Princípio Da Insignificancia, o Poder Dever de o Delegado de Polícia Efetuar Sua Análise

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O princípio da Insignificância

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Princpio da Insignificncia: o poder/dever de o Delegado de Polcia efetuar a sua anlise Salvar 0 comentrios Imprimir Reportar Publicado por Mauro Cesar - 6 meses atrs 9 A aplicao do princpio da insignificncia pelos nossos Tribunais j vem de longa data, seja em casos que envolvam delitos patrimoniais, ou no. No entanto, a discusso acerca da aplicao deste princpio pelo Delegado de Polcia, apesar de ser quase que entendimento unnime na doutrina, ainda mais aps a promulgao da Lei 12.830/13, no vem de muito tempo. Isso porque muitos doutrinadores sempre defenderam a ideia de que o Delegado de Polcia deveria ater-se apenas ao formalismo do texto legal, e no materialidade do fato ocorrido no caso concreto. Certa vez, me foi apresentado um caso no qual um cidado havia sido preso em flagrante delito por ter tentado furtar 03 (trs) desodorantes em um supermercado. No concordando com a necessidade de encarceramento do referido cidado, debrucei-me nos livros para fundamentar a deciso de no lavratura do flagrante. Desta deciso nasceu a vontade de escrever acerca do tema e algumas de suas passagens sero aqui colacionadas.Tomando como exemplo um delito de furto de algum bem insignificante para o Direito Penal, em uma primeira e rpida anlise do fato ocorrido, somos tentados a enxergar crime na conduta do conduzido, pois todos os elementos formais do tipo estariam presentes: todos os atos de execuo foram praticados; havia o dolo do agente consistente na vontade livre e consciente de subtrair a res furtiva; o fato amoldou-se formalmente norma proibitiva do caput do artigo 155 do Cdigo Penal, que incrimina a subtrao de coisa alheia mvel, sem a utilizao de violncia ou grave ameaa por parte do agente; alm de o agente ter a posse mansa e pacfica do bem (entendo, na esteira de grande parte da doutrina, que os crimes de roubo e furto se consumam apenas com a posse mansa e pacfica do bem, ao contrrio do que vem entendendo o Supremo Tribunal Federal em seus julgados). Assim, teria ocorrido a consumao do crime, na medida em que um suposto autor teria em sua posse mansa e pacfica uma coisa alheia mvel, que fora subtrada sem violncia e grave ameaa pessoa. No havendo causa excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade a serem aplicadas no caso em tela teramos, portanto, o ilcito penal consumado, segundo conceito analtico de crime, que engloba o fato tpico, antijurdico e culpvel.Porm, basta nos desatrelarmos um pouco do finalismo formal que somos doutrinados em nossas instituies de ensino a aplicar no dia a dia, para verificarmos claramente que o fato praticado pelo conduzido no encontraria enquadramento tpico. No direito penal moderno, para termos um fato tpico, necessrio, de acordo com a teoria da tipicidade conglobante, alm de todos aqueles requisitos formais que aprendemos ao estudar a teoria finalista da ao de Welzel (adotada em nosso Direito Penal, segundo maioria da doutrina), a ocorrncia da leso significativa, ou ameaa real de leso efetiva, maculando o bem jurdico que a norma proibitiva se prope a tutelar.No podemos olvidar de que a vtima tambm dever ser analisada, caso a caso, com razoabilidade, at porque uma leso patrimonial insignificante para uma vtima pode no o ser para uma outra vtima, a depender de sua condio financeira pessoal. Da mesma forma uma leso, verbi gratia, integridade fsica de uma pessoa. Um arranho com eventual sangramento pode ter uma consequncia para uma pessoa hemoflica diferente de uma pessoa que no possua tal sndrome.No caso discutido, acaso o bem fosse de nfimo valor, qual leso significante ao patrimnio da vtima (um supermercado) a sua subtrao, sem a utilizao de violncia ou grave ameaa pessoa, poderia causar? Entendemos que nenhuma.Desta forma, seria, penalmente falando, correto falar em leso ou ameaa de leso ao bem jurdico tutelado (patrimnio da vtima) que justificasse a mobilizao de toda mquina persecutria estatal para levar um cidado ao crcere, nem que fosse por apenas algumas horas, at a apreciao do caso pelo Magistrado? A resposta negativa bvia.Certa vez, o Professor Luis Flvio Gomes, em excelente artigo publicado na Internet no site do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Cincias Criminais), criticou a atuao em flagrante delito de uma mulher que furtara uma cebola, defendendo a aplicao do princpio da insignificncia pelo Delegado de Polcia:A priso em flagrante de Izabel fruto de um