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Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

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FUNDACENTRO

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Diretor ExecutivoAntônio Roberto Lambertucci

Diretora TécnicaArline Sydneia Abel Arcuri

Diretora de Administração e FinançasRenata Maria Celeguim

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A Revista Brasileira de SaúdeOcupacional (RBSO) é umapublicação científica daFundacentro que se destina àdivulgação de contribuiçõesescritas na área de segurança esaúde do trabalho e/ou dasrelações entre segurança e saúdedo trabalho e o meio ambiente.

Os trabalhos para publicaçãodevem ser endereçados àFundacentro, CoordenaçãoEditorial da RSBO/Divisão dePublicações:Rua Capote Valente, 710 –CEP 05409-002Brasil – São Paulo – SPFone: 55 (11) 3066-6378Fax 55 (11) 3066-6004e-mail: [email protected]

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Editor ResponsávelJosé Carlos Castilha Crozera (Mtb 14.612)

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EDITORIAL

A Fundacentro e a Abergo – Associação Brasileira de Ergonomia –, por meio deste número da RevistaBrasileira de Saúde Ocupacional, homenageiam o Professor Alain Wisner por sua grande contribuiçãoao desenvolvimento da Ergonomia no Brasil.

Dedicado à prática da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), este número da RBSO reúne uma seleçãode estudos brasileiros fundamentados na AET e apresentados no último Congresso da AssociaçãoBrasileira de Ergonomia, realizado em Fortaleza, em 2004.

Procuramos, assim, cumprir a missão de difundir conhecimentos científicos para a prevenção dosacidentes e dos problemas de saúde dos trabalhadores brasileiros, mas de forma particular, isto é,mostrando a importância da compreensão do trabalho para sua transformação – agrande lição que o Professor Alain Wisner nos deixou.

Rosiver PavanPresidenta da Fundacentro

Marcelo Márcio SoaresPresidente da Abergo

EDITORIAL

This issue of Revista Brasileira de Saúde Ocupacional features Fundacentro’s and Abergo’s – AssociaçãoBrasileira de Ergonomia – homage rendered to Professor Alain Wisner for his great contribution to thedevelopment of Ergonomics in Brazil.

In the same context, this issue of RBSO highlights a selection of Brazilian studies regarding ergonomicwork analysis (EWA) presented in the last Abergo Conference held in Fortaleza in 2004.

We seek to accomplish our task of divulging scientific information towards the accident and occupationaldiseases prevention among Brazilian workers in the most effective way, pointing out the relevanceof the full understanding of work, essential to its transformation – Professor AlanWisner’s great teaching to us.

Rosiver PavanPresidentFundacentro

Marcelo Márcio SoaresPresidentAbergo

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO: INTELIGÊNCIA NO TRABALHO E ANÁLISE ERGONÔMICA DOTRABALHO – AS CONTRIBUIÇÕES DE ALAIN WISNER PARA O DESENVOLVI-MENTO DA ERGONOMIA NO BRASILpor José Marçal Jackson Filho

COMPREENDENDO O TRABALHO DA COSTUREIRA: UM ENFOQUE PARA APOSTURA SENTADApor Dagmar Ambrosi; Maria de Fátima Ferreira Queiroz

A meta deste estudo, realizado em uma indústria de Santo André, foi verificar o desconfortoocupacional por meio da análise ergonômica.

AS MÚLTIPLAS TAREFAS E ATIVIDADES INTERFERENTES EM CENTRAIS DEATENDIMENTO TELEFÔNICOpor Venétia Correia Santos

O artigo busca entender as formas de gerenciamento do tempo em ambiente de múltiplastarefas inter-relacionadas.

DOIS VIOLINISTAS E UMA ORQUESTRA: DIVERSIDADE OPERATÓRIAE DESGASTE MÚSCULO-ESQUELÉTICOpor Ângela Márcia Ferreira Petrus; Eliza Helena de Oliveira Echternacht

O artigo mostra que as relações entre os músicos e as condições de trabalho acarretamestratégias e usos diferenciados do corpo e desgaste músculo-esquelético conseqüente.

O TRABALHO NO CULTIVO ORGÂNICO DE FRUTAS: UMA ABORDAGEMERGONÔMICApor Sandra Francisca Bezerra Gemma; Roberto Funes Abrahão; Laerte Idal Sznelwar

O principal propósito desta pesquisa é compreender as dificuldades relacionadas com otrabalho na produção orgânica de frutas.

TRANSMISSÃO DO SABER PRÁTICO: AS DIFICULDADES DO PROCESSOENSINO/APRENDIZAGEM EM UMA COOPERATIVA AUTOGESTIONÁRIApor Geovanni Campos Fonseca; Francisco de Paula Antunes Lima; Ada Ávila Assunção

O trabalho apresenta as ações ergonômicas no processo de transmissão do saber prático emambiência de cooperação auto-gerenciada para o trabalho.

TRÊS LIÇÕES DO PROFESSOR WISNERpor Leda Leal Ferreira

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CONTENTS

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INTRODUCTION: INTELLIGENCE AND ERGONOMIC ANALYSIS AT WORK– THE CONTRIBUTIONS OF ALAIN WISNER FOR THE DEVELOPMENT OFERGONOMICS IN BRAZILby José Marçal Jackson Filho

UNDERSTANDING THE JOB OF A DRESSMAKER: WITH EMPHASIS ONTHE SITTING POSTUREby Dagmar Ambrosi; Maria de Fátima Ferreira Queiroz

Discomforts verification through ergonomic analysis was the aim of this study,performed in one industry in the city of Santo André, Brazil.

TEMPORAL MANAGEMENT OF MULTIPLE TASKS AND INTERVENIENTACTIVITIES IN CALL CENTRESby Venétia Correia Santos

The aim of this article is to understand the forms of temporal managementof multiplicity and intervention between tasks.

TWO VIOLINISTS AND ONE ORCHESTRA: DIFFERENT WAYS OF WORKING MUSCULOSKELETAL DISORDERSby Ângela Márcia Ferreira Petrus; Eliza Helena de Oliveira Echternacht

The article shows that musicians relation and the working conditions leads todistinct strategies and body usage eliciting distinct musculoskeletal disorders.

ASPECTS OF THE WORK ON THE ORGANIC FRUIT CULTIVATION:AN ERGONOMIC APPROACHby Sandra Francisca Bezerra Gemma; Roberto Funes Abrahão; Laerte Idal Sznelwar

The main purpose of this research is the comprehension of the difficultiesrelated to the work in the organic production of fruits.

TACIT KNOWING TRANSMISSION: THE DIFFICULTIES OF THETEACHING / LEARNING PROCESS IN A SELF-MANAGED COOPERATIVEby Geovanni Campos Fonseca; Francisco de Paula Antunes Lima; Ada Ávila Assunção

The paper presents an ergonomic action in the process of tacit transmissionwithin a cooperative organization environment.

THREE LESSONS FROM PROFESSOR WISNERby Leda Leal Ferreira

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Revista Brasileira de Saúde Ocupacional6

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7Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 7-10, 2004

Introdução: Inteligência no Trabalhoe Análise Ergonômica do Trabalho –as contribuições de Alain Wisnerpara o desenvolvimento daErgonomia no Brasil

José Marçal Jackson Filho

Pensar na obra de A. Wisner remete-nos necessariamente à Análise Ergonômica do Traba-lho (AET), remete-nos também à inseparabilidade entre a produção de conhecimentos sobre arealidade e a ação para transformá-la positivamente: compreender o trabalho para transformá-lo, eis o princípio fundador da AET.

Para homenagear o Professor A. Wisner por sua contribuição ao desenvolvimento daErgonomia no Brasil, uma seleção de textos de estudos brasileiros, fundamentados na AET eapresentados no último Congresso da Associação Brasileira de Ergonomia, foi reunida nestenúmero (109) e no seguinte (110) da RBSO.

Antes de introduzi-los, faremos breve explanação sobre o papel de A. Wisner para o desen-volvimento da AET e da Ergonomia no Brasil.

1 Demanda social, trabalho real e inteligência do trabalho:alguns descritores da obra de A. Wisner

A. Wisner teve papel marcante na ruptura epistemológica fundamental para o surgimento daAET (Wisner, 1972). Recusou-se a aceitar, no início dos anos de 1970, o paradigma domi-nante na comunidade científica da época (importante até hoje), segundo o qual a pesquisa emErgonomia deveria ser realizada em laboratório para estudar o comportamento e os limites dofuncionamento do homem no “trabalho”. Embora fundamentais, tais conhecimentos não resis-tiam necessariamente à prova das situações reais de trabalho e não se aplicavam diretamenteao desenho dos equipamentos e sistemas.

Por outro lado, assumiu grande risco ao aceitar a demanda social, isto é, aquela propos-ta por alguns sindicatos para produzir conhecimento sobre o trabalho (Wisner, 1985). Apesquisa guiada para a resolução de problemas não era enquadrada dentro dos padrões decientificidade no início dos anos de 1970.

Das pesquisas de campo, realizadas em diversas situações de trabalho, A. Wisner e seuscolaboradores desenvolveram a metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho. Nos seusmais de trinta anos de utilização, ela mostrou-se bastante eficaz para explicar as relações entresaúde, trabalho e desempenho (Wisner, 1987; Guerin et al., 2001).

A característica essencial da AET é ser destinada a “examinar a complexidade, sem colocarem prova um modelo escolhido a priori” (Wisner, 2004; p. 42). A AET é metodologia, isto é,modo de refletir e abordar a realidade do trabalho (e não receituário de métodos ou técnicas)cujo objeto é a compreensão do trabalho e de seus determinantes para, como diz Wisner(2004), “responder a uma questão precisa” e orientar-se para a “proposição de soluçõesoperatórias” (p. 42). Algumas características da AET merecem ser destacadas:

– A importância da etapa de análise da demanda, através da qual os ergonomistasconstroem o problema a ser tratado, reformulando as questões colocadas por representantesda empresa e/ou dos trabalhadores e considerando os diferentes pontos de vista sobre oproblema;

Ergonomista (Dr.) e pesquisadorFUNDACENTRO/SC.

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8 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 7-10, 2004

– O papel central da confrontação dos modelos do trabalho produzidos por engenheiros,organizadores e administradores e da descrição do trabalho real a partir das observaçõesde campo;

– A atividade de trabalho não é influenciada apenas por fatores internos à empresa ouinstituição, mas também por fatores externos ligados às condições econômicas, sociais,culturais e políticas;

– A necessidade de buscar o sentido da ação dos trabalhadores, que se torna possívelgraças à utilização rigorosa dos métodos de observação e das entrevistas deautoconfrontação (Wisner, 1995);

– O trabalho é socialmente determinado. Portanto, o redesenho das condições de trabalhodeve se basear na ação sobre o conjunto de fatores determinantes;

– A observação do trabalho implica em uma postura ética por parte dos ergonomistas, ouseja, no acordo dos trabalhadores sobre o estudo e na validação dos resultados com osenvolvidos.

Wisner (1993) também teve papel fundamental na defesa da inteligência do trabalho, objetodas pesquisas do laboratório sob sua direção (já nos anos de 1980). A compreensão dainteligência no trabalho não se justifica, segundo ele, para se contrapor à “inteligência racio-nalmente acumulada” operacionalizada pela arte da engenharia. Ao contrário, a inteligênciano trabalho, individualizada ou coletivizada, é o que permite a reação à insuficiência dosdispositivos organizacionais e técnicos e que, de certa forma, os torna efetivos, sendo fonteessencial para o desempenho dos sistemas técnicos. O interesse pela compreensão e peladescrição das formas de expressão da inteligência no trabalho se impõe devido a uma grandecontradição: o desenho de muitos sistemas técnico-organizacionais tenta negar o papel dohomem e do trabalho para evitar o “erro humano” ou impedir os “atos inseguros”.

