Primeiros Ensaios Econômicos - PET Economia UFPR · Publicação do Programa de Educação...

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Primeiros Ensaios Econômicos Publicação do Programa de Educação Tutorial (PET) de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná Volume 2 – 2010 – Curitiba – Paraná – Brasil ISSN 2175-9022

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PrimeirosEnsaios

EconômicosPublicação do Programa de Educação Tutorial (PET) de Ciências

Econômicas da Universidade Federal do Paraná

Volume 2 – 2010 – Curitiba – Paraná – Brasil

ISSN 2175-9022

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Primeiros ensaios econômicos / publicação do Programa de Ensino Tutorial (PET) de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná; [editor responsável Fabiano Abranches Silva Dalto, Ronald Wegner Neto]. - v. 2, n. 1 (2010) – Curitiba: PET/UFPR, 2009- v. ; 21 cm Irregular ISSN 2175-9022

1. Economia – Periódicos. I. Universidade Federal do Paraná. Ciências Econômicas. Programa de Ensino Tutorial(PET). I. Dalto, Fabiano Abranches Silva. II. Ronald Wegner Neto. CDD 330

Expediente

Editor Responsável:Fabiano Abranches Silva Dalto; Ronald Wegner NetoEditores Associados:Ana Paula Wolf ; Daniel Wielewski do Carmo; Danielle Cristina Guizzo; Danilo F. O. Ogama; Enzo Matono Gerioni; Ivan Gambus Faria; João Otávio Weiss; Jonathan Diego Dill; Julia Alencar Omizzolo; Leomar Fernando Godois Santana; Leonel Toshio Clemente; Marina Andrioli; Nelson Nei Granato Neto; Otávio Jr. Barancelli; Newton Gracia da Silva; Rosana de Melo Louro; Thiago Luís de Quadros Ramos Pinto Revisão e editoração eletrônica:Ronald Wegner NetoPareceristas:Huáscar Fialho Pessali (UFPR); Fabiano Abranches Silva Dalto (UFPR); Iara Vigo de Lima (UFPR); Dayani Cris de Aquino (UFPR); Luiz Alberto Esteves (UFPR); Simone Meucci (UFPR); Alexandre Ottoni Teatini Salles (UFES); Fernando Motta Correia (UFPR)Capa: Leonel Toshio ClementeTiragem: 500 exemplaresEndereço para correspondência:PET – EconomiaAv. Prefeito Lothário Meissner, 632, Setor de Ciências Sociais e Aplicadas, sala 025 – Jardim BotânicoFone: (41) 3360-4475Curitiba - ParanáEndereço eletrônico: [email protected]

[email protected]ítio eletrônico: www.pet-economia.ufpr.br/

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Dedicado ao ProfessorFrancisco de Borja Magalhães Filho

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SumárioEditorial.......................................................................................................11

Métodos de otimização aplicados à Economia Ambiental: uma análise crítica da maximização de utilidades e do individualismo metodológico à luz da teoria institucionalista.................................13Rafael Bucco Rossot

O ciclo da instabilidade financeira de 1994-1999: uma abordagem Minskyana............................................................................25Ariane de Oliveira Saraiva

A Economia Institucional: uma leitura vebleniana sobre o seu surgimento..................................................................................................41David Sacramento Carvalho

Florestan Fernandes: a Sociologia Crítica e Ciência Econômica........................................................................................................................57Newton Gracia da Silva

Dialética do Esclarecimento - Resenha.............................................69Alexandre Possidente Taveira

Entrevista Com Liana Maria da Frota Carleial................................77

Normas para submissão de Artigos ...................................................85

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Editorial

É com grande satisfação que lançamos nosso segundo número do Primeiros Ensaios. Esse número é dedicado ao Professor Francisco de Borja Magalhães Filho, falecido em junho de 2010. Sendo este um periódico produzido, organizado e escrito por estudantes de economia esperamos que o exemplo desse extraordinário protagonista da história sirva sempre de inspiração às novas gerações.O Professor Magalhães encarnou o que de melhor a academia comprometida com a mudança social progressista poderia produzir. Participou ativamente da criação das mais importantes instituições paranaenses de desenvolvimento, o BADEP e o IPARDES; foi por duas vezes Secretário de Estado; serviu ao CORECON, ao COFECON e ao IPEA. Na UFPR, foi aluno, professor, Pró-Reitor e Chefe de Departamento. Só se aposentou na famosa “expulsória” após completar 70 anos.Cremos não errar ao dizer que de todos os seus inúmeros e imensos feitos, sua maior contribuição para a transformação social se encerra na sua dedicação à formação de economistas críticos e, como ele, comprometidos com as mudanças sociais progressistas. O Professor Magalhães se notabilizava por sua erudição e conhecimento profundos da história econômica e da ciência econômica, características de oferta limitada nos dias correntes. Com sabedoria paciente não se dobrava à glória imediata da opinião vulgar dos temas midiáticos e dos interesses privatistas. Seus argumentos eram construídos a partir não só da experiência vivida como, principalmente, do estudo e da observação dos determinantes profundos dos fatos correntes e sempre com o olho no interesse público. A quantidade não foi seu diapasão. Suas intervenções no debate acadêmico e na vida pública em geral foram inúmeras e principalmente marcadas pela profundidade e pela excelência.Ao Professor Magalhães nossas humildes e sinceras homenagens. Esperamos, com esta singela recordação, honrar sua memória de sujeito da história, de intelectual de ação comprometida com os valores democráticos, com o aprendizado e com a evolução social.

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MÉTODOS DE OTIMIZAÇÃO APLICADOS À ECONOMIA AMBIENTAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA MAXI-

MIZAÇÃO DE UTILIDADE E DO INDIVIDUALISMO ME-TODOLÓGICO À LUZ DA TEORIA INSTITUCIONALISTA

Rafael Bucco Rossot*

Resumo: Este trabalho objetiva empreender análise crítica dos pressupostos filosóficos e metodológicos que constituem o substrato dos métodos de otimização aplicados na economia ambiental – técnica consistente em maximizar ou minimizar funções utilidade. Assim, demonstra-se que a economia ambiental – e seus métodos de otimização – não é apta a fundamentar análises que envolvem o meio ambiente globalmente considerado e que este paradigma tem se mostrado insuficiente para compatibilizar desenvolvimento econômico e meio ambiente. Em contraposição, pretende-se apresentar a teoria institucionalista - e o método de upward e downward causation -, nítido contraponto à teoria da utilidade e ao individualismo metodológico reinantes na economia ambiental e ponto de partida para se pensar na sustentabilidade ambiental global e não apenas na otimização individual dos agentes econômicos.

Palavras-chave:

1 INTRODUÇÃONo curso do século XX tomou forma – e autonomia acadêmica – um ramo da economia denominado de “economia ambiental”. O objetivo principal desta área do saber econômico centrou-se na análise das questões envolvendo as relações econômicas e o meio ambiente. Seus instrumentais e métodos foram angariados a partir da microeconomia neoclássica, destacando-se, entre eles, os métodos de otimização. Através dos métodos de otimização, as construções teóricas empreendidas na economia ambiental objetivam maximizar utilidade a partir de funções de produção (ótica da empresa) e de funções de consumo (ótica do consumidor), considerando o meio ambiente como mero fator de produção. O início e fim destas

* Aluno do 4º ano diurno do Curso de Ciências Econômicas do Setor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].

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análises centram-se no indivíduo atomizado, de modo que a análise micro-individual é transplantada, sem mediações, para o nível macro-social. Portanto, avulta claramente que os métodos de otimização aplicados na economia ambiental possuem um substrato filosófico – teoria da utilidade – e um pressuposto metodológico – o individualismo metodológico. Em face deste panorama teórico é que se realiza uma análise crítica a partir da teoria institucionalista com a finalidade de apontar a impossibilidade da aplicação da teoria da maximização da utilidade às questões ambientais, assim como a insuficiência do individualismo metodológico por sua unilateralidade e reducionismo.Na primeira seção do artigo são delineados os fundamentos teóricos da economia ambiental. Na segunda seção o autor apresenta o conceito de métodos de otimização, seus fundamentos microeconômicos e uma descrição da aplicação do cálculo diferencial e integral sem, entretanto, recorrer a formalizações matemáticas. Na terceira seção são analisados os axiomas da teoria da utilidade - maximização de prazer e de minimização da dor - e arrolada a crítica institucionalista ao conceito de sujeito maximizador, expondo as fraturas desta construção e a impossibilidade de sua aplicação em questões ambientais. Na quarta seção apresenta-se o conceito de individualismo metodológico e explica-se sua inserção na economia ambiental. Por último, procede-se a uma crítica a este posicionamento metodológico a partir do conceito de upward e downward causation de Geoffrey Hodgson.

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA ECONOMIA AMBIENTALA economia ambiental nasceu como “ramo autônomo” da economia no curso do século XX, ou seja, adquiriu autonomia acadêmica somente recentemente. Esta área nasceu forjada sob a hegemonia da escola neoclássica. Por tal razão, durante certo período alguns temas específicos que hoje constituem objeto desta disciplina eram, e ainda são em parte, abordados por outras disciplinas acadêmicas, como a questão das externalidades e o imposto de Pigou. A microeconomia apresentou-se como fonte teórica dos primeiros estudos e “emprestou” seus instrumentais à análise que começou a se forjar no âmbito da economia ambiental conforme ensina Montibeller

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Filho (2007, p.85). Trata-se de uma aplicação da teoria ortodoxa às questões envolvendo a emergência da questão ambiental. Um dos principais instrumentos da microeconomia neoclássica – apropriado pela economia ambiental – consiste na utilização da maximização de funções de utilidade. Para estes teóricos, cumpre descortinar as preferências dos indivíduos e, através delas, construir funções de utilidade que serão posteriormente otimizadas. Segundo Hodgson (1998, p.93), neste enfoque neoclássico os fins são dados e somente as escolhas empregadas pelos sujeitos são alvo de estudo. Para a teoria econômica neoclássica, pouco importa qual é o fim que o indivíduo objetiva ao maximizar utilidade. Portanto, não há qualquer menção a fins imorais ou ambientalmente destrutivos. O que importa é unicamente a satisfação (maximização do prazer) do indivíduo. Neste contexto, surgem duas correntes de pensamento. Em determinada vertente mais “conservadora”, o meio ambiente é considerado variável exógena (assim como o são os próprios fins da maximização, conforme passagem acima citada de autoria de Hodgson). Neste contexto, o meio ambiente é totalmente desconsiderado na análise econômica.

Em outra vertente neoclássica mais “progressista”, o meio ambiente é encampado pelos modelos matemáticos. Os teóricos que assim se pautam instrumentalizam sua teoria em funções de produção Cobb-Douglas. Exemplo: Nesta função de produção, “A” poderia figurar como o estoque de recursos naturais e e “B” e “C” representariam capital e trabalho respectivamente. A derivada parcial de função em relação a “A” representa o produto marginal dos recursos naturais, ou seja, a taxa que a produção aumenta devido a aumentos de A, mantendo-se capital e trabalho fixos. Ocorre que mesmo neste posicionamento, que “insere” o meio ambiente em suas análises, os recursos naturais (o estoque A) são considerados como inesgotáveis, pois há uma crença de que a tecnologia poderá “contrabalancear” os efeitos da diminuição do estoque de recursos naturais através do aumento do produto marginal dos recursos naturais ou mesmo com a manutenção constante do produto marginal de A, mas com o aumento compensador do produto marginal do capital e/ou do trabalho não se cogita da

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cba CBAY = )(AY

∂∂

possibilidade do estoque A chegar a zero (o que independeria de quão grande fosse o produto marginal dos recursos naturais). Também não se considera que o produto marginal do meio ambiente (a unidade adicional de produto decorrente da adição de uma unidade a mais de recursos naturais) pode chegar próximo a zero se o estoque de capital natural estiver muito depredado, o que diminuirá o bem-estar do indivíduo maximizador. Nestas condições, para manter o mesmo produto, os estoques de capital ou trabalho (e/ou seus produtos marginais) deveriam aumentar consideravelmente. Por outro lado, o modelo não considera que há uma relação de causalidade entre recursos naturais (estoque A) e os estoques B e C, pois em um hipotético cenário em que “A” for nulo, necessariamente os estoques de capital e o trabalho não terão condições de crescer ou mesmo de existir (pense-se na alimentação do trabalho ou nos insumos necessário para a construção de um equipamento). Em breves linhas pode-se relatar que os modelos acima citados são os predominantes na economia ambiental e que consideram o meio ambiente apenas um input do processo de produção das empresas ou da decisão de consumo das famílias, podendo ser otimizado a fim de ser usufruído na margem.

2. OS MÉTODOS DE OTIMIZAÇÃOOs métodos de otimização consistem em técnicas matemáticas que, aplicando o instrumental matemático a determinadas funções, permite descortinar um “ponto de máximo” (maximização) ou um “ponto de mínimo” (minimização). Mas, pergunta-se, a partir de quê? Ou maximizar ou minimizar o quê? A resposta é: utilidade. Segundo Jeremy Bentham, a utilidade pode se definida da seguinte forma:

'se diz que uma coisa promove o interesse de um indivíduo, ou favorece ao interesse de um indivíduo, quando tende a aumentar a soma total dos seus prazeres, ou então, o que vale afirmar o mesmo, quando tender a diminuir a soma total das suas dores” (BENTHAM, 1974, p.10)

Claramente, o conceito de utilidade de Bentham, embora pudesse permitir a aplicação dos conceitos matemáticos de maximização e

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minimização, não foi formalizado pelo mesmo. Isto só foi empreendido pelos primeiros marginalistas. Jevons (1983) – matematizando Bentham – afirma que há um ponto no qual o acréscimo de prazer é 0 (zero) e há um ponto a partir do qual a dor é maior do que o prazer. A partir deste último ponto surge a desutilidade. Percebe-se claramente que Jevons estava raciocinando em termos de cálculo diferencial. Precisamente o ponto no qual o acréscimo infinitesimal de prazer é nulo (matematicamente isto significa o ponto no qual a utilidade marginal é igual a zero – primeira derivada da função utilidade). Portanto, pode-se afirmar que a Revolução Marginalista caracteriza-se essencialmente por formalizar em termos matemáticos a teoria do valor-utilidade de Bentham, posição esta seguida pelos teóricos neoclássicos posteriores e apropriada pela economia ambiental. Hodiernamente, os métodos de otimização (que nada mais significa do que maximizar prazer ou diminuir dor) são aplicados largamente na economia ambiental em contexto de restrição de recursos naturais. Tal fato pode ser exemplificado com utilização da função Cobb-Douglas (mencionada no item 1) e no cálculo de um ponto de máximo para responder à seguinte questão: qual a máxima utilidade que um indivíduo pode obter, considerando-se determinado estoque de recursos naturais e determinada produtividade marginal destes recursos? Esta é a pergunta técnica que os neoclássicos procuram responder. Mas outras questões ficam em aberto, como: o ponto individual de maximização de prazer coaduna-se com o máximo “prazer social”, ou seja, com a obtenção de padrões ambientais globais? Um agregado de indivíduos que maximizam utilidade egoisticamente engendrariam o melhor resultado ambiental total? É o que se procurará descortinar abaixo.

3 – OS AXIOMAS UTILITARISTASNo artigo intitulado The Philosophy of Economic Science, Jeremy Bentham (1955) afirma que para cada “galho” da ciência há um braço correspondente na arte e que ambos são ramos (branchs) da Eudaemonics que em grego significa felicidade. Eudaemonics, afirma Bentham, é a arte do bem-estar (well-being).

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Na obra supracitada, o princípio da maior felicidade da maioria é diretamente nomeado de axioma (inserção também constante na obra Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação), assim como o princípio da maximização de utilidade. Portanto, revela-se aí o axioma da teoria da utilidade que consiste na maximização do prazer e na minimização da dor.Os princípios, afirma Bentham, “devem preceder as consequências; e o primeiro princípio estabelecido deverá ser a base dos outros que o seguem”. E prossegue:

“Mas de quais princípios se está falando? Das proposições gerais. E quais as consequências? As proposições particulares. Esta cadeia é favorável à demonstração. Se um homem admitir a proposição geral não pode, sob pena de incorrer em inconsistência, rejeitar as proposições particulares que dela decorre.” (BENTHAM, 1955, p.97)

Ou seja: Bentham deixa claro que o axioma de toda sua construção teórica (que a felicidade consiste na maximização de prazer e na minimização da dor) é pressuposto, isto é, não demonstrável logicamente. Deve ser aceito, não provado. Há que haver concordância sobre estes axiomas. Portanto, trata-se de uma franqueza filosófica que não foi seguida pelos marginalistas e, especialmente, pelos neoclássicos que insistem em negar o fato de que a maximização de utilidade (como meio apto para se alcançar a felicidade) nada mais é do que uma axioma (dogma). Este fato também não é exposto pelos autores que aplicam a microeconômica neoclássica a questões ambientais. Assim, há um encobertamento ideológico na tradição econômica posterior que se apropriou das bases filosóficas do utilitarismo. O fato de que os axiomas de sua teoria são aporias que dependem de sustentação retórica(convencimento), liga o tema às reflexões de Aristóteles (Aristóteles, 2000)) e traz à tona modernas teorias da ciência, como a exposta na Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn 2006. Isto por que a teoria das revoluções científicas defende que a mudança de paradigmas depende antes do convencimento tópico-retórico de uma comunidade científica do que propriamente de

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inferência lógica, considerando-se que toda teoria nova possui axiomas fundantes que não são demonstráveis de acordo com os instrumentais da lógica, mas aceitos pelos criadores e divulgadores da ciência. Portanto, a teoria do valor utilidade (tal como construída por Stuart Mill e Bentham e apropriada por marginalistas e neoclássicos) não deixa de se basear em um axioma não demonstrável e que somente é hegemônico por que é defendido por um número significativo de membros da academia (mainstream), inclusive no âmbito da economia ambiental. Assim, o primeiro passo para a sua substituição consiste na exposição de suas fraquezas e insuficiências, o que se objetiva neste trabalho através da afirmação segundo a qual as técnicas de maximização de prazer não conseguem abordar com eficiência e mesmo alcançar resultados ambientalmente satisfatórios no âmbito agregado da sociedade.

