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Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 – homenagem a Jean Wyllys

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Prêmio Valdeck Almeida de

Jesus de Contos LGBT’s 2009 –

homenagem a Jean Wyllys

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Agradecimentos

À equipe que leu, releu, deu notas,

escolheu e classificou os contos deste

concurso:

Carlos Vilarinho – professor e escritor

Leandro de Assis – poeta e escritor

Léo Dragone – poeta, escritor, modelo e

ator

Márcia Mera Luz – professora de

português

Ivonete Almeida – pedagoga e

especialista em literatura

Vagner Paixão – professor e relações

públicas

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Contos selecionados

As cidades (Thiago Thomazini)Mudar de vida (João Manuel da Silva Rogaciano)O anjo de Sorocaba (Maria da Guia)Quaresmeira (Benedito Costa Neto)Monsieur Yeux Bleus (Priscylla Piucco)Os dois rapazes (Reinaldo Fernandes)Ordens são ordens (Floriano Lott)Olhos negros (Nathalie Gaudêncio)Um equívoco da natureza (Lucêmio Lopes da Anunciação)Adelaide que amava Márcia que amava o mar (Nilton Silveira)O templo das mãos (Felipe Freitag)Espera de uma vida (José Ricardo Oliveira)

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Apresentação

A intenção inicial deste prêmio literário

é fomentar a cultura e, ao mesmo

tempo, homenagear o jornalista e

escritor Jean Wyllys.

Ao observar que não havia no mercado

editorial brasileiro muitos concursos

literários voltados à categoria ‘contos’,

muito menos que premiassem a

temática gay, aproveitei a lacuna e criei

a versão GLS de uma premiação nesta

área, que eu já venho realizando, desde

2005, ao público em geral.

A escolha do nome de Jean Wyllys para

o evento deve-se à inegável

contribuição que este baiano de

Alagoinhas presta à comunidade LGBT

brasileira. A atuação sistemática do

professor Wyllys em defesa dos direitos

humanos e da dignidade das minorias

precisa e deve ser registrada. E nada

melhor do que fazê-lo através de um

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livro que condense textos destinados

especificamente a Lésbicas, Gays,

Travestis, Transexuais e Transgêneros.

Valdeck Almeida de Jesus

Escritor, Poeta e Jornalista

www.galinhapulando.com

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As cidades

(Thiago Thomazini)

Olharam-se profundamente antes de se

entregarem, com sofreguidão, àquele beijo

que, devido à ânsia e à longa espera, se fez

violento, trêmulo e - por que não? -

apaixonado. Seus lábios eram perfeitos

encaixes, tradução nova e, ao mesmo

tempo, tão ultrapassada daquele amor que

não ousava dizer o nome. Mas ali, juntos,

gritavam esse amor e berravam-lhe também

um sobrenome, mesmo sentindo-se isolados

num palco cuja plateia fosse surda.

As mãos, ágeis e tensas, tateavam

em busca de respostas. Os cheiros

emaranhavam-se à intenção desesperada de

dar origem a um perfume nunca antes

inalado, odor proibido, viciante. Necessário.

De repente, o Homem olha o Jovem.

De novo, o olhar: como pausa, como

beliscão para fazer verdade a realidade. E

sabem assim que devem aproveitar aquele

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instante único e talvez... último!

Muito tempo se passara desde o

primeiro encontro, desde a primeira fagulha

que os unira numa espécie de casamento

cósmico, fundindo-os, transfigurando-os,

num inevitável cometa, tamanha a

luminosidade que irradiavam juntos.

Haviam se conhecido num desses

inferninhos, reduto de desgarrados sociais e

solitários errantes, sedentos por qualquer

forma de amor. Na mútua atração, não

couberam palavras: eram línguas as suas

vírgulas; eram mãos, braços e pernas as

suas pontuações. O verbo consumou-se

num canto escuro. Êxtase e entrega.

O Homem nunca sentira aquilo, o

Jovem tampouco. E a despedida... Ah, a

despedida! Mal se conheciam direito e,

temerosos mas felizes, sentiam-se

profundamente ligados. O medo de nunca

mais...

- Sou casado! - disse, cabisbaixo, o

Homem.

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- Mentira! - o Jovem tentou sorrir,

não querendo, não podendo acreditar

naquilo.

- Sou. É sério! Tenho uma mulher. E

sou pai.

"Afasta de mim este cálice!", pensou

o Jovem.

- Por quê? - as palavras perdiam a

força, o sentido.

E o beijo posterior àquela confissão

teve gosto de pecado. O Jovem quis saber

detalhes, sentindo já na pele a dor e a

delícia da situação com que o acaso lhe

presenteara. O Homem pediu-lhe para não

tocar no assunto, aquilo não o agradava.

Mas o Jovem insistia em saber e, de tanto

querer saber, achou melhor não mais

perguntar. Naquele ínterim, o Homem, que

era tão homem, pareceu muito jovem, e o

Jovem, que se achava tão imaculadamente

jovem, tornou-se tão homem. E, na sua

ânsia de amar, considerou como empecilho

apenas a distância inevitável que os

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separava: as cidades.

Viu o Homem partir com a promessa

de voltar. Mas o Jovem, já tão homem, não

acreditou e começou, ali mesmo, a esquecê-

lo. “Foi carência, foi tesão, casinho de uma

noite só, um sarro e nada mais! Ah, essa

mania minha de achar que toda pessoa...

Pô, nem o telefone ele me passou. Será que

tem medo que eu fique ligando, atazanando

sua vida?”

- Dá o seu que EU te ligo! – pediu o

Homem.

O Jovem passou-lhe o número, sem

disfarçar um certo desdém. Mas qual não foi

a sua surpresa quando, no dia seguinte,

ainda antes mesmo que acordasse, o

telefone tocou. E era Ele!

Conversaram por um longo tempo, já

que na noite anterior não o haviam tido.

Deleitavam-se embriagados com as

respectivas vozes, envoltos numa

irremediável tensão erótica. “Quando de

novo?”

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Meses se passaram, e o Homem

sempre a lhe surpreender com ligações

inesperadas, porém sem dizer ao certo

quando voltaria para vê-lo. A espera

prolongada esmagava-lhe o peito e até

tentava procurar em outras bocas, outros

becos, aquele Homem que partira. Mas não!

Ninguém era capaz de substituí-lo.

E eis que, numa bela noite, o Homem

liga novamente:

- Estou chegando aí e quero te ver.

Agora!

E lá estavam, mais uma vez.

As roupas, espalhadas pelo chão do

quarto, já não eram um entrave para o

desesperado linguajar de suas peles

quentes. Afoitos que estavam, pareciam

encontrar-se à beira de um abismo. A luz

acesa só estava para confirmar uma

verdade que lhes parecia inacreditável. E o

gozo iminente era constantemente

reprimido para não findar um momento tão

glorioso.

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Naquela noite, não conversaram.

Tinham coisas mais importantes a fazer.

O rádio, ligado propositalmente numa

FM qualquer (que até tocava umas músicas

boas de vez em quando), tentava abafar

aqueles ais incontidos e os pedidos

improváveis (até que ponto?) daquele amor

que ainda não o era, embora demasiado o

fosse.

Amaram-se à exaustão, já com gosto

de perda... Algo lhes faltava. Faltaria.

Na rua, a despedida fria em apertos

de mão e abraços formais. O Homem não

ousou beijá-lo, mesmo na madrugada

deserta e silenciosa de um espaço público.

Tornaram-se, de repente, tímidos,

vagos. Antes que o carro partisse, o Jovem

fechou o portão. Ouviu o arranque, o

barulho dos pneus soando-lhe como uma

bofetada. De volta ao seu quarto, olhando

para a cama vazia, só teve a certeza que

não fora um sonho por causa dos respingos

de prazer que secavam no lençol

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envelhecido.

Acendeu um cigarro.

Um nó na garganta.

E o Jovem, que já se achava tão

homem, viu-se menino.

Thiago Thomazini é escritor há algum tempo mas nunca publicou nada. Escreve contos, romances, peças e roteiros para cinema, além de algumas poesias. É estudante de audiovisual, já tem dois roteiros filmados de curta-metragem. É ator.

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Mudar de vida

(João Manuel da Silva Rogaciano)

Era um gestor de sucesso, um self made

man. Todavia, toda a sua vida se dera

dentro de uma mentira. Desde cedo,

compreendera que não se pode ser sincero

neste mundo preconceituoso. Aprendera a

disfarçar os seus desejos. A dissimular os

seus mais básicos sentimentos, as suas

emoções. A simular o que sentia o que não

sentia. Que desejava o que não desejava.

Criou barreiras para se proteger. Optou por

ficar “fechado no armário”, sem se atrever a

sair.

Os anos foram passando, e ele

fechado em sua concha. Isolado, só.

Vizinhos, colegas e amigos não conheciam

os seus sentimentos reais. Estavam longe

de imaginar que ele se sentia atraído por

outros homens, que era gay. Seu bem-estar

na sociedade, a garantia de permanência no

emprego, os amigos, tudo dependia de sua

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capacidade para simular uma

heterossexualidade que sabia nele não

existir. Há muito que aprendera a olhar para

uma mulher, simulando sentir-se atraído por

sua beleza, sem, todavia, nada sentir.

Certo dia, cansado de tanta hipocrisia

em sua vida, decidiu mudar. Sair do

armário, mudar de emprego, de cidade, de

amigos. Nem pensou duas vezes: trocou de

endereço, pediu demissão no emprego,

despediu-se dos amigos e partiu para uma

cidade afastada. Fez novos amigos e

conhecidos, que aceitavam a sua inclinação

sexual. Começou a procurar emprego nos

anúncios dos jornais e na internet. A oferta

era escassa. Estava difícil encontrar um

novo emprego, encarar um recomeço

profissional. Distribuiu centenas de

currículos, mas obteve pouquíssimas

respostas, tantas quanto os dedos de uma

mão. Fez testes psicotécnicos, entrevistas

com psicólogos, entrevistas com os CEOs.

Em vão. Sempre que se referia à sua

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inclinação sexual, a reação era a mesma:

“Não temos vaga para você!”

Passaram-se dias, semanas e meses.

O dinheiro escasseava. A poupança chegava

ao fim. Vendeu seu dispendioso Audi e

comprou um Ford de segunda mão.

Empenhou o seu Rolex. Começava a se

desesperar. Até que um dia recebeu carta

de uma das empresas para onde havia

enviado currículo. Era uma oferta de

emprego. Cargo: gestor de recursos

humanos. Sem pensar duas vezes,

respondeu à carta, aceitando a entrevista

proposta.

No dia e hora marcados, vestindo a

sua melhor roupa, estava ele no gabinete do

diretor da empresa, sendo submetido à

entrevista.

- Sr. Gabriel Fonseca, vejo que tem

um perfil acadêmico impressionante e um

currículo profissional muito interessante –

referiu o CEO, elogiando o candidato.

- Muito obrigado, senhor diretor. – foi

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a resposta do ansioso Gabriel – E, se me

contratar, vai ver que sou o homem certo

para o cargo!

O CEO analisou mais uma vez os

papéis que tinha sobre a mesa.

- Solteiro, mora a cinco quilômetros

da empresa, hum hum..., hum hum…

Fez uma pausa, tamborilando com os

dedos da sua mão direita no tampo da

mesa. E Gabriel cada vez mais nervoso.

O CEO levantou os olhos dos papéis,

parou com aquele insuportável movimento

cadenciado de dedos, e, olhando para

Gabriel, questionou:

- Antes que eu anuncie a minha

decisão, gostaria de acrescentar algo?

Gabriel sentiu o estômago contrair-se,

como se tivesse sido violentamente

esmurrado no baixo-ventre. Foi acometido

por uma tremenda azia. Precisava conseguir

aquele emprego, se quisesse dar

continuidade à mudança radical que iniciara.

Mas, se por um lado, mudar de vida era um

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ato de coragem, por outro, também

significava mudar de atitude. Significava

deitar o muro abaixo, baixar as barreiras e

assumir a sua condição. Porém, sabia que,

se o fizesse, perderia o emprego. Sentia-se

entre a cruz e a espada. Decidiu-se:

- Senhor diretor, tenho algo a

informar. – fez uma pequena pausa e

respirou fundo - Sou homossexual. Gay!

