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Problematizando as notas escolares e os pareceres avaliativos: é preciso mudar o rumo da história 1 Targélia de Souza Albuquerque A aprendizagem escolar nunca parte do ponto zero. Lev Semenovich Vygotsky 2 Uma avaliação [...] capaz de orientar o aluno para que ele próprio possa situar suas dificuldades, analisá-las e descobrir, ou pelo menos, operacionalizar os procedimentos que lhe permitam progredir. Charles Hadji 3 [...] não se poderia separar a reflexão sobre a avaliação de um questionamento mais global sobre as finalidades da escola, das disciplinas, do contrato pedagógico e didático e dos procedimentos de ensino e de aprendizagem. Philippe Perrenoud 4 Historiando... Quando comecei a escrever este texto, senti a necessidade de rever o conjunto de nossa obra, trazendo à tona algumas questões sobre: ética e avaliação; as relações entre sociedade, mercado, educação e avaliação; a concepção de escola substantivamente democrática (acepção freireana); a perspectiva histórica da avaliação educacional; a avaliação como estra- tégia de gestão educacional com um olhar crítico sobre as políticas nacio- nais de avaliação e os fundamentos teóricos e metodológicos da avaliação 1 Este texto foi sendo ressignificado e aperfeiçoado, a partir do diálogo entre um professor de medidas educacionais (da década de 1970) e uma de suas alunas daquela época, hoje, professora. Atualmente, ambos estudam novos modos de conceber e praticar a ava- liação numa perspectiva formativa e emancipadora; o professor – Rubem Eduardo da Silva – e a aluna , a professora Targélia de Souza Albuquerque. 2 VYGOTSKY, L. S. ; LURIA, A. R. ; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988, p. 109. 3 HADJI, Charles. Avaliação Desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 9-10. 4 PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 168.

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Problematizando as notas escolares e os pareceres avaliativos: é preciso mudar o rumo da história1

Targélia de Souza AlbuquerqueA aprendizagem escolar nunca parte do ponto zero.

Lev Semenovich Vygotsky2

Uma avaliação [...] capaz de orientar o aluno para que ele próprio possa situar suas

dificuldades, analisá-las e

descobrir, ou pelo menos, operacionalizar os

procedimentos que lhe permitam progredir.

Charles Hadji3

[...] não se poderia separar a reflexão sobre a avaliação de um

questionamento mais global sobre as finalidades da escola,

das disciplinas, do contrato pedagógico e didático e dos

procedimentos de ensino e de aprendizagem.

Philippe Perrenoud4

Historiando...Quando comecei a escrever este texto, senti a necessidade de rever o

conjunto de nossa obra, trazendo à tona algumas questões sobre: ética e avaliação; as relações entre sociedade, mercado, educação e avaliação; a concepção de escola substantivamente democrática (acepção freireana); a perspectiva histórica da avaliação educacional; a avaliação como estra-tégia de gestão educacional com um olhar crítico sobre as políticas nacio-nais de avaliação e os fundamentos teóricos e metodológicos da avaliação

1 Este texto foi sendo ressigni fi cado e aperfeiçoado, a partir do diálogo entre um professor de medidas educacionais (da década de 1970) e uma de suas alunas daquela época, hoje, professora. Atualmente, ambos estudam novos modos de conceber e praticar a ava-liação numa perspectiva formativa e emancipa dora; o professor – Rubem Eduardo da Silva – e a aluna , a professora Targélia de Souza Albuquerque.

2 VYGOTSKY, L. S. ; LURIA, A. R. ; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988, p. 109.

3 HADJI, Charles. Ava lia ção Des mistifi cada. Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 9-10.

4 PERRE NOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 168.

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educacional e da aprendizagem, com destaque para o estudo do paradigma da avaliação emancipatória e da proposta de avaliação formativa.

Retomei os nossos estudos sobre a trajetória da avaliação, em especial sobre a lógica objetivista, quantitativista, com ênfase nas medidas educacionais, que marcou a história da avaliação nas décadas de 1960, 1970 e no início dos anos 1980, no Brasil.

Tornou-se necessário problematizar alguns pressupostos da abordagem objetivista da avaliação, ancorados na matriz positivista de compreensão da realidade, entre eles: a sociedade pode ser epistemologicamente assimilada à natureza; portanto, na vida social, à semelhança da natureza, reina uma harmonia natural (sem ambiguidades); em consequência, toda a ruptura dessa harmonia passa a ser indicativa de desequilíbrio e desadaptação; a sociedade é regida por leis naturais, quer dizer, leis invariáveis, independentes da vontade e ação humanas (FRANCO, 1990, p. 64). Isto possibilitava alcançar quão forte era a relação entre as Ciências Naturais, a Psicometria e a questão das medidas em educação.

Nessa abordagem, a observação, a verificação e a experimentação são con-sideradas o tripé da cientificidade, da garantia da objetividade, de neutralidade nos processos de mensuração e avaliação. Como já estudamos, esta ideologia é uma construção social e está a serviço de um projeto de sociedade capitalista, bem articulado às necessidades e estratégias do mercado.

Precisamos reconhecer que a avaliação é uma prática política, socialmente condicionada, e que há uma lógica social hegemônica – a lógica do mercado, da ideologia neoliberal – que interpenetra as políticas de educação e alcança o chão da escola, traduzindo-se nos processos de avaliação da aprendizagem.

Mas, não podemos esquecer que isto acontece em meio a contradições sociais, pois, na própria década de 1980, já se intensificavam as lutas e os movimentos de redemocratização do país, com expressiva repercussão na área educacional, e que desencadearam um amplo debate sobre a avaliação classificatória e os mecanismos seletivos, em especial, da escola pública.

Mas, como sugere Guadilla (1995), Santos (2000) há movimentos de contra-posição ao cenário de mercado, como as resistências e novas organizações so-ciais em direção à construção do cenário de solidariedade.

Isto abriu espaços para rupturas paradigmáticas e construção de novas visões e de práticas de avaliação numa perspectiva democrática, a exemplo de políti-cas e ações desenvolvidas por algumas gestões educacionais e/ou educadores e educadoras críticos(as) que, coletivamente e/ou por iniciativas isoladas, vêm resistindo ativamente às pressões hegemônicas.

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A construção de um novo conhecimento – conhecimento-emancipação –, na área da avaliação, faz-se como uma exigência ética, política e educacional, para a crítica radical aos mecanismos seletivos das escolas e a tomada de decisão e respectivas ações em prol de uma práxis democrática: construtiva e inclusiva. Assim, precisava-se trazer, não só a escola para o centro do debates, mas o aluno e a aluna – como sujeitos de direitos: o direito à aprendizagem, a um ensino de qualidade, à sua formação plena.

E assim foi que, mais uma vez, vi-me estudando sobre cultura, currículo e escola e como a avaliação vai fazendo parte dessa tessitura como integrante e articula-dora. Para prosseguir na tarefa de construção deste capítulo, transformou-se em necessidade retomar o paradigma da avaliação emancipatória, com destaque nos conceitos de emancipação, decisão democrática, transformação e crítica educati-va, (SAUL, 1988), reafirmando o diálogo como princípio e como práxis pedagógica; e os fundamentos teóricos e metodológicos da avaliação formativa.

É importante lembrar as contribuições da Pedagogia Histórico-crítica, de matriz dialética materialista histórica e as advindas da Psicologia Construtivista, em especial na vertente sociocultural, que abriram novos horizontes para a com-preensão crítica da avaliação educacional e da aprendizagem e sua ressignifica-ção numa perspectiva formativa e emancipadora.

Importante ressaltar que vários autores nos oferecem subsídios para a pro-blematização da avaliação da aprendizagem e das notas/conceitos escolares, bem como dos pareceres avaliativos. Os estudos de Philippe Perrenoud sobre o conceito de “fabricação da excelência escolar” e “avaliação formativa”, vêm alertar sobre como a avaliação é uma produção social. “Segundo Perrenoud a escola, como outras instituições da sociedade, define um conjunto de normas de excelência que ensejam comparações entre os sujeitos e, em consequência, o estabelecimento de hierarquias, segundo o grau de aproximação à norma...” (ANDRÉ, 1996, p. 17).

Esse conjunto de normas orienta classificações dualistas – bons e maus alunos – e passa a orientar as expectativas e ações dos professores e das professoras na prática escolar cotidiana. Ao discutir o conceito de “fabricação da excelência escolar”, Perrenoud desvela o poder das organizações sociais em construir re-presentações e transformá-las em padrão de leitura da realidade, impondo-o a seus membros como se esta visão fosse inquestionável e absoluta. “Em nenhum momento o juízo da escola aparece como um dos pontos de vista, entre muitos possíveis acerca do aluno” (ANDRÉ, 1996, p. 17).

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Nesse sentido, podemos trazer as contribuições de Sacristán (2000), quando incursiona sobre as relações entre mercado de trabalho, escola, currículo e ava-liação, explicando que o currículo se realiza num clima de avaliação. Ele destaca que numa sociedade “em que o nível de escolaridade alcançado, ou o grau de rendimento que se obtêm nos estudos, tem a ver com os mecanismos e opor-tunidades de entrada em grande parte do mercado de trabalho, a certidão de ‘valia’ que as instituições escolares expedem aos alunos cumpre um papel social fundamental” (SACRISTÁN, 1992, p. 366 apud ANDRÉ, 1996, p. 17).