4 – O INDIVIDUALISMO METODOLÓGICOO termo “individualismo metodológico” foi cunhado inicialmente por Joseph Schumpeter em 1908. Para Schumpeter, o individualismo metodológico consistiria em uma prescrição de modelos de análise econômica que sempre começam com o comportamento individual. A sistematização teórica do termo, entretanto, deve-se a Karl Popper que em sua obra “The Poverty of Historicism” enunciou que

“a tarefa da teoria social é construir e analisar cuidadosamente nossos modelos sociológicos em termos descritivos ou nominalistas; isso quer dizer, em termos de indivíduos, de suas atitudes, expectativas, relações, etc.” (POPPER Apud BLAUG, 1993, p.85).

Ainda segundo Blaug (1993:88), o individualismo metodológico deriva do “individualismo ontológico” de acordo com o qual “os indivíduos criam todas as instituições sociais e, portanto, os fenômenos coletivos são simplesmente abstrações hipotéticas derivadas das decisões de indivíduos reais”. Sua crítica consiste em repelir este princípio metodológico que “tem implicações tão devastadoras na economia” quais sejam: excluir todas as proposições macro-sociais que não

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podem ser reduzidas ao comportamento individual, isto é, qualquer explicação que considere que o total é mais – e mesmo diferente – do que a mera soma das partes. O reflexo deste posicionamento na doutrina é explícito, como pode ser depreendido exemplificativamente através das conclusões do economista Ronaldo Seroa da Motta acerca dos métodos de valoração do meio ambiente:

“os métodos de valoração econômica do meio ambiente são parte do arcabouço teórico da microeconomia do bem-estar e são necessários na determinação dos custos e benefícios sociais quando as decisões de investimentos públicos afetam o consumo da população e, portanto, seu nível de bem-estar.” (MOTTA, 2006, p.13)

Ou seja: nesta perspectiva as ferramentas da microeconomia neoclássica – cuja abordagem é centrada no indivíduo, mantendo-se todas as outras condições ceteris paribus-, pode ser utilizada com sucesso para determinar os benefícios sociais ambientais e políticas públicas macro-sociais. Esta análise não considera qualquer mediação entre indivíduo-sociedade, de modo que a sociedade é mera soma de indivíduos e, no contexto dos problemas ambientais, a solução encontrada no plano individual (maximização de prazer) será necessariamente a melhor no plano social. Ocorre que esta visão peca por acreditar que o todo é igual à soma das partes, ou seja, que a maximização das funções individuais de utilidade levará, necessariamente, à máxima “utilidade social”, ou seja, ao máximo prazer (e mínima dor) para a sociedade como um todo. Mas serão estes padrões realistas? Se todos os habitantes do mundo, portanto, consumissem mais e gastassem mais (na margem), ou seja, maximizando utilidade (afinal, “mais é melhor” como aduz um dos postulados da microeconomia), quais seriam os efeitos ambientais globais? A Terra suportaria? Teríamos padrões mínimos de sustentabilidade? É esta a grande implicação ambiental da utilização dos métodos de maximização na economia ambiental e é esta postura teórica que necessita ser revista.

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5 - CRÍTICA À LUZ DA TEORIA INSTITUCIONALISTA: O CONCEITO DE UPWARD E DOWNWARD CAUSATIONO conceito de upward e downward causation cunhado por Hodgson (1988) é essencial para superar o reducionismo e a unilateralidade que envolve a aplicação do individualismo metodológico na economia ambiental. Ou seja: a abordagem institucionalista entende que os indivíduos são moldados pelas instituições e que as instituições moldam os indivíduos, sem recorrer em qualquer unilateralidade tal como o faz o individualismo metodológico. Conforme afirma Hodgson (2008), em outro trabalho, os fenômenos sociais não podem ser explicados puramente sob a ótica individual, assim como, também, não se pode desaguar em um determinismo “proveniente de cima”, ou seja, não se pode concluir que o comportamento e ação dos indivíduos é determinado puramente pelas instituições. Esta abordagem é fundamental para tratar de realidades como a questão ambiental, pois nesta, evidentemente, o todo é maior do que as partes. A mera análise de maximização de um indivíduo, assim, não pode ser apta para orientar políticas públicas ambientais.Portanto, é necessário construir uma nova teoria econômica do meio ambiente que não seja “viciada” por pressupostos individualistas que, na esfera macro, revelam-se insustentáveis, ou seja, tendentes ao esgotamento e destruição total do meio ambiente. A análise institucionalista – além de constituir substrato teórico sólido em oposição ao individualismo metodológico - permite analisar, usando o método acima, as interações entre o Estado, o mercado e os indivíduos que se refletem no meio ambiente. Portanto, urge salientar que várias questões podem ser levantadas pela teoria institucionalista na seara ambiental e que passam à beira da abordagem tradicional. Assim, no que condiz com o Estado, o questionamento da existência de políticas públicas orientadas unicamente para o crescimento dos agregados macroeconômicos, permite concluir que nem sempre “mais é melhor” e que, se nos orientarmos por este critério, o próprio mercado poderá sucumbir, junto com os indivíduos (upward e downward causation), afinal, o crescimento desmedido poderá implodir o planeta com o esgotamento total dos recursos naturais.

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Ainda na ótica do Estado, muitas outras questões podem ser levantadas, como a existência de fraca fiscalização ambiental, que, aparentemente, molda o comportamento dos indivíduos (gerando hábitos de depredação ambiental), mas que, no longo prazo, podem destruir o próprio indivíduo, situação não visualizada com a aplicação dos métodos de maximização no plano individual. No plano individual, por seu turno, o reconhecimento das limitações cognitivas dos indivíduos – e a crítica à postura de que todos são naturalmente egoísticas – permitirá concluir que a maximização de funções individuais de utilidade, e sua posterior agregação em um todo maior, não se revela o melhor guia teórico para orientar análise e políticas públicas econômico-ambientais. Pois bem, um programa institucionalista voltado a questões ambientais poderá questionar com propriedade os axiomas neoclássicos predominantes na economia ambiental e, a partir de um novo enfoque metodológico (upward e downward causation) e filosófico (pelo questionamento da maximização de utilidade – prazer – como único mote de vida), permitir o reconhecimento das insuficiências e fraquezas da teoria hegemônica, o que contribuirá para a sua substituição.

6 - CONCLUSÃOEste estudo não teve a pretensão de criar novas ferramentas econômicas para a construção de uma nova teoria econômica ambiental à luz de conceitos institucionalistas. Trata-se, ao contrário, de uma primeira crítica à abordagem teórica dominante que, em virtude de suas insuficiências, tem sido incapaz de propiciar a manutenção de padrões eficazes de sustentabilidade ambiental. Ou seja: é necessário repensar o foco que a teoria econômica direciona ao meio ambiente. E um dos primeiros passos consiste em questionar quais as razões do atual fracasso. Neste artigo defendeu-se que os pressupostos filosóficos e metodológicos do mainstream em economia ambiental são insuficientes para os fins a que se propõe, ou seja, que a sua utilização não importará necessariamente em melhora dos padrões ambientais globais e que, neste contexto, as teorias institucionalistas possuem muito a contribuir, pois a superação da noção de maximização de utilidade – que desconsidera a incerteza, as limitações de cognição e outras razões de viver do ser humano – e a eliminação

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do reducionismo pautado no individualismo metodológico (com a adoção do método de análise upward e downward causation), permitirá trazer novas questões e luzes sobre a temática ambiental, como algumas que se arrolou brevemente. Este abrir de olhos é necessário e entende-se que exige a substituição da atual teoria reinante, pois o tempo urge e o Planeta não esperará eternamente.

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O CICLO DA INSTABILIDADE FINANCEIRA NO PERÍODO 1994-1999: UMA ABORDAGEM MINSKYANA

Ariane de Oliveira Saraiva*

RESUMO - A partir da concepção minskyana dos mecanismos que geram o ciclo econômico, busca-se analisar as condições que levaram o setor público à condição de “Ponzi finance”, no período 1994-1999, sob o questionamento de por que a desvalorização cambial no início de 1999 não provocado maiores consequências na economia. Sob a logica de implantação do Plano Real, o endividamento público foi consequência da oferta de hedge ao setor privado, através de títulos públicos indexados à taxa de câmbio como ativo seguro para compensar o risco do endividamento em moeda estrangeira.

Palavras-chave: instabilidade financeira; dívida pública; hedge.

INTRODUÇÃOEste artigo tem por objetivo analisar o período 1994-1999 da economia brasileira sob a perspectiva da teoria do ciclo econômico de Minsky, baseada na Hipótese de Instabilidade Financeira (HIF) inerente ao sistema capitalista, para entender as causas e condições que levaram o setor público à condição “Ponzi finance” ao conduzir a política econômica de estabilização e responder à questão do por que diante dos desequilíbrios dos fluxos privados, o nível de endividamento externo experimentado ao longo do período não culminou em uma crise do setor privado diante da desvalorização cambial ocorrida em 1999. O Plano Real, implantado em julho de 1994, visava primordialmente a estabilização de preços e pressupunha a atração de moeda externa e a paridade cambial em sua estratégia. O governo tem papel crucial nessa estratégia ao suprir as garantias do setor privado através da emissão de títulos públicos indexados à taxa de câmbio, a fim de oferecer hedge e garantir rendimento mínimo ao capital às empresas possuidoras desses

* Aluna graduada (2009) em Ciências Econômicas na UFPR. Artigo elaborado a partir do trabalho de conclusão de curso. E-mail: [email protected]

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títulos, causando crescente endividamento público interno associado ao endividamento externo. Desta forma, o período de 1994-1999 demonstrar a dessincronia dos fluxos de receita e obrigações, fato que, sob a ótica minskyana da instabilidade financeira, é entendido como causa da instabilidade. Além desta introdução o artigo está composto de mais três seções. A primeira apresenta os pressupostos teóricos do modelo de Minsky que norteia a análise. Na segunda apresenta-se lógica e mecanismos da implantação do Plano Real. Na terceira, dividida em quatro subseções, apresenta-se o desenvolvimento endógeno da vulnerabilidade sob aspecto do endividamento de empresas financeiras e não-financeiras, das famílias e finalmente do setor público. A quarta seção apresenta as considerações finais.

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOSNo modelo de Minsky, com base na obra “Stabilizing an Unstable Economy” de 1986, a instabilidade da atividade econômica está diretamente associada às relações financeiras entre firmas e bancos, relação que se amplia a partir do momento em que as firmas passam a depender de financiamento para a produção de bens de investimento e formação bruta de capital. Estas estruturas mudam ao longo do tempo, determinando a trajetória do comportamento da economia no curto e no longo prazo. Estas relações são determinadas pelas posturas financeiras, por sua vez relacionadas com receitas futuras do uso de ativos.O crescimento das economias capitalistas baseado na indústria capital-intensiva tem necessidades de fundos ampliadas, provenientes em grande parte de empréstimos obtidos junto aos bancos comerciais. Desenvolve-se a partir disso uma rede de relações entre corporações e bancos, processo esse focado nas expectativas de lucro e caracterizado pela capacidade de gerar fluxos de caixa para validar suas decisões em condições permanentes de risco e incerteza. Desta forma, a fragilização financeira e a instabilidade tendem a colocar em risco não apenas o sistema financeiro, mas toda a economia capitalista.A análise das posturas financeiras é uma chave para entender o modelo proposto por Minsky. O ciclo de instabilidade é caracterizado pelo aumento paulatino do peso das unidades financeiramente

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fragilizadas. De acordo com Minsky (1986) a postura financeira é planejada em função das possibilidades de financiamento de propriedade ou aquisição de bens de capital. Há três tipos de posições financeiras em ativos que podem ser identificadas na estrutura financeira do sistema: hedge, speculative e Ponzi finance. Esses regimes financeiros são caracterizados por diferentes relações entre compromissos sobre dívidas e fluxos de caixa esperados devido aos ganhos de quase-rendas dos ativos de capital ou do debito da obrigação contratual nos instrumentos financeiros possuídos. Nas relações de longo prazo, passivos de longo prazo são financiados com dívidas de curto prazo. Como taxas de juros flutuantes estão sujeitas a grandes oscilações, configura-se frequentemente a dessincronização entre receitas e gastos nos fluxos de caixa previstos nos contratos, impossibilitando o cumprimento total ou parcial das obrigações dos devedores perante os credores nas condições originalmente acordadas. A economia se fragiliza em função das posturas financeiras e das relações que se estabelecem entre firmas e bancos interessados na alavancagem dos seus portfólios. Portanto o peso relativo das unidades Hedge, Speculative e Ponzi financing determina o grau de estabilidade ou instabilidade da economia. Um maior peso relativo de unidades Speculative e Ponzi caracteriza a instabilidade financeira. A velocidade do processo de fragilidade reside no grau de rapidez que as unidades com postura Ponzi passam a predominar na economia. A relação entre o retorno de ativos, o custo de passivos, os custos de operação e a alavancagem dos acionistas determinam a lucratividade dos bancos. A alavancagem afeta o volume de financiamento bancário disponível. Além da expansão, novos instrumentos financeiros e novas formas de atividade financeiras são desenvolvidos. Os defeitos das novas formas e novas instituições são revelados quando há o arrocho. No contexto de ambientes incertos e instáveis, o governo desempenha papel fundamental de estabilizador da economia. As autoridades intervêm para prevenir fragilidades localizadas que conduzam a um amplo declínio no valor dos ativos.São esses pressupostos que auxiliam e conduzem na compreensão do cenário e das opções tomadas neste período de análise.

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2 O PLANO DE ESTABILIZAÇÃONo momento da implantação do Real, as autoridades brasileiras estavam convencidas de que o sucesso do plano passava pela existência de uma moeda nacional forte, e fixou nominalmente a sua moeda ao dólar americano. O Plano teve duas fases: a fase da URV e depois, em 1º. de julho de 1994 quando o Real tornou-se moeda corrente. Em ambas as fases, a nova moeda foi calculada com base na média ponderada da variação de uma cesta de moedas, não apenas do dólar. Com isso, a estabilidade da moeda dependia das reservas existentes no país.A lógica do plano era que a sobrevalorização cambial provocaria déficit no balanço de pagamentos, e este seria compensado com a entrada de capitais externos atraídos por uma taxa de juros extremamente elevada. Além disso, o crescimento das importações serviria para baixar os preços dos produtos brasileiros no mercado interno, ancorando o plano de estabilização (MELLO; SCHLESINGER, 1999 apud ILHA; RUBIM, 2001). Ao adotar a taxa de câmbio como âncora nominal do Plano Real, aliada à política de abertura comercial, de taxas de juros internas elevadas e de privatizações, foi possível reduzir a inflação de quatro dígitos, antes do lançamento do plano, a um, durante os seis primeiros anos. Porém, neste ambiente, o endividamento privado em moeda estrangeira e o crescente endividamento interno público tomaria uma direção inviável ao longo do tempo. O risco devido à natureza das receitas em moeda nacional dos agentes privados versus suas dívidas em moeda estrangeira cresciam a níveis diferentes, alimentando a tendência de instabilidade financeira. A prática de juros altos que acompanhou a valorização do real durante esse período teve como objetivo principal atrair capitais externos interessados numa rentabilidade superior às oferecidas no mercado internacional. Estes capitais tiveram a função de cobrir os déficits criados e aumentar as reservas brasileiras de dólares, permitindo ao país a sustentação da política adotada. Também visaram à contenção do crescimento econômico como forma de controlar o desequilíbrio da balança comercial causado pela política cambial e evitar pressões de demanda sobre os preços. Em 1998, a taxa média anual de juros reais chega a 26,2%, praticamente 10 pontos percentuais acima da registrada nos dois anos anteriores (DIEESE, 2000).

