecimento oficioso).

Page 97: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 97

Revelia Inoperante: situações em que, a despeito de o réu não ter

apresentado contestação, e apesar de ter sido citado na sua própria pessoa,

não se consideram confessados os factos articulados pelo autor na petição

inicial

Revelia (Inoperante) Absoluta: embora o réu não tenha contestado,

nem juntado procuração a constituir mandatário judicial e não tendo

praticado qualquer acto de intervenção do processo, não se

consideram confessados os factos articulados, sendo o réu só

notificado da sentença final – art. 255º/4 CPC

Revelia (Inoperante) Relativa: quando o réu não contestou, mas

constitui mandatário no processo ou interveio, de alguma forma, na

acção, não se consideram confessados os factos articulados pelo

autor, sendo o réu revel (ou o seu mandatário – art. 253º CPC)

notificado para actos processuais, mas não podendo requerer

depoimento pessoal do autor – art. 552º/2 CPC a contrario sensu – nem

arrolar testemunhas – art. 638º/1 CPC, a contrario sensu.

Situações em que, apesar destas cautelas quanto à citação pessoal,

não se consideram confessados os factos articulados pelo autor, ainda

quando o réu não tenha contestado nem junto a referida procuração

forense no prazo da contestação:

1. Não se consideram confessados os factos articulados pelo

autor, havendo vários réus, só algum ou alguns deles

contestarem – art. 485º al. a) CPC. Se o(s) réu(s) contestante(s)

tomarem posição definida sobre os factos alegados pelo autor

na petição, os restantes não contestantes aproveitam dessa

impugnação, mas já sofrem as consequências da falta de

impugnação previstas no art. 490º/2 CPC, relativamente aos

factos que o(s) contestante(s) impugnarem.

Imagine-se que tendo por base o caso em análise, B

contesta o pedido da garagem mas nada diz quanto

ao pagamento de C/D – tais factos dão-se como

confessados.

A norma em análise, art. 485º al. a) CPC, respeita a que

situação de pluralidades de partes: só situações de

litisconsórcio necessário ou também contempla as

situações de litisconsórcio voluntário?

Tendo em consideração o art. 29º do CPC

parece que a interpretação do art. 485º al. a) do

CPC deve ser realizada de forma sistemática.

Page 98: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 98

Litisconsórcio Voluntário: Se os consortes tiverem

posições independentes não pode um consorte

que não contestou beneficiar da contestação

do outro consorte;

Litisconsórcio Necessário: a posição de um dos

consortes não é indiferente da posição dos

outros consortes, independentemente que tal

tenha efeitos favoráveis ou desfavoráveis.

Problema: o processo terá duas velocidades

quanto (1) aqueles que contestaram (ocorrem

todas as fases da marcha do processo); (2)

aqueles que não contestaram (passa-se da fase

dos articulados para a fase da discussão e

julgamento). Ou seja, os mesmos factos, na

mesma acção, para uns são verdade e para

outros não. Tal consubstancia uma situação

anómala e inexequível na prática.

Solução da Doutrina e Jurisprudência: embora

antigamente defendessem uma interpretação

restritiva da situação em análise, ou seja que o

art. 485º al. a) apenas se aplicava às situações

de litisconsórcio necessário, hoje, devido aos

problemas que tal interpretação acarreta,

entendem que deve se considerar que a referida

norma se aplica tanto às situações de

litisconsórcio necessário como às situações de

litisconsórcio voluntário.

2. A revelia inoperante ocorre ‘’Quanto o réu ou algum dos réus

for um incapaz’’ e a relação material litigada se situar na área

da incapacidade – art. 485º al. b) CPC. Note-se que esta

modalidade de revelia inoperante é de difícil verificação, visto

que a falta de contestação do incapaz importa a citação do

MP (art. 15º CPC), correndo novo prazo para a contestação; só

se verifica a revelia inoperante se o MP não oferecer

contestação no novo prazo que lhe é reconhecido.

Embora estejamos a analisar a revelia inoperante na

citação pessoal importa referir que esta alínea se refere

à citação edital: só se aplica a situação de revelia

inoperante às citações editais acompanhadas de

revelia absoluta? Imagine-se que o citado editalmente

apenas nomeia mandatário judicial ou indica a morada

actual: não se pode aplicar esta alínea?

Page 99: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 99

Segundo a Prof. Maria dos Prazeres Beleza para se

aplicar a regra constante do art. 485º al. b) o citado

editalmente só beneficia de tal ‘’excepção à revelia’’

se tiver se mantido numa situação de revelia absoluta.

3. A revelia é inoperante quando a vontade das partes é ineficaz

para, em exclusivo, produzir o efeito jurídico visado pela acção

– art. 485º al. c) CPC - ou seja quando a acção respeita a

relações jurídicas indisponíveis, o que se coaduna com a regra

do art. 490º/2 CPC (factos inconfessáveis, sobre os quais não

pode haver admissão por acordo) embora este ultima preceito

tenha um âmbito mais limitado, uma vez que só se aplica a

certos factos e não a todos os factos articulados pelo autor na

petição.

Acção de divórcio, sem consentimento de um dos

cônjuges, de investigação da

paternidade/maternidade, de impugnação da

paternidade presumida, de anulação do casamento

civil, etc. – São acções de estado e dizem respeito a

relações jurídicas subtraídas à vontade das partes. A

falta de contestação do réu não exime o autor da

prova dos factos que alega na petição, pelo que terá

de haver saneamento (mas não a selecção da matéria

de facto controvertida), instrução, audiência de

discussão e julgamento (da matéria de facto) e da

sentença final. Tal não significa que a acção seja

julgada procedente, uma vez que pode suceder que,

independentemente da falta de contestação do réu, o

juiz não constitua ou extinga a relação jurídica que lhe é

pedido na petição, julgando a acção improcedente,

por motivo de o autor não ter conseguido provar os

factos subjacentes ao erro sobre as qualidades

essenciais do outro cônjuge ou a coação moral (na

acção de anulação de um casamento).

Esta norma refere-se a direitos indisponíveis. Razão: por

via processual, se tal não consubstanciasse uma

excepção à revelia, obtia-se um efeito que se encontra

vedado a nível substantivo.

Page 100: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 100

Antigamente, o divórcio por mutuo consentimento só

podia ocorrer passados 3 anos uma vez que se visava

evitar os ‘’casamentos à experiência’’. O que acontecia

é que muitas vezes as pessoas queriam separar-se antes

de decorrido o prazo de 3 anos pelo que, se não

existisse esta regra, podiam combinar que um iria propor

a acção e o outro não contestava o que conduzia a

que se produzissem os efeitos da revelia: os factos eram

dados como confessados.

Actualmente, não havendo contestação, em matéria

de diretos indisponíveis, é sempre necessário existir prova

dos factos alegados na petição inicial pelo autor.

4. A revelia é inoperante quando se trate de factos para cuja

prova se exija documento escrito – art. 485º al. d) CPC. Só se

consideram confessados os factos alegados pelo autor que

carecem de prova documental.

Numa acção de execução específica de contrato

promessa em que o autor peça, igualmente, a título de

pedido subsidiário (para o caso de não proceder o

pedido principal), a condenação do réu em

indemnização por responsabilidade civil pré contratual

nos preliminares da celebração desse contrato

promessa – art. 227º CC – a falta de contestação do réu

só inviabiliza a procedência do pedido principal (a

execução especifica do contrato promessa, ai onde a

sentença faz as vezes ou substitui a declaração negocial

do promitente faltoso), uma vez que a prova do

contrato promessa só pode fazer-se mediante a

apresentação do documento escrito comprovativo do

contrato (na hipótese de o autor também não

apresentar tal documento) mas não impede que o

tribunal aprecie e julgue o referido pedido (subsidiário)

de indemnização.

Do ponto de vista do Direito Civil para a prova de certos

factos exigem-se determinados tipos de meios

probatórios. Por exemplo: pode-se provar a celebração

de um contrato de compra e venda de um bem imóvel

através de prova testemunhal? Não, a lei exige para a

prova de tal a existência de escritura pública ou

documento particular autenticado. Exige-se sempre

documento escrito.

Page 101: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 101

No Caso: C/D foram citados pessoalmente como oportunamente foi analisado e nada

fizeram, ou seja: (1) não contestaram; (2) não constituíram mandatário judicial; (3) não

intervieram de qualquer forma no processo. Tendo como pressuposto que a citação

foi feita com as formalidades legais, ou seja realizada correctamente, C/D encontram-

se em revelia absoluta nos termos do art. 483º CPC. Deste modo, nos termos do art.

484º/1 CPC, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Estando face

a uma revelia (operante) absoluta, nos termos do art. 484º/2 CPC, ocorrerá uma

supressão de certas fases da marcha do processo, passando-se directamente da fase

dos articulados para a fase da discussão e julgamento da matéria de direito a fim que

o juiz posteriormente a tal realize a sentença.

