ROTAS DE TRANSPORTE PARA A 3ª GRANDE REUNIÃO ROTAS DE TRANSPORTE PARA A 3ª GRANDE REUNIÃO.
PROCESSADOS NO BRASIL Adriana P. Arisseto, Eduardo...
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ESTIMATIVA DA INGESTÃO DE FURANO ATRAVÉS DE ALIMENT OS PROCESSADOS NO BRASIL Adriana P. Arisseto, Eduardo Vicente, Regina P. Z. Furlani, Maria Cecília de F. Toledo. Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos, Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL, Avenida Brasil 2880, 13070-178 Campinas, São Paulo, Brasil
RESUMO
A detecção de quantidades elevadas de furano em alimentos processados
termicamente por pesquisadores americanos em 2004, levantou pela primeira vez uma
preocupação sobre os riscos potenciais deste contaminante para a saúde humana. O
furano foi identificado como carcinogênico em animais experimentais e é classificado
como um possível carcinógeno humano. Este trabalho descreve uma estimativa
preliminar da ingestão de furano de fontes alimentares no Brasil, assim como a
avaliação dos riscos potenciais à saúde. A ingestão diária foi avaliada pela
combinação dos níveis mensurados de furano nas categorias de alimentos
selecionadas (enlatados/conservas, café, molhos e produtos à base de cereais) com
os dados nacionais de consumo da Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil
fornecidos pela Pesquisa de Orçamento Familiares (POF) 2008-2009 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Os níveis de furano foram determinados em 306
amostras por cromatografia gasosa–espectrometria de massas precedida pela
microextração em fase sólida (SPME-GC/MS). Com propósito de avaliação de risco, a
margem de exposição (MOE) foi calculada considerando a estimativa de ingestão e a
BMDL10 de 0,96 mg/kg de peso corpóreo (pc)/dia. As ingestões médias de 0,20 e 0,47
.µg/kg pc/dia foram estimadas para a população brasileira utilizando a média e o
percentil 95 dos níveis de furano, respectivamente. Os alimentos que mais
contribuíram para a exposição ao furano.foram café (78%), pão (11%), biscoitos
recheados (4%) e biscoitos salgados (3%). As MOEs obtidas (4717 e 2043 para
médios e grandes consumidores, respectivamente) podem ser consideradas baixas,
indicando assim uma preocupação para a saúde humana. Os resultados apresentados
no presente estudo são comparáveis com os publicados por outros países.
ESTIMATE OF FURAN INTAKE FROM PROCESSED FOODS IN BR AZIL Adriana P. Arisseto, Eduardo Vicente, Regina P. Z. Furlani, Maria Cecília de F. Toledo. Food Science and Quality Center, Food Technology Institute - ITAL, Avenida Brasil 2880, 13070-178 Campinas, São Paulo, Brazil
ABSTRACT
Detection of high amounts of furan in thermally treated foods by American researchers
in 2004 raised for the first time a concern on the potential risks of this contaminant to
human health. Furan has been found to be carcinogenic in experimental animals and is
classified as a possible human carcinogen. This work describes a preliminary estimate
of the furan intake from dietary sources in Brazil as well as the evaluation of the
potential risks to health. The daily intake was assessed by combining measured levels
of furan in selected food categories (canned/jarred foods, coffee, sauces and cereal-
based products) with national food consumption data provided by a survey on the
Analysis of the Individual Food Consumption in Brazil carried out from 2008 to 2009.
Furan levels were determined in 306 samples by gas chromatography coupled to mass
spectrometry preceded by solid phase micro-extraction (SPME-GC/MS). For risk
assessment purposes, the margin of exposure (MOE) was calculated considering the
estimated intake and the BMDL10 of 0.96 mg/kg body weight (bw)/day. Mean intakes of
0.20 and 0.47 µg/kg bw/day were estimated for the Brazilian population using mean
and P95 furan levels, respectively. The foods that most contributed to furan exposure
were coffee (78%), bread (11%), biscuits (4%) and crackers (3%). The obtained MOEs
(4717 and 2043 for mean and high consumers, respectively) can be considered low,
indicating thus a human health concern. The results reported in the present study are
comparable with those published by other countries.
1. INTRODUÇÃO
O furano (C4H4O) é classificado quimicamente como um éter cíclico com
propriedades aromáticas. É um líquido incolor e inflamável, que possui baixo ponto de
ebulição (31 °C), sendo pouco solúvel em água, mas miscível com álcool, acetona,
benzeno, éter e outros solventes orgânicos apolares. É produzido industrialmente por
descarbonilação do furfural e utilizado principalmente como intermediário na síntese e
produção de outros compostos orgânicos (NTP, 2005). A Figura 1 mostra a estrutura
molecular do furano.
Figura 1 . Estrutura molecular do furano.
Estudos conduzidos com animais experimentais demonstraram o potencial
carcinogênico do furano em ratos e camundongos, verificado pelo aumento de
carcinomas e adenomas hepatocelulares em função da dose administrada (NTP,
1993). Evidências de citoxicidade também já foram observadas após a administração
de altas doses da substância (Wilson et al., 1992). Entretanto, o seu potencial
genotóxico ainda não foi confirmado. Com base nessas informações, o furano foi
classificado como possível carcinógeno humano (Grupo 2B) pela Agência
Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC, 1995).
O furano pode ser formado em diversos alimentos como resultado do
processamento térmico. Os primeiros estudos confirmaram sua ocorrência entre os
componentes voláteis do café originados durante a torrefação (Merritt et al., 1963).
Posteriormente, sua presença foi identificada em outros alimentos, como carne bovina
enlatada, carne de frango cozida e pão (Maga, 1979). Recentemente, cientistas da
Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) mostraram que o
furano pode estar presente em diversos alimentos termicamente processados, tais
como alimentos enlatados e/ou em conserva, molhos, sopas e alimentos infantis
(papinhas) (FDA, 2004).
A formação de furano em alimentos foi inicialmente associada à degradação
térmica de carboidratos (Maga, 1979). Entretanto, sua ocorrência em uma grande
variedade de produtos sugere a existência de múltiplas rotas de formação ao invés de
um único mecanismo (EFSA, 2004). Com base em experimentos realizados com
sistemas-modelo, os caminhos propostos para elucidar a origem deste contaminante
envolvem a decomposição do ácido ascórbico e produtos derivados, a degradação de
carboidratos e aminoácidos pela reação de Maillard e a oxidação de ácidos graxos
poli-insaturados, triglicerídeos e carotenóides (Locas & Yaylayan, 2004; Becalski &
Seaman, 2005; Märket al., 2006; Limacher et al., 2007). Contudo, o mecanismo exato
de formação do furano em alimentos ainda não é conhecido e a influência de outros
fatores, como o pH e possíveis reações de competição, pode dificultar o seu
entendimento.