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No período 94-99 o Plano passa por mudanças significativas. No primeiro ano, seus resultados foram bastante positivos, mas esta fase é interrompida logo após crise que atinge o México em fins de 1994. Com o câmbio já sobrevalorizado, o governo adota, em março de 1995, medidas de cunho recessivo para evitar a fuga de capitais: corte de crédito, elevação das taxas de juros e mudança no regime cambial (banda cambial). O efeito de tais medidas foi imediato sobre o comportamento do emprego e da produção industrial (ILHA; RUBIM, 2001).Em relação aos problemas de longa duração da economia brasileira, de acordo com Palma (2000), a inflação, a dívida externa e a desigualdade, o Plano Real conseguiu resolver o primeiro, mas fez o segundo significativamente pior e teve pouco impacto sobre o terceiro. Além disso, acrescentou outro que rivaliza com qualquer um dos outros em magnitude, o crescimento da dívida pública interna. Esta cresceu a níveis tais que mudou sua natureza para uma dimensão totalmente diferente. Ademais, essa mudança não está relacionada apenas com a taxa de crescimento extraordinário da presente dívida, mas também porque em uma economia financeiramente aberta as diferenças entre a dívida externa e interna tornaram-se confusas. Desta forma, embora a inflação tenha sido controlada com muito sucesso - ainda mais impressionante depois da desvalorização janeiro - isto criou grandes problemas econômicos, nada menos que o “Ponzi finance” do setor público. Estes problemas foram agravados pelo fato de que o Plano Real estava a ser executado simultaneamente com a liberalização comercial e financeira, em um ambiente internacional altamente volátil e com tentativa sem sucesso de reformas fiscais.

3 A VULNERABILIDADE ENDÓGENAPara Palma (2000), a partir de uma "perspectiva endógena do fracasso”, os mecanismos que levaram a esta crise financeira foram essencialmente endógenos para o funcionamento dos mercados financeiros quando operam com excesso de abundância de liquidez e tornam-se excessivamente dependentes dos fluxos de capitais altamente voláteis. Desta forma, argumenta que havia características “minskyanas” muito específicas na crise brasileira, que a tornava diferente das crises financeiras anteriores.

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Esta visão é também confirmada por Kregel (1999), para quem a principal semelhança das crises financeiras da década de 901 é que elas parecem ter se originado por um processo endógeno de deterioração das condições econômicas causadas pela entrada de capital em resposta a aplicação bem sucedida de políticas internas de estabilização.

“This produces sharp divergences in either interest rates or growth rates relative to the rest of the world, successful stabilization policy carries the seed of its own destruction in the form of excessive capital inflows to take advantages of the return differential.” (KREGEL, 1999, p. 26)

GRÁFICO 1 – DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO (% PIB)

Fonte: IPEADATA (Atualizado em set/2009)

No Brasil, a absorção do aumento maciço das entradas e a dinâmica que este processo gerou, para Palma (2000), foram excepcionalmente condicionados por um ambiente econômico particularmente caracterizado por elevadas e instáveis taxas de juros e pela fragilidade financeira particular que elas tendem a criar. Essas altas taxas de juros, juntamente com a maneira peculiar que o governo lidou com a inevitável fragilidade financeira interna, estiveram no centro do

1 A década de 1990 houve uma sucessão de crises cambiais: a do Sistema Monetário Europeu, em 1992; a do México, em 1994; a asiática, em 1997, a russa, em1998; a brasileira, em 1999.

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processo que levaram à crise de 1999 no Brasil, e à escalada do setor público num crescente “Ponzi minskyano". Para Kregel (1999), a exposição à moeda estrangeira representa dois riscos à estabilidade, um é a taxa de juros que atrai capital externo de curto prazo e a taxa de câmbio:

“(…)Large changes in exchange rates can produce rapid changes in the domestic currency value of liabilities, without any offsetting change taking place in asset values for banks or companies or households without sources of foreign earnings” (KREGEL, 1999, p. 29).

Nas palavras de Sayad (1999, p. 52), “a política de monetária insiste em elevar juros, apesar da pressão descendente sobre estes juros decorrente do fluxo de dólares. O crescimento do influxo de dólares é contrabalanceado por emissão de dívida pública a taxas altas que compõe a despesa do Tesouro Nacional”.A sobrevalorização, aliada à abertura comercial, fez com que a balança comercial passe, a partir de 1995, a conviver com sucessivos déficits, fato que persistiu até fins de 1999. O déficit comercial leva o governo a buscar capital externo para poder fechar o Balanço de Pagamentos, para tanto, eleva as taxas de juros internas. O influxo de capital externo determina aumento da base monetária. Para que esse aumento da base monetária não resulte em aumento do nível geral de preços, as autoridades monetárias realizam operações de esterilizações, vendendo títulos públicos, o que determinou um aumento explosivo da divida pública interna, que era de aproximadamente R$ 153 bilhões em 1994 e atingiu mais de R$ 520 bilhões em fins de 1999 (ILHA & RUBIM, 2001).A taxa de câmbio real, partindo de um nível de 100 em junho de 1994 – véspera do Plano Real, lançado em 1° de julho – tinha diminuído para um índice de 68 no auge da apreciação real do câmbio, em julho de 1996 (BACEN). Mesmo que com o passar do tempo as minidesvalorizações estivessem ultrapassando a inflação – gerando uma tênue desvalorização real – o referido índice de dez/1998 era de apenas 79, indicando uma apreciação real acumulada de mais de 20% em relação ao início do Plano.

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2.2 A VULNERABILIDADE DOS BANCOSDesde outubro de 1991, quando houve uma maxidesvalorização cambial, as autoridades monetárias vinham mantendo até 1998 um elevado e estável diferencial entre as taxas de juros dos títulos públicos federais em dólar e as praticadas em países desenvolvidos, em particular nos EUA (PUGA, 1999). Nesse período os bancos procuraram captar recursos no exterior para repasse no mercado doméstico. Em janeiro de 1999, o Banco Central deixou de estabelecer limites sobre a flutuação da taxa de câmbio, levando a uma forte depreciação da moeda doméstica. Tais fatos suscitaram preocupações quanto à capacidade das empresas contraírem empréstimos em moeda estrangeira nos banco e poderem cumprir suas obrigações. E também, quanto à existência de hedge por parte das instituições financeiras para os créditos oferecidos e para as aplicações em títulos públicos federais, ou seja, se tais ativos do sistema financeiro estavam protegidos contra uma desvalorização cambial (PUGA, 1999). A queda das transferências inflacionárias pós-estabilização da economia tornou inevitável a profunda restruturação do sistema financeiro brasileiro. Em um primeiro momento, os bancos procuraram se ajustar a essa nova situação aumentando fortemente as operações de crédito. Tal desempenho, porém, foi interrompido pelo aumento da inadimplência no segundo semestre de 1995. Com isso, houve significativa piora nos lucros dos bancos.Conforme Puga (1999), o grau de alavancagem dessas instituições, ao final de 1998, estava em seu nível mais baixo se considerado o período 1994-1998. O nível de inadimplência do sistema bancário brasileiro, de 10,3% em dezembro de 1998, esteve fortemente concentrado nos bancos múltiplos e comerciais públicos federais. Apesar do elevado grau de incerteza que havia quanto ao impacto da maior presença estrangeira no sistema financeiro nacional e embora para boa parte dos economistas discorde, Puga afirma que o ingresso de bancos estrangeiros contribuiu para dar mais solidez e eficiência ao sistema financeiro nacional, durante a maior parte do período, os bancos estrangeiros foram os mais eficientes. (PUGA, 1999).De acordo com Palma (2000) as contínuas mudanças nas taxas de depósito foram refletidas e aumentadas nos extraordinários níveis de volatilidade das taxas de juros nominal, tanto para o capital quanto

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para o crédito ao consumidor. Com essas taxas, e uma economia praticamente sem inflação, é pouco surpreendente que o sistema bancário teve problemas devido a não-realização de ativos. Uma das características mais interessantes da experiência do Brasil, como ressalta Palma (2000), é que ela contradiz uma das proposições fundamentais da literatura tradicional que usa "riscos morais" como a sua principal explicação para a crise financeira. Essa literatura tenta explicar, em especial a crise mexicana e da Ásia Oriental associando a interferência exógena do mercado. O que mostra o caso brasileiro é que o cenário é oposto e igualmente perigoso: as taxas de juros "artificialmente" elevadas (isto é, significativamente superior às taxas de juros internacionais mais um prêmio de risco) - e com alta volatilidade acrescentando um importante elemento de incerteza superior - pode levar facilmente à fragilidade financeira. Isto é feito através dos problemas que ele cria, tanto no sistema financeiro doméstico (principalmente devido ao baixo desempenho dos ativos bancários) e, no setor público (devido ao alto custo do serviço da sua dívida). A respeito da absorção da dívida por parte do setor público Palma afirma:

“Of course, these problems can be compounded, as happened in Brazil, if a government chooses to create a vicious circle between the public sector fragility and the private sector one by adopting a policy of absorbing the resulting bad debt of the domestic banking system in a continuous and indiscriminate manner. In this way the Brazilian authorities not only added a crucial new ‘moral hazard’, but also a very costly one because then the private sector’s financial fragility helped push the public sector one to levels that became unsustainable by rapidly increasing both the stock and the flows of the public debt” (PALMA, 2000, p.5).

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2.3 O ENDIVIDAMENTO PRIVADO (EMPRESAS E FAMÍLIAS)

TABELA 1– DÍVIDA EXTERNA PRIVADA REGISTRADA

Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Balanço de Pagamentos (BCB Boletim/BP)

Conforme expõe Carneiro (2002), uma das principais consequências da abertura financeira da economia brasileira foi a ampliação da substituição monetária, ou seja, além de se ter ampliado significativamente a posse de ativos financeiro no exterior por parte dos residentes, também induziu, de forma temporária e permanente, a substituição da moeda nacional pela estrangeira em algumas operações. Os processos de substituição decorrem do hedge, arbitragem, ou especulação dos agentes com uma moeda estrangeira e sua intensidade indica a fragilidade da moeda local.

“A necessidade de hedge em moeda estrangeira é um subproduto direto da abertura financeira e da ampliação dos fluxos de capitais. Ela resulta tanto da necessidade de proteção para residentes que assumiram passivos em moeda estrangeira quanto para não residentes que realizaram investimentos no país e precisam proteger seus lucros, dividendos ou rendimentos da variação cambial. Não é por outra razão que a dívida indexada ao dólar alcançou um patamar em torno de 10% do PIB e 20% da dívida pública total” (CARNEIRO, 2004, p 305).

Seguindo com sua análise, esses processos, dentro de certos limites, resultam do aumento da conversibilidade da conta de capital, vale

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Ano US$ milhões19901991199219931994199519961997199819992000

9.571,089910.945,779916.238,000021.073,000032.804,000042.145,000059.863,000091.555,0000128.328,6763105.891,0000106.296,0000

dizer, da ampliação de ativos e passivos denominados em moeda estrangeira. Diante disto, conclui que a substituição monetária foi impulsionada pelo pequeno aprofundamento financeiro e a vulnerabilidade externa. Das formas de substituição monetária, a dívida pública indexada ao dólar é de longe a mais importante, a qual teve rápida expansão no Brasil alcançando patamares elevados em 1999/2000. Conforme Carneiro (2004), essa ampliação da dívida dolarizada encontra duas razões distintas: a primeira está associada à necessidade de hedge dos agentes e tem caráter permanente; a segunda é circunstancial e especulativa, que aparece em momentos de crise cambial.

2.4 O ENDIVIDAMENTO PÚBLICO

TABELA 2 - DÍVIDA PÚBLICA INDEXADA AO DÓLAR

% Dívida % PIB % Reservas

Dez./94

Dez/95

Dez/96

Dez/97

Dez/98

Dez/99

Dez/00

8,3 2,4 33,5

5,3 1,6 21,7

9,4 3,2 41,3

15,4 5,3 81,6

21,0 8,9 166,8

24,2 11,4 150,3

21,7 11,0 183,1Fonte: BACEN. Notas para a imprensa (2001)

Devido ao fato de grande parte da dívida pública ser indexada pela taxa over-Selic e pela taxa de câmbio, houve uma pressão sobre o endividamento público que culminou com uma forte elevação na razão dívida/PIB.A dívida pública interna mostrou uma trajetória explosiva após o Plano Real. Seu crescimento de 20 pontos percentuais no PIB em apenas cinco anos tem paralelo apenas com o panorama da crise da divida em 1982-1984. Há dois momentos distintos na expansão dessa dívida. De 1994-1997, a dívida interna cresce e a dívida externa cai, ou seja, a acumulação de reservas, além de implicar crescimento da

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primeira, também faz cair a dívida pública externa líquida (CARNEIRO, 2002).Devido a taxa de câmbio ter se tornado sobrevalorizada houve uma deterioração no saldo de transações correntes. Dessa forma a economia tornou-se dependente de capitais externos, notadamente de curto prazo, como forma de manter as reservas internacionais em níveis elevados para proteger a estabilidade da taxa de câmbio. As instabilidades externas geradas pela crise asiática (out/97) e russa (set/1998) levaram à mudança do regime cambial e provocaram uma forte elevação da taxa de juros. Esta política criou uma armadilha para si própria, ao alimentar o endividamento externo e interno. O aumento da dívida externa ocorreu devido ao fato de o setor privado ter sido estimulado a cobrir suas necessidades financeiras com recursos captados a taxas menores no mercado internacional. O crescimento da dívida interna pública, por sua vez, decorreu diretamente do aumento dos juros. Após 1998, a perda contínua de reservas e, posteriormente, o endividamento junto à instituições multilaterais tiveram um impacto significativo na dívida pública líquida, explicada pela ampliação do endividamento externo junto às instituições multilaterais e o impacto da desvalorização sobre a dívida pública interna dolarizada. Na ausência de déficit primário nas contas públicas, a dívida originou-se da combinação entre taxas de juros elevadas e a esterilização da absorção de recursos financeiros do exterior. A política de esterilização implicou a emissão de dívida interna para enxugar a liquidez oriunda do superávit da conta capital, bastante superior às necessidades de financiamento corrente do balanço de pagamentos, que redundou no crescimento das reservas. O acúmulo de reservas foi uma estratégia deliberada para realizar a estabilização com âncora cambial. A sua esterilização era essencial para evitar uma queda da taxa de juros ou uma apreciação excessiva do câmbio, que terminariam por inviabilizar a entrada de capitais (CARNEIRO, 2002). Conforme a análise de Palma (2000), as razões para o crescimento da dívida líquida do Governo Central e Banco Central não é de todo óbvio. Como não existia "déficit primário" a ser financiado, e como este setor não teve praticamente nenhum estoque da dívida no início do Plano Real, é difícil culpar de imediato as altas taxas de juros para este extraordinário crescimento. Obviamente, a fim de se tornar um

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“Ponzi” precisa ter um significativo montante das dívidas. Esta é a questão crucial que precisa ser explicada: de onde vem este estoque primário da dívida do Governo Federal e do Banco Central - onde as taxas de juros relacionadas com o “Ponzi finance” descolaram? O autor esclarece que o Plano Real também adicionou indiretamente para o estoque da dívida pública por estar associada a uma série de crises bancárias, a primeira já em 1995. O governo tomou a decisão crucial de absorver quantidades substanciais desta dívida ruim, argumentando que esta era a única forma para evitar o pânico financeiro. No entanto, esta decisão não só criou o que acabou por ser muito caro, um novo perigo "moral", mas também evitou investigações sérias destas crises bancárias. Houve, portanto, conforme explica Palma (2000) dois fenômenos cruciais do setor público “Ponzi finance”. Primeiro, houve a violação de uma das mais importantes "regras de ouro" das finanças públicas: as taxas de juros pagas sobre a dívida pública foram sistematicamente superiores ao crescimento das receitas públicas. Segundo, cada choque externo e interno fez este problema pior. Dado os níveis ainda mais elevados de taxas de empréstimo, estes fenômenos devem ter se repetido nos setores doméstico e corporativo. Em terminologia “minskyana”, tudo isso tornou as finanças do setor público em um "Ponzi finance”; e, inevitavelmente, agentes do setor financeiro privado de “hedge” em “especulativo”', e alguns de "especulativo" para "Ponzi" - assim alimentando uma fragilidade financeira crescente nos economia brasileira. Seguindo o que havia acontecido em circunstâncias relativamente similares no passado, especialmente no Chile (1982), México (1994), e Leste da Ásia (1997), a maioria dos observadores esperava que como resultado desta desvalorização e colapso financeiro, o Brasil entraria um período de recessão aguda, aumento da inflação e volatilidade cambial. Na verdade, e não pela primeira vez, a economia brasileira surpreendeu porque quase o oposto aconteceu. Primeiro, na verdade, a economia registrou um crescimento pequeno no primeiro trimestre de 1999 (0,2%), em seguida, entrou em uma recessão curta e leve (-0,5% e -0,2% nos dois quartos seguintes), a repercussão rapidamente no último trimestre de 1999 (com crescimento de 3,8%). Ao todo, a economia realmente tinha uma taxa de crescimento de 1% para o ano e esta recuperação foi ainda em curso no momento da escrita deste

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artigo, em meados de 2000, com a maioria das projeções de expectativa de crescimento de 4% para o ano como um todo (PALMA, 2000).Com o grande endividamento externo do setor privado, o risco que se coloca em uma desvalorização cambial é uma deterioração patrimonial do mesmo, com o risco de crises econômicas (queda do consumo e investimento – efeito riqueza), crise financeira (falências, quebras bancárias etc.) entre outros efeitos. Entretanto, no Brasil, a questão crucial é que a mudança cambial não provocou um processo disruptivo. Por quê?Conforme responde Gremaud et al. (2007) decorreu da possibilidade de hedge oferecida aos agentes que permitiram que estes se livrassem do risco cambial. As instituições financeiras que respondiam por algo em torno de um terço da dívida externa do setor privado, possuíam uma baixa exposição ao risco câmbio com ativos externos, que de certa forma compensavam o passivo externo. No entanto, mesmo esse setor, junto com os demais agentes, buscou formas de “hedgear” suas posições: mercado futuro, moeda estrangeira, e outros ativos atrelados à moeda estrangeira. A questão fundamental era quem ofereceria hedge em um momento no qual todos avaliavam ser insustentável a política cambial. Novamente, a resposta foi o setor público, como já havia feito em outros momentos da história do país.Conclui que no momento da mudança cambial, apenas uma pequena parcela da dívida externa do setor privado não estava protegida. Assim, as perdas decorrentes da desvalorização cambial concentraram-se no setor público e em alguns poucos agentes do setor privado. Após o Banco Central ter perdido cerca da metade de suas enormes reservas, na virada do ano de 1999, as opções abertas para o governo tornaram-se relativamente estreitas: ou continuar a defender a moeda estilo argentina, trazendo com ela uma recessão e uma crise financeira provavelmente maior em escala superior à da Argentina em 1995 (por causa do efeito potencial explosivo de uma falha da dívida pública), ou para o risco de uma desvalorização. A segunda opção foi tomada, e do governo permitiu a flutuação do Real em janeiro de 1999 (PALMA, 2000).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAISO período de análise caracteriza-se por uma crescente dívida pública em um cenário de recente conquista do problema inflacionário. A implementação do Plano Real pressupôs a entrada de capital externo, atraído por altas e crescentes taxas de juros, como forma de ancorar os preços.Nesse ambiente o setor público assumiu uma postura “Ponzi finance” ao oferecer hedge ao setor privado, através da emissão de títulos de públicos a fim de compensar o risco de uma desvalorização cambial.A dívida pública alcançou tais dimensões por praticarem ambas as taxas de juro pagas sobre a dívida pública superior ao crescimento das receitas públicas e por pagar de juros sobre as responsabilidades de esterilização (de influxos estrangeiros) maior do que as receitas dos ativos relacionados (reservas cambiais). Observa-se então a grande dessincronização entre os fluxos de receita e despesa, descrito por Minsky como determinante da instabilidade. A manutenção das altas taxas de juros tornou-se permanente a fim de absorver choques externos, como um substituto para a falta de reformas do setor público. E, além disso, para defender o peg, tanto para evitar crises bancárias nacionais devido às alterações na taxa de câmbio de passivos bancários como para evitar a fuga de fundos internacionais. Apesar do risco moral causado é importante ressaltar, em contrapartida, que foi a ação do governo em assumir o risco da dívida privada, que a desvalorização não causou impactos mais fortes sobre a economia naquele momento.