Nos termos do art. 484º/3 CPC, se a causa for de grande simplicidade a sentença

poderá limitar-se à parte decisória devido à confissão dos factos (trata-se de uma

confissão ficta que assenta numa presunção inilidível sobre a veracidade daqueles

factos).

No presente caso considera-se que não existe nenhuma excepção constante no art.

485º pelo que se considera que os efeitos da revelia, constantes no art. 484º CPC, se

produzem.

Quanto a B – Citação Edital

Nos termos do art. 483º CPC, B encontra-se em revelia absoluta. Contudo não se

podem aplicar as consequências que resultam do art. 484º CPC uma vez que é

necessário atender ao art. 485º al. b) in fine do CPC ‘’Não se aplica o disposto no

artigo anterior (leia-se no art. 484º CPC)(…) Quanto o réu (…) houver sido citado

editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta.’’

A razão da protecção oferecida pelo legislador ao citado editalmente deve-se ao

facto de existir uma grande probabilidade deste não tomar conhecimento efectivo

que existe a acção a correr contra ele. A citação edital é um meio que assegura a

cognoscibilidade mas não o conhecimento.

Deste modo, por aplicação do art. 483º, 484º e 485º al. b) in fine do CPC os factos

alegados na petição inicial não são considerados como provados relativamente a B.

O processo irá decorrer normalmente (leia-se terá todas as fases da marcha do

processo), embora possa considerar-se que a fase dos articulados, uma vez que não

existe contestação e consequentemente lugar a réplica, termina neste momento.

Conjugação da situação de C/D com a situação de B

Anteriormente concluímos que quanto a C/D existindo uma citação pessoal e

aplicando o art. 483º e art. 484º CPC os factos serão considerados como confessados

mas quando a D, uma vez que este foi citado editalmente, por aplicação da

excepção constante do art. 485º al. b) in fine CPC os factos não serão dados como

confessados. Ora daqui resulta um enorme problema: estando face a uma situação

em que existem co réus ocorre uma situação em que os mesmos factos são dados

como provados quanto a uns (C/D) e não quanto a outros (B). Tal conduz a que

existam duas tramitações processuais distintas. Tais tramitações processuais,

aparentemente distintas, tem de passar a coexistir. Ou seja, numa situações como esta

a paralisação dos efeitos da revelia aproveita aos outros co réus (C/D) de modo a

salvaguardar dois aspectos: (1) que os mesmos factos, na mesma acção, não sejam

considerados como provados quanto a uns e não provados quanto a outros; (2) existir

uma tramitação a correr em dois planos diferentes. Note-se que a paralisação dos

efeitos da revelia aproveita apenas ao factos que são comuns.

Page 102: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 102

NOTA1: E se o autor, A, na petição inicial tiver anexado a certidão de compra e venda

(art. 523º/1 CPC)? Tal consubstancia uma excepção da revelia, mas concretamente a

que se encontra presente na al. d) do art. 485º? A consequência da revelia presente

no art. 484º CPC não exonera o juiz de cumprir certos deveres a que se encontra

obrigado na descoberta da verdade e na verificação de pressupostos processuais. O

juiz confrontado com a falta de contestação se concluir que a citação ocorreu

normalmente irá aplicar a consequência constante no art. 484º CPC, sendo

necessário, analisando a petição inicial, quais os factos considerados provados, não

podendo considerar como provados factos para os quais a lei exige documento

escrito. Se tais factos se encontram provados na petição inicial o juiz aplicará a

consequência do art. 484º CPC, a menos que outra excepção constante do art. 485º

do CPC se verifique. É sempre necessário atender que em matéria probatória vigora o

Princípio do Inquisitório nos termos do art. 265º/3 CPC.

NOTA2: a al. d) do art. 485º CPC vale para os factos em que a lei exige documento

escrito, sendo que os restantes factos, não sendo objecto de contestação, serão

dados como provados.

ii. diga se, apesar de os réus não terem contestado, C e D podem vir ao

processo, passado o prazo da contestação, invocar:

TEMA: PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA NA CONTESTAÇÃO E SUAS

‘’EXCEPÇÕES’’

Nos termos do art. 489º/1 CPC, a defesa – toda a defesa que o réu queira apresentar –

deve ser deduzida na contestação. Tal traduz o Princípio da Concentração da Defesa,

sendo que se tal princípio não for respeitado fica precludida a possibilidade de

invocar factos que, devendo ser alegados nesse momento, não o foram.

(i) a incompetência territorial do tribunal onde a acção foi

proposta;

Tendo por base a resolução da al. a) do presente caso o Tribunal Territorialmente

Competente para conhecer do mérito da questão seria o Tribunal de Lisboa (página

78º).

Tendo por base o Princípio da Concentração da Defesa na Contestação consagrado

no art. 489º/1 CPC é necessário atender ao nº2 que consagra ‘’Depois da

contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa (…)

que a lei expressamente admita passado esse momento (leia-se a contestação), ou

de que se deva conhecer oficiosamente’’.

Ora, no presente caso C/D pretende invocar a incompetência territorial que sendo um

caso de incompetência relativa e aplicando o art. 109º CPC deverá ‘’ser arguida pelo

réu, sendo o prazo de arguição o fixado para a contestação’’. Contudo, nos termos

do art. 110º/1 al. a) (aplicação do art. 74º/1 do CPC – Tribunal de Lisboa), neste caso,

estamos face a uma situação de incompetência relativa que é de conhecimento

oficioso.

Deste modo, sendo uma questão de conhecimento oficioso, por aplicação do art.

489º/2, art. 109º e art. 110º/1 al. a), C/D poderiam invocar tal incompetência relativa

passado o prazo de contestação.

Page 103: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 103

(ii) o pagamento dos créditos invocados por A.

Tendo sempre por base o Princípio da Concentração da Defesa na Contestação

constante no art. 489º/1 CPC é necessário contudo atender ao constante do nº2 da

referida norma. Nos termos do nº2 é possível invocar-se, passado o prazo da

contestação, factos supervenientes. Tais factos supervenientes encontram-se

consagrados no art. 506º do CPC.

A questão que se coloca é a de saber se o pagamento consubstancia ou não um

facto superveniente nos termos do art. 506º do CPC. Ora, a resposta é negativa. Deste

modo, tomando em consideração o Princípio da Preclusão, até a termo do prazo

para contestar, o réu terá de concentrar na mesma toda a sua defesa.

Note-se que nos termos do art. 264º CPC, o juiz poderá tomar em consideração factos

não alegados pelas partes, desde que tais sejam instrumentais ou concretizadores.

Contudo, o pagamento consubstancia um facto essencial para a procedência da

acção tendo de ser invocado na petição inicial ou na contestação (no caso em

análise, na contestação). Deste modo, nos termos do art. 264º e do art. 489º/1 teria de

ter sido invocado na contestação, não podendo ser invocado posteriormente.

NOTA1: Nos termos do art. 496º do CPC, o tribunal conhece dos efeitos jurídicos da

alegação dos factos. Se na contestação se invocar o pagamento do preço mas não

se disser que consequentemente a dívida se encontra extinta, o juiz poderá no

entanto retirar tal conclusão devido ao facto de o juiz ser libre na interpretação das

normas e na sua aplicação aos factos nos termos do art. 664º.

NOTA2: Analisar atentamente o regime constante do art. 314º e ss CPC.

VI – Prova

CASO XVI

André emprestou a Bernardo a sua casa, na zona de Santarém, para que este a usasse

durante a conclusão da sua tese de doutoramento, por a mesma se situar no campo e

poder proporcionar um ambiente de silêncio e reflexão. Terminada a tese, Bernardo

devolveu as chaves da casa a António. Decorrida uma semana sobre essa devolução,

António foi passar o fim de semana à sua casa de campo e deparou com sinais

evidentes de uma inundação e com prejuízos superiores a € 50.000,00. Após constatar

a rejeição de qualquer responsabilidade pelo acidente por parte de Bernardo, António

propôs uma acção contra aquele, na qual pediu a sua condenação no pagamento

de uma indemnização por € 50.000,00, alegando que Bernardo deixara uma torneira

aberta a pingar, causando a inundação. Bernardo defendeu-se na contestação

dizendo que se a torneira pingara tal se devera ao facto de ser uma torneira antiga,

que vedava mal. Admitindo que ficou provado que a inundação fora causada por

aquela torneira, mas que não ficou provado se a mesma ficara aberta ou se vedava

mal, como deverá o tribunal julgar esta acção?

TEMA: PROVA (EM GERAL) E ÓNUS DA PROVA

ÓNUS DA PROVA SUBJECTIVO: a demonstração da realidade dos factos controvertidos

cabe às partes.