Os níveis médios de furano em alimentos podem variar de 0,2 µg/kg em
fórmulas infantis a 3660 µg/kg em grãos de café torrado, de acordo com os resultados
de um plano de monitoramento realizado de 2004 a 2010 pela Autoridade Européia
para a Segurança dos Alimentos (EFSA, 2011). A técnica de cromatografia gasosa
acoplada à espectrometria de massas (GC-MS) precedida por amostragem do
headspace (HS) ou micro-extração em fase sólida (SPME) tem sido frequentemente
utilizada para a determinação das concentrações de furano em alimentos (Wenzl,
2008).
A ocorrência de furano em alimentos que representam uma porção significativa
da dieta fez surgir uma preocupação em relação aos potenciais riscos deste
contaminante à saúde humana, tendo em vista suas propriedades tóxicas. Assim, o
Comitê Conjunto FAO/OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (JECFA)
conduziu a primeira avaliação toxicológica deste contaminante em 2010 e, com base
nas margens de exposição obtidas (960 e 480 para médios e grandes consumidores,
respectivamente), concluiu que a sua ingestão por meio da dieta pode ser considerada
uma preocupação de saúde pública (FAO/WHO, 2011).
Diante do exposto e da inexistência de dados brasileiros reportados na
literatura, este trabalho teve como objetivo otimizar e validar um método para a
determinação de furano em alimentos, coletar e analisar amostras de produtos
termicamente processados disponíveis no mercado nacional e avaliar o risco que a
exposição a este contaminante pela dieta pode representar à saúde da população
brasileira.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1. Padrões
Soluções estoque de aproximadamente 2 mg/mL do padrão furano e do padrão
interno furano-d4 (Sigma-Aldrich, >98% de pureza) foram preparadas separadamente
em metanol (grau HPLC) a cada duas semanas. Para isso, um vial de 5mL foi
preenchido completamente com metanol, fechado com tampa e septo de
silicone/teflon e pesado em balança com precisão de 0,0001 g, registrando-se o peso
exato do metanol calculado por diferença. Aproximadamente 10 µL do padrão foram
injetados através do septo com uma seringa, mantendo o vial em posição invertida. O
peso exato do padrão adicionado foi registrado e a concentração final calculada
levando-se em consideração a densidade do metanol. O mesmo procedimento foi
utilizado para preparar semanalmente as soluções intermediárias (concentração
aproximada de 20 µg/mL), diluindo 60 µL da solução estoque em água purificada por
osmose reversa. Por fim, soluções de trabalho (concentração aproximada de 0,2
µg/mL ou 2 µg/mL) de ambos os padrões foram preparadas diariamente diluindo um
volume apropriado da solução intermediária em água. Todas as soluções foram
estocadas a 4ºC.
2.2. Amostras
Alimentos infantis (papinhas à base de legumes e carnes, e papinhas à base
de frutas), produtos enlatados/conservas, cafés (pós e bebidas), molhos de soja e
alimentos à base de cereais foram adquiridos em supermercados, restaurantes e
cafeterias da cidade de Campinas-SP, perfazendo um total de 363 amostras. As
amostras foram selecionadas em função de dados previamente reportados na
literatura. Para a maioria dos produtos, dois lotes de três diferentes marcas foram
analisados. Como no Brasil há somente uma marca de alimentos infantis disponível no
mercado, todos os produtos comercializados por esta empresa foram selecionados.
Para evitar perdas de furano na abertura da embalagem em função de sua alta
volatilidade, as amostras foram estocadas a 4ºC por pelo menos 4 horas antes da
homogeneização. As análises foram realizadas em duplicata.
2.3. Micro-extração em fase sólida (SPME)
A amostra homogeneizada foi pesada em um vial de headspace refrigerado de
40 mL, contendo uma barra magnética de 15 mm x 5mm. Após a adição do padrão
interno (furano-d4) e água (conforme a Tabela 1 ), o vial foi imediatamente fechado
com tampa de rosca e septo de silicone/teflon. Uma fibra de SPME com recobrimento
de carboxen-polidimetilsiloxano (CAR-PDMS) 75 µm (Supelco) foi então exposta ao
headspace do vial por meio de um holder manual (Supelco), durante 30 minutos, sob
agitação magnética constante de aproximadamente 1200 rpm. Após a extração dos
voláteis do headspace, a fibra foi removida do vial e imediatamente inserida na porta
do injetor do GC-MS para dessorção dos compostos, onde permaneceu exposta por
até 6 minutos para evitar qualquer efeito de memória. A Tabela 1 mostra os
parâmetros utilizados durante a extração para cada grupo de alimento.
Tabela 1 . Parâmetros (peso da amostra, volume e concentração de padrão interno,
volume de água e temperatura de extração) utilizados na micro-extração em fase
sólida para cada grupo de alimento.
Amostra Peso (g)
Volume/conc. padrão interno
Volume de água
Temperatura de extração (ºC)
Alimentos infantis, enlatados e conservas 1,0 125 µL / 0,2 µg/mL 1mL 25
Café (bebida) e molhos 1,0 125 µL / 0,2 µg/mL - 25
Alimentos à base de cereais 1,0 125 µL / 0,2 µg/mL 5mL 25
Café (pó) 0,25 150 µL / 2 µg/mL 1mL 35
2.4. Análise cromatográfica
Os experimentos foram conduzidos em um cromatógrafo a gás HP6890
acoplado a um espectrômetro de massas do tipo quadrupolo MSD HP5973 (Agilent
Technologies). Hélio foi utilizado como gás de arraste a uma vazão de 0,7 mL/min. O
injetor PTV (Programmable Temperature Vaporizing) foi operado no modo splitless,
com abertura do split 0,7 minutos após a injeção, de acordo com a seguinte
programação de temperatura: 40ºC (mantido por 0,1 min), 700ºC/min até 230ºC
(mantido até o final da corrida). A separação foi realizada em uma coluna capilar HP
INNOWAX 60m x 0,25mm, df 0,25 µm (Agilent Technologies) e a seguinte
programação de temperatura do forno foi aplicada: 30ºC (mantido por 0,1 min),
2ºC/min até 40ºC (mantido por 3 min), 12ºC/min até 200ºC (mantido por 2 min). A
detecção foi efetuada no modo de monitoramento do íon selecionado (SIM) após
ionização por impacto de elétrons (70 eV), registrando-se os seguintes íons: m/z 68,
39 e 69 para o furano, e m/z 72 e 42 para o furano-d4.