Na continuidade de seus estudos, Wisner (1995) busca fortalecer o referencial teórico daAET a partir da reflexão sobre os construtos da Antropologia Cognitiva, inscrevendo-a dentrodo paradigma da “cognição situada”. Wisner (1995) mostra que o trabalho não é puraexecução, mas construção permanente de problemas devido à grande variabilidade do funcio-namento dos sistemas e ao surgimento de novas situações. Não há, no entanto, separaçãoentre mente e corpo, pois, de modo geral, “alguns comportamentos no trabalho não podemser explicados sem se considerar o estado funcional do operador (falta de sono, fadiga) e seusofrimento no trabalho (dores músculo-esqueléticas, por exemplo) ou seus temores (acidentes,dentre outros)”. (p. 1547)

Interessado pelos problemas dos processos de transferência tecnológica para países de cul-turas diferentes, A. Wisner desenvolve a Antropotecnologia a partir da orientação de váriaspesquisas de estudantes estrangeiros (Wisner, 1997). Seguindo premissa próxima à daErgonomia, mas em escala maior, o objetivo é influenciar os determinantes da transferênciatecnológica e, assim, ajudar o desenvolvimento econômico desses países. Pôde, assim, de-monstrar que o insucesso dos processos de transferência não está associado à “falta de com-petências” dos compradores da tecnologia, mas relacionado, sobretudo, à insuficiência noprocesso de transferência tecnológica, que não considera aspectos geográficos, culturais, cli-máticos, dentre outros.

Pode-se dizer, assim, que a atividade científica de A. Wisner caracterizou-se peloinconformismo ante os modelos reduzidos do homem e de seu comportamento no trabalho, darelação saúde-trabalho e da análise de acidentes (Wisner, 1993). A AET é de fato metodologiaque propicia descrições do trabalho mais amplas e, portanto, mais operantes para sua trans-formação.

No plano institucional, Wisner é um dos grandes responsáveis pela formação da comunida-de profissional dos ergonomistas franceses e pelo reconhecimento da Ergonomia pela comuni-dade científica francesa. Formou vários professores e pesquisadores, franceses e de diversospaíses, entre os quais muitos brasileiros.

2 Análise Ergonômica do Trabalho e sua institucionalizaçãono Brasil

O desenvolvimento da AET no Brasil deve-se aos esforços de vários pesquisadores e profes-sores brasileiros formados pela escola do Professor A. Wisner.

Atualmente, a AET é ensinada e fundamenta a pesquisa em várias universidades brasileiras(Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais,Universidade Federal de São Carlos, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade

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9Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 7-10, 2004

Federal do Rio de Janeiro, dentre outras), em diferentes departamentos e faculdades (Engenha-ria de Produção, Psicologia, Medicina, Saúde Pública, Desenho Industrial, dentre outros) e eminstituições de pesquisa (por exemplo, FUNDACENTRO).

Além disso, a AET, por estar prescrita na Norma Regulamentadora 17, inserida na legisla-ção brasileira sobre Saúde e Segurança dos Trabalhadores, pode ser utilizada para a transfor-mação de grande número de situações de trabalho no Brasil. Se por muitos anos sua aplicaçãofoi restrita, assistimos nos últimos anos ao grande esforço do Ministério do Trabalho e Empre-go para viabilizá-la por meio da formação de muitos auditores fiscais do trabalho e até pelacriação da Comissão Nacional de Ergonomia, cuja atribuição é auxiliar o Ministério na elabo-ração de políticas no campo da Ergonomia, em particular, visando ao enfrentamento dassituações de trabalho geradoras de Lesões por Esforços Repetitivos ou de Distúrbios Ósteo-Musculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT).

3 Pequena amostra da produção brasileira

O primeiro critério para esta seleção de textos foi a adoção da Análise Ergonômica doTrabalho enquanto metodologia de pesquisa ou intervenção.

O segundo, tirado de uma das lições do Professor A. Wisner, refere-se à necessidade deusá-la nos diferentes setores da economia, pois, segundo ele, muito dinheiro destina-se à pes-quisa em Ergonomia para poucos trabalhadores de alguns setores – nuclear, aeronáutica eindústria bélica –, enquanto que pouco dinheiro é destinado para a pesquisa e a ação sobre agrande maioria dos trabalhadores do mundo que se encontram em condições muito precáriasna agricultura, na mineração, na metalurgia, dentre outros setores da economia. O respeitopor todas as formas de trabalho e pelos trabalhadores é uma das grandes lições de ProfessorA. Wisner.

Os textos a seguir contemplam uma gama de situações de trabalho: costura, teleatendimento,cultura orgânica, produção musical, indústria de calçados em cooperativa autogestionária.

O trabalho das costureiras foi amplamente estudado em Ergonomia para relacionar osproblemas lombares às posturas adotadas para o trabalho sentado. Através da AET, Ambrosi& Queiroz observam duas características essenciais do trabalhar das costureiras: a precisão ea velocidade. Como explicar a rapidez se não há “quantidade determinada de calcinhas paracosturar”? Assim, mostram que os problemas músculo-esqueléticos das costureiras não estãoapenas associados às posturas impostas pelas características do mobiliário e pelos aspectosambientais, mas que são, também, determinadas pelo funcionamento organizacional e atépela “tensão” ante o risco de perda do emprego.

Nos textos de Santos e de Ferreira (este último a ser publicado no próximo número da RBSO– 110/2004), são apresentados dois estudos realizados no setor de teleatendimento. Santosmostra que, diante do tempo restrito de atendimento, os atendentes de uma central de atendi-mento telefônico, “para conseguirem realizar suas atividades, sobrepõem fases do atendimen-to, optando por executar múltiplas tarefas de maneira a tentar cumprimir o tempo de atendi-mento”. Essa estratégia, realizada apenas por atendentes experientes, permite a eles permane-cer no trabalho, cujo desenho baseia-se no forte controle sobre o tempo de atendimento e lhesimpõem grandes exigências mentais e psíquicas.

A partir dos resultados de estudo em central de teleatendimento do setor público conduzidopor Ferreira, nota-se a interação entre exigências físicas, cognitivas e emocionais que cons-trangem o trabalho das atendentes. As “vivências de mal estar” das atendentes deveriam serconsideradas pela gestão do serviço como fator explicativo para os altos índices de rotatividadee absenteísmo.

Petrus & Echternacht analisam o trabalho de dois violinistas profissionais a fim de compreen-der o desgaste músculo-esquelético. Para fazê-lo, descrevem as estratégias distintas de uso docorpo de cada músico em função da interface com a partitura, com o maestro e com seucolega.

Gemma et al. estudam o trabalho no cultivo orgânico de goiabas. Embora os produtosorgânicos sejam melhores para o consumo e evitem a exposição aos agrotóxicos, a produçãoorgânica (e o processo de certificação) demanda grande número de tarefas – “manejo econservação do solo e da água; manejo da cultura; nutrição vegetal; manejo das pragas,doenças e plantas invasoras; colheita, armazenamento, transporte e comercialização” – pou-co realizadas na agricultura convencional. Os autores descrevem, através da variação posturaldos trabalhadores, as exigências físicas impostas pela produção orgânica e o risco de agravosà saúde e evidenciaram a falta de tecnologia apropriada para dar suporte aos trabalhadorese diminuir a carga de trabalho.

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10 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 7-10, 2004

Os estudos de Cockell et al. (a ser publicado no próximo número da RBSO – 110/2004) ede Fonseca et al. abordam o trabalho em cooperativas autogestionárias em duas atividadeseconômicas distintas: a reciclagem de lixo e a fabricação de artefatos de couro. Cockell et al.analisam o trabalho no setor de triagem do lixo coletado: descrevem as competências necessá-rias para selecionar os materiais (“qual material deve ser reaproveitado individualmente ounão”), apontam as dificuldades organizacionais (todo trabalhador tem certa autonomia, mastrabalha em grupo) e certas dificuldades de comunicação e decisão (por exemplo, retirar ounão tampa de garrafa PET). Enfim, concluem que, para melhorar o ganho dos cooperados(queixa recorrente) e diminuir os problemas financeiros da cooperativa, faz-se necessário o“aumento da quantidade coletada e o maior aproveitamento do lixo coletado”.

Fonseca et al. analisam o funcionamento de uma cooperativa autogestionária na produçãode artefatos de couro e material sintético que se encontrava em fase de início de produção e,simultaneamente, de formação dos cooperados. A AET do cooperado instrutor (cooperadocom grande experiência na fabricação dos produtos) mostrou suas dificuldades para gerirsuas atividades na produção e na gestão, bem como em suas atividades enquanto instrutor dogrupo. Diante dos erros dos colegas, o instrutor não compreendia as justificativas dadas poreles, explicando-as em termos morais (má-vontade dos colegas); no entanto, os erros surgiamdas dificuldades inerentes ao processo de aprendizado. Enfim, segundo os autores, a AETpermitiu tratar de “um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da autogestão: o desconhe-cimento da atividade do outro”, “ao revelar as dificuldades inerentes ao processo de ensino-aprendizagem de um saber prático”.

Para completar este número especial, convidamos a pesquisadora da FUNDACENTRO LedaLeal Ferreira, uma das primeiras pesquisadoras brasileiras a trabalhar com o Professor A.Wisner, a traduzir a apresentação realizada em seminário sobre a obra de Alain Wisner,ainda vivo, em Aix-en-Provence, na França, em 2001 (Duraffourg & Vuillon, 2004).

Ferreira nos apresenta as três lições que aprendeu do Professor A. Wisner: o trabalho nocentro do debate científico, o respeito pela inteligência dos povos e a solidariedade. Em seutestemunho, ela mostra que havia em Wisner, que também se considerava um trabalhadorcomo outro qualquer, e em sua obra grande coerência entre seu objeto de conhecimento – otrabalho –, sua relação com todos os envolvidos em suas pesquisas – os trabalhadores – e seumodo de agir enquanto pessoa.

Esperamos, com esta seleção de textos, não apenas prestar homenagem ao Professor A.Wisner por sua grande contribuição ao desenvolvimento da Ergonomia no Brasil, mas, tam-bém, como seria seu desejo, por meio da divulgação destes textos para a comunidade deSegurança e Saúde dos Trabalhadores, contribuir para a melhoria das condições de trabalhoe para a prevenção dos acidentes e dos problemas de saúde dos trabalhadores brasileiros,mostrando a importância da compreensão do trabalho!

DURAFFOURG, J. & VUILLON, B. AlainWisner et les tâches du present: la batailledu travail réel. Toulouse: Octarès Editions,2004.

GUERIN, F. et al. Compreender o traba-lho para transformá-lo. São Paulo: EdgarBlücher, 2001.

WISNER, A. Diagnosis in ergonomics orthe choice of operating models in fieldresearch. Ergonomics, 15, 6, 60-620, 1972.

________. Quand voyagent les usines:Essai d’anthropotecnologie. Paris:Syros,1985.

________. Por dentro do trabalho. SãoPaulo: Oboré,1987.

Referências Bibliográficas

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Memorial Lecture: situated cognition andaction-implications for ergonomics workanalysis and anthropotecnology. Ergonomics,38,8, 1558-1570, 1995.________. Anthropotechnologie. Vers unmonde industriel pluricentrique. Toulouse:Octarès Editions, 1997.

________. Questões epistemológicas emErgonomia e em análise do trabalho. In:DANIELLOU, F. A Ergonomia em busca deseus princípios: debates epistemológicos.São Paulo: Edgar Blücher, pp. 29-56, 2004.

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11Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 11-19, 2004

Compreendendo o Trabalho daCostureira: um Enfoque para aPostura Sentada

Dagmar Ambrosi1

Maria de Fátima Ferreira Queiroz2

As trabalhadoras da indústria de confecção, principalmente no setor de costura, desenvol-vem suas tarefas na postura sentada e a operação de máquinas de costura requer o usorepetitivo e coordenado do tronco, extremidades superiores e inferiores das operárias quetrabalham em postura sentada prolongada. Visando verificar os desconfortos presentes nodesenvolvimento do trabalho da costureira, foi realizada uma análise ergonômica em umaindústria da confecção na cidade de Santo André, Brasil. O estudo contou com observaçãoda realização do trabalho real, aplicação de um questionário a fim de colher dados sobre operfil dos trabalhadoras, conhecer suas relações de trabalho e sua situação de saúde.

Palavras-chave: saúde do trabalhador, ergonomia, indústria da confecção, costureiras.

The employees at a confection industry, especially the sewing section, do their jobs in asitting posture and to operate a sewing machine requires the repetitive use and coordinationof the upper part of the body, superior and inferior extremities of the employees that workin a prolonged sitting posture. Aiming at verifying the discomforts present while thedressmaker is performing her job, an ergonomical analysis was performed in a confectionindustry in the city of Santo André, Brazil. The study was accomplished by observing theperformance on the job. A questionnaire was applied to collect data about the profile ofthe employees and to know their work relationships and health situation.

Keywords: worker’s health, ergonomic, confection industry, dressmaker.

1Ex-aluna da Faculdade de Educação

Física e Fisioterapia – Curso deFisioterapia da UniversidadeMetodista de São Paulo.