Cada uma das partes deverá tentar demonstrar um acervo de afirmações de factos

constantes dos articulados que juntaram aos autos. Se uma delas (ou ambas) não

cumprir essa demonstração (ou ónus) o tribunal está impedido de se abster de julgar,

mesmo que esteja com dúvidas insanáveis – art. 8º/1 CC.

Page 104: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 104

Este sistema subectivo da prova das afirmações dos factos implica a distribuição pelas

partes do encargo de demonstração de um certo conjunto de afirmações. Todavia tal

sistema é temperado por um sistema objectivo: a consequência da falta de

demonstração da realidade desses factos ou a dúvida insanável que sobre essas

afirmações de factos se abate na convicção do julgador importa a demonstração do

facto contrário.

Nos termos do art. 516º CPC, perante a falta de prova das afirmações de facto

aduzidas pelo autor, o tribunal ficciona como provadas as afirmações de facto

aduzidas pelo réu e emite uma decisão desfavorável á parte a quem compre, nos

termos da lei, demonstrar a realidade das afirmações de facto.

O ónus da prova implica a questão de saber a quem compete a prova dos factos

controvertidos. Nos termos do art. 342º/1 CC ‘’Àquele que invocar um direito cabe a

prova dos factos constitutivos do direito alegado’’. À contraparte cabe a prova dos

factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado nos termos do nº2 da

norma em análise. Por exemplo, os factos modificativos favoráveis ao autor devem por

este ser provados. Ao réu cabe demonstrar e convencer o tribunal acerca da

verificação dos factos modificativos que lhe são favoráveis. Ou seja, uma vez que a

identificação dos factos não é sempre a mesma (existem factos de maior facilidade

de identificação do que outros) existe a norma constante do nº2 do artigo em análise,

consagrando-se deste modo a Teoria da Norma. Note-se que em caso de dúvida, nos

termos do nº3 consagra-se que, os factos devem ser considerados como factos

constitutivos do direito.

Conjugando as regras constantes no Código Civil (art. 342º) e a Teoria da Norma

resulta que é necessário identificar a norma que consagra o direito que se pretende

fazer valer na acção, cabendo ao autor fazer a prova que integram a sua provisão; o

réu terá de provar a excepção e a sua previsão para aproveitar da estatuição desta

mesma excepção.

Ou seja, cada parte deverá alegar e provar os factos correspondentes à previsão da

norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção, ou seja, cada parte tem

ónus de demonstrar a existência de todos os pressupostos das normas que favorecem

e legitimam legalmente a sua pretensão, sem prejuízo de o julgador poder usar

alguma flexibilidade, atendendo à maior u menos verosimilhança dos factos alegados.

Note-se que o art. 342º do CC consagra a regra geral do ónus da prova, mas existem

regras excepcionais que o legislador previu e que fogem aos critérios gerais da norma

que foi analisada. Tais regras excepcionais encontram-se consagradas no art. 343º e

344º CC. Nestes casos o ónus da prova deixa de pender sobre uma das partes e passa

a pender sobre as outras, ou seja, ocorre a inversão do ónus da prova. Nos termos do

art. 345º rege-se ainda o caso das convenções sobre as provas.

No presente caso estamos face a uma acção de condenação em responsabilidade

civil contratual (art. 1129º - contrato de comodato), pelo que o autor (André) que

pretende ser indemnizado uma vez que fora incumprido o contrato terá de provar os

factos constitutivos do seu direito (art. 342º do CC e Teoria da Norma).

No presente caso, André (autor) quando reclama a indemnização está a

responsabilizar Bernardo (devedor) com base no art. 798º do CC, pelo o autor terá de

provar os factos. Ou seja, os factos integradores da responsabilidade civil contratual,

em principio, teriam de provados pelo autor. Contudo, o art. 799º CC consagra uma

situação de inversão do ónus da prova, derivando tal do regime do comodato mais

concretamente do art. 1135º al. a) e d) CC.

Page 105: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 105

Mesmo tendo em consideração o art. 798º do CC aplica-se o regime geral do ónus de

prova constante do art. 342º CC, cabendo ao autor provar os factos que alega.

Contudo quando se trata de apurar a culpa do devedor aplica-se o art. 799º CC

cabendo ao devedor provar que a situação (a inundação no caso) não se deveu a

culpa sua. Note-se que o regime geral da responsabilidade civil contratual pressupõe

a culpa.

Note-se que no art. 799º do CC encontra-se consagrado um meio de prova: a Prova

Presunção. Deste modo é necessário provar o facto base por outro meio de prova, por

exemplo o incumprimento. Provando-se tal, dai retira-se o facto presuntivo, ou seja a

culpa. Poderá ocorrer a inversão do ónus da prova quando exista uma presunção

legal nos termos do art. 344º/1 primeira parte (no art. 799º consagra-se uma presunção

legal).

Deste modo, constatando o juiz que exista uma dúvida insanável no tocante à origem

da ‘’abertura’’ da torneira (‘’não ficou provado se a mesma ficara aberta ou se

vedava mal’’) irá decidir contra Bernardo se tal não tiver afastado a presunção de

culpa que sobre ele recai nos termos do art. 799º CC.

NOTA1: O Direito Probatório Material (art. 348º e ss do Código Civil) é constituído pelo

ónus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e o valor dos mesmos. Por sua

vez o Direito Probatório Formal (CPC) traduz o procedimento pelo qual a prova é

realizada.

NOTA2: Nos art. 346º e 347º do CC faz-se menção ao valor dos meios probatórios,

podendo tal ser de dois tipos (1) prova com valor probatório bastante; (2) prova com

força probatória plena.

NOTA3: O art. 341º do CC constitui a regra, ou seja as provas têm a função de

demonstração dos factos e não do direito. O art. 348º do CC respeita à invocação do

direito consuetudinário, local ou estrangeiro e constitui uma excepção à norma

referida uma vez que se refere à prova do direito (exemplo: alega-se que existe um

costume com conteúdo tal em local X).

NOTA4: Um facto por vezes pode-se provar sem se ter afastado a presunção de culpa

uma vez que visa-se a descoberta da verdade material e não apenas a formal. Tal

resulta do art. 515º CPC que consagra o Princípio da Aquisição Processual.

NOTA5: A resolução do caso foi realizada com base numa situação de

responsabilidade contratual. Se se tratasse de uma questão de responsabilidade

extracontratual a solução seria difícil uma vez que não existe nesta inversão do ónus

da prova, pelo que nos termos do art. 487º/1 CC caberia ao autor provar os factos

que alega.

NOTA6: Imaginemos uma situação de responsabilidade contratual em que o credor,

face ao incumprimento por parte do devedor, não requer a condenação numa

indemnização mas sim a condenação no cumprimento do contrato. Não ficando

provado o incumprimento do contrato coloca-se a questão de saber a quem cabia o

ónus da prova de tal. O cumprimento é um facto extintivo da obrigação pelo que, nos

termos do art. 342º/2 CC, cabe ao réu provar tal. Contudo, a questão do

incumprimento seria um facto constitutivo do direito do autor pelo que a sua prova

cabia a este. Quando se fala em cumprimento ou incumprimento está se a qualificar

um facto que é o mesmo, sendo que o ónus de prova do mesmo é que varia. Ou seja:

Page 106: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 106

Quando se pretende provar o cumprimento, tal é um facto extintivo da

obrigação, pelo que cabe ao réu provar – art. 342º/2 do CC

Quando se pretende provar o incumprimento, tal é um facto constitutivo do

direito do autor pelo que cabe a este prova-lo – art. 342º/1 do CC.

NOTA7: Estudar a matéria do ónus da prova pelo PROF. ANTUNES VARELA

CASO XVII

Carlota propôs uma acção contra Diogo pela qual pediu ao Tribunal que declarasse

que nada devia a Diogo ao abrigo do contrato de mútuo celebrado com este dois

anos antes. Alegou para tanto que a obrigação de reembolso da última tranche ficara

sujeita à condição de os juros pagos até determinada data não excederem a quantia

de € 15.000, tendo os mesmos excedido, na verdade, tal valor em € 5.000. Na

contestação, Diogo alegou existir a dívida e impugnou que o reembolso da última

tranche tivesse ficado sujeito a qualquer condição. Considerando que o juiz não

considerou provada a dívida e o acordo sobre a condição, como deverá ele decidir a

causa?

