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Princípios, diretrizes e recomendações para uma atenção integral aos homens na saúde Apoio Ministério da Saúde THE FOR FOUNDATION (Fundação Ford)

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Princípios, diretrizes e recomendações para uma

atenção integral aos homens na saúde

Apoio

Ministérioda Saúde

THE FOR FOUNDATION(Fundação Ford)

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Coordenação do projeto: Mariana Azevedo, Benedito Medrado e Maristela Moraes

Coordenação editorial: Benedito Medrado

Autores: Benedito Medrado, Jorge Lyra, Mariana Azevedo, Edna Granja e Sirley Vieira.

Colaboração: Alexandre Franca Barreto; Ana Roberta Oliveira, Cláudio Pedrosa; Daniel Costa Lima; Fernanda Simião; Giselle Nanes dos Santos; Jéssica Macedo; Márcio Valente, Marcos Nascimento e Maristela Moraes.

Projeto gráfico: Quadro a Quadro (www.qaqmultimidia.com)

Diagramação: Turla Alquete

_______________________________________________________________________________________

P 954 Princípios, diretrizes e recomendações para uma atenção integral aos homens na saúde./ Benedito Medrado, Jorge Lyra, Mariana Azevedo, Edna Granja e Sirley Vieira. Recife: Instituto PAPAI, 2009.

60p.

Bibliografia

1. Saúde. 2. Saúde do Homem. 3. Atenção integral na Saúde. 4. Masculinidades. 5. Feminismo. I. MEDRADO, Benedito. II. LYRA, Jorge. III. AZEVEDO, Mariana. IV. GRANJA, Edna. VIEIRA, Sirley. V. Título.

CDU 159. 938.363.6_______________________________________________________________________________________Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto PAPAIBibliotecário: Thiago Rocha (CRB 4-1493)

Os direitos autorais deste produto pertencem ao Instituto PAPAI; recomendamos a reprodução do seu conteúdo, desde que citadas as fontes.

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SUMÁRIO

PRIMEIRAS PALAVRAS

Uma política em formulação

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

“O outro lado da moeda”

PRINCÍPIOS

Nem ponto de partida, nem de chegada.

De categoria genérica à categoria de gênero

Homens e masculinidades: sempre no plural

Da especificidade à integralidade

O feminismo mudou a vida dos homens

DIRETRIZES

RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES E SERVIÇOS DE SAÚDE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

07

13

17

27

31

33

35

36

37

39

43

51

57

ATENÇÃOAs páginas em branco da versão impressa deste documento foram

excluídas da versão em PDF. Contudo, para padronizar a citação,

mantivemos aqui a mesma numeração da versão impressa.

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Caro leitor/ Cara leitora,

Esta publicação apresenta um conjunto de idéias, argumentos e

informações sobre atenção integral aos homens na saúde. Mas, o que é

saúde? Entre as várias formulações que se pode fazer sobre o conceito de

saúde, a mais importante é aquela que a define como um direito de

todos/as. Ao mesmo tempo, a saúde é um direito de todos e dever do

Estado. É assim que se expressa nossa Constituição Federal (1988), a

qual deu sustentação à construção, em 1989, dos princípios e diretrizes

do Sistema Único de Saúde (SUS), fruto de uma intensa mobilização

pública e participação cidadã.

O SUS é considerado hoje uma das maiores políticas sociais do país e um

dos sistemas de saúde mais bem elaborados do mundo. Porém, desde

seu lançamento, ele enfrenta os mais variados desafios para sua plena

implementação. Isto não significa que o projeto político do SUS esteja

equivocado, mas sim que as mudanças por ele propostas não são apenas

“de fachada”; são mudanças estruturais que, para se concretizarem,

demandam tempo, muita disposição e mobilização política por parte dos

profissionais, dos gestores e da própria população.

Como conseqüência desse novo modelo de atenção à saúde, o conceito

foi ampliado, não sendo mais visto apenas como o oposto de doença. A

função dos serviços de saúde também deixou de ser apenas o de cuidar

das pessoas quando elas adoecem. A promoção da saúde e a atenção

básica tornaram-se campos prioritários para promover a equidade e a

integralidade em saúde.

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No debate sobre a formulação e implementação do SUS, as discussões

sobre gênero e sobre o lugar (simbólico e material) que as mulheres

ocupam na sociedade têm tido grande relevância, especialmente a partir

da ação política dos movimentos de mulheres e feministas. Sem equidade

de gênero não há saúde. Para alcançarmos a igualdade de direitos entre

homens e mulheres, é preciso corrigir desigualdades. Um dos caminhos é

o reconhecimento das mulheres como cidadãs e a ressignificação daquilo

que é culturalmente definido como feminino.

Aliado a isso, é preciso também envolver homens em reflexões e ações

que possam promover uma ruptura com padrões culturais fortemente

arraigados nas práticas dos profissionais de saúde e na definição de

políticas públicas.

Em geral, as mulheres são educadas para cuidar dos outros, e não de si

próprias. Os homens, por sua vez, não são educados, comumente, para

cuidar nem de si, nem dos outros. Simbolicamente, o feminino ainda está

fortemente associado ao cuidado e à fragilidade e o masculino, ao poder

e à violência.

Como conseqüência, por um lado, temos a manutenção da desigualdade

de poder na relação entre homens e outros homens e entre homens e

mulheres. Por outro, que os homens brasileiros continuam vivendo menos

que as mulheres e adoecendo ou morrendo, especialmente por “causas

externas” (que incluem a violência, acidentes de trânsito, entre outros) e

não apenas por câncer de próstata ou de pênis.

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No fundo, o principal problema de saúde para os homens é o próprio

machismo. Isso se agrava quando fazemos recortes de raça,

idade/geração e/ou condição sócio-econômica. Na próxima seção, deste

documento apresentamos informações e análises a este respeito.

Desde a segunda metade da década de 1990, diversos estudos têm

enfatizado o baixo acesso dos homens aos serviços e ações de atenção

básica à saúde. Ao mesmo tempo, os serviços de saúde acabam

contribuindo, de forma direta ou indireta, para manter os homens distantes

(ou afastá-los): quando não oferecem serviços que possam incluí-los (ou

incluí-los de maneira amigável em serviços já existentes); quando não

reconhecem suas demandas e necessidades; ou quando os vêem como

público de difícil acesso ou manejo (“Não adianta oferecer serviços

porque eles não vêm mesmo” ou “Homem não colabora!”).

Nos últimos anos, iniciativas não-governamentais acumularam

conhecimentos no campo do trabalho com homens e/ou sobre

masculinidades e construíram um conjunto consolidado de estratégias de

ação voltadas à população masculina. Porém, estas iniciativas são

limitadas em seu alcance, por duas razões: não contam com amplas

estruturas e também pelo fato de que a implementação de políticas

públicas, em princípio, não é função da sociedade civil, mas sim do

Estado. Essa afirmação não evidencia um descompasso, mas a

possibilidade de trabalharmos todos juntos (sociedade civil e Estado) para

construir uma política de saúde integral.