A lógica hierarquizadora e meritocrática do mercado exige, na visão de Sacris-tán, uma ênfase na problemática das medidas educacionais em detrimento da problemática do sentido da avaliação – de sua capacidade formativa e emancipa-dora. “A forma técnica de concretizar a função seletiva e hierarquizadora da ava-liação é pela comparação dos alunos, estabelecendo sua posição dentro do grupo (quem é o melhor) ou apelando para um critério de competência em relação a certos conhecimentos e habilidades (quem é competente)” (ANDRÉ, 1996, p. 17).5

É importante relembrar, com Afonso (2000) que o mercado se articula ao Estado-avaliador e transforma a avaliação em sua grande aliada, uma estratégia de gestão das políticas neoliberais para a educação/avaliação, afirmando uma ideologia privatista de diminuição do papel social do Estado, quanto aos seus compromissos com a educação substantivamente democrática.

Há um deslocamento de sua responsabilidade social a respeito do fracasso escolar, da exclusão social, das precárias condições de ensino, da falta de recur-sos para educação, dos problemas decorrentes de políticas educacionais cen-tralizadoras e antidemocráticas; para “a responsabilização individual” de proble-mas, cuja natureza é social. Vejamos o exemplo do fracasso escolar (ou do baixo rendimento dos alunos) que passa a ser tratado como se os próprios alunos, os professores, a escola e/ou as famílias fossem os únicos e principais produtores deste fracasso, da exclusão social.

Lembrei-me, então, de André (1996, p. 17-18) quando discute a questão das mediações no processo avaliativo e explica que “é preciso ir mais além e re-conhecer que quanto o objeto avaliado quanto o processo de valoração são construídos e que, portanto, são ambos afetados por processos psicológicos, marcos institucionais e sociais”. Ela explica que: “desse reconhecimento é preciso

5 ANDRÉ, Marli E. D. A. Avaliação Escolar: além da meritocracia e do fracasso. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n. 99, p. 16-20, nov. 1996.

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partir para uma atitude de autocrítica, de explicitação dos valores assumidos e então relativizar a ‘autoridade’ da avaliação e tentar amenizar o desastre que ela costuma produzir nas relações escolares”.

É longo o percurso de compreensão e de crítica da história da avaliação e de suas práticas escolares, mas isto pode ampliar a nossa compreensão da ava-liação para além da responsabilização imputada pelo Estado e/ou pelo sistema educacional, e por certos gestores/professores e certas gestoras/professoras a alunos(as) e/ou às suas famílias, ou ainda, a seus próprios pares, como se eles tivessem culpa pelo fracasso escolar – uma visão parcial, individualizada e equi-vocada do problema.

Sugerimos que cada educador(a), também, faça o mesmo e ressignifique este trabalho, enriquecendo-o com o olhar engajado de quem pensa e faz acontecer a avaliação na escola, fruto do diálogo com seus alunos e suas alunas e seus co-legas de trabalho.

Hadji nos chama atenção durante toda a sua obra Avaliação Desmistificada (2001), que avaliação não é medida do conhecimento, que seu compromisso maior é com a aprendizagem do aluno, com a sua formação plena. A condição fun-damental para que esta perspectiva não se perca num discurso vazio é o diálogo, como princípio – eixo norteador – e como práxis, consubstanciando uma comu-nicação dialógica, qualificada de democracia, entre o(a) professor(a) e o aluno(a) sobre o processo de construção do conhecimento, de sua aprendizagem contex-tuados histórica, cultural e socialmente.

Diante de tudo que revisamos, eu gostaria de reafirmar que defendemos uma aprendizagem construída no e para o diálogo, num processo de interação social fundamentado na ética universal do ser humano, que possibilite olhar o outro plenamente, enxergando muito mais as suas forças do que as suas deficiências. Lembro aqui Luria (1988, p. 34), no seu texto “Vygotsky” , ao se referir às diferen-ças entre Vygotsky e muitos pesquisadores que estudavam a criança deficiente, escreve: “Vygotsky. [...] rejeitava as descrições simplesmente quantitativas de tais crianças, em termos de traços psicológicos unidimensionais refletidos nos re-sultados dos testes. Em vez disto, preferia confiar nas descrições qualitativas da organização especial de seus comportamentos [...]”.

Parece que estas experiências foram uma das chaves para compreender a re-lação entre aprendizagem e desenvolvimento em geral e depois as características específicas dessa inter-relação na idade escolar (VYGOTSKY, 1988, p. 111).

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Por que este tema passa a ser tão importante na discussão que queremos aprofundar sobre a utilização de escalas de mensuração em educação, o uso dos resultados dos testes entre outros instrumentos, a atribuição de notas escolares e a diferença fundamental entre medir e avaliar?

Revendo pontos sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem: colocando em questão os testes e as notas escolares

Essa discussão aponta para a necessidade de, a partir dos estudos de Vygotsky, compreender melhor a relação entre aprendizagem e desenvolvimento “o nível de desenvolvimento efetivo” e “a área de desenvolvimento potencial” e suas re-lações com a construção de testes de aproveitamento escolar e a atribuição de notas escolares.

Para Vygotsky (1988), este é um problema duplamente complexo, que envol-ve dois níveis de desenvolvimento de uma criança: “nível de desenvolvimento efetivo” e “um nível que engendra a zona de desenvolvimento potencial”.

O nível de desenvolvimento efetivo se relaciona, segundo Vygotsky (1988), “com o desenvolvimento das funções psicointelecuais da criança que se conseguiu como resultado de um processo específico de desenvolvimento já realizado. [...]. Quando se estabelece a idade mental da criança com o auxílio de testes, referimo-nos sempre ao nível de desenvolvimento efetivo” (VYGOTSKY, 1988, p. 111). “A área de desenvol-vimento potencial permite-nos, pois, determinar os futuros passos da criança e a dinâmica do seu desenvolvimento e examinar não só o que o desenvolvi-mento já produziu, mas também o que produzirá no processo de maturação...” (VYGOTSKY, 1988, p. 113).

Na sua visão, “a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do ponto zero. Toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história” (VYGOTSKY, 1988, p. 109). Vygotsky ex-plica que a existência dessa pré-história da aprendizagem escolar não implica uma continuidade direta entre as duas etapas de desenvolvimento da criança: a apren-dizagem antes da escola e a aprendizagem escolar (VYGOTSKY, 1988, p. 109).

Este autor ressalta que “a característica essencial da aprendizagem é que en-gendra a área de desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula, ativa na criança um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito

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das inter-relações com os outros, que, na continuação, são absorvidos pelo curso interior de desenvolvimento e se converterem em aquisições internas da crian-ça” (VYGOTSKY, 1988, p. 115).

Vygotsky explica que a aprendizagem em si não é, em si mesma, desenvolvimen-to, “mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desen-volvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem”(VYGOTSKY, 1988, p. 115).

Quais as implicações disto para uma proposta de avaliação formativa? Se afirmamos que a avaliação deve estar comprometida com a aprendizagem do aluno e da aluna para concretizar a sua formatividade, significa afirmar que a avaliação está relacionada com a produção do desenvolvimento humano, com a própria vida. Esta é uma das muitas lições que Vygotsky dá: “[...] a aprendizagem é um momento intrinsicamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não-naturais, mas formadas historica-mente” (VYGOTSKY, 1988, p. 115).

Não deveriam, portanto, professores(as) e alunos(as) construírem uma ava-liação com caráter investigativo-problematizador – capaz de contribuir com a melhoria do processo de aprendizagem, com o desenvolvimento pleno dos(as) educandos(as), do que se limitar a interpretar respostas, resultados de testes e/ou outros instrumentos, dando ênfase a uma análise quantitativa?

Imaginem a nossa responsabilidade como educadores(as) de garantir o direito de crianças, jovens e adultos à aprendizagem – um direito de humanização, pois “a aprendizagem escolar orienta e estimula processos internos de desenvolvimento [...]” (VYGOTSKY, 1988, p. 116). Precisamos estar alertas que “a aprendizagem e o de-senvolvimento da criança, ainda que diretamente interligados, nunca se produzem de modo simétrico e paralelo” (VYGOTSKY, 1988, p. 116). Não existe um acompa-nhamento linear – “o desenvolvimento nunca acompanha a aprendizagem escolar, como uma sombra acompanha o objeto que projeta” (p. 116), esclarece Vygotsky.

Isto se torna fundamental, quando pretendemos desenvolver uma proposta de avaliação que traga o(a) aluno(a) para o centro do processo educativo, que os considere sujeitos – construtores de aprendizagens. Pois, o que adianta de-senvolver metodologias de ensino nesta direção e ao realizar a avaliação tratar os educandos(as) como objeto ou, ainda, separar a produção de seu produtor, tratando os dados/as informações da avaliação como se elas não fossem de di-reito, propriedade dos seus autores: alunos(as). Diz Vygotsky: “os testes escolares que comprovam os progressos escolares não podem, portanto, refletir o curso

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real do desenvolvimento da criança. Existe uma dependência recíproca, extre-mamente complexa e dinâmica, entre o processo de desenvolvimento e o da aprendizagem, dependência que não pode ser explicada por uma única fórmula especulativa apriorística” (VYGOTSKY, 1988, p. 117).

Vários autores, entre eles Perrenoud (1999), explicam que as provas tradicio-nais, ao longo da história, predominantemente, foram construídas para “descon-tar erros” e classificar os alunos do que os auxiliando na aquisição de algum do-mínio e/ou na melhoria de seu processo de aprendizagem em sua globalidade.

Este texto coloca, assim, em xeque, a questão: a atribuição de notas e/ou con-ceitos escolares. Ela será mesmo necessária?

A atribuição de notas e/ou conceitos: será mesmo necessária?