TEMA: (INVERSÃO DO) ÓNUS DA PROVA

Dados do Caso:

Contrato de Mútuo provado (Diogo, na contestação, confirma que havia

celebrado com Carlota tal contrato mas invoca que nunca tal contrato havia

ficado sujeito à verificação de uma condição)

Carlota invoca a existência de uma condição que se admitida e se verificada

a exonerava de pagar a última tranche/prestação a Diogo

Tribunal não consegue apurar se a condição foi ou não combinada

Nos termos do art. 343º/3 CC, as acções fundadas em direito sujeito a condição,

suspensiva ou a termo inicial – direito subordinado, portanto, a cláusulas acessórias do

negócio jurídico de onda brota tal direito – é ao autor que cabe a prova de que o

facto futuro (termo ou condição), de que depende a produção dos efeitos da

situação que invoca, se verificou (in casu, a condição suspensiva) ou venceu (no caso

do termo inicial). Pelo contrário, se o direito estiver subordinado a uma condição

resolutiva ou a um termo final, compete ao réu a demonstração da verificação da

condição ou do vencimento do prazo, já que estes últimos factos são extintivos do

direito do autor. Ou seja, na norma em análise consagra-se um caso especial de

repartição do ónus da prova, dependendo tal de estar se face a uma condição

suspensiva ou resolutiva ou à verificação de um termo.

Contudo aplicando o art. 343º/3 CC ao caso concreto acarreta um problema: as

partes convencionaram uma cláusula acessória pela qual subordinaram os efeitos

jurídicos do contrato? Não. O que as partes convencionaram é que ‘’a obrigação de

reembolso da última tranche ficara sujeita à condição de os juros pagos até

determinada data não excederem a quantia de (…)’’. O contrato foi celebrado e é

válido a questão que se coloca é quanto ao (in)cumprimento da última prestação.

Deste modo não se podendo aplicar o art. 343º/3 CC é necessário atender ao art.

343º/1 CC.

Page 107: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 107

Nas acções de simples apreciação negativa é o réu a quem a lei onera com a prova

da demonstração dos factos constitutivos da situação negada pelo autor ou, o que é

o mesmo, os factos constitutivos do direito em que o réu se arroga. É mais fácil ao réu

provar a existência de um direito ou de facto (o que por ele é alardeado) do que

impor ao autor a demonstração de um facto negativo ou da inexistência de um

direito, já que isso implicaria uma prova quase diabólica.

Ou seja, nos termos do art. 343º/1 CC é ao réu a quem cabe a prova dos factos

constitutivos, uma vez que se considera que, em bom rigor, a acção deveria ter sido

proposta por ele (réu). Note-se que a inexistência da condição consubstancia um

facto constitutivo do direito de crédito.

Divergência Doutrinal entre o PROF. ANTUNES VARELA vs PROF. MARIA DOS PRAZERES

BELEZA:

PROF. ANTUNES VARELA: Defende que quando se está face a uma obrigação

condicional (sujeita a uma condição) cabe àquele que pretende invocar o

direito provar que a sua obrigação é pura (sem condição), pelo que terá de

provar que a condição não existe, que não foi celebrado qualquer acordo

nesse sentido.

PROF. MARIA DOS PRAZERES BELEZA: Defende que quando se alega uma

condição na verdade está se a alegar um facto relativamente ao qual a

produção dos efeitos jurídicos de um contrato fica suspenso ou irá terminar

(suspensiva ou resolutiva).

Se for uma condição suspensiva, os efeitos jurídicos do contrato não se

produzem enquanto a condição não se verificar o que deste modo

impede a produção dos efeitos jurídicos gerando um efeito impeditivo

Se for uma condição resolutiva verificada a condição os efeitos jurídicos

do contrato extinguem-se sendo deste modo um facto extintivo.

Nesta circunstância aplica-se o art. 343º/3 cc

No presente caso, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa iria-se

aplicar o art. 343º/1 do CC sendo necessário distinguir o seguinte:

Tratando-se de um facto constitutivo caberia ao réu (Diogo) provar. Tal seria

macabro no caso concreto: Diogo teria de provar a existência de uma

condição que invoca que não existe.

Tratando-se de um facto extintivo (solução aplicável ao caso devido ao

resultado que existiria se considerássemos tratar-se de um facto constitutivo)

caberia ao autor (Carlota) provar.

NOTA: O art. 343º/1 é uma norma interpretada pela jurisprudência e pela doutrina de

forma restritiva. Ou seja, a inversão só ocorre quando a dúvida acerca da existência

do direito tiver sido provocada pelo réu, uma vez que só nesta circunstância é que ele

terá de ser onerado pelo ónus da prova.

Page 108: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 108

CASO XVIII

Eduardo instaurou contra Francisco uma acção pedindo a restituição de uma quantia

que diz ter-lhe emprestado, no valor de € 5.000,00. Junta, para o efeito, um

documento, que diz ter sido assinado por ele próprio e por Francisco, com o seguinte

conteúdo:

«Por este documento, Francisco reconhece que Eduardo lhe emprestou a quantia de €

5.000,00, dos quais € 1.000,00 foram já pagos.

Lisboa, ……….

a) assinatura de Eduardo

b) assinatura de Francisco».

Diga se este documento prova o empréstimo e a falta de pagamento.

TEMA: PROVA DOCUMENTAL

Nos termos do art. 362º CC consagra-se que a ‘’Prova documental é a que resulta de

documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim

de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto’’.

No presente caso estamos face a um documento particular simples, uma vez que não

se enquadra no âmbito do art. 362º/2 e 3. Não existe qualquer intervenção notarial ou

de qualquer outra pessoa com poderes de autenticação: este documento escrito é

apenas assinado pelo Eduardo e pelo Francisco.

Note-se que poder-se-ia pensar em aplicar as normas constantes do art. 370º e 371º

CC, mas uma vez que tais respeitam ao valor probatório dos documentos autênticos e

estamos face a um documento particular simples é necessário atender ao disposto no

art. 374º e 376º CC.

É de salientar que sempre que se está face a uma prova documental é necessário

realizar duas fases: (1) identificar a força probatória processual do documento (autoria

do documento); (2) identificar a força probatória material do documento (conteúdo

do documento).

A fim de apurar se o documento em análise prova a celebração do contrato de

mútuo e o (a falta de) pagamento é necessário atender à força probatória processual

do documento que se encontra consagrada no art. 374º do CC. Tal terá força

probatória plena quanto à autoria do documento, ou seja um documento que não

tenha sido impugnado possui força probatória plena. Para se destruir a sua força

probatória plena é necessário fazer-se prova em contrário. Imaginando-se que tal

documento era anexado junto à petição inicial se o réu na contestação tomasse

conhecimento com o mesmo mas não soubesse identificar se aquela assinatura era ou

não dele, tal seria fundamento para impugnar? Não: dizer que não se sabe não é

fundamento de impugnação pelo que não é suficiente para afastar a força

probatória plena deste documento (típica pergunta de oral). Deste modo, uma vez

que ambas as partes (Eduardo e Fernando) assinaram o documento e uma vez que tal

documento não foi impugnado conclui-se que este, nos termos do art. 374º CC, tem

força probatória plena.

Analisando agora o conteúdo do documento, ou seja a sua força probatória material,

é necessário atender ao disposto no art. 376º CC. Nos termos do nº1 da norma em

análise quando se diz ‘’faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu

autor’’ o que tal significa é que o documento prova as declarações (prova que

Francisco declarou que Eduardo lhe emprestou uma determinada quantia e que

Page 109: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 109

declarou ter lhe pago já uma parte). Deste modo, não ficam provado os factos, ou

seja não fica provado o pagamento e o empréstimo. Uma coisa é declarar-se que se

emprestou e outra é emprestar-se de facto. Ou seja, fica provado com força

probatória plena as declarações, salvo se se provar a falsidade de tais. Nos termos do

nº2 faz-se referência à confissão que consta do art. 352º do CC. Segundo esta norma

se se conseguir, analisando as declarações, retirar das mesmas, factos desfavoráveis a

quem as emitiu, por aplicação do art. 353º CC poder-se-ão considerar tais factos

como provados.

Exposto o anterior coloca-se então a questão de saber se o presente documento

prova o empréstimo. Uma vez que Francisco reconhece que Eduardo lhe emprestou

aquela quantia tal consubstancia uma declaração que lhe é desfavorável pelo que

aplicando o art. 376º/2 e o art. 352º CC tal consubstancia uma declaração

confessória. Tendo em consideração que é sempre necessário enquadrar a acção no

âmbito da acção que está a ser proposta podemos concluir que o empréstimo é

dado como facto provado.

Analisemos agora a questão da falta de pagamento (‘’Francisco reconhece que

Eduardo lhe emprestará a quantia de €5. 000, dos quais €1. 000 foram já pagos’’). Uma

vez que a declaração encontra-se tanto assinada por Francisco (devedor) como por

Eduardo (credor), o facto de Francisco na declaração declarar que já havia pago mil

euros a Eduardo tal consubstancia um facto que lhe é favorável, pelo que em

princípio, aplicando a norma do art. 376º/2 CC, tal não ficara provado com força

probatória plena. Contudo é necessário atender ao facto que a declaração, como foi

mencionado anteriormente, encontra-se assinada por ambos e o facto de Francisco

declarar que já tinha pago tal quantia a Eduardo tal consubstancia um facto

desfavorável para Eduardo. Ou seja, aplicando o art. 376º/2 CC fica provado com

força probatória plena o pagamento de mil euros uma vez que tal é desfavorável

para Eduardo.