Assim, esta publicação pretende contribuir para a implementação e a

consolidação de uma Política de Atenção Integral aos Homens na Saúde

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Gênero se refere ao modo como as pessoas e as instituições distribuem o poder em nossa

sociedade, construindo, diferenciando, hierarquizando e atribuindo valores diversos ao

masculino e ao feminino. Isso está presente não apenas na socialização de meninos e meninas

e no cotidiano de homens e mulheres, mas também em símbolos e instituições (trabalho, família,

religião, educação etc.). O machismo é, portanto, uma expressão da desigualdade de gênero

em nossa cultura. A leitura feminista de gênero não se satisfaz em apenas identificar gênero

como uma construção social. Ela busca aliar essa análise à construção de caminhos de

mudança.

12

no Contexto da Atenção Básica, a partir de um olhar posicionado de

sujeitos políticos que desenvolvem ações comunitárias, pesquisas e

controle social sobre as ações do Estado.

Inicialmente, apresentamos um panorama amplo com informações sobre o

adoecimento e morte dos homens. Em seguida, com base em uma leitura

feminista de gênero, apresentamos princípios e diretrizes de ação que

possam apoiar a formulação e implementação de políticas públicas para

atenção integral aos homens na saúde. Por fim, apresentamos, em linhas

gerais, um conjunto de recomendações aos/às gestores/as e aos serviços

de saúde.

Este documento-marco é uma iniciativa do Instituto PAPAI, em parceria

com o Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE) e

a Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG). Nosso objetivo tem

sido desenvolver e divulgar materiais de apoio a jovens promotores/as de

saúde, bem como a educadores/as, profissionais de saúde, de

comunicação, gestores/as de políticas públicas e sociedade em geral que

desejam contribuir para o fortalecimento do SUS como principal

garantidor do acesso ao direito à saúde para toda a população.

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Uma política em formulação...

Em 2007, o Ministério da Saúde do Brasil assumiu o desafio de formular

e implementar uma política específica para atender às especificidades

da população masculina. Assim, em 2008, foi criada a Área Técnica de

Saúde do Homem dentro do Ministério da Saúde. Em 2009, foi aprovada

pelo Conselho Nacional de Saúde a “Política Nacional de Atenção

Integral à Saúde do Homem”.

Estudos em Saúde Pública e Ciências Humanas e Sociais vêm

enfatizando, desde a década de 1990, que as principais causas de

adoecimento e morte da população masculina são classificadas como

causas externas. Em outras palavras, são resultantes do modo como os

homens atuam em sociedade, caracterizado por práticas de risco,

estimuladas e valorizadas a partir de uma base de valores machistas.

Assim, “ser homem” parece sinônimo de aversão a práticas de cuidado

de si e dos outros.

Em linhas gerais, acreditamos que um dos caminhos para implementar,

de modo estrutural, uma política de atenção integral aos homens na

saúde, é aproximar campos políticos estratégicos (saúde da mulher,

saúde do adolescente, atenção básica, saúde da população negra,

saúde mental, LGBT) e promover formação para profissionais a partir de

um enfoque feminista de gênero, buscando compreender os processos

de socialização e a construção de valores em nossa sociedade.

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O texto da Política, porém, apresenta lacunas. Ainda que as seções

denominadas “princípios e diretrizes” apresentem uma leitura mais

complexa do problema, o objetivo geral da política é assim descrito:

“promover a melhoria das condições de saúde da população masculina do Brasil,

contribuindo, de modo efetivo, para a redução da morbidade e mortalidade dessa

população, através do enfrentamento racional dos fatores de risco e mediante a

facilitação ao acesso, às ações e aos serviços de assistência integral à saúde”.

Partindo desse objetivo, podemos considerar que a definição de saúde

da população masculina parece ainda atrelada à tradicional oposição à

enfermidade e o sistema de saúde parece ainda restrito à oferta de

serviços.

A ênfase na redução da morbidade e mortalidade demonstra uma

centralidade da Política na oferta de serviços de assistência em

detrimento de ações de promoção da saúde (e, portanto, da

integralidade em saúde - princípio do SUS). Esta centralização na

patologia vem ecoar o senso comum de que a “saúde do homem”

traduz-se em doenças do aparelho geniturinário (como câncer de pênis e

de próstata). A esse respeito, tem-se visto diversas iniciativas locais de

instalação de serviços especializados surgindo em todo o Brasil, bem

como certo discurso público se construindo em torno dessas noções.

Cabe aqui uma pergunta: estaria a Política Nacional de Atenção Integral

à Saúde do Homem contemplando plenamente as necessidades e

demandas fundamentais para promoção da saúde dos homens?

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Além disso, a “estratégia metodológica” de estabelecer um recorte etário

(25-59 anos) e concentrar o debate nas mãos de cinco áreas de

especialidades médicas - (Cardiologia, Urologia, Saúde Mental,

Gastroenterologia e Pneumologia), com base na evidência estatística de

que as enfermidades e os agravos a essa faixa etária estariam

concentrados nessas áreas - põe em risco toda a discussão sobre a

complexidade do problema e é parcial e limitada, porque desconsidera a

importância inegável dos fatores sócio-culturais relacionados com a

morbi-mortalidade por causas externas.

Por exemplo, vários dados sobre morbi-mortalidade da população

masculina (vide seção “Informações e análises” desta publicação), bem

como resultados de pesquisas qualitativas que têm se preocupado em

investigar quais as principais demandas e necessidades dos homens

para os serviços de saúde não refletem este senso comum criado em

torno da questão “saúde do homem”.

Quando analisamos as principais causas de adoecimento e morte dos

homens, especialmente jovens (faixa etária onde há maior

sobremortalidade masculina), percebemos os altos números relativos às

consideradas “causas externas” (que incluem violências, acidentes de

transporte, suicídios etc.). Em outras palavras, são as causas que estão

diretamente ligadas ao modo como os homens tornam-se homens -

associação entre masculinidade, poder e violência.

Em uma sociedade machista como a nossa, os homens são, desde muito

cedo, ensinados a não adotar medidas preventivas ou de cuidado (de si

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ou dos outros), sendo estas consideradas atribuições e obrigações

femininas. Por outro lado e por oposição, os repertórios sobre o que é

“ser homem” estão atrelados ao exercício do poder e de práticas de

risco.

O questionamento sobre a subordinação das mulheres e sobre a 1

heteronormatividade , empreendidos pelos movimentos feminista e

LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), possibilitou

a construção de um campo de debate em torno dos homens e das

masculinidades, tanto na produção acadêmica como na ação militante.