2Faculdade de Educação Física e

Fisioterapia – Curso de Fisioterapiada Universidade Metodista de SãoPaulo; SMS – Coordenação deVigilância em Saúde (COVISA),Prefeitura do Município de São Paulo.

Understanding the Job of aDressmaker: with Emphasis on theSitting Posture

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Introdução

As empresas industriais que trabalham namanufatura de peças de vestuário, produtosem couro, sapatos etc. empregam um gran-de número de homens e mulheres que traba-lham na operação de máquinas de costura.

Tradicionalmente, alguns setores da indús-tria são ocupados por uma boa porcenta-gem de mulheres. Este é o caso das indústriasde vestuário e calçados (65%), farmacêuticae veterinária (54%), de fumo (53%), perfu-maria e sabonete (33%) (Ribeiro et al.1984). A incorporação do trabalho da mu-lher na indústria é bem maior nas regiõesdesenvolvidas do Brasil, alcançando em SãoPaulo o dobro da média nacional, isto é, emcada cem mulheres que trabalham, trintaestão na indústria (Ribeiro et al. 1984).

A operação de máquinas de costura re-quer o uso repetitivo e coordenado do tron-co, extremidades superiores e inferiores dasoperárias que trabalham em postura senta-da prolongada (Nag et al. 1992).

A postura de trabalho representa prin-cipalmente um meio para desempenhar aatividade. As posturas e os movimentos detrabalho são determinados pelo espaçofísico no qual o corpo e, principalmente, seussegmentos estão localizados, pelas caracte-rísticas das informações a serem captadas epelas ações a serem desempenhadas noespaço (Barreira, 1989, 1994; Laville,1977).

As trabalhadoras da indústria de confec-ção, principalmente no setor de costura, de-senvolvem suas tarefas na postura sentada.Para costurar, muitas atividades manuais sãoexecutadas e estas exigem um acompanha-mento visual, isso significa que o tronco e acabeça ficam inclinados para frente. O pes-coço e as costas ficam submetidos a tensõesmantidas por longos períodos, o que poderáacarretar dores. O dorso pode ser submeti-do também a tensões, quando for necessáriogirar o corpo, estando o trabalhador em umassento fixo (Dul & Weerdmeester, 1995).

A coluna vertebral pode sofrer uma sériede alterações nas suas estruturas constituin-tes em virtude de posturas e atividadesmotoras inadequadas adotadas pelo traba-lhador diante da exigência de sua tarefa

(Calliet, 1975; Knoplich, 1983, apud Bar-reira). De acordo com Grandjean (1998) eMont’alvão (1994), na postura sentada ocor-re um afrouxamento dos músculos abdo-minais que será prejudicial aos órgãos de di-gestão e respiração.

Em um estudo, Nag et al. (1992) relatamque um trabalho de costura por longo perío-do tem uma carga cumulativa nas estruturasmúsculo-esqueléticas, incluindo a coluna ver-tebral e refletindo na forma de grandeprevalência de desconforto e dor em partesdiferentes do corpo. Além dos problemas como disco intervertebral, o estudo feito pelosautores evidenciou que 68% das cento e setemulheres estudadas reclamavam de dores nascostas (lombalgias persistentes e insuportá-veis). Outras 35% reclamavam de dores decabeça, desconforto nos músculos abdomi-nais, esforço dos olhos e edema nos pés de-vido ao acúmulo de fluidos corporais.

Punnett et al. (1985) também relatam quetrabalhadores em certas tarefas de costura,especialmente aqueles que colocam o forrodentro das jaquetas, têm uma maior preva-lência de dores persistentes do que os traba-lhadores que realizam outras tarefas.Kaergaard et al. (2000) citam que o traba-lho na indústria da confecção envolve mo-notonia, tarefas altamente repetitivas rea-lizadas em uma postura sentada com a re-gião superior das costas curvada e a cabeçadirigida para a máquina de costura e, alémdisso, exige um alto grau de concentração eacurácia.

Objetivo

Este trabalho tem como objetivo geralverificar os desconfortos que o trabalho empostura sentada pode trazer às trabalhado-ras na indústria da confecção, com enfoqueno trabalho das costureiras. E como objetivoespecífico, o de identificar as cargas detrabalho e os fatores de riscos presentes napostura sentada mantida por longos perío-dos, que podem levar ao acometimento demembros superiores, troncos e membrosinferiores.

Materiais e métodos

Trata-se de uma pesquisa descritiva em queo método tem como base a análise ergo-

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nômica do trabalho. A ergonomia estudavários aspectos do trabalho, desde questõesde posturas e movimentos corporais a fa-tores ambientais que interferem nas condi-ções de trabalho e congrega vários conhe-cimentos relevantes de diversas áreas doconhecimento humano (Queiroz, 1998).

A ergonomia é definida como o estudo daadaptação do trabalho ao ser humano, en-tendendo o trabalho com uma concepçãomais ampla, a qual engloba o estudo de todaa situação em que ocorre o relacionamentoentre o ser humano e seu trabalho (Iida, 1998).

Foi realizada análise ergonômica do tra-balho na postura sentada em uma indústriade confecção do município de Santo André,Brasil. O posto estudado se incluía na etapade colocação de elástico nas pernas das cal-cinhas. A máquina utilizada para esta ativi-dade é a de “três pontos”.

Foi observada a realização da tarefa real,enfocando as posturas, os movimentos cor-porais e os fatores ambientais que interferemdiretamente no trabalho.

Foram também utilizados um roteirode observação, traduzido e adaptado doWorksafe Austrália (1992) e de McAtamneye Corlett (1999) por Maciel (1998), utiliza-do por Queiróz (1998), e um questionárioelaborado a partir de um conhecimento pré-vio. O questionário foi respondido por novecostureiras a fim de colher dados sobre operfil das trabalhadoras, conhecer suas re-lações de trabalho e sua situação de saúde.

Resultados

Caracterização da Indústria

O estudo foi realizado em uma indústriade pequeno porte de confecção de calcinhase sutiãs situada na região de Santo Andrédesde 1992, e desde 1999 encontra-se nasinstalações atuais.

Hoje a indústria está com produção fixa eabarca uma pequena fatia do mercado deconsumo comum das indústrias de pequenoe médio porte desse tipo de atividade.

Na indústria, as trabalhadoras nos postossimilares ao analisado são oito, com idadeentre 25 e 39 anos. O tempo de trabalhodas trabalhadoras está entre um e três anos.

Apenas uma trabalhadora está há quatro anosna indústria.

O Processo de Produção

A indústria é composta por seis setores: (1)administrativo e financeiro (inclui compras evendas), (2) corte, (3) costura, (4) controlede qualidade, (5) expedição e (6) limpeza.

No setor de costura, são realizadas as ta-refas de costurar as peças de diferentes teci-dos (malha, lycra), operando máquinas dotipo goloneira, zig zag, overloque, traveti.Cada costureira trabalha na sua máquina enão há rodízio. Duas trabalhadoras, das trintaque trabalham nesse setor, têm as seguintestarefas: pegam linhas, levam as peças parao controle de qualidade e “fazem o que forpreciso” para que as costureiras não levan-tem durante o trabalho. Assim, o trabalhodas costureiras é realizado na postura sen-tada durante toda a jornada de trabalho.

A organização da produção ocorre da se-guinte maneira: quando o tecido chega nafábrica, é aberto na mesa de corte por dozehoras para evitar que encolha, procedimen-to denominado enfestamento. Após, o tecidoé riscado e cortado e a próxima etapa é oprocesso de costura, sendo a “produção”propriamente dita. As costureiras das máqui-nas overloque começam a trabalhar na mon-tagem das peças.

Após a montagem, a peça vai para aselastiqueiras, que trabalham nas máquinastrês pontos, para serem colocados elásticosnas pernas e na cintura das calcinhas jámontadas. Algumas peças precisam passarna máquina traveti para serem reforçadas(por exemplo, sutiã). Colocado o elástico, aspeças são encaminhadas para o controle dequalidade e só então são encaminhadas parao setor de expedição e embaladas individual-mente.

A Organização do Trabalho

A direção da indústria está representadapelos dois sócios. Os trabalhadores somamquarenta e três funcionários com faixa etáriaentre 17 e 48 anos, sendo dois trabalhado-res do sexo masculino. Pode-se observar que,seguindo uma característica da indústria deconfecção, prevalece a presença do sexo fe-minino no processo de produção.

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A produção conta com quinze modelos decalcinha de algodão (liso, bordado erendado) e cotton. A produção é de apro-ximadamente 1800 peças/dia, ou seja, umaprodução de 36 mil peças/mês. O turno detrabalho é das 7h às 16h48min, de segunda-feira à sexta-feira. Existem três pausas formaisdurante a jornada: café da manhã (das 9h às9h10min), almoço (das 12h às 13h) e caféda tarde (das 15h às 15h10min).

O questionário respondido pelas trabalha-doras mostrou que todas acreditam que a taxade produção está dentro de suas capaci-dades, que elas têm controle sobre o ritmode trabalho e que a carga de trabalho édeterminada pelos pedidos, sendo que,quando há menos pedido, o dia fica maisfolgado e, quando há mais pedidos, o diafica mais puxado.

O Posto Estudado

Aspectos Físicos e Ambiente deTrabalho

O posto está localizado em um espaçoamplo, onde as máquinas estão dispostas umaatrás da outra, formando duas fileiras. O pisoao redor da máquina é de cerâmica, ao quenosso ver não ocasiona nenhum risco asaúde das trabalhadoras. A iluminação doambiente é realizada de forma artificial enatural. Segundo as respostas que as traba-lhadoras deram ao questionário, cinco estãosatisfeitas com a iluminação e quatro con-cordam que o ambiente é escuro.

O ruído das máquinas é intenso e contínuoe em nenhum momento cessam, mas, de acor-do com a resposta que as trabalhadoras de-ram ao questionário, seis consideram que oruído não incomoda e três, que incomoda. Aonosso ver, o ruído causa desconforto acústico.

A ventilação é realizada de forma artificiale natural. A artificial é realizada por três ven-tiladores, que são ligados somente em tempode muito calor, e a natural circula por setejanelas. De acordo com a resposta dastrabalhadoras, para três delas a ventilaçãoé suficiente e para seis o ambiente é muitoquente.

Descrição da Atividade e das Tarefas

A máquina utilizada para realização datarefa é da marca Singer e a atividade da

costureira pode ser dividida em cinco tarefasprincipais:

(1) Controle do funcionamento da má-quina;

(2) Colocação da calcinha já montadaembaixo do calcador;

(3) Costura do elástico nas pernas dacalcinha;

(4) Retirada das rebarbas maiores e atroca de agulhas quebradas;

(5) Limpeza da máquina.

(1) Controle do funcionamento da máqui-na: A máquina de costura é acionada, ouseja, colocada em movimento através de umpedal. A trabalhadora aciona o pedal e esteaciona a máquina. Intercorrências podemacontecer como, por exemplo, a quebra domotor, o que impedirá que a máquina fun-cione. Esse é um tipo de ocorrência relatadapela trabalhadora e que, durante nossaobservação, ocorreu.

(2) Colocação da calcinha já montadaembaixo do calcador: Para realizar esta ta-refa, a trabalhadora empurra uma alavancaque fica do lado direito da máquina. O atode empurrar essa alavanca é realizado pelojoelho direito. Assim que a alavanca é em-purrada, o calcador levanta e a calcinha écolocada embaixo dele.

(3) Costura do elástico nas pernas dacalcinha: Assim que a calcinha é colocadaembaixo do calcador, é acionada a máqui-na, que irá costurar o elástico. A trabalha-dora regula a tensão do elástico, que dará otamanho da peça, para saber se está deacordo com o tamanho da calcinha. Na mesada máquina existe uma régua, com a qual atrabalhadora mede a calcinha.

(4) Retirada das rebarbas maiores e atroca de agulhas quebradas: Para realizaresta tarefa é necessário o uso de uma tesou-ra, que servirá para cortar as rebarbas. Épreciso que se levante o calcador, retire aagulha quebrada, solte um parafuso comuma chave de fenda e coloque uma agulhanova, apertando novamente o parafuso, e,por fim, abaixe o calcador.

(5) Limpeza da máquina: Para limpar amáquina é necessário o uso de um pincel,que irá tirar os restos de linhas que ficam namáquina. A limpeza é feita no final de cadalote de calcinhas de cores diferentes e quan-do termina a jornada de trabalho.