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Ricardo. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Editora UNESP, IE-UNICAMP. 2002.

GREMAUD, A. P., et al. Economia Brasileira Contemporânea, 6ª edição. Editora Atlas, São Paulo, 2007.

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ILHA, A. S., RUBIM, L. S. Estabilização com base no câmbio: Uma análise comparativa. Revista Economia e desenvolvimento, n.13, agosto de 2001.

KREGEL, J.A. Was There an Alternative to the Brazilian Crisis? Brazilian Journal of Political Economy, vol. 19, nº3 (75), Jul-Set/1999

MINSKY, H. Stabilizing An Unstable Economy. New Haven: Yale University Press, 1986.

PALMA, G. The Magical Realism of Brazilian Economics: How to Create a Financial Crisis by Trying to Avoid One. Center for Economic Policy Analysis Working Paper No. 17. September, 2000.

PUGA, F. P. A Economia Brasileira nos anos 90. Org. Giambiagi, F. e Moreira, M. M. FINAME/BNDES, 1º ed., Rio de Janeiro, 1999.

SAYAD, J. A Política Cambial no Plano Real. Economia Aplicada (FEA/USP), VOL. 3, n. especial, março de 1999.

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A ECONOMIA INSTITUCIONAL: UMA LEITURA VEBLENIANA SOBRE O SEU SURGIMENTO∗

David Sacramento Carvalho**

RESUMO – Este artigo tem o intuito de realçar aspectos proeminentes no surgimento da abordagem teórica institucional. Diante disso se propõe apresentar alguns eventos de história econômica, ocorridos no fim do século XIX e início do século XX no mundo e soberanamente nos Estados Unidos. Por fim se busca conjugar tais eventos históricos com algumas ideias de Thorstein Veblen, além de enfatizar algumas instituições essenciais nesse processo.

Palavras chave: Economia institucional; História econômica; Estados Unidos.

1 INTRODUÇÃOA teoria institucionalista teve seu advento no final do século XIX com a publicação do artigo “Why economics is not an evolutionary science” de Thorstein Veblen. Nele o autor buscou contemplar aspectos metodológicos para uma nova interpretação teórica do sistema econômico vigente à época. A gênese da economia institucional se deu num contexto histórico muito peculiar. Destarte é primordial destacar que a metodologia da economia institucional contém a inserção da história de maneira recorrente e necessária, pois segundo Thorstein Veblen:

“Na medida em que a ciência moderna, (...) se ocupa com questões de gênese e mudança cumulativa e converge para a formulação teórica na forma de história (...), em economia, o objeto de investigação é a conduta do homem

*Este artigo é parte do projeto de monografia de curso defendida pelo autor, sob a orientação do professor Dr. Alexandre Ottoni Teatini Salles.** Graduando no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET Economia/UFES). Agradeço aos comentários de Rosenete Roel de Oliveira isenta de eventuais imprecisões do autor.

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em suas atividades com os meios materiais de vida (...).” (VEBLEN, 1909, p.7)

Diante disso é importante esclarecer que os eventos históricos analisados ao longo do artigo corroboraram com a mudança de instituições políticas e econômicas entrando em conformidade com “as idéias centrais do institucionalismo que se preocupam com as instituições, os hábitos, as regras e suas evolução.” (HODGSON 2007, p.52).1 O presente artigo está estruturado em três partes, sendo que a primeira delas trata da história econômica no tempo de Thorstein Veblen, ressaltando alguns dos seus principais eventos. A segunda delas trará a tona alguns componentes principais da teoria vebleniana, como instintos e instituições. Já a última tem o objetivo de conjugar a teoria de Veblen com a realidade por ele vivida nos tempos da segunda Revolução Industrial.

2 A “MUDANÇA DE MARCHA” NO SÉCULO XIX SOB A PERCEPÇÃO INSTITUCIONALISTANo período da gênese da então incipiente economia institucional por Thorstein Veblen, o mundo, e notadamente os Estados Unidos, estavam num processo de “mudança de marcha” (HOBSBAWM, 1988), ou seja, havia um cenário de várias transformações econômicas, políticas e sociais nessa época. Pode-se dizer que a “Grande Depressão” do século XIX ocorrida de 1873 a 1896 foi um marco nesse momento, justamente por ter sido o primeiro episódio de grande crise capitalista que proporcionou um desajuste econômico global. Isso resultou na queda dos preços e do nível de atividade econômica, principalmente na Europa, devido à elevada produção de bens agrícolas.2

Outra forma, que logo conseguiu êxito, utilizou instrumentos que conseguiram dar cabo à Depressão tais como: a expansão monetária; a política protecionista por parte das novas economias industriais (com

1 Tradução livre de “Las ideas centrales del institucionalismo se ocupan de las instituciones, los hábitos, las reglas y su evolución.”2 O nível britânico de preços entre 1873 e 1896 decresceu 40%, e as importações de cereais por parte do mesmo país, eram de 45% no decênio 1880-1889. (HOBSBAWM, 1988) e (NERÉ, 1975).

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o consentimento da Inglaterra que adotava uma postura liberal); e o imperialismo inglês que em grande medida, interagia com a necessidade de ratificar o boom industrial (BARRACLOUGH, 1987).

2.1 A GRANDE INDÚSTRIA SOB O BROQUEL DO PROTECIONISMONeste mesmo cenário estava surgindo a nova fase capitalista, em que as firmas individuais eram substituídas por uma grande empresa, repleta de executivos nas suas diversas filiais no mundo, caracterizada pelos novos métodos produtivos, com os modernos modelos de gerenciamento. A grande indústria obteve um crescimento espantoso na última década do século XIX tanto pelo lado da oferta, com a expansão das plantas produtivas e o desenvolvimento das sociedades anônimas, como também pelo lado da demanda com: a urbanização fomentada pela crescente industrialização; o incremento da renda real dos trabalhadores; a ampliação do mercado para os operários; a publicidade e os meios de comunicação que incentivaram o consumo; além das inovadoras vendas a prazo e o crédito ao consumidor. Esses acontecimentos despertaram maior planejamento dos países em relação as suas economias. Isso resgatou uma prática protecionista, tão rechaçada para as ditas práticas liberais vigentes até então. Tal postura deu condições basilares para a ampliação da industrialização no mundo após 1870, como observado na segunda Revolução Industrial nas recém formadas Alemanha e Itália, e vinte anos depois alcançando a Rússia, o Japão e também os Estados Unidos. Além de se apresentar como uma forma de recuperação das economias nacionais frente à Depressão, o protecionismo trouxe à tona aspectos competitivos e, conforme Hobsbawm:

“A industrialização e a Depressão transformaram-nas [as economias mundiais] num grupo de economias rivais, em que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição de outras. A concorrência se dava não só entre empresas, mas também entre nações.” (HOBSBAWM, 1988, p.69)

O protecionismo, adicionado aos antagonismos entre os países, também tinha o germe provocador de intrigas no continente Europeu,

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fomentado por um cenário de recuperação econômica nos anos de 1890, com vistas a ampliar os lucros.

Nesse ínterim a Inglaterra já perdia gradativamente seu posto de potência mundial. De acordo com Arrighi:

“O Reino Unido exerceu as funções do governo mundial até o fim do século XIX. De 1870 em diante, porém, começou a perder o controle do equilíbrio de poder europeu e, logo depois, do equilíbrio global. (...). Os desafios alemão e norte-americano ao poderio mundial britânico fortaleceram-se mutuamente, comprometeram a capacidade da Grã-Bretanha de governar o sistema interestatal (...).” (ARRIGHI, 1996, p.59)

2.2 A CRISE DE HEGEMONIA E A ASCENÇÃO DO MODERNO CAPITALISM Diante dessa disputa os Estados Unidos tiveram vantagens que geraram êxito na conquista da supremacia, com uma revolução na sua economia no século XIX favorecendo a construção da hegemonia no século XX.3 O que mais influenciou nesse sucesso foi o modern capitalism, ou um “processo de monopolização peculiar, em que a grande indústria, a grande agricultura de alimentos, o grande comércio, as grandes ferrovias e os grandes bancos nascem em um intervalo de tempo extremamente breve.” (TEIXEIRA, 1999, p.157-8). Com a decadência da Inglaterra é importante ressaltar alguns eventos seminais para a gênese do modern capitalism.O primeiro deles estava justamente na independência dos americanos. Esse episódio foi essencialmente um movimento contra a limitação britânica à expansão para além dos Apalaches. Nesse processo houve a criação dos Estados Unidos da América e a “retirada dos nativos”, que resultou em um país com uma população mais homogênea e

3 “No sentido gramsciano, o conceito de hegemonia se refere a uma forma determinada de dominação política de uma classe, ou fração de classe, sobre os demais grupos de uma sociedade. Essa forma de dominação só tem possibilidade de se estabelecer quando a classe ou fração dominante consegue ir além de sua estreita esfera de interesses corporativos, isto é, quando tem a capacidade de fazer concessões – dentro de um certo limite – aos demais grupos subalternos, incorporando parcialmente os seus interesses.” (FILGUEIRAS, 2005, p.2)

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arraigada da ética protestante e do espírito capitalista weberiano.4 Essa política foi intensificada no período da guerra civil americana.Para a ratificação dessa política, ocorreu o processo doloroso da Guerra Civil Americana, ou a Guerra da Secessão. Esta foi importante para sedimentar o projeto da industrialização norte-americano, apoiado no aumento das plantations, que ajudaram na diversificação da indústria norte-americana e fortaleceram o mercado interno. A Guerra Civil trouxe consigo maior centralidade política, que ofereceu bases para a gênese da industrialização. Outros fatores que contribuíram para o desenvolvimento industrial foram: as exportações dos bens industriais; a criação da Lei Homestead; as facilidades para a imigração de mão-de-obra; e a reorganização do sistema monetário aliado e bancário, que permitiriam o ingresso de capitais.5

Essas medidas resultaram no incremento do PNB em quatro vezes, devido principalmente ao crescimento do sistema ferroviário. Esse sistema (o ferroviário) foi um elo fundamental entre a grande indústria e demais setores econômicos.A expansão ferroviária veio a calhar com toda base estrutural existente, pois o boom das ferrovias mudou as escalas de produção e as dimensões das firmas, conjugando os fatores produtivos (matéria prima e mão-de-obra na construção civil), e a demanda. Os meios de comunicação tiveram que acompanhar a velocidade dos trens, notório na criação de telégrafos e telefones (FIORI, 2004).6

As grandes corporações começaram a surgir em vários setores da economia. Dois caminhos foram seguidos para que isso se efetivasse. O primeiro deles se constituiu na formação de monopólios e oligopólios familiares, capazes de ofertar muitos dos seus produtos e obter boa resposta dos consumidores. Já o segundo começou 4 Aqui vale uma menção sobre a idéia de Max Weber, onde se pode afirmar de maneira panorâmica que tal ética primava pela frugalidade com a finalidade de ter ganhos cada vez mais elevados. Certamente o “velho oeste” possibilitava isso com a corrida pelo ouro, e a expansão da agropecuária. 5 A Lei Homestead dizia respeito à distribuição das terras do governo norte-americano gratuitamente para quem residisse nelas há mais de cinco anos, ou a US$ 1,25/acre para permanência nestas por mais de seis meses. Isso possibilitava a aquisição de terras também por parte dos empresários que visavam à expansão ferroviária (GALBRAITH, 1989).6 Nesse período esse tipo de transformação econômica ocorria tipicamente em setores intensivos em tecnologia, como por exemplo, nas companhias ferroviárias, onde 25 delas tinham dois terços do mercado. Isso ocorreu também com o setor de telégrafos foi monopolizado em 1866 e por fim, em 1890 também existiu o monopólio telefônico (FIORI, 2004).

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informalmente com uniões entre empresa industriais, passando por processos formais como os trustes e holdings, capitaneando recursos através dos bancos de investimentos e no mercado financeiro.

2.3 O ESTADO COMO BALUARTE DO CAPITAL FINANCEIRO E DAS SOCIEDADES ANÔNIMASAparentemente a economia estadunidense estava bem, entretanto nem tudo eram virtudes, pois nesse mesmo período surgiam os robber barons (grandes famílias empresariais) que aproveitavam dos seus grandes negócios para realizar manobras financeiras. O Estado em alguma medida apoiou isso, pois cedeu terras aos detentores de estradas de ferro (Lei Homestead), financiou a aquisição das ferrovias e a reconstrução do país após a Guerra da Secessão usando títulos públicos e isso destacou “(...) o momento em que se formou de fato, o capital financeiro americano que só conseguiu se autonomizar do capital inglês durante a Guerra Civil” (FIORI, 2004, p.76). O Estado enquanto uma instituição necessária no capitalismo nesse período teve uma dupla função, pois ao mesmo tempo interveio na constituição do capitalismo norte-americano com a centralização política, organização e criação de instituições para o avanço do modern capitalism. Entretanto, o Estado ficou muito refém dos financistas que se transformaram em agentes da União, interferido de maneira crível na política fiscal.Ao fim da Guerra o capital financeiro norte-americano estava altamente ligado ao Governo, permitindo o incentivo para a consolidação da classe financista e bancária dos Estados Unidos, o que resultou na elevação de 167 em 1864 para 1800 banqueiros em 1879 em Nova York. (FIORI, 2004).Esses acontecimentos resultaram na formação de novas sociedades anônimas devido à conquista de maior espaço dos capitalistas financeiros tanto na esfera governamental e política, quanto no âmbito industrial. Tais sociedades foram instituições emblemáticas para o período. Com o advento destas, as relações econômicas transformaram-se de maneira expressiva e segundo Hilferding isso:

“Significa antes de tudo uma alteração da função exercida pelo capitalista industrial (...). Para o capitalista, essa

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alteração de função atribui ao capital investido na sociedade anônima a função de puro capital monetário (...). Ele [o capitalista] fornece o dinheiro para receber (em termos bem genéricos) um rendimento.” (HILFERDING, 1985, p.111)

Nessa conjuntura caracterizada pela segunda onda de industrialização, com sinais de mudança na hegemonia mundial, e de concentração industrial foi que Thorstein Veblen apreendeu as transformações ocorridas na economia do seu tempo, em especial nos Estados Unidos, a partir de uma investigação não somente econômica, mas também antropológica, psicológica e filosófica. O autor logo percebeu no fim do século XIX a necessidade de incluir na sua análise as instituições lançando mão da história e da evolução social, partindo da crítica à teoria da utilidade marginal.