equvoco. Demonstra de outro lado que o ensino jurdico no nosso pas (e particularmente o ensino do Direito penal) precisa avanar. O homem j chegou lua, o mundo se globalizou, o planeta se integrou inteiramente pela Internet e nosso Direito penal continua o mesmo da Segunda Guerra Mundial. O delegado agiu da forma como agiu porque aprendeu na faculdade ser um legalista positivista e napolenico convicto. Esse modelo de ensino jurdico (e de Direito penal) j morreu. Mas se j morreu, porque o delegado continua lavrando flagrante no caso do furto de uma cebola? A resposta simples: morreu mas ainda no foi sepultado! O modelo clssico e provecto de Direito penal como elefante: dar tiros nele fcil, difcil ser sepultar o cadver.O delegado, o juiz e o promotor que seguem o velho e ultrapassado modelo de Direito penal (formalista, legalista), no mximo aprenderam o Direito penal do finalismo (que comeou a ficar decadente na Europa na dcada de 60 exatamente por ser puramente formalista). Apesar disso, ainda o modelo contemplado (em geral) nos manuais brasileiros e o ensinado nas faculdades de direito." [i]Neste caso narrado pelo professor, seria evidente que se faria necessria a aplicao do princpio da insignificncia, poupando todo aparato policial, ministerial e judicial, j to assoberbados de ocorrncias graves, tais como homicdios, trfico de entorpecente e roubos, de se movimentar para dar uma resposta penal sociedade no que tange conduta do agente.Isso no quer dizer que o agente no deva responder pelo que cometeu, ou que caso tivesse logrado xito em seu intento de furtar os bens, estaria o hipottico agente desobrigado a ressarcir a vitima, mas sim que o Direito Penal no deve se ocupar de ocorrncias menores, afastando-se, assim, de sua real funo, qual seja, a tutela jurdica dos bens mais importantes, que devem estar constitucionalmente previstos, e que porventura venham a ser seriamente maculados pela conduta de algum. O Direito Penal s deve ser utilizado em casos extremos, ainda mais quando a iniciativa da persecuo penal gera de imediato a priso em flagrante como medida cautelar. Existem outros ramos do Direito que podem se ocupar de tal fato.Um motivo no menos importante o fato de os Tribunais Superiores aplicarem o princpio da insignificncia nos casos de crimes tributrios, tendo sido fixado pela jurisprudncia o valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a aplicao de tal princpio, tendo como base o art. 20 da Lei n. 10.522/2002, que determina o arquivamento das execues fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00. Em outros termos, a Lei determina que, at o valor de R$ 10.000,00, os dbitos inscritos como Dvida Ativa da Unio no sero executados, ficando arquivados at que os dbitos superem tal valor. Atualmente, tais valores montam R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por fora da portaria n 75, do Ministrio da Fazenda, publicada no Dirio Oficial da Unio em 26/03/2012. E a jurisprudncia ratifica esse entendimento no campo do Direito Penal, aplicando-o em seus julgados.Isto porque, segundo a jurisprudncia, no h sentido lgico permitir que algum seja processado criminalmente pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer ser cobrado no mbito administrativo-tributrio. Nesse caso, o direito penal deixaria de ser a ultima ratio do sistema jurdico.Frisa-se que parte da doutrina, com a qual nos filiamos, entende ser caso de incidncia do princpio da proporcionalidade, e no da insignificncia (at porque R$ 20.000,00 no podem ser considerados insignificantes), visto que, se no necessria/adequada a interveno menos grave (civil), tampouco ser a mais grave (penal).[ii]Ora, por qual motivo os operadores do direito deveriam aplicar o princpio da insignificncia em crimes tributrios, cuja grande maioria dos autores de crimes fazem parte da parcela mais alta das classes sociais, segundo Edwin Hardin Sutherland, que pesquisou os autores de White-collar crime (Crimes do Colarinho Branco), chegando essa concluso j na primeira metade do sculo passado, e no aos crimes patrimoniais que envolvam bens de pequeno valor, que na grande maioria das vezes so cometidos pelos pobres? O Direito Penal da modernidade deve deixar de ser seletivo e preconceituoso e passar a ser criterioso em sua aplicao, no importando a classe social, cor ou outra caracterstica do autor, mas sim sua conduta, tornando-se, definitivamente, um Direito Penal do Fato, e no do autor! E o Delegado de Polcia tem obrigao de ser o primeiro realizador desta premissa, haja vista, como j dito, ser ele o primeiro garantidor dos direitos fundamentais dos cidados.Nessa