Política de austeridade e sistema de saúde Marek Balicki Varsóvia 29 de novembro de 2012.
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CLAROCIÊNCIA
ara Marie Curie, a humani-divide-se em dois gru-
-1 pos: os homens práticos, quetrabalham em função dos
próprios interesses, e os so-
nhadores, que perseguemum apelo interior. Ela si-
tuou-se entre estes últimos,entre os idealistas que "não merecem rique-zas porque não as desejam". Em finais do sé-
culo XIX, quando o acesso a muitas universi-dades da Europa era vedado às mulheres,Marie sonhou a vida que teve. Jamais dese-
jou a opulência, embora no fim ousasse umaressalva: que aos sonhadores fossem dadas
condições para viverem "livremente devota-
dos ao serviço da investigação científica". No
seu caso, cumpriu-se apenas a última parteda premissa. O seu percurso foi marcado pordificuldades financeiras e pela falta de meios
para levar a cabo o seu labor.A mulher de cabelo apanhado e vestido es-
curo, que as fotografias raramente mostrama sorrir, revelou numa carta à irmã Bronisla-
wa ter pensado mudar-se para o campo e de-
dicar-se à jardinagem. A seguir, porém, con-
fessava não saber viver fora do laboratório. À
exceção dos passeios de bicicleta na compa-nhia do marido, Pierre Curie, as férias no
campo a apreciar a natureza ou os momentos
junto das filhas pequenas, Irene e Eve, Marie
passava as horas devotada aos segredos da
ciência, quase sem abandonar o espaço onde
levava a cabo as experiências que a haveriamde tornar a primeira mulher a ganhar um pré-mio Nobel e a primeira pessoa a receber dois
Nobel em áreas científicas diferentes, alémde ter sido a primeira mulher a lecionar naUniversidade de Sorbonne. Pierre Curie dizia
que tinha encontrado "uma esposa feita ex-
pressamente para partilhar com ele as suas
preocupações" e apoiou-a nos seus empreen-dimentos, chegando a abandonar a própriapesquisa para se juntar à de Marie.
Mas quem foi Marie Curie? Antes de ser,foi Maria Slodowska, nascida a 7 de novem-bro de 1867 numa Varsóvia sob ocupação rus-sa. Última de sete irmãos, filha de um profes-sor de matemática e física e da diretora de
uma escola para mulheres, cresceu entre con-
versas sobre ciência e artes. Era uma criançadotada que aprendeu a ler aos quatro anos e
que devorava livros, incluindo poesia e os vo-
lumes técnicos da biblioteca do pai. A mãe
morreu com tuberculose aos 42 anos, perda
que Maria, na altura com 12, lembraria comoa "catástrofe" da sua infância. Iniciados os
estudos no ensino privado, concluiu-os num
zo
z
liceu estatal, o que, em tempos de opressão,
significava contrariar os vestígios da identida-de polaca, incluindo a língua. "A instruçãoera dada em russo e por professores que, sen-do hostis à nação polaca, tratavam os alunos
como inimigos", escreveria.
Após o liceu e pronta para começar a edu-
cação superior, Maria não pôde fazê-lo: a uni-
versidade de Varsóvia não admitia mulheres.Passou então a sonhar com a possibilidade de
estudar matemática e física na Sorbonne, emParis. A escassez de dinheiro para o concreti-
zar foi colmatada com um pacto entre ela e airmã Bronislawa, que aspirava a frequentaraquela instituição: por ser mais velha, esta
iria primeiro, enquanto Maria a ajudava finan-ceiramente. Depois, seria a vez de a mais no-
va ser apoiada. Em meados dos anos 1880, afutura Madame Curie foi aceite como gover-nanta, primeiro em Cracóvia, depois em Cie-
chanow, em casa dos Zorawski, onde perma-neceu dois anos. Ali estudou ciências por con-
ta própria, desenvolvendo uma autonomia
que viria a ser crucial nos anos de Paris. Malsabia que se apaixonaria por Kazimierz, filhodo dono da casa, e que a paixão seria recípro-ca ao ponto de ambos planearem casar. Mas
aquele que mais tarde seria um brilhante ma-temático não teve forças para contrariar a
oposição dos pais. De regresso a Varsóvia e
graças ao primo Jósef Boguski — químico quefora assistente de Dmitri Mendeleev, o inven-
tor da tabela periódica— acedeu aos laborató-rios do Museu da Indústria e Agricultura, on-de adquiriu ferramentas analíticas e 'curou'
as mazelas do desgosto amoroso.Em 1891, aos 24 anos, Maria mudou-se pa-
ra a capital francesa. Instalou-se no n° 3 da
Rue de Flatters, no Quartier Latin, num quar-to minúsculo e mal aquecido que no inverno a
obrigava a empilhar pertences e cobertores pa-ra poder dormir. "Nesse quarto eu preparavaas refeições (...) que muitas vezes se reduziam
a pão, ovos ou fruta", registaria. Menos prepa-rada que os seus colegas franceses e a falar
uma língua estrangeira, concluiria a licenciatu-
ra em física em 1893 como a melhor da turma.Em 1894, o ano em que se graduou em mate-
mática, conheceu Pierre Curie, de 35 anos,"um homem alto de cabelo ruivo e olhos límpi-dos", com quem se casou um ano depois. Nas-
cia assim uma das mais frutíferas parcerias da
história da ciência. Nascia Marie Slodows-
ka-Curie, o mito tal como hoje o conhecemos.
