Principais contributos da União Europeia e do Conselho da Europa ...
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DEBATER A EUROPA Periódico do CIEDA e do CIEJD, em parceria com GPE, RCE e o CEIS20. N.4 Janeiro/Junho 2011 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/
Principais contributos da União Europeia e do
Conselho da Europa em matéria de não
discriminação
Dulce Lopes
Assistente da Faculdade de Direito
Universidade de Coimbra
Resumo
Procede-se neste estudo a uma análise das mais relevantes iniciativas político-
legislativas e decisões judiciais em matéria de igualdade e não discriminação tomadas
no âmbito da União Europeia e do Conselho da Europa,já que são estes os principais
intérpretes de uma consciência jurídica europeia, ainda em formação, mas na qual
aqueles princípios se encontram incluídos.
Palavras chave: igualdade, não discriminação, União Europeia, Conselho da Europa,
Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Abstract:The study focuses the key political and legislative initiatives and case law of
the European Union and the Council of Europe concerning the principles of equality
and non-discrimination. These are indeed the main interpreters of a developing
European legal conscience, in which those principles are included.
Keywords: equality, non discrimination, European Union, European Council, European
Convention on Human Rights
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1.Introdução
O princípio da não discriminação, dada a sua jusfundamentalidade, tem vindo a
afirmar-se como um dos princípios estruturantes da protecção dos direitos do Homem.
No âmbito europeu, os principais obreiros desta tendência têm sido, como seria de
esperar, o Conselho da Europa e a União Europeia.
O primeiro porque tem por missão “realizar uma união mais estreita entre os
seus Membros, a fim de salvaguardar e de promover os ideais e os princípios que são o
seu património comum” [artigo 1.º, alínea a) do Estatuto do Conselho da Europa],
incluindo todo um aparato institucional para garantia do cumprimento de um dos seus
principais feitos: a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, doravante Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A
segunda porque foi avançando, progressiva e decisivamente, para uma Comunidade de
Direito1 – ou, mesmo, para uma Comunidade de Direitos Fundamentais2 –, pela
sujeição de todas as suas políticas e acções ao crivo dos princípios gerais de direito da
União Europeia e dos direitos fundamentais por ela amplamente reconhecidos.
É sobre esta dualidade que nos debruçaremos, de modo a colocar em evidência
as relações que se entretecem entre estes dois garantes da “ordem pública” europeia,
tendo como pano de fundo o princípio da não discriminação.
É certo que a concretização deste princípio envolve outros actores de direito
internacional, sejam eles organizações internacionais, Estados, organizações não
governamentais eindivíduos (de cuja iniciativa depende, a mais das vezes, a perseguição
de situações discriminatórias). Estes actores encontram-se enredados em complexas
teias de influências recíprocas marcadas ora pela tensão ora pela complementaridade
funcional, como é típico dos sistemas multinível assentes na partilha de valores e na
interligação de fontes de direito3.
1 Na formulação do Acórdão Partido Ecologista os Verdes contra Parlamento Europeu, de 23
de Abril de 1986, proferido no proc. 294/83. 2 Já neste sentido, cfr. BOGDANDY, Armin von - The European Union as a Human Rights
Organisation? European Rights and the Core of the European Union”, Common Market Law Review, N.º 37 (2000), p. 1307-1338, e idem - Comunità di diritti fondamentali come meta dell’integrazione? I diritti fondamentali e la natura dell’Unione Europea, Diritto Pubblico, n.º 3, 2001, p. 849-899.
3 Um dos domínios em que esta interligação é evidente é o da luta contra o terrorismo, que, por seu turno, é influenciada e influencia decisivamente os contornos do direito anti-discriminatório, desde logo porque os métodos em que assenta aquela luta assentam, muitas vezes, num ethnic profiling ou numa discriminação por “presunção” (cfr. MOECKLI, Daniel - Human Rights and Non-Discrimination in the “War on Terror”, Oxford: Oxford University Press, 2008). Neste âmbito, a complementaridade e acção conjugada das várias instâncias internacionais tem vindo a ser mediada pela especifidade e
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Simplificaremos, no entanto, esta intrincada malha internormativa, incidindo a
nossa atenção sobre as evoluções ocorridas no âmbito do Conselho da Europa (em
especial na Convenção Europeia dos Direitos do Direito do Homem) e da União
Europeia em matéria de não discriminação, e sobre o modo como tais evoluções se têm
vindo a condicionar (prejudicar ou complementar) mutuamente.
2. Principais impulsos em matéria de não discriminação
a. Na União Europeia
O princípio da não discriminação conheceu consagrações explícitas, mas
parcelares, no Tratado de Roma, precisamente nos domínios que mais influência
distorçora tinham no mercado de trabalho (a discriminação em razão da nacionalidade e
a discriminação entre trabalhadores dos sexos feminino e masculino, em matéria de
remuneração).
Cedo, porém, o relevo deste princípio foi ampliado e aprofundado, seja em
virtude de alterações e inovações legislativas, ocorridas tanto no direito primário, como
no direito secundário da União, seja em virtude de proclamações políticas advindas das
Instituições e órgãos da União e dos seus Estados-membros, seja ainda em virtude de
uma activa, e muitas vezes activista, jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia4.
originalidade de cada um dos seus níveis de regulamentação e actuação, sobretudo no que se refere aos standards de direitos fundamentais nelas vigentes. Para uma análise desta questão, cfr. Dulce Lopes – Direito Administrativo das Organizações Internacionais, in Tratado de Direito Administrativo Especial, OTERO, Paulo/ GONÇALVES, Pedro (coord.), Vol. III, Coimbra: Almedina, 2010, em especial p. 132-149, e, ainda, BARTOLONI, Eugenia - Articolazione delle competenze e tutela dei diritti fondamentali nelle misure UE contro il terrorismo”, Il Diritto dell’Unione Europea, n.º 1 (2009), p. 47-75; e VAN ROSSEM, Jan Willem - Interaction between EU law in the light of Intertanko and Kadi: the dilemma of norms binding the Member States but not the Community, Netherlands Yearbook of International Law, Vol. XL (2009), p. 183-227.
4 Estas correspondem, grosso modo, às formas de revelação dos direitos fundamentais na União Europeia, na categorização proposta por DUARTE, Maria Luísa - A União Europeia e os Direitos Fundamentais – métodos de protecção, in Portugal-Brasil Ano 2000, Studia Iuridica 40, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 27 e ss.
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Ao nível legislativo, foram aprovadas duas grandes vagas de directivas5, que
acompanharam as mutações ocorridas nos Tratados e na jurisprudência do Tribunal de
Justiça. A primeira vaga, iniciada por altura do célebre Acórdão Defrenne II – Acórdão
Gabrielle Defrenne contra Societé Anonyme de Navigation Aérienne Sabena, de 8 de
Abril de 1976, proferido no proc. 43/75, no qual o Tribunal de Justiça reconheceu que o
então artigo 119.º, além de uma finalidade económica, visava também objectivos sociais
e detinha efeito directo –, compreende as Directivas adoptadas entre os anos setenta e
oitenta no domínio do direito do trabalho e da segurança social, mas apenas no que se
refere ao princípio da não discriminação em razão do sexo, único que encontrava no
Tratado uma base normativa expressa6.
A segunda vaga, potenciada pela importância axial que o Tratado de
Amesterdão deferiu ao princípio da igualdade e da não discriminação – em particular
pela introdução de uma cláusula geral anti-discriminatória (o artigo 13.º)7 –,
5 Apesar de ser o instrumento privilegiado no domínio da igualdade e não discriminação, porque
é o acto mais vocacionado para enquadrar áreas em que os Estados mantêm relevantes possibilidades de regulação, tal não significa que a Directiva seja o único instrumento jurídico vinculativo neste domínio. Para além da inestimável função dos Regulamentos em matéria de livre circulação, as Decisões têm tido igualmente um papel relevante em matéria de não discriminação (veja-se a Decisão n.º 771/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Maio de 2006, que institui o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos (2007) — Para uma Sociedade Justa).
. 6 O mote inicial dado pela Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos, cedo foi seguido por outras Directivas, tais como a Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho e a Directiva 79/7/CEE do Conselho de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social. Nos anos oitenta, o princípio da igualdade e não discriminação foi concretizado relativamente a domínios menos consensuais, como o demonstra a Directiva 86/613/CEE do Conselho de 11 de Dezembro de 1986 relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente incluindo a actividade agrícola, bem como à protecção da maternidade�e a Directiva 86/378/CEE do Conselho de 24 de Julho de 1986 relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres aos regimes profissionais de segurança social.
7 O Tratado de Amesterdão introduziu igualmente alterações ao então artigo 141.º do Tratado de Roma, passando a incentivar o estabelecimento de acções positivas em matéria laboral, para promover a igualdade entre os sexos. A abordagem do Tratado de Roma posteriormente ao Tratado de Amesterdão, quanto à temática da igualdade passou a ser também mais sistemática, uma vez que vários artigos lhe passaram a fazer referência, desde logo o artigo 2.º erigiu como tarefa fundamental da Comunidade a promoção da igualdade entre homens e mulheres, o artigo 3.º, n.º 2 inscreveu este princípio como uma política horizontal que deveria permear todas as acções desenvolvidas pela Comunidade, o artigo 13.º autorizou o Conselho, actuando por unanimidade, a tomar medidas de combate a várias formas de discriminação, e, por fim, o artigo 137.º estabeleceu que a Comunidade apoiará as acções desenvolvidas pelos Estados membros relativamente ao princípio da igualdade de tratamento no mercado de trabalho. Para BELL, Mark - Equality and diversity: anti-discrimination law after Amsterdam, in Social Law and Policy in an evolving European Union, SHAW, Jo (ed.), Oxford: Hart Publishing, 2000, “article 13 is a breath of fresh air for anti-discrimination law, moving the discussion onto the substantive questions
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correspondeu, inicialmente8, ao pacote legislativo composto pela Directiva 2000/78/CE
do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, estabelecendo um quadro geral da igualdade
de tratamento no emprego e na actividade profissional que abrange a discriminação em
razão da religião ou das convicções, de deficiência, da idade ou da orientação sexual e
pela Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio
da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica.
O facto de o princípio da não discriminação em razão do sexo não ter sido
coberto por este conjunto de medidas foi prontamente criticado por passar a ser
aplicável a esta causa anti-discriminatória – até então era a “menina dos olhos” das
Instituições comunitárias – um tratamento de desfavor relativamente a outras, em
especial relativamente à origem racial ou étnica9. Para tentar colmatar esta
incongruência interna do sistema de protecção dos direitos fundamentais da União,
foram aprovadas as Directivas 2004/113/CE do Conselho, de 13 de Dezembro de 2004,
que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a
bens e serviços e seu fornecimento, e 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 5 de Julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de
oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados
ao emprego e à actividade profissional (reformulação)10.
surrounding how the EU can effectively contribute to the promotion of equal treatment”. Para uma apreciação das alterações operadas com Amesterdão cfr. TOBLER, Christa - Sex equality law under the Treaty of Amsterdam, European Journal of Law Reform, vol. 2, n.º 1, 2000, p. 135 e ss. 8 Não deve, porém, olvidar-se o papel que nos anos noventa teve a clarificação das questões relacionadas com o ónus da prova, trazida pela Directiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo as áreas, incluindo o emprego, o trabalho e a remuneração, e a regulação das questões parentais, pela Directiva 92/85/CEE do Conselho de 19 de Outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho, alterada pela Directiva 2007/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2007, e pela Directiva 96/34/CE do Conselho de 3 de Junho de 1996, relativa ao Acordo-quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, alterada pela Directiva 97/75/CE do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997 (e que será revogada, a partir de 8 de Março de 2012, pela Directiva 2010/18/UE do Conselho, de 8 de Março de 2010).