Iniciaremos esta discussão, apresentando alguns dados de pesquisas que rea lizamos, ao longo de mais de 30 anos, com professores(as) e alunos(as) de diferentes níveis de ensino, trabalhando em redes públicas e/ou privadas. Nada melhor do que escutarmos os sujeitos do processo educativo/avaliativo e refle-tirmos sobre as suas colocações/emoções. Vamos perceber que, mesmo estando em tempos e lugares diversos, as nossas experiências e linguagens parecem ter algo em comum. Com certeza, isto não é mera coincidência! 6

A linguagem da avaliação: por alunos e professores da Educação Básica (relatos de pesquisa)

São múltiplas as linguagens da escola sobre a avaliação da aprendizagem. A seguir, indicaremos algumas representações, sob a forma de desenhos e de pe-quenos textos escritos de alunos e de seus respectivos professores, sobre como

6 As informações cons truídas, a partir de dois projetos integrados de Ensino, Pesquisa e Extensão, denominados: “Ava liação: força construtiva da qualidade da escola”, (Recife, UFPE – FUNDAJ, 1993-1995) e “Avaliar com os pés no chão da escola...” – Recife, UFPE, 1995/1996 e da minha Tese de Doutorado: Pelos Caminhos da Avaliação: uma possibilidade de reconstruir a escola numa perspectiva democrática. São Paulo: PUC-SP, 2003, orientarão essa discussão, acrescida da análise de várias representações gráficas e falas de educadores(as) e de educan dos(as) obtidas com caráter mais informal dentro e fora das escolas. Aproximadamente, entramos em contato com mais de 500 professores e 2 000 alunos, ao longo de 20 anos. Pode parecer pouco, em quantidade, porém os dados nos oferecem uma riqueza de informações qualitativas. E, pudemos constatar que, após 20 anos de tantas tranformações no mundo e na introdução de novas tecnologias de ensino e aprendizagem, parece ser verdade que predomina uma visão de avaliação conservadora, classifi cató ria. A pedagogia dos exames (LUCKESI, 1996), continua prevalecendo na maio ria das escolas e sistemas educacionais.

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eles se sentem quando estão sendo avaliados. Quais os seus modos de conceber e praticar a avaliação escolar/da aprendizagem? Objetivamos ilustrar a questão em foco, ampliando o diálogo sobre que contribuições educacionais as notas e/ou conceitos podem oferecer para a aprendizagem dos educandos, para a sua formação plena.

Ressalte-se que procuramos desenvolver um processo de pesquisa de natu-reza crítica e educativa. Todo este material foi discutido e analisado em parceria com os seus autores, individualmente ou em sessões de reflexão coletiva.

Podemos observar, a partir destes exemplos relativos a alunos e professores, que a questão dos medos, ansiedades, entre outros sofrimentos, com relação aos procedimentos usuais de avaliação, não parecem ser fatos isolados. Eles, em seu conjunto, provavelmente representam um sentimento nacional, que mesmo na sua diversidade, aponta para uma forte insatisfação com as propostas edu-cacionais do sistema e com os seus modos de conceber e praticar a avaliação escolar. A representação de experiência construtiva de avaliação aparece muito raramente entre os mais de 2 000 trabalhos analisados.

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Porém, constatamos muitas contradições entre os discursos e as práticas de professores e professoras, que continuam a acreditar na reprovação como a solução para garantir que os alunos estudem e aprendam, reafirmando o seu

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poder de decidir sobre o destino dos alunos e se afastando cada vez mais de uma análise processual da aprendizagem, da formatividade no ensino e na avaliação. Ao lado disto, percebemos um forte desejo, na maior parte, de aprender a fazer diferente. O que parecia predominar era a compreensão de que o problema da avaliação deveria ser compreendido no âmbito da escola ou como tarefa exclusi-va do/da docente. Uma visão sistêmica e/ou de totalidade social não fazia parte do cotidiano de grande parte das escolas pesquisadas ou dos(as) professores(as) e dos alunos(as) com que dialogamos.

Parece que não há diferenças significativas em diversas cidades do país e/ou instituições privadas e públicas. A lógica predominante é meritocrática e de exclusão, exceto, no caso de experiências educacionais isoladas.

De todo o material trabalhado, aproximadamente 10% entre alunos e pro-fessores pareciam indicar uma concepção de avaliação, numa perspectiva cons-trutiva, inclusiva, porém, quase que unanimamente, eles expressaram uma in-satisfação com a proposta de avaliação da escola e com suas próprias práticas, e desejavam transformá-las, só não sabiam como. Entretanto, já, percebíamos que rupturas ao paradigma positivista começavam a ser feitas, e uma nova visão crítica iniciava a sua construção. Indicavam sinalizações democráticas.

ConsideraçõesComo poderemos observar, a avaliação classificatória é incorporada pelos

alunos como algo destrutivo e pernicioso ao seu desenvolvimento, à sua for-mação. Em muitos casos, ao se sentir perdido, o aluno “deseja explodir/des-truir” toda a sua classe e a si próprio. A avaliação ao invés de ser estimulativa de aprendizagem, transforma-se em bloqueio , em situações de desrespeito ao outro, de exclusão social. O sentimento de impotência, de insatisfação, ao lado do medo de ser julgado pelo(a) professor(a) e/ou pelos seus colegas acompanha a avaliação.

A questão do olhar do observador (um mono olhar do professor/do lado de fora) com poderes de decisão está presente na visão dos(as) professores(as). Isto é reforçado pelos alunos, enquanto vivenciam um processo educativo antidia-lógico, à medida que delegam aos seus professores o poder de decidir sobre as suas vidas, a partir de seus acertos e erros. Na maioria das escolas, nunca lhes foi ensinado a participar com criticidade do seu processo de avaliação – este direito, também, foi-lhes negado historicamente.

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Na visão da maioria dos alunos, cabe ao professor decidir pelo seu sucesso ou fracasso. A transferência de responsabilidades acontece em cadeia, encobrin-do uma lógica que é gerada no modo de organização social, nas relações entre Estado, mercado, educação e sociedade civil e que interpenetra a escola, a sala de aula, as nossas mentes.

Problematizando: compreendendo fundamentos e formulando novas questões

A cultura de atribuição de notas ou mesmo de conceitos ancorados em escalas numéricas nasce com a crença de que, mesmo indiretamente, o conhecimento/a aprendizagem pode ser mensurada, quantificada e interpretada segundo “mo-delos pré-fixados”. Pode-se constatar, ao longo da história da avaliação educacio-nal/escolar com suas diferentes práticas, o surgimento dos sistemas de atribui-ção de notas com base no paradigma positivista de compreensão da realidade. A lógica que rege esses sistemas é predominantemente quantitativista.

Vários autores, entre eles Afonso (2000), Hadji (2001), a partir de estudos e pesquisas, vêm demonstrando que a quantificação das informações advindas do processo de avaliação tem servido muito mais aos interesses do mercado, em especial, ao mercado educacional, à exclusão social, pela exacerbação da com-paração e competição, ao apartheid social no interior da escola e fora desta, do que colocada a serviço da aprendizagem dos alunos, objetivando a melhoria dos processos educativos, ou ainda, gestões educacionais mais democráticas.

Nós, educadores(as) críticos, precisamos investigar melhor sobre o significa-do de muitas respostas relacionadas a esse tema, dadas como certas e inques-tionáveis, no cotidiano de nossas escolas. Há necessidade de um posiciona mento crítico em face das seguintes indagações:

Que contribuições as notas e/ou conceitos oferecem à compreensão da �aprendizagem , ao desenvolvimento pleno dos alunos e das alunas? Elas são necessárias? Qual a razão de enquadrarmos os(as) alunos(as) em esca-las numéricas, muitas vezes com uma nova roupagem – de conceitos? Elas estão a serviço de quem ou de quê? Quais os fundamentos desse tipo de registro numérico? Que finalidades querem ser atingidas pelas instituições que obrigam professores a atribuir notas e/ou conceitos aos trabalhos es-colares, às produções dos alunos? Por que parece prevalecer a “pedagogia

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dos exames” (LUCKESI, 1996)? A quem estamos servindo quando partici-pamos do jogo da nota? Quem somos quando aceitamos passivamente ser parceiros neste jogo?

Pelas discussões anteriores, conseguimos compreender que são muitos os fatores/aspectos que condicionam os resultados dos exames e legitimam a atri-buição de notas e/ou uma abordagem quantitativista da avaliação. Verificamos que há questões mais gerais, relacionadas ao projeto de sociedade, de educa-ção e de escola; à visão de mundo, de homem, de educação, dos processos de ensino e de aprendizagem, de educador(a) e de educando(a); às expectativas que os(as) professores(as) têm dos(as) seus(suas) alunos(as) e aos condicionan-tes socioculturais que se manifestam no cotidiano escolar e suas mais diversas interpretações; às formas de entendimento da proposta educacional/de avalia-ção da escola e suas diferentes concretizações em sala de aula, entre outras.