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Posturas Adotadas

Através das observações realizadas, verifi-cou-se que a trabalhadora mantém uma pos-tura sentada por toda jornada de trabalho.As posturas observadas estão detalhadas aseguir:

1. Para ativar o pedal que acionará o mo-tor e colocará a máquina em movimento, acostureira realiza plantiflexão e dorsiflexãocom o pé direito. O não relaxamento dosplantiflexores e dorsiflexores levará a umadiminuição da circulação devido a uma cons-tante contração desses músculos e à compres-são dos vasos sanguíneos, o que acarretarádores intensas na região do tríceps sural.

2. Para elevar o calcador, a costureira fazabdução da perna direita empurrando umaalavanca com o joelho direito. A repetiçãodesse movimento poderá causar dores naregião de abdutores do quadril e dores naregião lateral do joelho direito.

3. Para costurar o elástico na calcinha, acostureira faz flexão de cotovelo, flexão edesvio ulnar do punho e os dedos das mãosficam em semiflexão e dando apoio parasegurar o tecido a fim de não deixar queocorram erros na costura. Como essa movi-mentação é repetida em um ciclo curto de 30segundos e utiliza sempre os mesmos múscu-los, poderá levar à ocorrência de dores e atémesmo gerar uma inflamação nos tendões enas bursas das articulações envolvidas.

4. A costureira tem que manter uma pro-tusão da cabeça, a flexão da coluna cervicale lombar, para ficar atenta ao trabalho, poisqualquer distração poderá acarretar em umacostura errada ou até mesmo em um aciden-te como, por exemplo, furar o dedo com aagulha da máquina.

5. Os membros inferiores (joelhos e qua-dris) devem permanecer flexionados para darequilíbrio, servir de apoio e distribuir a cargada postura sentada. Porém, essa posiçãomantida por muito tempo diminuirá a circu-lação, o que levará a uma diminuição doaporte sanguíneo para o músculo, podendoocasionar fadiga e gerando dores nessaregião.

As posturas apresentadas são mantidaspor longos períodos durante a jornada. Issoacarreta dores difusas pelo corpo (pelo fatode haver uma diminuição da circulação, di-

minuindo o aporte de nutrientes para o san-gue e conseqüentemente levando a uma fa-diga dos músculos) nas regiões dos membrosinferiores (tríceps sural), da coluna lombar,da coluna cervical (trapézio) e dos membrossuperiores, como relata a própria costurei-ra. E, além de serem mantidos por longosperíodos, os movimentos são repetidos a cadaciclo de trabalho.

Quanto à manutenção da postura senta-da, as trabalhadoras relatam que não po-dem variar a postura de trabalho, mas que oespaço permite liberdade de movimentos.

Uma questão observada que promove umapostura desconfortável é a cadeira detrabalho. Em relação à cadeira, oito dastrabalhadoras entrevistadas relatam que acadeira é desconfortável e só uma relatouque a cadeira é confortável. A cadeira não éajustável, pois é de tipo apoio de quatro pés.

Ainda sobre a cadeira, as trabalhadorasdizem que o encosto realmente não serve deapoio para as costas, que é preciso colocaralmofadas para diminuir o espaço entre ascostas e a cadeira, melhorando o apoio dacoluna lombar.

Nossa observação demonstrou que os bra-ços, o pescoço e o corpo não ficam confor-táveis durante o trabalho, e o problema estárelacionado ao mobiliário e aos movimentosrepetidos.

Ritmo e Repetitividade de Trabalho

Para avaliar a repetitividade da atividade,é necessário determinar o ciclo de trabalho.Se o trabalho tem uma seqüência de fasesrepetidas dentro de um ciclo de trabalho, essaseqüência é definida como um “ciclo funda-mental” (Silverstein et al., 1987). A partirdo conhecimento da extensão do ciclo, arepetitividade pode ser definida como alta,quando a extensão do ciclo é menor que30 segundos ou quando mais do que 50%do tempo do ciclo envolve o mesmo tipo deciclo fundamental de trabalho (Silversteinet al., 1986, 1987; Ahonen et al., 1989;Kilbom, 1994.

Em concordância com a definição derepetitividade, pode-se considerar o trabalhoanalisado como sendo repetitivo, pois atrabalhadora usa os mesmos grupos mus-

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culares para realização da tarefa durante todaa jornada de trabalho e o ciclo de trabalho éequivalente a 30 segundos para costurar oelástico em uma calcinha.

A Situação de Saúde dos Trabalha-dores

O questionário constava de um mapa decorpo (body map), no qual foi pedido queas trabalhadoras entrevistadas apontassem nomapa a região onde sentiam dores. As re-

Tabela 1 Distribuição das citações das trabalhadoras segundo as dores nas regiões docorpo.

giões do corpo citadas pelas trabalhadorassão apresentadas na Tabela1.

Pode-se observar na Tabela 1 que asreferências de dores foram percentualmentemaiores para a região cervical e apanturrilha, seguidas da coluna lombar e dosombros. Região cervical e panturrilhassomam 54,6% das citações. Essas são asregiões que realmente estão sob tensão deacordo com nossa observação e a literaturareferenciada.

Lembramos aqui que o total diz respeito aonúmero de citações e não ao número de tra-balhadoras entrevistadas.

Sugestões das Trabalhadoras

Ao serem perguntadas se tinham sugestõespara melhorar o local de trabalho, foramobtidas as seguintes respostas:

cinco trabalhadoras responderam quedever existir mais ventiladores para ame-nizar a temperatura que, segundo elas,é muito quente;

cinco trabalhadoras responderam quedeveria haver mudanças nas cadeiras,pois as que estão na indústria no mo-mento são desconfortáveis;

duas trabalhadoras responderam que de-veria haver um aumento de 10 minutospara 15 minutos no tempo para o café;

uma trabalhadora respondeu que deve-ria haver mudança na iluminação; e

uma trabalhadora não deu nenhuma su-gestão.

Discussão/conclusão

Pelo trabalho observado, entende-se que astarefas executadas não requerem um maior

desenvolvimento de força muscular, mas simde habilidade e destreza. Essas exigênciasestão associadas à exigência de atenção ede certo grau de concentração. Pode-seconsiderá-lo um trabalho monótono. A mo-notonia, segundo Iida (1998), é a reaçãodo organismo a um ambiente uniforme, po-bre em estímulos ou com pouca variação deexcitações. Ainda segundo o autor, as ope-rações repetitivas na indústria e o tráfegorotineiro são condições próprias à monoto-nia. Nossas observações nos levam a con-cordar com as de Iida (1998) no que dizrespeito às condições geradoras de monoto-nia: a curta duração do ciclo de trabalho,períodos curtos de aprendizagem e restriçõesdos movimentos corporais. Ambientes ruido-sos e com isolamento social (pouca possibili-dade de contato com colegas de trabalho)são outros fatores que influenciam na mono-tonia. Nas observações do posto, pode-seconstatar um ciclo de atividade curto, de 30segundos, e restrições dos movimentos cor-porais determinadas, em parte, pela repeti-ção destes.

De acordo com a observação e o conheci-mento da atividade desenvolvida no posto detrabalho, a posição que o corpo precisa ado-

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tar, que no caso é a postura sentada, nuncaé modificada. A trabalhadora está semprena mesma postura, utilizando os mesmos gru-pos musculares e assim ocasionando dorespor todo o corpo, principalmente nos mem-bros inferiores (tríceps sural), na coluna cervi-cal (trapézio), na coluna lombar e nos mem-bros superiores, o que concorda com asreferências de Coury (1995) para a perma-nência em uma postura sentada no trabalho.

Outra questão levantada pelas observaçõesé a questão da repetitividade, que é avaliadapela seqüência de fases repetitivas dentro deum ciclo de trabalho. Essa seqüência é defi-nida como um “ciclo fundamental” (Silversteinet al., 1987). Nossas observações concor-dam com as citações, pois a trabalhadorarealiza suas tarefas em um ciclo menor que30 segundos e utiliza sempre os mesmosmúsculos. Uma questão em discussão é: Pode-se aumentar tal ciclo de trabalho? Um traba-lho com movimentos repetitivos será semprerepetitivo em função do tamanho do ciclo?Talvez a questão da repetitividade esteja liga-da ao processo de produção da indústria daconfecção devido a alguns fatores, tais comoa própria máquina de costura como um equi-pamento limitante, o tamanho da peça a serconfeccionada (área pequena para se costu-rar), a organização do trabalho determinan-do o ritmo (maior ou menor demanda). Essesfatores contribuem com a dificuldade em au-mentar o ciclo de trabalho. O trabalho mo-derno, segundo Maciel (1995), está basea-do em padrões de produção e em movimen-tos simples que devem ser realizados muitasvezes por dia, além disso, na maioria dassituações, há pouco tempo para pequenaspausas de descanso. O trabalho de costuraartesanal, no nosso entender, sofreu entãouma transformação para um trabalho indus-trial com exigências de tempo e realizado emritmo acelerado. Assim, as mudanças no tra-balho das costureiras podem estar centradasnas mudanças do padrão de produção.

O que a observação nos demonstrou é quenão há uma quantidade determinada de cal-cinhas para costurar, porém a costureira cos-tura as calcinhas em ritmo acelerado parafinalizar o pedido mais rápido e ficar satis-feita em entregar os pedidos já prontos o maiscedo possível. A maneira pela qual a traba-lhadora age frente às tarefas dá a entenderque ela se preocupa muito com o trabalho,sempre tentando fazê-lo “perfeito”. Isso nos

leva a crer que a instabilidade no empregoque predomina no Brasil, e no âmbito mun-dial, pode ser um fator que leve a trabalha-dora a ser exigente com seu trabalho, a fazê-lo de forma exemplar devido ao “medo” deperder o emprego. Por outro lado, a perfei-ção pode ser uma característica da traba-lhadora e ela pode realmente gostar dotrabalho que faz e querer fazê-lo com perfeição.

Desde os primórdios da costura, pare-ce-nos que esta sempre foi realizada empostura sentada, uma vez que a máquina decostura fica em cima de uma mesa e a alturadesta leva a trabalhadora a se sentar. Pode-mos entender então que quem determina apostura para costurar é o equipamento detrabalho, no caso, a máquina de costura.Com base nessa acertiva, a concepção demáquinas com design ergonômico pode au-xiliar na mudança de postura, mas acredita-mos que talvez continue sendo em posturasentada. Intervenções que venham a ocorrerpodem ser apenas para aliviar a carga mus-cular e promover conforto. Porém, confor-me relato das próprias costureiras, “o traba-lho continuará sendo o mesmo”. Portanto,no trabalho em que não pode haver nenhu-ma alternância da postura, somos levados acompreender por que ele se torna cansativo,pois sempre estão em tensão os mesmos gru-pos musculares.

Como fica difícil a costura na postura empé, ou mesmo a alternância da posturasentada com a em pé, deveria haver maispausas durante a jornada de trabalho. A in-trodução de pausas deve ser institucio-nalizada. Aqui entra a relação entre a in-trodução de pausas e a Organização doTrabalho, que é definida, segundo Hagberget al., 1995, como o caminho em que osprocessos de trabalho são estruturados,distribuídos e supervisionados. A gerência temque se apresentar flexível para compreenderque as pausas promovem descansos damusculatura e conseqüentemente melhora aprodutividade da trabalhadora.

Uma questão apontada pelas costureirasfoi o fato de a cadeira se tornar um proble-ma, gerando assim dores no corpo, pelo seunão ajustamento e pela falta de alternânciade postura. Além das cadeiras não seremreguláveis, os assentos possuem estofamentosinadequados que, com o passar do tempo,acabam deformando-se, gerando, assim,compressão das coxas e do quadril. Para di-

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minuir essa compressão, as costureiras co-locam uma almofada. Assentos moldados,como é o caso do estudado, com relevosadaptados à forma do corpo (formatoanatômico), são desaconselháveis, pois difi-cultam a mudança de posição. O mesmoacontece com estofamentos muito altos, quese comprimem quando se senta neles eque, com o uso, tendem a deforma-se, fi-cando aprofundados no centro. SegundoBrandimiller (1999), a colocação de almo-fadas é ainda pior.

Visando proporcionar conforto e descan-so da musculatura no trabalho, considera-mos importante citar algumas recomenda-ções gerais que venham contribuir com aexecução do trabalho das costureiras:

Para diminuir a sobrecarga, recomen-damos que haja um aumento do nú-mero de pausas, com tempos menores,e que a importância destas seja incor-porado pela gerência, que veja não sóum simples descanso, mas um ganhopara a manutenção da saúde da tra-balhadora acoplado a uma melhor pro-dutividade.