Pronto, já havia dito. Agora, sentia-se

aliviado, apesar da certeza de que ficaria

sem o tão almejado emprego. Preparou-se

para ouvir a recusa do outro.

- Senhor Fonseca, lamento muito –

começou o CEO por dizer, escolhendo as

palavras com cuidado –, mas esta empresa

não admite homo...

Gabriel levantou-se. Já sabia o que

viria a seguir. Não fora contratado.

- Oh, homem!… Sente-se! – disse o

CEO irritado – O que foi que lhe deu?

- Desculpe-me, mas já sei o que vai

dizer. Estava apenas a lhe poupar o trabalho

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de… - Gabriel sentou-se, desanimado.

- Como pode saber, se não me deixa

terminar? – o zangado CEO mudou de

expressão e continuou: - Dizia eu que esta

empresa não admite homossexuais, nem

heterossexuais, nem bissexuais. Esta

empresa admite colaboradores. Pessoas.

Esta entrevista tem por fim recrutar um

Gestor de Recursos Humanos, e um Gestor

competente para o cargo que vou contratar,

independentemente de sua orientação

sexual.

Gabriel, pasmo e agora cheio de

expectativas, era todo ouvidos.

O CEO levantou-se, estendeu a mão a

Gabriel e concluiu, com um rasgado sorriso:

- Portanto, está contratado! Bem-

vindo a bordo da nossa empresa!

Aliviado, com lágrimas nos olhos,

Gabriel sorriu e aceitou a mão do CEO e o

emprego.

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João Manuel da Silva Rogaciano é português e engenheiro eletrotécnico. Gosta de ler e escrever. Obteve, em 2009, o 1.º lugar (prosa) no Prêmio Literário Irene Lisboa, o 1.º lugar nos Jogos Florais de Penamacor e o 3.º lugar no Prêmio Dr. Hernâni Cidade. Tem um conto publicado na “Antologia de Talentos Fantásticos 2009”, além de um conto selecionado para integrar a coletânea “Histórias de Trabalho 2009” (Prefeitura Municipal de Porto Alegre - Brasil).

O anjo de Sorocaba

(Maria da Guia)

“Neste mundo só há duas tragédias.

Uma é não ter o que se

deseja,

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a outra é consegui-lo!”

[Oscar Wilde]

O Professor Edgard, um homem de 52

anos, de aparência agradável e jovial, tinha

planejado iniciar suas aulas de literatura

universal com o grandioso e instigante

Oscar Wilde, poeta cuja obra admirava, em

especial.

No primeiro dia de aula, Gabriel

entrou apressado e sentou-se na última

cadeira, apartado, no fundo da sala. Gabriel

era um jovem de beleza deslumbrante e

fascinantes olhos verdes. Ao vê-lo, em um

átimo de segundo, o professor foi acometido

por uma estranha sensação; mas jamais

suporia que, dali em diante, aquele belo

rapaz viria a abalar o seu mundo.

Com o passar do tempo, o sensível

professor começou a perceber que algo de

muito forte os atraía. Mas continha-se ao

admitir que tal fato significava um grande

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contratempo, pois era sabido que, na

Universidade, não era permitido qualquer

tipo de relacionamento íntimo entre

professores e alunos. Ademais, pensava,

estava, naquele momento, no ápice de sua

carreira, e logo viria a eleição para a

Reitoria, sonho que ele, Edgard,

ambicionava desde que concluíra o

doutorado na França. E tinha também a

obcecada Carmela, uma colega que nutria

por ele uma paixão desenfreada, e não o

deixaria em paz, se soubesse. Era preciso

ter cautela.

Mas de nada adiantou estar de

sobreaviso. Em uma sexta-feira, quando

todos tinham se retirado, Edgard foi

agarrado e dominado no banheiro da

faculdade, e, antes que pudesse reagir,

Gabriel tapou-lhe a boca com vontade e

murmurou baixinho, em tom

irresistivelmente carinhoso, bem dentro de

seus ouvidos, que não aguentava mais, que

estava enlouquecendo de paixão, e que, se

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não fizesse aquilo, seria capaz de um ato

grave e doloroso. Seu beijo se alastrou

como uma labareda de fogo sutil, que

alcançou as veias, os nervos e os corpos

daqueles dois homens, incendiando-lhes o

coração e queimando suas almas na mais

voraz e enlouquecida paixão.

Na república livre do apartamento de

Edgard, o amor se instalou liberto das

amarras hipócritas das convenções. Perfeito,

sem preconceito, livre, feliz e verdadeiro

dentro daqueles corações que, ali, se

entregavam por inteiro. E o amor soberano

cantou vitórias, indiferente ao nome que

pudessem lhe dar. Era a glória do amor, o

amor complexo que não tem cara, cor,

credo ou sexo.

Carmela comentava sobre a amizade

dos dois com outros colegas. Certa feita,

disse, com despeito, que achava Gabriel um

esnobe abonado, filhinho de um fazendeiro

de Sorocaba muito rico, mimado, e que a

ninguém, por ali, ele dava trela. Com

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exceção, claro, do professor Edgard! Eram

vistos sempre juntos na biblioteca,

almoçando sorridentes no bandejão,

visitando felizes a pinacoteca. Carmela tinha

obsessão por Edgard. No passado, havia

declarado a ele sua paixão, mas fora

repelida. Guardava consigo esta mágoa, que

nunca haveria de esquecer.

No fim do ano letivo, Gabriel foi

passar o Natal com os pais em Sorocaba, e

Edgard, solitário e depressivo, resolveu dar

uma esticada na boate Flor-de-Lys. Lá,

conheceu Elvis, um cafajeste de olhos

verdes convidativos que muito o

impressionou. Elvis convidou-o para

beberem no bar, e lá o engabelou.

Dois dias depois, o professor foi

encontrado em seu apartamento, por

Gabriel, caído no chão, nu e desacordado. O

quarto estava todo revirado.

Edgar repetia incessantemente: “Eu

não me lembro de nada, meu amor;

verdadeiramente, só sei que chegamos à

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boate, fomos até o bar e pedimos uma

bebida. Depois, não sei de mais nada.”

Gabriel, em desvantagem, fuzilava-o com os

olhos transbordando de ódio enquanto

preparava sua mochila de viagem. Edgar

implorava seu perdão. Gabriel,

transtornado, berrava: “Falso! Jurou amor

eterno, acreditei em você. E você fez de

mim um palhaço.” “Não!” - gritava Edgar,

segurando seu braço – “Eu te amo. Você foi

a melhor coisa que me aconteceu. Acredite

em mim, por favor. Não saí por mais uma

transa, eu saí porque era noite de Natal,

você estava longe e eu não podia tê-lo perto

de mim. Não fiz por mal.” Gabriel não se

enterneceu, vomitava palavras de ciúmes.

Finalmente, bateu a porta e saiu da vida de

Edgard. “Perdi.” - dizia o professor entre

lágrimas e desesperança – “Perdi o anjo de

minha vida, perdi minha criança...”

No ano seguinte, para infelicidade de

Edgard, Gabriel não se inscreveu na

Universidade.

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Era uma tarde amena de agosto,

quando Edgard, com o pensamento longe e

amargando seu desgosto, surpreendeu-se

com a entrada de Carmela em seu gabinete.

Ele mal teve tempo de jogar a foto de

Gabriel pra debaixo do tapete. Carmela, sem

compaixão, pôs-se a atacar sua vida e a

fustigar sua solidão, sem nenhuma ética.

Alheia a tudo, implorava por seu amor.

Sem demora, abriu a blusa e exibiu-lhe os

seios. “Eu te amo, veja... Eu te amo!” Edgar

firmemente a rechaçou, empurrando-a para

fora da sala, e censurando-a por aquela cena

patética. Vermelha de vergonha e ódio, ela

cuspia: “Por que me despreza assim? Já sei...

Está sentindo falta de um certo aluno de olhos

verdes.” “Saia daqui!” - Edgard a repelia –

“Saia imediatamente, sua praga, antes que

eu perca a cabeça.” E, antes que a porta se

fechasse, ela ainda teve tempo de ameaçá-

lo: “Você me paga!” Ninguém, além

daquelas paredes, viu o ódio estampado na

face de Carmela enquanto ela corria para o

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alojamento, em total desalento.

Edgard ainda se recuperava do

inconveniente assédio de Carmela, quando

Gabriel entrou. Uma visão gloriosa e

reconfortante. Gabriel, cativante, trazia-lhe

uma proposta delirante: “Vim pedir que

venha comigo para onde eu for. Abandone

tudo isto, meu amor!” Edgard respondeu

hesitante: “Mas... Eu não posso, não posso,

Gabriel!” O jovem, ofegante, insistia: “Por

que não pode? Todos esses livros, toda a

sabedoria que o aprisiona aqui não lhe

dizem que devemos buscar a felicidade?

Que, de Sócrates aos contemporâneos,

todos os autores não falam da

essencialidade do amor? Por que não se

render, então, à felicidade? Aqui estou, eu

sou o amor, eu sou a materialização da sua

felicidade, eu sou o prazer.”

Pálido, febril, sem ar, Edgard

verbalizava pensamentos confusos: “Não,

espere... Não é bem assim, minha criança.”

- dizia Edgard em parafuso – “A vida não

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está lá na ficção. Ela está aqui, e é esta

minha realidade. Aqui fiz minha carreira,

meu coração; recomeçar a vida aos

cinquenta em terras estrangeiras? E se você

se cansar? Dependerei de sua caridade?

Não, não! Podemos nos magoar. Como viver

sem asas para voar?”

“Eu tremo só em pensar em te

perder.” – disse o jovem, colando seu corpo

ao dele – “Não aguentei a saudade.” As

lágrimas iluminavam os belos olhos de jade.

Edgard, não resistindo à dor profunda que

os unia naquele instante, sucumbe ao

sentimento represado. E um beijo

apaixonado cala o doce lamento. Ouviram

cânticos de Aleluia, nesse momento.

Os dois amantes, inebriados de

paixão, foram incapazes de perceber que

alguém abria a porta da sala como um raio.

O estampido dos tiros ecoou pelos

corredores do prédio, como um último

suspiro.

No gabinete do Reitor, pessoas se

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aglomeravam estupefatas diante da cena

dolorosa: de um lado, Carmela, com a arma

na mão, gritando furiosa, para quem

quisesse ouvir: “Veados, veados!” Do outro,

Gabriel e Edgard, amantes sem sorte,

ambos com um tiro no abdômen, dormiam

abraçados, abençoados na morte, em um

leito de sangue, da cor do amor, do amor

“que não ousou dizer seu nome”.

Maria da Guia é dramaturga, contista, roteirista. Premiada no Japão, no IX Festival de Vídeo de Tókio, em 98; premiada pela UEB/RJ com o conto infantil “A Estória do Jacaré Zezé com a Tartaruga Calunga”. Formada em Direito e Letras pela Universidade Federal da Bahia, autora de peças encenadas no RJ. Premiada na Bienal do Livro 2009 do Rio de Janeiro com o conto "O Bicho de Bandeira".

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Quaresmeira

(Benedito Costa Neto)

Ele viajou muito, estudou em Londres, e

voltou com piercing, palavras estranhas e

um namorado. Quando chegou, não entendi

muito bem a figura presente do amigo. Um

rapaz de ombros largos, ex-praticante de

remo, arquiteto. Eu nada disse, e fingia não

entender minha mulher: “Você não vê o

óbvio, não enxerga um palmo à frente do

seu nariz; você só vê o que lhe convém.”

Mas este era um discurso comum, que ela

sempre proferia, fosse qual fosse o assunto.

Era algo que se perdia num lodaçal de

palavras ditas, um mantra que, ao longo do

casamento, acaba perdendo o sentido.

Esperava que um dia meu filho

aparecesse em casa com uma menina, linda,

e eu, sorrindo, dissesse algo do tipo “Vou

trocar sua mãe por sua namorada, você que

arrume outra!”, e essas coisas de que todos

gargalhariam, e eu levaria um beliscão.