seara, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que, para aplicao do princpio da insignificncia, devemos observar os seguintes requisitos:(a) mnima ofensividade da conduta do agente;(b) nenhuma periculosidade social da ao;(c) reduzidssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da leso jurdica provocada Seguindo-se este raciocnio, h farta jurisprudncia acerca da aplicao do princpio da insignificncia, considerando a escassa gravidade da conduta aliada ao pequeno valor do bem objeto da subtrao, no caso do crime de crimes patrimoniais sem violncia ou grave ameaa pessoa, destacando-se as decises abaixo colacionadas:"1. Ao Penal. Justa causa. Inexistncia. Delito de furto. Subtrao de garrafa de vinho estimada em vinte reais. Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicao do princpio da insignificncia. Atipicidade reconhecida. Extino do processo. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificncia jurdica do ato tido por delituosos, de ser extinto o processo da ao penal, por atipicidade do comportamento e consequente inexistncia de justa causa.2. Ao Penal. Suspenso condicional do processo. Inadmissibilidade. Ao Penal destituda de justa causa. Conduta atpica. Aplicao do princpio da insignificncia. Trancamento da ao em Habeas Corpus. No se cogita de suspenso condicional do processo, quando, vista da atipicidade da conduta, a denncia j devia ter sido rejeitada."(HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO)"Princpio da insignificncia - Furto - Pequeno valor da coisa furtada - atipicidade do fato ante ausncia da lesividade ou danosidade social - A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princpio da insignificncia surge justamente para evitar situaes dessa espcie, atuando como instrumento de interpretao restritiva do tipo penal, com significado sistemtico e poltico-criminal de expresso da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiria e fragmentria do direito penal"(TACRIM-SP - AC - Rel. Mrcio Brtoli - RT 733/579)Como se v, todos os requisitos estariam presentes no caso hipottico em comento, impondo-se, por conseguinte e obrigatoriamente, a aplicao do referido princpio, tambm conhecido como crime de bagatela ou infrao bagatelar.Sua aplicao decorreria no sentido de que o direito penal no deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por no importar em leso significativa a bens jurdicos relevantes - no represente, por isso mesmo, prejuzo importante, seja ao titular do bem jurdico tutelado, seja integridade da prpria ordem social.O professor Nilo Batista, citando autores como Claus Roxin e Jos Luis Dez Ripolls, preleciona que:... O velho princpio mnima non curat Praetor serviu de fundamento para o moderno enunciado do princpio da insignificncia ou da bagatela, segundo o qual as afetaes diminutas do bem jurdico no constituem leso relevante para os fins da tipicidade objetiva. Foi o princpio criticado como proveniente da velha antijuridicidade material e rechaado, propondo-se sua substituio pela via da interpretao restritiva ou, de lege ferenda, atravs do princpio processual da oportunidade. A primeira insuficiente e o segundo depende de algum critrio seria inaceitvel que a oportunidade de propor a ao penal fosse uma deciso arbitrria que encontra no princpio da insignificncia seu melhor contedo. Mesmo aqueles autores que o negam reconhecem a necessidade de resolver casos nos quais a afetao irrisria do bem jurdico tornaria inquo e irracional o exerccio do poder punitivo.[iii]Por sua vez, Francisco de Assis Toledo, assevera que:segundo o princpio da insignificncia, que se revela por inteiro pela sua prpria denominao, o direito penal, por sua natureza fragmentria, s vai aonde seja necessrio para a proteo do bem jurdico. No deve ocupar-se de bagatelas.[iv]Citamos ainda o Professor Rogrio Greco, que nos ensina que:se no h tipicidade material, no h tipicidade conglobante; por conseguinte, se no h tipicidade penal, no haver fato tpico; e, como consequncia lgica, se no h o fato tpico, no haver crime.