Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos...

28
Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 8, JAN/JUN 2010 Princípios fundamentais do processo penal brasileiro 1 Reinaldo Daniel Moreira 2 . Aline Nazário Teixeira, Catarine Santini, Dalton Rodrigues de Paula Júnior, Eduardo de Toledo Diogo, Elcio Alfredo Knupfer, Jéssica Laynne Antunes Vieira, Paula de Almeida Oliveira, Suziane de Fátima da Conceição Azevedo 3 . Sumário: 1. Introdução 2. Princípio da duração razoável do processo penal 3. A garantia fundamental ao silêncio e à não auto-incriminação 4. O princípio da publicidade 5. Acerca de uma pretensa ―verdade real‖ – 6. Princípio da inadmissibilidade processual das provas obtidas por meio ilícito 7. A identidade física do juiz 8. Conclusão 9. Referências. Resumo: O presente artigo analisa alguns dos princípios fundamentais do Direito Processual Penal brasileiro. Palavras-chave: Princípios Garantias Fundamentais Direito Processual Penal. Abstract: This article analyzes some of the fundamental principles of the Criminal Procedural Law in Brazil. 1 O presente artigo é resultado das leituras, pesquisas e debates promovidos no âmbito do grupo de estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009 do curso de graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery, sob a coordenação do professor Reinaldo Daniel Moreira. 2 Professor de Direito Processual Penal, Prática Jurídica Penal e Direito Penal na Faculdade Metodista Granbery, de Juiz de Fora (MG). Professor de Direito Processual Penal nos cursos de especialização em Ciências Penais e Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em Direito Público pela UERJ. Advogado. 3 Alunos do curso de graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery e integrantes do grupo de estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009.

Transcript of Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos...

Page 1: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery

http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377

Curso de Direito - N. 8, JAN/JUN 2010

Princípios fundamentais do processo penal brasileiro1

Reinaldo Daniel Moreira2.

Aline Nazário Teixeira,

Catarine Santini,

Dalton Rodrigues de Paula Júnior,

Eduardo de Toledo Diogo,

Elcio Alfredo Knupfer,

Jéssica Laynne Antunes Vieira,

Paula de Almeida Oliveira,

Suziane de Fátima da Conceição Azevedo3.

Sumário: 1. Introdução – 2. Princípio da duração razoável do processo penal – 3. A

garantia fundamental ao silêncio e à não auto-incriminação – 4. O princípio da

publicidade – 5. Acerca de uma pretensa ―verdade real‖ – 6. Princípio da

inadmissibilidade processual das provas obtidas por meio ilícito – 7. A identidade física

do juiz – 8. Conclusão – 9. Referências.

Resumo: O presente artigo analisa alguns dos princípios fundamentais do Direito

Processual Penal brasileiro.

Palavras-chave: Princípios – Garantias Fundamentais – Direito Processual Penal.

Abstract: This article analyzes some of the fundamental principles of the Criminal

Procedural Law in Brazil.

1 O presente artigo é resultado das leituras, pesquisas e debates promovidos no âmbito do grupo de

estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009 do curso de

graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery, sob a coordenação do professor Reinaldo Daniel

Moreira. 2 Professor de Direito Processual Penal, Prática Jurídica Penal e Direito Penal na Faculdade Metodista

Granbery, de Juiz de Fora (MG). Professor de Direito Processual Penal nos cursos de especialização em

Ciências Penais e Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Mestre em Direito Público pela UERJ. Advogado. 3 Alunos do curso de graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery e integrantes do grupo de

estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009.

Page 2: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

2

Keywords: Principles – Fundamental Garantees – Criminal Procedural Law.

1. Introdução

Princípio, segundo entendimento corrente em doutrina, ―é, por definição,

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele‖4. Noticia Paulo

Bonavides que ―a idéia de princípio, segundo Luís-Diez Picazo, deriva da linguagem da

geometria, ‗onde designa as verdades primeiras‘. Logo acrescenta o mesmo jurista que

exatamente por isso são ‗princípios‘, ou seja, ‗porque estão ao princípio‘, sendo ‗as

premissas de todo um sistema que se desenvolve [...]‘‖5. Seriam, enfim, as verdades

fundamentais de um sistema jurídico6.

Nesta mesma linha, são as considerações de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,

quando, ao se reportar aos princípios do processo penal, afirma que ―a par de se poder

pensar em princípio (do latim, principium) como sendo início, origem, causa, gênese,

aqui é conveniente pensá-lo(s) como motivo conceitual sobre o(s) qual(ais) funda-se a

teoria geral do processo penal, podendo estar positivado (na lei) ou não [...]‖7.

4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros,

2000, p. 747- 748. 5 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 255-256.

6 TOVO, Paulo Cláudio. Introdução à principiologia do processo penal brasileiro. In ______ (org.).

Estudos de direito processual penal. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1995, p. 12. 7 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito processual penal

brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 30, n. 30, p.

163-198, 1998, p. 163. Ao discorrer acerca da importância dos princípios, afirma o autor: ―O papel dos

princípios, portanto, transcende a mera análise que se acostumou fazer nas Faculdades, pressupondo-se

um conhecimento que se não tem, de regra; e a categoria acaba solta, desgarrada, com uma característica

assaz interessante: os operadores do direito sabem da sua importância, mas, não raro, não têm preciso o

seu sentido, o que dificulta sobremaneira o manejo. O problema maior, neste passo, é seu efeito alienante,

altamente perigoso quando em jogo estão valores fundamentais como a vida, só para ter-se um exemplo.

Por conta disso é que se mostra feliz a assertiva lançada por Jorge de Figueiredo Dias: ‗são estes

<<princípios gerais do processo penal>> que dão sentido à multidão das normas, orientação ao legislador

e permitem à dogmática não apenas <<explicar>>, mas verdadeiramente compreender os problemas do

direito processual e caminhar com segurança ao encontro da sua solução‘‖ (COUTINHO, Jacinto Nelson

de Miranda. Op. cit., p. 165). E, ainda destacando a importância dos princípios, ressalta Celso Antônio

Bandeira de Mello que: ―Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A

desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas o todo o

sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do

princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores

fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso

porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada‖.

(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 747- 748).

Page 3: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

3

O presente trabalho tem por objetivo analisar alguns dos princípios estruturantes

do processo penal brasileiro8.

2. Princípio da duração razoável do processo penal

Disposto no inciso LXXVIII do artigo 5.º da Constituição Federal9, a

duração razoável do processo foi alçada, expressamente, à condição de direito

fundamental em nosso ordenamento jurídico a partir de 8 de dezembro de 2004, com o

advento da Emenda Constitucional n. 45. Anteriormente a essa data, porém, já havia

quem defendesse a existência desse direito em nosso sistema jurídico, seja extraindo-o

de outras garantias fundamentais, como a do devido processo legal (art. 5.º, LIV), da

efetiva tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), da ampla defesa e do contraditório (art. 5º,

LV), seja entendendo que os artigos 7º, 5 e 8º, 1, da Convenção Americana de Direitos

Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)10

já previam explicitamente tal garantia, e,

uma vez que o Brasil tornou-se signatário do mencionado pacto internacional (Decreto

n.º 678/92), e ainda por força do disposto no artigo 5.º, § 2.º da Constituição, haveria de

dar-lhe cumprimento.

A noção de duração razoável do processo conduz, inevitavelmente, à análise

do tempo e seus reflexos no direito. Embora a afirmação pareça óbvia, a ideia de tempo

a que se refere em Direito não deve ser reduzida àquela que consagra o tempo objetivo,

ou seja, concebe-o como algo absoluto e universal11

. Conforme pondera Aury Lopes Jr.

8 Não constitui objeto do presente trabalho discorrer acerca da distinção entre princípios e regras. Para

uma análise detida do assunto: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos

princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 9 Dispõe o referido artigo da Constituição da República:

Art. 5º (...)

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo

e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 10

Transcrevemos os referidos dispositivos da CADH:

Art. 7º Direito à Liberdade Pessoal

5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou de outra

autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem o direito a ser julgada dentro de um prazo

razoável ou ser posta em liberdade, sem que se prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada

a garantias que assegurem o seu cumprimento em juízo.

Art. 8º Garantias Judiciais

1. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por

um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração

de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações

de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Vide a respeito: RANGEL, Paulo.