Há mais de 40 anos, os movimentos feministas vêm denunciando os

custos que uma sociedade machista traz para a vida das mulheres. O

movimento LGBT aponta a homofobia como uma expressão do

machismo em nossa cultura. O conhecimento e as experiências públicas

construídas por esses movimentos nos impulsionam a avançar no sentido

de uma revisão profunda sobre privilégios e prejuízos que a cultura

machista tem gerado também para a vida e para a saúde dos homens

É preciso reconhecer que o principal problema para a saúde dos

homens é o próprio machismo, o qual, historicamente, lhe rendeu

vantagens e, na mesma medida, determinou as principais causas de seu

adoecimento e morte... não apenas o adoecimento e morte que atingiram

esses homens, mas também aquelas provocadas por eles, contra outros

homens ou mulheres.

1 Heteronormatividade

é o termo usado para

se referir, em linhas

gerais, às normas

binárias, construídas

socialmente que

tomam a

heterossexualidade

como única referência

ou como indicativo de

normalidade; ou seja,

refere-se às situações

nas quais aquilo que é

considerado fora dos

“padrões

heterossexuais” é

marginalizado,

ignorado ou

perseguido por

práticas sociais,

crenças ou políticas.

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INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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Em 2006, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) publicou um

documento específico que apresenta uma síntese sobre o homem e as

políticas públicas de saúde: Indicadores e Dados Básicos de Saúde - IDB

2006 Brasil (REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÕES PARA A 2SAÚDE, 2007) .

Esta publicação, produzida pela Rede Interagencial de Informações para

a Saúde (RIPSA) – composta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPEA),

Fundação SEADE, e Ministério da Saúde, entre outras instituições –,

informa que hoje, tanto os homens como as mulheres, vivem mais do que

na década de 1980.

Entre 1980 e 2005, a vida média dos homens, por exemplo, passou de

59,7 para 68,4 anos, ou seja, em duas décadas e meia, houve para os

homens um ganho aproximado de dez anos na esperança de vida ao

nascer. Porém, destaca-se que a diferença da expectativa de vida entre

homens e mulheres vem se mantendo, sendo maior para o sexo feminino

desde 1980, com diferença média de aproximadamente sete anos,

conforme mostra o Gráfico 1.

2 Para maiores

informações

consulte o site:

<http://tabnet.datas

us.gov.br/cgi/idb20

06/matriz.htm>.

Acesso em 20

agosto. 2009. Vide

também a tese:

Homens, feminismo

e direitos

reprodutivos no

Brasil: uma análise

de gênero no

campo das

políticas públicas

(2003-2006), de

Jorge Lyra (2009).

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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O IDB 2006 informa que os homens predominam entre os nascidos vivos

(5% a mais de meninos, ao nascer). Todavia, como ilustra o Gráfico 2, os

homens apresentaram, em 2004, sobremortalidade em todas as faixas 3etárias, com exceção do grupo a partir de 80 anos . O excedente de

mortes masculinas é ainda mais acentuado nos grupos etários de 15 a 29

(80%) e de 30 a 39 anos (73%).

3 Observa-se que

no Brasil há uma

população

majoritária de

mulheres com

idade acima de 80

anos, o que pode

justificar a

sobremortalidade

feminina nesta

faixa etária.

GRÁFICO 01 | Esperança de vida ao nascer, segundo sexo - Brasil, 1980-2005

80

70

60

50

40

30

20

10

01980 1991 2000 2005

Masculino Feminino

%

Fonte: Rede Interagencial de Informações para a Saúde (2007) | Nota: a partir de dados do IBGE

GRÁFICO 02 | Percentual de óbitos por sexo, segundo a faixa etária - Brasil 2004

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Fonte: Rede Interagencial de Informações para a Saúde (2007)

Masculino Feminino0 a 4anos

80 anose mais

5 a 14anos

15 a 29anos

30 a 39anos

40 a 59anos

60 a 79anos

%

Nota: a partir de dados do IBGE

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No que se refere aos dados sobre adoecimento (Quadro 1), o IDB 2006

destaca que em 2005, as lesões decorrentes de causas externas

motivaram parcela considerável (28,4%) da hospitalização de homens de

15 a 29 anos. Os transtornos mentais também pesam na hospitalização

de homens jovens e adultos e estão associados ao uso/abuso de álcool

(mais de 1/3 dos casos). Na idade de 30 a 59 anos, foram mais

freqüentes (15,3%) as doenças do aparelho digestivo, superando

ligeiramente as doenças do aparelho circulatório (14,9%) e as causas

externas (14,3%). A partir dos 60 anos, predominaram as doenças dos

aparelhos circulatório (28,6%) e respiratório (18,4%), despontando as

neoplasias como quarta causa de internação (8,8%).

QUADRO 01 | Principais causas de internação hospitalar no SUS em homens, segundo faixas etárias selecionadas - Brasil, 2005

Faixa etária 1.ª causa 2.ª causa 3.ª causa 4.ª causa 5.ª causa

15 a 29

30 a 59

mais de 60

Doenças do aparelhodigestivo (11,9%)

Doenças do aparelhodigestivo (10,9%)

Causas externas (28,4%)

Causas externas (14,3%)

Doenças do aparelhodigestivo (15,3%)

Doenças do aparelhocirculatório (28,6%)

Doenças do aparelhocirculatório (14,9%)

Doenças do aparelhorespiratório (18,4%)

Infecciosas(9,9%)Doenças do aparelho

respiratório (9,8%)

Doenças do aparelhorespiratório (9,3%)

Neoplasias (tumores)(8,8%)

Transtornos mentais(8,2%)

Transtornos mentais(9,0%)

Infecciosas(6,6%)

Fonte: Rede Interagencial de Informações para a Saúde (2007)Nota: a partir de dados do Ministério da Saúde/SAS/SIH-SUSNota: a partir de dados do Ministério da Saúde/SVS/SIM

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No que se refere aos dados sobre mortalidade, como ilustra o Gráfico 3, as

cinco principais causas de morte de homens jovens (15-29 anos) são por

fatores externos (76% dos óbitos totais nessa idade), com destaque para

agressões e acidentes de transporte. Entre os homens adultos (30-59

anos), a distribuição das causas é mais homogênea, preponderando

causas externas (especialmente agressões e acidentes de transporte) e

doenças do aparelho circulatório (doenças do coração e

cerebrovasculares). Entre os homens idosos (mais de 59 anos), as causas

externas não aparecem entre as principais, destacando-se as doenças do

aparelho circulatório, que representam mais de um terço das mortes.

