PRISCILIANO DE ÁVILA: A heresia na religiosidade ibérica...

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LUCILA MARIA MACHER TEODORI PRISCILIANO DE ÁVILA: A heresia na religiosidade ibérica do IV século Assis 2006

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LUCILA MARIA MACHER TEODORI

PRISCILIANO DE ÁVILA: A heresia na religiosidade ibérica do IV

século

Assis

2006

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LUCILA MARIA MACHER TEODORI

PRISCILIANO DE ÁVILA: A heresia na religiosidade ibérica do IV

século

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências eLetras de Assis – UNESP, para a obtenção do títulode Mestre em História (Área de conhecimento:História e Sociedade – linha de pesquisa: Religiõese visões de mundo).

Orientador: Dr. Eduardo Basto de Albuquerque

Assis

2006

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa é fruto de uma sugestão apresentada no Núcleo de Estudos de

História Antiga e Medieval –NEAM, da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, quando nos

foi disponibilizada uma tradução espanhola dos manuscritos publicados por Georg Schepps,

no século XIX, cuja autoria é atribuída a Prisciliano de Ávila.

Iniciamos a pesquisa em 2001 pela biografia de Prisciliano e, então, pudemos

perceber que nela são colocadas em dúvida a causa de sua condenação. A polêmica se amplia

e suscita diversas controvérsias, especialmente acerca do enraizamento de seus ensinamentos

na região da Galiza, principalmente após a morte de Prisciliano, com o extravasamento para

além dos limites locais e sobrevivência até meados do século VIII.

No contato com a obra, Tratados y cânones (BSR, 1975)1, percebemos que várias

problemáticas envolviam questões pessoais, sociais, políticas e religiosas, além de outras.

Estes problemas foram estudados e discutidos por vários pesquisadores e estudiosos sob

perspectivas e pressupostos diferentes. Propusemos aqui mais uma possibilidade de

interpretação fundada na análise documental e na necessidade de situar o autor em seu

contexto2.

Há várias perspectivas acerca do tema. Procuramos aqui, perceber a estrutura em

que o bispo de Ávila estava inserido e a cultura por ele assimilada. Nossa hipótese

fundamental é que este período da história, dentro da Igreja cristã, é marcado pela disputa de

duas grandes correntes: paulina e nazarena. A corrente paulina considera o priscilianismo

1 PRISCILIANO. Tratados y cánones. Biblioteca de Visionarios Heterodoxos y Marginados.Trad. Ed. BartoloméSegura Ramos, Madrid: Ed. Nacional, 1975.2 Embora Chadwick tenha feito um brilhante trabalho colocando-o no contexto social e político do ImpérioRomano Tardio durante a época da sua desintegração sob o impacto dos bárbaros e da inflação. Cf.CHADWICK, H. Prisciliano de Ávila, Madrid: Espasa-Calpe, 1978. Anteriormente Abílio BARBERO “ElPriscilianismo ¿herejía o movimiento social?”, In: GARCÍA BELLIDO, et al, Conflictos y estructuras Sociais en laHispania Antigua, Madri: Akal, 1986, publicado pela primeira vez em: Cuadernos de Historia de España. Institutode Historia de España. Facultad de Filosofia y Letras . Buenos Aires, 1963. Barbero havia trazido o tema para o

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como uma heresia. Observando-o pela corrente nazarena3, podemos contribuir para uma

análise diferenciada do fenômeno a partir de uma (re) leitura dos Tratados e Cânones.

A estrutura eclesiástica, tendo a possibilidade de organizar mais abertamente sua

hierarquia a partir do Edito de Milão, buscou consolidar as conquistas do cristianismo. É o

momento em que a ideologia imperial procurava um sustentáculo para solidificar a transição

difícil do principado para o dominado. Assim, a aproximação entre a religião recém legalizada

e a monarquia constantiniana efetiva-se através deste jogo de interesses vendo-se como poder

oriundo de um Summus Deus, o Deus cristão, que justificaria a autocracia imperial.

Na “Primeira Idade Média”4, a Igreja desempenhou um papel ambíguo. Ao negar

certos aspectos da romanidade criou condições de aproximação com os germanos e

consolidou seu papel no seio populacional do Império, vindo a ser o ponto de encontro entre

aqueles povos e foi também articuladora de novas estruturas.

Nascida nos estertores do Império Romano, a Igreja ia lentamente preenchendo os

vazios5 deixados por ele, até que no século IV, ela identificou-se com o Estado, pois em 380,

o cristianismo torna-se a religião oficial do Império através do Edito de Tessalônica. Tal

processo se completa em 381 com o Concílio de Constantinópla, onde abole-se o paganismo.

A Igreja, segundo alguns autores, passava a ser a herdeira natural do Império Romano

(FRANCO JR, 1986, p.67). Em suma, efetuou a convivência e a interpenetração de três

elementos históricos característicos do período medieval, ou seja, a herança romana clássica, a

herança germânica e cristianismo.(FRANCO JR, 1986, p.15). Para tanto, dentre diversas

atividades, a Igreja organizou e supervisionou os ofícios religiosos, definiu as questões de

campo histórico e social. Propusemos fazê-lo dentro desta perspectiva também a análise no âmbito religioso epolítico.3 Concepção Oriental do cristianismo primitivo apostólico difundido por Tiago. Cf. SIMON y BENOIT, 1975, tb.MONDONI, Danilo, 20014 Optamos pelo uso desta expressão “Primeira Idade Media” em contraposição à “Antigüidade Tardia” em funçãoda proposta de Hilário Franco Jr. que a considera mais adequada por tratar-se de um período que apresentacaracterística própria, não mais “antiga” e ainda não totalmente “medieval”. Período que compreende princípiosdo século IV e meados do VIII. Cf. FRANCO JR., Hilário., 2001. p. 15.

5

dogma, executou obras sociais e combateu o paganismo. Estas atividades foram concentradas

nas mãos de apenas alguns cristãos e vista por muitos fiéis com naturalidade, já que tal poder

havia sido atribuído aos apóstolos que, por sua vez, transferiram aos bispos6. Todavia, embora

pareça contraditório, para a organização da hierarquia eclesiástica, um elemento importante e

necessário foram as heresias7. Ademais, as idéias heréticas significam que se obedece a outros

comandos e se disputa a liderança das almas e dos recursos financeiros/sociais.

Qualquer idéia que parecesse herética era submetida à avaliação do bispo local;

este levava a questão para apreciação de seus pares. Em questões dogmáticas mais intensas e

sérias, como a do arianismo, o Imperador intervinha e patrocinava a realização de um concílio

ecumênico, como o de Nicéia. Além de tais procedimentos, como demonstra este concílio, é

ocasião também de definições dogmáticas, da escolha de textos a ser considerados canônicos

e ou apócrifos e tal esforço é apoiado na exegese.

Paralelamente ao desenvolvimento do clero secular, dedicado a atividades junto à

sociedade, muitos fiéis descontentes com o afastamento dos líderes comunitários de suas

comunidades e em muitos casos rebelando-se contra a hierarquia eclesiástica, buscavam

continuidade no martírio, agora voluntário, retirando-se para lugares ermos, num movimento

eremítico e ascético. Percebendo o perigo que tais personagens representavam para o ainda

incipiente corpo eclesiástico, buscou-se a agregação de tais eremitas para afastá-los do século

e, simultaneamente, poder controlá-los através de uma regra de convivência dentro dos

cenóbios e ou mosteiros. A questão é que são indivíduos turbulentos e afastados da vida

familiar. Há estudos que mostram que haviam internatos em meios urbanos ao lado de bispos

que os protegiam, já que buscavam servir a Deus em ascese e contemplação.

5 Vazios no sentido de enfraquecimento e desintegração política, haja visto que os bispos iam substituindo amagistratura civil nas cidades. Cf. SANCHÉZ, J.D. Historia Concordada de los Concilios Ecuménicos, Barcelona:Editora Mateu, 1962.6 Cf. citação bíblica, João 21,15.7 Do Grego, haíresis, “escolha”, “escola filosófica”, seita religiosa. Cabe afirmação de uma heresia científica,literária, política, caracterizando-se como facção convicta dissidente de um tronco doutrinário comum. Neste

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Autores apontam a má acolhida das autoridades eclesiásticas e que encaram tal

situação como um elemento de desordem dentro de um sistema tradicional.8

Paulo Orósio também comenta a idéia que se tem dos hispânicos no Oriente

quando relata sua participação no concílio de Jerusalém:

Portanto, a desconfiança entre Oriente e Ocidente parece ser recíproca, ao menos

é o que encontramos em vários documentos do período. Este fato poderia implicar na

intransigência de certas práticas religiosas que aumentariam o número de heresias e

heresiarcas. Percebemos esta postura no relato de Orósio em seu Livro Apologético: Eu

mesmo lhe ouvi dizer que nem ainda com o auxílio de Deus o homem pode estar sem pecado

(...) (ORÓSIO, 1985, p.750), quando da reação do bispo João de Jerusalém contra Orósio ao

acusá-lo de blasfemar contra Deus no sínodo de Jerusalém na questão de Pelágio. Orósio

comenta:

Além disso acautela-se de que João poderá encontrar falsostestemunhos em Jeruzalém, que com um testemunho favorável lhepaguem seu apoio no citado Sínodo, como os encontraram contraEstevão, Susana, Nabothy e sobretudo contra Cristo (TORRESRODRIGUES, 1989, p.750).

Na questão do arianismo, quando Sulpício Severo narra as decisões do Concílio

de Seleucia, cidade da Isauria, Valente e Ursacio questionam a respeito da apresentação do

símbolo de fé: (...) Qual será o fim das discórdias se o que concordam os orientais o recusam

os ocidentais? (SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.122)

Ou ainda poderíamos perceber esta conotação ou rivalidade em outra frase do

mesmo Sulpício:

caso, o termo tem sua conotação na acepção religiosa, onde passa a significar erros doutrinários, ou melhor,doutrina contrária ao que foi definida pela Igreja em matéria de fé.8 SULPÍCIO SEVERO. Obras Completas, 1987. (...) No hay que olvidar que una parte de la aristocracia galo-romana de la época ve mal la existência de ese tipo de conuersi que tiende al ascetismo; éste, recientementearraigado en la Galia, es mal acogido por las autoridades eclesiásticas que ven en ellos un elemento disturbadordentro de un sistema tradicional. (Estudio Preliminar XI). Tb. Le Goff, 2002.

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(...) os arianos, como as coisas lhes saíam a gosto, segundo seusdesejos, dirigem-se a Constantinópla ante o imperador; ali valendo-se do poder do rei, obrigam aos representantes que se encontram noSínodo de Seleucia a acolher, seguindo o exemplo dos orientais,aquela detestável profissão de fé (SULPÍCIO SEVERO, 1987,p.123).

Os movimentos ascéticos, originados também no Oriente, gozaram da mesma

conotação no princípio desta prática no Ocidente.

Nos primeiros tempos da Igreja, considerava-se ascetas àqueles que propunham

afastar-se do século e buscar uma vivência que os aproximariam, ainda em vida, da Jerusalém

celestial. No Ocidente, que ora nos interessa, difundiu-se na Gália meridional, onde, por

exemplo, encontramos o mosteiro de Lérins, conhecido pela presença de alguns dos principais

nomes daquela Igreja (Cesário de Arles, Hilário de Poitiers, Vicêncio de Lerins). O mosteiro

mais antigo da Gália foi o de Ligugé, no centro do país, fundado por Martinho de Tours, em

360. Constatamos assim, a presença do ascetismo distante de seu local de origem. Num

momento incipiente como este, a hierarquia eclesiástica defronta-se com a dicotomia

representada pela forma “díspar” em essência de uma forma secular e outra regular.

Os inícios do movimento ascético na Hispânia ainda se encontram perdidos em

denso nevoeiro. Sabemos apenas que, num primeiro momento, não será bem aceito pela

hierarquia secular, para depois ser um grande celeiro de arcebispos a partir de sua forma sub-

urbana (Leandro e Isidoro de Sevilha por exemplo) e, em fins da época visigótica, voltar a ser

mal visto. É dentro do primeiro contexto que encontramos Prisciliano.

Nossas análises e problematizações estarão fundamentadas principalmente na obra

Tratados e Cânones sem desconsiderarmos outras fontes como Sulpício Severo (1987),

Hidácio de Chaves (1974) e Paulo Orósio (1985), entre outros, e documentos como os dos

concílios hispâno-romanos conforme Vives (1986).

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Procuramos, através deste texto, inserirmo-nos nas questões até hoje discutidas

pela historiografia, propondo uma (re) leitura documental, em busca de esclarecimentos

diversos dos obscuros pontos ainda existentes na historiografia sobre o tema. Logicamente,

não é nosso intuito abarcar todos eles, mas centrarmo-nos em alguns que nos despertaram

maior interesse. Também não é nossa pretensão elaborar em um curto espaço de tempo,

soluções para tais questões. Todavia, procuramos modestamente colaborar no sentido de

especificar melhor certas características de nosso objeto, tendo como aspiração máxima

elaborar hipóteses e caminhos que viabilizem uma melhor compreensão da nossa pesquisa.

Com isso em mente, preocupa-nos, num primeiro momento, a colocação de

Prisciliano como um hipotético herege. Trata-se ainda de um problema candente na

historiografia, como demonstra o título do livro de Daniel Terán Fierro (1985) que o situa,

significativamente, como “Martir Apócrifo”. Preocupa-nos, também, a época de sua

existência, ou seja, o século IV, época de grandes transformações estruturais, da incipiente

organização eclesiástica e, portanto, de definições do que seria ou não o que mais tarde

chamar-se-ia “ortodoxia”. Apenas para exemplificarmos brevemente a complexidade deste

momento histórico, é o próprio Santo Agostinho (354-430) que, consultado sobre Prisciliano,

pergunta a si mesmo o que poderia ser definido como heresia9. E, para não nos alongarmos

neste elencar de problemas, apontamos ainda a difícil questão da cristianização e, ou a

conversão da Hispânia neste século.

Cristianização sim, a nosso entender, afinal há um Edito que promulga o

cristianismo como religião oficial. Já a conversão tange ao indivíduo, é particular e diz

respeito a religiosidade.

Posto isto, encontramos Prisciliano sendo condenado por práticas mágicas. Sua

execução se opera pelo braço secular, algo instigante ao lembrarmos que o questionamento

levantado sobre ele é, originalmente, de fundo religioso. Sabe-se todavia, que a imputação de

9

práticas mágicas, prevista já pelo Código Teodosiano, foi utilizada por seus adversários para

conseguir sua sentença. Isto nos remete a diversos problemas como, apenas para citarmos um,

se a querela em torno dele era efetivamente religiosa ou escondia outros interesses.

É problemático, tendo-se em conta a especificidade da cristianização da Hispânia

de aceitar a idéia da absorção e expansão apenas do pensamento paulino. Não haveria a

possibilidade de inserção neste território da corrente nazarena, representada pelo pensamento

tiaguista? Essa hipótese não nos auxiliaria a compreender melhor o surgimento da ascese de

Prisciliano?

A proposta nos parece pertinente à medida em que a publicação de Georg

Schepps, em 1889, dos manuscritos compostos por onze Tratados atribuídos a Prisciliano,

descobertos por Döllinger, foram traduzidos para o Espanhol pela Editora Bartolomé Segura

Ramos (1975) Este empreendimento viabiliza um rico material de pesquisa, e que levando em

conta nossos objetivos, fundamentados numa (re) leitura documental poderão trazer

contribuições para uma melhor compreensão da religiosidade ibérica. Tais estudos e

esclarecimentos nos parecem pertinentes, tendo em vista que descendemos da religiosidade

finis terrae.

Propusemo-nos a um estudo sobre Prisciliano buscando enfocar em sua obra, não

apenas quais vertentes podem ser vislumbradas, mas quais vertentes estariam mais acentuadas

no ideário priscilianista, cuidando para não adentrarmos em demasia no movimento que se

desenvolveu após a sua morte.

A referência bibliográfica sobre o priscilianismo é bastante vasta, porém,

Prisciliano autor, bispo e homem aparece apenas nas obras referentes à sua “seita”, nos

estudos de ascetismo e monaquismo, na historia das heresias, nas crônicas e na história das

religiões sob uma perspectiva secundária. O movimento religioso inspirado por Prisciliano

tem causado, inclusive entre seus próprios contemporâneos, um enorme interesse e tem dado

9 Conceito de heresia: escolha

10

lugar a uma enorme bibliografia sobre o tema, porém as motivações que guiavam esse

interesse nem sempre foram as mesmas. Durante muito tempo, a investigação esteve limitada

ao âmbito eclesiástico-teológico entre protestantes e católico. Na perspectiva de Cabrera

(1983), este panorama começa a mudar a partir da obra de Abilio Barbero Aguilera quando

publicou em 1963 El Priscilianismo: ¿ herejía o movimiento social? quando situa Prisciliano

no contexto sócio econômico do baixo império.

Por muito tempo, o campo da história religiosa esteve coberto pelas contradições

sofridas pelos investigadores entre fé religiosa e pensamento científico. O desenvolvimento da

história como ciência e a apropriação de métodos de análise que permitem a incorporação de

ferramentas procedente de outras ciências, têm alcançado um processo de redefinição da

religião como objeto histórico de estudo.

Desta forma, o ponto de partida para a investigação tem-se desviado. Já não se

indaga o grau de veracidade das máximas teológicas ou se a manifestação espiritual de um

determinado grupo religioso é ou não ortodoxo, ou ainda, se as fontes documentais suportam

o rigor de uma análise crítica. (JULIA in: LE GOFF, 1976, p.106-131). Pelo contrário, estes

fenômenos religiosos do passado são concebidos, hoje, enquanto manifestação ou

representação da sociedade na qual nasceram. Estes fenômenos transformaram-se em

possibilidade para análise informativa da qual nos acercamos para o conhecimento de

múltiplas facetas de uma dada sociedade. Todavia, nosso objeto central dentro desses

procedimentos será a observação e levantamento do que respeita a religiosidade, uma vez que

já contamos com diversos e eruditos estudos que dão conta da religião.

Para tanto, pretendemos considerar a metodologia da História das Mentalidades,

que nos permite o uso de conceitos das outras ciências humanas, bem como considerar o

tempo de longa duração.

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Buscamos, primeiramente, fazer um inventário das obras trabalhadas sobre o

tema, analisar os termos conceituais para o entendimento daquele período, confrontando as

duas correntes ideológicas mencionadas - a paulina e a nazarena - a fim de compreender

porque Prisciliano é considerado herege, se em seu discurso sempre esteve presente a

preocupação em justificar sua doutrina nos cânones paulinos.

Lembrando que a realização deste trabalho se efetiva a partir da elaboração

pessoal de uma tradução das fontes, uma vez que não foram encontradas versões das mesmas

em língua portuguesa.