Analisemos agora a questão dos €4. 000 que Francisco ainda não pagou a Eduardo.

Tendo em consideração o princípio da indivisibilidade da confissão – art. 360º CC - é

importante contudo salientar que (1) existe um reconhecimento da dívida; e (2) existe

uma declaração que corresponde ao pagamento de mil euros.

Imagine-se que o presente documento era assinado pelo devedor relativamente ao

pagamento dos €1. 000. Tal seria uma declaração favorável para o referido, mas existe

a regra da indivisibilidade da confissão – art. 360º CC – que no caso contrário importa

que não se pode dissociar o reconhecimento do empréstimo e o pagamento dos €5.

000 – art. 361º CC.

Note-se que da leitura do art. 361º CC resultam dois tipos de confissões quanto

à sua indivisibilidade:

CONFISSÃO COMPLEXA: Admite-se um facto favorável e outro desfavorável em

simultâneo. No caso prático, Francisco reconhece que Eduardo lhe emprestara

€ 5. 000, mas ao mesmo tempo declara que já pagou €1. 000

CONFISSÃO QUALIFICADA: Admite-se um facto que em si mesmo é

desfavorável mas dá-se lhe uma conotação favorável. Exemplo: o Bento

reconhece que o Manuel lhe emprestou €10. 000 mas que tal foi a título de

doação.

Page 110: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 110

Ou seja, se o documento em análise só tivesse sido assinado pelo devedor, como o

reconhecimento da dívida no valor de €5. 000 consubstancia um facto que lhe é

desfavorável tal fica provado. Devido à regra da indivisibilidade da confissão e uma

vez que o devedor reconhece que já havia pago €1. 000 tal também fica provado.

NOTA1: Nos termos do art. 360º in fine quando se diz ‘’salvo se provar a sua

inexactidão’’ tal regere-se ao facto de ser admitida prova em contrário. Do ponto de

vista do ónus da prova cabe ao devedor provar que já pagou, alegando o

cumprimento da obrigação que consubstancia um facto extintivo. Contudo, com a

regra da indivisibilidade da confissão quem tem de provar que nada foi pago, apesar

de no documento constar o oposto, é o credor.

NOTA2: A confissão é a rainha das provas: se uma pessoa admite um facto que lhe é

desfavorável existe (quase) toda a probabilidade de esse facto ser verdadeiro.

NOTA3: Método de resolução de casos relativos à força probatória dos documentos:

1. Força Probatória Formal – Autoria

2. Analisar se as declarações se encontram provadas

3. Força Probatória Material – Conteúdo

NOTA4: Quando está em causa uma confissão é sempre necessário analisar e

consequentemente referir o art. 360º do CC.

NOTA5: Note-se que se tal documento consubstancia-se uma escritura pública iria-se

aplicar o regime do art. 370º e 371º do CC. Contudo, no art. 371º não se consagra

nada semelhante ao que é consagrado no art. 376º/2 CC, ou seja em nenhuma parte

daquela norma se refere a confissão. A resolução de tal problema passa primeiro pelo

facto de o art. 370º referir-se à força probatória formal, ou seja o legislador presume

que ‘’o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído (…)’’.

Por outro lado, o art. 371º/1 do CC refere-se à força probatória plena que corresponde

à percepção de que o notário faz da declaração que alguém invoca ter feito. Este

artigo possui uma certa similitude com o consagrado no art. 376º/1 CC: existe a livre

apreciação do julgador uma vez que estamos face a uma situação de força

probatória bastante (força probatória que se afasta por contra prova; é apenas

necessário criar a dúvida).

NOTA6: Nos termos do art. 358º/3 CC consagra-se a situação da confissão quando

esta possui força probatória bastante; nos termos do nº2 da mesma norma consagra-

se a mesma situação mas quando tal já possui força probatória plena.

Page 111: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 111

CASO XIX

Em Janeiro de 2012, Gustavo e Hélio celebraram um contrato de compra e venda de

um prédio, situado em Lisboa, por escritura pública. A 2 de Junho de 2012, Gustavo

instaurou contra Hélio uma acção, pedindo a declaração de nulidade desse contrato,

por simulação. A fim de provar o acordo simulatório, Gustavo indicou, como único

meio de prova, determinadas testemunhas; mas Hélio opôs-se a que sejam admitidas

a depor, invocando o nº 2 do artigo 394º do Código Civil. Quem tem razão?

TEMA: PROVA TESTEMUNHAL (art. 392º a 396º CC)

As testemunhas são as pessoas que, não sendo partes, nem peritos, prestam

informações ao tribunal sobre a descoberta da verdade material, sobre factos

relevantes para o exame e decisão da causa, ou seja sobre os factos controvertidos

ou necessitados de prova.

A prova testemunhal não é admitida nas seguintes situações:

Quando o facto estiver plenamente provado por documento ou outro meio

com força probatória plena – art. 393º/2 CC

Quando a declaração negocial houver de ser reduzida a escrito ou necessitar

de ser provada por escrito

Quanto tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao

conteúdo do documento autêntico ou de documento particular – art. 394º/1

CC. Note-se que esta norma não veda o recurso à prova testemunhal com

vista a convencer o tribunal acerca da divergência entre a vontade real e a

vontade declarada ou da existência de vícios da vontade, salvo no que

respeita ao acordo simulatório e ao negocio dissimulado, quando for invocado

pelos dissimuladores – art. 394º/2 CC

No presente caso, Gustavo invoca a nulidade do contrato de compra e venda com

fundamento em simulação indicando como único meio de prova testemunhas. Ora

nos termos do art. 394º/2 CC consagra-se que ‘’É inadmissível a prova por testemunhas

(…) ao acordo simulatório (…) quando invocados por simuladores’’.

Nos termos do art. 242º do CC, os simuladores podem arguir a nulidade do negócio

simulado, ou seja é possível usar a prova testemunhal, mas só se for de forma

acessória. O legislador coloca reservas relativamente à prova testemunhal devido ao

facto de esta ser falível. Cada testemunha, mesmo que seja integra e empenhada na

descoberta da verdade e da justiça, tem a sua própria percepção da situação.

Ninguém conta os mesmos factos da mesma maneira. Daqui resulta a justificação

para o legislador não admitir prova testemunhal como sanção para os simuladores.

PROF. MOTA PINTO E PROF. CARVALHO FERNANDES: Não se trata de uma sanção, uma

vez que se assim fosse o legislador impedia os próprios simuladores de arguirem a

nulidade do negócio simulado.

DOUTRINA: Tem entendido que a razão da proibição em análise assenta na

falibilidade da prova testemunhal, que por vezes pode entrar em confronto com

outros meios de prova e consequentemente não deve permanecer. Deve-se evitar

que as partes no negócio simulem uma simulação (tal justifica o art. 394º/2 CC). Os

inconvenientes da prova testemunhal podem ser colmatados se esta surgir como meio

complementar de outro meio de prova admitido. Ou seja, não se admite só e apenas

a prova testemunhal.

Page 112: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 112

Não existindo outro meio de prova a não ser a prova testemunhal, a acção será

julgada improcedente.

Em suma: se o único meio de prova for a prova testemunhal esta não será admitida

por força do art. 354º/2 do CC; se for usada apenas como meio complementar então

será admitida.

No caso é nos dito que Hélio ‘’opôs-se a que sejam admitidas a depor’’ levantando

então a questão de saber como é que ele processualmente se opôs? Ora, podemos

estar face a uma situação de incidentes da prova testemunhal constantes no art. 636º

e 637º do CPC. No presente caso não estamos contudo face a uma impugnação mas

sim apenas e só no âmbito do art. 354º/2 do CC que consagra uma proibição.

NOTA1: Apresentar o rol de testemunhas na petição inicial é facultativo. Embora se

possa pedir ao tribunal que estabeleça um prazo para indicar os meios de prova, a

verdade é que o momento indicado para o fazer é na audiência preliminar na

medida em que esta poe ser dispensada. O rol de testemunhas deverá ser

identificado no momento da audiência preliminar nos termos do art. 508º-A/2 al. a) do

CPC. Se não se indicasse o rol de testemunhas na petição inicial (facultativo) nem na

audiência preliminar, nos termos do art. 512º do CPC, a partir desse momento (da

audiência preliminar) estar-se-ia ‘’nas mãos do juíz’’ no sentido que cabe a este

aceitar ou não a apresentar de outro meio de prova.

NOTA2: Havendo audiência preliminar nesse momento requer-se a identificação dos

meios dos prazos e requer-se o estabelecimento do prazo; se não existir audiência

preliminar ser-se-á notificado da lista de provas, sendo o prazo de 15 dias para indicar

os meios de prova.