Direito Processual Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 42. 11

De acordo com esse enfoque, pautado no paradigma newtoniano, 1 (uma) hora, por exemplo,

corresponderia à mesma quantidade de tempo, seja aqui no Brasil, lá na Austrália ou na Rússia, pouco

Page 4: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

4

após analisar a proposta da Teoria da Relatividade de Einstein, ―a percepção do tempo é

completamente distinta para cada um de nós‖ 12

. Ou seja, partindo-se de um novo

paradigma, segundo o qual tudo é relativo13

, o doutrinador defende que ao lado de um

tempo objetivo, deve estar essa nova concepção: a do tempo subjetivo.

No âmbito do Direito Penal, é certo que a pena aplicada a determinado

indivíduo traduz-se no tempo de cerceamento de liberdade que o condenado ficará

sujeito por ter desrespeitado a norma que tipifica uma conduta. Sem se adentrar no

mérito da ineficácia das funções atribuídas à pena na realidade de nosso país, poder-se-

ia dizer, em outras palavras, que a pena representa o tempo de sofrimento a que o

acusado haverá de ser submetido. O caráter negativo dessa sanção de natureza penal não

é novidade. Contudo, não se pode perder de vista que, antes da aplicação de qualquer

pena, o acusado também é submetido a um processo. E, se é cediço que o processo

penal é o instrumento hábil para aferir a culpa ou não do imputado, igualmente vem

crescendo um consenso acerca do reconhecimento de que tal procedimento também é

uma pena, às vezes, mais grave do que o cerceamento de liberdade. Pode-se dizer da

existência de verdadeiras ―penas processuais‖14

. Dessa forma, quanto maior a demora

para que o acusado tenha uma solução sobre a situação de incerteza em que se encontra,

maior será sua angústia na espera desse resultado.

Portanto, pode-se afirmar que no curso da persecução penal o indivíduo

condenado será duplamente punido, seja através da instauração de um processo para

apuração do fato criminoso, seja no momento em que, caso seja efetivamente

condenado, venha a cumprir uma pena, com o trânsito em julgado da sentença.

É, pois, nessa realidade que se insere a garantia da duração razoável do

processo. Dúvidas não há acerca de sua positivação no direito pátrio. Entretanto, no que

se refere à sua aplicabilidade, esse direito fundamental merece maior atenção por parte

importando o local onde nos referimos, pois o tempo é, como dito, absoluto e universal, considerado igual

para todos em todos os lugares. 12

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1. 4. ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 140. 13

Por fim, para compreender a verdadeira pena processual que encerra a demora indevida, recordemos de

Einstein, na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada: ―quando um homem se

senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto.

Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente — e esse minuto lhe parecerá mais

comprido que uma hora. Isso é relatividade‖. Esse é o tempo no processo penal: tempo sentado na chapa

quente do fogão (LOPES JR., Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo

razoável no processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v.13, n.152, p. 4-5, jul. 2005). 14

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 98 e s.

Page 5: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

5

dos juristas e aplicadores do direito. A celeridade processual sempre foi algo almejado.

A partir do momento em que se dirige ao Judiciário, é de convir que se deseja, o mais

breve possível, obter daquele órgão a resposta pretendida. Imagine-se, então, no caso de

um indivíduo a quem está sendo imputada a autoria de um crime. A situação de

incerteza em que se encontra poderá vir a ser mais penosa do que a efetiva condenação,

se houver. Quantos são os processos que se prolongam no tempo, sem que ao menos

seja proferida a sentença de primeiro grau? Quantos são os acusados presos

cautelarmente, que aguardam ansiosamente a solução do caso penal?

Se o processo penal constitui o meio eleito para a consecução do direito

material, instrumento de que as partes não podem se abdicar, o mínimo exigível é que

ele pendure por um tempo razoável, sem dilações indevidas. Nesse contexto, as

garantias de acesso à justiça e à celeridade processual deveriam caminhar juntas.

Destarte, se a resposta para as perguntas anteriormente formuladas é imprecisa, dado o

elevado número de processos e de presidiários que se aglutinam por todo o país, incerta

não poderia ser a resposta para a solução desse gravíssimo problema. No entanto, essa é

a realidade da questão.

Como bem salienta a doutrina, não existe em nosso sistema jurídico

qualquer disciplina acerca do que venha a ser considerado ―prazo razoável para a

duração de um processo‖ – o que se convencionou chamar de ―doutrina do não-

prazo‖15

. Não há dispositivo que determine a duração máxima de um processo; nem

mesmo, regra geral, que fixe um tempo máximo para a permanência da prisão cautelar,

como é o caso da preventiva; não há, sequer, a previsão de sanções a serem aplicadas no

caso de descumprimento do preceito constitucional que versa sobre a garantia da

duração razoável do processo. Em outras palavras, vive-se num campo de imensa

incerteza, pois os termos utilizados comportam imensa carga de significação, haja vista

se enquadrarem na categoria de cláusulas genéricas, de conteúdos indeterminados, dada

a ausência de parâmetros para se aferir a razoável duração de um processo.

É claro que a previsão constitucional do direito fundamental à duração

razoável do processo não soluciona, sozinha, o problema da ―(de)mora jurisdicional‖16

.

15

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional, p. 112. 16

Trata-se de uma espécie de neologismo criado por Aury Lopes Jr. Nas palavras do autor, significa que

―Cunhamos a expressão ―(de)mora jurisdicional‖, porque ela nos remete a próprio conceito (em sentido

amplo) de ―mora‖, na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento

da obrigação de prestação jurisdicional.‖ LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade

constitucional. v. 1, p. 147.

Page 6: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

6

Mas, em contrapartida, já é um mecanismo para contornar a ausência de um referencial,

assim como reflete positivamente na aplicação dessa garantia, que, até a consagração

expressa na Constituição, era raramente invocada pela jurisprudência, embora

reconhecida sua existência e relevância.

Na ausência de parâmetros mais sólidos em nosso ordenamento jurídico,

resta procurar apoio no direito estrangeiro para a análise deste direito fundamental.

Sobre a garantia em discussão, pode-se buscar auxílio nas decisões do Tribunal Europeu

de Direitos Humanos, da Corte Americana de Direitos Humanos e no Código de

Processo Penal Paraguaio17

. Após se reportar a algumas dessas decisões e das soluções

aplicadas no direito alienígena, Aury Lopes Jr. aponta as medidas de caráter

compensatório, processual e sancionatório, que poderiam ser adotadas pelo Brasil

enquanto um paliativo contra a ineficácia do direito fundamental à duração razoável do

processo.

Todavia, em primeiro lugar, deve-se ter em consideração que a garantia de

duração razoável do processo não foi apenas elevada à condição de norma

constitucional; mais do que isso, trata-se de um direito fundamental, e, como tal, possui

aplicabilidade imediata, conforme preceitua a própria Constituição da República, em

seu artigo 5.º, §1.º. Logo, como aponta a doutrina, não basta a mera alegação de excesso

de trabalho para suprimir tal garantia do indivíduo. Esse argumento é ilegítimo. De

outro lado, o aumento no número de juízes, de promotores, de defensores e de auxiliares

de justiça, se mostrará completamente ineficaz, caso não se combata a maximização do

Direito Penal. A respeito desse ponto, Aury Lopes Jr. pondera que:

É interessante o infindável ciclo que se estabelece: o Estado se afasta

completamente da esfera social, explode a violência urbana. Para

remediar, tratamento penal para a pobreza. Diante da banalização do

Direito Penal, maiores serão a ineficiência do aparelho repressor e a

própria demora judicial (em relação a todos os crimes, mas

especialmente os mais graves, que demandam maior dose de tempo,

diante de sua complexidade). Entulham-se as varas penais e evidencia-

se a letargia da Justiça Penal. Nada funciona. A violência continua e

sua percepção amplia-se, diante da impunidade que campeia. Que

fazer? Subministrar doses maiores de Direito Penal. E o ciclo se

repete18

.

17

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 169-179.

Nessas páginas, o autor expõe algumas dessas decisões. 18

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 186.

Page 7: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

7

Em segundo lugar, torna-se imprescindível que se apresente as variáveis que

vem sendo invocadas pela jurisprudência como o critério para a aferição do que venha a

ser um prazo razoável para julgamento de um processo. Para tanto, recorre-se

novamente às palavras de Aury Lopes Jr.:

[...] A discussão evoluiu e, atualmente, trabalha com as seguintes

variáveis: a) complexidade do caso; b) a atividade processual do

interessado (que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria

torpeza); c) a conduta das autoridades judiciárias (como um todo,

abrangendo polícia, MP, juiz). A eles, acrescente-se o princípio da

razoabilidade19

.