3 OS FUNDAMENTOS DA ECONOMIA SOB A INTERPRETAÇÃO VEBLENIANA.Numa primeira aproximação, as idéias de Veblen não foram muito bem aceitas na academia. O autor interpretou a sociedade como um organismo complexo, enfatizando as instituições e a interação do tecido social. A história humana, para ele, é pautada na evolução das instituições então a sua abordagem é “por um lado, composta de uma teoria do processo, de uma seqüência que se desdobra.” (VEBLEN, 1898b, p. 375).7

A partir da leitura vebleniana é vital a necessidade de se ponderar um pouco mais sobre o seu conceito de instituição. Esta pode ser compreendida como hábitos mentais de pensamento, dominantes na sociedade ao ponto que se torne um padrão de comportamento coletivo e que constitui um universo cultural (como o resultado de uma sequência incontinente e cumulativa de habituação por parte do agente). Ou nas palavras do próprio Veblen:

“Essas instituições são métodos habituais de dar continuação ao modo de vida da comunidade em contato com o ambiente material no qual ela vive. (...) a vida da comunidade se exprimirá com alguma facilidade nesses rumos habituais (...) de acordo com os métodos aprendidos

7 Tradução livre de: “Any evolutionary science, on the other hand, is a close knit body of theory. It is a theory of a process, of an unfolding sequence.”

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no passado e corporificados nessas instituições.” (VEBLEN, 1983, p.89)

Esse processo permanente de mudança cumulativa faz parte das instituições. Estas mudam ao longo do tempo e nunca se adaptam inteiramente no tempo presente, dada a mutação da estrutura social e, por conseguinte da alteração dos hábitos individuais e coletivos. Assim pode-se afirmar que os agentes se comportam de maneira não uniforme, já que absorvem as transformações culturais resultantes da evolução das instituições. (VEBLEN, 1898b).

3.1 A CRITICA VEBELENIANA AO HOMO ECONOMICUS E AO HEDONISMOA partir dessa visão Veblen constrói uma crítica ferrenha à teoria neoclássica do seu tempo, por esta não admitir uma visão holística do homem e dos processos econômicos como um todo, onde não há evolução histórica e tampouco das instituições. A instrumentalização econômica para a visão clássica e neoclássica do homo economicus foi o primeiro ponto de crítica por parte do autor à economia convencional, porque “tanto a escola clássica em geral quanto sua variante especializada, a escola da utilidade marginal, tomam como seu ponto de partida comum a psicologia tradicional (...) que é aceita (...) de forma totalmente acrítica.” (VEBLEN, 1907, p.3).A psicologia tradicional mencionada é o hedonismo, que trata o prazer do agente econômico sempre como uma relação cardinal da utilidade, e visa à maximização das satisfações dos agentes via troca de mercadorias e do melhor uso dos recursos produtivos, sem analisar de maneira plausível a origem e a propriedade desses recursos. A abordagem hedonista mensurável logo caiu em descrédito com o refinamento das premissas comportamentais resultando na formulação das curvas de indiferença que mantiveram uma relação ordinal da utilidade. Mas a última abordagem, continha conclusões idênticas do hedonismo psicológico: a maximização do prazer e a minimização da dor (HUNT, 1989). Diante disso o homem parecia para Veblen:

“(...) um calculador instantâneo de prazeres e dores, que oscila como um glóbulo homogêneo de desejo de felicidade

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sob o impulso de estímulos que o deslocam de um lado para o outro, mas deixando-o intacto. É um humano isolado, definido, em equilíbrio estável, exceto pelas ações repentinas de forças que o deslocam de uma direção para outra (...). Quando a força do impacto acaba, ele volta ao repouso, como um glóbulo de desejo auto contido, como antes.8” (VEBLEN, 1898b, p.389)

Após essa análise, formula uma crítica ao hedonismo e à teoria da utilidade marginal que parte da vertente comportamental do homo economicus, pois tal teoria “se restringe ao terreno da razão suficiente, ao invés de operar no terreno da causa eficiente. O contrário é verdadeiro na ciência moderna em geral (exceto na matemática).” (VEBLEN, 1907, p.4). Antes de se prosseguir é essencial dizer que Veblen ao criticar a leitura restrita da razão suficiente sobre o comportamento humano, propôs uma análise diferente do agente econômico convencional, tal análise toma forma no homem vebleniano (MONASTÉRIO, 2005). A caracterização do ser humano proposta por Veblen carrega em si fundamentos básicos calcados na razão suficiente e na causa eficiente. O primeiro deles tem relação com as ações com um determinado fim ou teleologicamente orientadas, em que o homem sempre busca ser o mais racional possível, formulando cálculos para que isso seja realizado, logo o vislumbrado futuro acaba determinando as ações presentes. No fim isso significa que qualquer teoria econômica tem isso nos seus fundamentos, seja ela puramente hedonista ou não.A diferença da teoria institucionalista, vista no homem vebleniano é a consideração da causa suficiente como parte da sua abordagem. A causa eficiente evidencia a falta de espaço para o agente raciocinar sobre suas decisões, e muito menos predizer sobre os resultados esperados de suas ações. Isso significa que os instintos e hábitos têm maior vazão, originando ações não teleológicas. Diferentemente do homo economicus, a abordagem institucionalista considera que “assumir o comportamento humano como descrito pela

8 Tradução livre de: “(…) a lightning calculator of pleasures and pains, who oscillates like a homogeneous globule of desire of happiness under the impulse of stimuli that shift him about the area, but leave him intact. He is an isolated, definitive human datum, in stable equilibrium except for the buffets of the impinging forces that displace him in one direction or another (…).When the force of the impact is spent, he comes to rest, a self-contained globule of desire as before.”

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psicologia hedonista implicaria uma concepção das preferências individuais como exógenas, enquanto Veblen teria defendido a consideração das preferências individuais como endogenamente moldadas pelas instituições.” (BACKHOUSE apud CAVALCANTE, 2007, p.53).

3.2 INSTINTOS, CLASSE OCIOSA E A FORMAÇÃO SOCIAL NA ÓTICA VEBLENIANAVista a oposição da interpretação hedonista, Veblen propõe que os homens sob influências fortes de instituições, são propensos a três modalidades de diferentes instintos: o instinto para o artesanato, para o esporte e a propensão à emulação (VEBLEN, [1898a] 2007).O primeiro deles evidencia a propensão de realizar algo de interesse, aproximando-se do trabalho de maneira eficaz e bem feito. Essas tarefas são voltadas para suprir as necessidades da comunidade onde se vive. O instinto para o esporte pode ser caracterizado como algo individualista, que não tem a comunidade como o fim, mas se pauta apenas na relação exploratória . O terceiro deles tem grande destaque, pois a propensão à emulação é caracterizada pela busca da reprodução de atitudes que aparentam contribuir para a comunidade, mas resultam em honra e mérito aos que a fazem por parte dos demais membros do grupo. O trabalho passa a ser visto de maneira ruim, pois “o desempenho dos trabalhos necessários para a manutenção da vida da comunidade se torna inegavelmente associado a posições sociais inferiores, produzindo o demérito social daqueles que se vêem forçados a realizá-los.”(CONCEIÇÃO, 2002, p.187). Isso sugere que quanto mais frívola a atividade exercida pelo homem mais mérito ele tem, enquanto o oposto é brindado com o demérito.9 Por hora é necessário classificar com base em Veblen, o estágio evolutivo da sociedade e o modo de organização social, para que não existam confusões posteriores. De maneira panorâmica pode-se afirmar que existem três estágios evolutivos da sociedade: o predatório onde não há propriedade, com divisão do trabalho baseada no gênero; o quase pacífico há o advento da propriedade e a divisão do trabalho depende da classe social que se 9 Algumas ocupações para Veblen são extremamente honoríficas como o sacerdócio, e as ocupações esportivas.

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pertence; o pacífico é baseado em trabalho assalariado e propriedade privada. Já os modos de organização social podem ser associados aos estágios evolutivos da sociedade, e são respectivamente: o selvagem; o bárbaro e o capitalista (CAVALCANTE, 2007).A propensão emulativa já era assimilada durante a transição para o período bárbaro. Naquela época já havia: melhor capacidade de divisão do trabalho; guerras; e principalmente já existia o estabelecimento de condições materiais básicas para os indivíduos. Essas características da organização social ratificaram algumas transformações ocorridas na transição para a barbárie. Esse estágio da sociedade se enquadrou no período quase pacífico (quando surgiu a propriedade), justamente um momento essencial para Veblen (1983, p.15):

No curso da evolução cultural, o aparecimento de uma classe ociosa coincide com o início da propriedade. É uma coincidência necessária porque as duas instituições resultam do mesmo conjunto de forças econômicas.

A classe ociosa somente poderia manter a sua postura baseada na emulação pecuniária. Esta postura é aparente em um conjunto de práticas institucionalizadas, que permitem identificar um sujeito como pertencente a uma classe ou outra. O que garantiu a afirmação da classe ociosa foram atitudes conspícuas, ou seja, quando de uma maneira ou outra se esbanjava a riqueza obtida pela emulação pecuniária. A conspicuidade podia ser vista em três tipos: o consumo conspícuo, o ócio conspícuo, e o ócio vicário. O primeiro denota a capacidade de exibir riqueza e poder simultaneamente, com casas, carros, jóias, etc, confirmando a participação na classe ociosa. Já o ócio conspícuo é a demonstração de poder e riqueza sem realizar tarefa produtiva alguma, e obter bens caros que requerem tempo e dinheiro para se ter. Por fim o ócio vicário é notório em eventos como festas suntuosas, além da contratação permanente de servos como mordomos, jardineiros, entre outros.

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4 O CAPITALISMO E A REALIDADE VIVIDA POR THORSTEIN VEBLENA sociedade nos tempos de Veblen era caracterizada pelo consumo conspícuo como melhor forma de emulação pecuniária porque “os ricos americanos, que nas décadas de 1880 e 1890 constituíam o fenômeno mais visível e ostentatório do cenário social dos Estados Unidos e, cada vez mais, na Europa.” (GALBRAITH, 1989, p.157).Destarte, Veblen obteve uma boa percepção da segunda onda de industrialização em seu país natal, bem como das consequências que esta propiciou. A indústria mecanizada continha uma excessiva precisão quantitativa, que trazia consigo a padronização de medidas. Logo o modo de vida padronizado também era inculcado nas mentes dos homens, que se tornaram reféns da vida cronometrada, e das vontades moldadas por essa maneira de vida. Isso caracterizava a sociedade do fim do século XIX e muitos indivíduos ainda não estavam habituados com a vida sob a uniformização da lógica da sociedade industrial. Logo, a carga instintiva esportista, como aquela do estágio social pacífico baseado no modo selvagem, ainda aparecia muitas vezes.Com essa análise institucional Veblen conseguiu, em grande medida, abranger e identificar boa parte dos problemas econômicos no seu tempo, advertindo sobre as tendências de expansão da especulação e do crédito, além das fusões no capitalismo. Segundo Veblen, o homem parecia estar cada vez mais ligado ao materialismo, com predomínio do interesse pecuniário sobre o trabalho e a produção de bens. Apesar de não estar calcado numa visão estritamente econômica, o precursor da economia institucional percebeu dessa maneira, que o capitalismo poderia passar por ciclos econômicos. A interdependência industrial faz com que se crie a necessidade de equilíbrio entre as relações empresariais. Isso significa que se existir desequilíbrios industriais, alguns empresários terão vantagens sobre outros. Entretanto, esse estado de desequilíbrio faz com que a correspondência entre a riqueza produtiva e as transações pecuniárias se agrave ainda mais, justamente porque essa falta correspondência é recorrente com a expansão do crédito e da especulação. A postura mais ou menos ambiciosa por parte dos empresários, dos credores e dos especuladores, interfere na economia de maneira que esta tenha períodos de crise e depressão nos seus ciclos. (VEBLEN [1904] 1966).

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CONSIDERAÇÕES FINAISA atualidade do legado de Veblen, sem dúvidas, é evidente tanto no decorrer da história (com a evolução das instituições), quanto no desenvolvimento teórico relacionado ao institucionalismo. Este trabalho teve como proposta essencial, analisar elementos tidos como fundamentais da teoria vebleniana relacionando-os com a conjuntura vivida por Veblen. Tal idéia só foi levada ao cabo porque está calcada na metodologia da até então incipiente teoria institucionalista do fim do século XIX, qual seja a inserção evolutiva dos fenômenos aparentes e das instituições envolvidas nesse processo contínuo de transformações sociais.A incumbência de situar Veblen em seu tempo, apresentar os alicerces da economia institucional e sugerir uma panorâmica junção entre sua teoria e a realidade vivida, compõem subsídios para o rompimento com a economia convencional e o conservantismo institucional da classe ociosa, pois tal classe “(...) na natureza das coisas, atua consistentemente no sentido de retardar o ajustamento ao ambiente ao qual se chama de progresso social, ou desenvolvimento.” (VEBLEN, 1985, p. 95). Para tanto é premente que se priorize as instituições vinculadas ao progresso, bem como o regresso do instinto ao artesanato diante da exaltação da vida pecuniária moderna, do instinto predatório, e da emulação pecuniária.

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FLORESTAN FERNANDES: A SOCIOLOGIA CRÍTICA E A CIÊNCIA ECONÔMICA*

Newton Gracia da Silva**

RESUMO – O presente artigo inaugura uma seção da revista Primeiros Ensaios Econômicos, cujo, tema será a análise da "Vida e Obra" de pensadores e intelectuais latino-americanos. Florestan Fernandes abre o espaço na revista pela evidente influência que sua produção acadêmica exerce sobre a pesquisa e ensino nas ciências sociais. Sua sociologia crítica foi revolucionária, ao propiciar uma releitura de autores clássicos, e ao transformar esta área da ciência no país: desvendando novos objetos de estudo, categorias de análise, e criando um instrumental teórico para o entendimento da especificidade da América Latina, na qual se inserem, naturalmente, seus estudos sobre o Brasil. O destaque para sua obra fica na perspectiva com que analisou a formação social brasileira. Essa sempre foi a de questionar o processo histórico-social sob o viés dos excluídos: do índio e do negro; do trabalhador assalariado ou não, urbano ou rural; da mulher numa sociedade de classes; enfim, todos alheios à construção de seu próprio ambiente social. Outro elemento importante em sua pesquisa foi a preocupação com a análise da realidade, o que exigiu grande capacidade de inovação no seu esforço de teorização de situações concretas. A militância marca, principalmente, a fase madura da obra de Fernandes, quando une ao conhecimento científico e rigor acadêmico, o desejo pela transformação social.

Palavras-Chave: Florestan Fernandes; Ciência Econômica; Teoria do Desenvolvimento; Sociedade brasileira.1 INTRODUÇÃONascido em São Paulo, criado pela mãe que trabalhava de lavadeira, Florestan desde cedo – aos 06 anos de idade - precisou trabalhar. *O autor agradece o apoio dos colegas do PET-Economia, em especial a Daniele Guizzo e Nelson Granato, e à orientação do Dr. Fabiano Dalto, da Drª Benilde Lenzi Motim, e pela assistência final da Drª Simone Meucci. ** É graduando do curso de Ciências Econômicas da UFPR e bolsista do PET/Economia. E-mail: [email protected].

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Contudo, conseguiu se alfabetizar antes de interromper os estudos, o que lhe permitiu desenvolver grande gosto pela leitura. Trabalhou de engraxate, vendedor de produtos farmacêuticos e garçom, quando por incentivo de alguns intelectuais frequentadores do bar, que perceberam o seu potencial, retomou os estudos e se candidatou a uma vaga no curso de ciências sociais. Na recém criada Universidade de São Paulo, se deparou com uma jovem elite paulista muito fechada, com docentes vindos da Europa e Estados Unidos que se recusavam a falar o português. Em pouco tempo, suas cartas críticas – questionando os princípios teóricos e as implicações sociais do conteúdo exposto em aula – aos professores e seus assistentes chamaram a atenção na faculdade, tornando-o um aluno de destaque. Em 1944, Florestan Fernandes concluiu sua graduação e no ano seguinte ingressou no programa de pós-graduação da mesma faculdade. A partir desse momento iniciou sua carreira de pesquisador e docente como assistente do Professor Fernando de Azevedo da cátedra de Sociologia II da FFLCH/USP1. Obteve o título de mestre com o trabalho A Organização Social dos Tupinambá que foi, posteriormente, publicado como livro. Essa obra de grande reconhecimento acadêmico demonstrou, com efeito, o nascimento de Fernandes enquanto grande sociólogo. Na época, acreditava-se ser impossível analisar profundamente uma sociedade extinta, entretanto, Florestan o fez, baseando-se em crônicas e relatos de viajantes que conheceram os índios tupinambás.

2 O MARXISMO E A SOCIOLOGIA DE FERNANDESFlorestan ao longo de sua carreira, inclusive até o último ano de vida, publicou ao todo mais de 50 livros e diversos artigos. Um destaque foi, logo no início de suas atividades acadêmicas, a tradução do livro Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx, e a introdução realizada para este livro, cuja publicação no Brasil data de 1946. Assim, sua sociologia foi inovadora e formadora. A primeira qualificação deve-se a inflexão nos estudos sobre o desenvolvimento da sociedade brasileira, ao compreender a formação social desse país sob uma perspectiva estrutural, sistêmica e macro-histórica:

1Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.58

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História essa que, no século xx, desenvolve-se com as lutas de trabalhadores do campo e da cidade pela conquista de direitos sociais ou pela transformação das estruturas sociais. Uma parte importante dessa contribuição encontra-se em livros como estes: A organização social dos Tupinambá, A integração do negro na sociedade de classes, O negro no mundo dos brancos, Mudanças sociais no Brasil e A revolução burguesa no Brasil. (IANNI, 1996, p. 25).