Para redução da sobrecarga da mus-culatura da coluna Iombar, sugere-setrocar as cadeiras existentes hoje naindústria por cadeiras que possuam

altura compatível com a estatura da tra-balhadora que se sentará na cadeira;que seja giratória, eliminando esforçosna coluna vertebral devido a contínuosmovimentos laterais; que o estofado doassento seja de material que não defor-me, evitando assim que a costureira te-nha que por almofadas no assento a fimde evitar esta deformação e a compres-são das coxas e do quadril, diminuindoas dores dos membros inferiores. Oencosto deve ser regulável para seadaptar ao corpo da trabalhadora, pro-porcionando proteção à região lombare evitando a protusão da cabeça, o quediminui as dores na região cervical.Além da troca das cadeiras, deveriamser feitos estudos posteriores, nos quaisos fabricantes das máquinas de costuraproduzissem uma máquina que a tra-balhadora pudesse alternar a posturaentre sentada e em pé.

Consideramos finalmente que uso da abor-dagem ergonômica nos proporcionou o en-tendimento de que muitos dos problemasestão relacionados à organização do traba-lho (ritmo de trabalho, ausência de pausasetc.), aos aspectos físicos, ao ambiente detrabalho e às postura adotadas devido àsexigências das tarefas e do mobiliário.

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21Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 21-29, 2004

As Múltiplas Tarefas e AtividadesInterferentes em Centrais deAtendimento Telefônico

Venétia Correia Santos

Este artigo trata do estudo da gestão temporal das múltiplas tarefas e atividades interferentesem situações reais de trabalho. Através do estudo da intensificação do trabalho em Centraisde Atendimento, constatamos que os operadores, para conseguirem executar suas ativida-des, sobrepõem fases do atendimento, optando por executar múltiplas tarefas de maneira atentar comprimir o tempo de atendimento. Outrossim, foi constatado que ocorre a sobreposiçãode chamadas, gerando atividades interferentes à chamada principal e que devem sergerenciadas pelos atendentes.

Palavras-chave: gestão temporal, dupla atividade, atividade interferente.

The aim of this article is to understand the forms of temporal management of multiplicityand intervention between tasks. The results obtained in the study of the intensification incall centers show that the operators, in order to be able to do their activities, overlap thephases of the service, doing multiple tasks to compress the time spent on service. On theother hand, it was found that there is an overlapping of calls which leads to intervenienttasks to the main call that must be managed by the operators.

Keywords: temporal management, multiple tasks, intervenient activities.

Grupo de Pesquisa em Ergonomiapara o setor de Petróleo e Gás,LABER/ERGONPROJETOS/INT

Temporal Management of MultipleTasks and Intervenient Activities inCall Centres

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22 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 21-29, 2004

Introdução

Este artigo aborda o trabalho humano nasCentrais de Atendimento Telefônico, interes-sando-se pela gestão temporal das múltiplastarefas e atividades interferentes realizadaspelos atendentes, considerando as seguintesdefinições abaixo:

Atividades múltiplas, tarefas com ocor-rência prevista, possibilidades de antecipa-ção, possibilidade de repartição de tempoentre diferentes tarefas dos operadores;

Atividades interferentes; atividades comocorrência imprevista, impossibilidade deantecipação, necessidade de diferentes mo-dalidades de gestão e regulação temporal(Gadbois, 1991; Santos, 2002).

O trabalho humano nestes centros, comoem outras situações na área de serviços, estásujeito à grande variabilidade, ao dinamis-mo e à imprevisibilidade, características pró-prias de sistemas complexos (Pavard, 1999;Hutchins, 1991, apud Nardi, 1996). A in-tensificação do trabalho exige do operadora execução simultânea de tarefas múltiplas eque concorrem entre si interferindo na ativi-dade principal.

Existem três modelos teóricos que estãodiretamente relacionados às situações detempo compartilhado, nas quais existe aocorrência imprevista de tarefas sem a possi-bilidade de antecipação (Ouni, 1998):

o modelo do canal único que se funda-menta na idéia da transmissão de umaúnica informação por vez. O conceitofoi desenvolvido a partir da teoria dascomunicações de Shannon & Weaver(1949), apud Ouni, enriquecida porBroadbent (1958, apud Ouni, 1998)e depois por Welford (1967, apudOuni, 1998); o modelo de múltiplos processadoresdesenvolvido por Reynolds & Coll(1972, apud Ouni, 1998) que pro-põe a existência de múltiplos proces-sadores de tratamento, independen-tes e especializados, acoplados a umprocessador global organizacional queanuncia um modelo de recursos múlti-plos; a teoria do tratamento controlado e dotratamento automático (Schiffrin &Schneider, 1977, apud Ouni, 1998)

é modelo da memória fundamentadopraticamente sobre a metáfora do com-putador. Esse modelo distingue doisprocessos de tratamento: um processoautomático e um processo controlado.Logo, a interferência do tratamentopode ser provocada quando as exi-gências de tratamento controlado detarefas ocasionam a ultrapassagem dacapacidade de concentração (Camus,1988, apud Ouni, 1998).

Essas três abordagens (teoria do canal úni-co, recursos múltiplos e tratamento automáti-co e controlado) consideram o homem comoum sistema de tratamento em termos de ca-nal, de recurso de atenção. A interferênciado tratamento é explicada pela capacidadedo canal e pela sobreposição de recursos.Mas, segundo Montmollin (1984), dado ocomportamento mental de um operador, astomadas de informações não podem estarreduzidas a um modelo puramente quantita-tivo de um canal mais ou menos saturado. Oautor mostra que para sujeitos com compe-tências diferentes existe uma variação na to-mada de informações (qualitativa e quanti-tativamente). Logo, a carga não é a mesmapara ambos. Segundo Ouni (1998), asmodalidades experimentais descritas ante-riormente tomam como base as entradas eas saídas periféricas (modalidades verbais/espaciais, visão e audição) muito controla-das, que permitem confirmar e inferir hipóte-ses somente sobre a base de raciocínios indi-ferentes, elaborados a partir do desempenho.A escala de tempo necessária à execução detarefas observadas nas pesquisas é da or-dem de algumas frações de segundo, o quenão é pertinente em relação aos objetivos dosestudos da gestão temporal de tarefas inter-ferentes. E, ainda, a avaliação da cargamental pela degradação do desempenho dastarefas principais e secundárias propostasnão diz nada sobre as estratégias dos su-jeitos que são obrigados a obter um resul-tado. É necessário, então, abordar a ques-tão da capacidade da regulação da cargade trabalho pelos operadores em situaçãode dupla atividade.

Metodologia

Nossa pesquisa partiu da hipótese de quea intensificação das Centrais de Atendimento

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e a redução dos tempos de atendimento pro-vocam a execução de dupla ou tripla ativida-de (falar, escrever e navegar) pelos aten-dentes. A importante atividade cognitiva temcomo conseqüência a rigidez postural e osriscos de doenças ocupacionais. Para vali-dar essa hipótese, realizamos um estudo decaso sobre venda e uso de telefones celula-res para populações de baixa renda no nor-deste do Brasil, procedendo a análiseergonômica do trabalho (AET) nas Centraisde Atendimento.

Foram realizadas, em uma etapa inicial,observações de um grupo de operadores di-vidido em três subgrupos distintos (1, 2, 3),segundo o seu nível de aprendizagem (videTabela 1).

Tabela 1 Primeiro Grupo Observado.Subgrupo I: operadores experientes (1A e

1B);Subgrupo II: operadores menos experien-

tes (2A e 2B);Subgrupo III: operadores principiantes (3A

e 3B).

Os atendentes foram selecionados entreaqueles que tinham uma ótima avaliação dotrabalho, eram considerados pela empresacomo bons funcionários e que concordaramem colaborar com o trabalho de pesquisa.Foram feitos registros sistemáticos do traba-lho dos seis atendentes durante uma hora comcada um, no horário de pico (entre 14h e 16h).

Além da observação sistemática do pesqui-sador que acompanhou toda a navegaçãodas telas, os atendentes foram filmados as-sim como foi realizada a gravação de todo oconteúdo das comunicações no trabalho.Foram registrados sessenta e seis atendimen-tos ao longo de seis horas de observações.

Resultados

A atividade do operador da CA, devido àconcepção da tecnologia e ao processo detrabalho, envolve:

o atendimento a chamadas em continui-dade e a resolução de problemas; a alimentação do banco de dados docliente, inserindo o histórico da chama-da (memo); a atualização pessoal em relação às mu-danças e aos novos processos.

O Atendimento Construído porFases

A partir dos dados levantados em nossoestudo de caso (vide Tabela 2), um atendi-mento é composto por fases. São elas:

Tabela 2 Fases Prescritas do Atendi-mento.

A Regulação da Execução das Fases

De acordo com o problema a resolver, dosfatores advindos do contexto e do grau depressão do tempo médio de atendimento, osoperadores elaboram estratégias de ação,antecipam ou não algumas fases de atendi-mento ou prolongam outras. O registro dohistórico da chamada pode também ser an-tecipado ou não e preferencialmente ser rea-lizado durante a chamada, de modo a nãose superpor à próxima chamada, que teráconteúdo diferente. Os atendentes gerenciama ordenação e a execução das fases de aten-dimento, sendo que o contexto tem uma forteinfluência sobre a determinação das estraté-gias adotadas. A partir do modelo a seguir(Figura 1) podemos observar a dinâmicadescrita através das principais ações que osoperadores (navegação, fala com o cliente,registro do histórico da chamada) devemexecutar para cumprir as fases do atendi-mento.

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Como mencionamos, cabe ao operadorgerenciar a execução das fases em um ambien-te de forte pressão temporal. O operadoradotará várias estratégias para solucionar osproblemas.

A Gestão Temporal das Ações

A gestão das principais ações realizadasdurante o atendimento (escrever, falar e na-vegar) é feita segundo as categorias a seguirdescritas, que são adotadas ao longo dosatendimentos. A análise quantitativa dasseqüências de ações principais (navegar,falar, escrever) mostrou as quatro modali-dades básicas de gestão que existem e comoessas são variáveis, a saber:

Figura 1 Representação da dinâmica daexecução de três ações principais ao longodo atendimento (fala, escreve e navega) e dasobreposição das chamadas.

1) Gestão seqüencial das ações (navegar,escrever, falar com o atendente):

Nesta, o operador executa ações seqüen-cialmente e interrompe a fala do usuário paranão ter que executar dupla atividade (fala enavega, fala e escreve).

O atendente pode ter dois tipos de gestãodo registro do memo:

execução posterior do histórico (memo):o operador deixa o memo para serexecutado no final da ligação, dandoprioridade à navegação e a do levan-tamento de um quadro da realidade docliente (perfil do cliente);

execução antecipada do histórico(memo): o atendente antecipa a execu-ção do memo e pode iniciá-lo no mo-

mento em que interrompe a navegaçãoou nos tempos de espera, podendo frag-mentá-lo.

2) Gestão simultânea das ações dentro damesma chamada (dupla tarefa com o mes-mo conteúdo).

Neste caso, o operador executa dupla ta-refa para acelerar o atendimento:

navega ao mesmo tempo em que falacom o cliente (Fase 2), seja na fase de colo-cação da demanda, seja na fase deresolução do problema (fase 4);

escreve ao mesmo tempo em que falacom o cliente, seja para execução domemo, seja para fazer anotações.

Também nesse caso ele pode ter dois tiposde gestão do registro do memo:

execução posterior do histórico (memo):o operador deixa o memo para ser exe-cutado no final da ligação, dando prio-ridade à navegação e ao levantamentode um quadro da realidade do opera-dor;

execução antecipada do histórico (memo):o atendente antecipa a execução do memonos momentos em qsue interrompe a na-vegação ou nos tempos de espera, po-dendo fragmentá-lo.

3) Gestão simultânea das ações com con-teúdos diferentes (executa dupla tarefa comconteúdos diferentes).

O operador executa dupla atividade (aomesmo tempo em que fala com o cliente, elenavega), pede ao cliente para repetir infor-mações que já estão na tela para ganhar tem-po enquanto registra o memo, ou interrompeo cliente e passa por uma gestão seqüencial,ou passa para a gestão futura de recupera-ção do memo.

4) Gestão de recuperação futura do memo: o atendente não conseguiu resolver oproblema, faz anotações, vai tentarrecuperá-lo quando tiver tempo; deixa o memo para ser feito nos perío-dos com menos demanda de atividade,quando esse exige uma justificativa ouum detalhamento maior.