Após essas ressalvas, cabe analisar sucintamente as sanções para o

descumprimento do aludido preceito constitucional. Dessa forma, se uma pessoa é

submetida a um processo com dilações indevidas, que culminaram na violação do

direito à duração razoável do processo, poder-se-ia adotar, de acordo com o que foi

desenvolvido por Aury Lopes Jr.20

, as soluções a seguir expostas.

Na esfera cível, poder-se-ia buscar uma indenização por perdas e danos

contra o Estado21

, cujo valor atribuído pelo juiz como sendo justo haveria de ser, no

mínimo, duplicado, haja vista o indivíduo lesado ter que se submeter a um novo

processo (agora na esfera cível) para alcançar a indenização devida. Na esfera penal,

poder-se-ia aplicar a atenuação da pena ao final aplicada ao condenado22

, com base na

atenuante genérica do artigo 66 do Código Penal; defende o autor, ainda, a possibilidade

de concessão do perdão judicial, nos casos em que há previsão legal, pois o sofrimento

com a dilação excessiva do processo já atingiu o réu tão gravemente que a aplicação de

uma pena pode tornar-se desnecessária, além da possibilidade de detração, se o

indivíduo vier a ser preso cautelarmente. Na dimensão processual23

, preconiza que o

19

LOPES JR., Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no

processo penal, p. 4-5. 20

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 179-84. Nesse

trecho de sua obra, o mencionado autor dedica espaço para esboçar as referidas sanções de caráter

compensatório, sancionatório e processual. 21

Sobre a condenação do Estado Brasileiro nessa sanção, ver o seguinte julgado no Superior Tribunal de

Justiça: REsp 802435. 22

Já houve reconhecimento dessa medida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para tanto,

conferir o julgamento da apelação nº 70007100902. Relator: Luiz Gonzaga da Silva Moura, 17/12/2003. 23

O julgamento da Apelação 70019476498, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, elucida a

aplicação de outra sanção de natureza processual denominada resolução ficta, prevista no artigo 142 do

Código de Processo Penal Paraguaio.

Page 8: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

8

ideal seria a decretação da extinção do processo em função da demora excessiva24

, mas

ainda haveria de se falar em arquivamento do feito, vedada a promoção de nova

denúncia pelo mesmo fato; a declaração de nulidade de todos os atos praticados após o

marco de duração devida do processo. Haveria, ainda, de se falar na punição pessoal

daquele que, negligentemente, procrastinou o processo, seja por meio de sanções

administrativas, civis e, até mesmo, penais.

Por fim, no entendimento do autor, pode-se afirmar que o direito de ser

julgado num tempo razoável, sem dilações indevidas, deve ser reconhecido não somente

aos acusados que se encontram presos cautelarmente, mas também aos soltos, que se

encontram numa situação de indefinição, aguardando o resultado do julgamento de seu

caso, pois o processo penal, por si só, já é uma pena. E este direito deve ser estendido,

inclusive, aos indivíduos que já foram condenados penalmente, o que é possível diante

da própria redação do dispositivo constitucional que faz alusão à expressão ―no âmbito

judicial e administrativo‖, posto que a demora na concessão dos direitos a que fazem jus

os condenados em execução de pena resulta tanto num ―passivo social‖ quanto num

―passivo financeiro‖. No primeiro caso, porque o tempo a que uma pessoa é submetida

ao cárcere é algo estigmatizante, seja para ela, seja para sua família, seja, até mesmo,

para a coletividade; no segundo caso, porque é sabido que a manutenção de um

presidiário no regime fechado acarreta enormes gastos de capital estatal25

.

Assim sendo, pode-se afirmar que a garantia da duração razoável do

processo precisa, urgentemente, ser efetivada em nosso ordenamento jurídico. Mas, para

que essa eficácia venha a ser atribuída ao artigo 5.º, inciso LXXVIII da Constituição

Federal, é preciso promover bem mais que as soluções apontadas nesse texto (até

porque elas se mostram quase que completamente ineficazes, no caso de o acusado vir a

ser absolvido, após um longo período de espera); é necessário, ainda, que se estabeleça

um ponto de equilíbrio entre a ―(de)mora jurisdicional e o atropelo das garantias

fundamentais‖26

. Não se pode cogitar a celeridade processual como um fim a ser

24

No julgamento do processo 2006.038.004747-1, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, reconheceu a

violação da norma insculpida no artigo 5º, inciso LXXVIII da CRFB e aplicou a referida sanção,

declarando a extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir por parte do

Estado. 25

Sobre o assunto consultar o seguinte artigo: SILVA, Marcos Rondon. A garantia da duração razoável

do processo no âmbito da execução penal: o regular gerenciamento do processo executivo como forma de

amenizar o passivo social causado pelo excesso na execução. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n.

195, p. 17, fev. 2009. 26

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 184-188. Nessa

obra, nas referidas páginas, o autor dedica um tópico para abordar esse tema.

Page 9: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

9

alcançado e, na consecução desse fim, promover-se a violação de outras garantias

fundamentais do imputado. É primordial que se estabeleça o equilíbrio. Como assevera

Paulo Rangel: ―Prestação jurisdicional tardia, não é justiça, mas prestação jurisdicional

imediata, açodada, é risco à democracia. Deve, portanto, ser razoável, proporcional ao

caso concreto objeto de apreciação‖27

.

Portanto, pode-se concluir com as palavras de Aury Lopes Jr.:

Em suma, um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro é o

direito de ser julgado em um prazo razoável, num processo sem

dilações indevidas, mas também sem atropelos. Não estamos aqui

buscando soluções ou definições cartesianas em torno de tão

complexa temática, senão dando um primeiro e importante passo em

direção a solução de um grave problema, e isso passa pelo necessário

reconhecimento desse ―jovem direito fundamental‖28

.

3. A garantia fundamental ao silêncio e à não autoincriminação

A garantia fundamental à não autoincriminação, nemo tenetur se detegere29

ou

nemo tenetur se ipsum accusare30

, ou privilege against self-incrimination do Direito

anglo-americano, surgiu na Idade Média, mas somente a partir do século XVIII

começou realmente a ganhar força31

. Desse princípio pode-se extrair a ideia de que o

indivíduo, no curso da persecução, não está obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Tal premissa não encontra previsão expressa, nestes exatos termos, em nenhuma norma

interna. Contudo, é uma decorrência do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, que

dispõe: ―o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer

calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado‖; ou seja, tal

garantia encontra-se implícita na previsão do direito ao silêncio. Todavia, o Pacto de

São José da Costa Rica, documento internacional do qual o Brasil é signatário, em seu

artigo 8º, número 2, alínea ―g‖, garante expressamente que toda pessoa tem direito de

não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.

27

RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 45. 28

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 188. 29

―Em vernáculo: ninguém pode ser obrigado a se descobrir, a se pôr a descoberto, a se desvendar, a se

pôr a nu (sinteticamente: ninguém tem que se acusar)‖ (FEITOZA, Denílson. Direito processual penal:

teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 144). 30

―Em vernáculo: ninguém pode ser obrigado a acusar-se a si mesmo [...]‖ (FEITOZA, Denílson. Op. cit,

p. 144). 31

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.

332.

Page 10: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

10

O nemo tenetur se detegere visa a proteger a dignidade da pessoa humana, sua

integridade física e mental, sua capacidade de autodeterminação, o direito de não ser

obrigado a depor contra si32

. Da forma como o direito de não se autoincriminar foi

descrito em nossa Constituição no artigo 5º, LXIII, uma leitura apressada poderia

conduzir à conclusão de que tem como destinatário apenas a pessoa presa e se limita ao

direito de permanecer calado. Contudo, o entendimento da doutrina majoritária é o de

que qualquer pessoa a quem esteja sendo imputado ou em vias de ser imputado um

ilícito penal tem o seu direito preservado de não contribuir para a formação de sua

culpa, esteja ele preso ou não33

.