Num primeiro momento, parece-nos que a vertente paulina não está definida de

forma unívoca na ideologia dos priscilianistas ou quiçá na ideologia de Prisciliano. Por essa

razão, procuramos durante a análise, observar em que medida a vertente tiaguista possuía

maior significado na ascese pregada por ele.

Com relação a diferenciação entre corrente paulina e nazarena, através da análise

de alguns dos Tratados, alguns resultados foram obtidos, pois logo no Tratado I, “Livro

Apologético”, encontramos Prisciliano anatematizando todas as heresias das quais Idácio,

bispo de Mérida, poderia tê-lo acusado. Uma delas nos chamou a atenção, a heresia dos

“Binionitas” ou como podemos verificar na obra de Marcel Simon e André Benoit

(1972)“ebionitas”.

Os ebionitas das pseudoclementinas pertencem a categoria dos grupos sincréticos

de cunho dualista gnóstico, portanto, heréticos que freqüentemente eram confundidos com

grupos pertencentes as comunidades de Jerusalém cuja orientação cristológica era dada por

Santiago. Os judeo-cristãos dessa tendência (tiaguista) eram considerados nazarenos:

(...) compuseram em aramaico o evangelho segundo os Hebreus (...) asvezes eram designados com o nome de nazarenos, permaneciam fiéis auma teologia, que se atinha ao monoteísmo e ao messianismo de Jesus.

12

Porém a diferença dos ebionitas, este messianismo implicava adivindade de Cristo. (SIMON & BENOIT, 1972, p.194)

É neste sentido que definimos corrente nazarena, uma vez que existe na

historiografia a consideração ebionita na doutrina de Prisciliano ao menos durante o período

que esta era dirigida pelo bispo. E, mais que isso, o próprio Prisciliano em seus Tratados se

defende da acusação de dualidade de fundo gnóstico do tipo representado pelos ebionitas e

anatematiza esse tipo de heresia, com o que justificaria sua defesa, já que dogmaticamente há

uma divergência entre estas duas formas de messianismo – ebionitas e nazarenos.

É nesse contexto, de assimilação de novos objetos e de novos métodos, que surge

a proposta de uma abordagem que ofereça maiores possibilidades de reflexões acerca deste

objeto específico, reconhecendo, no entanto, o cuidado com as fontes, que sofrem a

interferência de intermediários que às vezes as deformam, tais como a cultura de base oral e a

fragmentação dessas fontes aliada à intencionalidade com que foram construídas. Dentre

outras obras metodológicas, estaremos utilizando textos como o de Jacques Le Goff (1984), e

Georges Duby (1999).

A Fonte:

A publicação de Georg Schepps, em 1889, dos manuscritos compostos por onze

tratados atribuídos a Prisciliano, na Universidade de Würzburg, na Baviera, em 1885, é fruto

da descoberta de Döllinger, cujo titulo original é: Priscilliani quae supersunt. Recensuit

Georgius Schepss. Accedit Orosii Comunitorium de errore Priscillianistarum et

Origenistarum. Vindobonae: F. Tempsky, 1889 (C.E L., t. XVIII). Recebeu uma tradução

para o Espanhol sendo acrescentados os noventa cânones já conhecidos, cujo título atual da

publicação é: Tratados y Canones, editado pela Ed. Bartolomé Segura Ramos, em Madrid, no

ano de 1975, sendo esta a fonte principal deste trabalho. A obra original, trata-se de uma cópia

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de um texto anônimo formado por cento e quarenta folhas agrupadas em dezoito cadernos,

escritos em letras maiúsculas de caracteres hispanos e datados de finais do século V10 e

conhecido como os manuscritos de Würzburg.

São três, dentre outras, as principais questões discutidas pela historiografia sobre

estes escritos: a autoria, a datação e, como conseqüência, o valor de seu conteúdo informativo.

Considerando os trabalhos realizados pelos pesquisadores a respeito de Prisciliano

e do priscilianismo, pretendemos trazer novas possibilidades com relação às teorias

trabalhadas, desenvolveremos um ensaio sob a perspectiva de uma abordagem que possa

vislumbrar a intercessão do pensamento nazareno, partindo do pressuposto que esta vertente

poderia não estar ausente no imaginário cristão daquelas comunidades cuja doutrina fora

assimilada através da pregação de Prisciliano. Para tanto, nos preocupamos mais com o valor

do conteúdo informativo dos Tratados.

Acreditamos que há resultados satisfatórios após uma apurada análise destes, e

está presente em nosso segundo capítulo.

A polêmica sobre Prisciliano e o priscilianismo gira em torno do local de

nascimento, local de sua sepultura, de sua representação religiosa e da sua conduta social.

O objetivo deste trabalho se restringirá à representação religiosa (análise das

características tangentes à heresia) e sua conduta social (reflexão sobre as características

políticas ligadas ao processo de condenação). Desta forma, os estudos feitos sobre o tema

trazem variados questionamentos: santo, mártir, revolucionário, mago ou herege?11 Desta

análise, poderá, se não abrir caminhos para a compreensão de toda polêmica, mas ao menos, a

compreensão de sua configuração na religiosidade ibérica do IV século.

Esta fonte constitui um rico material de pesquisa para a história das mentalidades

em função de viabilizar a compreensão de um período histórico bastante intrincado e

10 Observando-se a compilação feita pelo bispo Peregrino apenas restrita aos cânones. cf. BSR, Madrid, 1974,pp29.

14

complexo. Tendo em conta os fundamentos da religiosidade hispânica, é natural que

indaguemos sobre as controvérsias que envolvem o priscilianismo, onde encontra-se inserido

em meio à busca de uma nova religiosidade. Simultaneamente, envolto em misticismos,

gnoses, dons carismáticos, dentre outros, para tentar superar os males cotidianos, sejam

físicos ou espirituais daquela sociedade ou comunidade, cuja reflexão constará de nosso

primeiro capítulo.

Ainda pesam, aos investigadores de fins do século XX, a questão da herança de

tais pensamentos, como tem sido abordado em trabalhos recentes, como os de G. Morín

(1909), que discute a autoria dos achados de Schepps, sugerindo esta autoria a Instâncio;

Babut (1910), defensor da ortodoxia do asceta, faz distinção entre o movimento priscilianista

do século IV e o movimento que foi levado até o século VII por seus seguidores. Chadwick

(1978), compõe uma história pró-Prisciliano, levantando a hipótese de que seu corpo esteja

enterrado em Santiago de Compostela. Fontaine (1986), propõe a hipótese de que através da

obra de Prisciliano pode-se perceber, não uma pretensão inovadora dentro do cristianismo,

mas um retorno a origem latina de uma mentalidade tradicional entre os letrados pagãos da

Antigüidade. Outros estudos supõem, até mesmo, que o movimento ascético priscilianista

tenha sido precursor das idéias iluministas e da reforma de Lutero! Barbero Aguilera (1986),

defende o movimento como revolucionário, seu rigorismo e a oposição ao clero por

privilégios da lei; e Menéndez y Pelayo (1899),considera Prisciliano como um “teólogo

protestante”.

Portanto, acreditamos que esta pesquisa trará contribuição com a busca de novas

abordagens, e sob a perspectiva da confluência da corrente nazarena (impulsionada por

Tiago), verificando em seus escritos quais vertentes estão mais evidentes, para um futuro

entendimento do comportamento da religiosidade ibérica da qual somos descendentes.

11 Sugerimos como exemplo, o brilhante título de Fierro, Prisciliano mártir apócrifo.

15

O autor

Nascido aproximadamente em 340, de família senatorial, rico, agudo, inquieto,

eloqüente, culto e erudito. Segundo Sulpício Severo ele seria:

(...) um asceta rigorista que viveu num período, onde paulatinamenteo germe do gnosticismo havia se apoderado da maior parte daHispania. Comenta que (...) nele encontrava-se ótimas qualidadesfísicas e interiores, pois podia manter-se desperto longo tempo,suportar a fome e a sede e tinha extraordinária disposição para odiálogo e a discussão, embora muito vaidoso de seus conhecimentosprofanos e com grande capacidade de persuasão e convencimento(SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.125, 126).

Para Sulpício, Prisciliano atuou, desde 373, como chefe de um movimento

ascético na Espanha meridional; seus adeptos seriam de todos os grupos sociais. Havia entre

eles, alguns bispos, diversos elementos do meio rural, diversas mulheres, entre outros. Em

370 os bispos Instâncio e Salviano conseguiram que Prisciliano fosse eleito bispo de Ávila.

No dicionário de História de España, Bleiberg (1979), afirma que Prisciliano foi a

primeira vítima do braço secular a serviço da Igreja e que, na realidade, a causa principal de

sua condenação parece ter sido causada por intriga de alguns membros da hierarquia

eclesiástica, pois a “seita” priscilianista era, antes de tudo, um movimento ascético de pouco

conteúdo doutrinal.

Segundo B. Llorca; R. Garcia; Villoslada e F. J. Montalban, (1960, p.444-449),

História de la Igresia Católica, é por estas intrigas que Prisciliano tem sido objeto de estudo

ultimamente, sobretudo depois dos manuscritos de Würzburg, publicados por Schepps.

Na Espanha, são destacados os trabalhos de Antonio López Ferreiro (1988),

Menéndez y Pelayo, (1899); Ramos Loscertales (1952) e de García Villada (1929) e, entre os

não espanhóis, os trabalhos do francês A d’Alés (1936). Para eles, Prisciliano deu um passo

que foi sua ruína. Quando o processo jurídico contra Prisciliano começou, em 384, no sínodo

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de Bordeaux, quando Instâncio não conseguiu justificar suas irregularidades (que iremos ou

não constatar) na consagração dos bispos e, também, em pontos doutrinais, foi condenado ao

desterro. Então Prisciliano, temeroso de um mesmo destino, ao invés de apresentar-se perante

os juízes de Bordeaux, apelou para o Imperador. Deste modo, a causa passou do tribunal

eclesiástico para o tribunal civil.

Ainda segundo estes autores, a interinidade do usurpador Máximo12 tornou

possível esse processo irregular. Portanto, na opinião deles, Prisciliano não pode ser

apresentado como o primeiro caso de intolerância da Igreja, já que não foi julgado por ela e

sim pela autoridade civil, nem tão pouco o primeiro herege sentenciado por suas idéias, pois

sua condenação não foi por seus conceitos religiosos, mas por suas práticas mágicas.

Vincular-se-ia a questões de hegemonia entre os clérigos da Hispânia Setentrional e

Meridional, dos quais a institucionalização da religião hispânica pela Igreja dizia respeito

diante da novidade ascética priscilianista ?

Contudo, os autores concordam que os achados de Schepps dos onze tratados

dirigidos ao episcopado católico parecem ser de Prisciliano, e professando a sua fé,

condenando todas aquelas “heresias”, estaria protestando contra o ocultismo que lhe foi

imputado. Estas questões serão retomadas no terceiro capítulo.

Segundo Berthold, (1988), Prisciliano atuou como chefe de um movimento

ascético na Espanha Meridional e foi acusado de heresia gnóstico-maniqueísta, profetismo

fanático, leitura de obras apócrifas e ocultismo. Cita também, que os onze tratados atribuídos

por Schepps a Prisciliano, pouco caracterizam sua heresia. Encontramos uma referência às

circunstâncias políticas e à perseguição cega por seus adversários como fatores que

12 Durante o reinado de Graciano. Em julho de 383, os soldados descontentes com o governo de Graciano,proclamaram Máximo imperador e, logo invadiu a Gália. Graciano foi abandonado pelas suas tropas e fugiu emdireção à Itália, sendo preso e assassinado. Desta forma, converteu-se Máximo no governador da Bretanha,Gália, Espanha e África, mas em 387 a sua ambição o conduziu a anexar Itália e seus domínios. A invasão dapenínsula itálica, foi a princípio afortunada, fugindo Valentiniano II ao saber da chegada de Máximo e suastropas, mas Teodosio, tomou como sua a causa do desafortunado jovem imperador e marchou contra Máximo, o

17

provocaram sua condenação por crime de magia. Faz, também, menção a G. Morín (1909),

que atribui os onze tratados ao bispo Instâncio. Esta última questões não aprofundaremos em

nossa dissertação, pois partimos do pressuposto que tanto os Tratados quanto os Cânones são

da autoria de Prisciliano.

Para Mário Martins (1950), a história de Prisciliano já está feita. Ele interessa-se

pelo aspecto doutrinário refletida na vida religiosa das comunidades galaico-lusitana e na

prática externa de ascetismo, afirmando que, embora heterodoxa, sua doutrina é conseqüência

de um pensamento teológico. Diz também que Prisciliano era um asceta rigorista, mas

comenta que devemos (...)ouvir a outra parte, o próprio Prisciliano em seus opúsculos (...).

(MARTINS, 1950, p.63)

Para Martins, havia algo mais que não estava registrado nos opúsculos de

Prisciliano. Por isso ele fixa seu interesse, sobretudo, na história da espiritualidade e da

cultura em terras de Braga, baseando-se no concílio de 561 da dita cidade e observa como é

difícil descobrir neles o Prisciliano descrito nos concílios.

Martins tem por base os cânones anti-priscilianistas do primeiro concílio de Braga

(561)13, sinalizando que o priscilianismo na Lusitânia é que interessa em sua obra e, o que

importa é o fato histórico de existir esta ascese e doutrina nesse país. Seu estudo é restrito à

história da espiritualidade e da cultura em Braga. É sob esta perspectiva que ele analisa o

priscilianismo, baseado no método filosófico.

Segundo ele, o maniqueísmo em Prisciliano ainda não está suficientemente

demonstrado e justifica que o fundo dualista de sua doutrina poderia vir do gnosticismo. Neste

usurpador foi completamente derrotado na batalha de Poetovio, sendo mais tarde executado perto de Aquileia,em 28 de julho de 388.13 Sabemos que esta fonte documental foi composta por uma interposição de elementos externos a doutrinapriscilianista (Cf. BARBERO, 1986, p.111, 112).

18

sentido, o autor entende que os priscilianistas são sabelianos14, docetas15 e abstinentes da

carne16 não por mortificação, mas por considerarem-na coisa impura.

Esse entendimento é natural, se levarmos em conta que ele partiu, em sua análise,

das atas do Concílio de Braga, onde a ideologia heterodoxa de Prisciliano já estava

construída.

Em suma, para Mário Martins, por trás da ascese prisciliana oculta-se a filosofia

gnóstico-maniqueísta, ou seja, a dualidade entre o princípio da luz e o princípio das trevas,

além de uma visão pessimista do Universo, acentuando a responsabilidade do neoplatonismo

com uma antropologia pseudo-idealista e nada cristã. Quando analisa, na segunda parte de sua

obra, os escritos de Prisciliano, não crê que a doutrina fosse transmitida oralmente sob a

mesma forma encontrada em seus escritos e justifica as conclusões anteriores.

As obras completas de Sulpício Severo (1987), são compostas pela crônica,

dividida em dois livros, onde trata do resumo do Velho Testamento (Livro I) e resumo do

Novo Testamento (Livro II), a Vida de São Martinho de Tour, três epístolas e três diálogos.

Todas as obras seguem uma cronologia, portanto é considerada uma obra de caráter misto por

mesclar hagiografia e história.

Há um debate bastante digno de atenção à crítica dos relatos, principalmente na

vida de S. Martinho de Tours, quanto à historicidade. Há a tendência entre alguns

historiadores de não a considerar uma obra histórica, pois algumas informações não

coincidem. Atualmente, os estudos hagiográficos e históricos permitem uma dimensão

distinta considerando que o estilo único de Sulpício Severo requer a aplicação de certos

pressupostos baseados em métodos hagiográficos para a interpretação de determinados

14 Os sabelianos admitem em Deus uma espécie de emanação, “ad intra”de “iões” ou seres divinos. Cf. MarioMartins. Correntes da Filosofia Religiosa em Braga (Séculos IV-VII) Porto: Livraria Tavares Martins, 1950.15 Os docetas defendem que o Filho de Deus não existia antes de nascer , não acreditam que Jesus tenhanascido com verdadeira natureza humana, o seu corpo não seria como o nosso, mas sim uma simples aparênciade corpo. Cf. M. Martins, op..cit.p. 71.15 Abstinentes da carne por acreditar que a carne não foi criada por Deus mas pelos anjos maus. Cf. M. Martins,op. cit.p.72.

19

fenômenos. Ademais, há quem afirme, baseado na crítica literária, que tais fatores não

excluem considerações histórico-sociais, já que a obra abarca também o estilo biográfico.

Assim, percebe-se a distinção a um modelo clássico simples, mas que oferece

dados que vão organizando progressivamente as características da obra, possibilitando

reconstruir aspectos sociais daquela sociedade e, principalmente, a história de Prisciliano

através da Vida de São Martinho de Tour.

Uma análise bastante interessante faz o autor Daniel Terán Fierro (1985). Ele traz

para a discussão e possibilidade de estudos a comparação de varias citações bibliográficas

feitas por Sulpício Severo, Prospero de Aquitânia, Isidoro de Sevilha e Jerônimo. Com isso

almeja fazer uma análise da personalidade de Prisciliano através do método psicográfico e,

adentrando no campo da psicologia clínica, pretende detectar através dos Tratados, traços de

obsessão diabólica em sua personalidade. Isto se somar as implicações na magia e na

insistência em manter o segredo de seus ritos e práticas. Fierro conclui que poderiam ser

encontrados traços do que costumam chamar paranóia, mas que poderia ser justificável, se

houvesse nele, traços acentuados além do conveniente, ante a desmedida atuação de seus

inimigos, levando em conta as condições em que estes Tratados foram escritos, ele considera

que Prisciliano se encaixaria num conjunto paranóide, não num paranóico.

As fontes das quais se serve Fierro sustentariam essas implicações, portanto, a

análise feita por ele nos sugeriu inúmeras possibilidades para a efetivação de nosso propósito.

Os cânones estabelecidos no Concílio de Saragoça em outubro de 380, o

reproduzimos traduzido da obra de J. Vives (1963, p.16-18):

1)Que as mulheres fiéis não se misturem nos grupos de outros homens

que não sejam seus maridos.

20

2)Que ninguém jejue aos domingos nem se ausente da Igreja em

tempos de quaresma.

3)Que aquele que receba a eucaristia e não a consuma ali mesmo seja

excomungado.

4)Que ninguém falte à Igreja nas três semanas que precedem a

Epifania (Dia de reis).

5)Aqueles que foram privados da comunhão por seus bispos, não

sejam recebidos por outros.

6)Que se excomungue ao clérigo que para viver licenciosamente

queira fazer-se monge.

7)Que ninguém se chame doutor sem possuir este título.

8)Que as virgens consagradas ao Senhor não recebam o véu até os

quarenta anos.

Estes cânones dizem respeito mais às regras morais que dogmas doutrinais de

censura heterodoxa, todavia, eles nos servirão de auxílio para a reflexão que ora

empreendemos.