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Afinal, não criei meu filho de outra forma.

Em meu pensamento, imaginava que, um

dia, o garoto iria se enrabichar por uma bela

moça, que viria à minha casa e me chamaria

‘sogrinho’ ou algo assim. Mas aqui ouço a

voz de Rodrigo, um amigo de anos: “O

mundo mudou e todos estão pirados.”

O rapaz apertou minha mão com

tanta força e por tanto tempo – mostrando

um interesse tão vívido pelo pai do amigo –

que tive de pedir minha mão de volta.

Falava de seu orgulho por estar ali, na casa

de um nadador que fora a Los Angeles, e

que a casa era realmente mais bonita do

que imaginava, que meu filho tinha sido

modesto. Embora não conseguisse vê-las,

sabia que as mulheres estavam rindo. Minha

filha abraçou efusivamente o moço e depois

deu um tapinha nas costas do irmão,

dizendo: “Aí, rapaz!” De fato, o mundo

mudara e as pessoas pareciam

enlouquecidas.

Os dias foram passando e a presença

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do jovem foi ficando cada vez mais

frequente e intensa. Aniversários, jantares,

troca de receitas, conversas amenas, longas

apresentações de fotos. A cada dia

convivíamos mais e mais com o poder

esmagador de seu sorriso. Chegou também

o dia em que as famílias se conheceriam. O

rapaz forte, sem pai, trouxe a mãe e uma

irmã tímida. Eram pessoas muito distintas;

encantou-me o modo com que a mãe contou

como criara os filhos sozinha,

principalmente ao falar de sua alegria em

ver o filho na equipe de remo: “Pena que

não foram a Atenas!” Falava do filho como

se ele fosse um herói! Era bonita, apesar da

vida dura que enfrentara, jamais se casara

de novo, e, com tudo isso, mantinha uma

classe natural, que não se compra em

antiquários. Jantar finalizado, conversa na

sala. Horas após sua chegada na casa,

depois de tanta conversa alegre, estava

aquela mãe chorando, do nada. Chorava

sem parar e com ritmo, por todas as coisas

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- como diria Guimarães Rosa, pelas coisas

vividas e pelas que viriam. Não sei, mas

acho que entendia seu choro, assim como

entendi o abraço carinhoso que ela recebeu

de minha esposa: naquele momento, ambas

estavam em consonância. O filho estendeu-

lhe um lenço de papel e disse: “É assim

mesmo, é uma manteiga derretida.” E

partiram. Meu filho foi junto, e, como nunca

havia sentido antes - nem em sua despedida

para a Inglaterra, nem quando, aos

quatorze anos, adentrou o hospital quase

morto pela queda de um cavalo -, jamais

sentira tão forte uma perda.

Esperei que as mulheres saíssem para

acompanhar as visitas até o carro, e caí no

sofá esperando o sinal da imensa plateia

que assistira à minha derrota.

No clube, comentei com os amigos mais

próximos que, em Guimarães Rosa, isso tudo

seria impossível, ao que fui, mais uma vez,

abertamente recriminado: eu só via o que

queria ver. “Mas Diadorim era mulher.” -

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argumentei – “Uma donzela guerreira!”

Encerrei a conversa dizendo que isso jamais

haveria em Machado, ao que fui contestado

de novo: “Vai que Bentinho fosse

apaixonado por Escobar! E o que dizer de

Proust?” Na verdade, queriam me chatear,

mas a zombaria dos amigos é um bom

vinho: só não mata a sede. O pior mesmo

eram as piadinhas sobre quem ficava por

cima. Evidentemente, sempre defendi meu

filho. Mas quando, no clube, veem os

ombros intermináveis de remador do

outro...

Fui a Londres, dia desses, para uma

reunião anual. Foram dias aborrecidos e

solitários. Saí a pé, olhando os prédios, as

ruas, o que mudara em tantos anos –

conheci a cidade nos anos 80 –, e procurei

pelo que poderia ter mudado a vida de meu

filho. “Foi boa a viagem?” - perguntou

minha mulher. Ao que respondi: “Não

muito. Londres está tão diferente!”

Encontrei os dois no supermercado,

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meu carrinho cheio, o deles também. Dois

casais a tentar encher uma despensa, dois

casais a tentar uma vida em comum.

Enquanto a mãe conversava com o filho,

passei a observar ambas as compras.

Massas, congelados, azeite, verduras, tudo

muito parecido, coisas de comer. “Gosta

disso?” - perguntou o outro. - “É um

tempero oriental, mas um pouco forte” -

explicou. “Se quiser experimentar, fazemos

um prato pra você, que aprendemos em

Amsterdã. Amsterdã; não Londres.” Ao que

respondi gentilmente: “Não, obrigado, eu

não gosto muito dessas coisas... modernas.”

E ele argumentou: “Pai, não tem nada de

moderno em algo que usam na Indonésia há

séculos!”

Por insistência da mãe, foi marcado

um jantar, o primeiro jantar na casa do meu

filho, casado. De novo no clube – do qual a

família do rapaz era sócia desde a fundação

–, pela primeira senti-me envergonhado na

frente de meu filho. Quando criança,

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ensinei-o a nadar, mantive-me sempre ao

lado dele, observando-o o tempo todo. Creio

que dei muitas vidas a meu filho, como se, à

medida que fosse envelhecendo, passasse

para ele a vida que se esvaía de mim. Nunca

tive receio de ficar nu diante dele, talvez

como uma forma fazê-lo conhecer o

universo masculino, os tesouros e segredos

da vida íntima de um homem, esse poder

que se apresenta, indiferentemente à nossa

vontade, quando menos queremos, poder de

jagunços e gladiadores, de reis e militares,

de astronautas, de atletas e de...

Mas agora me via envergonhado.

Sentia-me velho e pequeno diante dos

corpos jovens e brancos, depilados. Pela

primeira vez, usei o banheiro fechado. Mas o

rapaz era meio assim, um guerreiro, e

passei a lastimar o fracasso de Atenas.

Voltamos sem medalhas de Los Angeles,

mas fomos. O rapaz trabalhava loucamente,

amava o que fazia, cuidava da mãe chorona,

retribuía com um sorriso a carranca da vida.

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Na casa deles, pedi para fumar um

cigarro lá fora. “Quer companhia?” Tinham

sido bem criados esses meninos. Disse que

não e que ficassem à vontade para tirar a

mesa. Foram lá os três cuidar da

arrumação. Andei pelo jardim com detalhes

orientais. Uma raia comprida ao longo do

muro, uma bica nada singela, horizontal,

com água perene, ao fundo, luzes

estratégicas. Havia uma quaresmeira no fim

do terreno, alta e linda, bem mais antiga

que a casa, preservada com todo o cuidado.

Estava florida. De repente, o cigarro me

pareceu inadequado: profanava um templo.

“Gosta?” – ouvi. Era a voz de meu

filho. – “Fiz questão de preservar, ela me

lembra muito a infância e morro de saudade

da casa da vovó, das aulas de equitação.

Esta árvore é sua presença na minha casa,

pai...” Engoli em seco e perguntei: “E cadê

sua mãe?” Ele respondeu: “Não conte pra

ela. Acho que a presença dela está na

desarrumação da cozinha! Um jardim tão

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cuidado e uma cozinha bagunçada, não é

estranho? Há tantas coisas estranhas. O

jardim foi todo projetado, mas em função da

quaresmeira. Foi ela que deu vida a ele.”

Contemplei a árvore, e, em seguida,

voltei os olhos para ele. Mas eu estava

sozinho. Retornei à sala, sentei-me no sofá

assinado e entendi, por fim, a razão de

terem me presenteado com um livro cujo

título era O Sentido da Beleza.

Benedito Costa Neto é paranaense de nascimento, mora em Curitiba desde 1993. É professor de Línguas e Literatura, escritor, crítico de arte. Em 2008, obteve menção honrosa no Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, e, em 2009, foi um dos dois ganhadores da região Sul da Bolsa de Criação Literária (romance) da Funarte. Tem doutorado em Literatura.

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Monsieur Yeux Bleus

(Priscylla Piucco)

A pracinha era muito frequentada em dias de sol.

Mas não era aquele um desses dias. Ainda assim,

crianças corriam, divertindo-se, pela camada de

neve acumulada por toda a madrugada de um

estranho inverno. Não era costume nevar naquela

região, apesar do intenso frio. Por isso, as pessoas

estavam nas ruas, admirando o milagre. Milagre

ou efeito do caos climático da Terra, tanto fazia.

Fernando observava as pessoas através da

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lente de sua câmera. Dizia que por ali podia filtrar

a visão do mundo, transformando tudo e todos

em arte. Girou um pouco para a esquerda,

tentando captar outra cena, quando um par de

olhos azuis cintilou na direção da câmera. Parou e

ajustou o foco. O dono dos olhos não prestava

atenção ao fato de que estava sendo mirado,

apenas olhava para o prédio atrás de Fernando.

Uma criança esbarrou na perna do dono

dos olhos azuis, fazendo-o, enfim, desviar o olhar.

Ele sorriu para a menina ruiva, que mal conseguia

andar por causa da pesada jaqueta. Prontamente,

ajudou-a a se levantar. Ao levantar a cabeça,

notou o rapaz com a câmera em sua direção.

Franziu o cenho levemente, sem parecer

ofendido, e sorriu fraco.

“Tá fazendo o que?” - perguntou em tom

educado, achando divertido ser alvo de um

fotógrafo que ele nem conhecia. “Fotografando” -

Fernando respondeu, ironicamente, mas sem soar

grosseiro. O dono dos olhos azuis, os mais claros

que ele já havia visto, sorriu. E Fernando abaixou

a câmera, retribuindo-lhe o sorriso.

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O Monsieur Yeux Bleus - como Fernando

acabara de apelidá-lo, pelo simples fato de odiar

não saber qualquer coisa, e isso incluía o nome de

algumas pessoas – aproximou-se e estendeu a

mão, ainda com um discreto sorriso.

“Henrique Vanbilt” - apresentou-se. Ao que

Fernando apertou sua mão, ainda que não tivesse

correspondido à apresentação, deixando Henrique

no vácuo. “E tem muita coisa bonita pra você

fotografar” - soltou a mão e apontou na direção

de um grupo de crianças.

Fernando assentiu, levemente

envergonhado. “Já tirei várias fotos delas. Eu

estava procurando um...” - pausou, pensando no

que exatamente estava procurando. Não

lembrou. - “... ângulo diferente.” - completou com

a primeira coisa que lhe ocorreu.

Henrique sorriu um pouco mais. “Já fui

chamado de muitas coisas. ‘Ângulo diferente’ é a

primeira vez.”

Embora a colocação não fosse pretensiosa,

coisa que Henrique não era, Fernando se ofendeu.

Não era como se fosse um stalker, ou coisa do

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tipo, e estivesse procurando Henrique. Girou os

olhos para o outro. “Eu não estava procurando

por um par de olhos azuis, uh. Você foi que surgiu

do nada na minha lente.” Não era isso que ele

pretendia dizer. Era algo como ‘como você se

acha, cara’, mas ficou no pensamento, porque

soaria um tanto desconcertante argumentar

enquanto o outro sorria daquele jeito.

“Par de olhos azuis já me chamaram.” -

comentou, fingindo uma expressão pensativa.

Fernando, contra a própria vontade, riu baixo.

“Você não tem um nome? Ou só não quis me

dizer?” - Henrique perguntou, apagando o riso de

seu interlocutor.

“Desculpe.” Estendeu a mão, para

cumprimentar Henrique pela segunda vez. Talvez

não precisasse fazer isso. Bem, ele queria fazer e

isso é o que basta para Fernando tomar suas

atitudes: querer. “Fernando de Fáveri.”

Henrique olhou-o fixamente, sem imaginar

o que seus olhos poderiam causar em alguém, e

semicerrou-os, piorando a situação para

Fernando, que apenas devolvia o olhar, porém

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com os olhos minimamente mais abertos. Então

Henrique tocou sua mão, apertando-a com

firmeza. Como se saísse de um transe, Fernando

piscou e, enfim, soltou a mão de Henrique.