CASO XX

Numa acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (a mulher), fundado

em violação do dever de respeito, o cônjuge réu (o marido) reconheceu

expressamente na contestação todos os factos alegados pelo cônjuge autor para o

demonstrar. Todavia, o juiz levou-os à base instrutória. E, a final, deu-os como

provados com fundamento no depoimento de parte prestado na audiência pelo

mesmo cônjuge réu. Diga se o juiz procedeu bem.

TEMA: CONFISSÃO E SUA INADMISSIBILIDADE

No presente caso estamos no âmbito de uma acção de divórcio em que a esposa

alega que o marido lhe terá faltado ao respeito. Na contestação o marido admite a

veracidade dos factos alegados. Numa situação comum o juiz levar-lhos-ia à

factualidade assente uma vez que os factos encontram-se assentes não existindo

nenhuma questão controvertida. A solução deste caso seria no seu todo diferente

caso estivéssemos face a uma situação em que se intentasse uma acção de

condenação ao pagamento do preço de um determinado bem e o réu na

contestação confessasse os factos dizendo, por exemplo, que não pagou o preço

porque não dispunha de meios económico financeiros para tal. Neste caso, o juiz não

levaria á base instrutória o pagamento.

A hipótese do caso e a hipótese que entretanto se formulou divergem na seguinte

medida: nas acções relativas ao estado das pessoas encontram-se sempre em causa

direitos indisponíveis, sendo nestas matérias o legislador extremamente cauteloso

vedando nos termos do art. 354º al. b) a possibilidade de confissão.

Page 113: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 113

Note-se que se o réu nada tivesse dito quanto a estes factos, em princípio, nos termos

do art. 490º/2 CPC, consideravam-se admitidos por acordo. Contudo, uma vez que

estamos no âmbito de direitos indisponíveis não existe tal ónus resultando tal da

conjugação do art. 490º/2 do CPC com o art. 354º al. b) do CC. Se o réu não

contestasse não se aplicavam os efeitos da revelia constantes do art. 483º e art. 484º

CPC uma vez que estando no âmbito de direitos indisponíveis aplicar-se-ia a

excepção à produção dos efeitos jurídicos da revelia constante do art. 485º al. c)

CPC.

Deste modo, conclui-se que uma vez que estamos no âmbito de direitos indisponíveis,

sendo factos controvertidos e tendo em consideração as normas referidas, o juiz

procedeu bem em levá-los à base instrutória.

No caso é nos dito que o juiz no final deu tais factos como provados tendo em

consideração o depoimento da parte prestado na audiência. Ora o depoimento da

parte encontra-se consagrado no art. 552º e ss. CPC. O Juiz pode notificar a parte

para esta ir prestar esclarecimentos sobre os factos que estão em discussão nos termos

do art. 553º/3 CPC. Note-se que não se pode requerer o próprio depoimento de parte

mas pode-se requerer o depoimento da parte contrária. Contudo, pode-se tentar que

o seu próprio depoimento ocorra provocando o juiz a fazê-lo. Ou seja, chama-se a

atenção do tribunal para certos factos constantes da base instrutória que só são do

seu conhecimento, requerendo-se ao juiz que este admita o depoimento de parte.

Contudo, tal mecanismo fica sempre à disposição do juiz. Quando ao depoimento de

partes importa ainda salientar que é possível o depoimento da comparte.

A prova do depoimento de parte visa a confissão, uma vez que que ao requerer que

a outra parte deponha pretende-se que esta confesse factos que lhe são

desfavoráveis (razão de só se permitir que se requeira o depoimento da outra parte e

não o seu próprio depoimento (em princípio a parte que pede para depor não visa

confessar factos que lhe são desfavoráveis, pretendendo justamente o efeito oposto)).

JURISPRUDÊNCIA: só é possível requerer o depoimento da comparte quando esta seja

titular de uma posição distinta e conflituante com aquela que requer o seu

depoimento de parte.

Deste modo, e por aplicação do art. 553º/3 à partida poder-se-ia pensar que é sempre

possível requerer o depoimento da comparte, mas atendendo à posição

jurisprudencial tal não é verdade.

No presente caso o cônjuge (marido) reiterou na audiência aquilo que já havia dito

na contestação, dando o juiz por provados tais factos.

Nos termos do art. 354º al. b) do CC em princípio a prova testemunhal não é admissível

uma vez que estamos no âmbito de direitos indisponíveis. Contudo, coloca-se a

questão de saber se mesmo nos casos em que não é admissível se tal possui algum

valor jurídico. Nos termos do art. 361º do CC tal não consubstancia uma confissão

judicial, mas o juiz poderá valorar livremente os factos ‘’confessados’’, sendo que

aquele depoimento de parte terá valor probatório bastante. Ou seja, o juiz poderá dar

tais factos como provados (ou não).

DOUTRINA: Há quem entenda que no âmbito do depoimento de parte, quando a

parte se encontra a depor sobre os factos desfavoráveis e emitir outras declarações

(favoráveis ou desfavoráveis) o juiz, embora não possa verter em acta tais factos, terá

o direito de livremente apreciá-los tendo deste modo, tais declarações, força

probatória bastante. Note-se que quem está do lado contrário tentada, sempre,

invocar que tais declarações não podem ser apreciadas em tribunal.

Page 114: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 114

NOTA1: Nos termos do art. 558º do CPC consagra-se a ordem dos depoimentos,

existindo uma limitação quanto aos factos.

Réu vs Autor: começa pelo réu, uma vez que começando o depoimento de

parte pelo réu pode tal conduzir de imediato a uma confissão sem ser

necessária a produção de outros meios de prova.

Testemunhas do Réu vs Testemunhas do Autor: começa-se pelas testemunhas

do autor.

NOTA2: No processo ordinário o rol máximo de testemunhas que podem ser

apresentadas é de 20, sendo que existe o limite máximo de 5 testemunhas por cada

facto.

NOTA3: Nos termos do art. 559º consagra-se a matéria da prestação do juramento.

NOTA4: Entende-se por acareação colocar em confronto o depoimento de certas

testemunhas (quando contraditórios sobre os mesmos factos). Pode-se acarear uma

testemunha com uma parte? A solução consta do regime do art. 642º e 643º do CPC.

VIII – Caso Julgado

CASO XXI

António comprou a Bento um quadro que julgava ser antigo, pelo preço de 35 mil

euros. Todavia, quando o mandou restaurar, descobriu que tinha sido pintado

recentemente. António instaurou contra Bento uma acção na qual pediu a anulação

do contrato de compra e venda e a condenação de Bento na restituição da parte do

preço já paga (metade).

TEMA: CASO JULGADO (REQUISITOS DO ART. 498º)

a. A acção foi julgada procedente, por sentença transitada em julgado. Mas

Bento não se conforma e propõe uma nova acção contra António, invocando

o contrato e pedindo a sua condenação no pagamento da parte do preço que

não tinha sido paga. Pode António opor-se ao julgamento deste pedido,

invocando a sentença proferida na primeira acção?

No presente caso estamos no âmbito do transito em julgado nos termos do art. 677º

CPC e mais concretamente da força vinculativa do caso julgado material.

Para saber se António poderia invocar a sentença proferida na primeira acção é

necessário atender ao art. 498º do CPC e verificar se os requisitos constantes desta

norma se encontram verificados uma vez que só assim se poderá invocar a existência

de caso julgado.

Identidade de Sujeitos (art. 498º/2 CPC)

Acção1: António (autor) e Bento (réu)

Acção2: Bento (autor) e António (réu)

Conclusão: apesar de nas acções os sujeitos ocuparem posições

jurídicas diferentes a verdade é que em ambas as partes são as

mesmas pelo que a identidade de sujeitos se encontra verificada.

Page 115: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 115

Pedido (art. 498º/3 CPC)

Acção1: acção de anulação do contrato de compra e venda e acção

de restituição da parte do preço já paga

Acção2: acção de condenação ao pagamento do preço que ainda

não foi pago

Conclusão: para existir identidade entre o pedido é necessário que em

ambas as acções se vise obter o mesmo efeito jurídico. Ora no presente

caso tal não se verifica pelo que este requisito não se encontra

verificado.

Causa de Pedir (art. 498º/4 CPC)

Acção1: erro na medida em que existe uma falsa representação da

realidade quanto às qualidades do objecto (António pensava que o

quadro era antigo e consequentemente valioso e afinal não o era)

Acção2: invoca a existência do contrato de compra e venda

Conclusão: para existe identidade entre as causas de pedir é

necessário que o facto jurídico concreto que fundamenta a pretensão

do autor em cada uma das acções seja o mesmo. Ora, no caso

concreto tal não se verifica pelo que este requisito não se encontra

verificado.