E formadora porque ao mergulhar nessa problemática o estudo da dependência impôs-se como condição elementar, para a compreensão da sociedade que emergiu após uma industrialização tardia, fazendo com que seus trabalhos, sobre o tema, sejam referência para a análise do subdesenvolvimento capitalista e de sua perpetuação no tempo.Fernandes não se restringia às exegeses teóricas. De Marx, por exemplo, utilizou mais do entendimento dos antagonismos e contradições internas do sistema capitalista e, por consequência, sua forma de expansão e contração em virtude da dinâmica de classes, do que o uso integral de sua teoria do valor enquanto método de análise da realidade social. Seu ex-aluno e colega de profissão, Fernando Henrique Cardoso, classifica a análise de Fernandes como funcionalista2, em essência (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004). No processo de compreensão desta "estrutura deformada" – entenda-se subdesenvolvimento e dependência na América Latina e, especialmente, no Brasil – Fernandes transcendeu a teoria de Marx, trabalhou com a ideia de sobreexpropriação capitalista. Logo, classificar Fernandes como marxista ou funcionalista, adepto do pensamento weberiano ou não, é pouco prudente, pois como tratado anteriormente sua sociologia crítica foi inovadora e ultrapassou as correntes de pensamento fechadas.Assim, seu objeto de estudo baseou-se na generalidade e especificidade, sendo a primeira o próprio sistema capitalista, e a segunda o capitalismo dependente3, como forma periférica do capitalismo monopolista (LIMOEIRO-CARDOSO, 1997). A ideia de dependência para Fernandes consistia, basicamente, na necessidade capitalista de explorar e expropriar o trabalho, porém, de forma demasiada; pois por relações historicamente estabelecidas, as 2Sobre o funcionalismo nas ciências sociais ver, inicialmente, trabalhos de Émile Durkheim.3 O tema será tratado com ênfase nas linhas que encerram esta seção e na próxima denominada: 3 - Florestan Fernandes e a Ciência Econômica.

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burguesias periféricas são obrigadas a repartir o excedente econômico com as "burguesias dominantes", de modo que para manter seu status quo e privilégios a classe capitalista dos países dependentes necessita "mais que explorar" em relação à expropriação nos países desenvolvidos. Destarte, o trabalho acadêmico de Fernandes que trata da dependência presta muito mais uma contribuição à teoria do desenvolvimento capitalista por ser, de um lado, uma análise estrutural e, de outro, específica de um momento histórico (no caso, o capitalismo monopolista). Por último, para captar o essencial do pensamento do autor em estudo, vejamos uma passagem que retrata a sua compreensão da especificidade da estrutura subdesenvolvida brasileira:

Portanto, estamos diante de uma evolução histórica em que o “setor velho” da economia não se transformou nem se destruiu para gerar o “setor novo”. Daí se originou um paralelismo econômico estrutural, tão orgânico e profundo quão persistente. Mesmo quando o elemento senhorial se envolvia no “setor novo”, ele não o fazia em nome de sua qualidade de empresário rural (destino histórico que foi repelido), mas em sua condição estamental (como senhor agrário), a única que se poderia projetar livremente na estrutura social das cidades e encontrar dentro dela, através de posições como “morador”, “proprietário” ou “capitalista”, as bases sociodinâmicas para a preservação do prestígio social e a reelaboração societária da dominação patrimonialista. (FERNANDES, 1975, p. 80).

Característica importante do trabalho de Florestan foi, então, a mudança no entendimento do capitalismo periférico em relação a "setores tradicionais da esquerda nacional". Era muito comum na época a ideia de que a dependência e, mais especificamente, as tentativas de dominação entre as classes se perpetuarem e ocorrerem por meio do imperialismo, por um lado, e do latifúndio com os privilégios que tal propriedade garantia aos membros deste estamento, por outro (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004). Esse pensamento conduziu alguns movimentos, na opinião de Fernandes, que tendiam a mistificar a ideia de burguesia nacional forte, como meio de superação da dependência. Portanto, em seu trabalho teórico foi demonstrado que no centro da problemática da dependência está a burguesia

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nacional – entenda-se elite industrial e financeira principalmente – ao mesmo tempo em que reconheceu, em análise mais estrutural, que o elemento "excedente econômico repartido" é central na ordem capitalista. Ou seja: a dependência tem uma base externa (sistêmica) e outra interna (que se refere às burguesias nacionais associadas ao capital estrangeiro) no pensamento de Fernandes. Logo, podemos concluir que para ele a ideia de subdesenvolvimento ultrapassa os limites da estrutura produtiva; tornando-se basicamente uma relação de poder entre burguesias nacionais, cujo fundamento último e principal é uma relação material (econômica) de sobreexpropriação do homem pelo homem. Portanto, para Fernandes, o estudo do subdesenvolvimento estava intensamente menos relacionado à análise da estrutura produtiva e sua mutação, do que para "quem" tal estrutura interessava e se constituía em fonte de poder econômico-político e privilégios.

3 FLORESTAN FERNANDES E A CIÊNCIA ECONÔMICAComo se pode observar neste artigo, a obra de Florestan Fernandes foi tratada, principalmente, a partir da dependência. Tal omissão sobre os índios tupinambás, sua primeira linha de pesquisa, assim como para a questão racial, analisada nos decênios de 1950 e 60 que fundou a conhecida Escola Paulista4 de Sociologia, será desfeita a partir desta seção. Essa corrente de pensamento – a Escola Paulista - teve como liderança na condução dos trabalhos de pesquisa o Professor Roger Bastide e o próprio Florestan. Os resultados teóricos deste longo esforço de compreensão da escravidão no Brasil terminaram numa crítica à ideia de uma relação escravo-senhor pacífica e até harmoniosa que muitos autores consideram presente na obra de Gilberto Freyre. Outro resultado, mais importante para a finalidade desta seção, foi de que a problemática racial apareceu, ao fim das pesquisas, como um grande empecilho à transição brasileira para a ordem social competitiva; ou seja, antes mesmo de Florestan dedicar-se ao estudo da dependência e do desenvolvimento capitalista brasileiro, a complexa inserção do negro numa sociedade de classes apareceu como impeditiva para a modernização (entendida aqui como a

4 A Escola Paulista de Sociologia ficou conhecida pelos trabalhos realizados, em conjunto, por: Renato Jardim Moreira, Fernando Henrique Cardoso, Octávio lanni, Marialice Mencarini Foracchi e Maria Sylvia de Carvalho Franco. Contudo, o próprio Florestan tinha ressalvas quanto ao uso do termo Escola Paulista (IBCT, 2010).

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transição para o capitalismo do século XX) do país. Deste modo, reconhecendo a importância dos demais trabalhos de Fernandes, este texto optou por enfatizar a parte de sua obra, cujo conteúdo é de maior interesse para a Ciência Econômica. Portanto, vamos analisar brevemente em conjunto, quatro livros que podem se recomendar para uma formação ampla e interdisciplinar de um economista5. As obras escolhidas são: (1) Mudanças Sociais no Brasil (1960); (2) Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento (1968); (3) Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina (1973); e (4) A Revolução Burguesa no Brasil (1975).Nos trabalhos citados acima o autor prestou de modo indireto uma contribuição à temática da formação socioeconômica brasileira, muito em voga ainda, naquela época. A diferença para as demais pesquisas relacionadas ao tema está na escolha do objeto a ser analisado ao longo do tempo. Fernandes nesses livros trabalhou, em grande parte, com um espaço temporal restrito ao início do século XIX até o golpe de 1964. Assim, o autor não teve a pretensão de realizar uma teoria geral do desenvolvimento, dado que os estudos sobre a ‘dependência e subdesenvolvimento’ foram realizados em perspectiva dialética e materialista, ou seja, o pensamento se reinventa com o próprio desenrolar dos fatos na história. Deste modo, seu objeto principal foi a transição do capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista, utilizando-se como elemento de análise as formas de dominação exercidas pelas elites brasileiras – o autor trata-as de forma específica sempre, ou seja, como senhores rurais, empresários rurais, burguesia etc. – e as consequências destas práticas para os “excluídos”, para a estrutura econômica nacional, e como isso afeta o próprio poder das elites. Isso significa que Fernandes analisou, inicialmente, a independência formal do Brasil como processo pelo qual a dominação senhorial institucionalizou-se, ao mesmo tempo em que utilizou desse aparato jurídico-legal fornecido pelo Estado para, por um lado, manter a ordem interna e, por outro, iniciar a sua associação com o capital estrangeiro sob a forma de uma relação de dependência. Desta forma, a condição de dependência muda continuamente de acordo com as exigências estrangeiras: indo do antigo sistema colonial, para a era do imperialismo das primeiras grandes potências mundiais, até o capitalismo monopolista; 5A análise se reduz a alguns elementos destes livros que podem ser importantes para um economista; assim, o autor recomenda a leitura integral das obras e daqueles que a estudaram para melhor aproveitamento do assunto.

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mantendo-se sempre, estrutural e funcionalmente, a posição heteronômica da economia do país (FERNANDES, 1968). Esse conceito de heteronomia é utilizado constantemente para expressar a subordinação dos países dependentes aos estrangeiros, relação essa que não é meramente econômica; pois para Florestan, o capitalismo constitui-se numa complexa relação sociocultural. Outro pensamento utilizado é o de economia nacional duplamente polarizada, com o mesmo significado do conceito de estrutura econômica dualista presente nos trabalhos de Celso Furtado, que trata dos países que posuem tanto centros produtivos dinâmicos e “modernos” voltados para a exportação, quanto estruturas arcaicas que variam desde vastas àreas com economia de subsistência até manufaturas primitivas voltadas para o parco mercado interno. Essa dupla polarização cria uma situação peculiar6 de modo que:

Em síntese, a mercantilização do trabalho concorre apenas moderadamente para a mobilização do fator humano, muito pouco para a constituição de uma massa de consumidores de efetivo poder aquisitivo e quase nada para a introdução de tendências mais equitativas de distribuição da renda. (FERNANDES, 1968, p.49).

Destarte, diferente da ideia que vem a mente quando pensamos no título A Revolução Burguesa no Brasil, para Fernandes essa se torna a forma de dominação engendrada pela burguesia para evitar a revolução nacional e, por consequência, a transformação numa estrutura econômica autônoma. Para o autor, tal característica da dependência pode-se manifestar em governos autocráticos principalmente, até democracias de cunho desenvolvimentista ou liberal. Tornando dessa forma, todos os meios possíveis de associação com a ordem capitalista estrangeira válidos, por parte da burguesia nacional, para a manutenção de sua condição privilegiada. Condição essa que, internamente, permite uma grande capacidade de dominação da classe trabalhadora; porque nos países dependentes, até a condição de assalariamento da força de trabalho torna-se um privilégio econômico e social, altamente desejado que classifica o beneficiado na

6 De fato, apenas nos anos 2000, o Brasil conseguiu ter um mercado interno dinâmico, certa distribuição de renda, estabilidade de preços e crescimento econômico.

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estrutura e na superestrutura do sistema (FERNANDES, 1968). Desta forma, esclarece-nos Florestan, a guisa de conclusão desta seção:

[...] enfim, o capitalismo dependente subdesenvolvido constitui uma criação de burguesias que não podem fazer outra coisa além de usar os imensos recursos materiais, institucionais e humanos com que contam e a própria civilização posta à sua disposição pelo capitalismo para manter a revolução nacional nos estreitos limites de seus interesses e valores de classe. Elas contêm, ou sufocam, por esta razão, as impulsões societárias tão conhecidas ao igualitarismo, ao reformismo e ao nacionalismo exaltado de tipo burguês, expurgando-as, por meios pacíficos ou violentos, da ordem social competitiva. (FERNANDES, 1975, p.309).

4 A DITADURA, O RETORNO AO BRASIL, E A MILITÂNCIAApós chegar ao nível de professor titular na mesma faculdade onde iniciara seus estudos, Fernandes, em 1964, com a tese A integração do negro na sociedade de classes efetivou-se na cátedra de Sociologia I. Entretanto, a ditadura, que estava endurecendo a repressão a todo movimento político e pensamento contrário à ‘revolução’, aposentou compulsoriamente Fernandes no ano de 1969. Após sua aposentadoria compulsória começou sua carreira internacional como Visiting Scholar na Universidade de Columbia, professor titular na Universidade de Toronto e Visiting Professor na Universidade de Yale. Os anos no hemisfério norte foram, também, de grande produção acadêmica e tentativa de compreensão do golpe de 64, o que resultou mais tarde em obras como A revolução burguesa no Brasil. Esse período marca também a fase madura do trabalho de Fernandes, onde sua convicção ideológica está no auge, assim como seu desejo por transformação social e a busca por respostas sociológicas ao fenômeno do desenvolvimento associado e dependente. Esta época evidencia a sua sociologia crítica que no âmbito teórico-acadêmico corresponde ao comportamento de Fernandes, mais tarde, na militância política. Deste modo, fica claro que:

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A perspectiva crítica está presente em toda a sua produção intelectual, incluindo obviamente o ensino, a conferência, o debate público. Questiona o real e o pensado, tanto os pontos de vista dos membros dos grupos e classes compreendidos na pesquisa como as interpretações elaboradas sobre eles. Assim, alcança sempre algo novo, outro patamar, horizonte. Vai além do que está dado como estabelecido, explicado. Ao submeter o real e o pensado à reflexão crítica, descortina as diversidades, desigualdades e antagonismos, apanhando as diferentes perspectivas dos grupos e classes compreendidos pela situação. Nesse percurso, resgata o movimento do real e do pensado a partir dos grupos e classes que compõem a maioria do povo. São índios, negros, imigrantes, escravos e livres, trabalhadores da cidade e do campo que reaparecem no movimento da história. (IANNI, 1996, p.26).

Em seu retorno ao Brasil, Fernandes lecionou na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo o que propiciou, neste período, o curso Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana, que se transformou, a pedido de seus discentes, em livro. Com o advento da redemocratização no país, Florestan que estava com a saúde fragilizada por causa de uma cirurgia mal sucedida, aproxima-se dos dirigentes do Partido dos Trabalhadores e lança, para surpresa de todos os colegas, amigos e familiares, sua candidatura a deputado federal. Ganhou facilmente, e com isso, ressurgiu no cenário nacional como expoente na luta pela educação pública e pelos educadores. Luta essa muito antiga, que remonta ao início da década de 1960 quando, pela primeira vez, Fernandes foi à rua em contato direto com a população, para defender o direito à educação pública e gratuita que se encontrava ameaçado. No congresso nacional, o Professor Florestan - como era chamado por colegas deputados -, participou ativamente da Assembleia Constituinte de 1988. Esse fato, à primeira vista contraditório para um marxista, dado que os mesmos costumam rejeitar a possibilidade de participação nas instituições políticas que compõe o "Estado burguês", foi justificado por Florestan quando questionado. Em discurso realizado na tribuna do Congresso Nacional, Fernandes disse que nunca se imaginou auxiliando na realização de uma constituição burguesa, mas que o processo histórico cria situações (fatos históricos inexoráveis) contra os quais não havia como fugir; disse ainda que a burguesia nacional ganha mais uma

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oportunidade histórica com a constituição de 1988 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004).

5 CONCLUSÃOFlorestan Fernandes teve uma profícua e original produção ao mesmo tempo científica e militante, na qual o inconformismo com a ordem social capitalista fica evidente. Isto é, sua atuação atravessa as limitações institucionais do espaço universitário e chega as ruas; quando em diversas ocasiões Florestan compartilhou das dificuldades do povo, lutando a favor de causas como a educação pública e a redemocratização.Sob a perspectiva da Ciência Econômica, seu reconhecimento é quase nulo. A especificidade de seu marxismo e a análise que fez da formação socioeconômica do Brasil, ainda não foram reconhecidas. Pior para a Triste Ciência. Talvez, Fernandes ainda esteja à frente de seu tempo. A sua opção pelo estudo da realidade - que se impõe a vista de um cientista ao andar por uma rua qualquer de uma cidade latino-americana- aplicando o rigor com que buscava definir os problemas e encontrar respostas para situações concretas, podem explicar em boa parte o distanciamento da Economia em relação a sua obra. Aos discentes que se aventuram pela busca do conhecimento na Ciência Econômica, o autor nos deixa como contribuição mais valiosa a perspectiva crítica de seu trabalho. Em outras palavras, que todo o conhecimento, seu método de ensino e suas implicações sociais sejam intensamente questionados pelo aprendiz da Economia. Numa postura crítica que leve os alunos e pesquisadores à construção teórica fundamentada, num aspecto metodológico, no amplo escrutínio e debate público do porquê de um ou outro ensinamento e, respectivamente, seu caminho (método) de transmissão no meio acadêmico. A extensão desse pensamento nos conduziria a sociologia do conhecimento do autor e, no limite, ao estímulo para o discente de Economia (obviamente das outras humanidades também) formular o seguinte questionamento: Professor, a quem interessa este conhecimento de Economia que nos ensina e por que devemos aprendê-lo? Portanto, Florestan nunca fundamentou seus trabalhos na variação de algum indicador social que representa a agregação de vários outros indicadores; nunca fez nenhum modelo formal; nem fórmula do subdesenvolvimento;

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seu trabalho acadêmico sempre buscou estabelecer as devidas relações sociais que condicionam e determinam tais abstrações acadêmicas, como o faziam Marx e os Clássicos da Ciência Econômica. Deste modo, se tivesse nascido em outros tempos, sem dúvida, Florestan Fernandes seria, também, um economista de destaque.Assim, o Brasil em agosto de 1995, certamente perdeu um de seus maiores intelectuais. Dizer que foi grande pesquisador, docente e congressista seria pouco e incorreto. Florestan foi o olhar científico sábio por detrás das mazelas de nossa sociedade, e a voz ativa na defesa política dos trabalhadores e no combate as iniquidades.