9 Cfr. LOPES, Dulce / SILVA, Lucinda Dias da - Xadrez Policromo: A Directiva 2000/43/CE do Conselho e o Princípio da Não Discriminação em Razão da Raça e Origem Étnica, in Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Gomes/ Júlio (coord.), Lisboa: Universidade Católica Editora, 2002.
10 Ainda assim, em comparação com a Directiva relativa a origem racial e étnica, estas Directivas têm um âmbito material mais limitado, por não abrangerem áreas como as da educação e comunicação social. Cfr., neste sentido, MASSELOT, Annick - The State of Gender Equality Law in the European Union - European Law Journal, Vol. 13, N.º 2 (2007), p. 152–168. Mais recentemente, foi ainda aprovada a Directiva 2010/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de Julho de 2010, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente e que revoga a Directiva 86/613/CEE do Conselho.
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Continua, ainda assim, a haver uma nítida discrepância entre o tratamento
dispensado à discriminação em função da origem racial e étnica e o tratamento deferido
aos demais motivos discriminatórios,por a proposta de Directiva apresentada pela
Comissão em 2008, que aplicaria o princípio da igualdade de tratamento entre as
pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação
sexual [COM(2008) 426 final, 2008/0140 (CNS)], não ter conseguido obter o
necessário consenso no Conselho11.
Descontado o âmbito de protecção diferenciado facultado a cada um dos
critérios suspeitos, estas Directivas constituem, indubitavelmente, um marco na
definição dos tipos de comportamento discriminatório.
Aceitando o legado da distinção legislativa, mas sobretudo jurisdicional, entre
discriminação directa e discriminação indirecta – isto é, entre distinções que afectam
exclusivamente, seja ostensiva seja encapotadamente, os membros do grupo
desfavorecido e distinções que têm um impacte diferenciado e desvantajoso para um
determinado grupo de pessoas não obstante se escudarem num critério ou prática
aparentemente neutra–, as Directivas mais recentes inovam substancialmente ao
considerar o assédio (e, em matéria de género, o assédio sexual) e as meras instruções
com conteúdo discriminatório, como comportamentos materialmente discriminatórios12.
Com o Tratado de Lisboa, é na Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia que se têm centrado as maiores atenções, não obstante ser vasta a panóplia de
disposições que, no Tratado da União Europeia (TUE) e no Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia (TFUE), se debruçam sobre os princípios da
igualdade e da não discriminação13.
11 Para uma análise desta proposta de Directiva, que permitiria atenuar a “hierarquia” existente
entre critérios suspeitos e forneceria uma base de descolagem para a revisão das legislações internas, cfr. BELL, Mark - Advancing EU Anti-Discrimination Law: the European Commission’s 2008 Proposal for a New Directive, The Equal Rights Review, Vol. III (2009), p. 7-18. No entanto, já obteve consenso em sede do Conselho a adopção da Decisão-Quadro 2008/913/JAI, de 28 de Novembro de 2008, relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia, e pela qual os Estados devem criminalizar condutas tais como as de incitação pública à violência ou ao ódio dirigido contra um grupo de pessoas ou um membro de um desses grupos, definido com base na raça, cor da pele, ascendência, religião ou crença religiosa ou origem nacional ou étnica, a difusão, por qualquer meio, de texto, imagens ou outro material com conteúdo racista ou xenófobo e a apologia, negação ou banalização grosseira públicas dos crimes de genocídio ou contra a humanidade e crimes de guerra, quando esses comportamentos forem de natureza a incitar à violência ou ódio contra esse grupo ou os seus membros.
12 Cfr., para uma explanação destes conceitos, HEPPLE, Bob – Equality: the New Legal Framework, Oxford: Hart Publishing, 2011, p. 53 e ss. 13 O princípio da igualdade mencionado no preâmbulo do TUE corresponde a um princípio fundamental que se inspira no “no património cultural, religioso e humanista da Europa” e dá corpo a um dos valores basilares em que repousa a União (artigo 2.º do TUE, que tenta decantar uma ordem de valores europeia) Em consequência, o artigo 3.º, n.º 3 do TUE integra nos grandes objectivos da União o
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A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, à qual passou a ser
reconhecido valor jurídico idêntico aos Tratados – muito embora os não integre
formalmente (cfr. artigo 6.º, n.º 1 do TUE) –, dedica um Título, o terceiro, à temática da
igualdade. Nesta enquadratanto a dimensão originária e formal deste princípio (a
igualdade perante a lei), como os seus desenvolvimentos subsequentes (o princípio da
não discriminação e a admissibilidade de acções positivas) e, ainda, as suas tendências
mais recentes (o respeito pela diversidade, cultural religiosa e linguística, os direitos das
crianças, o direito das pessoas idosas e a integração das pessoas com deficiência).
Mas já antes do Tratado de Lisboa, a Carta era já uma constante na
jurisprudência do Tribunal de Justiça, sendo mobilizada como um indispensável apoio
heurístico na interpretação e concretização do Direito da União, em paralelo com a
utilização que dela era feita nos considerandos preambulares dos actos de direito
derivado comunitário14. Do mesmo modo era-lhe feita referência na jurisprudência do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem15 e de alguns órgãos jurisdicionais
nacionais16.O que levava que se considerasse que, não obstante o propósito
essencialmente codificador da Carta, a mesma viria a estabilizar o quadro de valorações
respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, para concluir que “em todas as suas actividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de igual atenção por parte das suas instituições, órgãos e organismos” (artigo 9.º do TUE). Também os artigos 8.º e 10.º do TFUE consideram como objectivos transversais a todas as competências da Comunidade a igualdade entre os sexos e a não discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual. Mas outras são as normas do TFUE das quais se retira expressamente o relevo destes princípios: o artigo 17.º que, na parte sobre não discriminação e cidadania da União, proibe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, acompanhado do artigo 18.º que permite a tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual; o artigo 45.º, n.º 1, quanto à livre circulação dos trabalhadores, sem rasto de qualquer discriminação em razão da nacionalidade; o artigo 153.º, n.º 1, alínea i) em matéria de política social, no que se refere à igualdade entre homens e mulheres quanto às oportunidades no mercado de trabalho e ao tratamento no trabalho e o artigo 157.º quanto à igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos. No âmbito da actuação no âmbito internacional da União, há a considerar especialmente o artigo 21.º, n.º 1 do TUE do qual decorre que a acção externa da União “assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objectivo promover em todo o mundo”, nos quais integra o princípio da igualdade, e o artigo 214.º, n.º 2, do TFUE relativo ao desenvolvimento de acções humanitárias de acordo com os princípios da imparcialidade, neutralidade e não discriminação.
14 Tendência que se manifestou inicialmente no Acórdão max.mobil Telekommunikation Service GmbH contra Comissão do Tribunal de Primeira Instância, de 30 de Janeiro de 2002, proferido no proc. T-54/99.
15 Inicialmente nos votos de vencido (cfr. Acórdão Hatton e o. contra Reino Unido, de 2 de Outubro de 2001, queixa n.º 36022/97), e rapidamente no corpo das decisões judiciais, na parte dos textos internacionais relevantes (cfr. o Acórdão I. contra Reino Unido, de 11 de Julho de 2002, queixa n.º 25680/94, e o Acórdão Goodwin, da mesma data, queixa n.º 28957/95, relativamente à capacidade matrimonial de pessoas transexuais).
16 Entre nós, cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/01, de 13 de Março de 2001, proferido no processo nº 373-B/99, que apesar de não apreciar a questão da vinculatividade da Carta, conclui apenas que dela não decorre a desnecessidade de constituição de mandatário judicial
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da jurisdição comunitária e a ter um efeito de irradiação nos demais âmbitos de
protecção dos direitos fundamentais17, o que se veio a confirmar.
Actualmente, apesar de a Carta ter passado a integrar o bloco de juridicidade da
União, os limites materiais (veja-se o artigo 52.º da Carta, no seguimento do artigo 6.º,
n.º 1 do TUE) e espaciais (veja-se a posição assumida pelo Reino Unido, Polónia e
República Checa) que lhe são apontadoscolocam entraves a que desempenhe um papel
assaz diverso daquele que anteriormente era já chamada a desempenhar18. Se assim
acontece em geral, pensamos que o domínio emque a Carta dos Direitos Fundamentais
pode desempenhar um papel autónomo e inovadoré, precisamente, o da não
discriminação, não só por o artigo21.º da Carta integraruma enunciação meramente
exemplificativa dos critérios suspeitos, mas igualmente por a sua formulação ser
incondicional, ou seja independente da manifestação unânime de vontade no Conselho
(ao contrário do que sucede no artigo 19.º, n.º 1, do TFUE)19.
Não obstante a ascenção da Carta a um nível legislativo, é de anotar, no âmbito
político, o labor que tem sido desenvolvido pelas Instituições Comunitárias, maxime
pelo Parlamento Europeu, na aprovação de Resoluções, Declarações e outros actos
que,ainda que desprovidas de força vinculativa, têm tido particular relevância no
desenvolvimento do direito anti-discriminatório da União, na medida em que
anteciparam ou contribuiram para a adopção de algumas das suas soluções
legislativasou porque permitiram a criação de consensos necessários para o efeito20.
17 Segundo juízo de RAMOS, R. M. Moura - A Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia e a protecção dos Direitos Fundamentais, Cuadernos Europeos de Deusto, n.º 25 (2000), p. 161 e ss.
18 De acordo com DENMAN, Daniel - The Charter of Fundamental Rights -, European Human Rights Law Review, n.º 4 (2010), p. 349-359, as provisões da Carta não resultam de um “vacuum”, mas reflectem a maneira pela qual o direito da União sempre protegeu os direitos humanos. Identicamente GIANFRANCESCO, Eduardo - Some Considerations on the juridical value of the Charter of fundamental rights before and after the Lisbon Treaty [em linha] (2008), [consulta em 14 de Fevereiro de 2010], disponível em: http://www.forumcostituzionale.it/site/images/stories/pdf/documenti_forum/paper/0140_gianfrancesco.pdf.
19 Em sentido concordante, SILVEIRA, Alessandra - Implicações nos litígios entre particulares resultantes da horizontalidade dos princípios gerais/direitos fundamentais protegidos pela União Europeia, Cadernos de Direito Privado, n.º 23, Outubro/Dezembro (2010), p. 3-21, para quem a força juridicamente vinculativa da carta reequaciona a ausência de efeitos directo horizontal de normas constantes de directivas que concretizam direitos fundamentais.
20 É esta também a posição de HERVEY, Tamara K. - Putting Europe’s house in order: racism, race discrimination and xenophobia after the Treaty of Amsterdam, in Legal Issues of the Amsterdam Treaty, O’KEEFE, David / TWOMEY, Patrick (eds.), Oxford: Hart Publishing, 1999, p. 339, para quem “Measures of soft law and proposals for future action may become “solutions looking for problems”, and may have the effect of defining the problem in their own terms”.