PIONEIRA FOI MARIE CURIE QUEM CRIOU OTERMO 'RADIOATMDADE 1
,PARA NOMEAR A ÁREA
CIENTIFICA A QUE DEDICOU A SUA VIDA; AO LADO,MARIE, PIERRE E A FILHA IRENE, QUE TAMBÉM
VEIO A GANHAR O PRÉMIO NOBEL EM 1935
Juntos em vida e obra. Físico reconhecido e
professor na Escola de Física e Química de
Paris, Pierre conseguiu que a mulher se lhe
juntasse no laboratório. Em 1897, pouco depoisde dar à luz Irene, a primeira filha do casal, ela
decidiu avançar para o doutoramento. E ba-
seou a sua pesquisa na radiação emitida pelossais de urânio, descoberta por Henri Becquerel(já depois da produção de raios X por Rõntgen). De início, investigou cada um dos elementosconhecidos até então e determinou a capacida-de de radiação de um deles, o tório. Descobriutambém — o que não é despiciendo — que ape-nas o urânio c o tório possuíam propriedadesradioativas. A seguir, a sua atenção focou-se
em dois minerais de urânio, a torbernite e a
pechblenda. E não tardou a compreender queambos revelavam uma radioatividade muito su-
perior à do urânio. A pechblenda, em especial,revelou-se quatro vezes mais radioativa do que
aquele elemento no estado puro. A conclusão
era óbvia: o mineral devia conter pequenas
quantidades de outra substância, bastante mais
ativa do que o urânio e ainda desconhecida.
Meses depois, os Curie encontram o novo
elemento, a que dão o nome de 'polónio' — emhomenagem à terra natal de Marie. Ela comu-nica a descoberta em junho de 1898 e no rela-tório fixa, pela primeira vez, o termo 'radioati-vidade'. Mas a pesquisa estava longe do fim:ainda desvendam a existência de outro ele-
mento, que viria a ser o mais importante dos
dois e a que denominam 'rádio', um milhão de
vezes mais radioativo do que o urânio. Come-
çava agora a árdua tarefa de o isolar. O des-
provido laboratório em que trabalhavam tor-nou-se pequeno para tal empresa, pelo quelhes foi cedido um telheiro que em tempos fo-
ra sala de dissecção da Escola de Medicina.Tratava-se uma estrutura de madeira com umtelhado em vidro que quase não protegia dachuva. No verão, o local era tórrido, no inver-
no custava a aquecer. Apesar disso, Marie es-
creveu: "Foi neste miserável e velho telheiro
que passámos os melhores e mais felizes anos
das nossas vidas." Quatro anos demorou a iso-
lar, de uma tonelada de pechblenda, um deci-
grama de cloreto de rádio. Em 1902 pôde des-
ta forma determinar o seu peso atómico. "Pre-cisei de quatro anos para produzir o tipo de
evidência que a ciência química exige. Mas
um ano teria sido suficiente se tivesse à minha
disposição meios razoáveis", constatou.Pierre ocupava-se dos efeitos biológicos
da substância. Tanto ele como Marie queixa-vam-se de fortes dores nas articulações e de
feridas que demoravam a sarar. A exposição
maciça à radiação sem proteção adequada co-
meçava a dar sinais. Mas começava tambéma delinear-se todo um campo de utilização do