E outros condicionamentos mais específicos, diretamente relacionados aos testes entre outros instrumentos de avaliação (em suas variadas formas). É preciso ter um olhar crítico para frases semelhantes a estas ditas, com certa frequência, pelos defensores das notas, sejam professores(as) e/ou estudiosos(as) das medi-das educacionais: “as notas são necessárias para se informar sobre o rendimento dos alunos”; “com classes numerosas, não temos condição de fazer de outro jeito. A saída são as provas e respectivas notas”; “o aluno tem direito a saber de sua nota, portanto ela é necessária”; “durante a atribuição de notas, o professor sempre fica em dúvida como fazê-lo. Não há uma norma fixa [...]”; “cada situação de atribuição de notas exige análise e reflexão crítica, pois é um desafio à capacidade de julga-mento do professor” etc.7

Não devemos nos enganar pela tentativa intencional ou não de inversão do foco do problema. Destacamos duas destas afirmações para reflexão. Vejamos:

“O aluno tem direito de saber a sua nota” O aluno, sim, tem direito de saber sobre o seu processo de aprendizagem,

compreendendo os seus acertos, erros e equívocos para cada vez mais construir uma autonomia crítica na produção de novos conhecimentos. Isto não implica quantificar esta aprendizagem, contando erros e acertos.

7 Essas frases foram colhidas em conversas informais e/ou entrevistas com professores e professoras do Ensino Fundamental, Médio e Superior de escolas públicas e privadas, em diferentes cidades brasileiras, durante encontros de formação ou trabalhos de assessoria na área de avaliação. Na literatura relativa às medidas educacionais, encontramos citações muito semelhantes às três últimas.

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Este dualismo conduz a uma centralização do processo de avaliação nos re-sultados e desvia o olhar do professor do que é essencial nele: como o aluno aprende? Qual o significado dessas aprendizagens? Qual o caminho percorrido, quais as estratégias utilizadas durante o processo de construção do conheci-mento? Que equívocos cometeu, como corrigi-los e/ou superá-los?

Devemos nos perguntar sobre: qual o tipo de contribuição para o processo de aprendizagem, de uma contagem de erros e acertos, considerando-se as respostas que deveriam ser dadas pelos alunos, na visão dos professores? Sabe-se que notas iguais dadas por professores diferentes podem não estar informando as mesmas coisas sobre a aprendizagem dos alunos, além de uma série de condicionamentos a que os testes e/ou outros instrumentos estão submetidos (HADJI, 2001).

Reafirmamos, portanto, a necessidade do diálogo como momento de ruptu-ra desse dualismo e ressignificação da avaliação – do seu compromisso com a aprendizagem.

O direito do aluno é exigir da escola uma práxis pedagógica, na qual o seu direito a uma aprendizagem de qualidade social, deve fazer parte como conhe-cimento solidariedade–emancipação, na perspectiva de Boaventura de Sousa Santos (2000). Devemos nos perguntar, então, por que se usa o argumento da nota como direito? O que isto significa na realidade?

“Com classes numerosas, não temos condição de fazer de outro jeito. A saída são as provas e respectivas notas”

Este é um problema muito mais amplo e complexo. As notas, aqui, são usadas para mascarar um problema – a negação do direito a uma educação substanti-vamente democrática e às condições fundamentais para a realização deste di-reito como bem social. Isto envolve decisões de natureza política e ética, que vão muito além das responsabilidades, compromissos e competência técnica dos(as) professores(as) em sala de aula, mesmo que delas façam parte. Coloca-se nas mãos do professor uma solução inadequada como se fosse a única via de resolução do problema.

O que se está fazendo na realidade é legitimar um poderoso instrumento de exclusão social, de seletividade, de classificação. A lógica hegemônica do siste-ma capitalista – do mercado – penetra nas escolas e faz o professor acreditar que

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ele deve exercer o senso de justiça e separar os alunos que sabem dos que não sabem, premiando os estudiosos, os sabidos e denunciando e/ou punindo os de-sinteressados, os irresponsáveis, ou ainda, se comovendo e tendo paciência com os desprovidos de inteligência, os desfavorecidos socialmente... .

A crença de que o conhecimento pode ser medido e quantificável, de que se pode atribuir peso às questões, diferenciando-se o valor: para as mais difíceis um valor maior e para as mais fáceis, um menor; de que se pode somar pontos, cal-cular médias a partir dos valores atribuídos, tudo isto leva o professor a acreditar que ele pode dar notas, ou até tirar e colocar pontos nos alunos, para comuni-car o nível de desempenho escolar do estudante. Mais adiante, conversaremos sobre a relatividade das medidas em educação e a inadequação do uso de deter-minadas escalas para a interpretação dos resultados, para a atribuição de notas e conceitos escolares. Porém, vamos provocar o debate, questionando:

O que significa somar acertos, calcular médias aritméticas? O que isto pode informar que contribua com a melhoria da aprendizagem, do próprio processo de ensino?

O(a) professor(a) muitas vezes toma para si toda a responsabilidade do pro-cesso e sente-se impotente para avaliar os seus alunos numa perspectiva quali-tativa. O seu olhar só consegue enxergar a sua impossibilidade de fazer diferente com uma classe numerosa e, então, entra no jogo da credibilidade de que as provas e as notas são a única saída e assume uma culpa pelos problemas peda-gógicos e/ou pelo fracasso escolar.

É importante compreender que a lógica do sistema condiciona essa sensação de culpa, pela transferência de responsabilidade, como já discutimos anterior-mente. Há uma complexidade muito maior, da qual estas questões fazem parte. Por sua vez, o regimento das escolas dita regras e exige que provas e trabalhos sejam corrigidos e suas notas computadas para efeito de médias que devem in-dicar o nível de desempenho do estudante para decidir sobre sua aprovação ou não. Diante das condições reais da escola, o docente vê como única saída – justa – a aplicação de provas e/ou testes (com a inclusão ou não de outros trabalhos escolares) com suas respectivas atribuições de notas.

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A própria organização escolar legitima o uso das notas como “o melhor e mais rápido veículo de comunicação aos pais e aos alunos sobre o rendimento escolar para que possam ser tomadas as providências para se evitar a reprovação dos alunos”.

Precisamos desviar este olhar e dirigi-lo para o que acontece fora da escola: para os processos de globalização, para a relação entre o Estado, o mercado e a educação, para a questão do “quase – mercado educacional” e as políticas de avaliação (AFONSO, 2000) e voltarmos para o que acontece no dia a dia da escola, examinando criticamente as exigências formais dessa escola, ao lado do como ela fabrica os padrões de excelência escolar, que valores estão imbutidos e/ou representam a certificação que ela dá aos seus alunos.

Essa visão crítica possibilita-nos compreender que mexer na avaliação sig-nifica mexer em toda a escola, como afirma Perrenoud, desvelar as contradições, compreender seus condicionamentos culturais, sociais, históricos, entre outros, em síntese, interpretá-la como parte de uma totalidade.

Isto conspira em favor de rupturas com contratos didáticos tradicionais, da lucidez dos mecanismos seletivos e discriminatórios legitimados pelos sistemas educacionais, com fortes representações nas gestões escolares. Isto rompe com a acomodação e produz impaciência em favor da resistência, da organização do coletivo pedagógico que, com certeza, aprenderá a cobrar do Estado as suas responsabilidades sociais e exigir mudanças na própria organização do trabalho pedagógico. Uma boa conspiração, não acham? Será que isto interessa ao mer-cado e/ou aos sistemas educacionais?

Mais adiante, vamos conversar um pouco sobre a inadequação de algumas escalas de mensuração usadas em educação e que persistem até hoje, em grande parte das escolas, explorando, muitas vezes, a credulidade ingênua do professor ou a falta de uma visão crítica sobre um assunto, culturalmente legitimado e tido como a melhor solução possível.

Com certeza, as classes numerosas são empecilhos sérios à realização de uma análise dialógica (qualitativa-criteriosa, contínua, compartilhada e sistemática) das produções dos alunos e das alunas. Entretanto, isto não significa imobili-zação, impossibilidade de transformação, enfraquecimento das lutas para con-quistar melhores condições pedagógicas para desenvolver uma avaliação for-mativa e emancipadora.

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Muito pelo contrário, esta denúncia, aliada aos movimentos de organização e fortalecimento do coletivo pedagógico já faz parte do processo de ruptura com as bases positivistas que fundamentaram e/ou fundamentam as propostas educacio nais/de avaliação que se concretizam no dia a dia das escolas brasileiras em direção à reconstrução da escola numa perspectiva democrática.

Santos, Araújo e Silva (2000), através dos seus trabalhos de Formação Conti-nuada na área de Matemática com educadores e educadoras – participantes do Projeto Avaliar com os Pés no Chão da Escola – e de outros estudos e pesquisas sistematizados no texto “Avaliar com os pés no Chão... da classe de Matemática”, vêm reafirmar alguns dos argumentos que estamos apresentando para explicar a inadequação do uso de notas no processo de avaliação numa perspectiva for-mativa e emancipadora.8

Apresentamos, a seguir, algumas ideias desses autores, que consideramos apropriadas para elucidar alguns pontos fundamentais nesse diálogo sobre a atribuição de notas e/ou conceitos escolares. Observemos alguns destaques:

Ideia de valor e ideia de incerteza na Avaliação – “um outro ponto que �não pode ser negligenciado é a ideia de ‘valor’ trazida no bojo da ideia de avaliação (pelo menos por sua etmologia) , da mesma forma que a ideia de ‘incerteza’. Dessa maneira, o desaparecimento da incerteza na avaliação nos levaria a substituir avaliação por medida” (SANTOS; ARAÚJO; SILVA, 2000, p. 127);

impossibilidade do desaparecimento da incerteza... Avaliar não é medir – �“um dos aspectos mais iluminados pelos estudos realizados em educação matemática é sem dúvida, a impossibiliadde desse desaparecimento em que se pode perceber que o conhecimento matemático de um aluno (ou de um grupo de alunos) não pode ser medido.” (SANTOS; ARAÚJO; SILVA, 2000, p. 127);

uma exigência formal/regimental. Uso de escalas de mensuração – “Por �outro lado, o sistema escolar solicita do professor que ele atribua notas a seus alunos (ou, por vezes, a outros alunos). O professor é então levado a identificar, num certo tipo de escala, o valor do conhecimento desses alu-nos em relação a um domínio mais ou menos definido.” (SANTOS; ARAÚJO; SILVA, 2000, p. 127);

8 Projeto Avaliar com os pés no chão da escola: reconstruindo a prática pedagógica no Ensino Fundamental, 2000. Capítulo VIII (Área de Matemática).