A obra

A obra é composta por Onze Tratados e Noventa Canones, cuja síntese do

conteúdo é a seguinte:

Tratado I – Uma apologia de si mesmo, falando de sua crença, defendendo seu

comportamento cristão e os motivos de seu ascetismo defendendo-se das acusações as quais

está sendo vítima, mas também anatematizando as heresias de forma sistemática.

Tratado II – Dirigido ao bispo de Roma, o Papa Damaso, fazendo sua autodefesa.

21

Tratado III – Versa sobre a fé e defende a leitura dos livros apócrifos. É uma

negativa de aceitar o método de seleção imposto pela hierarquia eclesiástica, da exegese

bíblica. Considerando que, desde que em seu conteúdo não contenham nada que contradigam

a verdade, estes livros devem ser aceitos.

Tratado IV – Ele defende a unidade, o tempo e a totalidade.

Tratado V – Trata da origem do homem, quando no nascimento se acha

circunscrito ao tempo, porém ao crer na eternidade se faz intemporal.

Tratado VI – Versa sobre a intelecção, compreensão, inteligência e conhecimento

acerca do sermão profético.

Tratado VII – Trata da origem do homem e do conhecimento acerca de nós

mesmos, como forma de conhecer a Deus.

Tratado VIII – Trata do conhecimento da verdade, porque ao conhecê-la separará

o temporal do eterno, a falsidade da verdade.

Tratado IX – versa sobre o primeiro salmo.

Tratado X – Tratado ao povo.

Tratado XI – Trata da benção aos fiéis e está dirigido à freguesia de Ávila.

A obra é composta também por 90 Cânones, que contêm o Proêmio do bispo

Peregrino às cartas do apóstolo Paulo e o Prólogo de Prisciliano aos cânones, explicando a

anotação dos títulos das cartas e os números dos testemunhos para a versão original.

Nos tratados acima, há a possibilidade de distinguir dois tipos de informações:

aquela que contribui para a exposição histórica, no sentido cronológico dos fatos, e aquela que

se refere ao dogma, sua cosmogonia e suas normas éticas.

Portanto, utilizando-nos da (re) leitura documental, foi possível inserir ou

distinguir maiores informações acerca da religiosidade ibérica e as supostas práticas heréticas

do bispo de Ávila.

22

CAPÍTULO 1

PRISCILIANO E AS DIVERGÊNCIAS REGIONAIS DO PRISCILIANISMO

A origem, o lugar de surgimento do movimento religioso denominado

priscilianista são bastantes imprecisos. Em geral, os textos contemporâneos que constituem

nossas fontes preocupavam-se mais em destacar sua procedência doutrinária do que

demonstrar suas características históricas.

1.1 Circunstâncias da época de Prisciliano e o problema dos regionalismos hispânicos

Parece-nos seguro afirmar que foi apenas a partir do momento em que um grupo

de indivíduos reunidos por um ideal ascético, em torno da figura de Prisciliano, localizado ao

noroeste da hispânia romana, na segunda metade do século IV, que despertou a suspeita de

um bispo da Betica, por volta do ano 378 ou 379, sobre uma doutrina Priscilianista.

Filástrio de Brescia, refere-se a alguns abstinentes que se encontravam in Gallis et

Hispania et Aquitania (MARTINS, 1950, p.52-53), sem que esse grupo seja citado como

priscilianistas pelo autor.

Sulpício Severo em suas Crônicas, refere-se aos priscilianistas como gnósticos:

(...) aquela infame heresia dos Gnósticos desmascarada nas Hispânias, funesta superstição

dissimulada sob secretos mistérios, (...) (SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.46), narrando que esta

heresia procedia do Oriente, trazida por Marcos, um egípcio de Menfis, quando teve por

discípulos uma tal Agape, mulher nobre e o retórico Elpídio, que por sua vez foram

instrutores de Prisciliano.

Segue o cronista afirmando que a dita heresia já havia invadido pouco a pouco a

maior parte da Hispânia, incluindo alguns bispos como Instancio e Salviano que acolheram

23

Prisciliano sob uma espécie de conspiração. Higino, bispo de Córdoba, (ex visino agens)

havendo-a descoberto, comunicou-a ao bispo Idácio de Mérida. Este hostilizando Instâncio e

seus companheiros além do conveniente, acendeu a chama, logrando mais exasperar do que

controlar (SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.126).

Esta informação é um indício de que o grupo priscilianista atuava na jurisdição do

bispo emeritense, na província lusitana. Daí sua origem estaria situada, neste momento, ao sul

da Lusitânia, próxima ao limite com a diocese cordubense, se pensarmos que a comunidade

priscilianista estaria situada próxima ao lugar que foi descoberta, como sugere E. Flores

(1961, p. 215)17.

A possibilidade de que o priscilianismo tenha surgido no noroeste hispânico é um

tema que interessa especialmente. Frente a essa opinião de que o movimento priscilianista

surgiu no território sul da província lusitana18, J. M. Ramos y Loscertales, dando uma

interpretação distinta do texto de Sulpício demonstra que o movimento foi descoberto na

Lusitânia norte, considerando que Higino atuou não por vizinhança à corrente religiosa

lusitana, mas como vizinho de Idácio de Mérida (RAMOS Y LOSCERTALES, 1952, p.9-29).

Tal interpretação está relacionada com a teoria do autor sobre a origem do priscilianismo na

Galiza, explicada pelo contato de Prisciliano com o mestre Elpídio e um núcleo reduzido de

laicos atraídos pelo ideal ascético infiltrado na Hispânia, causando sua conversão (Idem,

p.103)19.

Esta idéia poderia bem justificar-se se ainda acrescentarmos a opinião de

Chadwick (1978, p.19) a respeito de um grupo puritano de Mérida, Leão e Astorga, onde os

bispos haviam cedido durante a perseguição de Décio. Nesta ocasião, os seculares assumiram

o direito de eleger seus sucessores. Esta informação está contida na epístola 67 de Cipriano,

17 FLOREZ, E., España Sagrada, Madrid: X,215. Opinião que seguem VOLLMANN, B.”Priscillianus” In: R.E. Supl. XIV,1974, p. 485-559.18 SOTOMAYOR Y MURO, “La Iglesia en la España romana”. In: VILLOSLADA, Ricardo Garcia. Historia de la Iglesia enEspaña. Madrid, 1979, t I, p. 236. Tb. SIMONETE, M. Patrologia III, a edad de oro de la literatura patrística latina,Madrid, 1981, p. 159.

24

relativo ao Concílio africano de 254 em apoio ao grupo puritano e sugere um novo dado a

respeito dos problemas do regionalismo hispânico. O que quer dizer puritano? Não seria

talvez o temor do risco de um secular sobrepor-se aos bispos, como havia ocorrido no século

anterior? Todavia, Chadwick (1978), não compartilha da opinião de J. M. Ramos y

Loscertales (1952) e Lopez Caneda (1966), quanto as origens do movimento priscilianista,

preferindo a opinião de E. Flores (1961).

Contra a teoria da origem galega do Priscilianismo, deparamos com uma questão

emblemática. Segundo o cronista galego Idácio de Chaves, o movimento se propagou alí,

somente depois da morte de Prisciliano, portanto, após 385 (TRANOY, 1974, p.108, 218-

219).

Lopez Caneda (1966, p.71) recupera a tese de Loscertales, reforçando sua teoria

para afirmar não apenas a origem do priscilianismo na Galiza, mas que era inclusive a pátria

de Prisciliano. Este dado é retirado de Próspero de Aquitânia (Apud CABRERA, 1983,

p.15)20. Ao que parece, Próspero pode haver utilizado em sua crônica o De haeresibus de

Agostinho e a crônica de Jerônimo. Agostinho situa Prisciliano, em geral: in Hispania,

enquanto Jerônimo se refere a Priscillianus, Abilae episcopus21.

A localização da origem geográfica do priscilianismo na Galiza segundo as teorias

elaboradas por Ramos y Loscertales e López Caneda, continuam discutíveis. Não param por

aqui, as teorias sobre uma origem galega deste movimento. Tanto pelo caráter ascético como

pela sua aproximação às doutrinas gnósticas, outros autores tem investigado e encontrado

vínculos desta corrente religiosa com a Galiza, ou em sentido mais amplo, com o noroeste

hispano, como é ocaso de Abílio Barbero (1986, p.77-114).

19 RAMOS Y LOSCERTALES Prisciliano. Gesta Rerum, 1975, p.103.20 PROSP. AQUIT., Chronica 1171 (a 379) MGH AA, p.460. Apud CABRERA, Juliana. Estudio sobre el Priscilianismo enla Galicia Antigua. Universidad de Granada, 1983, p.15. (Tese doutoral). Ea tempestate Priscillianus episcopus de Gallaeciae Manicheorum et gnosticorum dogmate heresim nominis sui condit.21 JERONIMO, De vir. Ilustr., cap. 121, vers. 4-5: PL 23, 711A.

25

Ainda é extremamente controversa a questão da cristianização peninsular. Manuel

Cecílio Díaz y Díaz (1967) procura demonstrar uma origem africana,22 enquanto R.C. Torres

(1956, p.181-203) e Manuel Sotomayor y Muro (1979) defendem uma origem romana23. Já

Marcelo Vigil (1986, p.129-138), nota a expansão do cristianismo nesta região através de

caminhos engendrados pelo comércio. Simon e Benoit (1972), apontam que a expansão

ocorre pelo proselitismo das comunidades judaicas.

Até que ponto isto imprimiu uma certa originalidade ao cristianismo hispânico?

Os problemas que envolvem o surgimento de Prisciliano na história ibérica

impõem outras questões. Uma delas, apontada pelo estudo de qualquer momento histórico da

península, é a dos regionalismos. Tal é, por exemplo, a afirmativa de Hillgarth (1980), ao

abordar a questão da “religião popular” para a época visigótica. Grosso modo, seria o Sul

mais romanizado (Bética, Levante e Sul da Lusitânia) e o Norte, Centro e Noroeste menos,

além da inacessível região Basco-Cantábrica à ocupação romana e, posteriormente, à

visigótica e muçulmana.

Laureano Robles descrevendo a população urbana e rural afirma:

As populações nortenhas são um contraste com as terras da Betica edas costas do Levante. Enquanto estas contam com uma vidarelativamente rica e em contínuos contatos com o exterior, as terrasdo Norte e do Noroeste vivem agrupadas num isolamento quase totalcom relação ao resto. As diferenças entre estas duas Espanhas nãosão só devida a seu clima, o são também por seu grau deromanização e as diversas etnias de que estão formadas.(ROBLES, 1975, p.11-13).

22 DIAZ Y DÍAZ, M. C. “En torno a los orígenes del cristianismo hispánico. En: Las Raices de España, 16. Madrid:Instituto Español de Antropología aplicada, 1967.23 TORRES, R. C. “Las supersticiones en Hidacio”. In: Cuaderno de Estudios Gallegos 11. S. Tiago deCompostela: s.e., 1956. p.181-203.

26

Embora não concordemos com a opinião de Robles quanto ao isolamento da

região noroeste e norte peninsular24, não podemos deixar de considerar o fato do sul ser mais

romanizado e o norte menos. Como pudemos perceber no texto de Laureano Robles,

(...) ainda que em menor escala, e sempre como pequenas minorias,não podemos esquecer o grupo dos estrangeiros que, atraídos pormúltiplas causas, se assentaram na Península (...) abundam asnotícias de viajantes que se movem em uma e outra direção(ROBLES, 1975, P.19).

Assim consideraremos aqui, para facilitar nossa abordagem, a existência de duas

Hispânias: uma meridional mais romanizada e urbanizada e outra num sentido inverso,

setentrional.

1.2 Origem da Igreja e a forma de recepção do cristianismo na península.

Tendo em vista esta questão e a maior urbanização do cristianismo no século IV,

precisamos retomar alguns aspectos da expansão dessa religião neste meio s. Um deles, como

explica Jacques Le Goff (1983), é decorrente da ruralização econômico-social do Baixo

Império “É o surgimento das massas rurais como grupo de pressão” e até então não

cristianizadas.

Manuel Sotomayor y Muro (1979), trabalha com a idéia de uma origem romana

do cristianismo peninsular, baseando-se na tese dos sete varões apostólicos, também

defendida por R. C. Torres (1957, p.53-64).

No tocante aos dados arqueológicos, estes parecem confirmar uma origem cristã

africana para o cristianismo hispano, pelos vestígios de sarcófagos paleocristãos, mosaicos

sepulcrais e arquitetura. Os poucos restos arquitetônicos pertencentes ao século IV que tem

24 Como já havíamos apontado acima, o intenso contato comercial entre o noroeste peninsular e o Oriente, cf.

27

chegado até nós, não dependem da África e sim, com maior probabilidade do Oriente e de

Constantinopla. Durante o século IV e sobretudo na primeira metade, os sarcófagos são

importados, em sua maioria de Roma, mas há um pequeno grupo de sarcófagos não romanos

na Bureba25, que forma como que uma pequena ilha de influência não claramente definida,

porém que se pode considerá-la oriental ou até oriental-africana.

Ao que se refere aos dados arqueológicos cristãos, não há motivo para suspeitar

uma origem africana do cristianismo hispano. Pelo contrário, o influxo africano é tardio e,

antes dele aparece o influxo romano e outros influxos orientais (VILOSLLADA, 1979,

p148)26.

Quando se trata das origens, para Sotomayor, temos que cuidar de não generalizar

indevidamente e, com isso, perder de vista o fato inegável da diversidade das igrejas e

comunidades que, mesmo habitando numa mesma península, puderam receber o cristianismo

e outras influências das mais diversas regiões do Império (VILOSLLADA (Org), 1979,

p.235). Não é possível afirmar que a Igreja se encontrava identificada plenamente com o

Império no século IV. Esta não identificação plena é exemplar nos debates teológicos

freqüentes entre os bispos27 sobre as teorias fundamentais para a reflexão cristã. Estes debates

mostram a ausência de amadurecimento suficiente para superar os condicionamentos

ambientais e conceber uma troca radical entre eles.

Em contrapartida, a hipótese de Díaz e Díaz (1967), defende a origem africana,

pois Paulo Orósio leva a questão da heresia aonde? Em Hipona, sendo esta uma das

justificativas de sua tese.

também Simon y Benoit, 1972.25 Pequeno povo situado ao noroeste de Burgos (Castella), provavelmente de cultura vasquiana chamada franco-cantábrica. Recebeu dominação Celta e durante a dominação romana as estradas confluíam em seu território atéCaezareaugusta (Zaragoça). Bureba pertenceu ao convento jurídico de Cluny no domínio do rei suevo Miro.26 Ver tb. em contraposição DIAZ Y DIAZ, M. C. En torno a los orígenes Del cristianismo hispânico. Lãs raízes deEspaña 16, Madrid : Instituto Español de Antropologia Aplicada, 1967. (argumentação à favor de uma origemafricana do cristianismo hispânico).27 Sínodos, concílios, processos, condenações.

28

Não se sabe qual a origem do cristianismo na Hispânia. Desta forma abre-se a

possibilidade de sugerir nossa hipótese. É possível que a origem do cristianismo na região

setentrional da Hispânia, provenha do Oriente nazareno, através de rotas comerciais, numa

evangelização primitiva ou ainda através do monacato irlandês. Suposição que tentaremos

perseguir.

Em vista do exposto, este trabalho propõe uma (re)leitura documental centrada na

figura de Prisciliano e seus escritos, de modo a criar novas possibilidades de interpretação.

Pretendemos apontar caminhos que possam trazer novas possibilidades analíticas para todos

que estudam esta temática.

A versão política e hierárquica que girava em torno da Hispânia no período em

que surge Prisciliano é dada por Antonio Garcia Masegosa (2003), interpretando a situação de

forma diferenciada. Este autor coloca uma nova possibilidade de análise, a disputa do

episcopado por duas categorias distintas: conflito entre bispos tradicionais e bispos monacais,

o que implicaria o procedimento de alarma na atitude de Higino em relatar os acontecimentos

ao bispo de Mérida28.

Jacques Le Goff (2002, p.227) explica que a organização da Igreja do Ocidente

reproduziu os principais elementos da estrutura política imperial, pois ela era governada por

bispos que exerciam uma autoridade espiritual e administrativa sobre todos os cristãos que

viviam em sua jurisdição Quando ocorria insucesso para barrar o monasticismo, como foi o

caso de São Martinho de Tours, em 370, os bispos manifestaram abertamente sua

desaprovação e seu desgosto.

Portanto, não são poucos os problemas para responder tal indagação. Prisciliano

estaria inserido na chegada do ascetismo (oriental; romano e ou africano?) na Península?

28 Esta versão nos remeteria muito mais a questionar o caráter político ou religioso do priscilianismo do que situar a origem

do movimento.

29

Tendo em vista a má recepção pela hierarquia eclesiástica hispânica para este tipo de

movimento, poderíamos pensar numa provável tentativa de retomada do cristianismo

nazareno e, portanto, uma reação por parte da Igreja estabelecida nesta região?

Há, ainda, influências irlandesas pouco estudadas que estariam presentes na

Galiza e que poderiam estimular um confronto com a área mais romanizada da península.

Embora tal aspecto só se tenha configurado no século V, com a propagação por S. Patrício,

isto poderia ter contribuído para influenciar a condenação do priscilianismo nos Concílios

hispâno-visigóticos.

Tais são alguns dos problemas com os quais nos defrontamos no decorrer de

nosso trabalho, mas cabe lembrar que não tratar-se de nosso objeto de pesquisa o que

consideramos uma segunda fase do movimento, após o próprio Prisciliano.

O fato é que um asceta e alguns de seus seguidores foram condenados à morte por

decapitação. Posteriormente, este movimento ascético perdurou até meados do século VIII, e

foi classificado como seita herética pela hierarquia eclesiástica e Prisciliano considerado

heresiarca, maniqueu, gnóstico, mago, revolucionário, dentre outras acusações, como já o

tinha apontado Sulpício Severo. Efetivamente só foi levado à execução pelo braço secular (o

primeiro caso anotado na história religiosa da península) e por uma acusação prevista nas leis

civis: a prática de magia (BLEIBERG, 1979).

Tão ou mais importante é pensarmos as características deste fato na Península

Ibérica. Abílio Barbero (1963), considera o priscilianismo como um movimento social, no que

é veementemente criticado por José Mattoso (1982, p.291), ressaltando que a origem

aristocrática de Prisciliano e de seus principais discípulos, os excluiria das idéias dos

movimento de caráter rural, popular e galego, embora praticassem um intenso proselitismo

entre os grupos mais humildes da população. Todavia, uma de suas idéias não pode ser

abandonada, já que o próprio Santo Agostinho reconhece que as heresias correspondem a uma

30

das formas de expansão do cristianismo. É desta forma que Abílio Barbero considera o

movimento priscilianista uma das formas de propagação do cristianismo na península ibérica

(BARBERO In: BELLIDO, et al, 1986, p.90).