rádio para fins terapêuticos — nomeadamen-
te na destruição de tecidos cancerígenos. Em
1903 Marie entrega a sua tese e ganha, comPierre e Becquerel, o prémio Nobel da física.
Ao contrário do que se poderia supor, esta
fase foi de confusão para os cientistas. "Du-rante algum tempo não tivemos paz. A saída
do nosso isolamento voluntário foi causa de
real sofrimento para nós e teve o efeito de
um desastre", registou Marie.Em 1906, num dia de chuva, Pierre morre
atropelado por uma carruagem. Ela fica comas filhas pequenas e o fardo de "uma solidão
incurável". A Sorbonne oferece-lhe a cátedrado marido e ela torna-se a primeira mulher a
lecionar naquela universidade, enquanto con-
tinua, no laboratório, o trabalho de obter clo-
reto de rádio. Em 1910 consegue isolar o me-tal em estado puro, feito que lhe vale, em 1911,
o Nobel da química. Ironicamente, a Acade-mia das Ciências de Paris rejeita-a como mem-bro por ser mulher. Aquele ano ficou tambémmarcado pelo escândalo que o seu affair comPaul Langevin, homem casado e assistente de
Pierre, provocou na imprensa francesa. Mariefoi alvo de difamação e de xenofobia, ao pontode Estocolmo sugerir que não viajasse parareceber o prémio. Mas ela foi. A um passo de
conseguir, com a criação do Instituto do Rá-
dio (hoje Instituto Curie), as condições de tra-balho há anos almejadas, a guerra estala. Ma-rie não lhe vira as costas, criando unidadesmóveis de raios X para assistir os feridos, queficaram conhecidos como petites Curies.
A partir da descoberta de Marie Curie, to-da uma indústria de produção de rádio veio a
ser desenvolvida. O casal publicara sempreos seus métodos de extração da substância,recusando-se a patenteá-los, deixando o cam-
po aberto à comunidade científica. Como
consequência, os Curie não usufruíram dos
benefícios materiais que poderiam advir das
suas descobertas. Foi uma decisão conscien-
te. No fim da vida, Marie referiu: "Renunciá-
mos a uma fortuna que poderia ter ido paraos nossos filhos (...). Os nossos amigos argu-mentaram, não sem razão, que se tivéssemos
garantido os nossos direitos, teríamos tido os
meios apropriados para trabalhar. Mas eu
acredito que fizemos a coisa certa."
Apesar de cidadã francesa, Marie jamaisdeixou de ser polaca, e ainda viveu para, em
1932, ajudar a fundar o Instituto do Rádio cmVarsóvia— hoje o Maria Slodowska-Curie Ins-titute of Oncology. Dois anos mais tarde su-
cumbiria a uma leucemia, provavelmente pro-vocada por uma vida exposta à radiação. Ain-
da hoje os seus apontamentos permanecemradioativos. O seu nome cunhou um elemento
químico, o cúrio, e um método de tratamentodo cancro em França denominado "curiethe-
rapie". Mas Marie Curie é também um tipo de
rosa, cor de salmão, de flor pequena e — ou
não homenageasse quem lhe deu o nome —
adaptável, vigorosa e resistente. ¦II eiderfarbt* expresso.impresa.pt
0 casal publicavasempre os
seus métodos,recusando-se apatenteá-los, nãoretirando deles
qualquer benefíciomaterial
A cientista portuguesaimpedida de seguir Curie
iranca Edmée Marques trabalhou com Curie em Paris e podia ter ido mais Longe comocientista se o governo português não Lhe tivesse adiado a carreira texto de anabela natário
VariaCurie queria que a cientista
continuasse no seu laboratóriode Paris, julgava-a capaz de che-
gar a uma descoberta importan-te. Mas a bolsa de estudo estava a
acabar e os governantes portugueses tarda-
vam em renová-la. Irão adiar-lhe a carreira, co-
mo voltarão a fazê-lo quando ela conclui o dou-
toramento e a impedem de ser assistente nauniversidade ou quando, aprovada com méritoabsoluto no "concurso para professor catedrá-tico de Química da Faculdade de Ciências de
Lisboa", lhe retêm esse direito durante 12
anos... Ser mulher num país "orgulhosamentesó" foi o seu maior problema.