REFERÊNCIAS

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CÂMARA DOS DEPUTADOS. Florestan Fernandes – “O Mestre”. Brasília: TV Câmara, 2004. 1 DVD.

FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1975.

____. Mudanças Sociais no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do livro, 1974.

____. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.

____. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

____. Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

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____. Nós e o Marxismo. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

____.Elementos de Sociologia Teórica. São Paulo: Editora Nacional, 1974.

IANNI,O. A Sociologia de Florestan Fernandes. São Paulo: IEA/USP, 1996

IBCT. Disponível em: <http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/txt.php?id=33>. Acesso em: 19/05/2010.

LIEDKE FILHO, E. D. A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Porto Alegre: Sociologias [online] UFRGS, 2005.

LIMOEIRO-CARDOSO, M. Capitalismo Dependente, Autocracia Burguesa e Revolução Social em Florestan Fernandes. São Paulo: IEA/USP, 1997.

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DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO – RESENHA

Alexandre Possidente Taveira

“No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”. Com essas palavras Adorno e Horkheimer iniciam um dos textos mais importantes da filosofia ocidental, a pedra angular fundadora da Escola de Frankfurt, “uma séria e fundamentada crítica da civilização ocidental” (The Times). Certamente a Dialética do Esclarecimento merece todos os elogios que lhe foram dirigidos, trata-se de um enorme esforço teórico, no sentido de compreender os laços profundos que ligam a razão ocidental à dominação e assim desvendar os fundamentos sociais que uniram, na civilização (kultur) moderna, o esclarecimento completo à “calamidade triunfal”.No entanto, a ressalva aqui é fundamental. Colocada dessa maneira, a obra clássica dos filósofos alemães torna-se nada além de um clamor pessimista contra a razão de um mundo irracional, a qual pode ser cooptada sem embaraço por uma agenda política e filosófica conservadora, caso não se tenha em perspectiva a especificidade histórica em que o livro foi escrito. Isso é fundamental para que o livro mantenha seu caráter emancipatório. De outra forma, a concepção de que o livro é por demais abstrato, ou generalista, parece completamente justificável.Publicado pela primeira vez em 1947 em Amsterdam, logo após a Segunda Guerra Mundial, a Dialética do Esclarecimento é um dos marcos do marxismo ocidental, cuja trajetória é o caminho “da crítica da economia política à crítica da razão instrumental” (Seyla Benhabib). Caminho que foi aberto pelo filósofo húngaro György Lukács, em seu clássico História e Consciência de Classe, trazendo para dentro do marxismo a discussão sobre as formas de consciência social, bem como introduzindo conceitos como “reificação” e “razão instrumental”. O destino do marxismo ocidental (como corrente teórica) reflete o próprio destino do movimento marxista em sua prática histórica durante o século XX: a consolidação da revolução de

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Outubro em uma nova ordem social na União Soviética e a capitulação completa ao capitalismo liberal pelo movimento operário na Europa ocidental. Na esteira dessa situação, o trabalho da crítica teórica também foi arrastado: enquanto a obra de Lukács era uma reflexão filosófica politicamente engajada, o trabalho de Adorno e Horkheimer pautava-se cada vez mais pelo distanciamento em relação às questões políticas concretas. Esse distanciamento é devido, obviamente, à recusa de se inserir em um dos dois campos da disputa ideológica da época. Ou se fazia apologia do sistema capitalista, ou automaticamente se era enquadrado na propaganda stalinista. Essa é a razão pela qual os autores se dedicaram tão extensamente à crítica do fascismo, o inimigo comum do capitalismo liberal e do socialismo soviético. Tal postura, no entanto, implica em uma limitação teórica que transparece na Dialética do Esclarecimento. Prevalece no texto uma espécie de censura prévia, para a qual os conceitos devem ser generalistas se não quiserem cair em unilateralismo político. Se a obra toma a crítica da economia política de Marx como seu fundamento, o nome deste aparece completamente ausente do texto, assim como os termos “capitalismo” e “operário” (comuns no jargão da esquerda) aparecem cuidadosamente escamoteados aqui e ali, mas nunca abordados como conceitos importantes para a análise; até mesmo a diferença entre democracia e fascismo é diluída. Além disso, os autores mantêm uma relação ambígua para com a história: o esclarecimento é tido como um objeto supra-histórico, ou a retroprojeção faz parte da crítica a um esclarecimento que vê a si mesmo como destituído de historicidade?É por isso, também, que não se pode entrever em parte alguma do livro a petitio principii declarada dos autores, qual seja “de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor”. É claro que a experiência histórica do texto é a de um fechamento total: passado o sonho da revolução socialista, somado ao momento após o trauma da ascensão nazista, o sistema (capitalista) parece ter englobado tudo, dominado a própria consciência e impedindo qualquer expectativa de emancipação. Porém, tendo-se em mente essa debilidade fundamental da obra, de que “a crítica do Esclarecimento se torna tão totalizante quanto à falsa totalidade que ela procura criticar” (Benhabib), é possível uma leitura do texto que resgate toda a atualidade crítica da Dialética do Esclarecimento.

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A tese central do livro é expressa logo no prefácio: “o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por reverter à mitologia”. Eis a “dialética” referida no título, o processo em que uma coisa se identifica com seu oposto, em que o esclarecimento, procurando livrar-se da mitologia, transforma-se ele próprio em mitologia. Esse processo é melhor apreendido pela relação entre o esclarecimento e a natureza; se o projeto do esclarecimento era o desencantamento do mundo, ele visa à natureza. Desde a substituição dos deuses ctónicos (ligados à terra) pelo panteão olímpico patriarcal até a narrativa homérica da Odisséia (o “mito que já é esclarecimento”), a natureza aparece como o elemento a ser reprimido, e é portanto aquilo que deve retornar com força redobrada. A relação entre esclarecimento e natureza torna-se, assim, uma relação de dominação. Essa relação acaba por conformar dois aspectos centrais da modernidade: a ciência como triunfo da razão e a subjetividade burguesa.A natureza representa o “outro” e para o ego maduro ela invoca o medo. O medo da alteridade que se consolida no medo da natureza é, para o sujeito, o medo do retorno ao estágio primitivo. Aqui, Adorno e Horkheimer tratam do processo de formação do ego conforme analisado por Freud, em que a inserção do sujeito na civilização depende da repressão/renúncia de seus instintos naturais, do “princípio do prazer”. Para os autores, o preço pago pelo ego é a internalização do sacrifício, de forma que a dominação da natureza torna-se também auto-dominação. Ulisses é o “protótipo do sujeito burguês”, ele espelha a razão que, em sua tentativa de auto-afirmação, torna-se auto-abnegação: o sujeito que “se perde a fim de se ganhar”.É claro que a trajetória de Ulisses é a trajetória da alienação. Em sua jornada ele é “arremessado” de um lugar a outro e cada etapa é um encontro com seres míticos que representam o passado pré-racional (“natural”) ao qual ele deve se deixar entregar, mas do qual, ao fim, deve sair vitorioso pela própria astúcia. Cada vitória é também uma renúncia e, aqui, os filósofos frankfurtianos parecem se aproximar de Heidegger, para quem o homem, como “ser-lançado-no-mundo”, em estado de abandono (“derrelição”), está condenado a uma existência inautêntica cuja única forma de reconciliação é a morte (única experiência capaz de dar sentido à vida). Nesse sentido, a análise do “episódio das sereias”, talvez o mais comentado do livro, condensa de forma paradigmática a “falsa subjetividade”: o herói homérico, dividido entre a sedução do canto das sereias e a própria sobrevivência

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encontra uma engenhosa solução, se amarra ao mastro e pode, assim, escutar o canto fatal sem se entregar ao seu encanto. O episódio demonstra como nenhum outro o paradoxo da subjetividade burguesa que é, a um só tempo, dominação e impotência. A impotência de Ulisses corresponde à impotência do canto das sereias que, privado de seu efeito mágico, torna-se arte (uma arte que só é tolerada, na sociedade capitalista, na medida em que perde qualquer efeito na realidade). À autodominação do “empreendedor” corresponde a dominação dos trabalhadores que, com os ouvidos tampados, continuam a remar, assegurando sua própria sobrevivência como a de seu chefe; eles não podem dar-se ao luxo de ouvir, e assim não têm idéia de seu próprio sacrifício.O outro aspecto do esclarecimento, a racionalidade instrumentalizada na ciência, é analisado por Adorno e Horkheimer pela forma como, em um processo análogo, regressa ao estágio de uma natureza “cega”, de como a razão torna-se irrazão. Conquanto o objetivo do progresso técnico-científico seja, da mesma maneira, dominar a natureza, essa mesma natureza (temida como algo misterioso, incognoscível) deve ser trazida ao conhecimento e, para melhor ser conhecida, reduzida ao conceito. Tudo, inclusive o sujeito, deve ser transformado em objeto, passível de manipulação, portanto, precisa antes ser apreendido como conceito, como esquema. O verdadeiro sonho da ciência, segundo os autores, seria a integração total no sistema, e a filosofia que garante o caráter de verdade ao procedimento técnico irrefletido é o esclarecimento (conforme os autores o encontram já na obra de Kant).A ciência se encontra, assim, não a serviço da emancipação, mas da dominação social. Quando ela reproduz nas categorias científicas o mundo existente, se apropria da existência enquanto esquema, ela serve à ordem existente. A ciência, dizem os autores da Dialética, “não tem consciência de si” de forma que, sendo um mero instrumento, um meio sem fins, pode servir a qualquer fim. Automatizada, ela torna-se nada mais do que mera repetição de procedimentos e o que se perde, com a submissão de tudo ao esquema abstrato, ao conceito, é o novo, a alteridade. Assim como o círculo mágico delimitava a área do efeito provocado pelo trabalho mimético dos conjuradores primitivos, também a ciência delimita a sua área de atuação: tudo o que está além de seus limites é considerado inútil; hoje em dia, descartado como metafísica.

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Aqui encontramos uma das mais profundas críticas à ciência moderna e que parece especialmente aplicável ao caso da ciência econômica. Na ciência econômica, juntam-se a técnica irrefletida e o esclarecimento como ideologia. O outro lado do abuso da matematização e do empirismo econométrico é a naturalização da ordem social e a crença no progresso linear. O cálculo, a fórmula, o sistema teórico, pretende abarcar tudo, desde as decisões de investimento e produção ao “comportamento humano” e deve fazer crer que espelha o mundo da forma como ele é (e sempre foi), e ainda fazer crer que é o melhor e único possível. Assim como o jornalismo, a economia sucumbe ao imediatismo do factum. O pensamento crítico, obviamente, deve ficar de fora, ele não teria o rigor necessário. O pensamento que não for diretamente voltado para a aplicação ou para a explicação positivista do fenômeno, se ele mantiver algum resquício de dúvida, é automaticamente vetado. Desde Adam Smith a economia procura explicar os fenômenos sociais com a pretensa rigorosidade de uma ciência natural, uma finalidade que só poderia resultar no paradoxal estado em que se encontra a economia hoje: a naturalização da própria ciência que tenta sustentar teoricamente aquilo que os homens de negócio fazem, sem recorrer a ela, como sendo algo natural e eterno. Hoje, a ciência econômica tenta provar sua própria inutilidade.Os dois aspectos da crítica delineada pela Dialética do Esclarecimento, a subjetividade moderna e a automatização técnica (ambos os lados da mesma dominação), têm sua raiz comum na Crítica da Economia Política de Marx, algo evidenciado pelos autores em várias passagens do livro; uma ligação que, no entanto, não é explicitada por razões já discutidas. O caráter alienado do trabalho assume materialmente o controle racionalizado sobre a natureza e o controle sobre os homens como trabalhadores e, espiritualmente, se alastra para as outras esferas da vida. A sociedade de classes transmite a dominação para as formas de consciência que perpetuam essa mesma sociedade (formas que, no rastro de Alfred Sohn-Rethel, são analisadas por Adorno e Horkheimer como semelhantes à forma-mercadoria). Se, por um lado, a alienação do trabalhador em relação à seu objeto e ao processo de trabalho, como condição de uma economia capitalista, é aceita por Adorno e Horkheimer como pressuposto, a igualação forçada pela troca (dos valores pelo mercado) converte-se no próprio fundamento da ideologia. O valor, “tempo de trabalho abstrato”, é desse ponto de vista o princípio que impõe a abstração de todas as características

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concretas e a equalização como forma de junção forçada (no conceito, ou na fórmula) dos opostos. É essa necessidade que faz com que tudo precise ser tornado idêntico e redutível ao cálculo. O resultado disso é que a (re)produção incessante, pilar da economia capitalista, transforma-se paradoxalmente na autoconservação. O que o capitalismo reproduz sem cessar é o próprio sistema: em Marx, como condições sociais, para Adorno e Horkheimer, também como forma de consciência.A junção da “falsa subjetividade” à técnica resulta no triunfo máximo em prol da autoconservação: a indústria cultural. Esse poderoso conceito, cunhado pelos filósofos alemães e empregado de maneira extensiva desde então, tenta dar conta de um fenômeno ideológico importantíssimo do capitalismo tardio: a mercantilização crescente da cultura. O que era tratado anteriormente como “cultura de massa”, ou seja, a difusão da produção cultural a todas as classes da sociedade, é abordado na Dialética pondo em destaque sua função ideológica: “ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio de ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia”. É assim que o esclarecimento se torna a “mistificação das massas”, a cultura como uma espécie de “ópio do povo” (tal qual a famosa formulação de Marx a respeito da religião).Do mesmo modo que, no processo do esclarecimento, o progresso da razão levava à autodestruição da razão (sua conversão em mito), essa “dialética” operaria também na indústria cultural: segundo os autores a cultura, sob esse estágio, levaria à destruição da cultura. Então, não se trata aqui de nostalgia de uma dourada época cultural que se foi, mas sim, do fato de que a destruição da cultura é inerente à própria idéia de cultura. A idéia em si é uma padronização criada pela própria indústria cultural para colocar toda manifestação espiritual sob o jugo de seu sistema e mais facilmente catalogá-la e comercializá-la. O mesmo ocorre com o indivíduo (conceito caro à ideologia burguesa): ele torna-se uma “pseudo-individualidade” na medida em que todos os traços de sua individuação são criados para ele pela indústria cultural e ele é reduzido à categoria de mero consumidor.O cúmulo do processo denunciado por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, a transformação do esclarecimento em mito, é o acontecimento histórico do século XX: a ascensão do nazi-

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fascismo. É isso que o último capítulo da Dialética (“Elementos do Anti-semitismo”) aborda. Nesse ponto uma reflexão torna-se necessária: uma vez que os autores deixam claro desde o início do livro que o esclarecimento é inerentemente totalitário, ou o fascismo aparece como a simples culminância desse processo (uma necessidade histórica/estrutural da própria modernidade) ou é o próprio processo que é o mero desenvolvimento de uma sociedade que em essência sempre foi fascista, e toda a diferença entre fascismo e democracia é diluída.É precisamente aí que deve se concentrar a atenção de qualquer (re)leitura da Dialética do Esclarecimento: no entrelaçamento entre totalitarismo e democracia. Os autores estão certos ao afirmar que o anti-semitismo é uma questão vital da humanidade (como alardeado pelos próprios anti-semitas), sendo uma condição ideológica para o fascismo. No entanto, ele não é, de forma alguma, o princípio do esclarecimento. Nem o fascismo. O próprio fascismo é, antes, uma tentativa de evitar suas conseqüências. Por isso reler a Dialética do Esclarecimento, hoje, e extrair suas conseqüências políticas significa entender o caráter totalitário que subsiste no próprio coração da democracia capitalista e perceber que o fascismo, a “recaída na barbárie”, é a resposta natural do sistema quando a “integração total” que visa o esclarecimento não funciona adequadamente. Essa, não é uma conclusão conservadora. Pelo contrário: ela é mantida pela esperança de que o sistema “não detém a última palavra”. Afinal, se a crítica ao esclarecimento foi possível do interior da própria razão esclarecida, então deve ser possível a superação do sistema que o sustenta e flerta com a autodestruição: a economia capitalista. Insistir na crítica foi sempre a condição dessa transformação.