Como desdobramento deste princípio na legislação infraconstitucional, pode ser

mencionada a previsão constante do artigo 186, parágrafo único, do Código de Processo

Penal, com a redação conferida pela Lei 10.792/2003, ao vedar expressamente que o

silêncio possa ser valorado em desfavor do acusado. E, mais recentemente, com o

advento da Lei 11.689/2008, com a nova redação do art. 457 do Código de Processo

Penal, que prevê a possibilidade de realização de sessão do tribunal do júri

independentemente da presença do acusado devidamente intimado, facultando-lhe

analisar a conveniência de se fazer presente no julgamento34

.

Tal garantia é consagrada em diversos ordenamentos. Questões instigantes nesta

matéria envolvem as chamadas intervenções corporais, tais como coleta de sangue,

testes de DNA, fornecimento de padrões gráficos e testes de alcoolemia. Segundo

noticia Aury Lopes Jr., na Alemanha o § 81, ―a‖, do StPO (Código de Processo Penal

Alemão), ao tratar de intervenções corporais, prevê que a extração de sangue poderá ser

determinada pelo juiz ou pelo Ministério Público, em caso de urgência, sempre que tal

medida seja de importância para o processo, realizada de acordo com um meio em

conformidade com as regras do saber médico, e que não exista perigo para a saúde do

imputado35

. A garantia de não autoincriminação, na Alemanha, é relativizada, sendo

permitida até mesmo a coação direta para se levar a cabo a intervenção caso o afetado se

recuse a contribuir com a medida. Portugal disciplina de forma genérica o assunto,

prescrevendo seu Código de Processo Penal, nos artigos 171 e 172, ser possível a

realização de exames contra a vontade do indivíduo por decisão da autoridade judicial

32

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 336. 33

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 01, p. 206. 34

A respeito: RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 571 e s. 35

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional, p. 247. E ainda: GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 118-119.

Page 11: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

11

competente. Na Itália, os artigos 244 e 245 do Código de Processo Penal genericamente

dispõem que a intervenção corporal deve ser determinada por uma decisão judicial

motivada, podendo ser realizada por médico, assegurando-se ao imputado a faculdade

de ser assistido por uma pessoa de sua confiança, com respeito à sua dignidade e, na

medida do possível, ao seu pudor na inspeção. Na França e na Espanha, busca-se a

―colaboração‖ do imputado, sob a ameaça de ser processado pelo delito de

desobediência, em caso de recusa de submissão à intervenção corporal36

.

Deve-se ressaltar, todavia, que uma das diferenças dos citados países para o

Brasil é que neles existem normas expressas que dispõem sobre a relativização da

garantia da não autoincriminação no que toca às intervenções corporais. Não há uma

norma que discipline de maneira detida a matéria no direito brasileiro, regulando a

forma e os casos de admissão da intervenção corporal37

. Ademais, como adverte

Eugênio Pacelli, ―no Brasil, as intervenções corporais previstas em lei são pouquíssimas

e, não bastasse, nem sequer vêm sendo admitidas pela jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, sempre fundamentada no princípio constitucional da não

autoincriminação‖38

.

Para Aury Lopes Jr., sendo a recusa de contribuir para a produção probatória um

direito do imputado, ela não pode gerar uma presunção contra o mesmo39

, e nem mesmo

gerar sua responsabilização penal por desobediência40

. No entendimento de Eugênio

Pacelli de Oliveira, ―a única alternativa que se abre ao Estado, uma vez admitida a

validade de suas disposições interventivas na pessoa do acusado, é a valoração desta

recusa, por ocasião da formação do convencimento do juiz‖41

. Denílson Feitoza, embora

entenda que a recusa de produzir prova contra si mesmo não pode acarretar uma

presunção de culpabilidade, ressalta: ―não estamos convencidos de que o princípio em

tela tenha um caráter absoluto no direito brasileiro. O tema ainda está demandando

36

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional, p. 248. 37

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional, p. 247 e 249. 38

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 337. 39

―O direito à prova não vai ao ponto de conferir a uma das partes no processo prerrogativas sobre o

próprio corpo e a liberdade de escolha da outra [...] no âmbito criminal, diante da presunção de inocência,

não se pode constranger o acusado ao fornecimento dessas provas, nem de sua negativa inferir a

veracidade do fato‖ (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 119). 40

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional, p. 243-244. 41

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 341.

Page 12: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

12

estudos mais aprofundados, que, certamente, terão de enfrentar critérios como a

gravidade do fato delituoso e o princípio da proporcionalidade‖42

.

A questão é por demais complexa. Já dizia Beccaria, nos idos de 1764, que ―uma

contradição entre as leis e os sentimentos naturais do homem nasce dos juramentos que

se exigem do réu, para que seja um homem veraz, quando seu maior interesse é mentir;

como se o homem pudesse jurar, com sinceridade, contribuir para a própria destruição;

como se a religião não se calasse, na maioria dos homens, quando fala o interesse‖43

.

A garantia fundamental à não autoincriminação vem sendo muito invocada no

Brasil, sobretudo de uns tempos para cá, em situações envolvendo condutores de

veículo automotor diante das consequências da ingestão de bebidas alcoólicas com a

edição da chamada ―Lei Seca‖ (Lei 11.705/2008). Tal diploma alterou a redação do

artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que tipifica o crime de embriaguez ao

volante, tornando mais rígido o tratamento penal dispensado aos motoristas flagrados

excedendo o limite de álcool por litro de sangue. Todavia, para se aferir o teor de álcool

no sangue, é necessária a contribuição do indivíduo, por submissão ao exame do

etilômetro (bafômetro), ou realizando-se um exame de sangue. Percebe-se, pela redação

da lei, que se proíbe praticamente o consumo de álcool, questão que suscita

controvérsias e que gera polêmica, ao se considerar, dentre outros aspectos, que a

tolerância a determinada quantidade de álcool no organismo varia de pessoa para

pessoa44

.

Todavia, uma análise recente que incrementou ainda mais o debate sobre o tema

foi um parecer da Advocacia Geral da União, acerca da legalidade do uso do

etilômetro45

. Aludido parecer parte da premissa de que, embora o Pacto de São José da

Costa Rica expresse em seu artigo 8º o princípio da não autoincriminação, esse mesmo

diploma internacional, em seu artigo 32, imporia limitações ao exercício deste direito

em prol da segurança de todos, que está acima da proteção dos direitos dos indivíduos,

devendo-se ponderar os interesses em conflito, a fim de se estabelecer uma ordem de

prevalência entre os mesmos.

42

FEITOZA, Denílson. Op. cit, p. 145. 43

BECCARIA, apud OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 332. 44

Segundo Ronaldo Laranjeira, ―apesar de existirem pessoas mais tolerantes ao álcool, infelizmente, não

dá para fazer uma lei baseada no metabolismo individual de cada um, o importante a ser preservada é a

segurança coletiva‖ (LARANJEIRA, Ronaldo. O bafômetro e a ―lei seca‖. Boletim IBCCRIM, São Paulo,

ano 16, n. 189, p. 17, ago. 2008). 45

Aludido parecer pode ser acessado em: <http://s.conjur.com.br/dl/parecer-agu-etilometro.pdf>. Acesso

em: 14/09/2009.

Page 13: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

13

Assim sendo, como a Lei 11.705/2008 tem por pretensão a redução de acidentes

de trânsito causados por motoristas embriagados, ela objetiva garantir a integridade

física, a segurança e a vida de todos que utilizam o espaço público frente ao grupo

especial dos condutores, validando, assim, a utilização do etilômetro em casos de

suspeita de embriaguez. E, assim, reconhece aludido parecer a possibilidade de prisão

daquele que se recuse a submeter-se ao teste. Todavia, diante da controvérsia que

envolve a questão, segundo noticiado pelos veículos de comunicação, a Polícia

Rodoviária Federal decidiu contrariar o parecer, evitando a prisão do motorista46

.

4. O princípio da publicidade

O princípio da publicidade tem sua importância em trazer transparência e

legitimidade ao processo penal, permitindo aos cidadãos a fiscalização da justiça, de

forma a garantir um julgamento, na medida do possível, justo e sem arbitrariedades47

.

Tal princípio está intimamente ligado a outros, garantidos inclusive

constitucionalmente, como o devido processo legal, o contraditório, a verdade

processual e a imparcialidade do juiz. Sem publicidade, é difícil se aferir se todas estas,

entre outras garantias, estão sendo respeitadas.