“Prazer!” - Henrique disse, sorrindo e

dando um passo para trás. - “Preciso ir, Fernando.

Qualquer dia nos vemos, espero.”

Passaram-se três segundos até Fernando

assentir, sorrindo discretamente, ao entender o

que o rapaz deixara em sua mão direita. “Nos

veremos.” E virou-se, para andar na direção

contrária, a caminho de seu apartamento.

Ambos caminharam em direções

contrárias, afastando-se paulatinamente.

Fernando olhou para trás, exatamente no

momento em que Henrique decidira fazer o

mesmo. Trocaram mais um sorriso e tomaram

seus devidos rumos. Fernando guardou o

pequeno cartão com o número do telefone do

“professor de piano”, conforme dizia o papel, no

bolso da jaqueta. E, caminhando na neve, voltou

para casa, dando por encerrada sua jornada

fotográfica do dia. Sentia que aquele seria,

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realmente, um inverno interessante.

Um inverno em que, talvez, Fernando

tenha encontrado o seu ângulo diferente.

Priscylla Piucco é acadêmica de Letras, tem 20 anos e escreve desde os 17, por puro prazer. Participou de uma coletânea, onde contribuiu com três contos infantis em 2009 (livro com lançamento previsto para 2010). Escreve histórias capituladas com temática gay desde que iniciou seu caminho na escrita - ainda que não profissional.

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Os dois rapazes

(Reinaldo Fernandes)

Os dois rapazes caminham lado a lado pela

calçada repleta de transeuntes. Parecem

estar à vontade no meio da multidão. Nem

se dão conta das muitas pessoas que, em

seu infindável vai-e-vem, quase esbarram

neles. No íntimo, porém, há alguma

preocupação naquela caminhada, onde se

veem cercados por tanta gente estranha,

das mais variadas idades, homens e

mulheres.

Resolvem atravessar a avenida.

Gostariam de poder fazer isso, com a

atenção voltada apenas para os veículos

vindo de encontro a eles, e não para seus

respectivos motoristas e passageiros. Mas

era quase impossível ignorá-los.

Conversam, aparentemente

descontraídos, sobre algum assunto que só

eles conhecem, e só ao par interessa. Quem

passava rapidamente por eles ouvia apenas

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palavras desconexas ou meias sentenças.

Da mesma forma, os dois jovens

desconhecem as conversas alheias, vindas

do lado direito, do esquerdo, da frente, de

trás, de todos os cantos. Entretanto, tentam

adivinhar quais seriam. Aqueles ilustres

desconhecidos falariam apenas sobre

trabalho, escola, música, filmes, esportes?

Estariam se referindo a políticos, parentes,

amigos ou a celebridades do mundo

artístico?

Às vezes sorriem os dois, sorrisos

relativamente alegres. Contudo, os lábios

não se alargam em plenitude; algo invisível,

muito resistente, talvez um fio de tristeza,

parece contê-los, não lhes permitindo

chegar ao máximo. Vários outros sorrisos

podem ser vistos: discretos, largos,

estreitos, de dentes aparentes, de bocas

muito abertas, amarelos. Seriam de

diversão, demonstração de simpatia,

contentamento, felicidade ou deboche? E é

justamente por desconhecerem o motivo

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dos sorrisos alheios que os deles não se

abrem plenamente.

Contemplam as vitrinas, aos olhos

deles bem mais interessantes. Poderiam se

ater apenas à apreciação do que era exposto

através dos vidros, mas também relanceiam

ao redor. Tentam decifrar para onde ou a

quem se dirigem as vistas daqueles que

parecem também estar tendo a atenção

atraída. Será que observavam somente as

roupas que vestiam os estáticos manequins,

alguns com meia cabeça, outros que eram

apenas um tronco, ou os inteiros,

magérrimos? A atração viria dos mais

variados aparelhos eletrônicos, reproduzindo

uma infinidade de sons e as mais coloridas

imagens; dos eletrodomésticos enfileirados

ao longo de claras paredes; de doces e

sanduíches a exalar diferentes aromas nos

carrinhos dos ambulantes e nas

lanchonetes; dos homens e mulheres cuja

aparência era capaz de encantar alguém?

Difícil saber. Por isso, os olhos deles,

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distraídos, não conseguem se manter

somente naquilo que realmente desejavam

ver.

O que mais poderia lhes ser

apresentado ali? No estado em que se

encontravam, com o espírito em alerta, com

alguns poucos minutos de caminhada,

observaram as mais variadas cenas do

cotidiano, ao longo das avenidas. Coisas que

talvez não fossem percebidas sequer pelas

pessoas envolvidas. Talvez, em outra

ocasião, em outra situação, também eles

não se dessem conta delas.

O passeio continua. Então, a certa

altura, ouvem pessoas proferindo insultos

contra alguém que os dois não conseguem

identificar no meio daquela agitação. Quem

seria o insultado? Estaria ainda ali entre

eles, teria se ocultado em algum canto

próximo, ou havia se afastado dali, talvez

fugindo em disparada? Por qual motivo

estaria sendo molestado? Aquelas duras

palavras seriam justas? Não sabiam nada a

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respeito do ocorrido; no entanto, se

preocupavam. Se as cenas anteriores

haviam passado despercebidas no meio da

multidão, aquela, decididamente, não era

uma cena ignorada, ao menos por

significativa parte dos transeuntes. Se fosse

no dia anterior, aquela massa teria

presenciado também um outro espetáculo

impossível de não ser notado: o

espancamento de um rapaz, conforme havia

sido informado aos dois jovens pela manhã.

Eles nada sabem do infeliz agredido e

sequer imaginam o motivo da agressão.

Contudo, temem.

No começo de tarde, pais ou mães

seguram as mãos de seus filhos, namorados

de namoradas, maridos de esposas. Duas

garotinhas, como que para adquirirem

segurança, também entrelaçam os dedinhos

antes de caminharem em direção ao colorido

palhaço fazendo graça e distribuindo balas

diante da loja que o contratara para atrair

clientes.

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Ao contrário da grande maioria dos

passantes, que segura pacotes, bolsas ou

outros objetos, a dupla não carrega nada, e

também não está de mãos dadas. No

balançar dos braços pendentes, a

acompanhar o ritmo da marcha, no entanto,

frequentemente as costas dos dedos de um

roçam os do outro. Seriam mais felizes se

pudessem comprimir palma contra palma e

mostrar a todos o carinho entre os dois.

Porém, pelo fato de poderem estar no

pensamento daqueles próximos a eles, de

talvez serem o motivo das conversas e dos

risos alheios, alvo de olhares, insultos ou

agressão, se veem impedidos de

demonstrar o que realmente são.

Decidem sair dali o mais rápido

possível e ir para algum lugar mais seguro,

onde estarão livres de tudo aquilo que os

aflige no meio daquele exército de

desconhecidos, que circulam por aquele

local de onde lhes parece emanar toda a

intolerância.

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Mais tarde, já no isolamento do

pequeno apartamento alugado, finalmente

se libertam para exteriorizar o amor. É um

lar, onde tentam ser plenamente felizes,

longe do tribunal das multidões, longe da

casa paterna, de onde não há muito foram

enxotados, humilhados.

Reinaldo Fernandes já produziu romances, novelas e contos. Tem trabalhos premiados no IV Prêmio Brito Broca de Literatura de Guaratinguetá 2004; no 8º Concurso de Literatura 2006 da Fundação Cultural de Canoas; no Concurso Mapa Cultural Paulista 2007/2008, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado; no VII Concurso Literário “Cleber Onias Guimarães” 2007, promovido pelo Conselho Comunitário da Cidade de São Paulo; e no Prêmio Literário Livraria Asabeça 2007.

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Ordens são ordens

(Floriano Lott)

Em uma noite daquelas, de uma chuvarada

interminável, dona Cacilda queimou o último

fio de palha benta na missa de Domingo de

Ramos, clamando aos Céus que pelo menos

os trovões e os relâmpagos cessassem. Não

obstante, a coisa piorava minuto a minuto.

Foi quando dona Cacilda teve uma ideia tão

luminosa quanto os relâmpagos lá de fora:

uma promessa. Prometeu que, se aquele

inferno terminasse, Cissinho, seu filho único,

se tornaria padre.

É claro que qualquer tormenta uma

hora cessa, mas dona Cacilda era carola de

carteirinha. Em solteira, fora uma senhorita

de sacristia; e, depois de casada, passou a

uma carmelita descalça. Quando Cissinho

terminou o primário - que hoje tem outro

nome e outra eficácia -, a mãe já queria

interná-lo num monastério. Porém, o

pirralho já olhava as priminhas e afins com

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aquele olhar de que quanto mais parente

mais quente, e meteu aquela conversa fiada

de que bem poderia terminar o ensino

fundamental no Mosteiro de São Bento.

Ganhou a parada.

Aos catorze, quando estava prestes a

encarar o segundo grau, a mãe, dona

Cacilda, não abriu mão do monastério e da

promessa. Cissinho, que, àquela altura, já

era chamado pela turma de Cissão, apelou

para aquele argumento chove-não-molha de

que, ao invés de frequentar um seminário

regular presencial, poderia muito bem se

formar, e ser Bacharel em Teologia,

utilizando o método de educação à

distância.

Mas dona Cacilda era de opinião que,

para conhecer melhor a palavra de Deus e

para exercer o ministério cristão, o

seminário teria que ser convencional, ao

vivo e a cores. E assim foi feito. No primeiro

dia de clausura, o Superior chegou para o

ex-Cissinho, ex-Cissão e ora irmão Cícero, e

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pagou a missão:

- Filho, como primeiro ato de

humildade, você vai circular pela

cidade e angariar a maior quantidade

de óbolos possível. Eufemismo para

dizer que o seminarista deveria pedir

esmola no centro da cidade de São

Paulo.

- Mas padre, eu não conheço as ruas

desta cidade...

- É verdade. Por isso, já mandei o

jardineiro ir até o shopping e adquirir

um GPS de São Paulo. Quando ele

voltar, irá procurá-lo para entregar o

equipamento diretamente. O roteiro

você traça como bem entender. O

problema é seu; e o tempo gasto

também.

O jardineiro voltou, o irmão Cícero

ganhou a estrada e não voltou naquele dia.

Nem no outro, nem nunca mais. Nunca

mais, até a Polícia ser acionada e capturá-lo

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em um animado luau no Guarujá; bermuda

florida, peito nu, coberto de tatuagens,

pescoço enleado de correntes douradas,

sandálias havaianas, uma gravata amarrada

na cabeça fazendo as vezes de tiara, uma

lésbica de um lado e um gay de outro.

Reunidos no seminário, seu Doca, o

pai, dona Cacilda, a mãe promesseira, o

Prior do Seminário, o Padre Comissário

Provincial, o Bispo Diocesano e o diabo a

quatro. A mãe atestava, com veemência,

que o filho era apenas uma vítima. Os

religiosos não sabiam o que decidir, e seu

Doca fazia força para não rir daquela

inusitada situação.

No final, venceu o bom senso: o bom

irmão Cícero voltou para casa e tornou-se

novamente o Cissinho das primas e afins, e

o Cissão da patota; o jardineiro foi

despedido por justa causa. Bronco e

semianalfabeto, o jardineiro foi ao shopping

e, ao invés de pedir um GPS da cidade de

São Paulo, trocou as bolas e adquiriu um

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“Guia GLS São Paulo”, que de gay para gay,

descreve sem pudores nem rodeios, analisa

e comenta os melhores roteiros de diversão,

entretenimento, cultura, flerte e sexo para

gays, lésbicas e simpatizantes, na cidade de

São Paulo.

O irmão Cícero – hoje capitão da PM -

só cumprira as ordens superiores.

Floriano Lott tem uma coluna sua de crônicas na Revista Única de Feira de Santana.

Olhos Negros

(Nathalie Gaudêncio)

Estava praticamente violando um código

pessoal de honra. Apesar de séculos

tomados pela Besta, não conseguia conter

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aquele sentimento simplório e humano que

duelava com Ela. Um duelo oculto pela

escuridão da eternidade que o envolvia.