2.5. Identificação e quantificação
A identificação do furano nas amostras foi realizada com base no tempo de
retenção relativo (RRT) e na presença dos íons selecionados (m/z 68, 39 e 69). Para
confirmação, foi feita uma comparação das amostras com padrões utilizando-se
tolerâncias de ±0,5% para o RRT, de ±10% para abundância iônica relativa
considerando a relação m/z 39/68, e de ±50% para abundância iônica relativa
considerando a relação m/z 69/68 como descrito na Decisão 2002/657/EC da
Comissão Européia relacionada ao desempenho de métodos analíticos e interpretação
de resultados (EC, 2002). A quantificação de furano nas amostras foi realizada a partir
de uma curva de calibração utilizando furano-d4 como padrão interno, com base na
relação das áreas dos picos dos íons de maior intensidade m/z 68 e 72
(quantificadores).
2.6. Validação do método
O método foi validado em relação à linearidade, seletividade, exatidão
(recuperação), precisão (repetibilidade e reprodutibilidade intermediária), limite de
detecção (LOD) e limite de quantificação (LOQ), de acordo com o documento de
orientação sobre validação de métodos de ensaios químicos DOQ-CGCRE-08 do
Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO,
2007). A linearidade foi avaliada utilizando-se pelo menos 6 pontos de calibração. A
seletividade foi estudada por meio da comparação entre curvas preparadas a partir de
padrões de concentrações conhecidas no solvente e na matriz, aplicando-se o teste-F
(Snedecor) e o teste-t (Student). A recuperação, a repetibilidade e a reprodutibilidade
intermediária foram avaliadas fortificando-se a matriz em 3 concentrações diferentes (7
replicadas para cada concentração). LOD e LOQ foram determinados através de 7
replicatas da matriz e calculados como 3 e 10 vezes o desvio padrão da resposta
obtida, respectivamente. Na indisponibilidade de uma matriz não contaminada para a
realização dos ensaios, utilizou-se uma amostra com baixo nível de contaminação.
2.7. Estimativa de ingestão e avaliação do risco
A exposição ao furano decorrente do consumo de alimentos foi estimada para
a população infantil (6 a 11 meses) e para a população geral (a partir de 10 anos de
idade). Para consumidores médios, a ingestão foi estimada multiplicando-se o valor
médio de consumo de um alimento pelo valor médio do nível de furano encontrado
neste alimento, somando-se os valores de cada fonte alimentar considerada no
estudo. Para grandes consumidores, utilizou-se o valor médio de consumo de um
alimento e o percentil 95 (P95) da concentração de furano nas amostras analisadas.
Os cálculos foram realizados empregando-se modelo determinístico (Kroes et al.,
2002). Pesos corpóreos (pc) médios de 8,4 e 60 kg foram considerados para a
população infantil e para a população geral, respectivamente, para expressar a
ingestão em µg/kg pc/dia.
Para a população infantil, duas fontes de informação sobre consumo alimentar
foram consideradas: Cenário 1 - o manual de orientação da Sociedade Brasileira de
Pediatria para alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar e do adolescente na
escola (SBP, 2006), que recomenda o consumo diário de uma porção (para 6 meses)
ou duas porções (para 7-11 meses) de papinha salgada e uma porção de papinha de
frutas; Cenário 2 - dados individuais de consumo obtidos por método recordatório de
24 horas aplicado a 718 participantes de 0 a 60 meses da cidade de São Paulo-SP
entre setembro de 1995 e setembro de 1996 (Aquino & Philippi, 2002).
Para a população geral, foram utilizados dados da Análise do Consumo
Alimentar Pessoal no Brasil fornecidos pela Pesquisa de Orçamento Familiares (POF)
2008-2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011). Nesta
pesquisa, os registros dos diferentes tipos de alimentos consumidos e as respectivas
unidades de medidas utilizadas foram obtidos de forma direta, através de entrevista
junto aos moradores residentes nos domicílios selecionados, ao longo de dois dias
não consecutivos, independente do local de consumo do alimento (no domicílio ou fora
dele). Foram obtidas informações sobre o consumo alimentar de 34003 indivíduos com
pelo menos 10 anos de idade, entre os meses de maio de 2008 a maio de 2009, por
meio do método de registro alimentar, no qual as anotações são feitas no momento do
consumo. Um total de 1121 itens alimentares foi citado na pesquisa, os quais foram
combinados de forma a compor uma tabela com 105 alimentos, classificados em 21
grupos.
O risco potencial à saúde da população associado à exposição ao furano pela
dieta foi avaliado através da Margem de Exposição (MOE). A MOE representa a
relação entre a Benchmark Dose Lower Confidence Limit (BMDL), ou seja, a dose da
substância associada a uma baixa incidência de risco de um efeito adverso
(normalmente de 1 a 10%) determinada experimentalmente com animais para um
intervalo de confiança de 95%, e a ingestão estimada (EFSA, 2005). Uma BMDL de
0,96 mg/kg pc/dia observada para indução de adenoma hepatocelular e carcinoma em
animais foi utilizada nos cálculos (FAO/WHO, 2011).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Validação do método
Após a definição das condições cromatográficas e da otimização dos
parâmetros da SPME para as diferentes matrizes, o método foi validado utilizando
amostras de alimento infantil (à base de legumes, feijão, arroz, carne e macarrão),
molho de soja, pão integral e café, de maneira a representar os grupos de alimentos
estudados. Os resultados obtidos estão apresentados nas Tabelas 2, 3 e 4 .
Tabela 2 . Linearidade e seletividade.
Amostra Intervalo de calibração (µg/kg) r2 Efeito matriz
Alimento infantil, molho de soja, pão 0 – 100 0,998 não
Café em pó 0 – 9600 0,992 não
r2 = coeficiente de correlação calculado a partir da curva preparada no solvente.
Tabela 3 Exatidão e precisão.