Devido à sua relevância, o princípio da publicidade está resguardado, por mais

de uma vez, na Constituição brasileira. Preveem os artigos 5.º, LX e 93, IX, da

Constituição Federal, respectivamente:

Art. 5.º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos

processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o

exigirem.

Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário

serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de

nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às

próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos

quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo

não prejudique o interesse público à informação.

46

COUTINHO, Felipe. Polícia Rodoviária ignora parecer da AGU. Disponível na internet em:

<http://www.conjur.com.br/2009-set-14/policia-rodoviaria-ignora-agu-nao-prendera-quem-recusar-

bafometro>. Acesso em: 14/09/2009. 47

―Desta forma, não há, nos modelos políticos que consagram o Estado Democrático de Direito (cf. art.

1.º da CRFB), espaço possível reservado ao mistério‖ (RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 13).

Page 14: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

14

O Código de Processo Penal também dispõe sobre o princípio da publicidade em

seu art. 792, sobretudo quando prescreve que ―as audiências, sessões e os atos

processuais serão, em regra, públicos‖.

A ampla publicidade, como se depreende dos dispositivos acima mencionados,

é a regra em nosso ordenamento. Porém, a ordem jurídica brasileira estabelece

expressamente hipóteses em que ela pode ser restringida. Assim, a parte final do artigo

5º, XXXIII, da Carta Magna, aduz que, no caso de o sigilo ser imprescindível à

segurança nacional e do Estado, é possível a mitigação do princípio da publicidade. O

artigo 93, IX da Constituição, por sua vez, traz o direito à intimidade como um fator de

limitação à publicidade dos atos processuais. Também segundo prescreve o artigo 792

do Código de Processo Penal, é permitido se determinar que dados atos processuais

penais sejam realizados a portas fechadas, quando da publicidade puder resultar

escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem. Assim, o legislador

permite que haja um juízo de ponderação, restringindo-se a publicidade de atos

processuais em favor de outros interesses igualmente relevantes e constitucionalmente

assegurados.

Quanto à sua classificação, na linha da doutrina, a publicidade pode ser ampla

ou restrita. No primeiro caso, a todos os cidadãos é franqueado o acesso ao processo. A

publicidade ampla é a regra, nos moldes do art. 792, caput, do Código de Processo

Penal. Já no segundo caso, somente os sujeitos do processo têm o acesso garantido às

informações e atos atinentes ao processo, ou é limitado o número dos que podem ter

acesso. Trata-se de exceção, prevista no art. 792, § 1.º, do Código de Processo Penal.

Apenas em situações excepcionais, como a sala secreta do Tribunal do Júri, a restrição

da publicidade envolve inclusive a parte48

. Sob outra ótica, tem-se uma proposta

classificatória que parte do alcance ou limite imposto à publicidade. Segundo Aury

Lopes Jr., ao analisar os sistemas de investigação preliminar no processo penal (v.g. o

inquérito policial):

O alcance ou limite da publicidade vem dado pela existência do

segredo, que, seguindo a Leone, poderá ser externo ou interno,

conforme exista a proibição de difundir publicamente alguns

determinados atos ou a sua totalidade, ou, por outro lado, a proibição

se dirige a algum ou alguns dos sujeitos processuais, impedindo-os e

48

A respeito: RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 13.

Page 15: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

15

ter conhecimento de todos ou alguns dos atos da investigação

preliminar49

.

Não se pode negar a importância da publicidade para os envolvidos na

persecução penal. Contudo, quando se analisa a publicidade externa, o acesso a

informações e exposição/exploração do fato criminoso por estranhos à persecução

penal, é preciso estabelecer seus limites, pois uma repercussão demasiada do fato pode

provocar danos irreversíveis a direitos e garantias fundamentais. É o que acontece, por

exemplo, quando o fato criminoso ganha a mídia.

A mídia, de maneira inegável, tem grande influência na sociedade. Por isso,

atualmente, é apontada por alguns como o ―quarto poder da República‖50

. Através de

veículos como a televisão, jornais e internet, a imprensa por vezes tem violado o direito

à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, assim como influído na

opinião pública, o que pode conduzir à deturpação da verdade dos fatos e à

estigmatização de indivíduos, sob o pretexto de se concretizar o princípio da

publicidade e a liberdade de expressão. Não se pode negar o relevante papel da garantia

constitucional da liberdade de imprensa, prevista no artigo 5.º, IX e 220, § § 1.º e 2.º, da

Constituição Federal. Todavia, a mídia deve respeitar dados limites no exercício dessa

liberdade.

Os atos processuais, como já dito, devem ser, de regra, públicos, o que permite a

fiscalização da atuação do Judiciário por parte da sociedade e contribui para a segurança

jurídica. Felizmente, em um mundo globalizado, torna-se cada vez mais fácil o acesso à

informação, o que auxilia a efetividade do princípio aqui mencionado. Ocorre, porém,

que, se de um lado isso é positivo, de outro é possível se verificar que os meios de

comunicação, por vezes, abusam de tal garantia. Sob o argumento da liberdade de

imprensa e de expressão, tornando a notícia uma mercadoria e visando à satisfação de

objetivos econômico-financeiros, propagam informações que desrespeitam preceitos

fundamentais.

Não se pode esquecer que a mídia moderna, como destaca Sérgio Salomão

Shecaira, antes de sua função pública, se constitui de forma empresarial, com objetivos

49

LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2005, p. 118-119. 50

DRAPKIN, Israel, apud TORON, Alberto Zacharias. ―Notas Sobre a Mídia nos Crimes de Colarinho

Branco e o Judiciário: os Novos Padrões‖, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9, n.

36, out./dez. 2001, p. 259. E também: MOREIRA, Reinaldo Daniel. Mídia, liberdade de expressão e

direito penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 182, p. 8, fev. 2008.

Page 16: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

16

comerciais e muitas vezes com notório interesse em explorar de forma sensacionalista

fatos policiais, que porventura lhe rendam vantagem, sem observar padrões éticos

imprescindíveis51

.

Existe uma distinção significativa entre o que seja liberdade de imprensa e

libertinagem da imprensa, embora esses conceitos sejam comumente confundidos52

.

Toda liberdade deve ter um limite. A concepção de Estado Democrático de Direito

implica o respeito a regras e princípios, o que, por si só, já é uma restrição à liberdade.

Embora os meios de comunicação exerçam a relevante função de informar, preceitos

fundamentais do ordenamento têm que ser respeitados, tais como o direito ao estado de

inocência, o direito à intimidade e à honra.

Ocorre, porém, que a mídia cotidianamente vem extrapolando seus limites.

Aproveitando-se do fascínio que o ser humano tem pela imagem, e diante do impacto

que determinadas notícias podem causar, tem-se criado programas com reportagens

sensacionalistas, de forma a expor um suspeito da prática de um crime sem que antes o

indivíduo tenha sido julgado pelo juiz competente e imparcial. Segundo Roberto

Delmanto Júnior53

:

Trata-se do julgamento pela mídia, transformando-se os processos

criminais em verdadeiros reality shows, novelas da vida real com

capítulos diários, havendo forte contaminação da opinião pública de

um País inteiro. O julgamento acaba sendo realizado pela sociedade

[...].

Ainda na lição de Antônio Evaristo de Moraes:

[...] a publicidade opressiva corresponde ao que o Direito norte-

americano denomina petrial ou trial by media, significando, em

última análise, o julgamento antecipado da causa, realizado pela

imprensa, em regra com veredicto condenatório, seguido da tentativa

de impingi-lo ao Judiciário54

.

51

SHECAIRA, Sérgio Salomão. A mídia e o direito penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n.45, p. 16,

ago. 1996.

52

PALMA, Marcio Gestteira. Os tribunais da mídia. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v.13, n.158, p. 10-11,

jan. 2006. 53

DELMANTO JÚNIOR, Roberto. O fim do protesto por novo júri e o julgamento pela mídia. Boletim

IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 7, jul. 2008. 54

MORAES, Antônio Evaristo de, apud PALMA, Marcio Gestteira. Os tribunais da mídia. Boletim

IBCCRIM, São Paulo, v.13, n.158, p. 10-11, jan. 2006.