Além disso, Barbero traz a discussão da questão Priscilianista para o campo

histórico e social, deslocamento afirmado por Juliana Cabrera: (...) sacar éste de polémicas

que interesan sólo a los historiadores de la Iglesia y situarlo en relación con todo el contexto

histórico y social contemporáneo (CABRERA, 1983, p.18).

Le Goff (2002) considera que o cristianismo poderia morrer com o Império, as

condições sociais adversas fomentaram a esperança e expectativa de bens espirituais na

promessa de uma vida posterior mais justa e feliz. Irrompe-se e expande nesse momento,

movimentos ascéticos cristãos.

O movimento ascético surgido na Hispânia no final do século IV foi sem dúvida o

acontecimento de maior ressonância nas igrejas da Península Ibérica. As causas do

movimento priscilianista são deveras complexas e ainda muito discutida entre os

historiadores.29

Outro aspecto importante a ressaltar é que o cristianismo não se estende por todas

as regiões da Hispânia, independente do fato dessas regiões estarem ou não submetidas à

Roma. A romanização foi bastante lenta e desigual. Desigual no sentido étnico, pela variedade

de povos hispanos e pela geografia acidentada, limitada pelo mar e pelos Pirineus

(ANDRADE FILHO, 1999, p.103).

A propagação do cristianismo em seus primórdios se dá de forma missionária. No

Ocidente temos notícias quase exclusivamente por Paulo. Dos demais apóstolos, quase nada

conhecemos além do constante no Novo Testamento e posteriores legendas30.

29 Barbero, A; M. Vigil- A Barbero; Chadwick; Fontaine: Babut; G. Morim; Yanguas: Fierro; Martins Medendez yPelayo, Ambrogio Donini, entre outros.30 Veja-se Díaz y Díaz, op. cit.

31

Paulo aspirava levar a mensagem de Jesus à máxima extensão possível no

Império, suas viagens tinham como meta as principais cidades de cada província. A existência

desta propagação, junto à ausência quase total de grandes figuras missionárias, faz

compreender que a expansão do cristianismo nos primeiros séculos foi, principalmente, obra

de muitos cristãos anônimos (HOLL, Apud VILOSLLADA, 1979, P.12).

Aqui se encontra um problema que nos proporciona indícios para crermos numa

propagação jerusalemiana ou nazarena, círculo de propagação apostólica do ambiente em que

Jesus e seus apóstolos atuaram para a evangelização, que não tenha, necessariamente, passado

pelo filtro Paulino e, devemos também considerar a recepção dos povos hispanos frente a esta

cristianização.

1.3 Características dos povos da Galiza e a forma de propagação do monasticismo.

O movimento ascético surgido na Hispânia no final do século IV foi o

acontecimento de maior ressonância nas igrejas da Península Ibérica. Há indícios de que

Prisciliano possa ter sido um dos precursores do monasticismo ibérico como afirmam alguns

autores:

Durante quarenta anos se acreditou que a mais antiga regramonástica espanhola havia sido uma regra priscilianista (...)(BLEIBERG, 1979, P.251).

Embora esta hipótese tenha sido descartada por Biskho, quando concluiu que a

Consensoria Monachorum é um texto da segunda metade do Século VII, tal perspectiva

merece ser lembrada.

32

(...) o monasticismo cristão apareceu na parte oriental do ImpérioRomano, sob o aspecto de um fenômeno - claramente edeliberadamente – marginal, uma característica que aindaconservava quando se alastrou pelo Ocidente (LE GOFF &SCHIMITT, 2002, p.225).

Percebe-se que não há apenas uma especificidade regional. Tais são os

comentários de Menendes Y Pelayo no De Prisciliano:

Os celtas admitiam a transmigração [da alma], e de igual maneira ospriscilianistas. Uns e outros cultivavam a necromancia ou evocaçãodas almas dos mortos. A superstição astrológica, mais desenvolvidano priscilianismo que em nenhuma das seitas irmãs, foi favorecidapelos restos do culto sidérico, abundantemente encarnado nos ritoscélticos. O sacerdócio da mulher não parecia novidade aos quetinham venerado as druidesas. (...) Se de alguma maneira há de seexplicar o fenômeno do priscilianismo forçoso será recorrer a umadas leis da heterodoxia ibérica, que leis providenciais tem como todofeito, ainda que pareça aberração e acidente. A raça ibérica éunitária, e por isso (ainda falando humanamente) encontrou seunatural repouso e acento no catolicismo. Porém os raros indivíduosque em certas épocas tiveram a desgraça de apartar-se dele, ou osque nasceram em outra religião e crença, buscam sempre a unidadeontológica, ainda que seja vaga e fictícia (MENENDEZ Y PELAYO,In: De Prisciliano, 1975, p.18)

O autor baseia-se na origem dos povos celtíberos para explicar a conduta social de

Prisciliano e seus seguidores

No século IV a.C. os celtas atingiram a península ibérica. O druidismo (derivado

da religião céltica), pauta-se em dois princípios: o respeito à natureza e à crença na

imortalidade da alma. As cerimônias religiosas eram realizadas em lugares abertos, em

campos e florestas e era comum a esta sociedade que as mulheres estivessem integradas ao

grupo druídico.

Por volta do século II a.C., os romanos conquistam a Gália Cisalpina e em 133

a.C., a Celtibéria é submetida à Roma.

33

Percebendo que eram os druidas a grande força política do mundo celta, Roma

logo condenou o druidismo. Mesmo assim, ele se manteve até a Idade Média na Irlanda e até

o século V na Gália, conforme diz Momigliano:

A consciência celta de si mesma pode ser localizada nas rebeliõespopulares do século V, sobretudo na Armórica (MOMIGLIANO,1996, p.69).

34

CAPÍTULO 2

ANÁLISE DAS CATEGORIAS HERÉTICAS ENCONTRADAS NOS

ONZE TRATADOS DE PRISCILIANO DE ÀVILA

O preâmbulo da obra publicada em espanhol pela Editora B.S.R, Segura Ramos

considera que tanto a historiografia antiga quanto a contemporânea, parecem não diferenciar o

movimento religioso dirigido por Prisciliano e a seita priscilianista desenvolvida após sua

condenação. Nota-se a ausência do próprio Prisciliano, caracterizando-se muito mais a

história do priscilianismo (RAMOS, B., 1975, p. 23). Observação importante nesta análise,

uma vez que trata internamente dos onze Tratados de Prisciliano.

A forma fragmentária com que os dogmas de Prisciliano são apresentados no

texto atribuído a ele e nas fontes que lhe são posteriores, faz com que tentemos escrutar

melhor estas questões, pois a maneira comparativa ou interpretativa do gnosticismo-

priscilianismo apontadas parecem não encontrar eco em seus Tratados. Neste capítulo, através

da seleção de algumas categorias localizadas em seus escritos, procurar-se-á estabelecer

relações entre as várias formas de gnostiscismo com o fim de diagnosticar e compreender até

que ponto o gnostiscismo estava presente na ascese do bispo de Ávila.

A afirmação no prólogo desta edição espanhola e também em Menendéz Pelayo,

(1986), permite analisar a obra de Prisciliano, em seus Tratados e seus Cânones, de maneira a

desmembrá-lo dos estudos sobre o “priscilianismo” e distanciá-la do movimento posterior a

ele.

Assim, diz Menendéz Pelayo que:

As fontes antigas sobre o gnosticismo-priscilianismo são: SulpícioSevero, São Jerônimo, Santo Agostinho, Orósio, Baquiário Idacio de

35

Chaves, São Leão o Magno, São Próspero de Aquitania , Montano,Santo Toribio, Santo Isidoro, etc. Quase todos falam dos seusdiscípulos muito mais que do mestre, e se fundamentam em tradiçõesorais de duvidosa procedência. (MENENDÉZ PELAYO, Heter. I,1986, p.246).

Ademais, há questões de métodos nas abordagens de determinadas fontes. Não

que o método comparativo com o gnosticismo seja inadequado, pelo contrário. Mas é a

maneira fragmentária e os dados insuficientes constantes das fontes gerais do gnosticismo,

onde os dogmas priscilianistas são colocados, especialmente nos dois escritos que o

combatem, - Commonitorium de Orósio e decretal de São Leão o Magno - , que precisam

ser revistas.

De modo que:

O método de comparar dados insuficientes com as fontes gerais dognosticismo pode ocasionar erros pela forma fragmentária que odogma priscilianista aparece nos dois escritos que o combatem no“Commonitorium” de Orósio e na “decretal” de São Leão o Magno,quanto por ser um e outro posteriores a Prisciliano e apresentar-nosuma fase secundária da heresia, uma derivação ou recrudescênciadela, mais do que haveria ensinado o célebre bispo de Ávila. (B. S.R., 1974, p.27-28).

No que tange ao Commonitorium, Paulo Orósio refere-se a Prisciliano como se

toda a sua doutrina fosse pior que a dos maniqueus, mas menos nociva do que a doutrina de

Origenes, e é esta a informação que ele transmite à Santo Agostinho em sua consulta a

respeito da heresia priscilianista. Seria mais nociva do que a dos maniqueus por admitir o

Antigo Testamento e até mesmo confirmar sua doutrina através dele. Diz que Prisciliano

defende que a alma é emanação de Deus colocada numa espécie de armazém. Ao descer à

terra através de círculos espaciais, as almas são capturadas pelos príncipes malignos e

encerradas nos respectivos corpos. Afirma que em Prisciliano prevaleceria a aprendizagem ou

gnose, que consistiria em conhecer nos distintos tipos de almas e na disposição dos corpos, a

36

natureza das virtudes. Afirma também, que para Prisciliano as trevas são eternas e que delas

procede o Príncipe do mundo.

Ora, estas indagações são comuns da época e Orósio imputou idéias confusas em

sua interpretação, de um neoplatonismo acentuado em Prisciliano. Isso é possível?

Segundo Orósio, essa doutrina é a mesma de um livro intitulado Memoria

apostolorum, onde se fala a respeito do Príncipe dos úmidos e do Príncipe do fogo, e são

expostas distintas teorias explicando que neste mundo todo bem se realiza pela competência

de cada um e não pelo poder de Deus. Com relação à Trindade, diz que Prisciliano só a

admite de nome, pois para ele a unidade é absoluta, sem nenhuma substância e, ademais, se

for suprimido o Pai, o Filho e o Espírito Santo, só restaria este Cristo único. Por isso, uma das

categorias analisadas é a questão da unidade.

No Comunitorium de Orósio, há a citação de uma carta ou livro de Prisciliano,

que poderia ser desconhecida dos demais autores da época, além de não ser possível

reconhecer seu conteúdo em nenhum dos Tratados de Würzburg, e seria a refutação a essas

práticas que, segundo o bispo de Ávila, são anátemas maranata.

Segundo Chadwick (1978), este livro é parte do evangelho gnóstico ou até

especificamente maniqueu, porém poderia ser anterior a Manés. Se levarmos em conta o que

está presente nos Tratados como apenas a crítica desta mentalidade , é possível que Paulo

Orósio cite um genuíno fragmento de Prisciliano, sem que isto leve à conclusão de que seu

autor seja um herege manifesto. (CHADWICK, 1978, p. 256-265)

Desse modo, no Tratado I Prisciliano refere-se ao mito erótico para explicar a

chuva e o trovão da mesma maneira que os demais críticos do maniqueísmo o fizeram nas

Actas Archelai: Os maniqueus, filhos da perdição e dos demônios, podem muito bem crer que

recebem água graças à chuva do diabo (Tratado I p.47).

37

Deste modo, é necessária uma reflexão a respeito destes aspectos gnóstico-

maniqueísta e da questão da unidade, dividindo-os por categorias. Assim, se contribuirá para

o entendimento e se aprofundará tais questões através de uma analise interna.

Para tanto, procurou-se analisar, nos Tratados, as grandes categorias trabalhadas

por Prisciliano uma vez que em muitas ocasiões elas se repetem tanto para justificá-las, como

para reforçá-las, Prisciliano retoma cada uma das categorias em quase todos os Tratados.

As categorias levantadas em nossa análise foram: heresia, conhecimento,

ensinamento, unidade, e ascese. Privilegiamos a categoria “heresia” porque a consideramos

como central no debate que então se processa, subdividindo-a em gnosticismo, maniqueísmo

e a seita binionita.

1 Heresia

Há determinadas heresias que ressaltam como o gnostiscismo, o maniqueísmo e a

seita dos binionitas: O gnostiscismo e o maniqueísmo são heresias também presentes nos

escritos de Paulo Orósio e de São Leão Magno. A seita dos binionitas ou ebionitas se

aproximam e é, muitas vezes, confundida com os chamados Nazarenos. (SIMON e BENOIT,

1972, p.194-195)

Vejamos as opiniões de Prisciliano sobre estas heresias.

a) Gnosticismo

Esta categoria está relacionada direta ou indiretamente com as outras categorias,

tais como conhecimento, ensinamento, conversão e ascese. Pode-se perceber, por exemplo, no

Tratado do Gênesis, a preocupação de Prisciliano de demonstrar a necessidade de conhecer a

si mesmo, de compreender as virtudes espirituais e valendo-se do Antigo Testamento,

justificar expressões das epístolas paulinas. Muitos autores interpretaram tais afirmações

38

como maniqueístas ou gnósticas, semelhantes à: “corrigir a treva do corpo corruptível e

compor a luz do divino espírito”, “espantar a ignorância”, “receber a pregação divina e, pela

fé em Cristo converter-se, afastando-se dos atos do mundo”. Esta conjugação de leituras

realiza a junção com o Antigo Testamento, conforme se percebe abaixo:

(...) entrando na obra da leitura para compreensão das virtudesespirituais, prepara em vós o céu e a terra do Senhor, para que,espantado o entardecer da ignorância, exclame-se em vós: faça-se aluz (Gênesis, 1, 3) e corrigida a treva do corpo corruptível e compostaem vós, a luz do divino espírito, sejais chamados dia do Senhor. Poisquem faz isto na obra de Cristo, enchendo o dia com o conhecimentode si mesmo, aprende os mandamentos de forma que, fecundado peloVerbo do Senhor tudo o que havia estéril nele e recebida a chuva dapregação divina, se instrua em toda graça da profissão católica,crescendo em glória e obra da semana perfeita e reformando em si aigreja do Senhor pela fé de Cristo. Segundo está escrito (Provérbio, 9,1) A sabedoria construiu a sua casa, talhando suas sete colunas31

com o fim de que, convertidos no Sábado do Senhor e afastados detodos os atos do mundo, não devais nada ao mundo, e sim quedescanseis em Cristo (Tratado V, p.83-84).

Esta linguagem é novamente encontrada no mesmo Tratado e justificada por uma

citação paulina, quando Prisciliano exorta e aconselha que: (...) quem batizados em Cristo,

haveis revestido a Cristo, desprezando as trevas do século, passeeis com a luz do dia, (...)

(Col., 2, 8; Cor., 3, 19) (Tratado V, p.81).

Pode-se sustentar a hipótese da presença de uma cristianização oriental tiaguista,

porque encontra-se no mesmo Tratado um alerta aos dogmas dos hereges que afirmam:

(...) alguns dizem que o mundo não foi criado, mas que sempre existiu,outros pretendem imputar seus pecados às malícias do mundo aoinvés de imputá-los a si mesmos, (...) acusam por essa razão anatureza do mundo, por considerá-lo mal, (...) (Tratado V, p.80).

31 Grifo nosso.

39

Afirmativa alicerçada na citação de Tiago: De onde vêm as guerras? De onde vêm

as lutas entre vós? Não vêm daqui: dos prazeres que guerreiam nos vossos membros? (Tiago,

4, 1).

Embora a nomenclatura gnosticismo seja bastante ampla, sendo que muitas seitas

contemporâneas à Prisciliano eram compostas de vários sistemas diferentes, atemo-nos ao que

nos parece mais complexo, o sistema basilidiano.

A lógica basilidiana se utiliza dos mesmos princípios e aplicação uniforme, e

pode-se encontrar em Prisciliano um estilo análogo. Em seus Tratados observa-se uma

uniformidade na seqüências da exposição da defesa de suas afirmativas de forma que sempre

estão pautadas em duas ou mais citações bíblicas, sendo geralmente a primeira retirada do

Antigo Testamento e as outras do Novo Testamento.

A partir dos Tratados, buscou-se neste capítulo o que Prisciliano diz a respeito do

princípio do mal. Refletir sobre isto ou encontrar nos Tratados este tipo de abordagem não

poderia ser caracterizado como heresia, pois o próprio Agostinho aborda o mesmo assunto,

quando considera que o mal não existe. (AGOSTINHO, Cidade de Deus, XII, 2, 1958, p.795)

Alias, isto foi discutido após a morte de Prisciliano e considerando-se ainda que Agostinho

não concluiu sua obra De Haeresibus (AGOSTINHO, 1952).

No Tratado V, repetimos a afirmação de Prisciliano que:

(...) uns preferem dizer que o mundo não foi criado, mas que semprehavia existido e, como não teve princípio, tinha que ser eterno;outros, pretendendo imputar seus pecados à malícia do mundo, ou dodiabo ao invés de imputá-lo a si mesmos, quando está escrito: Deonde vêm as guerras? De onde vêm as lutas entre vós? Não vêmdaqui: dos prazeres que guerreiam nos vossos membros?32 (Ep. de S.Tiago, 4, 1), acusam por essas razões a natureza do mundo, porconsiderá-lo mal, e afirmam que nada do que aparece nele o fez Deus,assinando sua feitura ao diabo, pensam que não sabem o que fazem eque os pecados que cometem com seus corpos não preocupam adisposição divina, quando está escrito: um corpo corruptível pesa

32 Grifo nosso

40

sobre a alma e – tenda de argila – oprime a mente pensativa33

(Sabedoria, 9, 15) (Tratado V, p.80).

Prisciliano retoma a mesma expressão no Tratado VI, para referir-se à natureza

corporal do homem, que segundo ele:

(...) embora tenha sido criado pelas mãos de Deus, por ser irmã donascimento terreno ao participar do barro tem obscurecido alinhagem divina dos homens com as armadilhas da morada terrena,em virtude da natureza dos vícios , ao dizer do profeta,: (Sabedoria,9, 15) um corpo corruptível pesa sobre a alma e _ tenda de argila_oprime a mente cansativa, sofra uma correção necessária na Lei doAntigo Testamento, seja ofertado ao tabernáculo de Deus e que Cristodecepe a obra do pecado que obra nela (natureza corporal) e morrana Cruz de Cristo como o cordeiro sem defeito (Tratado VI, p.88)34 .