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Mais recentemente, para promover a visibilidade das políticas da União em
matéria de direitos fundamentais e a monitorização da sua execução, foi instituída, na
esfera administrativa da União, a Agência dos Direitos Fundamentais da União
Europeiae o Instituto Europeu para a Igualdade de Género21, que pretendem servir de
forum e laboratório para o desenvolvimento e concretização de boas práticas nestes
domínios.
Mas é em virtude do trabalho desenvolvido pelo Tribunal de Justiça (antes da
Comunidade e agora da União Europeia) que o princípio da não discriminação mais tem
sido aprofundado e enriquecido. Num primeiro momento, a jurisprudência do Tribunal
centrou-se na protecção das necessidades particulares das mulheres trabalhadoras, em
razão de características que lhes são específicas e incomparáveis, como o denunciam,
entre outros, os acórdãos Marshall e Hofmann22. E foi assim que o tratamento
diferenciado de um trabalhador do sexo feminino em razão da sua gravidez passou a
constituir uma discriminação directa em razão do sexo, não obstante poder não se dever
a uma prática declarada23.Mas foi também desta forma que se passaram a eliminar
diferenciações cujo resultado favorecia tradicionalmente o sexo feminino, o que sucede
em matéria de atribuição de pensões (cfr. os Acórdãos Comissão das Comunidades
Europeias/República Helénica, de 26 de Março de 2009, proc. C-559/07, e Pensions-
versicherungsanstalt/Christine Kleist, de 18 de Novembro de 2010, proc. C-356/09), de
dispensa laboral (Acórdão Pedro Manuel Roca Álvarez, de 30 de Setembro de 2010,
proc. C-104/09) e de prémios de seguro (Acórdão Association belge des
Consommateurs e o. Contra Conselho, de 1 de Março de 2011,proc. C-236/09).
21 Criados respectivamente pelo Regulamento (CE) do Conselho n.º 168/2007 de 15 de Fevereiro
de 2007, e pelo Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 1922/2006, de 20 de Dezembro de 2006.
22 Acórdãos M. H. Marshall contra Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority (Teaching), de 26 de Fevereiro de 1986, proc. 152/84 e Ulrich Hofmann contre Barmer Ersatzkasse, de 12 de Julho de 1984, proc. 184/83.
23 Cfr. Acórdãos Carole Louise Webb contra EMO Air Cargo (U.K.) Ltd., de 14 de Julho de 1994, proc. C-32/93, Elisabeth Johanna Pacifica Dekker contra Stichting Vermingscentrum voor Jong Volwassenen (VJV-Centrum Plus), de 8 de novembro de 1990, proc. C-177/88, e Dita Danosa/LKB Līzings SIA, de 11 de Novembro de 2010, proc. C-232/09, no qual se considera que a possibilidade de despedimento de um membro da direcção de uma sociedade de capitais sem restrições a pessoas grávidas, é inadmissível quer a pessoa interessada tenha a qualidade de «trabalhadora grávida» na acepção desta directiva 92/85/CEE, quer o não tenha, já que será sempre uma discriminação em razão do sexo, de acordo com a Directiva 76/207/CEE. Dúvidas se colocam, no entanto, sobre a extensão temporal da protecção deferida às mulheres em razão da gravidez, nos casos em que dela resulte uma mais ampla incapacidade para o trabalho (Acórdão Handels - og Kontorfunktionaerernes Forbund i Danmark, (em nome de Birthe Vibeke Hertz) contra Dansk Arbejdsgiverforening, de 8 de Novembro de 1990, proc. C-179/88) ou no caso fracturante da fertilização in vitro (Acórdão Sabine Mayr contra Bäckerei und Konditorei Gerhard Flöckner OHG., de 26 de Fevereiro de 2008, proc. C-506/06).
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A estaabordagem directa do princípio da não discriminaçãoo Tribunal agregou a
aplicação dos pressupostos da discriminação indirecta, adoptando uma visão finalista
que dá um novo realce ao momento do resultado (a situação discriminatória), e não
apenas ao momento inicial da diferenciação de tratamento.
Esta temática foi inicialmente aflorada a nível jurisprudencial no acórdão
Defrenne II,mas foi relativamente às situações de trabalho a tempo parcial que foram
dominantemente exploradas as situações de discriminação indirecta. Ao ponto de o
próprio critério trabalho a tempo parcial ser considerado, por alguns, como um critério
autonomamente suspeito24.
Foi também a propósito desta modalidade de discriminação que o Tribunal teve
a oportunidade de desenvolver o seu raciocínio sobre a repartição do ónus da prova, que
valerá genericamente para todos os fenómenos de discriminação. De acordo com o
Tribunal de Justiça, uma vez provada, pela parte demandante, a existência de indícios
de um comportamento discriminatório, incumbirá à parte demandada a prova da
inexistência ou do carácter incerto de tais indícios ou, em alternativa, de que o facto que
a eles se associa não reveste a natureza de prática discriminatória25. Ou seja, assiste à
parte demandada a possibilidade de proceder à prova de que a desvantagem existente se
justifica por um objectivo legítimo e de que os meios utilizados para o atingir obedecem
aos requisitos da adequação, necessidade, de acordo com o princípio da
proporcionalidade26. Nem sempre, porém, se exige que estas justificações sejam
aduzidas com o mesmo grau de intensidade e completude, já que o Tribunal vem uma
24 ELLIS, Evelyn – EU Anti-Discrimination Law, Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 29.
Recentemente, cfr. o Acórdão Istituto Nazionale della previdenza soziale (INPS) Tiziana Bruno, Massimo Pettini Daniela Lotti, Clara Matteuci, de 10 de Junho de 2010, proc. apensos C-395/08 e C-396/08.
25 Cfr., por todos, o Acórdão Federação dos empregados de comércio e de escritório alemã contra a Confederação Patronal alemã, em representação da empresa Danfoss, de 17 de Outubro de 1989, proc. 109/88, o Acórdão Drª Pamela Mary Enderby contra Frenchay Health Authority e Secretary of State for Health, de 27 de Outubro de 1993, proc. C-127/92, e o Acórdão Sindicato dos trabalhadores semi-qualificados da Dinamarca contra a Confederação da Indústria dinamarquesa, em representação da Royal Copenhagen, de 31 de Maio de 1995, proc. C-400/93.
Há diferenças, no entanto, entre a demonstração da existência de indícios fortes de uma discriminação directa (que apela, na grande maioria das situações, para uma análise comparativa entre situações individuais) e de uma discriminação indirecta [que apela, em regra, para a mobilização de dados estatísticos ou de outros, que revelem, por exemplo, “uma diferença menos importante mas persistente e relativamente constante durante um longo período entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos” (Acórdão Regina contra Secretary of State for Employment ex parte: Nicole Seymour-Smith e Laura Perez, de 9 de Fevereiro de 1999, proc. C-167/97)].
26 O marco essencial no que se refere à mobilização do princípio da proporcionalidade em matéria de não discriminação continua ainda hoje a ser o Acórdão Bilka-Kaufhaus GmbH contra Karin Weber von Hartz, de 13 de Maio de 1986, proc. 170/84.
42
lata margem de apreciação quanto à natureza e modalidades das medidas a implementar
em domínios de política social27.
A aplicação destes conceitos e instrumentos no âmbito da panóplia critérios
suspeitos acolhidos pelo Direito da União Europeia, tem feito o direito anti-
discriminatório desta conhecer muitos avanços, mas também alguns revezes.
No Acórdão P. contra S. e Cornwall County Council, de 30 de Abril de 1996,
(proc. C-13/94), foi instado a decidir se um despedimento baseado numa mudança de
sexo, pode ou não ser considerado como discriminação sexual. Solicitado pelo
Advogado Geral Tesauro a tomar uma decisão que, face ao evoluir do entendimento da
identidade sexual humana, reconhecesse “a irrelevância do factor sexo no que diz
respeito às regras que regem as relações sociais”, entendeu que o direito fundamental a
não ser discriminado, não pode reduzir-se à mera pertença a um ou outro sexo, mas tem
“por finalidade aplicar-se às discriminações que têm a sua origem (...) na mudança de
sexo”.No AcórdãoKB contra National Health Service Pensions Agency, de 7 de Janeiro
de 2004,(proc. C-117/01)avançou ainda mais o Tribunal ao considerar que, apesar de o
direito a casar não estar incluído no leque de competências do direito comunitário, o
facto de este constituir uma condição necessária para o acesso a determinadas
prestações (subsídio de viuvez) e de não ser reconhecido aos transexuais, gerava uma
situação discriminatória.
Contudo, no Acórdão Grant28, o Tribunal assumiu uma política de contenção,
apelando às limitações do direito comunitário no seu estado actual, para não considerar
o tratamento diferenciado dispensado a uma mulher lésbica como discriminatório29.
Mais recentemente, no Acórdão Tadao Maruko, o Tribunal alterou os pressupostos da
sua apreciação, tendo considerado que a não concessão a um parceiro homossexual
sobrevivo de um benefício reconhecido ao conjuge sobrevivo montava numa situação
discriminatória, por ter aceiteque a união de facto, sem ser idêntica ao casamento,
27 Acórdão Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica, de 7 de Maio de
1991, proc. C-229/89. Para maiores desenvolvimentos, cfr. LOPES, Dulce - Princípio da Não Discriminação em Razão do Sexo na Ordem Jurídica Comunitária, Temas de Integração, N.º 8, 2.º Semestre (1999).
28 Lisa Jacqueline Grant contra South-West Trains Ltd,. de 17 de Fevereiro de 1998, proc. C-249/96.
29 Posição esta que o Tribunal endossou no âmbito das relações de trabalho na União, no Acórdão D. E Suécia contra Conselho, de 13 de Maio de 2001, processos apensos C-122/99 P e C-125/99 P.
43
coloca as pessoas do mesmo sexo numa situação comparável à dos cônjuges no que
respeita à prestação de sobrevivência em causa no processo principal30.
Relativamente à discriminação em razão da origem étnica e racial, apurou o
Tribunal que o facto de uma entidade patronal declarar, publicamente, que não
contratará trabalhadores assalariados de certa origem étnica ou racial constitui uma
discriminação directa a nível da contratação, dado que tais declarações podem dissuadir
seriamente certos candidatos de apresentarem a sua candidatura. E fê-lo
independentemente de existir, em concreto, uma vítima dessa discriminação, uma vez
que se tratava de uma situação ostensiva de discriminação directa31.
No âmbito da discriminação por incapacidade, depois de um começo
titubeante32, oTribunal de Justiça da União apurou o conceito de discriminaçãopor
associação, reconhecendo, na prática, o papel relativo e relacional que se alia aos
fenómenos discriminatórios. Foi, efectivamente, no Acórdão S. Coleman contra
Attridge Law e Steve Law, de 17 de Julho de 2008 (processo C�303/06), que o Tribunal
considerou que as situações de discriminação directa e de assédio de que é vítima um
trabalhador, que não é portador de deficiência, mas que estão ligadas à deficiência de
um filho ao qual presta o essencial dos cuidados de que o mesmo carece, são
irremediavelmente discriminatórias33.