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Escala pessoal... pouca garantia de validade, fidelidade, precisão – “ora, �os professores sabem como essa escala é pessoal, frequentemente não explicitável, variável no tempo e, de difícil relação com as múltiplas sig-nificações da ordem didática. Em resumo, essa escala pouco garante em termos de validade, de fidelidade, de sensibilidade, de precisão etc” (SAN-TOS; ARAÚJO; SILVA, 2000, p. 127-128);

Sentimento de contradição e mal-estar dos professores diante da exigên- �cia de atribuir notas – “no entanto, continua havendo a necessidade de atribuir notas, o que se traduz, para o professor, num sentimento de con-tradição e de mal-estar” (SANTOS; ARAÚJO; SILVA, 2000, p. 128);

Falta de transparência. A avaliação não garante o acesso direto ao conheci- �mento – “o que se faz necessário reiterar é que, nessas condições não existe transparência e a avaliação não garante um acesso direto ao conhecimento dos alunos; uma observação a propósito de um certo conhecimento de um certo aluno, poderia não ser mais validada se houvesse uma ligeira modifi-cação das variáveis em jogo” (SANTOS; ARAÚJO; SILVA, 2000, p. 128).

Essa discussão sobre o uso de escalas de mensuração em educação não é nova. A construção e a finalidade dos sistemas de atribuição de notas fazem parte da própria história da educação e, em especial, da avaliação educacional, como já estudamos em outras aulas e produções escritas.

É importante ressaltar que, se hoje, temos uma visão crítica sobre esta ques-tão e compreendemos os fundamentos e funções manifestas e latentes das medidas educacionais e da avaliação educacional/escolar e, num sentido mais específico, da avaliação da aprendizagem, não podemos esquecer que alguns autores dos anos 1970 (mesmo sob forte influência do positivismo norte-ame-ricano), já apontavam para o uso inadequado de certas escalas de mensuração em educação (eram críticos para a sua época).9

9 No Brasil, este tema foi amplamente estudado por Heraldo Marelin Vianna da Fundação Carlos Chagas – São Paulo/SP e por Rubem Eduardo da Silva, da Universidade Federal de Pernam buco – Recife/PE, entre outros estudiosos, em especial, nas décadas de 1960, 1970 e início dos anos 1980. A inclusão de autores que marcaram a história da avaliação brasileira, neste período, tem a finalidade de retomar estudos na área das medidas educa-cionais para compreender um pouco a lógica da avaliação classificatória (com ênfase na abordagem quantitativa), em contraponto com a lógica da avaliação formativa e emancipadora (com ênfase na abordagem qualitativa). Uma outra razão é podermos constatar que muitos desses estudiosos dos anos 1960, 1970 e 1980, que desenvolveram pesquisas sobre mensuração e avaliação, sob forte influência do positivismo norte-americano, con-seguiram em décadas posteriores fazer a sua própria crítica e contribuir com toda a sua experiência anterior não só para ressignificações pessoais, mas com processos de formação de educadores e de educadoras numa perspectiva democrática, a exemplo da grande contribuição do professor Rubem Eduardo da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco, em especial, junto ao Projeto Avaliar com os Pés no Chão da Escola.

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Retomando alguns estudos nessas áreas e analisando produções de autores brasileiros, percebemos um alerta sobre os limites (que não são poucos) e os cui-dados com o uso de escalas intervalares em educação e a inadequação da escala de razão ou proporcional para tratamento dos dados fornecidos pelos testes de rendimento escolar.

Dois textos de Rubem Eduardo da Silva (1972a; 1972b), intitulados “Os diver-sos tipos de medidas e seu uso em Psicologia e Educação10”, e “Relatividade das medidas em Psicologia e Educação11”, discutem entre outras questões, o concei-to de mensuração, o significado da medida educacional, as múltiplas finalidades e utilização dos resultados de testes e provas escolares, o uso e a interpretação de escalas/níveis de mensuração e demonstram os limites e problemas causa-dos pela inadequação do uso em educação, especialmente, de duas escalas: a escala intervalar e a de razão ou proporcional.

Naquela época, tinha-se a visão de que o teste era uma medida indireta do comportamento. Hoje, muitos estudiosos, que tiveram destaque em décadas anteriores, a exemplo de Silva (1972a), aliam-se aos autores críticos da área de avaliação e reconhecem que “o conhecimento não pode ser medido...” e sim “in-ferido”, “interpretado, a partir de referentes...” (HADJI, 2001).

Reafirmamos, assim, com Santos, Araújo e Silva (2000, p. 128) a necessidade do abandono da problemática da medida em prol da problemática do sentido.

Nesse momento, consideramos necessário reexaminar criticamente alguns conceitos-chave sobre mensuração e níveis ou escalas de mensuração, buscan-do compreender alguns dos fundamentos “da lógica quantitativista da avalia-ção” e investir em rupturas paradigmáticas, construindo uma visão crítica sobre a atribuição de notas e/ou conceitos escolares, entre outras questões.

Resolvemos destacar alguns conceitos sobre mensuração e escalas/níveis de mensuração, presentes no texto de Silva (1972a). Essas informações são valiosas para entendermos como determinados conhecimentos atravessam os tempos e, muitas vezes, são utilizados para legitimar posições políticas, desconhecendo-se as críticas que foram sendo construídas desde o seu momento gerador.

10 SILVA, Rubem Eduardo da. Os Diversos Tipos de Medidas e seu Uso em Psicologia e Educação. Recife: Centro de Educação/ DPOE, 1972. Parte I.

11 SILVA, Rubem Eduardo da. Relatividade das Medidas em Psicologia e Educação. Tópicos Educacionais, Recife, UFPE, 1972.

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Revendo conceitos-chave sobre mensuração e níveis ou escalas de mensuração

Conceitos–chave

O que é mensuração? �

Vários autores, entre eles Stevens e Campbell (apud SILVA, 1972a, p. 6) definem mensuração, em seu sentido mais amplo, “como a atribuição de numerais a objetos ou acontecimentos de acordo com normas. É através das normas que o processo de mensuração terá algum valor, uma vez que elas darão sentido aos símbolos utilizados”.

Esta definição alerta para três pontos, entre outros, que “nenhum proces-so de mensuração pode ser melhor do que as suas normas...” (1972a, p. 6) e “as normas e regras deverão dizer como aplicar os símbolos, e com que sentido, às coisas e eventos” (1972a, p.6) e, segundo Hays (1970 apud SIL-VA, 1972a), o primeiro princípio de um estudo científico consiste na obri-gação do observador descrever, de maneira adequada e inequívoca, e de comunicar, de maneira explícita, aquilo que está observando” (1970 apud Silva, 1972a, p. 7).

O que são escalas/níveis de mensuração? �

Os diferentes tipos de normas ou regras que regerão a atribuição de nume-rais a acontecimentos e objetos, conduzirão a diversos níveis de mensuração e escalas. Destacamos quatro escalas/níveis de mensuração: nominal, ordi-nal, intervalar e de razão ou proporcional. “Partindo da definição de mensu-ração anteriormente apresentada, os diferentes tipos de normas ou regras que regerão a atribuição de numerais a acontecimentos e objetos, levarão a diferentes níveis de mensuração e escalas” (1970 apud Silva, 1972a, p. 7).

Chamamos a atenção para três pontos:

“[...] as regras ou normas a serem seguidas para a atribuição de nume-1. rais aos objetos e eventos;

as propriedades matemáticas das escalas;2.

as operações estatísticas aplicáveis à mensuração feita com cada tipo 3. de escala” (1970 apud Silva, 1972a, p. 7).

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Os estudiosos das medidas educacionais chamam a atenção para o fato de que “...não é preciso que as coisas existam na forma de números, para que pos-samos aplicar numerais aos objetos e acontecimentos; o fundamental é que a estrutura da natureza apresente propriedades suficientemente paralelas à estru-tura dos sistemas lógicos da Matemática” (SILVA, 1972a, p. 7-8).

O que se torna necessário, então? A existência de isomorfismo.

Vamos compreender melhor a definição de isomorfismo.

Isomorfismo é uma palavra de origem grega, composta pela junção de duas outras palavras: isor, que significa igual e morfhé, que significa forma. “Princípio segundo o qual duas entidades possuem a mesma forma, ou uma estrutura comum que lhes garante a correspondência. Ex: o isomorfismo entre o intelecto e o real justificaria a possibilidade do conhecimento en-quanto representação correta do real, nas doutrinas clássicas”.

(JAPIASSU; MARCONDES, Dicionário Básico de Filosofia, 2003, p. 138)

Para que haja, então, isomorfismo torna-se necessário uma premissa: equiva-lência de formas entre as duas estruturas: a da natureza do fenômeno observado e a natureza dos sistemas lógicos da Matemática. O modelo matemático só é útil enquanto isomórfico com a realidade...” (SILVA, 1972a, p. 8).