Embora a natureza humana seja fruto da criação divina, dela provém o princípio

do mal, por ter Deus utilizado o barro (natureza terrena) para sua criação. Prisciliano parece

considerar o princípio do mal como sendo a origem terrena e responsável pelo pecado

original, mas complementa que através do batismo e dos preceitos da Igreja todo cristão está

salvo.

Não poderíamos nos esquecer que este Tratado diz respeito à páscoa do Senhor e

Prisciliano procura nele demonstrar que o Novo Testamento é uma alteração no tocante à

páscoa do Velho Testamento, pois Cristo é imolado e não mais o cordeiro.

Os neoplatônicos explicam o princípio do mal através do livre arbítrio e não por

meio da natureza terrena advinda do barro.

Basílides afirma que existe um Deus-nada, que pode converter-se em qualquer

coisa e por ser colocado à cabeça do mundo, constitui o mundo superior.

Segundo Prisciliano:

33 Grifo nosso.

41

(...) há um só Deus pai, de onde tudo procede (...) (Tratado I, p.38)(...)Deus é um e imutável (Tratado IX, p.108) (...) de tal forma Teconhecemos, como único Deus em todas as coisas (...) posto que Tense é Tido, não Te achamos completo em coisa alguma, porém Teachamos em todas, pois em Ti e por Ti tem efeito qualquer processo(Tratado X, p.120).

O bispo hispânico não se refere a um mundo superior. Não pudemos encontrá-lo

em seus escritos. Assim sendo, não caberia atribuir esta concepção gnóstica à doutrina

priscilianista, uma vez que as palavras acima são afirmadas nas Escrituras Sagradas. Há sim

uma referência à virtude superior quando Prisciliano se vale desta linguagem para explicar a

aparência das coisas terrenas vistas pelo homem como símbolo das virtudes superiores

(Tratado VI e IX, p.85, 109).

Da concepção basilidiana de mundo intermediário, 365 céus ou arconte-jehová

não se encontra paralelo nos Tratados priscilianistas. A narrativa que poderia haver

confundido os seus perseguidores talvez seja a interpretação que fizeram da citação a seguir:

Pois compreendendo o sentido da lição que diz: “no princípio fezDeus o céu e a terra” (Gênesis, 1, 1) sabe que Deus fez tudo o que foicriado e, coalhando (cristalizando, coagulando) entre si os elementos,estendeu a natureza solidificada do céu e, assim entregou o uso do aràs potestades dos ventos e criadas as quatro estações, foramestabelecidos os cursos do ano e as disposições das estrelas.Foi quando apareceu o Verbo da virtude divina, dizendo: “Faça-se aluz” (Gênesis, 1, 3) tudo o que era tenebroso ficou a descoberto e,separada a noite com o entardecer e todas as coisas distribuídas emseu lugar, segundo a ordem dada, a terra se fez sólida a fim de que,feita a divisão do tempo com a ajuda alternante dos elementos,jogasse fora, animada com o espírito da vida, o funcionamento daobra disposta. Não porque a terra e o céu, ou o espírito com osprincipados terrenos dados dos elementos análogos, recebessem algode potestade própria, e sim para que, uma vez preparada a matériadas coisas, o sermão divino, entrando na obra da criação,cumprissem os mandados dos sábios preceitos, retendo o foro domundo estabelecido no habitáculo dos homens (Tratado V, p.81-82).

34 Tradução fiel a estrutura do texto original.

42

Retornemos à concepção gnóstica basilidiana para verificarmos qual o conceito de

corpo e alma. Segundo esta, o homem é composto de uma alma e um corpo, porém a alma,

não procede do demiurgo e sim, por emanação. Há uma alma lógica e outra psíquica. A alma

pneumática é que, segundo Basílides, possui o conhecimento natural de Deus.

Sobre esta concepção há em Prisciliano a seguinte interpretação:

(...) Finalmente, criadas todas as coisas que possui multiplicidade domundo segundo sua espécie criou Deus ao homem à sua imagem esemelhança e tomando o barro do habitáculo terreno, animou nossocorpo para, uma vez colocado o homem como senhor de todas ascoisas, criar o Sábado, isto é, seu descanso, “(...) tomando o homemdo homem sua hospitalidade corporal por intermédio da natureza damatéria terrena, e o homem, fazendo uso do trabalho secular e nãoenganado pela vontade da conscupiscência, tivesse em si otestemunho da imagem e semelhança de Deus, e atenuando no corpose convertera no templo do Senhor” (cf. Ep. I aos Corintios, 3, 6),afim de que, seguindo a regra do Sábado em todas as partes, fizessenele real o descanso que havia prometido Deus, dispondo tudo comrespeito a Ele em toda categoria de Escritura, quis ser chamado tudoquanto tem nome com o fim de, sendo o único capaz de nos salvar ounos perdoar (cf. João, 4, 12), não negar em cada obra da palavranomeada o castigo aos pecadores e a glória aos que se esforçam porEle, segundo está escrito (Ep. I de S. Pedro, 2, 6-8) (Tratado V, p.82).

Sobre a alma e emanação, Prisciliano insiste em afirmar que:

(...) Deus, assumindo a carne forma de Deus em si e de homem, é odesignador da alma divina e da carne terrena, manifestando que umaé forma de pecado e a outra, natureza divina (Tratado VI, p.89).

A respeito do conhecimento, deve-se lembrar que ele, nos vários Tratados,

argumenta que o conhecimento de Deus é realizado pela busca do conhecimento de si mesmo

através das Escrituras:

E por isso, vós, diletíssimos meus, entrando na obra da leitura paracompreensão das virtudes espirituais, prepara em vós o céu e a terra

43

do Senhor, para que, espantado o entardecer da ignorância, exclame-se em vós: “faça-se a luz” (Gênesis, 1, 3) e corrigida a treva do corpocorruptível e composta em vós, a luz do divino espírito, sejaischamados dia do Senhor. Pois quem faz isto na obra de Cristo,enchendo o dia com o conhecimento de si mesmo, aprende osmandamentos de forma que, fecundado pelo Verbo do Senhor tudo oque havia estéril nele e recebida a chuva da pregação divina, seinstrua em toda graça da profissão católica, crescendo em glória eobra da semana perfeita e reformando em si a igreja do Senhor pelafé de Cristo(...) com o fim de que, convertidos no Sábado do Senhor eafastados de todos os atos do mundo, não devais nada ao mundo, esim que descanseis em Cristo (Tratado V, p. 83).

Percebemos que neste discurso está presente a idéia de que o homem é a imagem

e semelhança de Deus. Para buscar o conhecimento é necessário conhecer as Escrituras e, ao

mesmo tempo, lembrar ao homem que sendo ele o habitáculo de Cristo, deve cuidar de não

obrar de forma ilícita para merecer o perdão, afastando-se dos vícios. Isto, poderia significar

que o homem deve preparar-se para a vida após a morte (a vida eterna) e não se entregar às

necessidades terrenas do presente.

Portanto, o bispo de Ávila não se refere que há duas almas, nem tão pouco que o

homem possui o conhecimento natural de Deus, uma vez que tem de buscá-lo em si mesmo

no sentido da imagem e semelhança de Deus, conforme afirma as Escrituras Sagradas.

Basílides, embora admita a queda da alma, não é a mesma queda descrita na

Bíblia. Com relação à redenção ele não a atribuía ser decorrente do sofrimento de Cristo, mas

uma comunicação da gnose. Lembremos que é característico nas seitas gnósticas o docetismo,

ou seja, doutrina professada por diversos grupos gnósticos que defendem a idéia de que Cristo

tinha apenas aparência de homem. Além disso, a redenção no sentido basílidiano é entendida

como a restauração da ordem primitiva e a felicidade pode ser obtida através da ausência do

desejo do desconhecido.

A redenção para Prisciliano, ao contrário, é devida apenas ao sofrimento de

Cristo, e é redimido aquele que é batizado em Cristo. Entende-se que a redenção é a

44

restauração do cristianismo primitivo, o habitáculo de Cristo. Ainda ao contrário de Basílides,

o conhecimento dos pecados causados pela concupiscência é que impulsiona o homem a

afastar-se dela ou recusá-la. Saber que os desejos da carne estão presentes na natureza do

homem e recusá-la é o exercício proposto por ele. Este princípio está presente tanto nas

citações paulinas de que se serve Prisciliano para demonstrar aos fiéis a necessidade de buscar

o conhecimento, quanto no Tratado sobre a fé e os apócrifos (Tratado III, p.63-74), onde

acreditamos reafirma esta concepção de mundo pela ótica priscilianista.

b) Maniqueísmo

Por volta de 290 d.C., o procônsul da África, Juliano, denunciou a nova seita,

fundada por Mane, ao Imperador Diocleciano, o qual, preocupado por manter a religião

romana contra a invasão de cultos estrangeiros, respondeu com um rescrito severo.

O sistema maniqueu é baseado no dualismo bem e mal, luz e treva. A luz em

oposição as trevas, sendo que esta segunda corresponde ao princípio da matéria e a luz, em

essência, é Deus.

Embora a linguagem utilizada pelo bispo de Ávila seja análoga, tal como luz e

treva, bem e mal e, concorde que a luz é puramente espiritual - se bem que esta linguagem

está presente nas Escrituras - para Prisciliano não há possibilidade de justaposição entre elas.

Os preceitos da moral maniquéia constam de três “selos” ou proibições, sendo a

primeira: que nada de impuro entre na boca. Dai os maniqueus se abstêm de carnes e vinhos,

pois só são autorizados os alimentos vegetais.

O jejum que Prisciliano propõe não está relacionado a impureza ou a abstinência

de carne ou vinho, nem tão pouco com a ingestão apenas de vegetais.

No IV Tratado da Páscoa exorta aos fiéis:

45

Não jejuar na incerteza das riquezas (Tim., 6, 17), nem com brigas ediscussões, porque, embora a obra divina busca nestes dias aabstinência das delícias e o endurecimento do corpo, no entanto nãopretende tal jejum (...) devemos chegar ao dia da Páscoa de forma aimitar o deserto dos quarenta dias que o Senhor jejua no evangelho,posto que sua injúria é nosso pudor e, ainda que vivemos na carnenão viver segundo a carne (Tratado IV, p.76, 77).

Quando se refere a no entanto não pretende tal jejum poderíamos supor que está

propondo a seguinte atitude:

Como quem limpa a sua casa, prepara o habitáculo de vossa carnecom dignidade própria dos mandamentos de Deus, para que,cumprindo a vigília determinada para a Páscoa do Senhor (...) veleispara Deus e consumais quanto lhe seja oferecido antes que ocorra odia do Senhor (Malaquias, 4, 5). Além disso, ainda que as Escriturasde Deus falem abertamente (...) dou o conselho afim de que façaisPáscoa e custodiais em vós a natureza de Deus durante os sete diasda criação, sem levedura, ou seja, sem ázimos e sem dever nada aosdias do mundo e assim vivamos na lei, isto é, a carne e o sangue doSenhor para que quando Deus vier ao juízo (...) não sejamos númeroda besta (Apoc., 13, 18) nem medida do século(...) e que nos seja dadoo nome de medida do homem (Tratado VI, p.93, 95).

Ou, ainda, quando se refere ao habito da observância:

(...) a começar os dias da quaresma, posto que nessa época o que jáse abstém do mal, acostumando-se ao bem, deve querer ser melhor, eo que ainda se vê atado ao erro indisciplinado do mundo, se convidaa retratar-se do mal com a observância dos dias solenes como bonsadministradores da graça de Deus (Ep. I de S. Pedro, 4, 10) rogamos,concedendo, não mandando (Ep. aos Corintios, 7, 6) que com achegada da Páscoa do Senhor o fiel se alegre de já haver recebido eguardado a fé dos mandamentos, que o penitente busque a salvação, eque o catecúmeno não perca a confiança (Ep. aos Hebreus, 10, 35) nofuturo perdão, para que se cumpra o que está escrito (Tratado IV,p.76).

46

Não pudemos reconhecer neste ou em outros Tratados nada que proibisse ou

impedisse os fiéis a ingestão de carnes. O jejum proposto nos parece de outra natureza, a

espiritual.

A segunda proibição refere-se às mãos, pois proíbe-se matar ou portar armas,

guerrear, sacrificar animais, destruir plantas e roubar.

O único paralelo que poderíamos fazer com Prisciliano, seria quanto ao Tratado

da Páscoa, quando ele manifesta a diferença do Antigo e Novo Testamentos, com relação ao

sacrifício do cordeiro.

A última proibição refere-se à propagação do mal no mundo e para isso, o melhor

meio é evitar as relações sexuais, justificada pelo fato da geração ser má por si mesma, sendo

o matrimônio proibido.

Percebemos que o celibato em Prisciliano está subordinado aos preceitos paulinos,

e podemos encontrar no Tratado do Êxodo quando cita Paulo:

(...) para que compreenda a Deus (...) e “evite as questões nécias evãs do mundo” (Ep. a Tito, 3, 9) e, por sua parte, o homem, dividindo-se e mostrando-lhe Deus do que é imaculado no homem há deguardar impassível, posto que o divino habita em nós “reconheça opecado que obra em nosso corpo mortal. (Romanos, 6, 12) a fim deque, sem defeito no corpo, a alma e o espírito, a obra triforme que háem Deus, cumpramos o que está escrito (...) (Tratado VI, p.91).

Mas a questão da abstinência tem que ser colocada em seu contexto, como fica

demonstrado no Tratado a seguir:

Assim, o Antigo Testamento conduz a instituição a purificar o corpo aDeus e o Novo a instituição da alma sem ser contraditórios entre si,mas sim, tão somente divididos pela Razão de tal maneira que os doisTestamentos são um só Deus da mesma forma a perfeição do Reinoem nós, seja a Glória se a purificação do corpo se pratica como frutoda divina vontade (...)“Portanto é essa a vontade de Deus: a vossa

47

santificação, que vos apartais da luxúria” (Tess, 4, 3) (Tratado, VI,p.88).

Entende-se que a abstinência é devida a concupiscência, não à procriação. Além

disso, observamos que a doutrina do bispo está voltada para preceitos de Tiago e, na tarefa de

selecionar os cânones paulinos, ele busca justificativa em Paulo para explicar aquilo que

defende.

Retomando os princípios maniqueus, verificamos nos Tratados a presença ou

referência a uma divisão entre ouvintes e eleitos.

Neste sentido, apenas nos deparamos com a palavra “eleito” no contexto

hierárquico, ou melhor entendendo-a como eleição sacerdotal, conforme destacamos No

Tratado II Prisciliano, escrevendo ao Papa Dámaso, diz:

Assim pois, quando vivíamos na verdade da fé, batizados e eleitospara o sacerdócio em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,regressou Idácio do Sínodo de Zaragoça, não portando nada contranós (Tratado II, p.57).

Ou poderíamos interpretar a palavra “eleito” no sentido de escolhido, mas não foi

possível interpreta-la como condição – ser eleito – ou melhor, possuir esta atribuição para que

esta idéia se encaixe na moral maniquéia e possa ser associada à Prisciliano.

Da mesma forma, quando Prisciliano procura se defender das acusações

proferidas por Idácio, ele indaga:

(...) sobre estes assuntos, haveria de se conceder crédito a confissãoprestada, e o mesmo que a dedicação sacerdotal se acha nosacerdote, a eleição de uma candidatura depende do povo (Tratado II,p.58).

No Tratado do Primeiro Salmo, o bispo se refere a Davi.

48

O santo Davi, ao instruir o magistério do divino ensinamento eestabelecer nos homens o fundamento do Verbo indissolúvel, gozandono todo, aquilo para o que foi eleito, revelou a glória da naturezadivina (Tratado VII, p.96).

Já no Tratado do Terceiro Salmo, é feito referencia a palavra “eleito” no sentido

de escolha.

Por isso nossa meditação dia e noite sobre a lei do Senhor, por isso oafã por ela de um coração curioso, o conhecimento de nós mesmos, orecusar o que é da carne e o eleger o que é do espírito (Tratado VIII,p.102).

Posteriormente, a palavra eleição é encontrada numa citação paulina (Rom., 1, 2),

onde o bispo expõe a finalidade da história escrita para que Deus seja reconhecido mediante

as Escrituras. Também quando interpreta o salmo 60:8, referindo-se a Siquem e a linhagem

divina (Tratado IX, p.109).

Finalmente, encontramos a palavra “eleito” relacionada com Deus, no Segundo

Tratado ao Povo:

Tu, pai das almas; Tu, irmão dos filhos; Tu, filho dos irmãos, Tu,amigo dos eleitos, Tu, o mais próximos dos que se acercam; (...) Tu ésa virtutificação inteira das virtudes, por Ti, surtem efeito todas ascoisas (Tratado X, p.120).

Quanto a palavra ouvinte, não há referência nos Tratados e apenas foi possível

encontrá-la nos cânones explicando as cartas de Paulo. Portanto não são criações de

Prisciliano, mas palavras retiradas de algumas das quatorze epístolas do apóstolo (Cânone

XXV e XXVII, p.131,132).

Os Tratados priscilianistas são totalmente justificados pelo Antigo Testamento.

Assim, acreditamos que a razão pela qual Orósio coloca a doutrina de Prisciliano como pior

49

que a dos maniqueus, só poderia ser explicada pelo viés político, pois pelo religioso não se

sustenta, principalmente se considerarmos que os princípios maniqueus não aceitam o Antigo

Testamento.

Baseado nestes princípios, Prisciliano condena o maniqueísmo em praticamente

todos os Tratados:

(...) condenamos completamente aos maniqueus, que não são apenashereges, mas idólatras e maléficos servidores do Sol e da Lua, porquedeles está escrito: “Não; escrevi-vos que não vos associeis comalguém que traga o nome de irmão e, não obstante, seja impudico ouavarento ou idolatra ou injurioso ou beberrão ou ladrão. Com talhomem não deveis nem tomar refeição” (Cor. 5, 11) (Tratado II,p.57).

Parece-nos aqui, que Prisciliano procurou compreender ou buscar uma forma de

entender a acusação à respeito da inserção de uma acusação de Itácio:

Diante disso, uma leitura de Itácio trouxe a nossos ouvidos uma novaacusação, um sacrilégio condenável, já não pela sua execução, masinclusive por expressá-la, e que até agora não havia sido apresentadaem nenhuma personalidade herética, segundo o qual, havia anecessidade de expiar ou consagrar com encantamentos mágicos ogosto das primícias dos frutos e a essência do maldito ao Sol e a Lua(Tratado I, p.46).

Como verificamos no mesmo Tratado, o que pensa Prisciliano dos maniqueus,

poderíamos atribuir o mesmo à respeito da interpretação encontrada na historiografia

antipriscilianista, quanto observamos à questão do sol e da lua:

Seja anátema quem não condena Manes, suas obras, doutrinas einstituições. Perseguindo com a espada se fosse possível, para quesua impureza não ficasse oculta ao juízo de Deus, tem-se geradoseus males também ao juízo do século. Também aqueles que, comsentido errado, afirmam que o Sol e a Lua são os regentes do

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universo e os consideram deuses. De tal forma acrescentaram anecessidade dos sacrilégios como para dizer que consagravamreligiosamente as mentes oprimidas pela cegueira (Tratado I,p.45).