Mas é no âmbito da discriminação em razão da idade que maiores avanços se
têm verificado. No Acórdão Mangoldficou expresso que o direito da União e,
designadamente, o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78/CE, deveriam ser
interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que autoriza,
sem restrições,a celebração de contratos de trabalho a termo, quando o trabalhador
30 Acórdão Tadao Maruko contra Versorgungsanstalt der deutschen Bühnen, de 1 de Abril de
2008, proc. C�267/06. Para maiores desenvolvimentos cfr. o comentário a este Acórdão por TOBLER, Christa e WAALDIJK, Kees - Common Market Law Review, Vol. 46 (2009), p. 723-746. Espera-se, actualmente, uma decisão no processo C-147/08, Jürgen Römer contra Freie und Hansestadt Hamburg, tendo-se já o Advogado Geral NIILO JÄÄSKINEN pronunciado pela existência de discriminação em razão da orientação sexual também neste caso.
31 Acórdão Centrum voor gelijkheid van kansen en voor racismebestrijding contra Firma Feryn NV, de 10 de Julho de 2008, proc. C�54/07. Ainda assim, o Tribunal de Justiça admitiu, um pouco ironicamente, a possibilidade de justificação de tal prática discriminatória, posto que a empresa demonstrasse que a prática real de contratação da empresa não corresponde a essas declarações.
32 No Acórdão Chacón Navas contra Eurest Colectividades SA, de 11 de Julho de 2006, proc. C-13/05, o Tribunal considerou que uma pessoa que foi despedida pela sua entidade patronal exclusivamente por motivo de doença não está abrangida pelo quadro geral estabelecido com vista a lutar contra a discriminação com base em deficiência pela Directiva 2000/78, uma vez que se trata de conceitos diversos.
33 Para maiores desenvolvimentos cfr. o comentário a este Acórdão por WADDINGTON, Lisa - Common Market Law Review, Vol. 46 (2009), p. 665-681.
44
tenha atingido a idade de 52 anos. Deste acórdão resultaram duas indicações preciosas
sobre o relevo crescente do direito anti-discriminatório da União: por um lado, foi
aplicado um teste de justificação estrito às situações de discriminação em razão da
idade, não obstante o enraizamento destas distinções no mercado de trabalho; por outro,
foi decidido que o não esgotamento do prazo de transposição da Directiva 2000/78/CE,
não prejudica a aplicação do princípio da não discriminação, pois este encontra a sua
origem em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns
aos Estados�Membros34.
Estas indicações tiveram a sua epítome no AcórdãoKücükdeveci35, no qual o
Tribunal considerou que um regime jurídico que, para efeitos de determinação do prazo
do aviso prévio de despedimento, não contabiliza o tempo de trabalho prestado pelo
trabalhador antes de este completar 25 anos de idade, viola a proibição comunitária da
discriminação em razão da idade. De novo, considerou que esta proibição se funda num
princípio geral do direito da União, de que a Directiva é uma mera concretização,
apelando expressamente para a Carta e para o seu valor jurídico à luz dos Tratados. O
que significa que o crivo decisivo do princípio da igualdade reside no artigo 6.º do TUE,
isto é, nos critérios e instrumentos de decantação dos princípios gerais de direito da
União, e não nos instrumentos de direito derivado que os concretizem36.
34 Acórdão Werner Mangold contra Rüdiger Helm, de 22 de Novembro de 2005, proc.
C�144/04. Cfr. SCHMIDT, Marlene - The Principle of Non-discrimination in Respect of Age: Dimensions of the ECJ’s Mangold Judgment, German Law Journal [em linha] Vol. 7, n.º 5 (2005), p. 505-524 [consulta em 10 de Janeiro de 2011], disponível no endereço http://www.germanlawjournal.com/index.php?pageID=11&artID=728. Não obstante as reacções levantadas por esta Decisão, o Tribunal Constitucional Alemão pronunciou-se já no sentido de que o mesmo não foi além das competências reconhecidas à União (BVerfG, 2 BvR 2661/06 vom 6.7.2010, Absatz-Nr. (1 - 116), disponível no endereço: http://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/rs20100706_2bvr266106.html, ainda que tenha consequências visíveis na definição das políticas públicas estaduais
35 Acórdão Seda Kücükdeveci contra Swedex GmbH & Co. KG, de 19 de Janeiro de 2010, proc. C-555/07. Entre o Acórdão Mangold e este Acórdão Kücükdeveci, a posição assumida pelo Tribunal foi de alguma cautela, ao admitir uma ampla margem de apreciação dos Estados em matéria de política social no que se refere às motivações de disposições diferenciadoras [cfr. Acórdão do Félix Palacios de la Villa contra Corte fiel Servicios SA, de 16 de Outubro de 2007, proc. C-411/05 e Acórdão The Queen, a pedido de: The Incorporated Trustees of the National Council on Ageing (Age Concern England) contra Secretary of State for Business, Enterprise and Regulatory Reform, de 5 de Março de 2009, proc. C�388/07]. Ainda assim, David Hütter contra Technische Universität Graz, no Acórdão de 18 de Junho de 2009, proc. C-88/08, não obstante se continuar a reconhecer aquela margem de apreciação, o Tribunal entrou na análise das medidas diferenciadoras, considerando, em concreto, inadequada e excessiva a não contabilização da experiência profissional adquirida antes dos 18 anos de idade para efeitos da determinação do escalão em que são colocados os trabalhadores da função pública de um Estado�Membro.
36 De acordo com este artigo e com jurisprudência do Tribunal de Justiça, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito, conceito que se inspira nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e nas indicações fornecidas pelos instrumentos
45
Mas a esta consideração junta o Tribunal um novo nível de análise: o da
determinação dos efeitos das normas comunitárias. É que, se continua a recusar, a
outrance, o efeito directo horizontal das Directivas, não deixa de reconhecer que, no
âmbito de um “litígio entre particulares, cabe ao órgão jurisdicional nacional garantir a
observância do princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado
pela Directiva 2000/78, devendo afastar, quando necessário, as disposições contrárias da
legislação nacional”. Pronuncia-se, assim, pela eficácia horizontal do princípio da
igualdade, enquanto princípio geral da União, mas, na medida em que este princípio,
pela sua indeterminação, pode conhecer múltiplas concretizações, liga-o à específica
densificação legislativa que conheceu na Directiva pertinente. Resumidamente, na
apreciação de Alessandra SILVEIRA, “atribui-se à Directiva 2000/78 uma invocabilidade
reforçada nos litígios entre particulares”, sendo, em última análise “o conteúdo da
directiva a determinar a inaplicabilidade do direito nacional incompatível com o
princípio geral que ela concretiza”37.
Esta menção aos critérios suspeitos não ficaria completa sem uma referência a
uma cláusula anti-discriminatória que acompanha existencialmente o direito da União
Europeia: a não discriminação em razão da nacionalidade.
Este critério suspeito tem no direito da União uma configuração específica, uma
vez que, ao contrário dos demais critérios analisados cuja função includente é visível
(por se aplicarem a todas as pessoas que sejam submetidas a situações de
discriminação), assenta numa diferenciação de princípio: entre os nacionais e os outros
(os não nacionais). A nacionalidade de um dos países da União e, bem assim, o estatuto
que se lhe encontra acoplado, o da Cidadania da União Europeia, são inerentemente
internacionais relativos à protecção dos direitos do homem, em especial pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. designadamente, os Acórdãos ERT de 18 de Junho de 1991, proc. C�260/89, Roquette Frères, de 22 de Outubro de 2002, proc. C�94/00). Para maiores desenvolvimentos, cfr. KELLER, Hellen e SCHNELL, Christina - International Human Rights Standards in the EU – a Tightrope Walk between Reception and Parochialism?, Schweizerische Zeitschrift fuer internationales und europaeisches Recht, Ano 20, N.º 1, 2010, p. 3-37.
Esta referência ganhou, com o Tratado de Lisboa, foros de lei, já que, de acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais da União (artigo 52.º, n.º 3), sempre que a ela contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. PANUNZIO, S. P. - I diritti fondamentali e le Corti in Europa, Editore Jovene, 2005, p. 73-74, considera que aquele protocolo e a Carta trouxeram consigo uma aproximação sensível entre o princípio da não discriminação em ambas as sedes.
37 SILVEIRA, Alessandra - “Implicações…”, p. 6 (nota de rodapé 19). Para maiores desenvolvimentos, cfr. WIESBROCK, Anja - Case Note: Case C-555/07, Kücükdeveci v. Swedex, Judgment of the Court (Grand Chamber) of 19 January 2010, German Law Journal, [em linha], Vol. 11, n.º 5, 2010, p. 539-549 [consulta em 10 de Janeiro de 2011], disponível no endereço http://www.germanlawjournal.com/index.php?pageID=11&artID=1255.
46
exclusivos e excludentes, pois colocam à margem do gozo de um conjunto amplo de
direitos todos aqueles que não ostentam determinadas características pessoais
(precisamente aquelas que determinam a aquisição do estatuto de cidadania). O que
significa que a análise de alegações de discriminação não deverá ser procurada no
binómio nacionais/não nacionais38, mas antes no cotejo da posição entre nacionais de
um Estado-membro e nacionais de outro ou dos demais Estados-membros.
E é neste âmbito que o princípio da não discriminação, potenciado em particular
pelo estatuto fundamental da Cidadania da União, tem vindo a conhecer concretizações
de relevo, seja pelo alargamento do âmbito dos direitos reconhecidos pelo Tratado39,
seja pelo reconhecimento dos mesmos a um leque de sujeitos diverso do inicialmente
pensado40. No entanto, tal não inviabiliza que, em determinadas circunstâncias, o gozo
de direitos por nacionais seja feito depender do critério adicional da residência no país
de acolhimento41.
Quanto à adopção de acções positivas, isto é, de medidas que visam, de forma
activa, promover uma efectiva igualdade de oportunidades, o Tribunal de Justiça veio,
por várias vezes, cimentar a sua posição, admitindo os sistemas de preferências que, em
igualdade de qualificações, estabelecem uma prevalência que beneficie os membros do
grupo sub-representado, mas desde que esta não seja absoluta e incondicional,
38 Não obstante, a relação entre nacionais e não nacionais que detenham especiais relações com a
União Europeia é de equiparação, o mais lata possível, dos direitos reconhecidos aos nacionais (cfr. conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de Outubro de 1999 e Directiva n.º 2003/109/CE, do Conselho, de 25 de Novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros que são residentes de longa duração). Ainda assim, há alguns condicionamentos ou limitações relevantes a essa tendencial equiparação, desde logo a possibilidade de os Estados-membros poderem ainda exigir o preenchimento de condições de integração de acordo com o direito nacional, a possibilidade de limitação de direitos sociais a um padrão mínimo e a ausência de direitos de participação política ao nível local e comunitário por parte dos não nacionais. Para uma análise, com particular interesse, destas questões, cfr. MARTINS, Ana Maria Guerra - A Igualdade e a Não Discriminação dos Nacionais de Estados Terceiros Legalmente Residentes na União Europeia – Da Origem na Integração Económica ao Fundamento da Dignidade do Ser Humano, Coimbra: Almedina, 2010.
39 Cfr. os Acórdãos Martinez Sala contra Freistaat Bayern, de 12 de Maio de 1998, proc. C-85/96, e Grzelczyk contra Centre Public d’Aide Sociale d’Ottignes-Louvain-la-Neuve, de 20 de Setembro de 2001, proc. C-184/99.
40 Cfr. os Acórdãos Baumbast e R contra Secretary of State for the Home Department, de 17 de Setembro de 2002, proc. C-413/99, e Kunqian Catherine Zhu e Man Lavette Chen contra Secretary of State for the Home Department, de 19 de Outubro de 2004, proc. C-200/02.