O pressuposto de que haveria isomorfismo entre a natureza do conhecimen-to e a natureza dos sistemas lógicos matemáticos e/ou escalas numéricas é que proporcionou muitos equívocos na utilização das escalas de mensuração em educação, principalmente, o uso inadequado da escala intervalar e da escala proporcio nal ou de razão.

Em consequência, a própria atribuição de notas pode ser questionada do ponto de vista científico e técnico, fortalecendo os nossos argumentos de sua utilização com fins políticos seletivos e discriminatórios.

Isto coloca em xeque a validade de se atribuir notas escolares, a partir da correção e interpretação de resultados de testes ou provas, aplicando normas que regem escalas de intervalo e de razão: calculando médias ou submetendo os resultados a outros tratamentos e informações estatísticas; quando muito, os dados permitiriam o uso da escala ordinal (e, mesmo assim, deveríamos nos per-guntar sobre a finalidade de se ordenar os alunos). Urge investigar com maior profundidade o sentido desses procedimentos.

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O rompimento com os paradigmas tradicionais e conservadores possibilita-ram novos caminhos de compreensão, análise, ressignificação e produção de novos conhecimentos relacionados à visão de mundo, de educação, de escola, de currículo, de ensino, de aprendizagem e da própria avaliação, a partir de es-tudos orientados pela dialética materialista histórica, pelas teorias críticas, pelos estudos culturais relacionados à educação, à escola e ao currículo etc., com des-taque para as contribuições advindas da Psicologia Cognitiva, na compreensão do processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança antes da escola e durante a vivência escolar.

Estes estudos nos levam a problematizar qual a intencionalidade do uso de escalas e/ou níveis de mensuração para interpretar os resultados de testes de aproveitamento escolar ou outros instrumentos; quais as suas contribuições para o processo ensino-aprendizagem. Reafirmamos, assim, o máximo de caute-la na interpretação desses dados.

Vamos rever algumas informações relativas a essas escalas, a partir dos textos de Silva (1972a):

Escala de intervalo

[...] com este nível de operação de mensuração, os símbolos assumem um aspecto pro-priamente quantitativo. Apenas as operações estatísticas que supõem um zero absoluto, como é o caso, do coeficiente de variação, não são possíveis. Além das propriedades das escalas nominal e ordinal, aqui as distâncias numericamente iguais representam iguais distâncias na propriedade que está sendo medida. As quantidades não podem ser so-madas ou subtraídas, em virtude da ausência do zero absoluto, mas é possível adição e subtração dos intervalos ou distâncias na escala [...] (SILVA, 1972a, p. 10)

Escala de razão ou proporcional

Este tipo de escala, quando usado adequadamente, do ponto de vista das Ciências ditas exatas, possibilita o mais alto nível que se pode obter no processo de mensuração. Aqui se exige o zero absoluto ou natural, isto é, a ausência total da propriedade medida, o que vai possibilitar sejam efetuadas todas as operações aritméticas. Não há restrição quanto às operações estatísticas. Os números indicam quantidades reais da propriedade que está sendo medida. (SILVA, 1972a, p.11)

Se conseguimos compreender o essencial dessas escalas, verificaremos que, ao se organizar um teste de aproveitamento escolar, não podemos estabelecer uma diferença entre as respostas dadas pelos alunos, sem saber o quanto estas respostas diferem entre si. Se as distâncias entre dois pontos na escala não são conhecidas, não há razão para realizar somas ou calcular médias. Em síntese:

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não há isomorfismo entre a natureza do valor numérico atribuído ao intervalo: diferença quantitativa entre um acerto e outro e a representação em termos de conhecimento (quantidade de aprendizagem) desta diferença na realidade.

Se nos referirmos à diferença qualitativa entre os itens, a questão é bem mais complexa e grave, pois não há como estabelecer equivalência entre esta e o valor numérico (quantitativo) a ela atribuído. Qual é então o significado de somar, di-vidir valores e calcular médias, a partir dos dados dessa escala? Não estaríamos lidando com mais uma arbitrariedade, em educação, com fins classificatórios?

A dificuldade entre as questões variam de acordo com múltiplos fatores que, muitas vezes, fogem ao controle do observador/do professor. Só se tem a com-preensão do nível de complexidade/dificuldade do item, após a sua realização e interpretação dos dados. Não é possível se manter intervalos constantes entre as questões, considerando a natureza das aprendizagens e as diferentes estraté-gias de solução de determinadas situações.

O pressuposto de que existe um ponto zero numa escala de atribuição de notas conduz a graves erros em educação, dentre os quais, a exclusão escolar/social. Em educação não existe zero absoluto – indicação de ausência da pro-priedade a ser medida ou mesmo um zero relativo, numa escala de intervalos iguais. Será que o(a) professor(a) pode afirmar/considerar que não existe apren-dizagem? Não estará ele/ela desconhecendo a pré-história do conhecimento, o processo de aprendizagem?

Aqui, mais uma vez, sentimos a necessidade de rever os estudos sobre as bases construtivistas da avaliação, retomando a conceituação de Vygotsky (1988) sobre “a área de desenvolvimento potencial e a pré-história da aprendizagem”. Nessa perspectiva, não seria mais relevante para a compreensão da aprendizagem do aluno, seu desenvolvimento pleno, se investíssemos na comunicação dialógica, no diálogo sobre os caminhos que ele percorreu para acertar ou errar, sobre suas dificuldades e como superá-las, entre outras questões que auxiliariam a escola na realização da sua função social – no seu compromisso com a democracia?

Nessa visão, fica cada vez mais clara a exigência de uma avaliação contínua, dinâmica, compartilhada, fundamentada no diálogo, que articule reflexão- -ação-reflexão, sendo produtora de um novo conhecimento nesta área – um conhecimento-emancipação.

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O que sabemos é que estamos diante de um processo cheio de incertezas, pois o que conseguimos, mesmo com lucidez e análise crítica, é fazer inferên-cias (sobre referentes), a partir das informações que os alunos nos apresentam através de seus trabalhos e/ou testes de aproveitamento escolar, entre outros instrumentos, sobre algumas competências e habilidades focos do processo educativo.

Essas inferências são passíveis de problematização, de críticas pela sua in-completude e por estarem sujeitas a erros e equívocos. É por esta razão que o eixo central da avaliação deve ser o sentido da aprendizagem e não a sua medida. Uma visão crítica dessa questão precisa ir além da sala de aula e alcançar a insti-tuição em sua totalidade, bem como as políticas públicas de avaliação.

Com a implementação dos debates e estudos sobre a avaliação de sistemas educacionais e, em especial, sobre as políticas públicas de avaliação, na socieda-de contemporânea, ampliaram-se esses estudos e, consequentemente, a polê-mica sobre modalidades de avaliação de sistemas educacionais.

Isto nos estimula a investigar sobre dois sistemas de avaliação, apontados na literatura pertinente como de maior utilização por órgãos gestores da educação nacional. São eles: a avaliação referenciada à norma – avaliação normativa – e avaliação referenciada a critério – avaliação criteriada –, como sugerem Afonso (2000) e Hadji ( 2001), entre outros autores.

A avaliação normativa e a avaliação criteriada: elementos para discussão12

Devido à complexidade do tema, destacaremos alguns pontos para desenca-dear o debate e, quiçá, anunciar orientações metodológicas para registrar e comu-nicar as informações fruto de uma práxis avaliativa: formativa e emancipadora.

Avaliação normativa e avaliação criteriada (criterial)Para Hadji (2001), precisamos penetrar no cerne da questão e desmistificar as

finalidades da avaliação, em particular, de seus resultados: para que servem? A quem servem? Com o que estão contribuindo?

12 Avaliação referenciada a critério é também denominada avaliação criteriada (HADJI, 2001) e avaliação criterial (AFONSO, 2000).

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Precisamos compreender cada modalidade de avaliação no contexto do seu projeto educacional gerador e articulador, pois ela é uma prática social; é política. A discussão sobre o caráter normativo ou criteriado nem sempre significa ir ao âmago da questão, porque uma avaliação “dita normativa que pretende situar os indivíduos uns em relação aos outros” (p. 18), não é construída ao acaso; de certa forma, ela é em parte criteriada. Do mesmo modo, toda avaliação criteriada, que se referencia a objetivos educacionais previamente definidos, e cujos instrumentos informam sobre a situação de cada aluno com relação a esses alvos – critérios – pode gerar uma avaliação normativa ou servir de base a esta (p. 18).

Nesse sentido, não basta afirmar que a avaliação se encontra no centro da ação de formação. Como explica Hadji (2001), o fundamental é se questionar “a serviço do que e de quem” a avaliação é colocada; isto nos permitirá compreen-der a formatividade da avaliação.

Toda essa discussão coloca em questão a própria validade dos exames, das provas e testes de aproveitamento escolar, entre outros instrumentos de avalia-ção, como estudamos nos capítulos 7 e 8. Reafirmamos que a questão da forma-tividade da avaliação não reside na forma externa da atividade da avaliação, mas na proposta educacional que a sustenta.

A avaliação normativa: uma aliada do mercado. �

“A avaliação normativa parece ser, portanto, a modalidade de avaliação mais adequada quando a competição e a comparação se tornam valores fundamentais em educação” (AFONSO, 2000, p. 34).

Precisamos nos perguntar qual a finalidade de se comparar a nota de João (6,5) com a nota de Marcos (7,8), em Matemática. O que isto pode nos informar sobre as aprendizagens de ambos? Será que Marcos acertou as mesmas questões de João e outras diferentes? E, se eles obtivessem as mesmas notas, não estariam estes valores iguais representando aprendiza-gens bem diferentes?