Prisciliano diz em seu Tratado II:

No entanto, a infelicidade destas seitas, nós a conhecemos ecolocamos Deus Cristo por testemunho, pelos rumores da gente, nãopor confronto ou disputa, já que até disputar com estes é pecado,bastando-nos saber que quem toma o nome de uma seita perde onome de cristão. Diante disto, condenamos completamente aosmaniqueus, que não são apenas hereges, mas idólatras e maléficosservidores do Sol e da Lua, porque deles está escrito (Corintos 5, 11)(Tratado II, p.56, 57).

No Tratado I este aspecto parece ser o mais premente, na ênfase de refutar esta

questão.

Para nós, tudo que há sob o sol é coisa vã e presunção do espiritoperverso Mais vale o que os olhos vêem do que a agitação do desejo.Isso também é vaidade (...) (Eclesiástes, 6, 9) (Tratado I, p.43).

Prisciliano insiste em anatematizar tanto a questão maniqueísta, quanto a idolatria

do sol e da lua como consta no Tratado apologético:

Seja anátema quem não condena Manes, suas obras, doutrinas einstituições. Perseguindo com a espada se fosse possível, para quesua impureza não ficasse oculta ao juízo de Deus, tem-se gerado seusmales também ao juízo do século. Também aqueles que, com sentidoerrado, afirmam que o Sol e a Lua são os regentes do universo e osconsideram deuses. De tal forma acrescentaram a necessidade dossacrilégios como para dizer que consagravam religiosamente asmentes oprimidas pela cegueira (Tratado I, p.45).

No tocante à ascese priscilianista, que em nossa opinião é a essência de sua

doutrina, o bispo faz a seguinte exortação:

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Embora a própria natureza nos ensina que entre as inexploradasexperiências da vida humana e as lutas do século, indignas de Deus,nada há de mais útil ao homem que rechaçar as coisas que sãoamigas do século e guardar os preceitos da instituição divina,segundo disse o apóstolo: toda amizade do mundo é inimiga de Deus(Ep. de São Tiago, 4, 4), como disse também o profeta: O provento daterra pertence a todos e até mesmo um rei é tributário da agricultura(Eclesiastes, 5, 8) (Tratado IV, p.75).

Percebe-se que mais uma vez que os preceitos tiaguista estão presentes na base da

ascese de Prisciliano.

Assim pois, viu os futuros dogmas dos hereges e os diversos engenhosdos que disputam, porque uns preferem dizer que o mundo não foicriado, mas que sempre havia existido e, como não teve princípio,tinha que ser eterno; outros, pretendendo imputar seus pecados àmalícia do mundo, ou do diabo ao invés de imputá-lo a si mesmos,quando está escrito De onde vêm as guerras? De onde vêm as lutasentre vós? Não vêm daqui: dos prazeres que guerreiam nos vossosmembros? (Ep. de S. Tiago, 4, 1), acusam por essa razões a naturezado mundo, por considerá-lo mal, e afirmam que nada do que aparecenele o fez Deus, assinando sua feitura ao diabo (Tratado V, p.80).

Invariavelmente Prisciliano justifica esta ascese através de outras citações

bíblicas:

Analisando as Escrituras sabemos, beatíssimos sacerdotes, que todasestas coisas estão escritas para que quem compreenda a natureza dasbestas, exposta nas parábolas, rechace o que é próprio dos costumesdo século e corrija os defeitos em sí mesmo (Apoc. 17,15; 18,2,3;18,9; Ep. aos Efesios 6,12; Apoc. 16,13,4 (Tratado I, p.41).

E logo em seguida, reafirma sua doutrina baseando-se no Antigo Testamento.

(...) outros, pensando que o Sol e a Lua, que são astros criados para oserviço dos homens, são deuses, atribuem o poder dos elementos aosprincipados do mundo, quando está escrito:

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Ele que faz a plêiade e o Órion,Que transforma as trevas em manhã,Que escurece o dia em noite, que convoca as águas do marE as despeja sobre a face da terra,Iahweh é o seu nome! (Amós, 5, 8) (Tratado V, p.80).

c) Binionitas

O autor dos Tratados condena a heresia dos Binionitas conforme podemos

verificar na citação abaixo, mas é necessário situar o termo. Quem são os binionitas? Que

dogmas defendem?

Segundo Prisciliano:

Quem há de não condenar os néscios dogmas dos hereges? Quem, aoquerer comparar o divino com o humano, separam a substância unidana virtude de Deus e desagregam a grandeza de Cristo, venerável natripla fonte da Igreja, com relação ao crime dos Binionitas(Ibionitas)? Quando está escrito: Eu sou Deus e fora de mim nãoexiste outro justo, nem existe um salvador fora de mim (Isaías 45,21;44,6 e 43,10,11; Deuteronomio 6,4; também Baruc 3, 36-38).(Cf.Tratado I, p.37). (...)O Senhor entregou a seus apóstolos o símbolo doque foi, é e será, mostrando em si e em seu símbolo o nome do paicomo filho, e o do filho como pai, refutando, assim, o erro dosBinionitas (Tratado III, p.67).

Os ebionitas das pseudoclementinas ou binionitas pertencem a categoria dos

grupos sincréticos de cunho dualista gnóstico, portanto, heréticos. Mas os autores da obra

Judaismo y cristianismo (SIMON & BENOIT, 1972, p. ), afirmam que freqüentemente eram

confundidos com grupos pertencentes às comunidades de Jerusalém cuja orientação

cristológica era dada por Santiago. Os judeocristãos dessa tendência, são chamados de

nazarenos:

(...) compuzeram em aramaico o evangelho segundo os Hebreus (...)foram as vezes designados com o nome de nazarenos, permaneciam

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fiéis a uma teologia, que se atinha ao monoteísmo e ao messianismode Jesus. Porém a diferença dos ebionitas, este messianismoimplicava a divindade de Cristo (SIMON & BENOIT, 1972, p.194).

Portanto, os nazarenos descendiam de uma corrente tiaguista e não de uma

corrente herética dualista gnóstica.

O dualismo percebido nos Tratados pertence à linguagem paulina (SIMON e

BENOIT, 1972, p.173), como podemos verificar na Escritura Sagrada do Novo Testamento, e

como demonstra Prisciliano ao longo de sua obra:

A leitura Binionitae de Bibi (dois), que designa aos hereges quenegavam a unidade essencial do Pai e do Filho, é indubitável. Porém,sob este nome, forjado por Prisciliano, que pretendeu designar? Osdualistas arianos, como queria Paret (RAMOS, 1975, p. 147).

Bem, nos Tratados pode-se perceber claramente a defesa e ênfase dada por

Prisciliano com relação a unidade (Tratado I, p. 38; Tratado II, p. 54; Tratado III, p.67;

Tratado IV, p. 75-76; Tratado V, p. 83; Tratado VI, p. 87, 90 e 92; Tratado IX, p. 105-106;

Tratado X, p. 120).

No Tratado III, o bispo de Ávila refuta o erro dos Binionitas mas, antes, podemos

encontrar esta refutação no primeiro Tratado, quando cita Tiago, 2, 19 e justifica através do

Novo e Velho Testamento, respectivamente:

O Senhor entregou a seus apóstolos o símbolo do que foi, é e será,mostrando em si e em seu símbolo o nome do pai como filho, e dofilho como pai, refutando, assim, o erro dos “Binionitas”. Pois orequerimento dos apóstolos demonstrou que Ele era tudo quanto temnome (cf. Ep. aos Efésios, 1, 21) E quis que se acreditasse Nele comoum e indiviso, segundo disse o profeta (cf. Baruc, 3, 36-8) (TratadoIII, p.67).

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2. Conhecimento

Devido ao tempo restrito para elaborar esta dissertação, apenas citaremos, a título

de exemplo, qual era a concepção de Prisciliano a respeito sobre o conhecimento. O

fundamental é o conhecer a nós mesmos através das Escrituras para assim conhecer a Deus,

uma vez que a visão de mundo de Prisciliano está pautada pela idéia de que somos templo de

Deus, sua imagem e semelhança:

(...) indagar as obras visíveis no segredo invisível da mente, afim deque o esforço ilumine mediante o conhecimento da Lei a quem antesvelava a ignorância nas trevas, como disse o apóstolo aos efésios (Ef.5, 8). De modo que é preciso que se comporte devidamente(...)aficcionando-nos às coisas espirituais e não às corporais (...). Porisso nossa meditação dia e noite sobre a Lei do Senhor, pelo afã deum coração curioso do conhecimento de nós mesmos e o recusar oque é da carne e eleger o que é do espírito; (...) pôr a habilidademental no conhecimento da verdade; conhecer os segredos dospreceitos celestiais ; prover pela utilidade da alma (Tratado VIII,p.101,102).

3. Ensinamento

O ensinamento para Prisciliano consiste em fazer com que o indivíduo conheça a

si mesmo através do acesso à Escritura Sagrada.

O terceiro salmo define o mal secular, dizendo que o mal provem de nós mesmos,

não do mundo.

O terceiro salmo nos ensinou que o ódio do filho contra o pai nascede nós (...) e avisou o sentido do leitor e retardou com a busca daverdade a mente preocupada, quando colocou no princípio o quehavia sofrido ao final de seu reino, (...) definindo a natureza do malsecular (Tratado VIII, p.102).

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Esta citação justifica o que defende a seguir, no Tratado IX, dirigido ao povo,

baseando-se na epístola de Tiago. Em nosso entender ai localiza-se a base da ascese

priscilianista.

Toda amizade com o mundo é inimiga de Deus (cf. Tiago, 4, 4)_ e anatureza humana se deixa persuadir mais facilmente pelo deleite doque pelo trabalho_ quando se busca a vontade das coisas presentes seperde a promessa da vida futura (Tratado IX, p.107).

4. Unidade

Retomando nossa introdução, destacamos como uma das categorias a questão da

unidade por duas razões: a primeira, é a presença constante nos Tratados, de justificativas ou

explicações a respeito da unidade entendida por ele. A segunda razão é constar no

Comunitorum de Paulo Orósio a informação de que Prisciliano só admite a Trindade de nome,

uma vez que Orósio interpretava que na doutrina de Prisciliano a unidade era absoluta, sem

nenhuma substância e, suprimido o Pai, o Filho e o Espírito Santo se constitui um Cristo

único.

No primeiro Tratado, o qual acreditamos tratar-se de uma confissão de fé,

Prisciliano diz ser necessário reafirmar a questão da unidade para refutar a heresia novaciana:

Para nós há um só Deus pai, de onde tudo procede, e nós Nele, e sósó Senhor Jesus Cristo. À necessidade disto se une a heresianovaciana: o erro do pecado reverdece sempre, e há que purificar-secom a repetição do batismo; quando a Escritura apostólica testifica:um só batismo, uma só fé, um só Deus (cf. Efésios, 4, 5: Gálatas, 1, 8).Nós, em troca, uma vez batiados em Cristo queremos alcançar aqueleque tem nos alcançado porque unidos na fé não temos fora de JesusCristo, outra defesa que a do batismo (Tratado I, p.38).

No Tratado II, ele também se remete à questão da unidade para refutar a heresia

ariana na carta ao Papa Dámaso:

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Embora seja prolixo recorrer a detalhes e desprezável o fato derepetir as doutrinas de tais misérias, dizemos isto ante tua venerávelcoroa, com o fim de que, se incorremos naquilo que condenamos,sejamos condenados pela própria relação que professamos. Poisquem pode com ouvidos católicos crer no crime da heresia arianadaqueles que dividem o uno, ao pretender que os deuses são vários?Mancham a luz do sermão profético conforme disse Moisés(Deuteronômio 6, 4), deu testemunho também (Ep. de S. João 5, 46);(Jeremias 17, 5); (Ev. de S. Marcos 5, 19) (Tratado II, p.56).

Para refutar o erro dos binionitas, no Tratado III, versando sobre a fé e os

apócrifos, Prisciliano se vale das citações paulinas e dos profetas para justificar a unidade,

mas não nos parece que suprima o símbolo da Trindade, pois ele diz:

Daí surge a heresia, quando cada qual segue suas habilidades maisque a Deus, e decidem, não seguir o símbolo, e sim discutir sobre ele,sendo que se conhecessem a fé não conservariam nada fora dosímbolo. Pois o símbolo é a assinatura de coisa verdadeira edescrevê-lo é discutir sobre ele, mais que crer nele. O Senhorentregou a seus apóstolos o símbolo do que foi, é e será, mostrandoem si e em seu símbolo o nome do pai como filho, e o do filho comopai, refutando, assim, o erro dos Binionitas. Pois o requerimento dosapóstolos demonstrou que Ele era tudo quanto tem nome (Ep. aosEfésios, 1, 21).(...) E quis que se acreditasse Nele como um e indiviso,segundo disse o Profeta (Baruc, 3, 36-8) (Tratado III, p.67,68).

No Tratado V, versando sobre a criação, mais uma vez o bispo refere-se a unidade

citando João e justificando a unidade através das epístolas paulinas: (...) eu sou a videira, vós

os gravetos (João, 15, 5), para demonstrar o sentido da expressão “pedra angular”

mencionado por Pedro no sentido de salvaguardar a fé:

(...) para que quem conhece tudo por seus nomes (cf. Ep. aosColossenses, 3, 11) não concedendo parte a nome ou potestadealguma, acreditasse em Cristo, único Deus, o único que acha-se, emtodas as coisas, segundo está escrito: (Ep. aos Filipenses, 2, 10-11)(Tratado V, p.83).

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Para demonstrar a diferença do Velho para o Novo Testamento, buscando explicar

a continuidade entre eles, mas ao mesmo tempo a “boa nova” trazida através de Cristo

procurando justificar a mudança ritual do sentido da Páscoa, o bispo de Ávila se vale, mais

uma vez, do expediente da unidade:

Pois, ainda que a graça do divino sacramento dirigindo a obra domistério pascal e enviada a lei do Antigo Testamento constrói o futurocaminho de nossa salvação e a entrada de Deus da paixão que chegacom a nova luz e peça que se dê morte ao cordeiro em preparação aodia da páscoa do Senhor e àquele a imolação de Cristo e bemdiferente sejam entre si e o animal da terra e o Deus da glória(...)Cristo, em troca, origem de todas as coisas que é tudo em simesmo e não toma nada de parte alguma, sem princípio nem fim, se oconsideras globalmente, achará que é um na totalidade (...)Assim oAntigo Testamento conduz a instituição a purificar o corpo a Deus e oNovo a instituição da alma sem ser contraditórios entre si, mas sim,tão somente divididos pela Razão de tal maneira que os doisTestamentos são um só Deus da mesma forma a perfeição do Reinoem nós, seja a Glória se a purificação do corpo se pratica como frutoda divina vontade (Tratado VI, p.87, 88).

Ainda no Tratado VI, Prisciliano explica essa unidade desde que entendida

globalmente. Ora, não é isso que defende a ortodoxia católica?

Nas palavras do Bispo encontra-se a seguinte explicação:

Assim quis que compreendêssemos a Deus quando padeceu na carnepelos homens, se buscamos em nós o sentido, Deus é uno, se osermão, Cristo é uno, se a obra, Jesus é uno, se buscamos a natureza,é o filho, se buscamos o princípio, se chama pai, se a criatura, é asabedoria, se o mistério, é o anjo, se a potestade, é homem, se adignidade, é o filho do homem; se o que tem acontecido por meioDele, é a vida, se o que tem acontecido fora Dele, nada, dispondo-otodo de maneira que, sendo Ele um na totalidade e querendo que ohomem fosse uno Nele, não poderia o investigador da obra perfeitaencontrar outra coisa senão crer que Ele é o único Deus, cujaonipotência descobre nele mesmo, pelo que é e pelo nome que leva(Tratado VI, p.90).

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Prisciliano sustenta esta idéia baseado em Êxodo, mas também na Epístola

paulina, conforme segue abaixo:

Pois, se pede para a Páscoa, o primeiro mês (Êxodo, 12, 2) não é ematenção ao mês, cujo número perecerá junto ao mundo numerável, esim, posto que o Criador de tudo se acha na totalidade, para que sereconheça o que está escrito. (...)O fato de se prescrever um cordeirosem defeito, primal (cf. Êxodo, 12, 5) tomando dentre os cordeirinhose cabritos, a fim de que, “imitando” segundo está escrito infância emmalícia e imaculados, a obra de Cristo, trabalhemos imbuídos da leido Senhor (cf. Ep. I aos Corintios, 14, 20) e enquanto o homem édevolvido a Deus, retenhamos a natureza de Cristo inumerávelvencendo ao número no ano de todo o mundo, e desta maneira,aceitando a purificação do corpo e do espírito para um homem novo(...) achemos no homem a Páscoa do Senhor para que se cumpra oque está escrito: “Pois tanto o Santificador quanto os santificados,todos descendem de um só; razão porque não se envergonha de oschamar de irmãos” (Ep. aos Hebreus, 2, 11) (Tratado VI, p.92, 94).

A benção aos fiéis denominado Tratado IX, resume-se em explicação do

significado da unidade entendida pelo bispo num texto bastante sucinto:

Deus pai todo poderoso, que constitui o exemplo de tua graçamultiforme e o tabernáculo da igreja, estendendo as medidas daglória imensurável, ensinaste por meio de Cristo que só em Ti temassento a plenitude do invisível porque o Pai deve ao filho na obra doEspírito Santo e a visibilidade do conhecimento porque o filho deveao Pai pondo em Ti o término a todas a coisa definida e o receptáculodas coisa infinitas de maneira que vindos como viemos unicamente deTi nos abriste a única marcha e a única entrada para voltar a Ti pormeio do nascimento de Teu Filho, que nasce em Ti e ainda quetendessem para teu tabernáculo desde os diferentes caminhos dasvocações todos entraram em Ti pela única entrada de Cristooperante, de modo que, aquele a quem se fechou aquela não teveacesso a Ti porque havia ignorado que o Pai é parte do Filho noFilho, e o Filho do Pai, pois, Tu és Deus a quem cremos único emtoda a origem delas nem existe subida alguma pelo atalho, como disseo apóstolo (Ep. I à Timóteo, 6, 17-18).Assim, recorremos com esmolase uma vida boa o caminho que leva ao Senhor, alcançaremos o céupor passos contados (Tratado I, p.105).

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5. Ascese

O Tratado VII, a respeito do Primeiro salmo, expõe a regra da vida, dizendo que o

sermão profético nos persuade a servir a Cristo. O primeiro princípio ascético está

referendado pela noção de que o homem é o habitáculo de Cristo, imagem e semelhança de

Deus e, portanto, templo de Deus.