41 Acórdão Michel Trojani contra Centre public d'aide sociale de Bruxelles (CPAS), de 7 de Setembro de 2004, proc. C-456/02, e Acórdão Marc Michel Josemans contra Burgemeester van Maastricht, 16 de Dezembro de 2010, proc. C�137/09, no qual o Tribunal considerou que o proprietário de uma coffeeshop, no qual se comercializam estupefacientes não pode invocar as liberdades comunitárias e o princípio da não discriminação da nacionalidade para se opor a uma regulamentação municipal, que proíbe a admissão de pessoas não residentes nos Países Baixos nesses estabelecimentos, uma vez que esta condição é adequada e necessária para a obtenção do desiderato de luta contra o turismo da droga. Cfr. WHITE, Robin CA - Free Movement, Equal Tratment and Citizenship of the Union, International and Comparative Law Quarterly, Vol. 54, Outubro (2005), p. 885-906.
47
permitindo a tomada em consideração de critérios particulares e pessoais de todos os
candidatos42.Já quanto aos apoios de ordem social acordados pelos Estados membros,
devem estes ter em consideração as exigências decorrentes do princípio da igualdade,
ainda que não necessariamente de forma paritária43.
b.No Conselho da Europa
O Conselho da Europa tem como missão cimeira a promoção do respeito pelos
Direitos do Homem, inclusive o direito à não discriminação. O aparato que o Conselho
da Europa tem predisposto para o efeito é assinalável, pois, para além da actividade do
Comité de Ministros e da Assembleia Parlamentar, há que ter em linha de conta o labor
do Comissário para os Direitos Humanos e o da Comissão Europeia contra o Racismo e
a Intolerância, cujas Recomendações têm contribuido para a conformação do direito
anti-discriminatório na Europa.
O papel decisivo neste domínio, como em muitos outros, tem, no entanto, cabido
à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ao respectivo Tribunal, sendo sobre
estes que doravante nos debruçaremos44.
Dispõe o artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que “o
gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser
assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua,
religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma
minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação”.
42 Neste sentido, cfr. os Acórdãos Eckhard Kalanke contra Freie Hansestadt Bremen, de 17 de
Outubro de 1995, proc. C-450/93, Helmut Marschall contra Land Nordrhein-Westfalen, de 11 de Novembro de 1997, proc. C-409/95, Katharina Abrahamsson e o. contra Elisabet Forelqvist, de 6 de Julho de 2000, proc. C-407/98, e Badeck e. o. contra Hessische Ministerpräsident, Landesanwalt beim Staatsgerichtshof des Landes Hessen, de 28 de Março de 2000, proc. C-158/97. Contestando uma previsível transposição desta jurisprudência para os outros critérios de discriminação, WADDINGTON, Lisa
e BELL, Mark - More equal than others: distinguishing European Union Equality Directives, Common Market Law Review, Vol. 38, N,º 3, (2001) p. 603, notam que poderiam ficar fora do critério contruido pelo Tribunal medidas existentes em vários Estados-membros exclusivamente destinadas a pessoas de uma origem étnica específica, ou que estabelecem quotas obrigatórias para pessoas com deficiências. No entanto, algumas áreas privilegiadas para o estabelecimento de quotas – como a política – encontram-se excluídas do âmbito do direito da União [cfr. KAPOTAS, Panos - Gender Quotas in Politics, European Law Journal, Vol. 16, n.º 1, (2010), p. 29-46].
43 No Acórdão Dioikitiko Efeteio Thessalonikis contra Grécia, de 16 de Setembro de 2010, proc. C-149/10, entendeu o Tribunal que este princípio impõe ao legislador nacional que ponha em prática um regime de licença parental que, em função da situação existente no Estado-Membro em causa, assegure aos pais de gémeos um tratamento que tenha devidamente em conta as suas necessidades particulares, mas sem que tenha de reconhecer um número de licenças parentais igual ao número de filhos nascidos.
44 Para maiores desenvolvimentos sobre a juriprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cfr. o nosso artigo - A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vista à luz do Princípio da Não Discriminação, Revista Julgar, n.º 14 (2011), no prelo.
48
Tendo como pano de fundo o conceito plurisignificativo de igualdade, que,
numa teorização genericamente aceite, tem vindo a ser desdobrado em três dimensões
distintas – a proibição do arbítrio, a obrigação de diferenciação e a proibição de
discriminação – situa-se a Convenção no âmbito desta última, precisamente aquela que,
em face da gravidade e insidiosidade dos critérios suspeitos, coloca em causa a própria
dignidade da pessoa humana. Dentro do mecanismo disposto na Convenção, o artigo
14.º não tem existência independente, na medida em que deve ligar-se a um dos direitos
ou liberdades previstos na Convenção ou seus Protocolos, ainda que lhes imprima um
específico e insubstituível sentido normativo45.Do mesmo modo, quando seja alegada a
violação de um direito substancial da Convenção, individualmente ou em ligação com o
artigo 14.º, entende tradicionalmente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que
não tem de considerar o caso de acordo com o disposto no artigo 14.º, excepto se a
situação for de clara desigualdade de tratamento [cfr. Acórdão Dudgeon c. Reino Unido,
de 22 de Outubro de 1981 (queixa n.º 7525/76)] ou quando o pedido se referir,
sobretudo, a uma situação de tratamento discriminatório [cfr. Acórdão Brauer c.
Alemanha, de 28 de Maio de 2009 (queixa n.º 3545/04)].
Estas limitações não têm impedido, porém, que o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem tenha vindo, na opinião de Jean-François RENUCCI, que compartilhamos, a
transformar a obrigação negativa de não discriminar que impende sobre os Estados,
numa obrigação positiva e forte, de assegurar o respeito pelo princípio da igualdade nas
várias esferas da vida social46.
Este trajecto jurisprudencial encontrou no Protocolo n.º 12 um aliado
potencialmente precioso, ainda que, por ora, pouco operativo47. Este Protocolo
representa, em definitivo, a autonomização dos princípio da igualdade e da não
45 Tal não impede que o artigo 14.º possa ser mobilizado isoladamente para firmar uma violação
à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Basta, para o efeito, que o reconhecimento do direito em causa não seja exigido pela Convenção (isto é, que não se inclua no âmbito normativo de um dos direitos ou liberdades nela previstos) mas que, tendo sido reconhecido pelo Estado no seu direito interno, tal tenha ocorrido em moldes discriminatórios, como, aliás, foi decidido já decidido pelo Tribunal, no Acórdão Regime Linguístico do Ensino na Bélgica, de 23 de Julho de 1968 (queixas n.º 1474/62, 1677/62, 1691/62, 1769/63, 1994/63 e 2126/64)
46 RENUCCI, Jean-François - Droit Européen des Droits de L’Homme – Contentieux Européen, 4.ª ed., Paris: LGDJ, 2010, p. 84.
47 Este Protocolo apenas foi ratificado por 17 Estados (muitos deles Partes Contratantes recentes do Conselho da Europa), estando apenas em vigor nestes. Cfr. lista disponível em http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/ChercheSig.asp?NT=177&CM=8&DF=10/31/2008&CL=ENG, acesso em 5 de Fevereiro de 2011. Portugal assinou o Protocolo n.º 12, mas ainda não procedeu à sua ratificação. O primeiro Acórdão tomado com base no protocolo data de 2009 [cfr. Acórdão Sejdic e Finci contra Bosnia e Herzgovina, de 22 de Dezembro de 2009 (queixas n.º 27996/06 e 34836/06)].
49
discriminação no acervo da Convenção, de modo a permitir o seu escrutínio
relativamente a direitos ou liberdades reconhecidas no direito interno dos Estados-
membros, mas que vão além do âmbito normativo da Convenção.
Centrando-nos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a evolução da sua
jurisprudência tem vindo a fazer-se, decisivamente, no sentido da ampliação das
virtualidades do princípio da não discriminação e da individualização do fenómeno,
menos óbvio, mas frequente, da discriminação indirecta.
Podemos mesmo situar os primórdios desta individualização no Acórdão Hugh
Jordan contra Reino Unido, de 4 de Maio de 2001 (queixa n.º 24746/94), nos termos do
qual “where a general policy or measure has disproportionately prejudicial effects on a
particular group, it is not excluded that this may be considered as discriminatory
notwithstanding that it is not specifically aimed or directed at that group.”48. Mas foi no
Acórdão Nachovae. o. contra Bulgária, de6 de Julho de 2005 (queixas n.º 43577/98 e
43579/98) e em acórdãos posteriores tirados na sequência da comportamentos e
regulamentações discriminatórias em função da origem étnica, que o Tribunal
desenvolveuo seu entendimento do fenómeno da discriminação indirecta.
Desta evolução resultaram diferenças sensíveis no modo pelo qual o Tribunal
analisa os fenómenos de discriminação, uma vez que a detecção de uma eventual
diferenciação de tratamento deixa de repousar tão-só na análise comparativa concreta
entre dois indivíduos que se encontrem em situações relevantemente similares49, para
passar a referir-se a uma comparação entre grupos. Desta comparação, avançada pelo
queixoso, deve resultar, para que se afirme, prima facie, uma actuação discriminatória,
que a disposição, critério ou prática aparentemente neutra afecta, em regra, uma
proporção consideravelmente mais elevada de pessoas pertencentes a um determinado
grupo que ostenta ou comunga determinadas características (suspeitas). No entanto, não
é imprescindível que esta afectação seja demonstrada por evidências estatísticas, tendo
o Tribunal passado a admitir outros elementos de prova para afirmar situações de
discriminação indirecta, sem, contudo, os individualizar [cfr. Acórdão ORŠUŠ e. o.
contra Croácia, de 16 de Março de 2010 (queixa n.º 15766/03)].
Afirmada uma situação de discriminação – directa ou indirecta – compete à
entidade demandada a adução de uma justificação: a de que a medida que, numa
48 Cfr., na mesma linha, o Acórdão Hoogendjik contra os Países Baixos, de 6 de Janeiro de 2005
(queixa n.º 58641/00). 49 Cfr. o Acórdão Fredin contra Suécia, de 22 de Janeiro de 1991 (29/1989/189/249) e o
Acórdão Paulik contra Eslováquia, de 10 de Outubro de 2006 (queixa n.º 10699/05).
50
primeira linha, se apresenta como discriminatória, prossegue um fim legítimo,
respeitando umarazoável relação de proporcionalidadecom aquele fim50.
Ora, se o Tribunal censura apenas os fins eleitos pelos Estados em situações de
clara irracionalidade ou insidiosidade das medidas adoptadas51 – reconhecendo, nas
demais situações, a licitude da definição mais ou menos ampla, pelos Estados, das suas
próprias políticas –, já coloca um nível de exigência mais elevado na aferição da
proporcionalidade das medidas adoptadas pelos Estados.
Efectivamente, situações há em que o Tribunal sopesa, de forma completa das
circunstâncias de facto e de direito nela co-envolvidas, pronunciando-se pela
desnecessidade da medida em face do fim legítimo prosseguido [cfr., recentemente, o
Acórdão Glor c. Suíça, de 30 de Abril de 2009 (queixa n.º 13444/04), em que o
Tribunal censurou o Estado Suíço, por não prever alternativas ao serviço militar ou civil
no caso de pessoas com um grau de incapacidade elevado] ou pela ausência de uma
“justa medida” ou de adequada ponderação entre a acção adoptada e o direito violado
[cfr., também recentemente, o Acórdão Alajos Kiss c. Hungria, de 20 de Maio de 2010
(queixa n.º 38832/06), no qual o Tribunal considerou que a indução automática da
incapacidade de voto de uma situação de tutela legal violava o direito à não
discriminação, em articulação com o artigo 3.º do Protocolo n.º 1 à Convenção, por o
Estado Húngaro não ter demonstado que ponderou os interesses em presença e analisou
a proporcionalidade daquela restrição legal].