Amostra Nível de fortificação (µg/kg)
R (%) CVr (%) CVR
(%) CVmáx
(%)
Alimento infantil
2,5 80,2 9,4 12,4 39,0
10 106,7 5,6 7,4 31,4
50 95,9 7,5 10,3 25,3
Molho de soja
5 93,9 11,3 19,5 30,4
20 83,0 13,2 17,0 27,5
75 127,0 2,8 23,6 24,2
Pão
5 123,4 6,7 23,3 30,1
25 101,0 9,8 15,6 26,7
75 91,6 9,1 10,3 23,2
Café em pó
480 101,2 7,1 10,6 14,3
1200 75,8 3,5 13,8 14,3
3600 86,0 1,7 6,2 13,4
R = recuperação; CVr = coeficiente de variação em condições de repetibilidade (mesmo dia); CVR = coeficiente de variação em condições de reprodutibilidade intermediária (mesmo laboratório, dias diferentes); CVmáx = 2 (1 - 0,5 log C), onde C = concentração do analito (equação de Horwitz).
Tabela 4 . Limites de detecção (LOD) e quantificação (LOQ).
Replicata Alimento infantil
(µg/kg) Molho de soja
(µg/kg) Pão integral
(µg/kg) Café
(µg/kg)*
1 2,6 4,5 12,7 17,7
2 3,1 4,8 13,5 17,3
3 2,6 5,0 12,9 18,4
4 2,9 5,8 12,2 16,8
5 2,9 5,1 12,2 17,4
6 3,1 5,4 12,5 18,2
7 3,3 5,5 12,2 15,5
Média 2,9 5,1 12,6 17,3
Desvio padrão 0,2 0,4 0,5 1,0
LOD 0,7 1,3 1,4 3,0
LOQ 2,4 4,2 4,8 10,0
* LOD e LOQ foram determinados para a bebida de café, por sua maior relevância para este tipo de amostra devido às menores concentrações de furano encontradas em relação ao café em pó.
Os dados reportados demonstram que o procedimento proposto pode ser
aplicado com adequado grau de confiança para a determinação de furano em diversos
alimentos. O método apresentou linearidade satisfatória na faixa de trabalho utilizada e
mostrou ser seletivo, já que não foi observado efeito matriz para nenhuma das
amostras avaliadas. As taxas médias de recuperação variaram de 75,8 a 127,0%, e os
coeficientes de variação estiveram entre 1,7 e 13,2% para repetibilidade e entre 6,2 e
23,6% para reprodutibilidade intermediária, valores que estão dentro dos limites
considerados aceitáveis (Horwitz, 1980; EC, 2002). Os limites de detecção variaram
de 0,7 a 3,0 µg/kg e os limites de quantificação estiveram entre 2,4 e 10,0 µg/kg,
dependendo da matriz.
3.2. Determinação de furano em alimentos
3.2.1. Alimentos infantis
Os níveis de furano nas amostras de alimentos infantis analisadas estão
apresentados na Tabela 5 . Conforme observado, a concentração de furano variou de
não detectável a 95,5 µg/kg. O contaminante foi encontrado acima do LOQ em todas
as amostras à base de legumes, enquanto que 59% das amostras à base de frutas
apresentaram níveis quantificáveis. As concentrações médias observadas foram de
33,0 µg/kg para papinhas salgadas e de 5,5 µg/kg para papinhas de frutas.
Tabela 5 . Níveis de furano em alimentos infantis (N = 57).
Grupo Amostra N / N+ Furano (µg/kg)
Média Mín - Máx
Papinhas salgadas
Legumes 2 / 2 50,6 23,8 - 77,4
Legumes e peru 2 / 2 22,1 12,8 - 31,4
Legumes e carne 18 / 18 29,0 10,7 - 95,5
Legumes e frango 8 / 8 30,3 13,2 - 43,9
Papinhas de frutas
Frutas 20 / 11 3,9 nd - 11,7
Frutas e leite 3 / 3 8,0 5,1 - 10,5
Frutas e cereais 4 / 2 4,5 nd - 10,1
N = número de amostras; N+ = número de amostras acima do limite de quantificação (LOQ = 2,4 µg/kg); nd = valores abaixo do limite de detecção (LOD = 0,7 µg/kg). Para o cálculo da média, valores abaixo do LOQ e do LOD foram tratados conforme o documento de orientação para submissão de dados sobre contaminantes químicos do GEMS/Food (WHO, 2002).
De acordo com os resultados de um plano de monitoramento dos níveis de
furano realizado pela EFSA de 2004 a 2010, a concentração do contaminante em
alimentos infantis variou de 0 a 233 µg/kg, com valores médios de 40 µg/kg para
papinhas à base de legumes e carnes, e de 5,3 µg/kg para papinhas à base de frutas
(EFSA, 2011). Conforme pode ser observado, os resultados obtidos no presente
estudo estão de acordo com dados reportados por outros países.
Alguns autores atribuíram o maior teor de furano de papinhas salgadas à maior
temperatura utilizada no tratamento térmico, já que produtos à base de legumes e
carnes são esterilizados enquanto que produtos à base de frutas são pasteurizados
(Bianchi et al., 2006). Estudos mais recentes têm indicado que uma maior degradação
de ácido ascórbico ocorre em papinhas salgadas em função do maior pH de vegetais,
o que poderia levar à formação de maiores níveis do contaminante nesses produtos
(Mesías-García et al., 2010). Outros autores demonstraram que a degradação de
ácido ascórbico também pode ser potencializada na presença de lipídeos, o que
constituiria uma das principais rotas de formação de furano em alimentos (Owczarek-
Fendoret al., 2010a). Além disso, outros fatores como a disponibilidade de oxigênio e a
presença de tampões (fosfato, citrato) podem interferir na concentração do
contaminante no produto final (Owczarek-Fendoret al., 2010b).
3.2.2. Alimentos enlatados/conservas
A Tabela 6 mostra os resultados obtidos em relação à ocorrência de furano em
alimentos enlatados/conservas. As concentrações do contaminante variaram de não
detectável a 32,8 µg/kg. A maior % de resultados positivos foi observado no grupo de
produtos à base de carne. Os valores médios de cada grupo foram calculados em 4,9
µg/kg (legumes), 10,9 µg/kg (carnes) e 3,4 µg/kg (doces e frutas). Os resultados são
comparáveis àqueles reportados em outros estudos (FDA, 2004; Zoller et al., 2007;
Morehouse et al., 2008; EFSA, 2011).