Eram raros os momentos em que não

gostava de sua beleza exótica, sua

inteligência e do prazer que sentia em

apreciar a não vida que tinha.

Podia agora, se prestasse atenção,

escutar o doce pulsar do sangue correndo

atrás da vida pelas veias, contemplar o

rosto sereno do garoto adormecido, a

impertinente mecha de cabelo escuro que

lhe caía sutilmente sobre a testa, num

contraste atraente com sua pele branca,

quase translúcida, e novamente o sangue.

Aquele líquido vermelho e espesso o

perseguia.

Sentiria ele pena de um humano? Não

sabia.

Então deixou, simplesmente, seus

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lábios resvalarem por aquela pele cálida,

sentindo o sabor daquele humano

encantador, que apenas moveu-se em seu

sono. Sua língua deslizou úmida e

suavemente pelo pescoço do outro.

Christian, por não saber ao certo a quem

estava tentando, então se deixou levar. Deu

uma leve mordida no pescoço de sua presa,

arrancando-lhe um suspiro deleitoso. Sorriu

involuntariamente.

- Christian? – a voz soou sonolenta e

prazerosa.

- O que foi, Die? – questionou,

beijando a maçã do rosto do menor, que

sorriu abertamente fitando o príncipe a lhe

beijar. Via em Christian a imagem da

perfeição, com seus cabelos curtos

aloirados, os olhos verdes a imitar a mais

pura das esmeraldas, o sorriso confortante

de dentes brancos e pequenos, que o fazia

suspirar.

- Nada – constatou sorrindo.

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Enlaçou o pescoço do seu príncipe,

deixando os lábios se encontrarem em um

beijo tépido. As línguas deslizavam juntas,

em movimentos ritmados e molhados; as

mãos exploravam reciprocamente seus

corpos ainda nus.

Uma sensação estranha se apoderou

de Christian, que se afastou abruptamente.

Die lançou-lhe um olhar confuso e magoado.

Seria uma sensação de perda?

Era como se tivesse a certeza de que

iria destruir seu objeto de amor. Um enorme

abismo preenchido de angústia, no qual se

via prestes a se lançar, não havia

alternativas. Algum dia houve? Acreditava

que não. Fitou a face do jovem moreno, que

olhava para ele com desconfiança, beijou-

lhe o topo da cabeça e deslizou a mão pelos

quadris de Die, deitado embaixo de seu

corpo. Mordeu o próprio lábio de forma

desesperada sentiu o gosto do próprio

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sangue. Fitou os olhos escuros do moreno e

sorriu com amargura.

- Não posso perder-te – disse em tom

imperativo, confundindo ainda mais a

cabeça desnorteada de Die.

- Você não vai me perder – respondeu

o ingênuo rapaz, beijando-lhe rapidamente

a face.

- És tão belo... – deslizou os dedos

esguios pela face do jovem, apreciando seu

rosto tão feminino. Observou-o corar

tentadoramente. – Possuí olhos tão

escuros... - deixou seus lábios novamente

resvalarem por aquela pele. – Lábios tão

atraentes, são como imãs para mim...

Deitou-se completamente sobre Die,

beijando-lhe lascivamente os lábios e

descendo a boca ávida até o pescoço. Sua

decisão já estava tomada. Mordeu, da forma

mais gentil que pôde, aquela pele,

dilacerando-a, sentindo o sabor do néctar

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que tanto desejava novamente. Sentia o

sangue se espalhar prazerosamente ao

longo daquele tenro corpo. Sugava-o com

mais e mais vontade.

Então beijou os lábios desfalecidos,

dando-lhe vida - ou melhor, a não vida.

Dividindo seu sangue com Die, viu o corpo

se contorcer antes de morrer e renascer, em

seguida, para a eternidade repleta de

luxúria. Os lábios, antes inanimados,

tomaram-no em um beijo animador, que

apenas buscava sangue. Rapidamente se

separaram.

Suspirou desnecessariamente ao fitar

os olhos desesperados e repletos de medo.

Definitivamente, não era aquela a sua

primeira vítima, mas era a primeira vez que

agia com amor, um amor medíocre - a arte

sempre sobre o doce comando da Besta. Um

amor que nunca sentira em seus anos de

vida, e muito menos depois. Era um

amaldiçoado. Tão vítima quanto aquele que

acabara de transformar.

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Os olhos de Die estavam mais negros

do que nunca. Transmitiam a angústia que

sentia e o tremor da dúvida. O que estava

acontecendo?

- Posso explicar-te – começou

Christian, com toda a boa vontade que

tinha, buscando as palavras mais amenas

para tão dura revelação. – Apenas...

Christian sequer chegou a ter a

oportunidade de explicar. Possesso, Die

avançou sobre o príncipe, de maneira

animalesca. Suas unhas curtas e bem

cortadas direcionaram-se ao pescoço alvo

daquele ser. Enfurecido, tentava arranhar e

socar aquele rosto. Não sabia bem o porquê,

só sabia que deveria matá-lo. A cólera

tomara conta de todos os seus

pensamentos, deixando-o ainda mais

perdido.

O príncipe não se moveu, permaneceu

inerte, aumentando a ira daquele que o

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atacava. Depois de longos minutos, a

criança da noite cansou. E Christian pôde,

enfim, concluir:

- Apenas lhe dei existência eterna –

ponderou e achou que a palavra ‘existência’

encaixava-se melhor do que ‘vida’, naquele

contexto. – Juventude, sabedoria... Terás

tudo que os mortais desejam desde o início

da humanidade. – sorriu de maneira suave.

- O que você quer dizer com isso? –

questionou o rapaz, irritado. – Diga-me?

Uma maldição? Seitas? Demônios?

- Você agora é como eu, um vampiro.

Um eterno e amaldiçoado vampiro.

Então, de maneira única e

provocante, valendo-se do dom que só os

representantes da realeza possuem, mordeu

novamente aqueles lábios bem desenhados,

deixando o sangue escorrer por eles e

atiçando o ímpeto de Die, que sentia agora

uma necessidade sobrenatural de

experimentar novamente o sabor inebriante

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daquele sangue.

Em um único impulso, jogou-se

contra aquele corpo maior, beijando seus

lábios com voracidade. Chupava e sugava os

lábios de Christian. Havia sensualidade e

sangue. Elementos extremamente

perigosos.

Quando tiramos a vida aos homens, não

sabemos nem o que lhes tiramos, nem o

que lhes damos. (Lord Byron)

Nathalie Gaudêncio começou a ler e escrever histórias homoeróticas há aproximadamente oito meses. A primeira história desse gênero foi lida, descompromissadamente, em uma comunidade do Orkut. Até então não conhecia nada sobre o assunto. Mas simplesmente se apaixonou por contos homossexuais. Diz-se não se enquadrar em nenhuma classificação estereotipada. Apenas aprecia boas histórias, com conteúdo.

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Um Equívoco da Natureza

(Lucêmio Lopes da Anunciação)

A maca se movia pelos corredores brancos

do hospital enquanto Patrícia olhava as luzes

do teto a passarem por ela. Sua mãe, como

sempre ao seu lado, tentava encorajá-la em

tão difícil momento. O namorado, Eduardo,

também estava ali. Ele era peça

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fundamental nessa história toda. Afinal,

aquela cirurgia só fora marcada devido aos

seus insistentes pedidos. Agora Patrícia

procurava forças para enfrentar o medo;

parecia que o coração não lhe cabia no

peito.

Minutos atrás ela se despia. Primeiro,

desfez-se das roupas, depois das joias, que

foram retiradas uma a uma, num ritual com

ares de despedida. Afinal, havia sempre o

risco de problemas com a anestesia, e, se

nunca mais acordasse, não precisaria de

mais nada daquilo. Com o olhar grave,

entregou a Eduardo o crucifixo, a pulseira,

os brincos de ouro, despojando-se

totalmente dos bens materiais. Naquele

momento, começou a refletir sobre valores

que antes se mostravam tão significativos e

agora perdiam completamente a

importância. A bata verde era a única peça

que usava quando se deitou na maca, pouco

antes de ser levada para a sala de cirurgia.

Não deveria pensar em coisas ruins.

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Mas pensava. O risco de não sobreviver

mexia demais com a sua cabeça. Esforçava-

se para manter o autocontrole, a caminho

do centro cirúrgico. Em alguns momentos,

chegava a se apavorar com a ideia de

perder a consciência e ficar à mercê dos

médicos. Tentava, de todas as formas, focar

o pensamento nos aspectos positivos

daquela intervenção que lhe traria a chance

de viver uma nova vida dali em diante. O

sonífero começava a fazer efeito. Quando

acordasse, estaria tudo resolvido.

Já nos últimos instantes, antes de

adormecer, relembrou o tratamento

alternativo que fizera no mês anterior.

Tratamento esse que foi decisivo para que

ela concordasse com o namorado a respeito

da cirurgia. Durante uma série de sessões

de regressão, Patrícia descobriu muita coisa

a respeito de si mesma.

Na primeira sessão, ela voltou à

adolescência, pouco tempo antes da

separação da família. Lembrou-se do olhar

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intolerante do pai, sempre a repreendê-la

em público; por várias vezes, chegou a

surrá-la. Quase que diariamente, ela ficava

de castigo por usar as roupas da mãe. Num

dado momento da regressão, viu os pais

discutindo por causa dela. Era manhã de

domingo, e todos se preparavam para ir à

praia. Quando Patrícia vestiu a saída de

banho transparente, o pai arrancou-a com

violência e a fez em pedaços. A mãe, em

vão, ainda tentou defendê-la. Nessa

ocasião, as duas foram moralmente

ofendidas durante todo o dia. O momento

mais cruel, no entanto, foi quando, aos doze

anos de idade, Patrícia chegou em casa com

um namorado bem mais velho que ela. O

pai achou aquilo uma afronta aos seus

princípios morais. Vociferou ferozmente e

quebrou vários objetos, antes de sair de

casa, para nunca mais retornar. Aos prantos

e ofegante, Patrícia voltou a si extenuada. A

carga emocional de reviver os traumas do

passado tinha sido muito intensa.

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Durante a segunda sessão, regrediu

até os dois meses de vida. Patrícia

conseguiu perceber muita felicidade ao

redor de si, sentia-se querida pela família.

Havia harmonia no lar, todos queriam

segurar aquela criança tão linda, de face

corada, que mais parecia uma boneca de

louça. Algumas vezes, na rua, chegavam a

pensar que aquela criança era mesmo uma

boneca, tal era a sua beleza. Nessa época,

ainda não havia qualquer indício das

mudanças que aconteceriam em sua vida.

Seus problemas estavam todos latentes, e

só explodiriam mais tarde. Novamente, a

regressão tinha sido extraordinária para ela.

Dessa vez, havia descoberto o quanto havia

sido amada um dia.

Mas foi na terceira sessão que ela

chegou ao nascedouro do grande problema,

no quinto mês de sua gestação. E o

terapeuta que conduzia a regressão iniciou o

diálogo:

- Conte, Patrícia, o que você está

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vendo agora?

- Aqui dentro está maravilhoso, me

sinto segura e confortável...

- Descreva o local onde você se

encontra.

- Estou na barriga da minha mãe,

cercada de fluidos por todos os lados. Vejo

uma mão acariciando a barriga que me

abriga, tentando me fazer um afago. Isso

faz bem à minha alma...

De repente, ela solta um grito de

pavor.

- O que está acontecendo, Patrícia? –

pergunta o terapeuta.

- É algo terrível! Estou sendo gerada

de maneira errada, e não consigo fazer nada

para evitar isso. Maldita Natureza, que não

tem respeito por mim!

Essa foi a última lembrança de

Patrícia, antes de perder os sentidos no

hospital. Dentro de pouco tempo, o bisturi

do cirurgião iria transformar Patrício em

Patrícia, como, aliás, já era conhecida por

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todos.