"Certifico que Branca Edmée Marques fez
um trabalho bastante útil no meu laborató-rio desde o início de novembro de 1931", es-
creveu a cientista francesa de origem pola-
ca, já prémio Nobel por duas vezes. "Mada-me Marques empregou o seu tempo parase pôr ao corrente da técnica das medidas
no laboratório e aprender os métodos utili-zados para a dosagem de rádio e de urânio
nos minerais", dizia ainda na carta dirigi-da, em maio de 1932, ao presidente da Jun-
ta de Educação Nacional, ele próprio umbeneficiário do ensino francês — em Paris,Marck AnahoryAthias estagiou, licenciou-se
e doutorou-se na Faculdade de Medicina co-
mo, na época, faziam aqueles que queriam (e
podiam) valorizar o percurso académico
Silêncio castrador. "Para poder continuar, sei
que mmc. Marques solicitou a prorrogação da
bolsa de que beneficia atualmente e eu julgo ser
desejável que ela obtenha esta prorrogação pormais um ano". Nem assim a prémio Nobel con-
seguiu convencer as autoridades portuguesas,muito ocupadas na transição da ditadura mili-tar para a civil. Nunca lhe deram uma resposta,nem que sim nem que não. Apesar disso, passa-do um ano, Maria Curie voltou a insistir, preten-dia atribuir nova e importante tarefa a Branca
Marques. A resposta foi, mais uma vez, o silên-
cio da Junta. Nesta altura, já António de Olivei-
ra Salazar passara de ministro das Finanças a
presidente do Conselho de Ministros, fazendo
aprovar a Constituição de 1933, a espinha dor-
sal do Estado Novo, entalada entre Deus, a Pá-
tria e a Família, e criadora de ilusões.
Não fora este desinteresse, a cientista portu-guesa poderia ter estudado as leis da separaçãodo actínio, "o que necessariamente a poria emface dos problemas de medição daquele radioe-
lemento, que mais tarde proporcionaram a
Marguerite Perey a descoberta do AcK", comorefere a própria num dos seus currículos. A físi-
ca e química, sua colega no período da bolsa,descobriu em 1939 o elemento químico que se-
ria batizado de francium, em homenagem a
França. Marguerite Catherine Perey douto-
rou-se em 1946, tornou-se diretora do Institu-to de Rádio e três anos depois professora de
Química na Universidade de Estrasburgo.
Não era a primeira vez que lhe plantavamobstáculos na progressão profissional. BrancaEdmée Marques já vira a sua primeira candi-datura à bolsa 'chumbada' em 1930, emborafosse licenciada, há cinco anos, em Ciências
Físico-Químicas, e tivesse estagiado, antes de
acabar o curso, no Laboratório de QuímicaAnalítica do Instituto Superior Técnico, emLisboa, sob a orientação do engenheiro quími-co francês Charles Lepierre. Ainda finalista,fora nomeada "segundo-assistente efetivo",
apesar de ser a única mulher entre professo-
res e funcionários do laboratório. Exercerá o
cargo até terminar o último ano da faculdade
e decidir frequentar aulas no Instituto Bacte-
riológico de Câmara Pestana.
Sair do país? Só com a mãe. Branca fora
sempre uma ótima aluna. Nos liceus Ma-ria Pia e Pedro Nunes, onde concluiu os
dois últimos anos, as suas notas marca-vam a diferença. Quando passou para afaculdade continuou a obter classifica-
ções que auguravam uma carreira fulgu-rante. Era ainda estudante universitária,quando a convidaram a integrar o labora-tório que iria ser instalado no Huambo pa-
ra apoiar a Missão Geológica de Angola.Tornar-se analista não era, porém, o seu so-
nho. E recusou-se a trocar a conclusão do
curso por um emprego e a cidade de Lisboa
por uma terra desconhecida e longínqua. O
seu objetivo era especializar-se em radioativi-
dade, portanto, o melhor seria ir para Paris,
para o Institut dv Radium, dirigido por Curie.Mas só seguiria o seu sonho se ganhasse a
bolsa, por isso candidatou-se uma segundavez. E conseguiu. Foi para França, deixandocá o marido, António Sousa Torres, o profes-sor da Faculdade de Ciências, mais velho 23anos, com quem entretanto se casara. Como
se viviam tempos em que pouco ficava bem a
uma mulher, para lá da vestimenta e do cor-te de cabelo, Branca não pôde viajar sozinha.Não indo o esposo, acompanha-a a mãe, Ber-ta Rosa Marques, que a educara sem ajuda
desde os oito anos, idade em que morreu o
pai, Alexandre Théodor Roux. Ao fim de qua-tro anos, as autoridades portugueses conti-
nuavam sem se pronunciar sobre a renova-
ção da bolsa e Maria Curie morrera. Branca,
apesar de ser convidada a ficar, resolveu vol-
tar a Lisboa e partilhar o que aprendera.