Tabela 6 . Níveis de furano em alimentos enlatados/conservas (N = 94).
Grupo Amostra N / N+ Furano (µg/kg)
Média Mín - Máx
Legumes
Seleta de legumes 5 / 1 0,6-1,5 nd - 3,1
Extrato de tomate 6 / 4 5,3 <2,4 – 13,1
Molho de tomate 6 / 3 6,0 <2,4 – 15,7
Azeitona verde 6 / 5 5,0 <2,4 – 7,5
Champignon 6 / 4 2,8 <2,4 – 4,0
Palmito 6 / 4 8,5 <2,4 – 16,1
Milho verde 6 / 5 6,8 <2,4 – 13,0
Ervilha 4 / 3 3,4 <2,4 – 5,5
Carnes
Feijoada 5 / 4 6,7 <2,4 – 16,5
Atum 6 / 5 5,3 <2,4 – 9,2
Salsicha 4 / 4 10,8 4,8 - 18,8
Sardinha 6 / 6 9,4 2,7 – 15,5
Patê de presunto 3 / 3 22,5 17,1 – 32,8
Doces e frutas
Doce de leite 4 / 3 3,7 <2,4 – 5,9
Pêssego em calda 6 / 1 0,9-1,8 nd – 5,3
Abacaxi em calda 5 / 4 6,8 <2,4 – 10,3
Geléia de morango 6 / 2 1,9-3,5 <2,4 – 7,8
Goiabada 4 / 3 2,7 <2,4 – 3,3
N = número de amostras; N+ = número de amostras acima do limite de quantificação (LOQ = 2,4 µg/kg); nd = valores abaixo do limite de detecção (LOD = 0,7 µg/kg). Para o cálculo da média, valores abaixo do LOQ e do LOD foram tratados conforme o documento de orientação para submissão de dados sobre contaminantes químicos do GEMS/Food (WHO, 2002). Um intervalo de valores representa os limites inferior e superior da média para um grupo de dados com menos de 40% de resultados quantificáveis.
Assim como para os alimentos infantis, os menores níveis de furano foram
encontrados em produtos à base de frutas, o que reforça a hipótese de que produtos à
base de legumes e carnes apresentam maior potencial para a formação do
contaminante. Além disso, considerando que carnes contêm níveis significativos de
lipídeos, os resultados obtidos neste estudo sugerem a importância desses
componentes na formação de furano em alimentos, confirmando as informações
previamente reportadas por Owczarek-Fendoret al. (2010a).
3.2.3. Café
Os níveis de furano nas amostras de café estão apresentados na Tabela 7 . As
concentrações variaram de 253,0 a 5021,4 µg/kg no café em pó e de não detectável a
156,6 µg/kg na bebida de café, o que é comparável aos dados reportados na literatura
(FDA, 2004; Zoller et al., 2007; Morehouse et al., 2008; Crews et al., 2009; EFSA,
2011). Com exceção do café solúvel (bebida), todas as outras amostras analisadas
apresentaram 100% de resultados quantificáveis. As concentrações médias
observadas foram de 1224,9 µg/kg para o café em pó (embalagem normal tipo
almofada), 2967,7 µg/kg para o café em pó embalado a vácuo e de 38,2 µg/kg para a
bebida de café.
Tabela 7 . Níveis de furano em café (N = 79).
Grupo Amostra N / N+ Furano (µg/kg)
Média Mín - Máx
Pó embalagem normal (almofada)
Solúvel 8 / 8 448,9 253,0 – 1005,3
Tradicional 7 / 7 1669,7 1139,3 – 2026,4
Extra-forte 6 / 6 1556,1 1262,0 – 1791,8
Pó embalagem a vácuo
Tradicional 6 / 6 3472,0 2704,1 – 5021,4
Forte 4 / 4 4164,3 3475,9 – 5017,8
Extra-forte 6 / 6 2445,0 1732,1 – 4481,7
Premium 4 / 4 1789,4 1273,8 – 2328,5
Bebida
Solúvela 8 / 2 3,8-9,6 nd – 20,6
Filtradob 10 / 10 25,5 15,4 – 55,1
Espresso 14 / 14 79,8 44,5 – 156,6
Cappuccino 6 / 6 40,7 27,7 – 74,2
N = número de amostras; N+ = número de amostras acima do limite de quantificação (LOQ = 10 µg/kg); nd = valores abaixo do limite de detecção (LOD = 3 µg/kg). Para o cálculo da média, valores abaixo do LOQ e do LOD foram tratados conforme o documento de orientação para submissão de dados sobre contaminantes químicos do GEMS/Food (WHO, 2002). Um intervalo de valores representa os limites inferior e superior da média para um grupo de dados com menos de 40% de resultados quantificáveis. aBebidas preparadas no laboratório considerando 2 g de café solúvel para 100 mL de água. bInclui bebidas coletadas de garrafa térmica e bebidas preparadas no laboratório (manualmente e automaticamente) considerando 10 g de café em pó torrado e moído para 100 mL de água.
Os altos níveis do contaminante encontrados no café em pó estão relacionados
às temperaturas utilizadas no processo de torrefação, que são geralmente superiores
às empregadas na maioria dos outros processos térmicos. O café solúvel apresentou
as menores concentrações de furano, o que deve ser atribuído à volatilização do
contaminante durante as etapas de extração e concentração empregadas para a
obtenção deste produto. Os maiores teores foram observados no produto embalado a
vácuo, já que a perda de compostos voláteis é menor neste tipo de embalagem. A
intensidade do café (tradicional, forte e extra-forte) não pôde ser correlacionada com o
nível de furano, embora alguns estudos tenham sugerido que as concentrações do
contaminante aumentam com o grau de torra (Guenther et al., 2010; Arisseto et al.,
2011). A composição do café em relação à espécie (C. arábica e C. canephora)
também deve contribuir para as diferenças observadas, já que experimentos
realizados com cafés de graus de torra claro, médio e escuro mostraram maiores
teores de furano para a espécie C. canephora (robusta) (Arisseto et al., 2011).