Este núcleo de situações em que há lugar a uma intervenção vigorosa do
Tribunal correspondem, em regra, àquelas em que um juízo estrito de proporcionalidade
é demandado tanto em razão da particular natureza insidiosa dos critérios suspeitos
(designadamente o género, a origem étnica, a nacionalidade, o estatuto familiar e
marital, a orientação sexual e a incapacidade) como em função da elevada
fundamentalidade e grau de restrição dos direitos violados, como ainda em razão do
50 Em consequência, na falta de prova trazida pelo Estado demandado, considerar-se-á assente a existência de uma situação discriminatória, como expresso no Acórdão Stoica contra Roménia, de 4 de Março de 2008 (queixa n.º 42722/02), segundo o qual, em face de uma situação de maus tratos relativamente a uma criança de etnia Roma, ocorridos já na presença da polícia, o Tribunal considerou que cumpria às autoridades provar que o incidente foi racialmente neutral, o que não foi feito no caso.
51 Cfr. o Acórdão Chassagnou e. o. contra França, de 29 de Abril de 1999 (queixas n.º 25088/94, 28331/95 e 28443/95) e, em particular, o Acórdão Timishev c. Rússia, de 13 de Dezembro de 2005 (queixa n.º 55762/00), no qual se discutia a proibição de entrada de um nacional checheno numa República da Federação Russa por um determinado checkpoint, motivando-se os oficiais de fronteira na existência de uma instrução oral para o efeito. No que se refere à justificação do tratamento discriminatório a que o queixoso foi votado, considerou o Tribunal não ter sido este fundado na legislação policial, encontrando-se desprovido de base legal, pelo que se tornava desnecessário apurar sequer se a restrição era necessária.
51
domínio de política social e económica que está em causa (normalmente, um domínio
em que não sejam tocados os fundamentos essenciais do Estado e da sociedade)52.
Noutras situações, porém, a averiguação do princípio da proporcionalidade dá
lugar a um juízo de censura pouco preciso e, normalmente, não conclusivo do Tribunal,
que, ao reconhecer uma ampla margem de apreciação aos Estados, controlará apenas
situações nas quais a medida carece de qualquer fundamento razoável [cfr. o
AcórdãoRasmussen contra Dinamarca, de 28 de Novembro de 1984, (queixa n.º
8777/79), em que o Tribunal entendeu que uma medida que vedava apenas ao marido a
contestação da filiação de uma criança nascida na constância do casamento não era
desproporcional, por ainda se inscrever na “margem de apreciação” dos Estados-
membros, margem essa variável em função de uma série de circunstâncias, e por se
referir a um domínio controverso onde não havia uma linha definida comum nos vários
Estados-membros].
Especificamente quanto aos critérios suspeitos sobre os quais se tem debruçado
o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assinale-se que os mesmos não se cingem
aos expressamente referidos no artigo 14.º da Convenção (e reproduzidos no artigo 1.º,
n.º 1, do Protocolo n.º 12). O Tribunal tem, efectivamente, considerado discriminatórias
outras medidas ou práticas que têm como elementos desencadeadores critérios não
tipificados (em regra, nem sequer cogitados aquando da adopção da Convenção), tais
como os do estatuto familiar e matrimonial, a orientação sexual e a incapacidade53.
Mais, tem considerado que estes critérios suspeitos são merecedores de um grau
de escrutínio apertado, não obstante algumas hesitações em matéria de orientação
52 GERARDS, Janette - Discrimination Grounds, in Materials And Text On National, Supranational And International Non-Discrimination Law - Ius Commune Casebooks for the Common Law of Europe, SCHIEK, Dagmar/ WADDINGTON, Lisa/ BELL, Mark (eds.), Oxford: Hart Publishing, 2007, p. 38-39.
53 Há, no entanto, outros critérios relevantes, tais como a residência [Acórdão Darby contra Suécia, de 24 de Setembro de 1990 (queixa n.º 11581/85), no que se refere a reduções de impostos e à isenção de pagamento de taxas eclesiásticas aplicáveis apenas aos residentes nesse país], e a situação profissional [Acórdão Sidabras e Džiautas contra Lituânia, de 27 de Julho de 2004 (queixas n.º 55480/00 e 59330/00), que respeita à impossibilidade de trabalhar no sector público e em vários sectores público-privados de 1999 a 2009, por os requerentes terem sido ex-agentes do KGB]. Relativamente ao estatuto familiar e matrimonial, já no Acórdão Marckx contra Bélgica, de 13 de Junho de 1979 (queixa n.º 6833/74), no qual se contestavam disposições do Código Civil Belga sobre o modo de estabelecimento da filiação “ilegítima”, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entendeu que o estatuto familiar era um critério suspeito e que o artigo 8.º da Convenção dizia respeito tanto às famílias legítimas como ilegítimas. Este entendimento do Tribunal foi confirmado em múltiplas situações, tendo este apelado para o carácter evolutivo dos direitos reconhecidos na Convenção e para o facto de esta ser um “instrumento vivo” que deve ser interpretado de forma actualista, para, deste modo, excluir a relevância jurídica das diferenciações, rectius discriminações, fundadas na distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, entre filhos biológicos e adoptados ou em distinções similares.
52
sexual, quanto à possibilidade de adopção por homossexuaise ao binómio união de facto
homossexual/casamento54.
No que diz respeito aos critérios previstos no artigo 14.º, o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem tem-se vindo a debruçar amiúde sobre as distinções motivadas pelo
factor sexo. Um dos marcos iniciais nesta matéria é representado pelo Acórdão
Abdulazis, Cabales e Balkandi contra Reino Unido, de 28 de Maio de 1985 (queixas n.º
9214/80, 9473/81 e 9474/81), no qual a privação ou ameaça de privação do convívio de
estrangeiras legalmente residentes nesse país com os seus companheiros não britânicos
foi considerada discriminatória em razão do sexo, tendo em vista o respeito pela vida
familiar (artigos 14.º e 8.º). Mascedo a jurisprudência do Tribunal Europeu cobriu novas
dimensões da vida em sociedade, tendo vindo a concluir paulatinamente pela
ilegitimidade, em regra, da reserva de prestações sociais a sujeitos de apenas um dos
sexos (muitas vezes o feminino)55 e pela impossibilidade de manutenção das limitações
legais que afectam os transexuais56.Porém, no Acórdão Stec e o. contra Reino Unido, de
12 de Abril de 2006 (queixas n.º 65731/01 e 65900/01), o Tribunal, não obstante a
evolução ocorrida nas condições sociais e económicas, continuou a considerar
admissível a manutenção de “medidas protectoras” que fixam uma idade diferenciada
de reforma e de aquisição de pensões aos homens e às mulheres.
54 Quanto à adopção, é relevante o cotejo da evolução jurisprudencial ocorrida entre os
Acórdãos Fretté contra França, de 22 de Fevereiro de 2002 (queixa n.º 36515/97), no qual o Tribunal considerou não violar o artigo 8.º da Convenção (por ligação com o artigo 14.º), a rejeição de um pedido de adopção por uma pessoa homossexual, e o acórdão E.B. c. França de 22 de Janeiro de 2008 (queixa n.º 43546/02), no qual chegou a uma solução inversa, tendo considerado discriminatória a própria consideração e menção da orientação sexual como fundamento para a decisão de não adopção. Quanto ao segundo núcleo de questões, o Tribunal considera em princípio discriminatório denegar aos casais homosexuais, por esse facto, os privilégios e direitos legalmente reconhecidos às pessoas casadas, uma vez que, apesar de a defesa do modelo de família tradicional ser um objectivo legítimo, não deixa de ter de se analisar se os meios para o conseguir são proporcionais, sobretudo em matérias em que, como a presente, a margem de apreciação dos estados deve ser reduzida [acórdão Karner contra Áustria, de 24 de Outubro de 2003 (queixa n.º 40016/98)]. No entanto, idêntico raciocínio não se aplica à possibilidade de contrair casamento, tendo o Tribunal reconhecido, neste domínio específico, que as enraízadas conotações sociais e culturais do instituto do casamento, que diferem de país para país, justificam a manutenção de uma ampla margem de apreciação estatal e, bem assim, impedem a ingerência da Convenção e do seu Tribunal [Acórdão Schalk e Kopf contra Áustria, de 24 de Junho de 2010 (queixa n.º 30141/04)].
55 Cfr., entre outros, o Acórdão Willis contra Reino Unido (queixa n.º 36042/97), que confirma que o não auferimento, por parte de um homem viúvo, de benefícios financeiros equivalentes aos que seriam pagos a uma viúva nas mesmas condições, equivalia a uma situação discriminatória, por a recusa de atribuição dos benefícios solicitados se basear exclusivamente no facto de o requente ser um homem.
56 Cfr. o Acórdão Goodwin contra Reino Unido, de 11 de Julho de 2002 (queixa n.º 28957/95), no qual o Tribunal reverte a linha jurisprudencial por si acolhida inicialmenre no Acórdão Rees contra Reino Unido, de 17 de Outubro de 1986 (queixa n.º 9532/81).
53
Quanto às medidas diferenciadoras ligadas à origem étnica – conceito amplo e
rico que integra e modela a noção de raça prevista no artigo 14.º –, o Tribunal, em
estreita ligação com a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, em cujas
Recomendações e Relatórios repousa, considera que as mesmas merecem redobrada
atenção e combate e, bem assim, um grau mais elevado de escrutínio judicial [cfr.
Acórdão Timishevcontra Rússia, de 13 de Dezembro de 2005 (queixa n.º 55762/00)].
Uma das áreas em que a jurisprudência do Tribunal tem sido mais profícua tem sido o
do direito ao ensino, no âmbito do qual o Tribunal tem considerado que a criação de
escolas ou turmas especiais para a colocação dos alunos Roma é discriminatória, salvo
se acompanhada de uma justificação muito ponderosa que tenha como objectivo a
promoção efectiva da integração dos mesmos57.
Por seu turno, a origem nacional, apesar de tocar no núcleo essencial das
atribuições essenciais dos Estados, não deixa de ser temperada por especiais exigências
provindas do Direito Europeu dos Direitos do Homem, tais como as dispostas no
AcórdãoGaygusuz contra Áustria, de 16 de Setembro de 1996 (queixa n.º 17371/90).
Estava em causa, neste aresto, a apreciação de uma ajuda de emergência apenas
acessível a quem tivesse nacionalidade austríaca. O Governo austríaco entendia que o
complemento de emergência não cabia no âmbito do Protocolo n.º 1, apesar de apenas
ser pago a quem tivesse contribuído para os sistemas de segurança social, fundando-se
numa responsabilidade especial do Estado para com os seus nacionais, de modo a
assegurar-lhes condições mínimas de existência. O Tribunal, por seu turno, considerou
que, apesar da margem de apreciação de que gozavam os Estados para determinar se
havia justificação para o tratamento desigualitário, esta apenas poderia repousar em
motivos suficientemente ponderosos para justificar uma diferença baseada
exclusivamente na nacionalidade, o que não sucedia no caso58.