Verificado que os requisitos constantes do art. 498º CPC não se encontram verificados

na sua totalidade (não verificação de identidade entre os pedidos e as causas de

pedir) coloca-se a questão de saber se então não se poderá invocar a excepção de

caso julgado anterior. Na segunda acção, para o juiz conhecer do mérito da questão

terá de analisar a validade do contrato de compra e venda. Contudo tal questão já

havia sido apreciada na primeira acção. Ou seja irá se estar a analisar duas vezes o

mesmo facto em acções diferentes, sendo exactamente tal aquilo que o art. 497º e

art. 498º CPC pretendem evitar.

DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA: Não obstante não se encontrarem verificados os três

requisitos constantes do art. 498º CPC, o princípio subjacente ao caso julgado e a ratio

do art. 497º CPC impõem que o juiz obste ao conhecimento do mérito da causa nesta

situação. O juiz deverá absolver o réu da instância uma vez que a decisão que viria a

proferir nesta segunda acção poderia contrariar um caso julgado formado

anteriormente.

Page 116: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 116

b. Suponha agora que Bento não contestou, mas que a acção foi julgada

improcedente porque o tribunal entendeu tratar-se de um caso de erro sobre

os motivos (e não sobre o objecto, como o autor o qualificara) e faltar a

alegação e prova do acordo sobre a essencialidade dos motivos, a que se

refere o nº 1 do artigo 252º do Código Civil. A sentença transitou em julgado.

António propôs nova acção, relativa ao mesmo contrato e pedindo igualmente

a sua anulação. Para além do que alegara na primeira acção, alegou terem as

partes reconhecido, por acordo, que António só comprava o quadro porque

estava convencido de que era antigo. Bento opôs caso julgado. Tem razão?

No presente caso é nos dito que a sentença da primeira acção transitou em julgado,

contudo António intenta uma nova acção. É necessário atender ao disposto no art.

498º do CPC a fim de apurar se os requisitos de verificação do caso julgado se

encontram reunidos.

Identidade de Sujeitos (art. 498º/2 CPC)

Acção1: António (autor) e Bento (réu)

Acção2: António (autor) e Bento (réu)

Conclusão: existe uma identidade entre os sujeitos das acções.

Pedido (art. 498º/3 CPC)

Acção1: acção de anulação do contrato de compra e venda e acção

de restituição da parte do preço já paga

Acção2: acção de anulação do contrato de compra e venda

Conclusão: para existir identidade entre o pedido é necessário que em

ambas as acções se vise obter o mesmo efeito jurídico. No presente

caso em ambas acções visa-se obter a anulação do contrato de

compra e venda pelo que existe uma identidade entre os pedidos.

Causa de Pedir (art. 498º/4 CPC)

Acção1: erro na medida em que existe uma falsa representação da

realidade quanto às qualidades do objecto (António pensava que o

quadro era antigo e consequentemente valioso e afinal não o era)

Acção2: António invoca o mesmo que invocara na primeira acção

acrescentando ainda que as partes haviam reconhecido por acordo

que ele só comprara o quadro porque estava convencido de que era

antigo.

Conclusão: para existe identidade entre as causas de pedir é

necessário que o facto jurídico concreto que fundamenta a pretensão

do autor em cada uma das acções seja o mesmo. No presente caso

saber se existe identidade entre as causas de pedir é uma questão

controversa que terá de ser desenvolvida de seguida.

Page 117: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 117

Quanto à causa de pedir na verdade estamos face a um erro sobre o objecto, mas o

juiz é livre de apreciar os factos e consequentemente de atribuir a qualificação

jurídica que considere adequada, nos termos do art. 644º CPC.

Poder-se-ia colocar a questão de eventualmente estamos face a uma violação do

pedido nos termos do art. 661º CPC mas a resposta a tal é negativa nos termos do art.

661º do CPC na medida em que o pedido é o mesmo em ambas as acções

(anulação do contrato de compra e venda).

É necessário reflectir sobre o seguinte: a causa de pedir não é de todo um conceito

que, na prática, seja fácil de determinar, uma vez que o critério do art. 498º CPC

poderá ser interpretado de forma restritiva ou amplamente.

A causa de pedir, no presente caso, coloca dúvidas: será erro sobre o objecto ou erro

sobre os motivos? Sendo os factos independentemente da qualificação jurídica o que

se deverá fazer? Considerando todas as normas aplicáveis a esta acção, o autor

deverá alegar todos os factos que constituem a previsão da norma?

PROF. MARIA DOS PRAZERES BELEZA: O art. 498º do CPC refere-se a factos

concludentes. A causa de pedir é o erro, independentemente da sua qualificação

jurídica.

Contudo, nos termos do art. 664º o juiz é livre de apreciar os factos não estando

dependente das alegações feitas pelas partes. Tal traduz uma excepção ao caso

julgado. Contudo, o caso julgado encontra-se relacionado com o Princípio da

Preclusão, ou seja não se relaciona só com ele mas também se relaciona com o autor,

autor esse que, no presente caso, pretende anular o contrato de compra e venda

com fundamento em erro. O autor tem o ónus de levar ao processo todos os factos

essenciais para a procedência da acção.

Em suma, Bento tem razão uma vez que existe caso julgado ocorrendo a verificação

dos três requisitos constantes do art. 498º CPC (identidades dos sujeitos, identidades

dos pedidos e identidades das causas de pedir).

c. Suponha agora que foi que Bento que instaurou a acção, pedindo a

condenação do António no pagamento da parte do preço não paga. António

defendeu-se invocando a anulabilidade do contrato, pelo erro já descrito; mas

foi condenado a pagar, por sentença transitada em julgado. Passado um

tempo, António instaura contra Bento uma acção de anulação do mesmo

contrato, com os seguintes fundamentos. Bento contesta esta acção invocando

a excepção de caso julgado. Tem razão?

i. No mesmo erro;

No presente caso é nos dito que a sentença da primeira acção transitou em julgado,

contudo António intenta uma nova acção. É necessário atender ao disposto no art.

498º do CPC a fim de apurar se os requisitos de verificação do caso julgado se

encontram reunidos.

Identidade de Sujeitos (art. 498º/2 CPC)

Acção1: Bento (autor) e António (réu)

Acção2: António (autor) e Bento (réu)

Conclusão: existe uma identidade entre os sujeitos das acções.

Page 118: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 118

Pedido (art. 498º/3 CPC)

Acção1: acção de condenação do pagamento do preço em falta.

Acção2: acção de anulação do contato de compra e venda

Conclusão: para existir identidade entre o pedido é necessário que em

ambas as acções se vise obter o mesmo efeito jurídico. No presente

caso tal não sucede pelo que não existe uma identidade entre o

pedido.

Causa de Pedir (art. 498º/4 CPC)

Acção1: incumprimento do contrato de compra e venda (ainda não

pagou a totalidade do preço)

Acção2: erro

Conclusão: para existe identidade entre as causas de pedir é

necessário que a pretensão deduzida nas duas acções proceda do

mesmo facto jurídico. Neste caso tal não se verifica pelo que não existe

identidade entre as causas de pedir.

Deste modo, não existindo identidade quanto ao pedido e à causa de pedir não se

verifica a excepção de caso julgado nos termos do art. 498º CPC. Contudo, no

presente caso, apesar de nem todos os requisitos do art. 498º CPC estarem

preenchidos parece um pouco injusto a solução que daí advém. Coloca-se então a

questão de saber qual a solução aplicável ao caso prático. António, na contestação,

defendeu-se por excepção dilatória (invoca a existência do erro e pede que seja

absolvido da instância). Contudo, o tribunal julga improcedente a excepção dilatória.

Nos termos do art. 96º/2 CPC importa ter presente que ‘’A decisão das questões e

incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo,

excepto…’’

Se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude

O tribunal for absolutamente competente

Assim, se os requisitos do art. 96º/2 d CPC não se encontrarem verificados a

apreciação da excepção dilatória na pendência da primeira acção não tem força

de caso julgado. Bento tem razão em opor-se uma vez que os fundamentos que estão

subjacentes à primeira acção são também subjacentes à segunda acção conduzindo

a uma frustração dos efeitos da primeira acção.

NOTA1: O art. 497º CPC não é um requisito adicional ao art. 96º/2 CPC, sendo apenas

o artigo que indica a ratio da norma.

NOTA2: Quanto à noção de causa de pedir e de acordo com a Teoria da

Substituição, quanto maior amplitude for conferida à excepção de caso julgado e

consequentemente a cada requisito, maior esforço tal implicará para as partes.

NOTA3: O art. 497º CPC consagra um limite: independentemente de as excepções

não puderem ser abrangidas pela excepção de caso julgado, a segunda acção não

poderá conhecer do mérito da causa.

Page 119: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 119

ii. Em erro causado por dolo (um empregado de Bento convencera-o de

que o quadro era antigo);

Nos termos do art. 498º/4 CPC consagra-se que ‘’Há identidade da causa de pedir

quanto a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico’’, ou

seja o legislador visou que todos os fundamentos que pudessem obstar ao

conhecimento do mérito da causa ou fossem essenciais para proferir sentença fossem

na primeira acção alegados na contestação.