Lucêmio Lopes da Anunciação é natural de Recife-PE, mas mora em Natal-RN desde 1995. Já publicou dois livros: “Paisagens da Vida” e “Paisagens da Vida II”, ambos contendo poemas, crônicas e frases. Em seu site (www.lucemio.com), divulga sua obra literária. Já obteve seis premiações literárias a nível nacional.

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Adelaide que amava Márcia que amava

o mar

(Nilton Silveira)

Éramos duas clientes assíduas do quiosque

mais próximo do mar, no Leblon. Para ela, o

mar era o que havia de mais belo. Para mim

era apenas o mar.

Muitos amigos diziam que Márcia —

sim, Márcia era o nome dela — tinha cara de

ratazana e que não sabiam o que eu via de

tão maravilhoso naquela mulher gorda e

desmazelada.

Sempre procurei — e procuro —

ignorar as pessoas que fazem comentários

maldosos a respeito de Márcia. De mais a

mais, também sou alvo de muitas intrigas.

Uma delas é que sou uma prima-dona que

não deu certo! Mas nem por isso deixo de

usar um make-up digno dos palcos. Márcia

foi sempre tão importante para mim, nunca

consegui ficar indiferente aos seus

peculiares encantos.

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Em todos os verões — e em muitos

invernos —, ao aroma característico que

exala a vasa do mar, éramos vistas

desvendando cervejas, refrigerantes e

outros enigmas acumpliciados com garrafas,

copos, cálices e malgas.

Hoje, por exemplo, faz esse frio

danado, que regela até meus ossos, e a

noite já chega para acordar meus medos,

mas estou aqui.

Ah, como me lembro de Márcia!

Recordo seu jeitão desataviado, e volto ao

passado. Mais especificamente ao dia em

que ela reagiu à grosseria de uma estranha

que, embriagada, diante da negativa de um

gole de sua bebida, tentou atingi-la com a

própria amargura: “Você não passa de uma

mulherzinha nojenta. É! Mu-lher-zi-nha!

Sabe por quê? Porque uma mulherzinha

como você jamais conseguirá ter a

aparência elegante de uma dama como eu!

E, convenhamos, não é qualquer uma como

você que vai usar os maiôs de grife que uso

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e comer as lagostas com que me farto. Não

é, baleia? A não ser, é claro, que você se

valha das sobras da corja de babacas que

vivem neste seu mundinho podre!”

Perante tamanha afronta, o que fez

Márcia? Absolutamente nada! Ai, que raiva!

Eu, ao contrário, teria ficado logo furiosa,

armaria o maior barraco e partido para a

briga. Mas Márcia não. Era um exemplo de

isenção. Não se via nela um laivo sequer de

vontade de revidar. E, quando questionada

sobre tais eventos — principalmente por

mim —, ela repetia: “Não me atingem

aqueles que tentam me ofender, dizendo

coisas que não sou. E, quando apontam

meus verdadeiros erros ou vícios, eu apenas

reflito se vale a pena alguma reformulação.

E ajo sem culpa, mas com a

responsabilidade à qual, como maior

interessada no meu próprio progresso, sou

chamada.”

Nunca consegui seguir os bons

exemplos de Márcia, que também reservava

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a si própria o direito de ser ambivalente.

Mormente, quando os dias e as noites eram

de tempestade e frio no Leblon. Nesses dias

plúmbeos, lá estava ela, em plena praia,

com seu puído abrigo de pele tingida em

magenta, indiferente aos açoites do mau

tempo, sentada diante de algo fumegante

cujo conteúdo era sorvido com a polidez

exercida nas cortes. E ela, que muitos

consideravam um paradigma de

simplicidade, naqueles momentos, parecia

ser a personificação da soberba, o que, para

mim, nunca deixou de ser um grande

enigma.

Não me canso de pensar nessa

mulher, a única pessoa que me lisonjeava

permanentemente: “Você é tão linda, minha

querida Adelaide...” — dizia — “Acho que é

por isso que você sempre acaba atingindo o

seu objetivo maior: fazer-se notável.”

Na verdade, Márcia tinha razão.

Sempre agradou-me a ideia de dar

entrevistas. Mas permanecer exposta, nas

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praias e nas calçadas dos bares,

representava viver a glória dos artistas que

atuam nos palcos da arte, com a vantagem

de ter ampliado os meus horizontes ao

exercer meus direitos nos palcos da vida.

Evidentemente, sempre com muita

maquilagem em torno das minhas

indefectíveis sobrancelhas tatuadas.

Contudo, nunca consegui alcançar felicidade

plena. O fato de ser alvo dos comentários de

linguareiros, ainda que eu tentasse ignorar,

sempre acabava me ferindo: “Como é

possível uma mulher tão bela e bem-

sucedida nunca ter apresentado um

namorado, noivo, marido... um amante?”

Os desgraçados folgavam, riam e

tripudiavam! Isso é uma droga, pô! Por que

tenho eu que ser exatamente como eles

querem?

Mas todo esse falatório passou, desde

que cedi à cantada de um salva-vidas e me

afastei de Márcia. Não cheguei a dar a ela

explicação alguma, apenas fui com o cara

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para Copacabana e tentei me lançar a outro

tipo de vida. Só que a aventura nada mais

foi do que uma ilusão entremeada com

pouco prazer e muita amargura. Acabei

fugindo do dito cujo, e ainda me culpo por

ter passado cinco meses manifestando

minhas fingidas virtudes femininas,

contrapondo-me, certamente, às constantes

demonstrações de lealdade daquele homem

que via em mim a mulher ideal.

De volta ao Leblon, estou no mesmo

ponto onde um dia eu disse à Márcia: “Muito

prazer! Meu nome é Adelaide. E o seu?...”

Entretanto, pouco consegui saber sobre ela.

Por ironia do destino, fui informada apenas

que Márcia estivera ali no dia anterior e fora

salva de um afogamento. Disseram alguns,

porém, que, em seguida ao resgate, ela

voltou a entrar no mar e, após receber o

abraço de uma onda gigantesca, deu uma

estrídula gargalhada e não mais foi vista.

Estou arrasada. Cheguei tarde. Sinto-

me dispersiva e triste. Não tenho a mínima

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vontade de vestir as roupas e os adereços

que até hoje tive como tesouros. Será que

tenho um lenço para retirar esta

maquilagem ridícula que me mascara ainda

mais? Ó, céus! Nada me dá tesão! Sinto

apenas uma dor em minha alma apunhalada

pela impotência. Não passo de uma mulher

solitária, sentada ao lado de uma cadeira

vazia. Olho para o mar umbroso e sinto-o

como uma ameaça a solicitar, com

instância, que eu me precipite em suas

entranhas.

Ai, que frio! E o que faço nesta praia

quase deserta, meu Deus?

É inútil, não consigo relutar por mais tempo.

Agora eu ouço claramente: o mar me

chama.

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Nilton Silveira é poeta, contista e cronista, com publicações em antologias, revistas e jornais. Além de poema em CD de Ruth Telles – a mais importante declamadora do RS ―, tem várias classificações em concursos nacionais de Literatura, sendo que as três últimas – assim como outras – obtiveram o 1º lugar.

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O templo das mãos

(Felipe Freitag)

“Se estas paredes falassem

Se contassem cada vez que sonhei viver

Em outro lugar

Onde Marte ama Marte, e Vênus pode

passear

De mãos dadas com Vênus”

Dance of days

Enquanto esperava o ônibus naquela parada

suja e cheirando a urina, um casamento se

desenrolava na igreja em frente. Com o

olhar sombrio, de quem estava desligado do

tempo e do espaço, olhava; e apenas

olhava. Via o carro branco com chofer na

porta da igreja, os flashes dos fotógrafos, e

sentia, de longe, o aroma das flores.

De repente, como que num

instantâneo, uma lágrima verteu de seus

olhos e escorreu pela face. Sentiu-a azeda e

amarga na boca. Tinha dentro de si o fel.

Seu rosto enevoou-se, e ele quis aplaudir a

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noiva, quis correr pela rua e gritar, um

daqueles berros de alucinação, ou talvez

vários berros.

Caiu e chorou convulsivamente. Deu-

se conta de que nunca se casaria, nunca

teria filhos. Podia até juntar seus trapinhos,

mas sem bênçãos, sem as aleluias e a Ave

Maria de Schubert. Por que a sociedade lhe

impunha todas as desgraças da terra? Ele

queria apenas ser feliz.

Era feliz nas madrugadas de lua, era

feliz nas manhãs em que o sol raiava em

seu rosto e ele podia ver sobre a cama o

corpo de seu garoto.

Ao pensar na sua alma como um

deslocamento imoral, abraça o poste ao lado

da parada de ônibus e geme, e treme.

Queria fugir da realidade que o

atormentava, acabar com o suplício que os

céus descarregavam sobre ele. Como um

menino sem rumo, vagou o restante da

noite pela cidade agitada. Com um lenço

dourado em torno do pescoço, carregava

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nas mãos um maço de cigarros e um

isqueiro. Ouviu da janela de algum prédio

uma voz de chacota: viadinho! viadinho!

Aquilo já era demais. Voltou à parada,

tomou fôlego, enfiou-se por entre os carros

que circulavam no asfalto, e, entre buzinas

e luzes, continuou. Entrou na igreja e

sentou-se no último banco. E ali

permaneceu, a escutar as juras de amor

entre os noivos: “prometo amar-te, em

nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,

amém.”

O corpo suava, apesar da noite fria e

da garoa do lado de fora, que aos poucos ia

criando poças. O rosto vermelho, cabelos

desgrenhados, a alma em chamas e a boca

ardente de verdades.

Após escutar o “Sim”, levantou-se,

aprumou-se, ajeitou o lenço, abotoou a

camisa de linho e subiu no banco. Os olhos

rudes, como o de um animal ferido, e a

alma cortante, como a de um ser

esfacelado. Sentia uma navalha cravada no

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coração. Aos poucos, as pessoas foram se

surpreendendo com aquela cena: ele de pé

no banco. Os olhares desviaram-se dos

noivos para o fim da igreja.

Ele embebia-se de raiva. Munido de

uma súbita coragem, começou a gritar.

Todos os olhares se voltavam, espantados,

para aquele indivíduo bem vestido, de lábios

muito vermelhos, aos berros em plena

cerimônia.

Os noivos, muito nervosos e

desconcertados com aquilo tudo,

paralisaram. As pessoas pareciam sentir

vergonha pelo rapaz. Foi quando uma voz

seca, disfarçada, destoante e enegrecida se

fez ouvir, de início em tom mais leve e

depois com mais vigor: EU TAMBÉM POSSO

AMAR! EU TAMBÉM POSSO AMAR!

Vagarosamente saiu da igreja, com as

costas menos pesadas, com o orgulho

estufado no peito, sem algemas nem

amarras.

Na parada, um sorriso, alguns

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bocejos, um cigarro aceso. Pegou o ônibus,

e, no ponto de chegada, foi recebido pelo

jovem de olhar de estrelas com um beijo

prazeroso e sublime. Eles se amaram, eles

se provaram, eles se consumiram. Nada de

sexo, nada de malícias. O amor mais

sensível, na madrugada mais linda, molhada

de fina chuva e acariciada pelo vento norte,

a cortar o silêncio.

Na manhã seguinte, decidiram: dali

em diante, haveriam passar por aquela

igreja de mãos enlaçadas.

Felipe Freitag, 21 anos, estudante do curso de Letras da Universidade Federal de Santa Maria, poeta, um dos 13 vencedores do Prêmio Lila Ripoll de poesia 2007, promovido pela Assembleia Legislativa do RS. Diz-se um obsessivo em ver na arte a elucubração de toda ação e alma humana; procura descrever no que escreve as peripécias de uma vida que nos persegue com suas dores. Escreve desde os 18 anos, séria e exaustivamente. Tem mais de 300 poemas escritos, além de vários contos e crônicas.

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Espera de uma vida

(José Ricardo Oliveira)

Carlinhos estava decidido. Aquele seria seu

último dia de vida. Nada mais fazia sentido,

para ele. O mundo era cruel e as pessoas

aproveitadoras.