As diferenciações fundadas em motivos religiosos têm, ao contrário das demais,
sido submetidas a critérios de controlo díspares.Acolhendo a apreciação feita por
Vincent COUSSIRAT-COUSTERE, a jurisprudência do Tribunal é atravessada por
57 Cfr. os Acórdãos D. H. e o. c. República Checa, de 13 de Novembro de 2007 (queixa n.º
57325/00), Sampanis e outros contra Grécia, de 5 de Junho de 2008 (queixa n.º 32526/05) e ORŠUŠ e. o. contra Croácia, de 16 de Março de 2010 (queixa n.º 15766/03). Sobre esta temática, cfr. O’CONNEL, Rory - Substantive Equality in the European Court of Human Rights, Michigan Law Review First Impressions, Vol. 107, N.º 129 (2009), p. 129-133.
58 Nesta mesma linha, de aplicação de um escrutínio estrito às situações de discriminação em função da nacionalidade, cfr. o Acórdão Andrejeva contra Letónia, de 18 de Fevereiro de 2009 (queixa n.º 55707/00), o Acórdão Weller contra Hungria, de 31 de Março de 2009 (queixa n.º 44399/05) e o Acórdão Tănase contra Moldávia, de 27 de Abril de 2010 (queixa n.º 07/08).
54
correntes contraditórias: de um lado o reconhecimento do pluralismo religioso e, do
outro, a possibilidade de restrição à liberdade individual de manifestar a sua religião,
quando tal seja necessário à manutenção da paz social59. Em qualquer dos casos, o
recurso ao artigo 14.º tem sido mobilizado com muita (diríamos excessiva) parcimónia,
centrando-se o Tribunal na apreciação do princípio da proporcionalidade de acordo com
os critérios dispostos, sobretudo, no artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
O acórdão emblemático, neste domínio, é o Acórdão Leyla Sahin contra
Turquia, de 10 de Novembro de 2005 [(queixa n.º 44774/98),cujas conclusões foram
mais tarde retomadas no Acórdão Kervanci e Dogru contra França, de 4 de Dezembro
de 2008 (queixas n.º 31645/04 e 27058/05)], sobre a utilização do véu islâmico nas
Universidades, no âmbito do qual o Tribunal não considerou, sequer, estar em causa
uma questão de discriminação, mas apenas uma restrição (legítima) a um direito
reconhecido na Convenção60. Mais recentemente, no Acórdão Lautsi e o. contra Itália,
de 18 de Março de 2008 (queixa n.º 30814/06), o Tribunal excluiu a relevância das
alegações de discriminação sobre a afixação de crucifixos nas escolas públicas, tendo
concluído pela sua legitimidade à luz da Convenção, por esta temática se incluir na
margem de apreciação que assiste aos Estados (ainda que, enigmaticamente, tenha
compreendido que a presença de crucifixos nas salas de aula possa ser vista pelos
alunos comprometidos com o secularismo como uma infracção ao seus direitos)61.
Por seu turno, as acções positivas têm vindo a ser admitidas em alguns textos
convencionais, como a Carta Europeia sobre as Línguas Regionais ou Minoritárias, de
1992, e a Convenção Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais, de 1995, e em
actos unilaterais, como a Recomendação de Política Geral n.º8da Comissão Europeia
contra o Racismo e a Intolerânciasobre como lutar contra o racismo enquanto
combatendo o terrorismo. No quadro da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é
o Protocolo n.º 12 que dá um passo significativo nesta matéria, ainda que apenas
59 COUSSIRAT-COUSTERE, Vincent - La manifestation de sa religion vue de Strasbourg - La
jurisprudence de la Cour Européenne des droits de l’homme - Manifester sa Religion, Droits et Limites, DUARTE, Bernardette (ed.), Paris: L’Harmatann, 2011, p. 18.
60 Ainda assim, no Acórdão Ahmet Arslan e. o. contra Turquia, de 23 de Fevereiro de 2010 (queixa n.º 41135/98)], o Tribunal assumiu uma posição com contornos distintos, considerando inadmissível a proibição de utilização de certas vestes religiosas no espaço público.
61 Cfr., ainda, o Acórdão The Canea Catholic Church contra Grécia, de 16 de Dezembro de 1997 (143/1996/762/963), o Acórdão Ase of Barankevich contra Rússia, de 26 de Julho de 2007 (queixa n.º 10519/03) e o Acórdão Relligionsgemeinschaft der Zeugen Jehovas e. o. contra Áustria, de 31 de Julho de 2008 (queixa n.º 40825/98).
55
admita estas acções se forem adequadas e proporcionais ao objectivo a prosseguir – sob
pena de se converterem num instrumento de acentuação de desigualdades e não da sua
correcção – e não foremimpostas directamente a privados62.
Ainda assim, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem
vindo a apurar o conceito de obrigações positivas63, enquanto obrigação de
disponibilização de recursos aos indivíduos, para que dessa forma se previnam ou
reajam contra possíveis violações dos seus direitos, ainda que cometidas por terceiros.
Os Estados são, assim, responsáveis, em algumas situações – sobretudo de não
discriminação – não só por violarem por acção os direitos reconhecidos pela
Convenção, mas também por não terem criado condições para o seu gozo,
nomeadamente assegurando que terceiros não os coloquem em causa64.
3. Pontos de contacto entre os Direitos Anti-Discriminatórios da União
Europeia e do Conselho da Europa
Feita a breve análise aos contornos mais vincados dos direitos anti-
discriminatórios da União Europeia e do Conselho da Europa, é tempo de procedermos
ao cotejo dos seus principais pontos de encontro, mas também dos seus espaços de
desencontro.
Efectivamente, em qualquer um dos casos, o tratamento e análise dos fenómenos
alegadamente discriminatórios é feito tendo por base critérios autónomos, depurados de
acordo com a caracterização e função de cada uma daquelas Instâncias Internacionais,
do que resulta a possibilidade de a apreciação de questões similares ter desfechos
distintos em ambas as sedes.
É o que sucede, por exemplo, quanto às diferenciações etárias no acesso a
prestações sociais entre pessoas de sexos diferentes. Se esta é uma matéria em que o
Tribunal de Justiça tem assumido uma posição de algum activismo, recusando a
62 As únicas situações nas quais as acções em causa podem beneficiar de efeito directo
horizontal, de acordo com o relatório explicativo ao Protocolo n.º 12, são aquelas incluídas num contexto regulatório de direito público, no qual o Estado assume especiais responsabilidades, como sucede no acesso ao trabalho ou a determinados bens e serviços. 63 Cfr. o relevante estudo de MOWBRAY, Alastair L - The Development of Positive Obligations under the European Convention on Human Rights by the European Court of Human Rights, Oxford: Hart Publishing, 2004.
64 Julgamos particularmente impressivo o Acórdão Connors contra Reino Unido de 27 de Maio de 2004 (queixa n.º 66746/01), no qual, o Tribunal considerou violadora do artigo 8.º (ainda que sem o aliar ao artigo 14.º) a cessação de uma medidade apoio positivo a uma minoria (disponibilização de espaços para as comunidades nómadas), por considerar que aquela cessação colocava consideráveis obstáculos à possibilidade destes prosseguirem um estilo de vida nómada, ao mesmo tempo que excluíam de protecção os que decidiam adoptar um estilo de vida mais sedentário.
56
introdução ou manutenção de tais distinções[Acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de
Março de 2009, Comissão das Comunidades Europeias/República Helénica, proc. C-
559/07, e de 18 de Novembro de 2010, Pensions-versicherungsanstalt/Christine Kleist,
proc. C-356/09], já o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem mantido uma
posição mais contida, ainda que reconheça – mas sem daí tirar ilações – que evolução
ocorrida nas condições sociais e económicas pode justificar uma partificação das regras
aplicáveis a ambos os sexos[cfr. Acórdão Stec e o. contra Reino Unido, de 12 de Abril
de 2006 (queixas n.º 65731/01 e 65900/01)].
Do mesmo modo, critérios suspeitos há que merecem atenção distinta em cada
uma destas sedes: pense-se na especificidade da não discriminação em razão da
nacionalidade no âmbito da União Europeia e no relevo particular que o critério religião
assume na economia da Convenção e na jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem65.
Na grande maioria das situações, porém, a evolução deu-se no sentido de um
ajustamento recíproco das pronúncias de cada um destes órgãos jurisdicionais,
sobretudo em matérias fracturantes como as de discriminação das pessoas transsexuais
e, mais recentemente, das de discriminação em razão da orientação sexual. Do mesmo
modo, o relevo que tem sido deferidoa critérios suspeitos como os da origem étnica e
incapacidade denotam uma aproximação dos pressupostos e termos de intervenção dos
direitos anti-discriminatórios da União Europeia e do Conselho da Europa.
Não obstante esta aproximação, diferenças persistem. Vejamos quais, a
pinceladas largas.
O âmbito de relevânciado direito anti-discriminatório é distinto em ambos os
casos, uma vez que se circunscreve, no plano da União Europeia, às competências que a
esta são reconhecidas66, enquanto que, no plano da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (artigo 14.º), se reporta aos direitos específicos nela reconhecidos. É certo que,
com a aplicação do Protocolo n.º 12,a não coincidência entre o tipo de situações que
65 Relevo particular este que resulta não apenas da metodologia seguida pelo Tribunal (que não
faz apelo, em regra, à dogmática da não discriminação), mas igualmente dos domínios em que o mesmo tem relevado (domínios estes que, em grande medida, se encontra furtados ao âmbito de competência da União Europeia).
66 O Tribunal de Justiça da União já recusou expressamente a apreciação de questões que, embora possam assumir relevo no âmbito mais amplo da protecção dos direitos fundamentais no contexto europeu, não se integram no domínio de atribuições assinaladas ao direito comunitário. Neste sentido, cfr. o Acórdão Society for the protection of unborn children Ireland Ltd contra Stephen Grogan e o., de 4 de Outubro de 1991, proferido no proc. C-159/90, o Acórdão Processo Penal contra Gianfranco Perfili, de 1 de Fevereiro de 1996, proferido no proc. C-177/94; e o Acórdão Friedrich Kremzow contra Republik Österreich, de 29 de Maio de 1997 proferido no proc. C-299/95.
57
chamam à colação o princípio da não discriminação cessa, uma vez que este princípio
passa a deter o campo de aplicação necessário para salvaguardar os direitos que possam
ser afectados pela Parte Contratante visada, estatuto a que poderá, a breve trecho, aceder
a União Europeia.
Ainda assim, não se nos avizinha que, com esta adesão67, o controlo judicial do
princípio da não discriminação pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem venha a
ser feito em moldes substancialmente distintos daquele que tem vindo a ser levado a
cabo até ao momento, por muito que passe a incidir directamente sobre as medidas
adoptadas pelas Instituições e órgãos da União e não sobre a sua aplicação pelos
Estados-membros68.
Efectivamente, a relação discursiva entabulada entre o Tribunal de Justiça da
União e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, converteu-os em tecelões de uma
intrincada rede internormativa69, cujo resultado tem sido, como vimos, o da
aproximação do conteúdo e efeitos dos direitos nelas reconhecidos, com efeitos
positívos nítidos para a protecção dos dos destinatários últimos de qualquer uma destas
ordens jurídicas: os indivíduos.