A bebida de café contém níveis de furano significativamente inferiores aos
valores encontrados no pó, o que deve estar associado à volatilização do
contaminante em função da alta temperatura da água bem como à sua solubilidade
neste solvente. A variação do teor de furano nas diferentes bebidas analisadas está
relacionada principalmente ao tipo de processo empregado para preparar o produto
(filtração, percolação, pressão, entre outros), ao teor de furano no pó e à proporção de
pó e água utilizada (Kuballa et al., 2005; Zoller et al., 2007; Arisseto et al., 2011).
Amostras de café espresso apresentam maiores níveis de furano devido ao sistema
fechado das máquinas comerciais que limita as perdas por volatilização, além da
maior quantidade de pó necessária para o preparo desta bebida.
3.2.4. Molho de soja
Na Tabela 8 estão apresentados os níveis de furano encontrados nas amostras
de molho de soja e produtos contendo molho de soja. Conforme observado, todas as
amostras analisadas apresentaram resultados acima do LOQ, tendo a concentração
de furano variado de 6,0 a 138,1 µg/kg. Resultados similares foram reportados em
outros estudos (FDA, 2004; EFSA, 2011).
Tabela 8 . Níveis de furano em molhos de soja e produtos contendo molho de soja (N =
62).
Molho de soja N / N+ Furano (µg/kg)
Média Mín - Máx
Tradicional 26 / 26 27,2 10,5 – 57,8
Light 7 / 7 21,9 7,6 – 37,8
Premium 9 / 9 26,3 6,0 – 47,3
Outros 4 / 4 50,2 40,9 – 65,1
Produtos contendo molho de sojaa 16 / 16 42,7 7,6 – 138,1
N = número de amostras; N+ = número de amostras acima do limite de quantificação (LOQ = 4,2 µg/kg). aMolhos para yakissoba, shimeji, tipo oriental, tonkatsu e tare.
Não há informações disponíveis na literatura sobre as possíveis fontes de
contaminação de molho de soja com furano. Uma hipótese é que a ocorrência do
contaminante seja atribuída ao uso de grãos de cereais torrados (como trigo, milho e
arroz) na formulação destes produtos. As informações contidas nos rótulos em relação
aos ingredientes e ao processo de fabricação não foram suficientes para explicar a
variação dos resultados. A adição de corante caramelo, em algumas marcas, pode ser
uma eventual fonte de furano. Não foi possível estabelecer correlação entre a marca
ou o tipo do molho com os níveis de furano obtidos.
3.2.5. Produtos à base de cereais
A Tabela 9 mostra os resultados obtidos em relação à ocorrência de furano em
alimentos à base de cereais. Das 71 amostras analisadas, 62 apresentaram resultados
quantificáveis, sendo que concentrações de até 191,3 µg/kg foram verificadas. Os
maiores níveis de furano foram encontrados em cereal matinal, biscoito cream cracker
e biscoito waffer, enquanto que as menores concentrações foram obtidas em pão de
forma e bolo. Dados divulgados por Fromberg et al. (2009) relataram a presença de
furano em cereais matinais em níveis de até 387 µg/kg. Outros estudos também
confirmaram a ocorrência de altas concentrações de furano em produtos à base de
cereais como cookies, crackers e crispbread (Hoenicke et al., 2004; EFSA, 2011),
sendo que grandes variações foram observadas entre diferentes produtos e lotes
(Wegener & López-Sánchez, 2010).
Tabela 9 . Níveis de furano em produtos à base de cereais (N = 71).
Amostra N / N+ Furano (µg/kg)
Média Mín - Máx
Granola 6 / 6 18,8 11,8 – 23,9
Barra de cereais 5 / 5 13,2 7,6 – 19,4
Cereal matinal (corn flakes) 6 / 6 77,1 36,5 – 145,0
Pão de forma 6 / 3 5,9 <4,8 – 12,0
Pão integral 6 / 4 12,5 <4,8 – 29,5
Pão de sal 6 / 6 26,4 5,9 – 50,3
Torrada 6 / 6 42,2 24,6 – 85,2
Biscoito salgado (cream cracker) 6 / 6 95,9 42,4 – 166,4
Biscoito salgado (Club Social) 6 / 6 22,2 15,6 – 29,0
Biscoito recheado (waffer) 6 / 6 105,3 29,5 – 191,3
Biscoito doce (leite) 6 / 6 38,1 23,8 – 67,2
Bolo de laranja 6 / 2 1,8-5,0 nd – 5,6
N = número de amostras; N+ = número de amostras acima do limite de quantificação (LOQ = 4,8 µg/kg); nd = valores abaixo do limite de detecção (LOD = 1,4 µg/kg). Para o cálculo da média, valores abaixo do LOQ e do LOD foram tratados conforme o documento de orientação para submissão de dados sobre contaminantes químicos do GEMS/Food (WHO, 2002). Um intervalo de valores representa os limites inferior e superior da média para um grupo de dados com menos de 40% de resultados quantificáveis.
Existem poucos estudos disponíveis sobre a formação de furano em alimentos
à base de cereais. Fromberg et al. (2009) relataram que a coloração do pão ao ser
tostado é diretamente proporcional ao nível de furano formado, sendo que os maiores
teores do contaminante são obtidos para pães tostados de coloração mais escura.
Tem sido também demonstrado que os maiores níveis de furano são encontrados na
casca do pão (Zoller et al., 2007). Não há informações na literatura que justifiquem a
variação da concentração do contaminante geralmente encontrada nos diferentes
produtos. Essas diferenças podem estar relacionadas aos ingredientes utilizados na
formulação, ao tipo de processo empregado e à heterogeneidade da formação de
furano no alimento (Fromberg et al. 2009; Wegener & López-Sánchez, 2010).
3.3. Estimativa da exposição ao furano e avaliação do risco
3.3.1. População infantil
A Tabela 10 mostra os valores de consumo médio diário de alimentos infantis
para cada cenário avaliado bem como os níveis de furano utilizados nos cálculos. O
primeiro cenário foi utilizado para expressar a exposição ao furano de um bebê
alimentado exclusivamente com papinhas industrializadas, enquanto que o segundo
cenário representa a exposição ao contaminante com base em dados de consumo
efetivo destes produtos.
Tabela 10 . Consumo médio de alimentos infantis e níveis de furano usados nos
cálculos.
Alimento Consumo (g/dia/indivíduo) Furano (µg/kg)
Cenário 1 Cenário 2 Média P95
Papinhas salgadas 211 115 30,3 69,4
Papinhas de frutas 120 120 4,5 10,4
Cenário 1: consumo médio de papinhas recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2006). Cenário 2: consumo médio efetivo de papinhas industrializadas considerando somente consumidores (Aquino & Philippi, 2002).