Cremos que há uma questão muito mais relevante a ser feita: o que sig-nificaria, em termos de contribuição para a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos e do processo pedagógico em sua globalidade, se calcular uma média das notas obtidas por determinado grupo e/ou ins-tituição/ Estado/região/país?

Afirmar, por exemplo, que a média dos alunos em Matemática, no Estado do Piauí é inferior à do Estado de Pernambuco, tem algum significado se

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não penetrarmos profundamente na problemática educacional de ambos os Estados nos contextos regional, nacional e internacional, além do con-teúdo e finalidades do instrumento gerador dessas médias?

Para Afonso (2000), na modalidade de avaliação normativa, os resultados quantificáveis (por exemplo, os que se referem ao domínio cognitivo e ins-trucional) tornam-se mais importantes do que os que se referem a outros domínios ou outras aprendizagens. Há uma intencionalidade de reduzir a complexidade do processo educativo a “alguns produtos visíveis” – men-suráveis, quantificáveis e generalizáveis. Isto acaba por induzir à utilização de testes padronizados e estes, por sua vez, passam a ter um papel central no processo de avaliação e a exercer a função de fornecer resultados “úteis ao mercado” (WILLIS, 1992, p. 208 apud AFONSO, 2000, p. 34).

Precisamos compreender, portanto, esta articulação entre a avaliação nor-mativa e a ideologia de mercado, as quais têm uma forte expressão no uso de testes padronizados como pontos fortes de grande parte das políticas públicas de avaliação, o que leva a avaliação normativa a ser acirradamen-te defendida pelos dirigentes e articuladores do mercado educacional.

A avaliação criterial em questão. �

Esta modalidade, geralmente é conceituada como antagônica à avaliação normativa e aparece como uma alternativa mais democrática de se conce-ber e praticar a avaliação em larga escala. Porém, como poderemos obser-var, o seu uso não garante a prática democrática da avaliação/da educação.

A principal característica da avaliação criterial reside na apreciação do grau de consecução dos objetivos do ensino. Isto é feito em função das realiza-ções individuais de cada aluno e não em comparação com os outros. Esta modalidade poderia funcionar como facilitadora do diagnóstico das dificul-dades, da programação de atividades de compensação e dos juízos de pro-moção ao longo do percurso escolar (AFONSO, 2000, p. 35).

Esta modalidade de avaliação requer uma série de exigências teóricas, metodológicas e técnicas, em especial, na elaboração de provas, testes ou outros instrumentos, que devem ser deliberadamente construídos com propósitos de diagnóstico e acompanhamento do processo de aprendi-zagem dos educandos. A questão da validade e da fidedignidade é tão importante quanto na avaliação normativa. Não se negligencia a objetivi-dade, mas se reconhece que não é possível avaliação neutra.

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Na visão de Afonso (2000), precisamos estar bem atentos ao uso da avalia-ção criteriada, pois, se por um lado, esta pode parecer ser a mais adequada para recolher informações significativas sobre a aprendizagem dos alunos e, consequentemente, sobre o sistema educativo; por outro, se essas infor-mações forem, posteriormente, divulgadas para a opinião pública, “nada impede que o efeito social deste tipo de avaliação se aproxime muito daquele que é característico da avaliação normativa quando utilizada para o mesmo fim” (AFONSO, 2000, p. 36).

Importante ressaltar, mais uma vez, que os resultados dos instrumentos de avaliação não têm significação em si mesmos, a significação educacio-nal é construída socialmente, e nós, educadores, temos responsabilidade sobre a utilização democrática destes, ou melhor, na construção da pro-posta educacional da qual eles podem ou não fazer parte.

Os pareceres avaliativos: uma possibilidade de análise crítica, decisão e ressignificação curricular

Os pareceres avaliativos anunciam uma nova perspectiva de sistematização e comunicação das informações produzidas durante a dinâmica avaliativa. Porém, eles precisam expressar na forma e no conteúdo (nas observações registradas e compartilhadas, na linguagem utilizada, na seleção das informações, nas análi-ses feitas, nas sugestões e encaminhamentos etc.), uma práxis formativa e eman-cipadora no processo de ensino e aprendizagem.

O que isso significa?Os pareceres são parte de um processo mais amplo de comunicação peda-

gógica/avaliativa e não meros instrumentos de registros de informações sobre os acertos e erros dos alunos ou sobre níveis de aprendizagem. Eles não podem apenas informar se o aluno aprendeu, ainda não aprendeu ou mesmo se ele é excelente, bom, regular ou ótimo em determinados pontos do programa ou em algumas competências e habilidades inferidas.

Os pareceres avaliativos têm uma finalidade explícita: informar sobre o pro-cesso de aprendizagem do aluno, no sentido mais amplo e sobre o seu processo

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de formação plena, interpretando essas informações à luz da proposta educa-cional da escola.

Eles são instrumentos de trabalho e devem ser construídos ao longo do pro-cesso, como fruto de uma observação e investigação pedagógica fundadas no diálogo, na participação, no trabalho coletivo, na autonomia e na emancipação. Uma diversidade de outras estratégias e procedimentos subsidiarão a constru-ção dos pareceres, da avaliação numa perspectiva formativa e emancipadora.

SistematizandoOs pareceres avaliativos não são abstratos, eles se constroem numa relação

pedagógica para além da sala de aula e expressam uma proposta de ensino e um compromisso com a aprendizagem do aluno. Por esta razão, são fontes de diá-logo permanente em sala de aula e nos diferentes tempos e espaços escolares, envolvendo os(as) educadores(as), os(as) educandos(as) e as famílias. Quando compartilhados, respeitados e valorizados pelas gestões, representam excelen-tes oportunidades de ouvir a voz dos(as) professores(as), de garantir a sua vez como parceiros na avaliação do sistema educacional, de construir grupos de re-flexão, não só para aperfeiçoar o próprio processo de avaliação, mas para recriar a escola numa perspectiva democrática.

Reafirmamos que eles têm que expressar no seu conteúdo e na sua forma uma parceria, uma relação dialógica entre alunos(as) e respectivas famílias, professores(as) e outros profissionais envolvidos no processo, bem como com o coletivo da sala de aula. É muito importante que cada aluno(a) se perceba como sujeito integrante de um coletivo e a sua classe, também, o respeite e o valorize como parte deste coletivo. Estes são passos de uma articulação mais complexa e promissora com as famílias e a comunidade, concebendo-as como parte funda-mental da proposta pedagógica da escola, de um novo projeto social.

Elaborar um parecer avaliativo não é tarefa fácil, muito pelo contrário, ques-tiona a nossa formação geral e específica e nos desafia a desconstruir muitos conhecimentos e muitas de nossa práticas, para aprender a fazer o novo.

Um fato que nos chama a atenção é a exigência feita por algumas escolas de que sejam incluídas nos pareceres avaliativos, além de todo um conjunto de informações qualitativas, uma atribuição de nota numa escala de zero a dez. Não há necessidade disto, existindo até um perigo de, ao final do ano letivo, tender-se a calcular médias, voltando-se a praticar aqueles equívocos que já discutimos.

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Problematizando as notas escolares e os pareceres avaliativos: é preciso mudar o rumo da história

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Sabemos o quanto isto é arbitrário e não se justifica para a qualidade da educação, mesmo que esta escala se apoie numa ampla discussão de critérios. Porém, há situações em que o(a) professor(a) são convocados a fazer isto e, pelo menos naquele momento, não é possível fazer rupturas.

Como proceder então? Se, acaso, uma indicação numérica for exigida, procurem se lembrar de que,

no máximo, vocês poderiam tratar o fenômeno educacional, numa escala ordinal, com a intencionalidade de agrupar os alunos para orientá-los melhor. Façam isto com o máximo de cautela, tendo presente os condicionamentos que envolvem as situações de testagem e a aplicação de outros instrumentos. Lembrem-se de Hadji (2001, p. 37): “para pôr as avaliações a serviço das aprendizagens, uma regra essencial seria, portanto, jamais se pronunciar levianamente e contar até dez antes de fazer um julgamento... sobretudo se for negativo!”.

Não cometam um grave erro de exercerem um poder pedagógico destrutivo, reprovando alunos por meio ponto ou décimos e/ou sobrepondo a pedagogia do exame a uma pedagogia da autonomia.

É preciso mexer na escola. �

Os pareceres avaliativos merecem uma atenção cuidadosa; exigem tempo para elaboração, para reflexão coletiva e ressignificação constantes, em diferentes níveis da prática pedagógica. Há necessidade de uma nova re-organização curricular para que sejam criadas as condições favoráveis à sua produção.

Os pareceres precisam ser construídos como momentos dialógicos – de conversa aberta, franca e amigável – para que sejam examinados, compre-endidos e incorporados criticamente, subsidiando decisões democráticas; pois, só assim, os pareceres terão possibilidade de ser desejados, aceitos e transformados em função da avaliação formativa e emancipadora.

Esta é uma nova aprendizagem para todos e todas nós. Não tenhamos medo de correr riscos, de aprender. Com certeza, o conhecimento com-promete e, é por este comprometimento coletivo com o outro, que vale a pena a gente ser professor e professora, pois nunca estaremos sozinhos(as) – somos aprendizes da humanização, da solidariedade, da justiça, da dignidade.

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E se você for chamado a colocar notas, a partir da utilização de resultados de testes e provas, entre outros instrumentos, o que fazer?