Chama-nos a atenção a significativa diferença entre homens e mulheres no

que se refere às mortes por causas externas (que incluem especialmente

homicídios e acidentes de transporte).

50

45

40

35

30

25

20

15

10

5

0M1

%

M2 M3 M4 M5 M1 M6 M2 M7 M8 M8 M6 M9 M10 M11

15 a 29 anos 30 a 59 anos 60 anos e mais

Causa externasM1 - AgressõesM2 - Acidentes de transporteM3 - Causas externas cuja intenção é indeterninadaM4 - Lesões autoprovocadas voluntariamenteM5 - Afogamentos e submersões acidentais

Doenças do aparelho circulatórioM6 - Doenças isquêmicas do coraçãoM8 - Doenças cerebrovascularesM9 - Outras doenças cardíacas (126-152)

Doenças do aparelho circulatórioM7 - Doenças do fígado

Doenças do aparelho respiratórioM10 - Doenças crônicas das vias aéreas inferioresM11 - Pneumonia

Fonte: Rede Interagencial de Informações para a Saúde (2007)

GRÁFICO 03 | Mortalidade proporcional (%) pelas principais causasno sexo masculino, em faixas etárias selecionadas - Brasil, 2004

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Segundo outra publicação elaborada pela Secretaria de Vigilância em

Saúde do Ministério da Saúde (2006), em 2004 foram notificados -

segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) -

127.470 óbitos por causas externas. Deste número, 107.032 mortes 4

(84%) referiam-se a homens (RIPSA, 2007).

Ao mesmo tempo, de acordo com informações da Secretaria de

Vigilância em Saúde – MS, esse homem atingido por causas externas é

predominantemente de “raça negra” (somando os valores das pessoas

que se auto-declaram de cor/raça parda e preta), em todas as regiões do

país, conforme ilustra o Gráfico 4.

4 As microrregiões

com taxas mais

elevadas se

situam: em áreas

litorâneas do sul da

Bahia até o sul de

São Paulo; no

interior

pernambucano e

noroeste da Bahia;

nos estados de

Mato Grosso do Sul

e de Mato Grosso;

e em áreas de

expansão na

região Norte, como

Roraima e sul do

Pará.

5 Para maiores

informações

consulte o site:

<http://portal.saude

.gov.br/saude/visua

lizar_texto.cfm?idtxt

=24448>.

GRÁFICO 04 | Taxa padronizada de homicídios¹ no sexo masculino, segundo raça/cor auto-referida, por região - Brasil, 2004

120

100

90

60

40

20

0

5Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde – MS/SIM .Nota: ¹Óbitos por 100.000 habitantes.

branca

total cor

parda

negra

preta

N NE SE S C-O Brasil

24,22

45,03

54,81

52,97

34,24

15,91

47,58

54,95

50,94

24,26

47,37

64,38

81,46

86,92

110,69

34,14

35,51

31,69

37,84

56,28

30,11

52,24

68,65

67,16

55,18

37,13

52,88

63,61

64,21

68,3

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Como destaca Maria Inês Barbosa (1998), cabe ao homem negro o maior

ônus de uma sociedade que se organiza a partir da ordem de classe,

gênero e raça, uma vez que este se configura como antítese do modelo

hegemônico. Assim, ela pergunta, em outras palavras: por que o racismo

impede o homem negro de cumprir, de modo pleno, o modelo masculino

desejável? A partir de questionamentos como esse, Luiz Eduardo Batista

(2005), em sua pesquisa sobre Masculinidade, raça/cor e saúde, analisa

registros de óbitos do Estado de São Paulo, referentes a 1999. Segundo

ele, as taxas de mortalidade entre os homens negros são maiores do que

as dos brancos, especialmente na faixa etária entre 15 e 29 anos.

Em suma, as informações em saúde no Brasil, sejam oriundas de

pesquisas epidemiológicas, demográficas ou da sistematização de

dados com o objetivo de produzir subsídios para políticas públicas –

sintetizados, por exemplo, nos Indicadores e Dados Básicos para Saúde

– ressaltam uma preocupação importante em relação às mortes por

causas externas entre homens e nos apresentam um novo sujeito para as

políticas públicas em saúde: o homem, jovem, negro e pobre.

As informações sobre adoecimento e morte dos homens não constituem

necessariamente uma novidade, tendo em vista que têm sido

apresentadas na literatura como uma tendência crônica. Porém, chama a

atenção o fato dessas informações não terem sido ainda incorporadas,

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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25

em sua complexidade, na construção de políticas públicas em saúde no

nosso país.

Na nossa perspectiva, a formulação das políticas públicas em saúde no

Brasil tem tido um olhar parcial para a visibilidade produzida pelas

pesquisas epidemiológicas. Ou seja, as dimensões de gênero e raça,

fortemente evidenciadas nos dados das pesquisas, são sempre referidas

de maneira enfática quando se pensam as políticas públicas em saúde

para a população jovem e pobre. No entanto, percebe-se que as ações

estruturais para a transformação desta condição social são

negligenciadas (LONGHI, 2008). A perspectiva das políticas públicas

para a questão da violência urbana, por exemplo, adota muito mais um

caráter repressivo (expresso no aumento do rigor das leis e

equipamentos de segurança) do que ações de prevenção e promoção

da saúde (que poderiam se estruturar em críticas à cultura machista e a

ressignificação das relações de poder).

Outra dimensão a ser também considerada em nossas análises é no

contexto da educação. O nível de escolaridade das mulheres é hoje mais

alto que dos homens. As mulheres brasileiras já ocupam a maior parte

das matrículas nos diferentes níveis de ensino, com especial destaque

no ensino superior, conforme ilustra o Gráfico 5.

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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GRÁFICO 05 | Distribuição percentual da matrícula por sexo, segundo nível de ensino – Brasil, 1992

100

50

0a1 a 4série

a

Fonte: Mapa do Analfabetismo – Ministério da Educação/INEP, 2003.

Masculino Feminino

%

a5 a 8série

a Médio Superior

47,7 50,5 54,2 56,3

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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“O outro lado da moeda”

Se, por um lado, os dados apresentados sobre morbidade e mortalidade

masculina demonstram os altos custos que o machismo tem trazido para

a saúde dos homens, sabemos que esta “moeda” tem duas faces.

No que se refere ao mercado de trabalho, apesar do aumento do

nível de atividade das mulheres, ainda é bastante inferior àquele

verificado para os homens (82,2%, em 2006). As taxas de desemprego

no Brasil, por sua vez, tendem a afetar mais fortemente as mulheres,

conforme ilustrado no Gráfico 6.