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ENTREVISTA COM LIANA CARLEIAL1

1)QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS INTELECTUAIS EM SUA CARREIRA?Eu prefiro começar dizendo que a minha motivação maior foi e continua sendo as diferenças regionais, e a região Nordeste personifica muito bem esse desafio. O porquê da diferença e o que fazer para diminuir essas diferenças sociais e econômicas. É claro que isto se expressa através de diferentes influencias intelectuais. Raquel de Queiroz, Rodolfo Teófilo e Graciliano Ramos são exemplos importantes. A arte primitiva no Ceará também é muito exitosa para expressar a nossa realidade. Como economista, por muito tempo procurei analisar tal quadro pelo avanço diferenciado das forças produtivas, como isto engendrava diferenças de mercado de trabalho e de organização da sociedade civil. Sempre tive uma profunda admiração pelo Celso Furtado e pelo Chico de Oliveira. Continuo achando atualíssima a interpretação furtadiana. No âmbito mais restrito da teoria econômica gosto muito da economia política clássica. Mesmo com métodos e visões distintas gosto muito de ler o Smith e o Marx. No caso do Smith, compreender a importância da influencia do Locke e do surgimento da possibilidade de individuação pelo trabalho é incrível. A clareza de Smith sobre a natureza da relação capital trabalho, considerando que ele escrevia na metade do século dezoito até emociona! O próprio Marx reconheceu que, só a partir de 1830 estava mais claro o que era o capitalismo, evidenciando a capacidade de antecipação do Smith. Da análise marxista, acho que o mais fundamental é a mensagem de que o pesquisador precisa estar ligado no que ele chamava “ concreto real” e ter sempre uma interrogação que lhe leve da aparência à essência dos fenômenos. Mais recentemente, tenho tido muito interesse na análise neoschumpeteriana. Há muitas semelhanças entre Marx e Schumpeter. Mesmo que cada um deles veja a centralidade da tecnologia/inovação sob o capital, o fazem de forma distinta. Marx vê a inovação promovida pelo conflito e Schumpeter pelos interesse empresariais. São níveis de abstração distintos e a análise neoschumpeteriana nos 1Economista, professora titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualmente, é diretora de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (DIRUR) do Ipea.

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permite chegar mais perto dos setores econômicos e dos procedimentos da firma. Este percurso está também me aproximando dos institucionalistas. Acho cada vez mais que o economista precisa ter uma formação plural e honrar a tradição do debate entre as diferentes visões, interpretações e proposições.

2)A SRA ENFRENTOU DIFICULDADES EM SUA CARREIRA ACADÊMICA E AGORA DE FORMULADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO FATO DE SER MULHER?A carreira acadêmica é acessada por concurso público e nesse sentido há isonomia salarial entre homens e mulheres; já é um bom começo. Sendo muito franca, eu nunca me preocupei muito com este aspecto: fui vivendo e trabalhando na direção do que eu queria. Essa pergunta porém, me fez lembrar que, no início da carreira, eu tive, em alguns momentos, a impressão de que eu deveria trabalhar em dobro, comparativamente a um colega homem, para ser reconhecida. Mas isto não durou muito, não. Destaco também que nos departamentos de economia nos quais eu trabalhei, as mulheres sempre foram minoria. No Ceará, eu fiquei uns dez anos como a única professora da pós-graduação. O caso do IPEA também é interessante; o seu corpo técnico é majoritariamente masculino e na atual diretoria eu sou a única mulher. Acho que a dominância de homens no corpo técnico deve-se ao fato de que antes de 2009 só havia IPEA em Brasília e no Rio de Janeiro, o que limita as condições de mobilidade interregional. No meu caso particular, eu não me sinto discriminada. Entretanto,o meu relato não nega que a nossa sociedade ainda é machista, mesmo com os avanços que estão ocorrendo. Veja que na última PNAD, 35% das famílias no Brasil são chefiadas por mulheres e apenas 14% das mulheres ocupam cargo de direção em empresas. Há certamente uma diferença quando se compara homens e mulheres na iniciativa privada e no setor público.Mas, o importante é reconhecer que respeitar igualmente homens e mulheres precisa começar na família e na educação que os pais dão aos seus filhos; nesse sentido, temos ainda muito pela frente. Vi há algum tempo atrás um filme,um documentário, intitulado “ Para o dia nascer feliz” que abordava as escolas brasileiras. E numa escola para a classe média paulista, uma adolescente declarou, que após ela ter

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ganho a olimpíada de física nenhum rapaz se aproximou mais dela, e ela, naturalmente, estava muito triste com este fato. Esse é um ponto que merece reflexão: por que o homem teme a capacidade da mulher, a sua inteligência e determinação? Acho que o homem poderia muito bem pensar: ela é tudo isto e gosta de mim: que maravilha!!!! E sentir prazer com isto. Afinal, o progresso de um ajuda ao outro. Brincando um pouco, dizem por ai, que após 31 de outubro de 2010, esse é o século das mulheres...Vamos ver!

3)A SRA SE DESTACOU NA PESQUISA SOBRE AS RELAÇÕES DE TRABALHO E TINHA UMA POSIÇÃO CRÍTICA EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS ADOTADAS NESTA ÁREA. COMO A SRA VÊ A EVOLUÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS AGORA QUE É UMA DAS DIRETORAS DO PRINCIPAL ÓRGÃO GOVERNAMENTAL DE PESQUISA ECONÔMICA?No que concerne ao mercado de trabalho, as questões são cada vez mais complexas. Desde os anos noventa do século passado, com a reestruturação produtiva, a mudança nas formas da concorrência intercapitalistas e a efetivação da firma-rede como formato organizacional dominante ocorreram muitas mudanças. Instituíram-se alguns formatos de flexibilidade e a introdução da microeletrônica fêz com que o trabalhador trabalhe dentro e fora do “local de trabalho”. Assim, multiplicaram-se as formas de exploração e desconfio que está cada vez mais difícil mensurar a produtividade do trabalho. A firma-rede trabalha com muitos subcontratados que não fazem parte do seu núcleo de trabalhadores e multiplicam-se em firmas fornecedoras e terceirizadas, transformando a firma também num núcleo de diferentes contratos. De 1994 para cá, não há mais política salarial definida, a CLT está intacta mas muitas alterações foram promovidas na direção da flexibilização do contrato de trabalho.O maior ganho que aconteceu nesse período foi possível pela atuação dos juízes do trabalho que obrigaram que a firma-mãe assuma a responsabilidade pelo cumprimento da legislação quando uma firma subcontratada não a respeita. Esse foi um procedimento que contribuiu muito para o avanço da formalização do mercado de trabalho no nosso país. Nos últimos anos, o mercado de trabalho

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brasileiro absorveu quase 15 milhões de trabalhadores com carteira assinada, o que é muito bom.Mas, é importante pensar na qualidade do emprego e nas possibilidades efetivas da nossa estrutura produtiva continuar oferecendo postos de trabalho com qualidade. O aumento real do salário mínimo também foi importante e veja, que não se tem notícia de empresas que faliram por esta razão e que a previdência tenha quebrado como pensavam alguns. Acho que há um belo desafio à frente que é a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.

4)EM RELAÇÃO À DEFINIÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO, QUAIS SERIAM OS MAIORES DESAFIOS E ENTRAVES QUE A SRA DESTACARIA AGORA QUE TEM UMA VISÃO PRIVILEGIADA DO FUNCIONAMENTO DO GOVERNO?Os desafios neste terreno são muitos. O primeiro deles talvez seja a falta de convergência sobre o entendimento da realidade. Exemplificando com o caso regional. O MDIC tem uma visão setorial e a PDP – Política de Desenvolvimento produtivo não foi regionalizada previamente; já o Ministério da Integração tem uma ação muito voltada para a questão dos recursos hídricos e adota uma política de desenvolvimento regional que define territórios prioritários para a atuação da política segundo uma dada tipologia. Nesse sentido, precisamos ter uma visão mais unificada, menos fragmentada entre os ministérios que trabalham sobre um mesmo território. Ou seja, qual é de fato, a questão regional hoje?O segundo ponto é uma relativa dificuldade de diálogo entre órgãos, ministérios que tratam de uma mesma questão ou de um mesmo território. Além da urgência de um entendimento mais próximo sobre um mesmo ponto é necessário também trabalhar-se mais próximo. Acredito porém que o maior desafio que temos pela frente é a democratização das políticas públicas; não é mais possível num país com o tamanho e a complexidade do Brasil que as políticas sejam concebidas apenas num gabinete. A sociedade civil organizada necessariamente aumentará a sua participação; a forma sob a qual esse processo se dará ainda precisa ser construída.

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5)EM SUA OPINIÃO, QUAL É A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL QUE DEVE SER ADOTADA PARA FAZER FRENTE AO ATUAL MOMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA?Acho que o desafio da redução das desigualdades regionais brasileiras é inadiável e o tamanho desse desafio é enorme.No passado recente, a decisão política de construir Brasília foi responsável por uma interiorização da ocupação do nosso território e, certamente, mudou a nossa história. Considero que, simbolicamente, o tamanho do desafio que ainda temos é do mesmo tamanho da construção de Brasília.O maior problema, a meu ver, é exatamente a ausência de uma estratégia para o desenvolvimento regional. Considero que o nosso país precisa ter uma política nacional de desenvolvimento regional coordenada nacionalmente. Não acredito que o desenvolvimento pensado a partir de cada estado federado promova o desenvolvimento regional. O exemplo mais eloqüente é o do estado de Pernambuco. Foram necessários trinta anos para que a região de Suape se consolidasse, não só com a Refinaria Abreu e Lima mas também com a indústria naval e os demais empreendimentos previstos para o entorno. Indago, porém, esses investimentos não poderiam alavancar novos investimentos que beneficiem outros estados federados e não apenas Pernambuco? Na minha opinião, a estratégia acertada é aquela que promova mudanças na estruturas produtivas regionais, ou seja, altere a divisão interregional do trabalho no nosso país. Há uma relativa descentralização dos investimentos em curso, sugerindo que a territorialidade desses novos investimentos se dê fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Para tanto, é necessário aproveitar a onda desses s investimentos (petróleo e gás, indústria naval, siderurgia, papel e celulose, recursos naturais) e complementar as cadeias produtivas. Por exemplo, a partir do petróleo e gás podemos ter investimentos em fertilizantes, na metal-mecânica e até mesmo na agricultura. Como as novas refinarias serão em Recife, Ceará e Maranhão tais complementações poderiam ser feitas na região Nordeste. Um segundo ponto seria priorizar investimentos que rompam com estrutura de renda local. Ou seja, é necessário que as regiões mais pobres sediem investimento com padrão tecnológico avançado. Um

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exemplo desta proposta é o Instituto de Neurociência que foi instalado no Rio Grande do Norte, precisamente em Macaíba, região metropolitana de natal, município cujo IDH é extremamente baixo e cuja taxa de analfabetismo é bem superior à média nacional. Não é mais possível pensar que essas regiões se desenvolverão apenas a partir de suas vocações e potencialidades. Estamos desenvolvendo essa proposta no IPEA, e no número 04 do nosso Boletim Regional, Urbano e Ambiental essa proposta está melhor apresentada. 6)COMO A SRA VÊ A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEL HOJE NO BRASIL? QUAIS OS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS PARA A ADOÇÃO DE UM DESENVOLVIMENTO AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEL E ECONOMICAMENTE JUSTO?Acho que parte desta pergunta eu respondi na anterior.Há porém o aspecto da sustentabilidade. A sustentabilidade ambiental é um desafio que está posto para todas as sociedades contemporâneas. O Brasil tem uma posição relativa vantajosa por ter uma matriz de geração energética limpa com 48% de participação de fontes renováveis e ainda com uma composição de energia distribuída muito interessante associando energia eólica com hidroeletricidade e biomassa.A história do desenvolvimento dos países tidos como desenvolvidos, foi sabidamente predadora do meio ambiente. O Brasil no campo diplomático tem tido uma posição muito clara no sentido de que os países subdesenvolvidos não podem ser penalizados em seus projetos de desenvolvimento. Ou seja, o desafio é desenvolver sem desperdício mas não aceitar que haja um conflito intransponível entre o desenvolvimento e a sustentabilidade. O nosso país também tem um patrimônio natural riquíssimo, ainda pouco conhecido e menos ainda explorado economicamente.Tudo isto é uma bela oportunidade para o país no sentido do desenvolvimento científico próprio. Ou seja, com a ampliação do número de universidades federais, com a criação dos institutos federais tecnológicos e do Sibratec temos alguma chance de atender às demandas da sustentabilidade. Entretanto, a matriz de geração de energia limpa não garante uma matriz de consumo de energia também

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limpa. Nesse sentido, é imperioso considerar que a exigência da sustentabilidade ambiental nos levará a mudanças necessárias no padrão de consumo e, idealmente, na direção de um novo projeto de sociedade num novo patamar civilizatório.

7)EM SUA OPINIÃO, OS ESTUDOS EM ECONOMIA SOLIDÁRIA AVANÇARAM DE MODO SIGNIFICATIVO? QUAL O IMPACTO DOS PROGRAMAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA HOJE NA CONCEPÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS?Acho que não houve avanço significativo nos estudos sobre a economia solidária. Acho que há um problema central que é a falta de clareza do que seja mesmo a economia solidária. Por exemplo, faz sentido atribuir à economia solidária a responsabilidade pela superação do capital? Não faz qualquer sentido na minha opinião. Por outro lado, as experiências de organização da produção e do trabalho não ancoradas no trabalho assalariado são relevantes como as cooperativas, por exemplo. Mas não há clareza de concepção da economia solidária e nem da política pública concebida em torno dela.

8)A CIÊNCIA ECONÔMICA PASSA POR UMA GRAVE CRISE DE IDENTIDADE. QUAIS SERIAM, A SEU VER, AS ALTERNATIVAS PARA QUE A CIÊNCIA ECONÔMICA RECUPERE (SE ALGUM DIA TEVE) SUA CAPACIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE?Em primeiro lugar, eu acho que a crise da teoria indica que ela não está dando conta da realidade para a qual ela está voltada e que ela pretende explicar. A teoria econômica teve algumas crises que redundaram em mudança de paradigma, como por exemplo, na passagem da economia política clássica para a economia política marxista ou ainda da teoria “clássica “ para a Keynesiana.Em segundo lugar, considero que essa crise atual tem vários componentes; a economia, ou melhor os economistas, perderam muito o interesse pelo debate. Cada um se fecha na sua “caixinha”, sente-se dono da verdade e para por ai; no entanto, como uma ciência social, ela necessita da ciência política, da filosofia, da história e das diferentes contribuições no campo da economia.

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Considero que estamos diante de três enormes desafios: incorporar a questão da sustentabilidade ambiental, da necessidade de preservação do natureza e da capacidade de produzir sem desperdício; o segundo desafio é recuperar a análise e submeter a mensuração à analise, o que nem sempre ocorre e finalmente, os economistas precisam se compromissar com o real concreto, com a realidade que lhe é próxima e neste sentido, interpretar e propor a partir de condições concretas, reais. Em outros termos, estamos precisando de novos Celsos Furtados. O Brasil foi capaz de inverter a matriz metrópole-colônia na literatura, na música e nas artes. Por que não na economia? A América Latina e o Brasil, em particular, continuam sendo um grande desafio: o economista tem o dever de dominar essa realidade, associar história e teoria para encontrar os caminhos para o nosso desenvolvimento.

9)ESTE NÚMERO DOS PRIMEIROS ENSAIOS É DEDICADO AO PROFESSOR MAGALHÃES. A SRA FOI COLEGA DELE NO DEPECON DA UFPR. O QUE A SRA PODERIA DIZER DAS CONTRIBUIÇÕES DO PROFESSOR MAGALHÃES PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL E PARA O CURSO DE ECONOMIA DA UFPR?Acho que a maior contribuição que o prof Magalhães deu a todos nós foi o exemplo de seu caráter. Ele foi um homem íntegro, soube honrar a Universidade e não a utilizou como “grife” para conquistar cargos ou recursos. Além disto, era um professor brilhante; suas aulas eram inesquecíveis. O professor Magalhães foi um pesquisador muito compromissado em entender o Paraná, sua história, sua economia e as possibilidades de seu desenvolvimento. Nesse sentido, o professor Magalhães sempre será uma referencia incontornável no avanço da pesquisa sobre esse tema. Agradeço muito a oportunidade de falar um pouquinho sobre ele nesta entrevista, pois sempre fui sua admiradora e reconheço o seu imenso valor como professor e como homem na nossa sociedade.

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NORMAS PARA SUBMISSÃO DE TRABALHOS

Serão aceitas submissões de artigos de graduandos em qualquer área de conhecimento, desde que o artigo tenha relação estrita com as áreas das Ciências Econômicas, em todo o seu pluralismo.Os trabalhos têm prazo de envio livre e devem ser enviados para o e-mail [email protected] de acordo com as demais normas de submissão. No envio devem constar:

a) Arquivo do artigo, ou resenha a ser submetido em formato 'doc' ou 'odt', também com uma cópia em 'pdf'.b) Nome completo do(s) autor(es). c) E-mail de contato. d) Link de currículo lattes. e) Curso e universidade em que está matriculado.

Os artigos devem ter:

a) Até 6000 palavras, contando com título, resumo, abstract, notas de rodapé, referências, e imagens, em páginas A4 para artigos. Para as resenhas de livros devem ter até 2500 b) Texto na fonte Garamond, tamanho 16, com espaçamento 1,5 entre linhas. c) Resumo e abstract de até 150 palavras, com três palavras chave. Exceto para as resenhas. d) Referências bibliográficas de acordo com as normas da ABNT. e) Imagens com título, sem cores e numeradas de acordo com a categoria: gráficos, quadros, tabelas e etc. f) Início das seções numeradas e em negrito, de acordo com o plano de texto do(s) autor(es).

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