[v]A insignificncia, portanto, tem a natureza jurdica de causa excludente de tipicidade, o que impe que seja avaliada pelo Delegado de Polcia (assim como deveria ser, acaso levasse excluso da antijuridicidade ou ao afastamento da culpabilidade do autor, segundo a Lei 12.830/13). Se o fato insignificante, no tpico. Se no tpico, defeso Autoridade policial lavrar o auto de priso em flagrante, ou at mesmo iniciar a persecuo penal, instaurando-se o Inqurito Policial atravs de Portaria, o que no impede o controle externo da atividade fim efetuada pela Polcia Civil, a ser exercido pelo Ministrio Pblico (police accountability).Na hiptese do furto aqui criada, um incauto logo diria ser obrigao da Autoridade Policial lavrar o auto de priso em flagrante e mandar recolher o conduzido ao crcere, prendendo-o em flagrante, at que um Juiz de Direito aprecie essa priso em flagrante, convertendo-a em priso preventiva, diante de requerimento da Autoridade Policial ou manifestao do Ministrio Pblico, ou concedendo a liberdade provisria, condicionada ou no ao cumprimento de outras medidas cautelares previstas no Cdigo de Processo Penal. Ou ento alegaria que o Delegado de Polcia teria a possibilidade de arbitrar fiana no caso em tela, acaso a conduta do agente fosse referente ao tipo penal de furto simples, como era na prtica.Todavia, este no o comportamento que se deve esperar de um Delegado de Polcia. O Brasil, diferentemente de muitos pases do mundo, aplica com muita maestria algumas ideias previstas na Teoria do Garantismo Penal, muito difundida entre ns pelo Professor Luigi Ferrajoli, em relao ao procedimento relativo priso em flagrante. Isto porque, em nosso ordenamento jurdico foi institudo, no mbito da Polcia Judiciria, um cargo dirigente para cujo ingresso se exige Bacharelado em Direito e concurso pblico de alto grau de dificuldade, em que so cobrados amplos conhecimentos jurdicos, em diversos ramos do direito, qual seja: o de Delegado de Polcia. E este Delegado de Polcia, que antes de exercer tal cargo um operador do direito, possui independncia jurdica para entender, ou no, se aquele fato que lhe foi apresentado caso de lavratura de auto de priso em flagrante, privando o suposto autor do fato, antes de qualquer instruo probatria mais robusta, e muitas vezes at mesmo da defesa deste suposto autor, por se negar a falar em sede policial. Frisa-se que, segundo a nossa Constituio Federal, a liberdade a regra, sendo a priso exceo, o que ressalta ainda mais a importncia do referido cargo, da necessidade de seu ocupante ser Bacharel em Direito e possuir independncia para decidir conforme suas convices jurdicas. Salta aos olhos a importncia, portanto, do Delegado de Polcia: A DE SER O PRIMEIRO GARANTIDOR DA CORRETA APLICAO DA LEI E DA MANUTENO DA LIBERDADE DOS CIDADOS.Por conseguinte, nossas leis penais obrigam que cada priso em flagrante efetuada pelos agentes da Autoridade Policial, ou por qualquer pessoa do povo, seja documentada atravs de um procedimento presidido pela Autoridade Policial, que far um juzo imediato de sua legalidade, tendo como poder/dever recolher ao crcere ou colocar o conduzido em liberdade, conforme entenda pela tipicidade ou atipicidade do fato. O Delegado de Polcia dever, ainda, analisar a caracterizao, ou no, do estado flagrancial, a teor do disposto no art. 304, 1 do CPP. Art. 304. Apresentado o preso autoridade competente, ouvir esta o condutor e colher, desde logo, sua assinatura, entregando a este cpia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, proceder oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatrio do acusado sobre a imputao que lhe feita, colhendo, aps cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (Redao dada pela Lei n 11.113, de 2005) 1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandar recolh-lo priso, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiana, e prosseguir nos atos do inqurito ou processo, se para isso for competente; se no o for, enviar os autos autoridade que o seja.Tal dispositivo garantista visa instituir um controle de legalidade nos atos dos agentes da Autoridade Policial, bem como no dos populares, em sua maioria desprovidos de conhecimentos jurdicos, a ser feito por um Delegado de Polcia integrante da Polcia Judiciria, que engloba o rol das carreiras jurdicas do Estado, justamente para se evitar abusos que possam vir a ser cometidos pelos demais agentes de polcia, sempre ressaltando que tal controle imediato no afasta a manifestao posterior do Ministrio Pblico, bem como a converso ou no da priso em flagrante em priso preventiva pelo Poder Judicirio.Desta feita, no pode e no deve o Delegado de Polcia se ater apenas literalidade da lei (tipicidade formal), no momento no qual lhe apresentarem um cidado que haja sido preso em flagrante, seja por qual motivo for. Acaso o Delegado de Polcia fosse obrigado a se ater a este formalismo literal da lei, no seria necessria a realizao de um concurso pblico com a exigncia de Bacharelado em Direito, bem como sua presena 24 horas por dia nas Delegacias de Polcia; pois ele poderia ser substitudo por um computador que indagasse ao policial militar, ou a quem quer que fosse o apresentante da ocorrncia, os fatos dela