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Ou seja, nas situações 1, 2 e 3 analisadas,ele pode realizar a gestão seqüencial, a ges-tão simultânea ou a gestão de recuperaçãofutura do memo. A adoção dessas gestões écomandada pela imposição temporal.

A gestão seqüencial é utilizada quando afila é menor; quando se cria um impasse nodecorrer do atendimento, como, por exem-plo, quando o usuário não entende algo e eledeve parar para repetir a explicação; nanegociação de alternativas de pagamento;quando o cliente está estressado; quando elenão depende de informações da tela e nãodeve escrever o memo.

A gestão simultânea com um mesmo con-teúdo é utilizada para acelerar o atendimen-to ou quando o atendente quer antecipar aformulação da demanda e a compreensãodo problema do cliente.

A gestão simultânea com conteúdos dife-rentes é utilizada quando o atendente deverecuperar o atraso, a sobreposição de umachamada a outra, considerando ainda a suavontade de acelerar ou não a chamada.

A gestão de recuperação é utilizada quan-do ele não consegue registrar o memo por-que não houve tempo ou porque o memo irádemandar uma maior elaboração devido aproblemas mais complexos. Ou seja, o ritmode trabalho é variável, podendo o operadoracelerar ou não o processo de atendimentoem determinados períodos e utilizar uma ououtra gestão temporal.

Apresentaremos aqui os dados levantadosem campo que nos permitirão compreendero uso de diferentes modos de gestão tempo-ral pelo operador. Iremos considerar os se-guintes índices:

a) Freqüência de chamadas comdupla tarefa.

A partir dos dados obtidos, verificamosinicialmente que em grande parte daschamadas todos os operadores executamdupla tarefa (falam e navegam simultanea-mente, ou falam e escrevem ao mesmo tem-po) dentro de um processo de aceleração dotrabalho. Ou seja, em mais de 57% das cha-madas, para todos os operadores, consta-tamos a dupla atividade.

b) Percentual do tempo de trabalhoem dupla tarefa.

Em relação ao percentual do tempo detrabalho em que os operadores executam duplatarefa, temos os quantitativos referentes ao:

percentual de execução de dupla ativida-de (fala e navega) em relação ao tempototal do atendimento e ao tempo total denavegação; percentual de dupla atividade (fala e es-creve) em relação ao tempo total de aten-dimento e ao tempo total de registro domemo.

Verifica-se pelos resultados encontradosque a dupla atividade é uma importante es-tratégia utilizada para a execução da ativi-dade para fazer face às prescrições feitaspela empresa, permitindo encurtar os tem-pos de atendimento.

A partir da quantificação do percentual dedupla atividade para os três subgrupos (1Ae 1B, 2A e 2B, 3A e 3B), verificamos a im-portância do processo de busca de informa-ção ou navegação no sistema em relação aotempo total de atendimento, que varia de41,4% a 73,0% do tempo total de atendi-mento. Esse dado reflete também o grau deimobilização do corpo (56,3% a 83,9% dosoperadores têm ação direta sobre o sistemainformatizado). A presença de dupla ativi-dade (fala e navega) equivale de 27,0% a49,8% do tempo total da ligação.

O tempo de digitação (“com cola ou semcola do memo”) é de 6,4% a 24,0% do tem-po total das chamadas e a presença de du-pla atividade (fala e escreve) varia de 2,3%a 10,0% do tempo total.

Para uma melhor compreensão, apresen-tamos o resumo dos dados na Tabela 3, quenos leva a concluir que:

todos os operadores executam dupla ati-vidade. Os mais experientes falam enavegam ao mesmo tempo em um per-centual de tempo maior (33,1% a 49,8%). a atividade de fala e a digitação sãoverificadas para todos os atendentes,nos três grupos, entretanto nem todoscolam memos padrões. Em 0% a 57,0%das chamadas existe colagem do memo.

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Tabela 3 Percentual do tempo total de trabalho no qual os atendentes (1A e 1B, 2A e2B, 3A e 3B) realizam dupla atividade (fala e navega) em relação ao tempo total de navega-ção. Percentual do tempo total de trabalho em que os atendentes (1A e 1B, 2A e 2B, 3A e 3B)executam dupla atividade (fala e escreve) em relação ao percentual de tempo total de execuçãodo memo.

c) Freqüência de interferência daschamadas e freqüência de execuçãode dupla atividade nas situações deinterferência em relação ao númerototal de atendimentos

A partir da observação do trabalho, verifi-camos também o percentual de sobreposiçãode chamadas no número total de atendi-mentos. No subgrupo 1 (1A e 1B), de opera-dores experientes, constatamos uma maiorfreqüência de chamadas sobrepostas.

Na Tabela 4 podemos também observar,segundo diferentes operadores, o percentualdo número total de atendimentos em que seexecuta a dupla tarefa (escrita e fala) em re-

d) Mapeamento da execução domemo

Para avaliarmos o mapeamento da execu-ção do memo, tomamos como referência doisparâmetros: quantificamos o início e o fim dadigitação do memo em relação ao tempo to-tal da chamada. Para isso, consideramosquatro fases correspondentes ao percentualdo tempo total da chamada, assim é possível

lação ao percentual do número de atendi-mentos nos quais existem chamadas sobre-postas.

Podemos verificar que os operadores ex-perientes têm o maior número de sobreposiçãode chamadas, o que reflete seu poder de tra-tamento destas, conseguindo acelerar seu tra-balho e estar exposto a um número maior deinterferências. Verificamos que todos os ope-radores, pelos dados anteriormente relata-dos, executam dupla atividade durante asfases de interferência, mas no subgrupo 1,de operadores mais experientes, executou-sedupla atividade em 40,0% a 42,0% das cha-madas com conteúdo diferente.

Tabela 4 Percentual de sobreposições de chamada e percentual de execução de duplaatividade durante a sobreposição de chamadas.

saber se o memo foi antecipado (considerandoseu início em até do tempo da chamada),ou se foi realizado ao fim da chamada (apartir de do tempo da chamada) durantea mesma ligação com o mesmo conteúdo (an-tecipação ou gestão posterior), ou extrava-sado para a próxima ligação com conteúdosdiferentes.

1A 57,1% 42,0%1B 40,0% 40,0%2A 15,3% 15,3%2B 20,0% 20,0%3A 21,0% 21,0%3B 20,0% 10,0%

Subgrupo 1

Subgrupo 2

Subgrupo 3

Subgrupos Atendentes% de chamadas

sobrepostas

% de chamadascom execução dedupla tarefa com

conteúdos diferentes

1 4

3 4

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De maneira a facilitar nossa compreensão,os dados foram resumidos na Tabela 5.

De acordo com os dados anteriores, verifi-camos que a maior parte dos memos é exe-cutada em gestão posterior (de 30% a 66,7%)dentro da própria chamada. O nível de an-tecipação da execução do memo é menor enão está relacionado com o grau deexperiência (de 0% a 26,7%). A nãoantecipação do memo decorre da necessida-de do atendente em navegar em uma fasepreliminar da chamada para levantar o per-fil do cliente (investigar últimos pagamentos,últimos memos). Quando o conteúdo do aten-dimento não exige a formação desse qua-

Tabela 5 Percentual do número total das ligações nas quais os memos executadosvariam segundo a gestão por antecipação, realizados até do tempo da chamada, ou agestão posterior do memo (a partir de do tempo da chamada), e percentual do número totalde ligações que são finalizadas na próxima chamada ou quando essas são iniciadas a partirda próxima chamada.

Em relação à gestão futura, foi observadoapenas para os operadores 2A e 2B um memopendente decorrente de atendimentos comreclamação dos usuários.

e) Colagem do memo e processo deatualização durante o atendimento

Além de todo o atendimento, o operadordeve se atualizar através das caixas de men-sagem do Outlook. O índice de consulta aoOutlook varia com o conteúdo da ligação.Em 0% a 33,2% do total dos atendimentosexiste essa consulta.

O atendente pode ou não colar textos exis-tentes ou elaborar seus próprios memos. Osdados a seguir (Tabela 6) mostram que em33% a 50% das ligações os atendentes co-lam memos existentes. O colar significa tam-bém ajustar, adaptar o que foi inserido ao

texto que já está escrito. Trata-se na maioriadas vezes de enxertar um texto complemen-tar, pois os memos padrões não se adaptama todas as situações. Foi verificado que ape-nas um dos atendentes não utiliza essa estra-tégia e prefere digitar seu próprio texto.

Tabela 6 Freqüência de atendimentos comcolagem do memo e com a atualização paraoperadores diversos.

dro, ou seja, o problema é de fácil resolu-ção, ele pode antecipar o memo. Logo, suaantecipação pode estar relacionada ao graude complexidade da resolução do problema.

A partir desses dados verificamos que osoperadores mais experientes são aqueles queconseguem admitir um percentual maior deregistro de memos a serem feitos em outrasligações, quando esses são executados emdupla tarefa com conteúdos diferentes (33%a 57,1%) sendo finalizados na chamadaconsecutiva, ou quando são iniciados napróxima chamada (de 13% a 14% para osubgrupo 1).

3 4

1 4

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Referências Bibliográficas

Não foi possível quantificar os erros du-rante o registro do memo dada a velocidadeda digitação, o que poderá ser fonte de in-vestigação futura, assim como os erros nafala dos operadores. Entretanto, podemos si-nalizar a sua existência.

Observamos que no processo de dupla ati-vidade em situação de interferência existemerros na fala, atropelos da fala, troca desílabas, assim como esquecimento do nomedo usuário com o qual se está falando. Exis-tem também erros de digitação, típicos daaceleração da digitação (supressão de letras,digitação da tecla vizinha, duplicação de le-tras e outros), já mencionados por Santos(1994 e 1996). Esses erros são recupera-dos durante a execução da dupla tarefa (es-creve e fala).

Conclusão

A partir dos dados levantados, verifica-mos que em uma atividade com tempo com-partilhado o operador é levado a reduzir otempo de execução de tarefas através dasobreposição dessas, dentro de um contextono qual existem interrupções e incertezaquanto ao seu surgimento. As tarefas, se-gundo as exigências de complexidade e asimposições temporais, requerem um funcio-namento cognitivo do tipo concreto, opera-tório e formal. Os novatos não têm as mes-mas estratégias de gestão de situações simi-lares que os experientes e não podem seadaptar às mesmas perturbações de manei-ra idêntica. As variabilidades do desempe-nho e de qualidade do trabalho na atividadedos operadores constituem igualmente ma-nifestações de diferentes capacidades deregulação. Entretanto, no trabalho de CAscom fortes ritmos, existe uma seleção natu-ral dos atendentes ou a seleção pela própria

empresa (os que não suportam o trabalho sãodemitidos ou pedem demissão). Os dadosmostraram que uma aceleração é perseguidapelos atendentes que executam dupla tarefa:navegação simultânea à fala de 27,0% a49,8% do tempo de trabalho, fala simultâneaao registro do memo (escrita) de 2,3% a10,0% do tempo de trabalho. Esses dados sãoconfirmados por outros estudos realizados nascentrais jornalísticas quando foram detecta-das também a sobreposição de chamadas e aexecução de dupla atividade no atendimento(Santos 1997a).

Pelos resultados obtidos em nosso estudo, ogrupo mais experiente consegue admitir umnúmero maior de sobreposição de chamadas(de 40,0% a 57,14% das ligações), ou seja,conviver com situações com interferência. Essemesmo grupo registra mais vezes o memo naschamadas subseqüentes (em 33,0% a 57,1%das chamadas) e em 40,0 a 42,0% das cha-madas executa dupla tarefa com conteúdosdiferentes. Nossos dados corroboram com osdados de Ouni (1998) a partir dos estudossobre a experiência face à gestão de ativida-des interferentes. Segundo o autor, os ope-radores experientes suportam mais a inter-ferência. O autor fala também dos estudosexperimentais de Shiffrin & Schneider (1977,apud Ouni, 1998), os quais mostram que oprolongamento da confrontação do sujeitocom uma dada situação favorece a passa-gem do tratamento controlado a um tratamentomais automático, o que torna o uso do pro-cesso de gestão mais rápido e mais eficiente.O autor enfatiza também o fenômeno da com-petência (Leplat, 1977 apud Ouni 1998).

Os resultados obtidos mostram claramenteque estamos diante de uma nova taylorizaçãodo terciário, que, neste caso, prega o fortecontrole do tempo médio de atendimento, im-pondo agora aos trabalhadores grandes exi-gências mentais e psíquicas.