Sabendo que Ele é o princípio de tudo e reconhecendo no homem ohabitáculo de Cristo, preparemos uma morada digna do inquilino.(...) Se entendemos que somos templo de Deus, maior é o medo e aculpa e mais manifesto o castigo do pecado ao ter por testemunhodiário o mesmo que temos por juiz e dever a morte àquele quecompreendemos que é o autor de nossa vida. (...) E por isso, secompreendeis as palavras do sermão profético, sede tal qual faz Deuspai, porque a imagem e semelhança de Deus, que sois vós, não buscaas armadilhas e a brandura da corrupção nem qualquer conselho dosímpios (Tratado VII, p.98).

Também no Tratado VI: (...) o corpo que recebemos como vitória não se chame já

terra do século, mas sim, casa do Senhor, não habitáculo da fornicação mas sim imagem do

corpo de Cristo (cf. Ep. I aos Corintios, 6, 13) (Tratado VI, p.95).

O segundo princípio da ascese de Prisciliano está baseado nas premissas de Tiago:

(...) toda amizade do mundo é inimiga de Deus (Ep. de S. Tiago, 4, 4). (Tratado IV, p75.);

Tratado V, p.80); Tratado IX, p.107, 109); justificada pela epístola de João e de Tiago

respectivamente:

Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, aconcupiscência do olho e o orgulho da riqueza - não vem do Pai, masdo mundo. Ora, o mundo passa com suas concupiscências; mas o quefaz a vontade de Deus permanece eternamente (Ep. I de João, 2, 16-17) (Tratado IX, p.109).

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(...) De onde vêm as guerras? De onde vêm as lutas entre vós? Nãovêm daqui: dos prazeres que guerreiam nos vossos membros? (cf. Ep.de Tiago, 4, 1) (Tratado V, p.80); Tratado IX, p.111).

Como é comum nos Tratados, estes princípios ascéticos vem confirmados por

uma citação paulina:

(...) aquele que quer em si a obra dos preceitos divinos vencendotodas as guerras dos vícios que há nele, se abstenha não só dasconcupiscências da carne, mas também dos pensamentos, isto é, dasnecessidades espirituais (cf. Ep. aos Efésios, 6, 12). (Tratado IX,p.111).

Considerando-se a análise das categorias acima, podemos parcialmente concluir:

a) Os autores da historiografia priscilianista moderna elaboraram suas

idéias baseando-se principalmente nos primeiros três Tratados em detrimentos dos

restantes. As análises resultantes não consideraram as perspectivas abordadas neste

trabalho, cuja análise leva em conta o conjunto dos onze Tratados atribuídos a Prisciliano.

b) O bispo de Ávila não constrói sua ascese sem que tenha como eixo

central os cânones paulinos, cuja afirmação feita pelo bispo Peregrino, não pertencem a

São Jerônimo, mas a Prisciliano. Sendo assim, leva-nos a concluir que um texto, por

determinado tempo, atribuído a um dos Padres da Igreja, não poderia ser constituído de

doutrinas heréticas. Portanto, concordamos com a historiografia com relação a não

presença de doutrina herética em seus Tratados.

c) Nos três primeiros Tratados não há citações ou referências a Tiago, tal

pode-se compreender no sentido em que há uma lacuna não observada anteriormente pela

historiografia, principalmente a hispânica.

No desenvolvimento da análise das possíveis categoria heréticas que poderiam ser

encontradas nos Tratados de Würzburg pudemos perceber de que maneira Prisciliano

interpreta os trechos citados e, ao mesmo tempo, procuramos refletir sobre a hipótese de uma

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leitura menos ocidental das Escrituras, visto que, com o gradual amadurecimento das nossas

idéias com relação ao objeto, perguntaríamos: Por que Prisciliano teria reunido os cânones

paulinos?

Talvez fosse uma necessidade, para o bom desempenho da evangelização,

conversão e cristianização das comunidades atendidas pelo asceta, esclarecer a interpretação

paulina, uma vez que o cristianismo disseminado naquela região, parecia mais orientalizada

(SIMON e BENOIT, 1972, p.57,58). Da mesma forma que também Martinho de Braga, dois

séculos mais tarde, teria realizado sua tarefa de evangelização, desenvolvendo e adaptando

uma linguagem mais rústica para que o povo pudesse compreender, Prisciliano precisou fazê-

lo decodificando a linguagem e a interpretação que já havia na mentalidade daquela

sociedade, dois século antes.

Resta-nos verificar a questão política na qual Prisciliano poderia estar envolvido.

Para isto, nos debruçaremos na análise interna destes documentos sob a perspectiva política

para verificarmos em que medida poderia interessar a alguns de seus contemporâneos, o

desfecho a que teve o processo que culminou na condenação de magia e morte por

decapitação do bispo Prisciliano.

62

CAPÍTULO 3

PRISCILIANO: QUESTÃO RELIGIOSA OU POLÍTICA?

Diante do contexto acima, buscamos demonstrar que na Primeira Idade Média,

longe de ter sido um período estático, existiu uma extraordinária efervescência para a

afirmação de um poder e uma Instituição em gestação: a Igreja. Dicotomia que por conta da

estrutura e ideologia incorporada e da necessidade de afirmação do poder, os bispos

setentrionais, atuaram na condenação de Prisciliano em Tréveris, no ano de 385, pelo braço

secular e não eclesiástico, sendo acusado de maleficium, ciências mágicas e reuniões noturnas.

Este veredicto foi transmitido pelo prefeito do pretório, Evódio ao então Imperador

Máximo35.

No âmbito político, os Tratados expressam a confissão e a defesa de Prisciliano, a

qual parece não haver chegado ao seu destino, nem tampouco chegado às mãos de alguém que

pudesse ter impedido a tragédia priscilianista. Principalmente por trazer informações a

respeito dos motivos que teriam levado Idácio a agir de forma tão intensa na tarefa de

acusador, o que não nos parece que seja por questões de divergências religiosas. Mais

parecem querelas políticas de manutenção de poder. Uma das versões política e hierárquica

que girava em torno da Hispânia no período em que surge a ascese de Prisciliano é dada por

Antonio Garcia Masegosa (2003), interpretando a situação de forma diferenciada. Este autor

coloca uma nova possibilidade de análise, a disputa do episcopado por duas categorias

distintas: conflito entre bispos tradicionais e bispos monacais, o que implicaria no alarma da

atitude de Higino em relatar os acontecimentos ao bispo de Mérida. (MASEGOSA, 2003

p.87-96)

35 Segundo alguns autores, este processo se configura irregular, por um lado, o veredicto foi conseguido atravésde confissão obtida sob tortura conforme decreto de Constâncio II de 05 de julho de 358 (Livro IX do Cod.Theod.), por outro lado, ocorreu a usurpação do poder imperial daquele que o sentenciou.

63

A hipótese da disputa de manutenção de poder, embora de forma ainda

embrionária, se constitui uma das perspectivas de âmbito político, tendo como essência ou

pano de fundo a religião, uma vez que há indícios nos Tratados de uma disputa e de

acusações infundadas como poderemos verificar daqui em diante. Entretanto, apenas com o

intuito de levantar alguns questionamentos advindos das considerações percebidas na análise

anterior.

Se não há erros de doutrina nos documentos estudados, então que outro fator

poderia ter desencadeado o processo contra Prisciliano?

Jacques Le Goff (2002, p.227) explica que a organização da Igreja do Ocidente

reproduziu os principais elementos da estrutura política imperial, pois ela era governada por

bispos que exerciam uma autoridade espiritual e administrativa sobre todos os cristãos que

viviam em sua jurisdição. Por exemplo, quando ocorria insucesso para barrar o monasticismo,

como foi o caso de São Martinho de Tours, em 370, os bispos manifestavam abertamente sua

desaprovação e seu desgosto.

Acreditamos que no caso de Prisciliano não ocorra essa problemática

propriamente, mas sim, a luta pessoal de manutenção de poder por parte de Idácio de Mérida

e Itácio de Ossonoba. Pelo menos é essa a impressão que foi possível perceber na análise dos

Tratados, principalmente no Livro ao bispo Dámaso (Tratado II).

Enfim, estas são questões que poderemos verificar ao longo da análise ou

discussão de cada um dos Tratados nesta etapa do desenvolvimento de nosso trabalho.

Percebe-se já no Tratado I, § primeiro, que o bispo de Ávila declara haver

agitação nas Igrejas e sua conduta é difamada:

Embora nossa fé se ache livre para seguir o caminho a Deus daordenação católica, embora , posto que agitada pela difamaçãofica melhor provada quando se pressiona, vimos que seriaglorioso para nós, beatíssimos sacerdotes, por mais que a

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consciência não nos aflija e ainda quando, expondo nossa fé emfreqüentes livros, temos condenado os dogmas de todos oshereges. (...) não calar tão pouco agora, posto que assim o quereise que é o que nos haveis ordenado (Tratado I, p.35).

Quanto a estas informações, cabe-nos refletir sobre como se dá o início do

processo contra Prisciliano.

No Tratado II, está presente a seguinte afirmação a respeito de Idácio:

Porém para que saiba tua venerável coroa de onde surgiu o dolo desua cólera, seu furor, viajando por toda cidade, chegou inclusive nasIgrejas: ao voltar do Sínodo, foi constituído réu em meio à igreja eseu presbítero solicitou-o num tribunal eclesiástico. Poucos diasdepois alguns entregaram em nossas Igrejas um panfleto no qual sejogava na cara acusações piores que as que lhe havia lançado opresbítero anteriormente. Muitos se apartaram de seus clérigos,afirmando que não comungariam se não se purificasse o sacerdote(Tratado II, p. 57).

Esta afirmativa nos leva a pensar que antes de qualquer acusação ou suspeita

contra Prisciliano, o próprio Idácio era suspeito de atitudes inadequadas a um sacerdote, o que

também denota uma estranheza no comportamento dos clérigos pertencentes a sua diocese,

pois aceitando a mudança na direção das acusações, pedem a purificação do sacerdote. Ainda

que fosse uma postura que parecesse próxima a uma heresia novaciana, Idácio não foi

indagado a esse respeito.

Motivos para que Idácio se revoltasse havia, pois Prisciliano declara ter escrito

livros e cartas e feito exortações nas Igrejas, conforme constam nos trechos a seguir:

(...) no concílio episcopal que teve lugar em saragoça, ninguém entrenós foi tido por réu, ninguém foi acusado (...) ninguém tevenecessidade de apresentar-se, nem sequer fomos convidados. Idácioapresentou ali, não sei que “conmonitorio” que assinalava as regras,por assim dizê-lo, de conduzir a vida.(...) Porém nós, emboraestivéssemos ausentes dali, sempre advertimos nas Igrejas e seguimosadvertindo que se condenem, em nome do amor e de uma vida

65

irrepreensível e cristã, os maus costumes , as normas indecorosas deviver, tudo o que rivalize com a fé de Deus Cristo (Tratado II, p. 54,55).(...) porque nenhum de nós que tenha escrito um livro pôde perceberaté o momento presente, nem o acusador de uma vida censurável, nemo juiz, ainda quando a mácula nem sempre caia sobre os culpados, esim, em algumas ocasiões, sobre os pacíficos (Tratado II, p.54).(...) Depois nós, reunidos, entregamos aos bispos Higino e Simpósio,cuja vida tu conheces, uma carta com o seguinte texto: tudo se viuperturbado de repente; convinha ver de que maneira podia durar umreparo de paz entre as Igrejas (Tratado II, p. 57).

Vale lembrar que Idácio, já no primeiro momento, buscou o poder civil, sem antes

procurar consenso entre seus iguais como era o costume na época.

Posteriormente, quando Prisciliano consegue o rescrito de restituição de suas

Igrejas, obtido através de Macedônio, magister officiorum de Graciano, antes havia recorrido

ao bispo Dámaso de Roma e à Ambrósio, bispo de Milão, sem que fosse recebido. Somente

depois, apela às autoridades civis.

(...) O rescrito dizia, para expressá-lo com suas próprias palavras:“no que toca aos laicos, se Idácio lhes resultava suspeitoso, erasuficiente apenas testificar a profecia católica; além disso, haveria decelebrar-se um concílio pela paz das Igrejas; por outro lado, noSínodo de Saragoça não havia sido condenado ninguém” (Tratado II,p.57, 58).

3.1 Características particulares dos três primeiros Tratados.

Entendemos que os três primeiros Tratados são, ao mesmo tempo, uma

confissão de fé e um texto apologético construído com o objetivo instrumental de defesa

em relação às acusações desencadeadas após o Concílio de Saragoça, em 380. Observando

que são estes, os Tratados que apresentam o caráter político do processo de perseguição e

condenação de Prisciliano.

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Como confissão de fé, encontram-se as seguintes frases:

Assim pois, ainda que a vossa vista está toda nossa vida e embora,instalados na luz da fé, não assediamos ninguém escondido pararelações tenebrosas, no entanto, não evitamos esta segundaconfissão, para satisfazer aos que ainda nos desconhecem, nãonos negando a “mostrar com a boca o que cremos com ocoração” (cf. Rom. 10,10).(Tratado I, p.35, 36).

Ou então:

(...) posto que quereis que vá passo a passo na exposição de nossacrença, segundo o exemplo de Deus, o qual, havendo mostrado comsuas obras quem era, quis no entanto, ouvir de seus discípulos quemera ou quem acreditavam que era.; uma vez que quereis que prove oque já conheceis, lhes peço desculpas, se ao afirmar nossa fé ou aodestruir o que o erro dos infiéis insinua para perverter os corações,falamos em excesso (Tratado I, p.37).

Tais confissões representam instrumentos de defesa, porque demonstram a

necessidade de condenar as heresias, e ao mesmo tempo, no discurso são utilizadas citações

bíblicas para afirmar o contrário daquilo que o acusam, “não nos negando a mostrar com a

boca o que cremos com o coração” (cf. Rom. 10,10), ou defesa pessoal “não assediamos

ninguém escondido para relações tenebrosas”, ou ainda “lhes peço desculpas, se ao afirmar

nossa fé ou ao destruir o que o erro dos infiéis insinua para perverter os corações, falamos

em excesso”. O não assédio e o pedido de desculpas justifica a citação paulina, visto que a

defesa é feita com o intuito de anular a idéia de práticas entendidas como maniqueístas ou

gnósticas na mentalidade daqueles que construíam a ideologia cristã e a incipiente dogmática

católica.

Quando o bispo se refere a uma segunda confissão no Tratado I, entendemos que

quer deixar clara a sua atitude de buscar primeiro a seus pares, os bispos e que a segunda

confissão está dirigida ao Imperador Graciano no Tratado Apologético.

67

Também estão presentes outros elementos de defesa que insinuam fatores

políticos, como a desmoralização do indivíduo, ou a disputa por uma diocese, que não

sabemos ainda em que medida poderia interessar aos bispos de Mérida e Ossonoba, visto que

Prisciliano era ainda um laico. Em 380, assumiu o bispado de Ávila, tão logo as descensões

tornaram-se acirradas após o Concílio de Saragoça, o que exigiria uma defesa mais direta.

Isso pode ser demonstrado no trecho:

Pois a culpa é daqueles que, mentindo em demasia contra os homensde Cristo, provocaram que haveríamos de rechaçar o que se joga nacara eles mesmos.(...) Assim pois, que ninguém impute em nossa contaa compreensão de sua própria perversidade, nós confessamos o quecremos (Tratado I, p.37, 41).

No Tratado II, encontram-se as seguintes frases:

(...) já que obrigam as circunstâncias que nos tem imposto a injustiçalevantada por meio do bispo Idácio (...) a confessamos para asalvação de todos os que foram postos em escândalo pela falsidadedas palavras (...) eleitos já alguns para Deus nas Igrejas, e os outrosesforçando-se na vida para ser elegidos, vivíamos na tranqüilidade dapaz católica (Tratado II, p.53-54).

As “circunstâncias” as quais se refere o bispo de Ávila estão relacionadas ao

rescrito do Imperador Graciano, expulsando os hereges, não apenas das suas Igrejas, mas de

toda a terra. Por isso, quando faz a confissão de fé para “a salvação de todos os que foram

postos em escândalo”, ele se refere não apenas aos bispos Instâncio e Salviano, mas também

aos laicos que seguiam a mesma ascese professada por eles e argumenta que as acusações são

falsas, pois “esforçando-se na vida” ‘irrepreensível’ da paz católica dentro da ortodoxia,

pretendiam ser eleitos.

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Para justificar a narrativa dirigida ao Papa Dámaso, está claro no discurso de

Prisciliano, no Tratado II, a presença de atitudes de interesse político, diplomático ou ainda de

manutenção de poder. Nesse período já se esboça a idéia do primado romano.

(...) ainda que sempre tivemos um papel paciente e nosso afã tem sidosustentar mais que atacar as pessoas, nos alegramos que osacontecimentos tenham virado de tal maneira que venhamos declarartambém aquilo que cremos ante ti, que és o maior de todos nós e quenutrido pelas experiências da vida, legaste sob a exortação do beatoPedro, a glória da sede apostólica (...) (Tratado II, p.53).

Após exortar a respeito das várias heresias e anatematizá-las, Prisciliano declara

que há uma acusação contra ele, de uma heresia ainda não conhecida:

Diante disso, uma leitura de Idácio trouxe a nossos ouvidos uma novaacusação, um sacrilégio condenável, já não pela sua execução, masinclusive por expressá-la, e que até agora não havia sido apresentadaem nenhuma personalidade herética, segundo o qual, havia anecessidade de expiar ou consagrar com encantamentos mágicos ogosto das primícias dos frutos e a essência do maldito ao Sol e a Lua,juntos com os quais desapareceria aquele (Tratado I, p.46).

Este fato, transfere a questão que num primeiro momento trata-se de divergências

religiosas para o âmbito político. Pois, “consagrar com encantamentos mágicos” é uma

transgressão jurídica, um crime que conta com respaldo legal: (Cf. Decreto de Diocleciano de

297 e Cód. Theod.,IX, 1, 5) por se caracterizar um risco ao bem público.

(...) haveria de se conceder crédito a confissão prestada, e o mesmoque a dedicação do sacerdócio se acha no sacerdote, a eleição deuma candidatura depende do povo. Aquele, a partir desse momento,levanta falsas pregações, mescla de mentiras a verdade dos fatos e,dissimulando nossos nomes, solicita um rescrito contra os pseudobispos e maniqueus, que naturalmente consegue, posto que tudo o quese ouvia dos pseudo bispos e maniqueus, se odiava (Tratado II, p.58,59).

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As questões colocadas acima nos levam a indagar várias possibilidades:

a) Como as questões de heresia eram resolvidas no século IV?

b) Se Prisciliano era um herege, porque foi condenado pelo braço secular?

c) Se existia heresia em seus Tratado por que houve a necessidade da acusação ser

transferida para o âmbito político?

d) Por que Idácio se abstém do papel de acusador no final do processo?