67 Na sequência da entrada em vigor do Protocolo n.º 14 à Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (artigo 17.º, que altera o artigo 59.º da Convenção), a União Europeia pode ser parte na mesma. Do mesmo passo, o TUE pós-Lisboa passou a incluir uma base expressa para a adesão da União Europeia à Convenção (artigo 6.º, n.º 2), dando corpo às exigências delineadas pelo Tribunal de Justiça para o efeito (Parecer 2/94, de 28 de Março de 1996).
68 No presente momento, o controlo feito pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ao Direito da União Europeia é indirecto e parcelar, pois incide apenas sobre a tarefa de concretização, pelos Estados-membros da União (que também são partes na Convenção Europeia dos Direitos do Homem), daquele direito. Foi com o Acórdão Matthews contra Reino Unido, de 18 de Fevereiro de 1999 (queixa n.º 24833/94) que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem firmou a posição de que a invocação do cumprimento de obrigações internacionais por parte dos Estados contratantes, maxime, decorrentes do direito comunitário não poderiam justificar a sua subtracção ao cumprimento das obrigações e a sujeição aos mecanismos de controlo instituídos pela Convenção, sob pena de tal justificação se converter num mecanismo de ilisão das obrigações que esta impõe. No Acórdão Bosphorus o Tribunal considerou-se competente para analisar actos de Estados que pusessem em marcha obrigações directamente aplicáveis da União, ainda que tenha avançado uma «presunção da protecção equivalente» entre o Direito da União e o da Convenção em matéria de protecção dos direitos fundamentais [Acórdão Bosphorus Hava Yollari Turizm ve Ticaret Anonim Sirketi (Bosphorus Airways) contra Irlanda, de 30 de Junho de 2005 (queixa n.º 45036/98)]. Para uma análise destes e de outros arestos relevantes, cfr. LOCK, Tobias - Beyond Bosphorus: The European Court of Human Rights’ Case Law on the Responsibility of Member States of International Organisations under the European Convention on Human Rights, Human Rights Law Review, Vol. 10, N.º 3, (2010), p. 529-545
69 Sobre os contornos desta rede, cfr., entre nós, DUARTE, Maria Luísa - União Europeia e Direitos Fundamentais: no Espaço da Internormatividade, Lisboa: AAFDL, 2006; MADURO, Miguel Poiares - A Constituição Plural. Constitucionalismo e União Europeia, Lisboa: Principia, 2006; CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Estado de Direito e Internormatividade, Direito da União Europeia e Transnacionalidade, Alessandra Silveira (coord.), Lisboa: Quid Iuris, 2010, p. 171-185; e PACHECO, Maria de Fátima de Castro Tavares Monteiro - O Sistema de Protecção dos Direitos Fundamentais na União Europeia – Entre a Autonomia e o Compromisso, Revista Julgar, N.º 14, 2011, no prelo.
58
Este diálogo, organizado processual e orgânicamente num cenário pós-adesão,
sairáreforçado em virtude doelevado número de questões que serão suscitadas perante o
Tribunal Europeu, sobretudo em matéria de não discriminação em razão do género (área
na qual o Tribunal de Justiça tem sido reconhecidamente mais competente)70, mas não
deixará o Tribunal Europeu de tomar em consideração as características particulares do
direito da União Europeia (na terminologia do protocolo n,º 8 relativo ao n.º 2 do artigo
6.º do TUE) ou de lançar mão, em alguns hard cases, do critério da margem de
apreciação própria dos órgãos competentes da União (à semelhança do que faz com os
Estados).
Se esta metodologia judicial de controlo do princípio da não discriminação é
relevante, a coordenação dos demais mecanismos de defesa contra comportamentos
discriminatórios no âmbito da União e do Conselho da Europa, quando actuam em
domínios sobrepostos, é também valiosa.
Autores há que questionam se os próprios mecanismos institucionais destas duas
Instituições não serão verdadeiramente complementares, na medida em que a viado
reenvio prejudicial, não admitida no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem como forma de diálogo entre juiz internacional e juizes nacionais, pode
determinar, por via dos princípios gerais do direito da União, um acréscimo do respeito
pelo direito da Convenção e a reparação da violação antes de se encontrarem esgotadas
as vias de recurso71. Da mesma forma, a existência da via processual da acção por
incumprimento – que tem sido mobilizada para constatar situações de não transposição
ou transposição deficiente das Directivas sobre não discriminação72 – ao mesmo tempo
que reforça o carácter legislativo do direito antidiscriminatório da União, previne ou
reduz a ocorrência de litígios sobre a aplicação deste mesmo direito.
70 Cfr. BESSON, Samantha - Gender Discrimination under EU and ECHR Law: Never Shall the
Twain Meet?, Human Rights Law Review Vol. 8, N.º 4 (2008), p. 647-682. MASSELOT, Annick - The State of Gender Equality Law in the European Union, European Law Journal, Vol. 13, N.º 2 (2007), pp. 152–168, considera que a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem pode vir a causar prejuízo ao direito à não discriminação em razão do sexo, por o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre igualdade de género ser mais fraco do que o adoptado pelo Tribunal de Justiça, ainda que considere que a adesão ao Protocolo 12.º pode contribuir para uma aproximação das duas jurisprudências.
71 ZAMPINI, Florence - La Cour de Justice des Communautés européennes, gardienne des droits fondamentaux «dans le cadre du droit communautaire», Revue Trimestrielle de Droit Européen, N.º 4, (1999) p. 659 a 707.
72 Cfr., apenas a título de exemplo, o Acórdão Comissão das Comunidades Europeias contra República da Finlândia, de 24 de Fevereiro de 2005, proferido no proc. C-327/04, na qual este Estado foi condenado por não transpor a Directiva 2000/43.
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Vice versa, no mecanismo da Convenção, os particulares podem recorrer mais
amplamente a uma jurisdição internacional, não obstante a ampliação do acesso ao
Tribunal de Justiça trazida pelo Tratado de Lisboa73.Ainda assim, a necessidade de
coordenação entre estes dois sistemas é nítida, pois assentam em aproximações
distintas: uma – a Convenção Europeia dos Direitos do Homem – centra-se relações
entre indivíduos e os Poderes Públicos; a outra – o da União Europeia – alarga-se a a
domínios em que em causa estão, directamente, relações entre privados74. Alargamento
este potenciado agora pelo entendimento expresso no Acórdão Kücükdevecisobre o
efeito directo dos princípios gerais de direito, como o da não discriminação[Acórdão
Seda Kücükdeveci contra Swedex GmbH & Co. KG, de 19 de Janeiro de 2010, proc. C-
555/07].
Também no que se refere aos métodos político-administrativos, apesar de haver
quem tema que a criação de uma Agência dos Direitos Fundamentais da União possa
conduzir ao enfraquecimento do sistema de protecção dos direitos humanos, a
aproximação seguida tem sido a da coordenação e complementaridade de intervenções,
como o demonstra o Acordo de Cooperação publicado no Jornal Oficial L 186/7, de 15
de Julho de 2008, que aponta para a tomada de iniciativas comuns e para a troca de
informações75.
O que significa que embora a adesão da União Europeia à Convenção Europeia
dos Direitos do Homem possa contribuir para uma relação mais clara e ordenada entre
estes dois níveis de regulamentação internacional76, tal não dispensará ajustamentos
73 Cfr. o artigo 263.º do TFUE que passou a reconhecer legitimidade nos recursos de anulação a
qualquer pessoa singular e colectiva actos regulamentares que lhe digam directamente respeito e não necessitem de medidas de execução. No âmbito da política externa e de segurança comum foram igualmente alargadas as possibilidades de pronúncia do Tribunal de Justiça para defesa contra medidas restritivas dirigidas contra pessoas singulares e colectivas (artigos 40.º do TUE e 275.º do TFUE).
74 BECO, Gauthier de - Le Protocole nº 12 à la Convention Européenne des Droits de L’Homme, Revue Trimmestrielle des Droits de L’Homme, Vol. 83 (2010), p. 613.
75 SCHUTTER, Olivier de - The two Europes of Human Rights: the Emerging Division of Tasks between the Council of Europe and the European Union in promoting Human Rights in Europe - Columbia Journal of European Law, N.º 14 (2008), p. 509.
76 As vozes apontam dominantemente no sentido favorável à adesão. Impressivamente, entre nós, cfr. DUARTE, Maria Luísa “O Direito da União Europeia e o Direito Europeu dos Direitos do Homem – Uma Defesa do “Triângulo Judiciário Europeu”, in Estudos de Direito da União e das Comunidades Europeias, Vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 205-236. Mas continua a haver vozes dissonantes como a de MARCIALI, Sébastian - Les rapports entre les systémes européens de protection des droits fondamentaux, in Les Droits Fondamentaux dans L’Union Européenne – Dans le sillage de la Constitution Européenne, Joel Rideau (ed.), Bruylant: Bruxelles, 2010, p. 345-377, que se pergunta sobre a utilidade de adesão à Convenção, se se encontra firmada uma lógica de equilíbrio e compromisso, reforçada pela equivalência da protecção dada pela Carta dos Direitos Fundamentais. Para este autor, a adesão pode mesmo trazer a lógica oposta, da confrontação directa.
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recíprocos a outros níveis, designadamente legislativos, para que se garanta um efectivo
espaço europeu de não discriminação 77.
4. Conclusão
Pensamos não ser demasiado temerário afirmar que a consolidação de um direito
anti-discriminatório europeu tem sido um resultado tanto da partilha de um ideário
comum, como da mobilização de conceitos operativos similares: o primeiro
encontrando o seu cerne no Conselho da Europe, por intermédio da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, os segundos – repousando, maxime, na distinção
entre discriminação directa e indirecta –, encontrando a sua teorização no Direito da
União Europeia78.
Estas duas Instâncias têm, efectivamente, vindo a unir esforços, cada uma nos
seus espaços de influência, para garantir uma efectiva protecção contra a discriminação.
É certo que algumas diferenças subsistem, tanto na aplicação dos catálogos anti-
discriminatórios, como na configuração mais ampla de cada um daqueles sistemas
jurídicos; divergências estas que, se podem ser atenuadas pela adesão da União à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nunca serão anuladas, dado a vocação
específica e irrepetível de cada uma destas Organizações.
77 SCHUTTER, Olivier de - L’adhésion de l’Union Européenne à la Convention Européenne des
droits de l’homme: feuille de route de la négociation”, Revue Trimestrielle des Droits de L’Homme, Ano 21, n.º 83 (2010), p. 535-571, considera que a adesão que em tempos poderia ter sido vital, não se tornou supérfula, pois continua a ser necessária à coerência do sistema europeu de protecção dos direitos fundamentais, para limitar o risco de interpretação divergente das duas jurisdições na interpretação das exigências dos direitos fundamentais. No entanto, segundo o autor, não basta a adesão à Convenção sendo justificado que a adesão se fizesse inicialmente à Carta Social Europeia ou, mesmo, a outros instrumentos convencionais do Conselho da Europa.
78 Discordamos, por isso, de HARPAZ, Guy - The European Court of Justice and its Relation with the European Court of Human Rights: the Quest for Enhanced Reliance, Coherence and Legitimacy, Common Market Law Review, Vol. 46, N.º 3 (2009), p. 121, para quem em matéria de direitos do Homem, tem sido o Tribunal Europeu a apresentar uma metodologia mais precisa, já que em matéria de não discriminação é o Tribunal de Justiça que tem tradicionalmente apresentado uma argumentação mais firme para suportar as suas decisões.