Page 17: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

17

Os responsáveis pela formação de opiniões têm o dever de transmitir notícias

úteis, de maneira que a informação traga algum benefício social, seja relacionado à

educação, à cultura, à saúde, à tecnologia etc. A violação de preceitos fundamentais

com o simples objetivo de satisfazer à curiosidade alheia e obter vantagens econômicas

não se justifica. É preciso ética por parte de imprensa. Ao invés de aproveitar-se da

criminalidade para vender notícias, a mídia deveria utilizar o seu poder de influência

pelo mundo todo para educar e conscientizar pessoas para que elas tenham boa conduta

e contribuam positivamente para a sociedade. Contudo, ocorre o contrário, sendo

violados direitos fundamentais, como a já mencionada garantia do estado de inocência55

e o direito a um julgamento imparcial.

As notícias são mais rápidas que o Direito, por isso, os seus juízos paralelos

possuem mais força do que a própria investigação ou instrução criminal, difundindo

pré-julgamentos. Desmentir o que já foi dito pela imprensa é muito mais complicado e

difícil. A exposição em massa pode afetar o juiz, prejudicando a sua imparcialidade,

com danos muitas vezes irreparáveis56

.

Não existem parâmetros para a atuação da mídia, mas é necessário buscar

conciliar o interesse da sociedade em se manter informada com as garantias

fundamentais dos envolvidos na persecução penal. Na verdade, a própria imprensa é que

deveria agir eticamente, analisando, no caso, quais os direitos envolvidos, os benefícios

sociais que determinada informação poderá trazer e os prejuízos para o suspeito. Os

interesses em conflito precisam ser ponderados, cabendo à mídia a obrigação de

consciência do seu poder como formadora da opinião pública. Resta aos poderes

públicos puni-la no âmbito cível e criminal sempre que extrapolar os limites da

informação.

De acordo com Fernando Luiz Ximenes Rocha57

:

A imprensa, com certeza, exerce papel de fundamental importância

numa sociedade livre e pluralista, pelo que a liberdade de expressão

constitui princípio impostergável num Estado que se pretenda

democrático e de direito. O que não podemos aceitar é essa prática

desrespeitosa à dignidade humana, pois ninguém perde a qualidade

de ser digno por haver cometido um delito, por mais horrendo que

este possa ser, tampouco pela infelicidade de encontrar-se segregado.

55

PALMA, Marcio Gestteira. Op. cit., p. 10-11. 56

A propósito: LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da

instrumentalidade constitucional, p. 191 e s. 57

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Mídia, processo penal e dignidade humana. Boletim IBCCRIM, São

Paulo, v.11, n.n. esp., p. 2-3, out. 2003.

Page 18: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

18

Como afirmam ainda Renata Rieger e Rafael Pinheiro58

:

[...] todo e qualquer abuso deve ser reprimido (aliás, como a própria

imprensa cobra, com ênfase e legitimidade, das autoridades

responsáveis), também o excesso da informação deve ser combatido

de forma não menos enfática, sob pena de indesejável incoerência

sistêmica, desastrosa no contexto tecnocolonizado.

Assim, é de se notar a relevância da publicidade para o Direito justo, mas

também é possível perceber que este princípio, quando não usado adequadamente,

transforma-se em uma não garantia. Por isso, é necessário se evitar os abusos da

informação. Longe de encontrar a solução do problema, existem sugestões como as já

ditas, mas antes de tudo é de extrema importância uma mudança de postura por parte da

mídia e da sociedade.

5. Acerca de uma pretensa “verdade real”

A doutrina tradicional tende a dizer que o Processo Penal está voltado para a

busca de uma suposta ―verdade real‖, também chamada de substancial ou material, a

verdade efetiva dos fatos objeto do processo. Todavia, este discurso não mais pode ser

aceito no atual quadrante de evolução da ciência processual. Tal postura de busca

desenfreada pela ―verdade‖, se não comportar limites, pode vulnerar garantias e direitos

dos indivíduos, conduzindo a um modelo fundado no autoritarismo59

.

O Código de Processo Penal brasileiro, vigente desde a década de 1940, traz em

seu texto reflexos claros de um sistema inquisitorial, marcado pelo autoritarismo, e com

insistência na busca por uma ―verdade substancial‖. Em tal modelo inquisitorial,

permite-se ao juiz a iniciativa probatória, com amplos poderes instrutórios. Como alerta

Eugênio Pacelli de Oliveira, em tal sistemática o juiz, por vezes, substituía a atuação do

Ministério Público60

.

Hodiernamente, com o advento da Constituição Federal de 1988, foram

revigoradas as garantias individuais, dando lugar a um modelo de processo penal

58

RIEGER, Renata Jardim da Cunha; PINHEIRO, Rafael Camparra. A sociedade de informação e os

efeitos da liminar da ADPF n. 130: importância e limites da mídia. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16,

n. 197, p. 15, abr. 2009. 59

Vide a respeito: RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 10-11. E ainda: OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op. cit.,

p. 286. 60

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op. cit., p. 285.

Page 19: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

19

acusatório, o que se pode facilmente observar, por exemplo, no rol de garantias

individuais trazidas no artigo 5.º, da Constituição Federal, e em diversos tratados

internacionais de que o país é signatário61

. Assim, neste contexto, perde sentido a busca

sem freios por uma suposta ―verdade‖ ao arrepio das garantias.‖ ―[...] O direito não

pode ser realizado a qualquer preço. Há que se descobrir a possível verdade dentro de

um devido processo legal‖62.

De fato, como aponta Luigi Ferrajoli, diante das inúmeras dificuldades que o

magistrado enfrentará na reconstituição dos fatos, pode-se dizer que a ―verdade real‖ é

algo inalcançável63

. O que se pode ter, quando muito, é uma verdade aproximativa. O

que se deve buscar, sempre, é a verdade processualmente possível, mas consciente de

seus limites. Na instrução de um processo, inúmeras serão as limitações que o juiz

enfrentará na busca da ―verdade‖, podendo-se mencionar tanto limitações externas ao

processo quanto limitações intrínsecas64

.

No tocante à matéria fática, certamente é impossível se alcançar a verdade

absoluta. Em primeiro lugar, pela natural impossibilidade de se trazer toda a realidade

para os autos de um processo. Além do mais, o juiz não foi uma testemunha ocular,

ficando seu livre convencimento limitado ao que está documentado nos autos.

Uma outra limitação imposta aos juízes na busca da verdade são as incertezas

que caracterizam o raciocínio jurídico, fundado em premissas muitas das vezes

indefinidas e vagas, como os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais,

por exemplo, expressões como ―perigo de vida‖, ―motivo fútil‖, ―motivo torpe‖,

questões tormentosas para o magistrado em sua atividade decisória.

O subjetivismo do conhecimento judicial também é uma barreira à obtenção da

―verdade real‖, haja vista que dependerá de uma percepção personalíssima em relação

61

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op. cit., p. 285. 62

RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 08. Ainda nas palavras de Eugênio Pacelli: ―O aludido princípio, batizado

como da verdade real, tinha incumbência de legitimar eventuais desvios das autoridades públicas, além de

justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz em nosso processo penal. A expressão, como que

portadora de efeitos mágicos, autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação

ministerial (ou da acusação). Dissemos autorizava, no passado, por entendermos que, desde 1988, tal não

é possível. A igualdade, a par conditio (paridade de armas), o contraditório e a ampla defesa, bem como a

imparcialidade, de convicção e de atuação, do juiz, impedem-no‖ (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op.

cit., p. 286). 63

―A impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de

que verdade ‗certa‘, ‗objetiva‘ ou ‗absoluta‘ representa sempre a expressão de um ideal inalcançável‖.

(FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Tradução de Juarez Tavares,

Fauzi Hassan Choukr, Ana Paula Zomer Sica e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2006, p. 52). 64

CRUZ, Rogério Schietti Machado. A verdade processual em Ferrajoli. Boletim IBCCRIM. São Paulo,

v. 9, n. 106, p. 09-10, set. 2001.

Page 20: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

20

às provas65

. O juiz estará sempre condicionado ao ambiente em que está inserido, aos

seus sentimentos pessoais, inclinações e emoções etc.66

, o que impossibilita, de certa

forma, a absoluta imparcialidade e isenção diante do caso sub judice. Assim, Fredie

Didier Júnior afirma que a neutralidade é um mito, pois, ―ninguém é neutro, porque

todos têm medos, traumas, preferências, experiências etc‖ 67

.

Ademais, uma outra barreira enfrentada na busca da ―verdade real‖ são as

limitações constitucionais e legais que recaem sob o direito probatório, como, por

exemplo, a proibição da admissibilidade processual da prova obtida ilicitamente (art.