3.2 Exemplo de Atanásio condenado e restituído pela Igreja na 1ª metade do século IV.

Essa prática já havia tido seu exemplar em 335, quando Atanásio de Alexandria,

condenado pelo Concílio de Tiro, foge para Constantinopla e apela ao Imperador como

relataremos posteriormente.

É neste sentido que procuramos em nossa análise colocar o autor em seu contexto.

O discurso parece indicar uma disputa ou dissensão comum para a época se considerarmos,

por exemplo, as disputas entre Atanásio de Alexandria e Eusébio de Nicomédia na contenda

ariana. Podemos lembrar que no concílio de Tiro, os acusadores de Atanásio, segundo Lhorca

e Villoslada, (1960), eram egípcios. Talvez esta seja uma questão importante, sendo o

discurso antipriscilianista análogo quando põe-se em destaque a origem ideológica de

Prisciliano vinda do Egito.

Atanásio também recorreu ao Imperador quando condenado no concílio de Tiro,

acusado de crimes políticos e religiosos, tais como guardar o trigo destinado para

Constantinopla retendo-o no Egito, quebrar o cálice e destruir o altar de Isquiras e matar o

bispo Arsênio fazendo magia com seu cadáver.

Sobre o cálice e o altar, foi reconhecida a inocência de Atanásio e o suposto

cadáver foi descoberto e apresentado ao concílio com as duas mãos, mas ainda assim sua

70

condenação foi decretada. Atanásio fugiu, dirigindo-se a Constantinopla para pedir auxilio ao

então Imperador Constantino. Este chamou os bispos à capital para um novo julgamento, no

qual os arianos apresentaram apenas as acusações políticas, pedindo sua condenação e pena

de desterro para Tréveris na Alemanha.

Atanásio também enviou uma delegação à Roma para se defender das acusações

de Eusébio, uma vez que este queria a todo custo afastar Atanásio de Alexandria e dominar

todo o Oriente com a fé ariana. Discurso que soa muito mais disputa de poder que defesa de

fé, e dizemos isto, porque algum tempo depois, quando morre Constâncio o bispo volta do

exílio e conquista no Concílio de 338 a anulação da condenação de Tiro e o apoio dos

egípcios. No concílio de Antioquia, em 341, ele é novamente condenado.

A reconciliação de Atanásio com a Igreja ocorre em 340, no Concílio de Roma,

quando foram analisados os documentos de Tiro e Atanásio pôde apresentar sua defesa.

Deram-se conta que a sua deposição foi o resultado de uma odiosamaquinação e que a eleição de seu sucessor tinha sido feita comdesprezo de todas as regras canônicas (FICHE e MARTIN, 1941,p.120).

Eusébio, que em 339 estava à frente da Sé de Constantinopla, organizou um

Concílio em Antioquia no ano de 341 e fez condenar Atanásio pela terceira vez.

O concílio de Sárdica voltou a promulgar o símbolo de Nicéia e a reabilitar

Atanásio, regressando ao Egito em 346 e reorganizando a cristandade do Egito.

A história de Santo Atanásio demonstra que uma crise de fé pode ser provocada

por determinados bispos, pois formavam algo semelhante a um poderoso partido, sendo

detentores do poder da Igreja. Portanto, pareciam ser comuns as disputas entre bispos para

obter a sede de um determinado bispado já na primeira metade do século IV.

71

3.3 Acusação de magia atrelada a questão maniqueísta se dá no âmbito político ou

religioso?

Se existia heresia nos Tratados de Prisciliano, porque houve a necessidade de

transferir a acusação para o âmbito político, cuja acusação de maniqueísmo seria a única

possível para levar um sujeito à condenação capital e prevista pelo código civil da época?

Segundo Prisciliano, a partir do momento que foi eleito bispo, Idácio ,

(...) mais temeroso do que convinha, levanta falsas pregações, mesclade mentiras a verdade dos fatos e dissimulando nosso nome , solicitaum rescrito contra os pseudobispos e maniqueus (...) (Tratado II,p.58).

Sulpício Severo confirma o fato de Idácio estar mais temeroso do que

convinha. (SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.130)

Prisciliano demonstra estar ciente disso, porque se mune de argumentos

sustentados pelo embasamento da Escritura Sagrada:

Quem leu, apresentou, acreditou, fez, teve e induziu isto, sejaanátema maranata; e deve ser perseguido com a espada, porqueestá escrito: “não deixeis viver aos encantadores” (Êxodos 22,18)(Tratado I, p.46).

Se Prisciliano era um herege, conforme a literatura anti-priscilianista construída

nos séculos V a VIII afirma, porque ele foi condenado por práticas mágicas?

Este fato sustenta a necessidade de diferenciar o momento histórico que

compreende o início do processo contra Prisciliano do momento em que a Igreja constrói seus

dogmas através dos Concílios, instrumento utilizado para caracterizar o priscilianismo como

seita herética a partir do ano 400 d.C.

72

Além disso, há outro indício que geralmente não é citado na literatura

Priscilianista da época, com exceção de Sulpício Severo: o fato do bispo de Mérida ser

acusado pelo seu presbítero, e ser solicitado num tribunal eclesiástico. Dias depois,

entregaram nas Igrejas uns panfletos com acusações piores que àquelas lançadas por seu

presbítero anteriormente. Muitos se apartaram de seus clérigos, afirmando não comungar com

ele se não fosse purificado o sacerdote. (Tratado II, p.57)

Também não há referências na historiografia anti-priscilianista contemporânea, a

respeito da perseguição que Idácio sofreu, após o momento que o bispo de Ávila e seu

companheiros restituem suas Igrejas, a não ser, Henry Chadwick (1978, p.54, 55) no capítulo

sobre “o aprendiz de bruxo” e Abílio Barbero, quando traz a problemática priscilianista para o

âmbito social. Segundo Abílio Barbero (1986, p.86), Idácio foi perseguido pelo procônsul

Volvêncio, por perturbar a ordem e a paz na Hispânia.

O motivo dessa perseguição a Idácio não fica claro, porque Sulpício Severo

quando se refere a acusação de perturbar a paz na Hispânia, fala de Itácio de Ossonoba. Além

disso, também afirma que foi Itácio que se retirou do processo no final do julgamento de

Prisciliano.

3.4 Se o principal acusador era Idácio, bispo de Mérida, porque ele se retirou do

processo?

Segundo Sulpício Severo (1987, p.128, 129), Volvêncio foi subornado pelos

“hereges” priscilianistas para devolver-lhes as Igrejas sem nenhum enfrentamento e ainda a

perseguir Itácio, depois de haver subornado o magister officiorum Macedônio em Milão.

Devido a reflexão feita anteriormente, devemos observar que Idácio foi acusado

pelo presbítero de sua Igreja antes de qualquer censura aos priscilianistas.

73

Nos Tratados, Prisciliano relata que quando Idácio regressou do Sínodo de

Saragoça, não havia nenhum mal entendido entre eles, como afirma o Livro ao Papa Dámaso:

(...) regressou Idácio do Sínodo de Saragoça, não portando nadacontra nós, como é natural, posto que havíamos nos despedidoquando comungávamos com ele em nossas Igrejas e quando ninguémhavia nos condenado, nem se quer ausentes, prévia acusação (TratadoII, p.57).

A questão colocada a respeito da retirada de Idácio na última etapa do processo

contra Prisciliano se fundamenta também na seguinte redação do mesmo Tratado:

No entanto, que ninguém condene a base de aprovar tudo o queIdácio tem apresentado nas cartas que enviou, e que se atenhaexclusivamente à obrigação de provar a acusação. Deixe de temerque se converta ele em réu, porque nenhum de nós o acusa (TratadoII, p.61).

Podemos deduzir que o procedimento do bispo de Mérida não tenha sido

adequado a quem não tivesse nada a temer partindo de informações retiradas dos Tratados e

que são confirmados pela historiografia contemporânea a Prisciliano, como é o caso de

Sulpício Severo (p.126: 47), e pela historiografia recente, representada aqui por Abílio

Barbero (1986, p.85). Pois Idácio levou a acusação diretamente para o braço secular nas duas

circunstâncias em que se viu suspeito. Primeiro, conseguindo um rescrito do Imperador

Graciano ordenando não só que os “herético” saíssem das Igrejas ou cidades, mas que fossem

expulsos de todas as terras. Segundo, Itácio apelando ao Imperador Máximo, quando este

chega a Tréveris, cidade para onde tinha fugido, quando da denúncia de Volvêncio, Itácio

acumula suas súplicas de ódio e acusações contra Prisciliano e seus companheiros. Máximo

envia uma carta ao prefeito das Gálias e para o vigário das Hispânias ordenando que todos os

implicados naquela praga compareçam ao Sínodo de Bourdeaux. Assim que os implicados

74

foram levados ante o rei, os acusadores Idácio de Mérida e Itácio de Ossonoba36, também se

apresentaram.

Sulpício Severo comenta que:

(...) os bispos Idácio e Itácio cujo afã por desterrar os hereges nãocensuraria, se não tivessem lutado além do conveniente levados doafã de vencer. E é desde logo minha opinião desautorizar tanto osréus como os acusadores; declaro que Itácio não era homem sério,nem responsável em absoluto (...) (SULPÍCIO SEVERO, p.130: 50, 1-2).

Ainda que, a Sulpício não agrade nem os réus, nem os acusadores, ele deixa

entrever que neste processo havia implicações extra-eclesiásticas, pois no ítem anterior de sua

Crônica, ele comenta a seguinte questão:

Quanto a Prisciliano ter recorrido ao Imperador para que seu casonão se visse ante os bispos. E se consentiu nisso devido a debilidadedos nossos que poderiam ditar sentença inclusive em rebeldia ou, seeram considerados suspeitosos, deveria reservar o caso a outrosbispos, porém, não ceder ao Imperador a jurisdição sobre delitos tãoclaros (SULPÍCIO SEVERO, p.130: 49, 9)

Para Sulpício era clara a questão em juízo, pois competia à justiça eclesiástica as

decisões referentes a religião. É justamente nesta problemática que está inserida nossa

questão. Isto nos remete a análise do capítulo anterior e concorda com a historiografia sobre

Prisciliano, de que não há erros doutrinais na prática ascética do bispo de Ávila. Portanto,

deve haver alguma implicação política de manutenção do poder por parte dos acusadores e

por isso questionamos a retirada de Itácio no papel de acusador do grupo priscilianista.

Sulpício segue narrando que Martinho, bispo de Tour, estando em Tréveris, não

deixa de pressionar Itácio dizendo-lhe que desista da acusação e de rogar a Máximo que não

36 Cidade que corresponde a Estoi, próximo a Faro, no Algarve.

75

decrete a morte de uns infelizes. Seria suficiente aos “hereges” um julgamento de acordo com

as normas dos bispos, sendo expulsos de suas Igrejas. (SULPÍCIO SEVERO, p.131: 50, 5)

Se a causa era religiosa e levada ao braço secular para ser resolvida, constitui por

si só, uma irregularidade, mas como a querela não se sustentaria como heresia, provavelmente

Idácio e Itácio já o sabia desde o inicio do processo, haveria a necessidade de transferi-la a

justiça civil com argumentos que afetassem a ordem social por meio da indisciplina moral,

como é o caso das práticas mágicas (ciências obscenas), maleficium e reuniões noturnas das

quais dependeram sua condenação.

Mais curiosa é a substituição de Itácio por um advogado do fisco na tarefa de

acusador na última etapa desse processo, conforme narra Sulpício:

Ademais, Itácio vendo que mal ambiente teria entre os bispos semantivesse a tarefa de acusador também nos últimos trâmites dojuízo, se retira do processo uma vez cometido o crime com astúcia vã.(SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.131: 51, 1)

Segundo Barbero (1986, p.88), a retirada de Itácio da segunda parte do juízo é um

indício importante do ponto de vista jurídico. Itácio devia ter levado a acusação até o final,

sob pena de ser convicto dos mesmos crimes que acusava Prisciliano.

Além disso, afirma Sulpício:

(...) homens que mereciam viver foram executados ou exiladossedimentando um nefasto precedente. Este que a princípio sejustificou baseando-se na legalidade do juízo e na honra dacomunidade, depois ao ver-se Itácio angustiado pelos insultos(absolvido numa primeira ação de escassa autoridade) e finalmenteacusado abertamente, (foi finalmente acusado seriamente) sendoexpulso do bispado (SULPÍCIO SEVERO, 1987, p.132: 51, 5)

76

3.5 Significado do termo “religião” para Prisciliano

Este termo, em seu discurso ao longo dos Tratados, é distinto daquele que

defende no sentido de religiosidade, ascese. Trata-se de uma questão institucional, portanto

tem significado político como é demonstrado no final do primeiro Tratado.

E portanto, beatíssimos sacerdotes, se considerais que é dadosatisfação a Deus e a vós, uma vez condenadas as heresias e osdogmas, e dado passagem livre a afirmação da fé, absolve-nos,dando testemunho da verdade, do ódio da degradação malévola;comungando a vossos irmãos e curada as vexações das palavrasdos maledicentes, posto que o fruto da vida é ser bem visto poraqueles que buscam a fé da verdade, não por aqueles que, com opretexto da religião perseguem inimizades pessoais (Tratado I,p.51).

Parece ter a mesma conotação no Tratado sobre a fé e os apócrifos, no qual

defende a leitura extra-canônica cujo testemunho cumpre a fé da palavra canônica:

(...) que nos perdoe se preferimos ser condenados com os profetas deDeus a condenar as coisas de religião junto com aqueles que asolham com receio (Tratado III, p.65).

A crítica feita por Prisciliano também é institucional quando recusa o método de

seleção imposto pela hierarquia a respeito dos textos canônicos e apócrifos, motivo pelo qual

o bispo poderia causar problemas com a insistência do uso daquela leitura.

77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tinha razão Mário Martins, em 1950, ao dizer que a história de Prisciliano já

estava feita. A própria documentação já a registrara.

Cabe ao historiador trazer este fato ao conhecimento. O ofício do historiador é

resgatar essa história com o intuito de aparar as arestas do entendimento e trazer novas

possibilidades de compreensão, uma vez que esta documentação apresenta conflitos ou causas

ainda não esclarecidas, por apresentar propósitos ou conseqüências duvidosas. Ou ainda por

suscitar debates vigorosos pela historiografia contemporânea.

Na mentalidade da época considerava-se os hereges inimigos da Igreja oficial e

também inimigos do Estado. As acusações de heresia eram acompanhadas de argumentos e

fundamentada na idéia de que estes indivíduos eram anti-sociais, perigosos para o Estado e

para a sociedade.

Além disso, foi construída uma legislação onde os heterodoxos não podiam gozar

dos privilégios concedidos à Igreja estatal (Cod., Theod., XI, 1; XVI, 2, 8: 10), e se

encontravam submetidos a diversas limitações jurídicas tais como a liberdade de reunião, o

direito a testar e ao desempenho de determinadas funções públicas.(Cod., Theod. XVI, 2, 2).

Abílio Barbero (1986, p.97) explica que após a execução de Prisciliano e a

configuração do priscilianismo como seita herética a partir do I Concílio de Toledo (400

d.C.), esta seita foi mencionada cinco vezes na legislação romana entre o ano 407 e 428. (Cod.

Theod.,XVI, 5, 40; XVI, 5, 43; XVI, 5, 48; XVI, 5, 59; XVI, 5, 65)

Neste artigo de Barbero são trazidas as questões priscilianistas analisadas como

movimento religioso de caráter social, afirmando que:

(...) O legislador civil ao equiparar ou confundir as diversas seitas, ofazia não por suas afinidades dogmáticas, mas por seus análogosefeitos sociais (BARBERO, 1986, p.97).

78

Verificando a historiografia, exemplificada aqui por Villoslada (1979, p.258),

embora considerando o caráter anti-priscilianista tendencioso na reprovação em ver o

priscilianismo como movimento social, concordamos com ele quando diz que este movimento

não pode ser considerado apenas como um fenômeno social.

Consideramos que além de um movimento social desenvolvido após o decreto da

condenação de Prisciliano, desencadeou-se um fenômeno político tanto no que se refere ao

momento do processo jurídico, quanto a postura da Instituição Igreja na construção da

ideologia anti-priscilianista configurada nos Concílios Hispano-visigóticos dos séculos V ao

VII.

Com relação à religiosidade de Prisciliano e seus companheiros, só podemos dizer

que o caráter ascético rigoroso advém de uma tendência regional do noroeste hispânico, em

que a exegese praticada pelo bispo de Ávila se adequava a uma corrente de pensamento

orientalizada, como resultado de uma cristianização primitiva nazarena (tiaguista), em

contradição com a tendência estabelecida pela exegese paulina praticada nas regiões mais

romanizadas da Hispânia.

Percebe-se nas fontes consultadas, afirmações que demonstram a presença de uma

evangelização palestina ainda antes do final do século I nas Gálias, onde a influência de Paulo

não parecia haver chegado, além disso nesta região o esquema de pensamento era muito mais

semítico do que grego. Desta forma, também não podemos desconsiderar as referências que

Paulo faz sobre a vida de Jesus. Por exemplo: para Paulo, Cristo é um ser celeste, um Deus

mistérico, sua morte e sua ressurreição se situam fora do espaço e do tempo e seu suplício é o

efeito de poderes demoníacos. (SIMON e BENOIT, 1972, p. 58, 161)

Esta concepção está presente no ideário de Prisciliano como podemos verificar no

Tratado I, (p. 43, 47-48), e Principalmente no Tratado VI, (p. 87, 90).

79

A aproximação dessas idéia com o esforço de interpretação paulina efetuada por

Prisciliano, sustenta nossa perspectiva ao que se refere à defesa da ortodoxia encontrada nos

Tratados. Tanto que a linguagem com a qual Prisciliano justifica sua profissão de fé

identifica-se com a linguagem paulina, principalmente a respeito da humanidade de Cristo,

sem a qual o cristianismo não teria se sustentado, uma vez que ele é a única religião que

possui um Deus vivo.

A hipótese de uma cristianização orientalizada (nazarena), na região onde houve

interferência acética priscilianista, também está assentada no princípio de que deve ser

considerada a tradição oral, na qual a tradição dos apóstolos representavam eco e os

evangelhos significam a sua configuração escrita.

A tradição bíblica estabelece um elo entre Paulo e os primeiros discípulos de

Jesus, no entanto, Paulo se preocupou em afirmar sua autonomia com relação aos palestinos

gerando algumas divergências entre fé e obra, e entre observância rigorosa ou amena, dos

preceitos cristãos.

A construção da hierarquia eclesiástica também causou estranhamento entre

doutrinas orientais e ocidentais, como atestam os documentos. Mas os limites entre ortodoxia

e heresia no século IV eram tão tênues, que justifica o esforço de análise minuciosa.

80

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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