Primeiro Condenado à Morte No Brasil Republicano
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Primeiro condenado à morte no Brasil republicano
Hoje juiz aposentado, Theodomiro Romeiro dos Santos tinha 18 anos quando foi condenado à pena capital pela morte de sargento da Aeronáutica durante regime militar.
Luís Guilherme BarruchoDa BBC Brasil em São Paulo
Hoje juiz aposentado, Theodomiro Romeiro dos Santos foi o primeiro brasileiro condenado à pena de morte durante o período republicano (Foto: Criar Brasil/BBC)
Com o pulso direito algemado ao de outro militante dentro de um jipe
não identificado, o jovem potiguar Theodomiro Romeiro dos Santos sacou o
revólver calibre 38 que estava escondido em sua pasta preta e, com a mão
esquerda livre, disparou contra os agentes da ditadura militar que o haviam
capturado momentos antes, matando um sargento da Aeronáutica.
Preso no dia 27 de outubro de 1970, o então militante do Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR, seria condenado meses depois
à pena de morte, tornando-se o primeiro brasileiro a receber a sentença
desde a Proclamação da República - outros dois militantes de esquerda
também receberiam a pena e escapariam da execução.
O veredito apontava para um cenário inédito: a última execução do
tipo havia sido registrada em 1876. Atualmente, a pena capital ainda é
prevista na Constituição brasileira, mas somente para crimes militares
cometidos em tempos de guerra.
"Nunca achei que seria executado. Nem eu nem meus companheiros
de cela. Eu tinha todas as circunstâncias atenuantes: era menor de 21 anos,
não tinha antecedentes criminais e estudava", diz Santos, hoje com 62 anos
e juiz do trabalho aposentado, à BBC Brasil.
"Não fiquei aflito ou angustiado. Os próprios agentes da ditadura não
acreditavam que a sentença seria cumprida. Tanto é que não me
destinaram nenhum tratamento especial, apesar de o código de processo
penal militar estabelecer um regime carcerário diferenciado a quem recebia
esse tipo de condenação", acrescenta.
Seguiu-se à divulgação da sentença de Santos uma onda de protestos,
envolvendo as principais entidades da época, o que acabou, em sua
opinião, "desgastando politicamente a ditadura".
"Foi a primeira grande campanha contra a ditadura militar depois do
Ato Institucional Nº 5 (AI-5). Todas as forças políticas e as entidades
organizadas desse país, como a Igreja Católica, a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Jornais (ABJ), a Confederação
Brasileira dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) e mesmo a imprensa conservadora fizeram
campanha contra a pena de morte", lembra.
Fuga
Em poucos meses, a pena de morte acabou convertida em prisão perpétua
e, posteriormente, a 16 anos de prisão, dos quais Santos cumpriu apenas
nove ─ em 1979, ele fugiu da penitenciária e exilou-se na França, voltando
para o Brasil apenas em 1985, após a expiração de sua condenação.
"Como a extrema-direita se recusava a conceder anistia ampla, geral e
irrestrita, o expediente usado pela ditadura foi a readequação das penas
para permitir libertar aqueles que não seriam soltos pela Lei da Anistia,
como era o meu caso. Após nove anos preso, pedi liberdade condicional, o
que foi negado pelo juiz auditor da Bahia, apesar de eu ter todos os
pareceres favoráveis", explica Santos.
"O juiz alegou que não poderia assumir sozinho a liberdade de me
devolver ao convívio social. Foi um ato covarde, torpe, da pior qualidade.
Não fui solto e decidi fugir".
Na França, Santos diz ter trabalhado como pintor de paredes e, mais
tarde, metalúrgico. De volta ao Brasil, fez concurso público para juiz de
trabalho e tomou posse em 1993. Chegou a presidente da Associação dos
Magistrados da Justiça do Trabalho e aposentou-se em 2012 – por decisão
da Comissão da Anistia, os nove anos que passou preso foram
contabilizados como tempo de serviço para fins previdenciários. Santos
nunca pediu indenização pelo tempo em que passou na prisão e pela
tortura que sofreu.
'Posição humanista'
Perguntado sobre os brasileiros Marco Archer, executado na Indonésia
por tráfico de drogas, e Rodrigo Gularte, aguardando a iminente execução
pelo mesmo crime, Santos diz ser contrário à pena de morte.
"Minha discordância fundamental contra a pena de morte em nada
tem a ver com a minha condenação, mas decorre das minhas posições
humanistas. Sou um defensor da vida e, em segundo lugar, tenho profunda
preocupação com a irreversibilidade da punição. Se uma pessoa for
executada por um crime que não cometeu, como haverá reparação?",
questiona.
"Não há como corrigir um erro judiciário numa condenação à pena de
morte consumada", acrescenta.
Santos diz ainda que vê com "tristeza" o forte apoio demostrado por
muitos no país à pena capital.
"É errado pensar que o agravamento das sanções possa consertar o
estado das coisas. Defender a pena de morte é uma demonstração da
nossa incapacidade de fazer com que as pessoas compreendam que essas
medidas não vão resolver os problemas de segurança, todos os problemas
que elas gostariam de ver resolvidos", diz.
"Infelizmente, essa parcela da população não é só a favor da pena de
morte, mas é a favor de que os marginais sejam torturados, espancados e
mantidos em condições execráveis na prisão. Quando alguém, por exemplo,
reclama que presos têm direito a assistir TV na cela, eu retruco
imediatamente 'Mas eles estão condenados à privação de liberdade, e não
de informação'. Não se trata de um privilégio", acrescenta.
Arrependimento?
Questionado se possui algum arrependimento por ter participado da luta
armada contra a ditadura e matado um militar, Santos é certeiro. "Não
tenho arrependimento de nada do que fiz".
"Todo povo tem direito à sua liberdade. Na época e ainda hoje, acho
que não era somente uma escolha, mas um dever meu lutar contra a
ditadura que havia se instalado no país. Não havia oposição legal; a única
possibilidade de oposição era a clandestina, pacífica ou não", defende.
"Havia pessoas, partidos e organizações que achavam que a luta
contra a ditadura deveria ser pacífica. Outros acreditavam que o regime só
seria derrubado por meio da luta armada."
"E essa foi a alternativa que me pareceu mais correta, mais adequada,
a que eu escolhi e da qual não tenho nenhum tipo de arrependimento. Pelo
contrário, tenho grande orgulho de ter lutado contra a ditadura militar.
Todas as formas de resistência foram legítimas, eficazes e instrumento da
mudança que permitiu que hoje, apesar de todos os problemas que temos
no país, possamos viver numa democracia".
Em entrevista concedida quando Santos voltou do exílio, Geralda
Sandré Xavier, viúva do sargento morto por ele, Walder Xavier de Lima,
afirmou que o ex-guerrilheiro era "um homem perigoso, um assassino frio".
Ela protestou contra o que chamou de "recepção de herói" dada a Santos.
"Não sei como vou contar a meus netos, quando eles crescerem, que
seu avô foi assassinado por um ladrão de banco, um bandido que não foi
punido pelo crime covarde que cometeu. A derrota da minha família e a
minha própria agradecemos a Theodomiro", disse ela.