Se se permitir a apreciação da segunda acção com este fundamento o Princípio da

Concentração da Defesa na Contestação não teria qualquer efeito útil, sendo que o

litigio nunca estaria resolvido.

Se se permitir que António venha invocar o que deveria ter alegado na contestação

na primeira acção tal coloca em causa o Princípio da Preclusão. Ou seja, António não

poderá vir invocar tal por força do Princípio da Preclusão estando o juiz impedido de

conhecer do mérito da causa.

NOTA: Com o caso julgado muitas vezes a segurança jurídica prevalece sobre a

justiça.

iii. Em erro só descoberto, segundo alega, depois do trânsito em julgado

da sentença.

Face à alínea c) ii), nesta aliena estamos face a uma diferença substancial António

não sabia do erro até ao transito em julgado da primeira acção, pelo que não o

poderia ter alegado na contestação.

Poder-se-ia colocar a questão se estarmos neste caso no âmbito de aplicação do art.

673º do CPC quando esta norma se refere a ‘’A sentença constitui caso julgado nos

precisos limites e termos em que se julga: se a parte decaiu por não estar verificada

uma condição (…) a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a

condição se verifique’’. Contudo não estamos face a uma condição suspensiva

(António na pendência da primeira acção não sabia que viria a saber que a compra

e venda do quadro tinha como fundamento o erro) pelo que não se poderá aplicar

esta norma.

E estaremos face ao âmbito de aplicação do art. 663º do CPC? Tendo em

consideração que o decurso do primeiro processo pode ter sido muito longo existindo

uma alteração factual tal deveria constar de articulados supervenientes nos termos do

art. 506º do CPC. No caso concreto o erro em análise não se poderia reflectir na

sentença na primeira acção uma vez que António só vem a ter conhecimento dele

após o transito em julgado da sentença.

A acção poderá ser proposta nos termos do art. 663º CPC desde que se invoque a sua

superveniência subjectiva, uma vez que o erro já existia (António apenas não tinha

conhecimento dele).

Poder-se-ia questionar a aplicação do art. 814º do CPC, ou seja se estamos face a um

título executivo que fundamenta a oposição à execução. Nos termos do art. 814º/1 al.

g) CPC consagra-se que ‘’Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação,

desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração’’

será um fundamento de oposição à execução da sentença. Contudo no presente

caso o erro é um facto impeditivo e não extintivo ou modificativo pelo que esta norma

não se aplica. Note-se que os factos impeditivos são factos que constam da génese

da obrigação tendo se de ser e só podendo ser invocados na Acção Declarativa.

Page 120: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 120

PROF. MARIA DOS PRAZERES BELEZA: nos termos do art. 814º do CPC funciona a

excepção de caso julgado.

Note-se que nos termos do art. 663º conjugado com o art. 814º/3 do CPC não relevam

factos supervenientes subjectivos.

PROF. LEBRE DE FREITAS: Defende uma solução oposta que assenta em que os factos

impeditivos são de conhecimento superveniente, consubstanciando tal um

fundamento de oposição nos termos do art. 816º CPC.

CASO XXII

Suponha que Carlota e Diana são comproprietárias de um prédio rústico. Carlota

instaura contra Eugénio uma acção de reivindicação do prédio, sustentando que

Eugénio o detém indevidamente. A acção é julgada improcedente, por sentença

transitada em julgado, por falta de prova da titularidade do direito de propriedade.

Diana instaura contra Eugénio uma nova acção de reivindicação, do mesmo prédio,

com o mesmo fundamento. Eugénio defende-se invocando caso julgado anterior. Tem

razão?

TEMA: CASO JULGADO E (TIPOS DE) TERCEIROS

No presente caso estamos face a um pedido de reivindicação da propriedade face a

um terceiro, sendo a acção julgada improcedente com fundamento em falta de

prova. Quando Eugénio invoca o caso julgado anterior está a defender-se por

excepção dilatória (art. 494º al. i) CPC), sendo tal de conhecimento oficioso nos

termos do art. 495º do CPC. Se a questão não suscitada nem pela parte e se o juiz não

se aperceber de tal (o juiz não tem forma de adivinhar de que uma houve uma acção

anterior que tem força de caso julgado), existindo duas soluções diferentes sobre a

mesma questão, nos termos do art. 675º/1 CPC, irá prevalecer a primeira. Esta norma

visa evitar que se forem casos julgados contraditórios constituindo tal norma uma

‘’válvula’’ de segurança.

No presente caso é nos dito que Eugénio defendeu-se invocado caso julgado anterior,

o que leva a presumir que tal excepção terá sido alegada na contestação. Contudo,

sendo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso o juiz poderá conhecer de

tal no despacho saneador ou mesmo na sentença.

Nos termos do art. 498º do CPC, quando se está face a uma situação de caso julgado

tal consubstancia uma repetição sucessiva que se verifica quando exista uma

coincidência (1) de partes; (2) do pedido e (3) da causa de pedir.

Tendo por base o art. 498º/2 concluímos que na presente hipótese não se formou caso

julgado uma vez que não existe uma coincidência de partes no seu todo, ou seja só

existe uma identidade quanto à pessoa do réu: na primeira acção as partes eram

Carlota (autora) e Eugénio (réu) e na segunda acção as partes são Diana (autora) e

Eugênio (réu). Apesar de não existir identidade entre as partes e obstando tal à

possibilidade de estarmos face a uma situação de caso julgado, na segunda acção

continua a discutir-se a titularidade de Eugénio quanto à propriedade em questão.

Sendo o Princípio do Caso Julgado a vinculação das partes nas acções, quando se diz

que este tem força fora do processo o que se quer dizer é que tal continua a vincular

as partes fora do processo mas tal não abrange terceiros uma vez que estes não

foram parte da acção que formou caso julgado e consequentemente não se

puderem defender/contestar. Contudo a verdade é que no caso Eugénio está

Page 121: Processo Civil - Casos Práticos

PROCESSO CIVIL FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 121

perante uma situação complicada uma vez que é já a segunda vez que se está a

discutir o mesmo facto.

Poder-se-ia questionar a possibilidade de se estar face a uma situação de litisconsórcio

necessário natural mas o art. 1405º/2 CC afasta tal consagrando que ‘’Cada consorte

pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que

esta lhe não pertence por inteiro’’.

Iremos agora analisar a eficácia externa do caso julgado mais concretamente saber

que tipo de terceiro está aqui em causa. Ou seja, a verdade é que na realidade

jurídica existem vários tipos de terceiros, sendo que nem todos são indiferentes. A

verdade é que se na primeira acção a sentença tivesse reconhecido que a

titularidade da propriedade pertencia a Carlota em compropriedade com Diana, esta

poderia invocar numa segunda acção o caso julgado que se havia formado

anteriormente. No caso em análise como a sentença da primeira acção é

desfavorável tal não prejudica o interesse de Diana. Ou seja, existe uma

compropriedade, uma comunhão de interesses que justifica esta solução.

Embora no regime da compropriedade não conste nenhuma norma que justifique a

solução exposta, a doutrina tem invocado o art. 538º/2 CC (norma quanto às

obrigações indivisíveis) para justificar tal solução. Deste modo, Eugénio não teria razão

ao invocar o caso julgado anterior na medida em que este é desfavorável ao

comproprietário sendo que consequentemente deverá se conhecer do mérito da

causa desta segunda acção julgando-se a excepção improcedente. Note-se que na

contestação Eugénio poderá provocar a intervenção de Carlota dado que o interesse

em causa pertence a todos os sujeitos (Diana, Carlota e Eugénio), nos termos do art.

320º e 321º do CPC.

NOTA1: A noção de transito em julgado encontra-se consagrada no art. 677º do CPC,

sendo necessário que para tal se verifique que: (1) a decisão não seja susceptível de

recurso ordinário; (2) a decisão não seja susceptível de reclamação (o art. 668º CPC

consagra os fundamentos de nulidade de uma sentença).

NOTA2: A força do caso julgado encontra-se consagrada no art. 671º e 672º CPC.

NOTA3: Nos termos do art. 499º CPC, numa situação de litispendência esta deverá ser

deduzida na acção proposta em segunda lugar, ou seja a acção para a qual o réu foi

citado em segundo lugar. Numa situação de dúvida quanto à data da citação

recorre-se à data de entrada das respectivas petições iniciais.

NOTA4: Quando estamos a analisar a existência de caso julgado, mais propriamente a

coincidência de partes, nada obsta a que tal se verifique se as partes na segunda

acção ocuparem posições jurídicas diferentes. Ou seja, se na primeira acção A for o

autor e B o réu e na segunda acção B for o autor e A o réu existe identidade quanto

às partes.