Mesmo convivendo com uma

encantadora família que aceitava sua

homossexualidade e apoiava cada um de

seus empreendimentos, e tendo um dos

empregos mais bem remunerados de sua

cidade, não conseguia conviver com o

sentimento de solidão que dele se apoderara

desde que Roberto o abandonou, há cinco

anos atrás.

Como cenário de seu suicídio, havia

escolhido uma praia pouco frequentada de

Salvador, cidade em que vivia. Subiria ao

ponto mais alto da praia e, lá de cima, se

lançaria em direção às pedras pontiagudas,

contra as quais seu corpo se chocaria com

toda força, e ele conseguiria, por fim,

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repousar definitivamente o seu espírito.

Esperou uma manhã escura do mês

corrente, agosto. Fez-se, enfim, uma manhã

nublada e de grande ventania, no mês mais

desgostoso do ano, tal qual havia desejado.

Conhecera aquele local ocasionalmente, em

um passeio com amigos, onde foram

contemplar o pôr-do-sol.

Caminhou até a mais alta das pedras.

E, chegando ao exato local de onde saltaria,

surpreendeu-se com um rapaz de cabelos

negros e cacheados, ali sentado, como se

aguardasse por algo ou alguém.

- O que faz aqui? – pergunta

Carlinhos, demonstrando-se ofendido com a

presença do (belo) rapaz no local, a

atrapalhar seus planos.

- Aguardo por alguém – respondeu,

sem sequer olhar para o rosto de Carlinhos.

Os olhos do belo rapaz perdiam-se no

horizonte. Em seu peito, expectativa e

esperança se misturavam.

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- Vai demorar?

- Não sei ainda. Por quê?

- Gostaria de fazer algo, mas sua

presença me atrapalha…

Fitando agora Carlinhos, o rapaz

questiona:

- Tem mesmo que ser aqui? Esta

praia é tão grande.

- Vim me suicidar! – grita Carlinhos.

Sem demonstrar muita surpresa, o

rapaz responde:

- Então volte amanhã. Estou

esperando alguém, e só sairei daqui mais

tarde.

“Como é que alguém pode ser assim

tão frio, o ponto de não se importar com

uma pessoa acaba de lhe dizer que vai se

suicidar?”, questiona Carlinhos. E, mesmo

achando que ninguém respeitava a sua vida,

resolveu respeitar o espaço do rapaz de

cachos negros. Afinal, ele havia chegado

antes às pedras.

- Tudo bem. Voltarei amanhã mais

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cedo, pra terminar logo com isso.

Carlinhos então retornou para sua

casa.

No dia seguinte, não foi ao trabalho.

Saiu bem cedo rumo às pedras na praia.

Antes de dar continuidade ao seu plano,

contemplou a beleza do mar misturando-se

ao azul cinzento que encobre o céu. Quando

estava pronto para pular, assustou-se com a

voz grave que vinha do seu lado esquerdo:

- Chegou cedo, hein rapaz? Está

mesmo disposto a dar cabo da própria vida,

não é?

- Que susto… Você aqui novamente?

- Continuo à espera de alguém… O

encontro não aconteceu ontem, por isso

estou aqui novamente.

- Não aguento mais tanta solidão… -

queixou-se Carlinhos ao rapaz.

- Quer se matar por se sentir

solitário?

- Sim. Também…

- Se não quiser, não precisa falar

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sobre o seu problema. A propósito, meu

nome é Eduardo.

- O meu é Carlos, prazer… Uma pena

nos conhecermos nestas circunstâncias…

Alguns barcos se aproximaram das

pedras lá em baixo e, ao percebê-los,

Eduardo sorriu sarcasticamente.

- Por que está sorrindo deste jeito?

- Vejo que, mais uma vez, você terá

de adiar seu suicídio para amanhã. Os

barcos de turistas lá embaixo só sairão ao

final da tarde.

- Como sabe?

- Venho aqui já há algum tempo…

Você é engraçado, no bom sentido. Mas é

uma pena... Seu objetivo terá de ser adiado

mesmo por mais um dia…

- Tudo bem, já que não tem outro

jeito… Decidi que seria aqui minha

despedida desta vida, e aqui será! Voltarei

amanhã. E, para conseguir segurar a

ansiedade, apelarei para alguns chocolates.

Amanhã estarei novamente aqui, bem cedo,

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para concluir meu ato, sem falta. – decidiu

Carlinhos.

Eduardo o acompanhou com o olhar,

até vê-lo se misturar ao horizonte. Em

seguida, sorrindo, voltou novamente os

olhos para o oceano. Desta vez, porém,

havia algo novo, que nem mesmo ele sabia

do que se tratava.

Já Carlinhos caminhava de volta para

casa, intrigado com a ‘petulância’ de

Eduardo, que há dois dias atrapalhava seus

planos.

A manhã daquele dia já não era mais

nebulosa. O sol começava a despontar do

outro lado da praia, por trás de Carlinhos,

que se postava ali parado, contemplando a

infinidade do mar à sua frente. Olhou para

os lados à procura de Eduardo. Deveria se

sentir alegre, sabendo que não mais seria

interrompido, mas o desconforto tomou

conta de sua alma. Passou a noite inteira

pensando em chegar às pedras. Pressentia,

no entanto, que algo o impediria de

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suicidar-se novamente. O que seria desta

vez? O que Eduardo poderia dizer-lhe

naquela manhã? Pensava em Eduardo.

Lembrou-se da imagem do rapaz

sentado ali nas pedras aguardando

pacientemente por algo que poderia nunca

chegar. Afinal, quem ele aguardava tão

esperançoso?

Ele acreditava em algo, mesmo sem

saber exatamente em quê. Olhou para trás

e percebeu o dourado do sol a se expandir

pelo céu e envolver a areia, as pedras, o

mar. O cenário agora era outro. Pensava

consigo mesmo, não tinha mais a manhã

fria e escura, mas também não tinha mais a

coragem necessária para concluir seu

objetivo. Por alguns segundos, chegou a

sentir falta de Eduardo. Aliás, era para vê-lo

que iria às pedras naquela manhã. Saiu de

casa pensando: “O que ele me dirá hoje?”

Baixou a cabeça e falou em voz alta,

como se questionasse a si próprio: “Será

que ele encontrou o que tanto esperava?”

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Uma voz grave, já conhecida, surge por trás

de Carlinhos e lhe responde:

– Sim encontrei.

- Desculpe, não o tinha visto aí.

- Estava lhe observando de longe.

- Mas me fale de sua conquista, do

que encontrou...

- Pois é. Encontrei quem eu tanto

esperava, e estou feliz por isso.

- Que bom. No meu caso, acho que

perdi um pouco da coragem que tinha.

Apesar de ter mais um motivo agora.

- Pensei que já tivesse desistido.

- Por que pensou isso?

- Você disse que se sentia solitário…

- Ainda me sinto…

- Mas não está… Não mais. – Eduardo

toca o ombro de Carlinhos e, olhando dentro

de seus olhos, conclui:

- Já pensei em muitas bobagens, e

percebi que nada daquilo resolveria

efetivamente a minha vida. Um dia, assim

como você, decidi pular destas pedras e

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enterrar de vez os problemas de toda a

minha existência. Após refletir, resolvi dar

um tempo em minhas amarguras e permitir

que as pessoas se aproximassem de mim.

Quando vi você chegando às pedras, percebi

sua beleza natural, apesar do desespero em

seus olhos. No segundo dia, vi que sua

determinação tentava lhe abandonar. Por

isso agi assim. Hoje percebo a esperança

acenando para você, implorando-lhe que dê

a si próprio mais uma oportunidade. Fique

comigo, você é a pessoa que eu tanto

esperei.

Carlinhos surpreende-se com aquela

declaração de Eduardo. O sol dourado de

uma bela manhã espalha-se por todo o

horizonte, assim como a luz que emana dos

olhos de ambos. O mar sorri feliz, assim

como é o sorriso que se abre nos lábios dos

dois rapazes. Um abraço forte é uma

promessa de que ambos iriam tentar a

felicidade. Um beijo apaixonado sela o pacto

de vida nascido ali.

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José Ricardo Oliveira é estudante de jornalismo e artista plástico. Em suas exposições, para cada tela, o artista escreve um texto (poema ou poesia) que é exposto paralelamente. Mesmo tendo realizado somente três exposições dentro do estado da Bahia, José Ricardo já tem seu trabalho divulgado no Rio de Janeiro, São Paulo e Dinamarca. Como jornalista, é responsável pelo blog Aramis, Todo Dia - www.aramistododia.blogspot.com. Colabora também com impressos de ONG's que abrangem todo o território nacional e jornais internos de empresas de Salvador.

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CURRÍCULO DO ORGANIZADOR

VALDECK ALMEIDA DE JESUS é

jornalista, escritor, poeta e funcionário

público federal. Nasceu a 15 de fevereiro de

1966 em Jequié/BA, onde viveu até aos seis

anos de idade, quando foi residir na Fazenda

Turmalina (região de Itagibá/BA), onde

continuou a estudar em escola pública até

os 12 anos de idade. Aluno exemplar

retornou a Jequié/Ba para se matricular na

5ª série do primeiro grau, em escola

pública. Ingressou nas Faculdades de

Enfermagem e de Letras, da Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia em 1990; na

Faculdade de Turismo, na Faculdade São

Salvador, não concluindo os cursos. Reside

em Salvador, desde fevereiro de 1993.

Atualmente faz o curso de Jornalismo na

Faculdade Social da Bahia.

Na capital, fez cursos de informática, teatro,

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relações humanas e fotografia. Fez, ainda,

curso de espanhol durante dois meses em

Madri (Espanha), Santa Elena de Uairen

(Venezuela), Puerto Iguazu (Argentina),

Ciudad del Este (Paraguay) e La Habana

(Cuba) e de inglês por três anos em

Salvador, complementado por curso

intensivo de três meses em Nova York,

Estados Unidos.

Prêmios Literários:

a) Menção Honrosa em 1989 no 1° Concurso

Nacional de Poesia, promovido pelo Instituto

Internacional da Poesia, de Porto Alegre/RS

b) Menção Honrosa no Concurso Literário

Oswald de Andrade, promovido pela

Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia, em 1990, na cidade de Jequié/BA

c) Classificação no concurso literário Bahia

de Todas as Letras, promovido pela

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Universidade Estadual de Santa Cruz, em

Ilhéus/Ba, no ano de 2007, com o conto “Eu

e o Word”, com nota 7 (sete)

d) Classificação no concurso literário

realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores

no Poder Judiciário Federal da Bahia, com a

crônica “Alice”, no ano de 2007, em

Salvador/BA

e) Destaque no XII Concurso de Poesias,

Contos e Crônicas realizado em 2007 pela

ALPAS XXI, em Cruz Alta/RS com o texto

“Minha paixão por livros”.

f) Prêmio Luiz Mott de Cidadania 2008, pelo

conjunto da obra, pela defesa dos direitos

humanos e dos homossexuais, em indicação

feita pelo Glich – Grupo Liberdade,

Igualdade e Cidadania Homossexual, de

Feira de Santana/BA.

g) Medalha de agradecimento e homenagem

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por incentivar a leitura. Outorgante:

Biblioteca Comunitária do Calabar e Avante

– Educação e Mobilização Social. Premiação:

agosto de 2009.

H) Medalha Hermano Gouveia Neto, por

incentivo a leitura, no projeto Resgatando a

Seliba 2009. Outorgante: Colégio Cecília, de

Simões Filho-Ba.