5.º, LVI, da Constituição Federal e artigo 157, do Código de Processo Penal), e a

vedação de que algumas pessoas possam ser testemunhas (art. 207 do Código de

Processo Penal), fatores que muitas vezes obstam o juiz na tentativa de reconstrução dos

fatos. Eugênio Pacelli de Oliveira aponta para estas dificuldades de se alcançar a

verdade dos fatos através do processo. Literalmente:

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a

reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior

coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade

dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A

tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a

reconstrução da verdade 68

.

Dessa feita, mesmo que no Processo Penal seja de extrema importância a

comprovação dos fatos, diferentemente do que ocorre no processo civil, em que se

chega até a aceitar a presunção de veracidade de fatos não impugnados quando narrados

na inicial (art. 302, do Código de Processo Civil), é certo que todos os fatos

comprovados em juízo serão fruto de uma verdade reconstruída, que dependerá da

cooperação das partes e das limitações impostas ao magistrado. A propósito destas

limitações impostas ao Estado, Rogério Schietti Machado destaca:

Essas limitações tornam, decerto, mais onerosa a tarefa do Estado em

oferecer um Direito Penal que responda, com maior eficiência, aos

anseios punitivos da maioria da população. No entanto, o direito penal

não se legitima pela vontade da maioria, como anota Ferrajoli, mas

pela tradição pós-iluminista sedimentada nas cartas políticas dos

povos modernos e nos documentos de regência transnacional.

65

SILVA, André Adriano do Nascimento. O mito da verdade real. Disponível na internet em:

<www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 22.10.2009. 66

CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. cit., p. 10. 67

DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. v. 02. Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 69. 68

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op. cit., p. 281.

Page 21: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

21

Cabe ao garantismo penal a tarefa de propor regras de aplicação das

leis de forma tal a reduzir ao máximo a possibilidade do erro e do

arbítrio. O seu grande desafio, portanto, é elaborar essas regras e

técnicas no plano teórico, fazê-las vinculantes no plano normativo e

assegurar sua efetividade no plano prático69

.

Então, diante disso, não mais se pode dizer que se objetiva no processo penal

alcançar a ―verdade real‖. Nos dias atuais, seria mais apropriado se falar em uma

―verdade jurídica‖, a verdade processualmente possível ou aproximativa. Esta ―verdade

jurídica‖ é aquela em que o magistrado, ciente da impossibilidade do alcance do mito da

―verdade real‖, procura formar seu juízo de certeza com os fundamentos trazidos ao

processo com cooperação das partes, sempre respeitando os ditames legais e

constitucionais na atividade probatória. Segundo aponta Rangel: ―A verdade é

processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são

levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recaem

sobre tudo que se apurou nos autos do processo‖70

.

Todavia, Aury Lopes Jr., com amparo em Carnelutti, chega a questionar a

própria noção de verdade, que seria algo sempre inalcançável. Segundo o autor: ―[...]

mesmo a verdade processual é igualmente inadequada. Com razão CARNELUTTI

quando dizia (já em 1925) ser estéril a discussão a respeito de viger a verdade real

(material) ou a verdade processual (formal). O problema é a ‗verdade‘‖71

.

6. Princípio da inadmissibilidade processual das provas obtidas por meio ilícito

A Constituição Federal de 1988 prescreve, em seu art. 5.º, LVI, a

admissibilidade processual das provas obtidas por meio ilícito. ―A vedação das provas

ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e

desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande

responsável pela sua produção. Neste sentido, cumpre função emitentemente

pedagógica, ao mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem

jurídica‖72

.

69

CRUZ, Rogério Schietti Machado. Op. cit., p. 10. 70

RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 07. 71

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional, p. 278. 72

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op. cit, p. 295.

Page 22: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

22

A disciplina da prova obtida ilicitamente foi minudenciada com o advento da Lei

11.690/2008, que reformou, dentre outros dispositivos, o art. 157 do Código de

Processo Penal. Tal diploma trouxe para o art. 157, caput, do Código de Processo Penal

uma definição de provas ilícitas, ―assim entendidas as obtidas em violação a normas

constitucionais ou legais‖, albergando o conceito difundido pela doutrina.

A doutrina e a jurisprudência, ao argumento de que direitos fundamentais não

podem ser absolutizados, admitem a relativização da vedação da admissão processual da

prova ilícita, com base no princípio da proporcionalidade, ponderando-se os interesses

em conflito no caso. Contudo, o legislador, ao reformar o Código de Processo Penal,

optou por não disciplinar a questão. Consoante se manifestou Ada Grinover em

comentário aos trabalhos da comissão de reforma do Código de Processo Penal, que deu

origem ao texto legal: ―Deixa-se em aberto a aplicabilidade, ou não, do princípio da

proporcionalidade, que no Brasil ainda carece de ser mais trabalhado pela doutrina e

pela jurisprudência (...)‖73

. Parece, de fato, a melhor alternativa ter deixado ao aplicador

do direito, diante das especificidades do caso, ponderar os interesses envolvidos e optar,

fundamentadamente, pela admissão ou não da prova ilícita. O entendimento que tem

maior número de adeptos é o que advoga a admissão da prova ilícita pro reo. Contudo,

há quem admita a aplicação do princípio da proporcionalidade como argumento para se

admitir a prova ilícita ainda que contra o réu, em casos excepcionais74

.

No § 1.º do art. 157 do Código de Processo Penal, consignou-se a

inadmissibilidade das chamadas provas ilícitas por derivação, assim entendidas as

provas que, isoladamente analisadas, são lícitas, porém, foram obtidas a partir de uma

prova ilícita. A reforma adotou a ―teoria dos frutos da árvore envenenada‖,

desenvolvida pela Suprema Corte norte-americana, segundo a qual a ilicitude da prova

contamina as que dela se originam. Com a inovação, retirou-se o sentido do

entendimento que advogava a admissibilidade das provas derivadas das ilícitas, ao

argumento de que não havia expressa vedação das mesmas em nosso ordenamento

jurídico75

.

73

GRINOVER, Ada Pellegrini. A reforma do processo penal. In: WUNDERLICH, Alexandre (org.).

Escritos de direito e processo penal em homenagem ao professor Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2002, p. 07. 74

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Op. cit., p. 323. 75

Antes da reforma, defendendo que, como a previsão do art. 5.º LVI da Constituição Federal se limita a

referir à prova ilícita, enquanto não houvesse vedação expressa a prova derivada da ilícita seria

admissível no direito brasileiro: RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2007, p. 416.

Page 23: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

23

Contudo, acolhendo os avanços no tratamento da matéria levados a efeito pela

Suprema Corte norte-americana, a nova redação do art. 157, § 1.º do Código de

Processo Penal previu que a inadmissibilidade da prova pode ser contornada, quando

não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita e a dela derivada, ou então

as provas derivadas puderem ser obtidas ―por uma fonte independente‖. Com este

temperamento, o legislador trouxe duas propostas teóricas: a chamada ―teoria da fonte

independente‖ (independent source) e a teoria da descoberta inevitável (inevitable

discovery). Pela primeira, a prova derivada seria admissível se pudesse ser descoberta

independentemente da prova ilícita. Pela teoria da descoberta inevitável, se entende que

a prova em princípio derivada da ilícita seria admissível, se o curso normal e regular da

instrução conduzisse fatalmente à sua descoberta (redação do art. 157, § 2.º, do CPP)76

.

A crítica que se pode formular a estas perspectivas é a indeterminação e

ausência de parâmetros de aferição dessa ―fonte independente‖ ou até que ponto estar-

se-ia realmente diante de uma ―descoberta inevitável‖, exigindo-se parcimônia por parte

do intérprete, sob pena de esvaziamento da garantia individual.

A Lei 11.690/2008 previu, ainda, incidente destinado ao desentranhamento da

prova ilícita dos autos, bem como sua inutilização por decisão judicial, facultando o

acompanhamento da providência pelas partes na redação do art. 157, § 3.º do Código de

Processo Penal77

.