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29Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 21-29, 2004

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30 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 21-29, 2004

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31Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 31-36, 2004

Dois Violinistas e uma Orquestra: Di-versidade Operatória e DesgasteMúsculo-Esquelético

Ângela Márcia Ferreira Petrus1

Eliza Helena de Oliveira Echternacht2

Frente às demandas de compreensão e prevenção dos processos de adoecimento músculo-esquelético em músicos, este artigo objetiva mostrar as diferenças entre os modos operatóriosde dois violinistas de uma orquestra sinfônica a partir de suas relações com os seguintescondicionantes da atividade: as exigências do maestro, a obra musical e a partitura. Osdados foram coletados a partir da observação da atividade nas situações de ensaio daorquestra, durante a produção de uma ópera musical, acompanhada de entrevistas. Osresultados mostram que as relações que se estabelecem entre os músicos e esses condicionantestraduzem estratégias operatórias distintas e formas singulares de uso do corpo e conseqüentedesgaste músculo-esquelético.

Palavras-chave: músico, orquestra, uso do corpo, desgaste músculo-esquelético.

According to the understanding demands and prevention of the processes of musculoskeletaldisorders in musicians, the aim of this article is to show the differences between the operatingways of two violinists of a symphonic orchestra from its relations with the conditions of theactivity: the requirements of the conductor, the musical workmanship and the partition.Information had been collected from the observation of the activity in the situations ofrehearsal of the orchestra, during the production of an opera, followed by interviews. Theresults show that the relations between the musicians and these conditions show distinctstrategies and personal forms of use of the body and consequent musculoskeletal disorders.

Keywords: musician, orchestra, use of the body, musculoskeletal disorders.

1Mestranda do Programa de

Pós-graduação em Engenharia deProdução da Universidade Federal deMinas Gerais.

2Professora adjunta do Programa de

Pós-graduação em Engenharia deProdução da Universidade Federal deMinas Gerais.

Two Violinists and one Orchestra:Different Ways of Working andMusculoskeletal Disorders

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32 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 31-36, 2004

Contexto

A atividade de trabalho do músico de umaorquestra exige concentração, atenção, me-mória, precisão, força, sincronia, criatividade,disciplina, dedicação, singularidade e coo-peração, exigências essas direcionadas poruma hierarquia rígida que define as funçõese os limites da ação de cada musicista.

No contexto da produção musical, é cres-cente o número de instrumentistas que vêmapresentando queixas de dor e distúrbiosmúsculo-esqueléticos relacionados à ativida-de de trabalho (Lederman, 1986; Hoppmann1989; Lockwood, 1989, Gonik, 1991). Sermúsico tornou-se uma profissão de risco.

Para tentar compreender esse aspecto daprodução musical, um estudo foi desenvolvi-do em uma orquestra sinfônica visando aidentificar os principais condicionantes do usodo corpo em suas categorias patogênicas.Neste artigo, as especificidades dos modosoperatórios de dois especialistas em um mes-mo contexto produtivo serão apresentadas ediscutidas.

Metodologia

O estudo é realizado em uma OrquestraSinfônica Estadual de Minas Gerais e refe-rencia-se na Análise Ergonômica do Traba-lho (Guérin et al., 1991). A atividade dosviolinistas foi observada durante três ensaiosrelacionados à produção de uma ópera.

Os ensaios foram escolhidos como momen-to privilegiado para as observações da ativi-dade porque o processo de construção deum concerto ocorre durante esse período:lapidação da harmonia, da dinâmica, do rit-mo, da intensidade sonora.

O foco das observações centra-se nasinterfaces dos músicos com o maestro, comos outros instrumentistas, com a obra musi-cal e com a partitura. Após a coleta dos da-dos, foram realizadas confrontações com osviolinistas.

A orquestra sinfônica

A orquestra é constituída por naipes, quesão agrupamentos de instrumentos musicaisespecíficos. Esses naipes se dividem em gru-pos das cordas (violinos, violas, violoncelos

e contrabaixos), grupo das madeiras e me-tais (instrumentos de sopro) e grupo de per-cussão. O trabalho do músico passa pelasetapas de interpretação das orientações domaestro, leitura da partitura, extração dossons no instrumento e integração com o seunaipe e os outros naipes de instrumentos, ten-do como resultado a produção da música.Todas essas etapas, embora se constituam emtarefas independentes, ocorrem sincroni-camente, o que exige do músico a aquisiçãode competências específicas, que passam pelodesenvolvimento das percepções visual e au-ditiva, pela coordenação motora, pela técni-ca instrumental, pela atenção, pela memóriamusical, pela disciplina e pela cooperação.

A divisão do trabalho obedece uma es-trutura hierárquica em que os cargos dosmúsicos são diferenciados tanto em funçõesquanto em remuneração. Ao maestro (titularou convidado) cabe a elaboração docronograma de trabalho e o desenvolvimen-to das atividades propostas. O spalla (o pri-meiro violinista) é o músico responsável pelonaipe dos violinos, por auxiliar o maestro (in-clusive substituí-lo se necessário), colaborarna elaboração da programação musical,conduzir os trabalhos de afinação da orques-tra e indicação da arcada (posição dos ar-cos) para os instrumentos de corda. O con-certino, músico que senta na primeira estan-te, ao lado do spalla, é responsável porauxiliá-lo ou substituí-lo se necessário. Aoschefes de naipe cabe coordenar as ativida-des conjuntamente com o maestro e o spalla,posicionar os músicos do seu naipe, coorde-nar a disciplina e a assiduidade. Os demaismúsicos da orquestra, chamados “músicosde fila” (tutti), devem seguir as orientaçõesdeterminadas pelo maestro, pelo spalla epelo chefe de naipe de seu respectivo agru-pamento instrumental.

Na orquestra analisada, os instrumentosmusicais pertencem aos músicos, sendo res-ponsabilidade de cada um realizar sua ma-nutenção e deslocá-lo até o local de traba-lho. As partituras da obra musical a ser exe-cutada e os instrumentos de grande porte,como piano, harpa, tímpanos, percussão econtrabaixo, são disponibilizados pela orques-tra aos musicistas para a realização da ativi-dade. O ambiente de trabalho diário (sa-lão de ensaios) possui uma estrutura pla-nejada de acústica (teto e paredes laterais),

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33Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 31-36, 2004

sistema de ar condicionado e iluminação flu-orescente (bem distribuídos no ambiente).Os postos de trabalhos constam de uma ca-deira rígida e uma estante de madeira. Acarga horária de trabalho consiste em umajornada de 15 horas semanais, sendo que aremuneração atual é uma das mais baixasentre as orquestras do país, o que leva a mai-oria dos músicos a realizarem umacomplementação de renda com outras ativi-dades (atividades acadêmicas, apresentaçõesem eventos, casamentos etc.).

Os segundos violinos

Os violinos são os instrumentos de som maisagudos da família das cordas e situam-se,habitualmente, à esquerda do regente,sendo encabeçados pelo spalla. A eles per-tence a maior parte do melos que percorrea partitura e deles depende a maior partedo impacto emotivo da mensagem musical(Magnani, 1989). Na orquestra, são divi-didos em dois grupos, os primeiros e os se-gundos violinos. A divisão do trabalho entreos primeiros e os segundos violinos ocorrede acordo com a partitura da obra musical,na qual realizam uma espécie de primeira esegunda voz; na maioria das vezes, os se-gundos violinos fazem um acompanhamentodo som dos primeiros violinos, embora o con-trário também possa ocorrer.

Os segundos violinistas observados sãomúsicos que têm como função executar asdeterminações transmitidas pelo maestro, ospalla e o chefe de naipe do seu agrupa-mento. O violinista A possui quinze anos deexperiência na orquestra, tem uma forma-ção musical acadêmica (incompleta) e, alémda orquestra, às vezes realiza apresentaçõesem eventos. O violinista B tem quinze anosde experiência na orquestra, teve uma for-mação musical acadêmica (incompleta) e,além da orquestra, também se dedica a apre-sentações em eventos, casamentos, cachês degravação etc. (carga horária de duas horassemanais).

A atividade

A obra musical em preparação pela or-questra é uma ópera (peça teatral cantada,com o acompanhamento de uma orquestra),

considerada um gênero musical complexo,uma vez que envolve todo o contingente ins-trumental da orquestra e a interação dos so-listas. A complexidade da obra e o fato deser uma peça nova para essa orquestra serefletem em maior solicitação no desempe-nho dos músicos quanto à aprendizagem eao domínio do instrumento e das interaçõesentre os músicos e o maestro.

As Interfaces com a Partitura

A partitura da obra orienta de forma grá-fica a composição musical. A interpretaçãodessa simbologia exige do instrumentista umarepresentação visual e sonora, na medida emque precisa executar o registro escrito e aomesmo tempo construir uma melodia indivi-dual e coletiva.

Ao observar os modos operatórios dosinstrumentistas, verificamos que o violinistaA permanece a maioria do tempo fixando aparte, mesmo nos períodos em que não esta-va tocando, e realiza diversas anotações namesma. O violinista B fixa-se à parte no mo-mento de tocar, sendo que, nos períodos emque não está tocando, desvia seu olhar paraoutras direções, também realizando anota-ções na partitura, em menor número.

As posturas corporais adotadas pelo violi-nista B mostram-se mais diversificadas emrelação aos movimentos da região cervical edos membros inferiores, enquanto que noviolinista A o padrão postural apresenta-semais estático. Através de suas verbalizaçõespodemos compreender o significado de taiscomportamentos:

Violinista A“... eu tenho a necessidade de ler a parte

mesmo quando não estou tocando, porquecontinuo vivenciando a melodia e, quandochega o momento de entrar eu não estou frio;eu até consigo entrar certo se eu não acom-panhar tudo, mas o meu som fica sem vida.A atenção à parte é necessária, mas o maisimportante é a função auditiva, pois se omaestro errar e você não está ligado no queestá acontecendo, a orquestra não conseguesegurar. As anotações ajudam a reforçar oque está sendo exigido naquele trecho daobra; sempre que necessário ou quando ésolicitado eu faço as observações.”

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Violinista B“... eu prefiro ouvir o que está acontecen-

do a nível harmônico, a parte é uma repre-sentação gráfica do som e quando a genteestá em dia com ela, não precisa ficar o tem-po todo fixado nela. Quando eu estudo emcasa, eu faço todas as anotações que julgoimportantes, assim a gente acaba memori-zando e absorvendo a partitura, assim, nahora do ensaio, posso ficar mais livre. Maspode acontecer de anotar se o maestro ouspalla mudar ou orientar algo. Aliás, acon-tece muito do spalla colocar aquele tanto deanotações e no decorrer do ensaio precisatirar, pois acaba ficando mesmo só o neces-sário, o que já deveria ser desde o início.”

As anotações na partitura correspondemàs orientações que o maestro realiza sobredeterminado compasso, o que facilita alcan-çar os resultados desejados. Como dividema mesma partitura, as anotações também sãocompartilhadas. A possibilidade de verba-lização entre os músicos durante os ensaiosrevela trocas de representações sobre a par-titura e a forma de extração de sons no ins-trumento.

As Interfaces com o Maestro

O maestro, ao longo dos ensaios, exigequalidade técnica e obediência às suas de-terminações através de verbalizações, gestose solfejos. Tal relação se processa ora demodo cordial, ora autoritário.

Durante um determinado trecho, o naipedos violinos não consegue extrair o som exa-to solicitado pelo maestro. Realizam váriasrepetições do mesmo compasso, o que gerauma certa irritabilidade em todos. O maestroinsiste dizendo:

“... Eu não posso perder tempo falando amesma coisa. Nº 19, por favor, escrevampianíssimo. Pela terceira e última vez, heim!”

“... Tá muito longe de ficar bom. Todomundo estude mais. Não me faça a indeli-cadeza de expor ninguém; pois eu vejo quemestá tocando.”

“... Pela primeira vez conseguimos fazerno tempo certo. Mas a dinâmica esta absur-damente forte. Ou a gente faz isso pianíssimoou não sai.”

Tornam-se evidentes as dificuldades ematingir os resultados desejados e a tensão

gerada. Nesse momento, os dois violinistasobservados realizam ações completamentedistintas: O instrumentista A fixa seu olharna partitura e nas orientações do maestro,repetindo os trechos do compasso. O violi-nista B interrompe a atividade, não executaas repetições solicitadas e observa a partitu-ra atentamente. Após, interage com outrosmúsicos e executa uma função que não lhecabia: identifica a origem do problema, situ-ada em um erro na partitura. Respeitando ahierarquia, pede que a informação seja re-passada ao chefe de naipe.