GRÁFICO 06 | Taxa de desemprego das seis RMs, segundo sexo – 2007 a 2009

Fonte: Boletim Mulher e Trabalho, 2009 – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com base em Pesquisa Mensal de Emprego (IBGE)

9,8

7,7

5,8

10,9

8,9

7,2

Jan/

07

Mar

/07

Mai/0

7

Jul/0

7

Set/0

7

Nov

/07

Jan/

08

Mar

/08

Mai/0

8

Jul/0

8

Set/0

8

Jan/

09

Mar

/09

Nov

/08

Total

Mulheres

Homens

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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28

Em relação aos índices de criminalidade, em dezembro de 2007, de

um total de mais de 422 mil presos, mais de 396 mil eram homens. Isso

representa 93,88% do total da população carcerária brasileira (Gráfico 7).

No período de dezembro de 2006 a dezembro de 2007, a taxa de

crescimento total da população carcerária brasileira foi de 5,27%. A

população masculina aumentou em 4,86% e a feminina em 11,99%. Em

que pese esta representativa diferença da taxa de crescimento da

população carcerária entre homens e mulheres, o prognóstico de

GRÁFICO 07 | Quantitativo anual - Comparativo entre a População Carcerária Masculina e Feminina (dez 2003-dez 2007)

400.000

350.000

300.000

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

02003 2005 2006 2007

Masculino

Feminino

Fonte: População Carcerária Brasileira (QUINQUÊNIO 2003-2007) - Evolução & prognósticos

2004

masculino

feminino

Dez/04

230.340

9.863

317.568

18.790

341.138

20.264

378.171

23.065

396.543

24.830

Dez/07Dez/06Dez/05Dez/03

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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29

evolução aponta que até dezembro de 2012 os homens ainda

representarão 92,35% dos encarcerados no Brasil (Gráfico 8).

No que se refere aos postos de poder, o Brasil conta, hoje, com

apenas 8,9% de mulheres no Congresso Nacional, cerca de 12% nas

Assembléias Legislativas e 12% nas Câmaras Municipais. Segundo a

União Interparlamentar (UIP), organização internacional com sede em

Genebra, na Suíça, o Brasil ocupa a desconfortável 141ª colocação no

que tange à presença de mulheres nos Parlamentos Nacionais, num

GRÁFICO 08 | Evolução anual - Comparativo entre a População Carcerária Masculina e Feminina (dez/2003 – dez/2007)

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

02004 2005 2006 2007

Masculino Feminino

%

Fonte: População Carcerária Brasileira (QUINQUÊNIO 2003-2007) - Evolução & prognósticos

masculino

feminino

Dez/04

37,87%

90,51%

7,42%

7,84%

10,86%

13,82%

4,86%

11,99%

Dez/05 Dez/06 Dez/07

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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30

ranking de 188 países. Entre os países da América Latina, o país só tem 6

um desempenho melhor (ou “menos ruim!”) que a Colômbia .

Em relação à violência de gênero, pesquisa realizada pela Fundação

Perseu Abramo em 2001 informa que aproximadamente 20% das

mulheres brasileiras já foram vítimas de algum tipo de violência

doméstica. Quando estimuladas a responder por meio da citação de

diferentes formas de agressão, esse percentual sobe para 43%. Um terço

afirma já ter sofrido algum tipo de violência física, seja ameaça com armas

de fogo, agressões ou estupro conjugal. Segundo a UNESCO, de 25 a

30% das meninas são abusadas sexualmente antes de completarem 18

anos. Dados de investigação conduzida pela Universidade de São Paulo

em conjunto com a Organização Mundial de Saúde entre 2000 e 2001,

ilustram que 27% das mulheres entrevistadas na Grande São Paulo e 34%

na Zona da Mata pernambucana relataram algum episódio de violência 7

física cometido pelos parceiros ou ex-parceiros.

No intuito de delinearmos princípios e diretrizes para uma atenção integral

aos homens na saúde, precisamos considerar, portanto, a complexa teia

de significados e valores que orientam processos educativos e

institucionais mais amplos e que conferem aos homens, ao mesmo tempo,

privilégios e restrições.

6 Fonte: Mulheres

na Política:

Pesquisa Ibope/

Instituto Patrícia

Galvão/Cultura

Data 2009.

7 Fonte: Retirado

do II Plano

Nacional de

Políticas para as

Mulheres - SPM

INFORMAÇÕES & ANÁLISES

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PRINCÍPIOS

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33

Nem ponto de partida, nem de chegada.

No início de 2000, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre

HIV/Aids (UNAIDS) lançou uma campanha mundial de prevenção à aids,

intitulada “Aids: Men Make a Difference”. Porém, no dia 6 de março do

mesmo ano, o jornal A capital, de Lisboa (Portugal) trazia como manchete

principal: “Aids: a culpa é dos homens”.

É interessante notar que o discurso da culpabilização dos homens e

vitimização das mulheres aparece claramente expresso nesta matéria

sobre a epidemia da aids. Além disso, a diversidade de atos sexuais e a

relutância no uso de preservativos aparecem como algo generalizado e,

ao mesmo tempo, como uma opção consciente por parte dos homens.

Em geral, os homens são educados, desde cedo, para responder às

expectativas sociais de modo proativo, em que o risco não é algo a ser

evitado, mas superado cotidianamente. A noção de autocuidado dá lugar

a um estilo de vida autodestrutivo, a uma vida, em diversos sentidos,

vulnerável. Como bem destaca o Informativo da UNAIDS, publicado em

1999 (Listen, learn, live. World Aids), a vulnerabilidade a que os homens

estão submetidos/se submetem tem sua base no processo de

socialização conduzido de modo a responder ao modelo hegemônico de

masculinidade.

Por certo, ao longo da história, as mulheres têm sido alvo de injustiças

sociais de ordens variadas e por mais conquistas que tenham alcançado,

PRINCÍPIOS

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3534

ainda estamos distantes de poder falar sobre uma efetiva eqüidade de

gênero. Por outro lado, muitos homens em condições sociais diversas

também enfrentam, cotidianamente, a impossibilidade/obrigação de

responder ao modelo ideal de masculinidade, colocando-se (e sendo

colocados) em posições hierárquicas desfavoráveis.

Vale lembrar, por exemplo, que desde a primeira vez que os países

passaram a calcular sistematicamente a idade média de suas

populações, os homens sempre apresentaram expectativa de vida ao

nascer inferior à das mulheres. Em outras palavras, os homens vivem

menos que as mulheres. E isso não é uma novidade! A Epidemiologia nos

mostra que a mortalidade masculina está associada em grande medida a

causas externas (homicídios, acidentes de transporte e suicídios), ou seja,

mortes associadas à relação dos homens com a sociedade em que estão

inseridos.

Por que, então, desenvolver trabalhos voltados aos homens passa a ser

uma questão fundamental?