7. A identidade física do juiz78

Uma das mais significativas reformas implementadas do Código de Processo

Penal pela Lei 11.719/2008, foi a expressa consagração da identidade física do juiz, já

existente há tempos no âmbito do direito processual civil. Diante do silêncio do

legislador brasileiro, entendia-se que a identidade física não se aplicava ao processo

76

Vide: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p. 162-163. 77

Para uma análise mais detida dos reflexos processuais da prova ilícita: FERNANDES, Antonio

Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 84 e s. 78

Ressalte-se, desde já, que Gustavo Henrique Badaró prefere se referir à identidade física do juiz como

regra, e não princípio, como é comum. Esta abordagem, de fato, parece a mais adequada, diante dos

critérios de distinção entre princípios e regras apontados pela doutrina. Neste sentido: BADARÓ, Gustavo

Henrique Righi Ivahy. A regra da identidade física do juiz na reforma do código de processo penal.

Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 17, n. 200, p. 12-13, jul. 2009. A respeito da distinção entre princípios

e regras, de uma forma mais detida: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação

dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

Page 24: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

24

penal. A doutrina sempre reivindicou sua adoção no âmbito processual penal79

. Todavia,

segundo a nova redação do art. 399, § 2.º, do Código de Processo Penal, literis: ―O juiz

que presidiu a instrução deverá proferir sentença‖.

Tal determinação guarda direta vinculação com o princípio do juiz natural, pois

constitui ―um importante mecanismo para evitar que, no momento culminante do

processo, isto é, de sentenciar o feito, possa haver substituição do juiz, em razão de

critérios aleatórios, para não dizer discricionários ou abusivos, colocando em risco o

direito o julgamento por juiz imparcial‖80

.

Nos dizeres de Andrey Borges de Mendonça: ―O princípio da identidade física

significa que o juiz que colher a prova fica vinculado ao julgamento da causa.

Resguardam-se, assim, a própria imediatidade e concentração, pois de nada adiantaria

que o juiz tivesse contato com a prova se não ficasse vinculado ao julgamento do

feito‖81

.

A violação à identidade física do juiz, segundo manifesta a doutrina, daria ensejo

à nulidade absoluta. Ainda na lição de Andrey Borges de Mendonça:

Violação ao princípio da identidade física:

Entendemos que haverá nulidade. Conforme ensina José Roberto dos

Santos Bedaque: ‗o princípio da identidade física do juiz atende ao

interesse público, pois destinado a conferir maior eficiência ao

julgamento, possibilitando seja a sentença proferida por quem, em

tese, reúne melhores condições de fazê-lo. Em razão disso, sua

violação implica nulidade absoluta‘. A lição se aplica com maior

força ao processo penal, no qual os interesses em jogo são

indisponíveis82

.

Por fim, cabe ressaltar que a disciplina do Código de Processo Penal não é

minudente, não determinando a solução, por exemplo, para as hipóteses em que o

magistrado tenha que se afastar do processo. Todavia, a doutrina tem entendido que a

resposta deve ser buscada no tratamento da questão pelo Código de Processo Civil, que,

79

CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica

jurisprudencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 650. 80

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Op. cit., p. 12-13. 81

MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal. São Paulo: Método,

2008, p. 285, 287-288. 82

MENDONÇA, Andrey Borges de. Op. cit., p. 285, 287-288. Da mesma forma, analisando a violação do

princípio, esclarece Gustavo Badaró que: ―trata-se de nulidade absoluta, na medida em que haverá

‗prejuízo evidente‘ no julgamento por juiz diverso daquele que presidiu a instrução‖ (BADARÓ, Gustavo

Henrique Righi Ivahy. Op. cit., p. 12-13).

Page 25: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

25

nestes casos, determina a remessa do feito para seu sucessor. Nas palavras de Leandro

Galluzzi dos Santos:

Questão não prevista pelo Código de Processo Penal, contudo, diz

respeito às hipóteses de convocação, licença, promoção ou qualquer

outro motivo que afaste o juiz que tiver presidido a audiência. Neste

caso, entendemos que deverá ser aplicada a regra do processo civil

que diz que, para estas hipóteses, os autos passarão para o sucessor

deste magistrado, abrindo-se sempre a possibilidade de repetição das

provas já produzidas quando o juiz entender cabível (art. 132, caput e

parágrafo único, do CPC)83

.

8. Conclusão

Os princípios processuais penais refletem os valores que visam à concretização

de um processo justo. Assumem destacado papel, promovendo a aproximação da

legislação a valores, possibilitando a constante releitura, atualização e conformação do

processo penal vigente, adequando-o aos imperativos constitucionais, e possibilitando

sua transformação em um mecanismo de tutela dos direitos fundamentais dos

envolvidos na persecução penal. São os alicerces em que se fundam as bases de justiça

de um processo penal democrático.

9. Referências

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A regra da identidade física do juiz na

reforma do código de processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 17, n. 200, p.

12-13, jul. 2009.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros,

2004.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica

jurisprudencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito

processual penal brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal

do Paraná, Curitiba, v. 30, n. 30, p. 163-198, 1998.

83

SANTOS, Leandro Galluzzi dos. Procedimentos. In MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (org.). As

reformas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 329. No mesmo sentido:

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Op. cit., p. 12-13.

Page 26: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

26

COUTINHO, Felipe. Polícia Rodoviária ignora parecer da AGU. Disponível na internet

em: <http://www.conjur.com.br/2009-set-14/policia-rodoviaria-ignora-agu-nao-

prendera-quem-recusar-bafometro>. Acesso em: 14/09/2009.

CRUZ, Rogério Schietti Machado. A verdade processual em Ferrajoli. Boletim

IBCCRIM. São Paulo, v. 9, n. 106, p. 09-10, set. 2001.

DELMANTO JR., Roberto. O fim do protesto por novo júri e o julgamento pela mídia.

Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 188, p. 7, jul. 2008.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. v. 02. Salvador: JusPODIVM,

2009.

FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói:

Impetus, 2009.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1999.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Tradução de

Juarez Tavares, Fauzi Hassan Choukr, Ana Paula Zomer Sica e Luiz Flávio Gomes. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A reforma do processo penal. In: WUNDERLICH,

Alexandre (org.). Escritos de direito e processo penal em homenagem ao professor

Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. 8. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004.

LARANJEIRA, Ronaldo. O bafômetro e a ―lei seca‖. Boletim IBCCRIM, São Paulo,

ano 16, n. 189, p. 17, ago. 2008

LOPES JR., Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo

razoável no processo penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 4-5, jul.

2005

______. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1. 4. ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2009.

______. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

______. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2005.

Page 27: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

27

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São

Paulo: Malheiros, 2000.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal. São

Paulo: Método, 2008.

MOREIRA, Reinaldo Daniel. Mídia, liberdade de expressão e direito penal. Boletim

IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 182, p. 8, fev. 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2008.

PALMA, Marcio Gestteira. Os tribunais da mídia, Boletim IBCCRIM, São Paulo, v.13,

n.158, p. 10-11, jan. 2006.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

RIEGER, Renata Jardim da Cunha; PINHEIRO, Rafael Camparra. A sociedade de

informação e os efeitos da liminar da ADPF n. 130: importância e limites da mídia.

Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 197, p. 15, abr. 2009.

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Mídia, processo penal e dignidade humana. Boletim

IBCCRIM, São Paulo, v.11, n. esp., p. 2-3, out. 2003.

SANTOS, Leandro Galluzzi dos. Procedimentos. In MOURA, Maria Thereza Rocha de

Assis (org.). As reformas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. A mídia e o direito penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo,

n.45, p. 16, ago. 1996.

SILVA, André Adriano do Nascimento. O mito da verdade real. Disponível na internet

em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 22.10.2009.

SILVA, Marcos Rondon. A garantia da duração razoável do processo no âmbito da

execução penal: o regular gerenciamento do processo executivo como forma de

amenizar o passivo social causado pelo excesso na execução. Boletim IBCCRIM, São

Paulo, ano 16, n. 195, p. 17, fev. 2009.

TORON, Alberto Zacharias. Notas Sobre a Mídia nos Crimes de Colarinho Branco e o

Judiciário: os Novos Padrões. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9,

n. 36, out./dez. 2001, p. 259.

TOVO, Paulo Cláudio. Introdução à principiologia do processo penal brasileiro. In

______ (org.). Estudos de direito processual penal. Porto Alegre: Livraria do advogado,

1995, p. 09-62.

Page 28: Princípios fundamentais do processo penal brasileirore.granbery.edu.br/artigos/MzU0.pdf · estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, ... sistema de comandos. É a

28