Em primeiro lugar, não aceite passivamente esta tarefa. Organize-se; contri-bua com o fortalecimento do coletivo pedagógico de sua escola; busque aliados; estude bastante, troque ideias; demonstre sua força educativa pela competên-cia política/pedagógica. Com certeza, vocês – os(as) educadores(a)s encontrarão formas de resistência ativa e de transformação. A organização do trabalho peda-gógico precisa mudar, os sistemas educacionais precisam ser transformados!

Porém, nem sempre a melhor estratégia é bater de frente. O convencimento exige preparo, formação sólida e companheirismo, aliados a muita persistência. Enquanto estas lutas e conquistas continuam, você pode ir abrindo trilhas que, mais tarde, poderão se transformar em caminhos principais.

Uma dessas trilhas é refletir criticamente sobre os seus modos de conceber e pra-ticar a avaliação, revendo, em especial, seus instrumentos de avaliação. Lembre-se de que, mesmo que a sua escola exija a aplicação de testes e provas com atribuição de notas, você pode ressignificá-las e elaborar pareceres avaliativos, afirmando a dia-logicidade na avaliação, mesmo que oficialmente, estes não sejam valorizados.

Um outro ponto é não se apavorar com o fato de ter de colocar notas. Cada um(a) de vocês é o(a) gestor(a) do processo educativo/avaliativo com seus(suas) alunos(as). Conversem com eles(as); planejem coletivamente e compartilhem critérios; decidam sobre ações simples e práticas para que eles(as) desejem ser avaliados(as) e se transformem em colaboradores(as) de seu processo avaliativo; negociem, cedam, exijam, não tenham medo de demonstrar seu compromis-so expresso num bem-querer; desejem que eles(as) aprendam, inquietem-se quando eles(as) não conseguem, mas não desistam deles(as).

Com certeza, ao longo desse nosso curso, refletimos sobre várias pistas que poderão auxiliar no enfrentamento dessas formalidades institucionais que colo-cam, muitas vezes, a certificação como algo mais forte do que o processo educa-cional, sem grande preocupação sobre o significado emancipador que possa ter ou não este certificado.

A certificação é parte da proposta educacional e deve ser regida pelos prin-cípios que a escola assumiu. Temos clareza de que, embora as contradições

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integrem a realidade escolar, cabe-nos enfrentá-las e ressignificá-las, investindo nos pilares da formatividade e da emancipação.

Nesse sentido, se for extremamente necessário que vocês realizem exames escolares com seus alunos, integrem-nos à proposta pedagógica e os elaborem, tendo em mente que eles devem estar a serviço prioritariamente da aprendiza-gem do aluno e não da certificação (esta deve ser decorrente da avaliação); ana-lisem os condicio namentos a que estão submetidos e procurem não reincidir nos erros cometidos historicamente, aprendam com a História para não colabo-rarem ainda mais com a exclusão, com o apartheid social.

Reafirmamos a necessidade de um coletivo de educadores(as) assumindo com os educandos(as) a construção de uma nova escola, em que à sua proposta educacional seja integrada uma avaliação formativa e emancipadora. Nesse sen-tido, lembramos que a concepção de currículo também precisa ser ressignifica-da, “evoluindo de uma visão tecnicista de rol de disciplinas, para uma proposta de um currículo polissêmico, multifacetado, visto como uma construção cultural, historicamente situado, socialmente construído, vinculado, indissociavelmente, ao conhecimento e se constituindo no elemento central do projeto educativo da escola” (ABRAMOWICZ, 1999, p. 43).

Ressaltamos, assim, que o norte da proposta de avaliação da aprendizagem, que se concretiza no cotidiano escolar, é a proposta político-pedagógica de escola que a gera , e que, por sua vez, é gerada no seio de um projeto educacional mais amplo, contextuado num projeto de sociedade, de um projeto de sociedade. Não podemos esquecer: nós somos sujeitos – educadores e educadoras – partícipes da construção dessa história.

Vamos, coletivamente, assumir a direção democrática desta história!

Texto complementar

Verificação ou avaliação: o que pratica a escola?A escola opera com verificação e não com avaliação da aprendizagem

(LUCKESI, 2008)

Iniciemos pelos conceitos de verificação e avaliação, para, a seguir, identi-ficarmos se a fenomenologia da aferição do aproveitamento escolar, descrita no item anterior, se configura como verificação ou avaliação.

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O termo verificar provém etimologicamente do latim - verum facere - e sig-nifica “fazer verdadeiro”.

Contudo, o conceito verificação emerge das determinações da conduta de, intencionalmente, buscar “ver se algo é isso mesmo”, “investigar a ver-dade de alguma coisa”. O processo de verificar configura-se pela observa-ção, obtenção, análise e síntese dos dados ou informações que delimitam o objeto ou ato com o qual se está trabalhando. A verificação encerra-se no momento em que o objeto ou ato de investigação chega a ser configura-do, sinteticamente, no pensamento abstrato, isto é, no momento em que se chega à conclusão que tal objeto ou ato possui determinada configuração.

A dinâmica do ato de verificar encerra-se com a obtenção do dado ou in-formação que se busca, isto é, “vê-se” ou “não se vê” alguma coisa. E... pronto! Por si, a verificação não implica que o sujeito retire dela consequências novas e significativas.

O termo avaliar também tem sua origem no latim, provindo da compo-sição a-valere, que quer dizer ”dar valor a...”. Porém, o conceito “avaliação” é formulado a partir das determinações da conduta de “atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curso de ação...”, que, por si, implica um posicionamento positivo ou negativo em relação ao objeto, ato ou curso de ação avaliado. Isto quer dizer que o ato de avaliar não se encerra na configu-ração do valor ou qualidade atribuídos ao objeto em questão, exigindo uma tomada de posição favorável ou desfavorável ao objeto de avaliação, com uma consequente decisão de ação.

O ato de avaliar importa coleta, análise e síntese dos dados que configu-ram o objeto da avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou qualidade, que se processa a partir da comparação da configuração do objeto avaliado com um determinado padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo de objeto. O valor ou qualidade atribuídos ao objeto conduzem a uma tomada de posição a seu favor ou contra ele. E, o posicionamento a favor ou contra o objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou qualidade atribuídos, conduz a uma decisão nova, a uma ação nova: manter o objeto como está ou atuar sobre ele.

A avaliação, diferentemente da verificação, envolve um ato que ultrapas-sa a obtenção de configuração do objeto, exigindo decisão do que fazer ante ou com ele. A verificação é uma ação que “congela” o objeto; a avaliação, por sua vez, direciona o objeto numa trilha dinâmica de ação.

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As entrelinhas do processo descrito no tópico anterior demonstram que, no geral, a escola brasileira opera com a verificação e não com a avaliação da aprendizagem.

Este fato fica patente ao observarmos que os resultados da aprendizagem usualmente têm a função de estabelecer uma classificação do educando, ex-pressa em sua aprovação ou reprovação. O uso dos resultados encerra-se na obtenção e registro da configuração da aprendizagem do educando, nada decorrendo daí.

Raramente, só em situações reduzidas e específicas, encontramos profes-sores que fogem a esse padrão usual, fazendo da aferição da aprendizagem um efetivo ato de avaliação. Para estes raros professores, a aferição da apren-dizagem manifesta-se como um processo de compreensão dos avanços, li-mites e dificuldades que os educandos estão encontrando para atingir os objetivos do curso, disciplina ou atividade da qual estão participando. A ava-liação é, neste contexto, um excelente mecanismo subsidiário da condução da ação.

A partir dessas observações, podemos dizer que a prática educacional brasileira opera, na quase totalidade das vezes, como verificação. Por isso, tem sido incapaz de retirar do processo de aferição as consequências mais significativas para a melhoria da qualidade e do nível de aprendizagem dos educandos. Ao contrário, sob a forma de verificação, tem-se utilizado o pro-cesso de aferição da aprendizagem de uma forma negativa, à medida que tem servido para desenvolver o ciclo do medo nas crianças e jovens, através da constante “ameaça” da reprovação.

Em síntese, o atual processo de aferir a aprendizagem escolar, sob a forma de verificação, além de não obter as mais significativas consequências para a melhoria do ensino e da aprendizagem, ainda impõe aos educandos conse-quências negativas, como a de viver sob a égide do medo, através da ameaça de reprovação – situação que nenhum de nós, em sã consciência, pode dese-jar para si ou para outrem.

O modo de trabalhar com os resultados da aprendizagem escolar – sob a modalidade da verificação – reifica a aprendizagem, fazendo dela uma “coisa” e não um processo. O momento de aferição do aproveitamento es-colar não é ponto definitivo de chegada, mas um momento de parar para observar se a caminhada está ocorrendo com a qualidade que deveria ter.

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Neste sentido, a verificação transforma o processo dinâmico da aprendiza-gem em passos estáticos e definitivos. A avaliação, ao contrário, manifesta-se como um ato dinâmico que qualifica e subsidia o reencaminhamento da ação, possibilitando consequências na direção da construção, dos resultados que se deseja.[...]

Dica de estudoIndicamos um texto que compara a avaliação normativa e a criterial. Está dis-

ponível em: <www.dgidc.min-edu.pt/serprof/acurric/av_es/texto(15).pdf>.

Além de exemplos você encontrará também um quadro comparativo bastan-te esclarecedor.

Atividades1. Preencha os itens a seguir, comentando os aspectos de um bom instrumento

de avaliação da aprendizagem.

Validade �

Fidedignidade �

Praticidade �

Avaliação da Aprendizagem

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Simplicidade �

Economia �

2. É grande a polêmica entre a utilização de notas ou de conceitos. Discuta a questão, expondo a sua opinião.