Em nossa perspectiva, a escolha dos homens como alvo de nossas ações

não é nem o ponto de partida, nem o de chegada. Trata-se de um

desdobramento e um avanço a partir das conquistas históricas dos

movimentos feminista, gay e lésbico, e das inúmeras lições aprendidas.

Essa história gerou mudanças e também novas questões e inquietações.

O trabalho com homens tem suas origens nos anseios e utopias desses

movimentos. Seu fim é a efetiva garantia da eqüidade de gênero.

PRINCÍPIOS

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35

De categoria genérica à categoria de gênero

Pesquisas sobre o uso abusivo de drogas (particularmente o álcool), sobre

a classe operária, sobre a prevenção de DST/Aids, sobre a criminalidade e

os esportes, entre muitos outros temas, geralmente apresentam e analisam

relatos de experiências de homens. Às vezes, a pesquisa inteira é realizada

com homens, mas em nenhum momento esse elemento é considerado

como importante para a análise. É como se gênero fosse sinônimo de

mulher.

Nas pesquisas em que mulheres são entrevistadas, entretanto, dificilmente

escapa-se do debate de gênero e, em geral, apresenta-se uma leitura do

fenômeno de modo particular. Os homens tornam-se assim, referência

geral, enquanto as mulheres são tratadas como referência especifica.

Por muito tempo, as pesquisas em Ciências Humanas e Sociais e as

reflexões e ações políticas em Saúde Pública têm relacionado o conceito

de homem ao genérico ser humano e o conceito de gênero às mulheres, 8como já apontaram alguns autores .

Seja na posição de universal (homem = ser humano), seja nos estudos de

gênero e nos estudos sobre homossexualidade (ou homoerotismo), os

homens sempre estiveram presentes, direta ou indiretamente, explícita ou

implicitamente. Mas, de que homens tratavam esses movimentos e as

produções acadêmicas voltadas a esses temas? De que masculinidades

tratavam esses estudos e ações?

8 Connel, 1995;

Leal e Boff, 1996;

Medrado, 1997,

entre outros.

PRINCÍPIOS

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36

Homens e masculinidades: sempre no plural

Em linhas gerais, tanto o movimento feminista como o movimento gay e

lésbico questionaram valores tradicionais, impondo uma reavaliação da

noção de masculinidade hegemônica, ou seja, de um modelo cultural ideal 9

que, por ser ideal, não é atingível por praticamente nenhum homem.

Nesse processo, evidenciaram-se alguns homens e algumas

masculinidades, particularmente a machista e a homofóbica, tendo por

contraponto a homoerótica. Porém dessa reflexão foram excluídos alguns

homens e algumas masculinidades.

O que se apresenta como novidade nesse campo de discussões é

exatamente a percepção dos contextos e condições particulares que põem

por terra a noção de homem genérico, passando-se a ver os homens como

também orientados por um modelo ideal (e, em certa medida, opressor!),

inseridos numa cultura caracterizada por relações sociais hierárquicas, por

relações desiguais de poder, por relações de gênero.

Destaca-se, assim, o interesse por entender como os homens se

posicionam no contexto das relações de gênero e que alternativas

discursivas e práticas as instituições (família, igreja. trabalho, mídia.

escolas etc.) lhes oferece como possibilidade de mudança.

9 Almeida, 1995 e

Connell, 1995.

35PRINCÍPIOS

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37

Da especificidade à integralidade

O lugar dos homens, particularmente no contexto doméstico -

anteriormente negligenciado, tem emergido nas agendas das instituições

nacionais e internacionais que propõem e implementam políticas

públicas, como uma forma de promover a equidade de gênero.

Hoje, constata-se que o conhecimento sobre práticas sociais masculinas

pode contribuir para ampliar o impacto (e certamente a eficácia!) de

programas voltados à prevenção de doenças sexualmente

transmissíveis, ao controle da violência de gênero, à saúde e cuidado

das crianças, à saúde e aos direitos das mulheres, como também dos

próprios homens.

O investimento no debate em torno dos homens no contexto da saúde e

direitos sexuais e reprodutivos ganhou maior visibilidade durante a IV

Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada

em 1994 no Cairo, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada

em 1995 em Beijing. Nesses dois fóruns de discussão, afirmou-se como

diretriz a busca de uma maior participação masculina na promoção dos

direitos sexuais e reprodutivos.

As recomendações da Conferência do Cairo (ICPD, 1994) são bastante

claras a esse respeito, quando se propõe que “esforços especiais devem

PRINCÍPIOS

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38

ser feitos no sentido de enfatizar a co-responsabilidade masculina e

promover o efetivo envolvimento dos homens com relação à paternidade

responsável e ao comportamento sexual e reprodutivo, incluindo-se aí o

uso da anticoncepção...” (ICPD, 1994, § 4.27). Neste documento,

recomenda-se que é necessário rever a própria política ou linha de

intervenção, abrindo canais para pensar as masculinidades e maneiras de

encorajar os homens a refletir sobre comportamentos sexuais e práticas 10

sociais.

Contudo, apenas a criação de uma estrutura específica de saúde e

educação voltada aos homens não seja a melhor saída, pois quando

pensamos em ações voltadas aos homens no campo da saúde, em geral,

e da saúde sexual e reprodutiva, em particular, não estamos imaginando

que seja necessária a institucionalização de unidades, setores ou

departamentos específicos voltados exclusivamente para a população

masculina.

É fundamental que, ao se pensar sobre a sexualidade e a reprodução no

contexto dos direitos – e, portanto, da cidadania, homens e mulheres

sejam vistos como sujeitos de direitos. Não se trata de criar mais um

campo de trabalho específico, mas de produzir ações que possam ser

inseridas em programas mais amplos (que envolvam recortes de gênero,

raça, idade, entre outros), maximizando esforços e ampliando o impacto

das ações.

10 European

Commission

Childcare Network,

1990; Mundigo,

1995; UNAIDS,

2000

35PRINCÍPIOS

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39

O feminismo mudou a vida dos homens

Particularmente na Europa, existe um grupo de homens que se define

como pró-feministas, ou seja, definem-se como adeptos ao pensamento

e propostas políticas feministas. Por que pró e não apenas feministas?

Talvez porque o termo feminismo ainda esteja atrelado exclusivamente à

idéia de emancipação das mulheres, pela luta em favor de um espaço

legítimo no mercado de trabalho. Esta ligação pode ser mais perceptível

na forma como os meios de comunicação referem-se ao termo.