A exposição ao furano foi estimada separadamente para papinhas salgadas e
para papinhas de frutas e a exposição total foi calculada somando-se os dois valores
obtidos. Os valores estimados são mostrados na Tabela 11 .
Tabela 11 . Estimativa da ingestão de furano para a população infantil (µg/kg pc/dia) e
margens de exposição (MOE).
Alimento
Cenário 1 Cenário 2
Consumidores médios
Grandes consumidores Consumidores
médios Grandes
consumidores
Papinhas salgadas 0,76 1,74 0,41 0,95
Papinhas de frutas 0,06 0,15 0,06 0,15
Ingestão Total 0,83 1,89 0,48 1,10
MOE 1163 507 2004 874
Cenário 1: consumo médio de papinhas recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2006). Cenário 2: consumo médio efetivo de papinhas industrializadas considerando somente consumidores (Aquino & Philippi, 2002).
Para consumidores médios, a ingestão total foi estimada em 0,83 e 0,48 µg/kg
pc/dia para os cenários 1 e 2, respectivamente. A exposição de um indivíduo
alimentado exclusivamente com papinhas industrializados (cenário 1) foi quase 2
vezes maior que os valores obtidos a partir de dados individuais de consumo (cenário
2). Para grandes consumidores (P95), a exposição ao furano foi aproximadamente 2,3
vezes maior que o valor médio para ambos os cenários (1,89 e 1,10 µg/kg pc/dia,
respectivamente). Valores de ingestão entre 0,1 e 10,6 µg/kg pc/dia têm sido
reportados na literatura para populações infantis da Itália, Estados Unidos, Alemanha
e Finlândia (Bianchi et al., 2006; FDA, 2007; Jestoi et al., 2009; Lachenmeier et al.,
2009). Conforme observado, a exposição ao furano no Brasil pode ser comparada aos
resultados obtidos em outros países.
A Tabela 11 também apresenta as MOEs calculadas considerando os níveis de
ingestão estimados no presente estudo. MOEs podem ser utilizadas no gerenciamento
do risco para estabelecer prioridades em tomada de ações em relação à presença de
substâncias carcinogênicas em alimentos. Quanto menor o valor da MOE significa que
o risco da população exposta é maior, ao passo que uma MOE elevada indica um
menor risco. Embora a interpretação de sua magnitude ainda esteja em discussão,
tem sido sugerido que uma MOE igual ou superior a 10000 representaria pouca
preocupação do ponto de vista de saúde pública, indicando que a substância poderia
ser considerada de baixa prioridade para uma tomada de ação em gerenciamento do
risco (EFSA, 2005). De acordo com a Tabela 11 , os valores da MOE variaram de 507
a 1163 no cenário 1 e de 874 a 2004 no cenário 2, o que pode ser considerado baixo
para uma substância possivelmente carcinogênica ao homem, indicando uma
preocupação potencial de saúde pública. Resultados similares foram reportados por
Lachenmeier et al. (2009).
Grande parte do risco decorrente da exposição ao furano pela dieta deve estar
associada ao consumo de papinhas salgadas, já que este alimento contribuiu em 92 e
87% da exposição total ao furano (estimada para consumidores médios nos cenários 1
e 2, respectivamente), sendo considerado a fonte mais importante do contaminante
para a população infantil.
3.3.2. População geral
Conforme ressaltado anteriormente, os dados da Análise do Consumo
Alimentar Pessoal no Brasil fornecidos pela POF 2008-2009 reportam um total de
1121 itens alimentares citados, os quais foram combinados de forma a compor uma
tabela com 105 alimentos, classificados em 21 grupos (IBGE, 2011 – Anexo I). Para a
realização dos cálculos de ingestão do presente estudo, foram considerados aqueles
alimentos compostos por pelo menos um item alimentar para o qual a concentração de
furano foi determinada previamente. Por exemplo, o alimento “milho e preparações” foi
selecionado, pois na descrição dos itens alimentares que compõe este alimento foi
citado “milho verde em conserva”. A Tabela 12 mostra os alimentos selecionados para
o estudo, bem como os itens alimentares citados que permitiram sua seleção e os
grupos nos quais foram classificados.
Tabela 12 . Alimentos selecionados para o cálculo de ingestão, bem como os itens
alimentares citados e os grupos nos quais foram classificados de acordo com a
Pesquisa de Orçamentos Familiares POF 2008-2009 (IBGE, 2011).
Alimento Itens alimentares citados Grupo
Milho e preparações Milho verde em conserva Cereais
Preparações à base de feijão Feijoada Leguminosas
Outras leguminosas Ervilha em conserva Leguminosas
Outras verduras Palmito em conserva Verduras
Outros legumes Seleta (jardineira) Legumes
Outros tubérculos Champignon em conserva Raízes e tubérculos
Cereais matinais Barra de cereais Farinhas e massas
Cereal matinal de milho em flocos
Granola
Pão de sal Pão de forma industrializado Panificados
Pão de sal
Torrada
Pão integral Pão integral
Bolos Bolo de laranja Bolos
Biscoito doce Biscoito doce Biscoitos
Biscoito salgado Biscoito salgado
Biscoito recheado Waffer
Peixes em conserva Atum em conserva Carnes
Sardinha em conserva
Salsicha Salsicha em conserva
Outras carnes processadas Patê de presunto
Doces à base de leite Doce à base de leite Doces
Doces à base de frutas Goiabada
Doces de frutas em calda
Geléias
Café Café Bebidas
Café tipo expresso
Café tipo capuccino
Café solúvel
Molhos e condimentos Molho de soja Molhos e condimentos
Molho de tomate
Massa de tomate
O consumo diário dos alimentos selecionados (média nacional total) bem como
os níveis de furano utilizados nos cálculos do presente estudo são mostrados na
Tabela 13 . A média e o percentil 95 da concentração de furano foram calculados
considerando os itens alimentares que compõe os alimentos de acordo com a Tabela
12.
Tabela 13 . Consumo médio de alimentos e níveis de furano utilizados nos cálculos.