Participa das antologias:

“Poetas Brasileiros de Hoje –1984”, Shogun

Arte, Rio de Janeiro, 1984;

“Transcendental”, publicado em Salvador

em 1996, pela Editora Gráfica da Bahia;

“II Antologia Cultural: 500 Anos de Língua

Portuguesa no Brasil”, Clube de Letras,

Barra Bonita/SP, 2005;

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Page 100: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

“Antologia de Poetas Brasileiros

Contemporâneos 14º volume”, Câmara

Brasileira de Jovens Escritores, Rio de

Janeiro, 2005;

“Antologia de Poetas Brasileiros

Contemporâneos 15º volume”, Câmara

Brasileira de Jovens Escritores, Rio de

Janeiro, 2005;

“Letras Libertas - Contos, Crônicas e Poesias

- Vol 2”, Ilha das Letras, Santa Catarina,

2005;

“XV Concurso Internacional Literário de

Verão”, Agiraldo, São Paulo, 2005;

“Palavras que Falam”, Scortecci, São Paulo,

2005;

“Todas as Formas de Amar”, Casa do Novo

Autor, São Paulo, 2005;

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Page 101: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

“O Amor na Literatura”, São Paulo, Casa do

Novo Autor, 2005;

“Livro de Ouro da Poesia Brasileira

Contemporânea”, Câmara Brasileira do

Jovem Escritor, Rio de Janeiro, 2005;

“VII Antologia Nau Literária”, Komedi, São

Paulo, 2005;

“Ensaios Poéticos”, Academia Virtual

Brasileira de Letras, 2005;

“Poetry Vibes”, Poetry Vibes, Ohio, USA,

2005;

“Ação e Reação. Pequenos Contos”, AVBL, São Paulo, 2005 (livro eletrônico);

“Ensaio Poético. Natureza. Vida”, AVBL, São Paulo, 2005 (livro eletrônico);

“Meu País é Este”, AVBL, São Paulo, 2005

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Page 102: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

(livro eletrônico);

“20 Anos de Poesia – Caderno 32”, Oficina,

Rio de Janeiro, 2005;

“Pérgula Literária – VII”, EVSA, Rio de

Janeiro, 2005;

“Sangue, Suor e Lágrimas”, Arnaldo Giraldo,

São Paulo, 2006;

“Palavras Libertas”, Roma, Uberlândia/MG,

2007;

“Amor, Sublime Amor”, Litteris, Rio de

Janeiro, 2006;

“XI Coletânea Komedi”, Komedi, Campinas,

2007;

“Letras Intimistas”, aBrace, Montevidéu

(Uruguay), 2007;

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Page 103: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

“Primavera de 2006 – Inverno de 2007”, Via

Litterarum e Editus (UESC), Itabuna/Ilhéus,

2007;

“Retratos Urbanos”, Andross, São Paulo,

2008.

“Poemas e Outros Encantos: nova

coletânea”, Edir Barbosa Editor,

Teixeiras/MG, 2008.

“Elo de Palavras”, Scortecci, São Paulo,

2008.

“Poesia do Brasil – volume 8”, Proyecto

Cultural Sur – Brasil. Grafite, Porto Alegre,

2008.

“Coletânea dos 44 melhores poemas de

2008”, 2º Concurso de poesia ABRACI.

IMOS, Rio de Janeiro, 2008.

“Antologia Del Secchi – volume XVIII”. Org.

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Page 104: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

Roberto de Castro Del’Secchi. DELSECCHI

Editora, Rio de Janeiro, 2008.

“Livro de Todos: o mistério do texto

roubado”, coordenação Imprensa Oficial,

São Paulo, 2008.

“Salvador: 460 anos de poesia”.

Organizador Roberto Leal – Omnira,

Salvador/BA, 2008.

“Poetas Del Mundo em Poesias”, Volume I,

Gibim, Campo Grande (MS), 2008.

“Universo Paulistano. Contos, Crônicas e

Poemas de Uma Cidade que Nunca Dorme”,

Organizadores Edson Rossato e Carlos

Francisco de Morais, Andross, São Paulo,

2009.

“XIII Coletânea Komedi”. Komedi,

Campinas-SP, 2009.

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Page 105: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

“Contos e Crônicas para Viagem”, Bruno

Resende e Edir Barbosa (orgs.), Viçosa, Edir

Editora, Minas Gerais, 2009.

“O que é que a Bahia tem”, Litteris, Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

“Comendadores da Ordem do Dragão

Dourado – Antologia Poética”, Real

Academia de Letras, Porto Alegre, 2009.

“Ecos Machadianos”, Bureau Gráfica e

Editora, Salvador, 2009.

“Latinidade poética”, All Print Editora, São

Paulo, 2009.

“IV Coletânea – Poesia, Crônica e Conto

2009”, Tecnicópias, Canoas (RS), 2009.

“Vozes de Aço – IV Antologia Poética de

Diversos Autores”, Volta Redonda (RJ),

PoeArt Editora, 2009.

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Page 106: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

“Antologia Alma Brasileira”, Folha da

Baixada, Praia Grande-SP, 2009.

“Contos, Crônicas e Artigos”, Fundação

Omnira, Salvador-Ba, 2009.

“Antologia Cidade Literária”, L&A Editores,

Belém-PA, 2009.

“Projeto Literário Delicata IV – Poesias,

Contos, Crônicas”, Scortecci, São Paulo,

2009.

Livros publicados de forma

independente:

“Heartache Poems. A Brazilian Gay Man

Coming Out from the Closet”, iUniverse,

New York, USA, 2004; Este livro reúne

poesias de desabafo, muitas delas dedicadas

a mulheres, quando na verdade o escritor

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falava de seus amores secretos, namorados

homens.

“Feitiço Contra o Feiticeiro”, Scortecci, São

Paulo, 2005; Livro de poesias.

“Memorial do Inferno. A Saga da Família

Almeida no Jardim do Éden”, Scortecci, São

Paulo, 2005; Conta a história da família do

escritor Valdeck Almeida de Jesus, que

enfrentou a fome e a miséria por mais de

vinte anos e venceu. 100% da renda do

livro foi doada às Obras Sociais Irmã Dulce.

“Memorial do Inferno. A Saga da Família

Almeida no Jardim do Éden”, Giz, São Paulo,

2007; 20% da renda do livro foi doada às

Obras Sociais Irmã Dulce.

Editor da “1ª Antologia Poética Valdeck

Almeida de Jesus”, Casa do Novo Autor, São

Paulo, 2006;

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“Jamais Esquecerei do Brother Jean Wyllys”,

Casa do Novo Autor, São Paulo, 2005;

“Poemas Que Falam”, Casa no Novo Autor,

São Paulo, 2007.

“Valdeck é Prosa, Vanise é Poesia”, Câmara

Brasileira do Jovem Escritor, Rio de Janeiro,

2007.

Editor da “2ª Antologia Poética Valdeck

Almeida de Jesus”, Casa do Novo Autor, São

Paulo, 2007;

“30 Anos de Poesia”, Câmara Brasileira do

Jovem Escritor, Rio de Janeiro, 2008;

Editor da “3ª Antologia Poética Valdeck

Almeida de Jesus”, Giz Editorial, São Paulo,

2008.

“Memories from Brazilian Hell: The Saga of

Almeida Family in the Garden of Éden”,

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Page 109: Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Contos LGBT’s 2009 ...em busca de respostas. Os cheiros emaranhavam-se à intenção desesperada de dar origem a um perfume nunca antes inalado,

iUniverse, Nova York (USA), 2008.

“Poemas de amor e outros temas”, Blurb,

Nova York (USA), 2009.

“Armadilha – a verdadeira poesia brasileira”,

Clube de Autores, São Paulo, 2009.

“30 Anos de Poesia”, Virtual Books, Pará de

Minas-MG, 2009;

“Minha alma nua” (Série Notáveis Poetas

Brasileiros), Real Academia de Letras,

Porto Alegre-RS, 2009.

Editor da “4ª Antologia Poética Valdeck

Almeida de Jesus”, Giz Editorial, São Paulo,

2009.

Editor do “Prêmio Literário Valdeck Almeida

de Jesus de Contos LGBTs”, em 2010.

Editor do livro “Abre a Boca Calabar”,

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resultado de um concurso de poesias com

crianças da comunidade Calabar, ex-

quilombo, em Salvador-BA, em janeiro de

2010.

Editor da “Antologia do Amor”, que reúne

poetas do Brasil, Estados Unidos e China,

em janeiro de 2010.

Trabalhos Diversos

a) Expositor, como escritor independente,

na Bienal do Livro da Bahia, em 2005, 2007

e 2009.

b) Expositor no III Corredor Literário da

Paulista, de 09 a 14 de outubro de 2007, em

São Paulo/SP

c) Participação no V Fórum Social Mundial,

em Porto Alegre/RS, de 26 a 31 de janeiro

de 2005; Palestrante, expositor e promotor

de mesas de debate sobre literatura baiana,

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leitura e mercado editorial durante o Forum

Social Mundial Temático da Bahia, de 28 a

31 de janeiro de 2010.

d) Participação, como organizador da Mostra

de Arte e Cultura, no II Congresso Estadual

do Sindjufe-BA, de 01 a 03.06.2007, no

Hotel Sol Bahia Atlântico, em Salvador/BA

e) Tem poemas publicados nos jornais de

grande circulação da capital e do interior do

estado da Bahia, além de jornais de

Brasília/DF; Colaborador, desde 1985, do

jornal A PROSA, de Brasília/DF.

f) Colaborador da revista cultural Art’Poesia,

de Salvador, editada por Carlos Alberto

Barreto, que publica poemas de autores do

mundo inteiro.

g) Palestra na ONG Vento em Popa, no

bairro Jardim Gaivotas, em São Paulo, em

2007, com o tema “Motivação através da

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leitura”.

h) Colunista dos sites www.zonamix.com.br,

www.radarmix.com e

www.portalvilas.com.br, desde março de

2006. Nestes e em outros sites, o escritor

colabora sempre com matérias ligadas a

cultura, literatura, arte, preconceito,

discriminação e assuntos relacionados aos

LGBT’s.

i) Verbete do “Dicionário de Escritores

Baianos”, Secretaria de Cultura e Turismo,

Salvador, 2006.

j) Membro da Federação Canadense de

Poetas desde 2004.

k) Membro da Associação Artes e Letras

(França) desde 2005.

l) Membro da União Brasileira de Escritores

– UBE, desde março de 2006.

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m) Em 1987 participou da Diretoria Regional

do Partido Comunista do Brasil e da União

da Juventude Socialista - UJS, em

Jequié/BA. Eleito o primeiro diretor de

imprensa do Grêmio Estudantil Dinaelza

Coqueiro, do Instituto de Educação Régis

Pacheco, fundou o jornal Jornada Estudantil.

n) Fundador do fã-clube do Jean Wyllys

(www.jeanwyllys.com). Seu site profissional

é www.galinhapulando.com

O site Galinha Pulando apóia todos os

eventos e movimentos de afirmação da

cidadania, contra o racismo e,

principalmente, contra a homofobia.

o) Colaborador do Café Literário de Camaçari/BA, evento realizado pela coordenação do PROLER – vários anos.

p) Participação na Feira do Livro Internacional de Paraty (FLIP), 2008.

q) Lançamento de três livros na Bienal

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Internacional de São Paulo, 2008.

r) Verbete no “Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros”, Casa do Novo Autor, São Paulo, 2009.

s) Membro Correspondente da Academia de Letras de Jequié.

t) Participante da "Mostra Poética: Cores das Letras no Brasil", realizado como atividade paralela do 4° Encontro Açoriano da Lusofonia, um dos mais expressivos eventos internacionais de fortalecimento da língua portuguesa no mundo, promovido pela Sociedade dos Poetas Advogados de Santa Catarina - SPA/SC, de 31 de março a 04 de abril de 2009, na Biblioteca da Escola Secundária de Lagoa, Açores, Portugal.

u) Palestra e oficina de poesias na Biblioteca Comunitária do Calabar, bairro remanescente de quilombo, em Salvador/BA

v) Cônsul Honorífico da Real Academia de Letras, Ordem da Confraria dos Poetas.

x) Prefaciou os livros “Eu sou todo poema”, de Leandro de Assis; “Sonhos”, de Antonio Fagundes; “O homem que virou cerveja”, de Silas Correa; “Diário de Rafinha: as duas faces de um amor”, de Léo Dragone; apresentou o livro “Brincando de poesia”, de

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Adalberto Caldas Marques.

z) Participa do projeto “Fala Escritor”, idealizado pelo poeta Leandro de Assis, apresentado todo segundo sábado de cada mês no espaço Castro Alves, em um shopping de Salvador.

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