Porém, a Plataforma Política Feminista redigida na Conferência Nacional

de Mulheres Brasileiras, em junho de 2002, determina alguns princípios

mais amplos que podem ser adotados como horizontes do pensamento

feminista atual. Entre esses princípios, destacam-se:

zreconhecer a autonomia e a autodeterminação dos

movimentos sociais de mulheres;

zcomprometer-se com a crítica ao modelo neoliberal injusto,

predatório e insustentável do ponto de vista econômico, social,

ambiental e ético;

zreconhecer os direitos econômicos, sociais, culturais e

ambientais das mulheres;

PRINCÍPIOS

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40

zcomprometer-se com a defesa dos princípios de igualdade e

justiça econômica e social;

zreconhecer o direito universal à educação, saúde e

previdência;

zcomprometer-se com a luta pelo direito à terra e a moradia;

zcomprometer-se com a luta anti-racista e a defesa dos

princípios de equidade racial-étnica;

zcomprometer-se com a luta contra todas as formas de

discriminação de gênero, e com o combate a violência, maus-

tratos, assédio e exploração de mulheres e meninas;

zreconhecer o direito da livre orientação sexual e comprometer-

se com as ações pelo fim da discriminação contra lésbicas,

gays, bissexuais, travestis e transexuais;

zcomprometer-se com a luta pela assistência integral à saúde

das mulheres e pela defesa dos direitos sexuais e reprodutivos;

zreconhecer o direito das mulheres de ter ou não ter filhos, com

acesso de qualidade à concepção e/ou contracepção;

zreconhecer a descriminalização do aborto como um direito de

cidadania e uma questão de saúde pública;

zreconhecer que cada pessoa tem direito a diversas

modalidades de família e apoiar as iniciativas de parceria civil

registrada.

35PRINCÍPIOS

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Neste sentido, como bem destaca Maria Betânia Ávila, o feminismo é, 11

antes de tudo, um pensamento crítico e uma prática política . Assim,

nós, homens e mulheres, podemos nos considerar feministas se

acreditamos e lutamos por uma sociedade mais justa, na qual homens e

mulheres possam ter os mesmos direitos, no contexto da cidadania, com

justiça social.

11 Entrevista

publicada no

Jornal da Rede

Feminista de

Saúde – nº 24 –

Dezembro 2001.

PRINCÍPIOS

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DIRETRIZES

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45

Diretrizes por uma política pública de

atenção integral aos homens na saúde

1. Uma política de saúde para os homens deve contribuir para

os direitos das mulheres. As ações em Saúde Pública/Saúde Coletiva

dirigidas à população masculina devem ser vistas como um avanço das

políticas feministas e de gênero, na medida em que trazem benefícios

para a vida dos homens, mas também para a vida das mulheres. Não

deve, portanto, competir por investimentos ou recursos destinados à

saúde das mulheres, nem criar estruturas isoladas.

2. Cuidar da saúde é mais do que tratar das doenças.É muito importante reconhecer que as necessidades dos homens em

relação a sua saúde não se limitam aos males da próstata ou a outras

enfermidades. Devemos também levar em consideração os aspectos

psicossociais e culturais do processo saúde-doença, não restringindo as

ações às práticas assistenciais ou de caráter emergencial.

3. A atenção à saúde masculina deve ser integral. Para que seja efetiva, a atenção à saúde dos homens deve ser integral,

ou seja, não se limitar aos aspectos biológicos individuais, mas incluir os

componente sócio-ambientais da saúde e contemplar todos os níveis de

atenção, desde a atenção básica até os procedimentos de média e alta

complexidade.

DIRETRIZES POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS HOMENS NA SAÚDE

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4. Informação é a base de qualquer política pública.

Conhecemos pouco sobre a saúde e o adoecimento dos homens. Muitas

vezes, os profissionais acabam trabalhando com dados parciais, restritos

a sua própria experiência. Portanto, é preciso qualificar melhor os

sistemas de informação, gerando e divulgando sistematicamente dados

sobre a saúde integral da população masculina.

5. Os homens são diversos, mas os direitos devem ser os

mesmos.

As políticas públicas de saúde devem respeitar a diversidade e as

propostas devem estar adequadas a esta diversidade, respeitando

diferenças por idade, credo religioso, condição sócio-econômica,

cor/raça, orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual etc.)

ou identidade de gênero (travestis, transexuais etc.)

6. Homens jovens, negros e pobres devem ter atenção

prioritárias.

Muitas vezes achamos que, por serem jovens, os rapazes não precisam

de atenção em saúde. Os homens jovens, negros e pobres, residentes em

bairros de periferia, constituem a população mais atingida pela violência e

outros fatores que afetam diretamente sua saúde.

DIRETRIZES POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS HOMENS NA SAÚDE

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7. Homens idosos também devem ser contemplados.

Problemas de saúde decorrentes do envelhecimento são comuns, porém

é possível envelhecer de modo saudável. Infelizmente, os homens idosos

são também uma população que apresenta resistência em procurar

auxílio. Neste sentido, os serviços devem estar atentos às necessidades

específicas que merecem atenção especial, particularmente no que se

refere ao auto-cuidado e aos agravos decorrentes de problemas do

aparelho circulatório e genital.

8. Os serviços de saúde devem ser atrativos ou “amigáveis”.

Muitos homens pensam que cuidar da saúde é “coisa de mulher”, que as

instituições de saúde são espaços de mulher (e de crianças) e que os

serviços de saúde devem ser procurados apenas quando a doença já

está instalada ou em estágio avançado. Assim, a atenção à saúde

precisa, por um lado, promover o acolhimento das necessidades dos

homens em geral e, por outro, ser mais atrativa para esta população, ou

seja, não apenas responder a demandas.

9. É preciso ir aonde os homens estão.

Mais de 90% da população carcerária no Brasil é composta por homens.

O contingente das forças armadas e pessoas vivendo em albergues

públicos ou nas ruas também é composto prioritariamente por homens.

Homens que residem em contextos rurais, indígenas, quilombolas e nas

ruas sofrem ainda mais com a dificuldade de acesso aos serviços

DIRETRIZES POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS HOMENS NA SAÚDE

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48

públicos de saúde. Para atuar na promoção de saúde junto à população

masculina, é fundamental desenvolver estratégias voltadas também para

estes contextos e espaços coletivos.

10. A emergência é também espaço de prevenção.

O Setor de Emergências recebe uma população expressivamente maior

de homens, em decorrência de fraturas, traumas e crises agudas.

Geralmente, este setor se caracteriza por precárias condições de

atendimento, falta de recursos materiais e humanos, bem como pouca

sensibilidade para o atendimento integral aos usuários. Passada a

intervenção médica emergencial, é importante desenvolver ações com

estes homens voltadas à prevenção da reincidência de fraturas, traumas

e crises agudas.

11. Sexualidade e reprodução também são questões de saúde

para os homens.

A participação dos homens em ações voltadas à sexualidade e saúde

reprodutiva traz benefícios para a saúde dos homens e,

conseqüentemente, das mulheres e das crianças. É importante produzir

ações que promovam o auto-cuidado e o cuidado com os outros.