Alimento Consumo (g/dia/pessoa)
Furano (µg/kg)
Média P95
Milho e preparações 20,4 6,8 12,3
Preparações à base de feijão 8,4 6,7 15,1
Outras leguminosas 1,3 3,4 5,2
Outras verduras 1,4 8,5 16,0
Outros legumes 4,6 0,6-1,5 2,5-3,0
Outros tubérculos 1,2 2,8 4,0
Cereais matinais 0,8 37,7 106,5
Pão de sal 53,0 24,9 57,5
Pão integral 0,9 12,5 27,1
Bolo 13,9 1,8-5,0 5,4
Biscoito doce 4,0 38,1 60,9
Biscoito salgado 6,8 59,1 151,7
Biscoito recheado 4,6 105,3 189,7
Peixes em conserva 0,4 7,3 14,7
Salsicha 2,1 10,8 18,1
Outras carnes processadas 0,7 22,5 31,3
Doce à base de leite 5,5 3,7 5,6
Doce à base de frutas 2,3 3,4 9,1
Café 215,1 44,1 103,4
Molhos e condimentos 0,5 27,7 60,4
A exposição ao furano foi estimada separadamente para cada alimento e a
exposição total foi calculada em 0,20 e 0,47 µg/kg pc/dia para médios e grandes
consumidores, respectivamente, após a soma de todos os valores obtidos (Tabela 14).
Dados reportados por outros países mostram resultados semelhantes. Nos Estados
Unidos, a exposição média ao furano pela dieta para a população geral foi calculada
em 0,25 µg/kg pc/dia em 2004 (Morehouse et al., 2008) e em 0,26 µg/kg pc/dia em
2007, com uma estimativa de 0,61 µg/kg pc/dia para o percentil 90 (FDA, 2007). Uma
recente avaliação conduzida na Europa envolvendo 17 países mostrou valores médios
de ingestão entre 0,02 e 0,59 µg/kg pc/dia, com uma estimativa mediana de 0,19 µg/kg
pc/dia considerando todos os resultados reportados. Para grandes consumidores
(P95), as estimativas médias variaram de 0,06 a 1,38 µg/kg pc/dia, com um valor
mediano de 0,56 µg/kg pc/dia (EFSA, 2011). Em Taiwan, a ingestão de furano
decorrente do consumo de café foi estimada em 0,30 e 0,18 µg/kg pc/dia para homens
e mulheres, respectivamente (Liu & Tsai, 2010).
Tabela 14 . Estimativa de ingestão de furano para a população geral (µg/kg pc/dia) e
margens de exposição (MOE).
Alimento Consumidores médios Grandes consumidores
Milho e preparações 0,00 0,01
Preparações à base de feijão 0,00 0,00
Outras leguminosas 0,00 0,00
Outras verduras 0,00 0,00
Outros legumes 0,00 0,00
Outros tubérculos 0,00 0,00
Cereais matinais 0,00 0,00
Pão de sal 0,02 0,05
Pão integral 0,00 0,00
Bolo 0,00 0,00
Biscoito doce 0,00 0,01
Biscoito salgado 0,01 0,02
Biscoito recheado 0,01 0,01
Peixes em conserva 0,00 0,00
Salsicha 0,00 0,00
Outras carnes processadas 0,00 0,00
Doce à base de leite 0,00 0,00
Doce à base de frutas 0,00 0,00
Café 0,16 0,37
Molhos e condimentos 0,00 0,00
Ingestão total 0,20 0,47
MOE 4714 2043
A Tabela 14 também apresenta as MOEs calculadas considerando os níveis de
ingestão estimados para a população geral. Os valores obtidos (4717 e 2043 para
médios e grandes consumidores, respectivamente), podem ser considerados baixos e
devem indicar preocupação à saúde humana.
A avaliação da contribuição de cada alimento à exposição total ao furano para
os consumidores médios mostrou que o café foi a fonte mais importante do
contaminante na dieta, contribuindo em 78% da sua ingestão total, seguido pelo pão
de sal (11%), biscoito recheado (4%) e biscoito salgado (3%). A soma da contribuição
de todos os outros alimentos não passou de 4,3%. O café também foi identificado
como a principal fonte de furano na dieta em outros países (Morehouse et al., 2008;
Liu & Tsai, 2010; EFSA, 2011).
4. CONCLUSÕES
A presente pesquisa reportou os resultados de um estudo inédito no país sobre
a ocorrência de furano em alimentos processados e seus riscos potenciais à saúde da
população brasileira.
O furano foi determinado nas amostras selecionadas por cromatografia gasosa
acoplada à espectrometria de massas precedida por micro-extração em fase sólida
(SPME-GC/MS), cujo método foi otimizado e validado para diversas matrizes durante
o estudo. As concentrações de furano nas amostras analisadas variaram de não
detectável a 95,5 µg/kg em alimentos infantis (papinhas e sopinhas), de não detectável
a 32,8 µg/kg em alimentos enlatados/conservas, de 253,0 a 5021,4 µg/kg em café em
pó, de não detectável a 156,5 na bebida de café, de 6,0 a 138,1 em molhos de soja e
de não detectável a 191,3 µg/kg em alimentos à base de cereais. Estes resultados
estão em concordância com os dados reportados na literatura por outros países.
Os valores de ingestão estimados para a população infantil devido ao consumo
de papinhas variaram de 0,48 a 1,89 µg/kg pc/dia, resultando em MOEs de 507 a
2004, que podem ser consideradas baixas para uma substância possivelmente
carcinogênica, indicando uma preocupação potencial de saúde pública para esta
população. O consumo de papinhas industrializadas à base de carnes e legumes foi
responsável por aproximadamente 90% da exposição total ao furano. Até o momento,
não existem procedimentos cientificamente testados que possam reduzir a formação
deste contaminante durante o processamento, mas com base nas propriedades físicas
do furano, recomenda-se que estes alimentos sejam transferidos para um recipiente
aberto e aquecidos sob agitação antes do consumo.
Para a população geral, a exposição ao furano pela dieta foi estimada em 0,20
µg/kg pc/dia para consumidores médios e 0,47 µg/kg pc/dia para grandes
consumidores, resultando em MOEs de 4714 e 2043, respectivamente, o que também
sugere preocupação do ponto de vista de saúde pública para esta população. O
consumo de café foi responsável por 78% da exposição total ao furano. Atualmente,
também não existem formas de reduzir a formação do contaminante durante a
torrefação do café, mas tem sido demonstrado que os menores teores de furano são
encontrados no café solúvel e no café de grau de torra claro.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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