constantes, tipificando-a imediatamente, e determinando o recolhimento ou no do cidado conduzido ao crcere, conforme encontrasse ou no adequao da conduta lei penal. No fosse necessria a interpretao da lei pelo operador do direito, tambm no seria necessria a presena de outros atores do processo penal, como o Promotor de Justia e o Magistrado, na medida em que bastaria, da mesma forma, colocar em um programa de computador o que ocorrera e este programa faria a tipificao jurdica, no caso do oferecimento da denncia, bem como decidiria o caso e a pena correspondente, atravs da sentena.Sorte a da populao que o Direito no uma cincia exata, e que a lei penal tem a possibilidade, e o privilgio, de ser interpretada por operadores do direito conscientes das mazelas sociais, bem como das diversidades cultural, financeira e educacional presentes na populao de nosso Pas (no que pese boa parte dos operadores do direito, muitas das vezes, no atuarem com essa conscincia).Por isso mesmo, pode e deve a Autoridade Policial lanar mo de toda tcnica jurdica disponvel na doutrina, jurisprudncia e interpretao do direito, e acima de tudo, de todo o bom senso que possui, para decidir em primeira mo pela liberdade ou priso em flagrante de um indivduo. isso que a Lei 12.830/13 elenca em seus preceitos. isso que se espera de um Delegado de Polcia que atue apenas em respeito s leis e Constituio Federal, livre de quaisquer influncias externas. At porque a Autoridade Policial a primeira garantidora dos direitos fundamentais dos cidados, bem como da legalidade.No mesmo sentido, colacionamos as palavras do Professor Andr Nicolitt que, com maestria, nos ensina que: Com efeito, quando o Delegado de Polcia se depara com um fato que, aprioristicamente, insignificante, verificado que a notcia de crime no procede (verifica a improcedncia das informaes - 3 do art. 5 do CPP) est autorizado a deixar de lavrar o flagrante ou, simplesmente, deixar de instaurar o inqurito.Isto ocorre porque a funo do Delegado de Polcia fazer o primeiro juzo (provisrio) sobre a tipicidade. A funo do Delegado de Polcia no pode resumir-se a um juzo de tipicidade legal ou formal, tendo que ser alargada ao juzo de tipicidade material e, mesmo, conglobante. Entendimento diverso retira o significado e a importncia que a Constituio deu atividade de polcia judiciria, cujas atribuies foram definidas por ela, que exigiu, inclusive, a estruturao em carreira do cargo de Delegado de Polcia.[vi]Por lgico, o cidado que foi levado nossa presena, cuja deciso inspirou o presente artigo, foi posto imediatamente em liberdade, aps oitiva de todos os envolvidos e formalizao do ocorrido. Garantindo-se a liberdade e respeitando-se as leis foi feita, assim, a JUSTIA que se espera emanar das decises de um Delegado de Polcia.Diante do exposto, resta claro e evidente que o princpio da insignificncia, amplamente aceito em sede doutrinria e jurisprudencial em nosso ordenamento jurdico, dever ser analisado pelo Delegado de Polcia, seja para evitar a arbitrariedade de se colocar no crcere algum que no violou materialmente a lei penal; seja para que a Polcia Judiciria no se ocupe de questes menos importantes no dia a dia e priorize investigaes mais srias e relevantes para a sociedade; ou seja at mesmo para no assoberbar ainda mais o Poder Judicirio, que poder se preocupar com questes criminais que afetem seriamente os bens jurdicos mais importantes, que devero estar previstos constitucionalmente.

[i] GOMES, Luiz Flvio. Priso por furto de uma cebola. (10/06/2002) www.ibccrim.org.br.[ii] QUEIROZ, Paulo. Curso de direito Penal parte geral. Salvador, Editora JusPodivm: 2013, p. 93.[iii] BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugnio Ral; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, segundo volume: teoria do delito: introduo histrica e metodolgica, ao e tipicidade. Rio de Janeiro, Editora Revan: 2010, p.228-229.[iv] TOLEDO, Francisco de Assis. Princpios bsicos de direito penal. So Paulo: Saraiva, 1994, p. 183.[v] GRECO, Rogrio. Curso de direito penal parte geral 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2006, p. 70.[vi] NICOLITT, Andr. O delegado de polcia e o juzo de tipicidade: um olhar sob a tica da insignificncia, in Temas para uma Perspectiva Crtica do Direito: homenagem ao Professor Geraldo Prado. Editora Lumen Juris, 2010, p. 130.

Mauro CesarDelegado de Polcia do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito - FND/UFRJ. Ps Graduando em Cincias Criminais e Criminologia, Segurana Pblica e Poltica Criminal pela Universidade Anhanguera/LFG. Colunista do Canal Carreiras Policiais (Facebook). Professor...