"Uma referência para toda a gente". A Lis-
boa, onde nascera em 14 de abril de 1899, re-
gressará com 36 anos e um doutoramento em
que foram arguentes os prémios Nobel Jean
Perrin e Frédéric Joliot-Curie, genro de Marie,e o professor André Debierne, descobridor do
actínio e sucessor de Curie à frente do institu-
to. Virá ainda carregada com os cadernos em
que apontara as aulas que tivera com Marie Cu-
rie e nos outros três cursos de Química e Física
que frequentou durante a bolsa. Traz também
na bagagem o registo de uma patente sobre
um método de separação do rádio, que interes-
sou à Union Minière dv Haut Katanga, empre-sa de Bruxelas exploradora das riquezas mine-rais do então Congo Belga.
No meio do desgosto deste regresso, ficou
satisfeita ao receber um documento enviado
pelo diretor da Faculdade de Ciências de Lis-
boa, Vítor Hugo de Lemos, referindo que dois
dias antes o conselho escolar resolvera felici-
tá-la "pelo brilho que revestiam os atos de dou-
toramento que realizou na Universidade de Pa-ris". No ano seguinte, o Conselho Permanenteda Ação Executiva dará parecer favorável à
equivalência do doutoramento tirado em Fran-
ça e o ministro da Educação Nacional, Máriode Figueiredo, homologará o "grau de Doutorem Ciências Físico-Químicas das Universida-des Portuguesas". Apesar do título, só em
1942 será promovida a primeiro-assistente,muito embora desempenhe, desde 1936, fun-
ções de encarregado de curso e tenha um con-trato de regente. E só à beira da reforma, em
1966, após ganhar um segundo concurso, con-
segue a categoria de "professor catedrático".Branca — recorda o seu aluno Dias Lopes,
num texto escrito para a revista "Tecnologia e
Qualidade", de junho de 2008 — era "uma pes-
soa de hábitos espartanos, que chegava todos
os dias de elétrico. Era uma referência para to-da a gente, sobretudo, para o corpo docente e
discente da velha Faculdade", a funcionar naRua da Escola Politécnica. Outro seu aluno lem-bra que a professora "tinha muito orgulho" na
relação que teve com Curie. "De vez em quan-do, nas suas aulas referia-se de forma carinho-
sa a uma tal Maria (Maria, seulement...) quenós, depois, viríamos a saber tratar-se de Mada-me Curie... Fazia gala em nos transmitir o graude intimidade que adquiriu com aquela célebre
cientista", escreve João José Mendes de Matos,no bloque "Memória Recente e Antiga".
Branca levava uma vida sobrecarregadacom aulas, mas mesmo assim arranjou tem-
po para criar, em 1936, o Laboratório de Ra-
dioquímica, o primeiro centro de investiga-ção de Química e do qual será diretora atéterminar a carreira académica. Começou porprojetar as obras necessárias à adaptação da
sala de aulas de Álgebra a laboratório para,sete anos mais tarde, sacrificando as suas fé-
rias, o modernizar e, em 1944, conceber as
plantas dos novos espaços dedicados à inves-
tigação de que a Faculdade de Ciências daUniversidade de Lisboa necessitava.
BRANCA EDMÉE MARQUESFOTO (ALTERADA) DO CERTIFICADODE INSCRIÇÃO NO CONSULADO GERALDE PARIS, EM 1934 (PÁGINA AO LADO);NO CENTRO DE ESTUDOS DE RADIOQUI-MICA, EM 1936, EM LISBOA (EM CIMA);BILHETE DE IDENTIDADE DE ALUNADA FACULDADE DE CIÊNCIAS, EM 1918
Exposição em Coimbra. Mesmo tão ocupada,Branca não cede quando se trata de se atuali-
zar, como fez em 1949, quando a suas expen-sas efetua viagens de estudo a diversos labo-ratórios franceses do Comissariado da Ener-
gia Atómica e também ao Instituto do Rádio,onde colabora nos trabalhos de química nu-clear em curso. E participou em conferên-cias no estrangeiro, além de representar Por-
tugal em acontecimentos internacionais. Aos
87 anos, morreria deixando uma obra sólida.
Um pouco da história desta portuguesapode ser observado até 31 de agosto, no Mu-seu da Ciência da Universidade de Coimbra.Na exposição "Maria Skodowska Curie: Ma-dame Curie", integrada nas comemoraçõesdo Ano Internacional da Química, fala-se ain-da de outros dois portugueses que foram dis-
cípulos da cientista em França: Mário Augus-to da Silva, que lá se doutorou em 1929, e
Manuel José Nogueira Valadares, que ainda
se cruzou no Instituto do Rádio com Branca
Marques. Ambos viram também, embora um
pouco mais tarde, as suas carreiras interrom-pidas: em 1947, por questões políticas, o pri-meiro foi aposentado compulsivamente pordecreto do governo de Salazar e o segundodemitido da Universidade. ¦