DIRETRIZES POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS HOMENS NA SAÚDE

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49

12. Paternidade é também um direito.

A paternidade (seja biológica, sócio-afetiva ou por adoção) é uma

prática que pode gerar benefícios subjetivos e materiais para a vida e a

saúde dos homens e das próprias crianças. A paternidade não é apenas

uma responsabilidade ou obrigação, é também um direito e pode gerar

muito prazer. É preciso entender que pai não é visita e que muitos são

aqueles que têm interesse em participar do desenvolvimento dos seus

filhos. Os serviços de saúde devem, em todos os níveis de

complexidade, desenvolver estratégias para promover a aproximação e

a participação dos homens no cuidado com seus filhos, desde a

gestação.

13. Violência de gênero é questão de saúde pública.

Nossa sociedade se fundamenta em modelos culturais que definem o

que é masculino e feminino. Esses padrões de gênero reproduzem a

idéia de que os homens são naturalmente violentos. Portanto, a violência

dos homens contra as mulheres (sejam crianças, adolescentes ou

adultas) ou contra outros homens (sejam homossexuais ou

heterossexuais) são violências baseadas em gênero, construídas a partir

de processos culturais, institucionais e psicossociais. Para reduzir os

índices de violência baseada em gênero é fundamental implementar

ações mais eficazes de segurança pública, aliadas a ações em saúde

dirigidas aos homens, por um lado, de caráter preventivo e, por outro, de

atendimento a autores de violência

DIRETRIZES POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS HOMENS NA SAÚDE

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14. A Redução de Danos deve ser um princípio básico nas

ações em saúde.

Os homens compõem a parcela da população que mais consome álcool e

outras drogas. Para atuar junto aos homens que usam drogas, os serviços

de saúde devem rejeitar medidas punitivas, restritivas ou culpabilizantes,

favorecendo a responsabilização e o resgate da autonomia desses

homens.

15. Os gestores e os profissionais de saúde precisam rever

práticas, conceitos e valores.

Ações educativas devem ser oferecidas aos gestores, gestoras e

profissionais de saúde para que possam, de forma mais qualificada,

compreender a importância e a necessidade de ações em saúde dirigidas

aos homens e, assim, definir, coletivamente, prioridades e estratégias a

serem implementadas em seus serviços.

16. Saúde é cidadania.

Promover e garantir a participação popular envolvendo homens e

mulheres em qualquer processo de formulação e monitoramento de

políticas públicas em saúde é um exercício de cidadania e a garantia do

controle social das políticas.

DIRETRIZES POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO INTEGRAL AOS HOMENS NA SAÚDE

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RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES

E SERVIÇOS DE SAÚDE

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Na formulação e implementação de uma política de atenção integral aos

homens na saúde é necessário:

1.atuar conjuntamente com as demais políticas, voltadas para outras

populações, maximizando esforços, minimizando custos e contribuindo

para a integralização do Sistema Único de Saúde. Isto também é

intersetorialidade;

2.fortalecer o entendimento ampliado da noção de saúde, em

consonância com os princípios e diretrizes do SUS, no qual as

singularidades das populações sejam consideradas, sem, contudo,

fragmentar e/ou negligenciar o caráter relacional dos mais variados

fenômenos sociais. Isso também é integralidade;

3.basear suas proposições em dados e no mapeamento e

acompanhamento do perfil das demandas e necessidades dos homens

em termos de saúde, bem como do acesso dessa população aos

serviços. Isto também é territorialidade.

Nas propostas, deve-se incluir:

1.ações que possam dar visibilidade aos homens nos serviços e junto

aos profissionais de saúde, a fim de favorecer a identificação das

RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES E SERVIÇOS DE SAÚDE

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demandas e necessidades dessa população e a construção de

estratégias diante desse mapeamento;

2.medidas preventivas e implementação de ações educativas de

promoção à saúde, fortalecendo a atenção básica;

3.ações que visem à sensibilização dos homens para o cuidado à saúde

como preocupação e prática contínua, não acentuando o foco no

adoecimento e no mal estar físico;

4.práticas coordenadas e continuadas de atenção, por meio do

fortalecimento das redes intersetoriais, a partir da interação com outras

unidades de saúde e com outros setores (tais como educação, esporte e

lazer, trabalho e cultura);

5.análises sistemáticas sobre principais causas de adoecimento e de

morte, a partir de recortes por idade, classe e raça, bem como sobre

acessibilidade aos serviços;

6.estratégias de ação voltadas para a diversidade de homens,

respeitando particularidades regionais, de condições econômicas,

cor/raça, orientação sexual e geração;

RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES E SERVIÇOS DE SAÚDE

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7.estratégias especiais e prioritárias para atrair e acolher os homens

jovens para serviços de saúde, considerando a vulnerabilidade desse

grupo populacional, a partir da oferta de atenção de qualidade,

adequada às suas necessidades;

8.Estratégias para atrair, acolher as necessidades dos homens em geral,

entendendo o acolhimento como tecnologia importante para garantia da

resolutividade e eficácia do sistema de saúde;

9.promoção de saúde junto às populações masculinas que têm

dificuldade de acesso ao SUS, tais como as que residem em contextos

rurais, indígenas, gays, travestis, transexuais, e quilombolas.

10.intervenção junto a espaços coletivos ocupados prioritariamente por

homens, como albergues e abrigos públicos, instituições de cárcere,

quartéis e forças armadas;

11.ações estruturais no Setor de Emergência, reconhecendo-a como

maior porta de entrada dos homens no Sistema de Saúde e, assim,

favorecer a institucionalização de uma “emergência humanizada”, que

possa estimular os homens a rever seus valores e práticas, como uma

estratégia de prevenção secundária;

RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES E SERVIÇOS DE SAÚDE

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12.adaptação da rotina e estrutura de serviços voltados à saúde e direitos

reprodutivos, para promover o exercício da paternidade desde a

gestação, mas especialmente no pré-natal, parto, pós-parto, puericultura

e pediatria, ampliando as reflexões sobre o cuidado infantil;

13.ações de saúde voltadas para homens autores de violência de gênero,

entendendo-as como ações estratégicas de prevenção secundária e

como enfrentamento efetivo do problema;

14.estratégias de redução dos danos que o uso de drogas possa causar a

esses homens, garantindo-se os princípios da cidadania e dos direitos

humanos, à luz das discussões sobre gênero e masculinidades;

15.processos educativos e de sensibilização sistemáticos e contínuos

voltados aos profissionais, com o intuito de promover uma reflexão crítica

em relação a posturas machistas que, muitas vezes, não permitem

perceber que os homens também possuem necessidades específicas em

saúde.

RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES E SERVIÇOS DE SAÚDE

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