Ao questionar seus comportamentos, obti-vemos as seguintes respostas:

Violinista A“... aquele trecho é difícil, pois exige mo-

vimentos muito rápidos e suaves; quando omaestro pedia para repetir, eu queria acer-tar. Mas é necessário aprender a conviver omáximo com o erro, acredito que a falha épassível de acontecer, ela só não deve serpor incapacidade... mas quando erro eu meirrito, fico com a musculatura tensa, às vezesparo de tocar e pego o compasso seguinte,para não atrapalhar o colega.”

Violinista B“... quando tudo começou a desandar e

ficou aquela repetição exaustiva, fiquei pres-tando mais atenção no que os 2os violinosestavam tocando, pois naquele trecho tam-bém estavam tocando os chelos e as violas,assim tentei identificar o que estava aconte-cendo... por isso parei de tocar e segui apartitura ouvindo o fio melódico. Observeiuma arcada, que parecia ser o problema,comentei com outros colegas que confirma-ram minhas suspeitas e avisei para a colegasolicitar ao chefe de naipe para modificar. Acooperação dinamiza o nosso trabalho.”

A capacidade diagnóstica e a tomada dedecisão do violinista B interrompe o ciclo derepetições e proporciona o andamento doensaio, resultando em alívio das exigências.

As Interfaces com o Colega

A produção musical conjuga um esforçoindividual e coletivo que tem como meta aharmonização dos sons para a realizaçãoda música. A inserção dessa atividade noquadro de trabalho coletivo se caracteriza

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pelas articulações das relações sociais em umadimensão vertical (os níveis de hierarquia den-tro da orquestra) e em uma dimensão hori-zontal (relação entre os pares, relação den-tro do naipe e relação com os demais naipesde instrumentos da orquestra). Para compre-ender os bastidores dessas relações, faz-senecessário observar as especificidades decada agrupamento instrumental. Na orques-tra observada, o naipe dos violinos repre-senta o agrupamento com mais problemasrelacionais internos (as interfaces com oscolegas). A diversidade do modo operató-rio exemplifica um dos problemas enfren-tados por esses musicistas. O fato de traba-lharem em pares, dividirem o mesmo postode trabalho (a estante com a partitura) e nãopossuírem um posicionamento definido (omaestro determina os pares e a posição nafila) mostra que é necessário um ajuste entreos violinistas, o que exige algumas vezes mu-danças de comportamento para conseguiremexecutar suas tarefas. Durante os ensaios, osviolinistas observados modificaram por vári-as vezes a posição da estante e da cadeira, oque algumas vezes não agradou o colega,pois eles imediatamente mudavam a disposi-ção colocada, demonstrando insatisfação.Através de suas verbalizações podemos com-preender o significado de tais comportamen-tos:

Violinista A “... A localização da cadeira e da partitu-

ra é feita de acordo com a visão, ou seja,precisa ter um equilíbrio visual entre a parti-tura e o maestro. Assim a gente define umponto que é adequado para ambos. Por issoé preciso ter cooperação e jogo de cinturapara se adaptar ao momento. Isso envolvemuita coisa, por exemplo, se o colega esco-lhe os óculos errado, fica difícil da gente seequalizar, o que pode prejudicar o desempe-nho e gerar atritos.”

Violinista B“... quando o colega desloca a estante mais

para o lado dele, perco um pouco o eixo daposição natural com o instrumento e precisocompensar o corpo para poder enxergar. Issogera desconforto. Ah, tem um monte de pro-blema, por exemplo, o colega que senta naminha frente tem um problema visual e aí eleafasta a cadeira dele um pouco o que meatrapalha, mas para evitar qualquer atrito eu

me posiciono mais na lateral quando é pre-ciso. E assim a gente acaba encontrando umaposição para trabalhar.”

Reflexos da Atividade sobre o Corpo

Durante as atividades de trabalho da ópe-ra, o violinista A apresenta sintomas de des-gaste físico, mas esses não se referem aosgrupos musculares diretamente envolvidosnos movimentos exigidos pelo ato de tocar oviolino. Ele queixa-se de rigidez facial e dornas cordas vocais.

“... olha, quando eu fico tenso e preocu-pado num determinado concerto, sempreobservo a partitura e fico imaginando, assimmeio que construindo, sentindo o som aquinas minhas cordas vocais e então extraio osom no instrumento. O comando visual esti-mula todas as outras células do corpo e asfunções de movimentos vão sendo aciona-das de forma sinérgica... o cansaço mentalé grande... depois de cada apresentação daópera, meus músculos faciais estavam meioparalisados de tanta tensão e sentia umairritação na garganta... não conseguia dor-mir direito... o nosso estresse vai muito alémdo momento.” (Violinista A)

O violinista B também apresentou sintomasde desgaste que se referem a grupos muscu-lares diretamente envolvidos nos movimen-tos exigidos pelo ato de tocar o violino. Elequeixa-se de dor nas costas (região dorsal) enos braços (região do tríceps braquial).

“... quando a gente toca muito, claro quea gente fica arrebentado. Depois de uma ópe-ra como esta o corpo sente os reflexos, masnada que um bom descanso não resolva.”

Vemos aqui que tais sintomas se relaci-onam às especificidades das estratégiasoperatórias desenvolvidas por estes músicos.Trata-se de uma configuração instrumentaldo corpo mediada por exigências predomi-nantemente cognitivas da atividade musical,que aciona vários grupos musculares.

Ao desempenhar sua função, cada violi-nista desenvolve competências que articulamde forma simultânea as exigências coloca-das durante o processo de construção da obramusical, o que aciona esforços físicos, cogni-tivos e psíquicos.

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Tocar uma obra musical nova requer doinstrumentista novas representações mentais,as quais precisam ser reestruturadas dinami-camente ao longo do ensaio frente às inter-pretações que vão sendo direcionadas pelomaestro, o que depende do desempenho in-dividual e coletivo. Observa-se que o domí-nio da linguagem musical, ao se interpretar apartitura, representa uma possibilidade deestratégia de regulação individual, uma vezque a interiorização e a memorização dasinformações contidas antecipadamente naspartes musicais (a exemplo do violinista Bobservado) possibilitam ao músico criar re-presentações para as suas ações, permitin-do-lhe uma maior flexibilidade na posturacorporal.

O alto grau de perfórmance exigido na ati-vidade, especialmente pelas determinações domaestro, solicita do músico um total domíniotécnico do seu instrumento e uma interaçãoprecisa com o conjunto orquestral. A pres-são temporal que se coloca ao ato de tocarmuitas vezes leva o músico a ultrapassar seuslimites físicos na tentativa de atingir a perfei-ção exigida. As margens de regulação sãoestreitas e a não execução do prescrito signi-fica transgressão da hierarquia, o que ficouevidente nas verbalizações do maestro duranteos ensaios observados.

A exigência de cooperação entre os músi-cos, face ao caráter coletivo da atividade,requer disciplina em um ambiente marcadopelas diversidades individuais. Lidar com asdiferenças do “fazer” do outro requer que os

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músicos remodelem seus próprios modosoperatórios, incidindo na forma de usar oseu corpo. Tais modificações nem sempre par-tem de uma livre escolha e por isso acabamconsistindo em fatores de insatisfação na ati-vidade de trabalho.

Na arte de fazer música, encontramos umparadoxo na medida em que, de um lado, ocorpo se mobiliza para conseguir sincronia,harmonia e perfeição ao transformar o some, de outro, este mesmo corpo, diante da for-ma como é usado, ultrapassa limites fisioló-gicos se desarmonizando, desgastando-separa conseguir produzir frente às condiçõesde trabalho.

A força instrumental do corpo nas mãosdo músico consiste numa dualidade: uma fer-ramenta produtiva e uma força que podegerar riscos à saúde.

Conclusão

As variações encontradas nos modos ope-ratórios nos indicam que as exigências dodesempenho na atividade de um músico emuma orquestra contém aspectos cognitivos erelacionais fortes e implica em diferentes mo-dalidades de organização das habilidadessensoriais e motoras. As relações que se es-tabelecem entre os músicos e as contingênci-as da atividade traduzem estratégias opera-tórias distintas e formas singulares de uso docorpo. A análise dos processos de adoe-cimento músculo-esquelético entre os musi-cistas deve considerar esses aspectos.

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Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 37-44, 2004 37

O Trabalho no Cultivo Orgânico deFrutas: uma Abordagem Ergonômica

Sandra Francisca Bezerra Gemma1

Roberto Funes Abrahão2

Laerte Idal Sznelwar2

A agricultura orgânica tem sido apontada como uma forma de cultivo sustentável do pontode vista ecológico, econômico e social. No entanto, não se encontram pesquisas sobre arelação saúde-trabalho na agricultura orgânica, não sendo possível afirmar que a elimina-ção dos riscos toxicológicos do sistema convencional seja suficiente para garantir a saúdedos agricultores.Esta pesquisa tem como objetivo principal a compreensão das dificuldades encontradas naexecução do trabalho na produção orgânica de frutas. Para tanto, foi realizado um estudode caso em um sítio de cultivo orgânico de frutas, aplicando o método da Análise Ergonômicado Trabalho (AET). Tarefas manuais freqüentes no cultivo orgânico, como o ensacamento defrutas, executadas sob pressão temporal, podem colocar em risco a saúde dos agricultorespor demandarem esforço físico considerável, posturas desconfortáveis e movimentos repetitivos.

Palavras-chave: fruticultura orgânica, ergonomia, tecnologia adaptada.

The main purpose of this research is the comprehension of the difficulties related to thework on the organic production of fruits. To achieve this subject, a case study wasaccomplished on a ranch dedicated to the cultivation of organic fruits. The ErgonomicMethod derived from the French/Belgium School, which allows the understanding andtransformation of the work through the step by step analysis of actual working conditions,was used as a base to support all the ergonomic analysis of the work performed. It isimportant to emphasize that some of the manual tasks, more often observed on an organicplantation, can expose the workers’ health to several injuries, as they demand considerablephysical effort, uncomfortable postures and repetitive movements that, reinforced by thetiming pressure issue, can generate musculoskeletal problems.Weeding, manual grading and fruits bagging, performed to control pests and diseases,are a good example of these type of tasks.

Keywords: organic fruticulture, ergonomics, adapted technology.

1M. Sc. do Departamento de

Engenharia de Produção daEscola Politécnica da Universidadede São Paulo

2Doutores do Departamento de

Engenharia de Produção daEscola Politécnica daUniversidade de São Paulo

Aspects of the Work on the OrganicFruit Cultivation: an ErgonomicApproach

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38 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 37-44, 2004

Introdução

A agricultura orgânica tem sido apontadacomo uma forma de cultivo sustentável dospontos de vista ecológico, econômico e social(Ehlers, 1999). A importância econômicada produção orgânica é crescente, tendo mo-vimentado no mundo US$ 10 bilhões em1997 e US$ 90 milhões no Brasil, em 1999;a maior parte da produção é do tipo familiar,representando 90% do total (Chaim, 2002;Darolt, 2002; Ormond et al., 2001). Par-tindo de uma visão técnica, econômica e eco-lógica, diversas pesquisas têm sido feitas nestesegmento (Darolt, 2002), no entanto, não seencontram pesquisas sobre a relação saúde-trabalho na agricultura orgânica, não sendopossível afirmar que a eliminação dos riscostoxicológicos do sistema convencional sejasuficiente para garantir a saúde dos agricultores.

A ergonomia fornece elementos para oconhecimento dos riscos envolvidos nas ati-vidades de trabalho, sendo, portanto, de bas-tante valia na agricultura, setor que compor-ta grande variedade de riscos (Alves Filho,1999; Jafry, 2000; Pinzke, 1997; Wisner,1994). Supõe-se que: a gestão da produçãoorgânica seja bastante complexa por envol-ver uma multiplicidade de cultivos; o processode certificação do manejo orgânico tragatarefas adicionais para os agricultores; existafalta de tecnologia específica; e, por últi-mo, que exista um grande número de tarefasmanuais necessárias para substituir o uso deprodutos químicos convencionais e a meca-nização na produção, solicitando um maiornúmero de pessoas.

Diante do exposto, decidiu-se fazer umestudo de caso utilizando o método da Aná-lise Ergonômica do Trabalho (AET) em umaprodução orgânica de frutas do tipo familiara fim de melhor compreender as dificul-dades encontradas na execução do traba-lho, explorando questões ligadas à gestão daprodução, ao processo de certificação, àtecnologia disponível e às tarefas manuais.

Material e métodos

Foi utilizado o método denominado Análi-se Ergonômica do Trabalho (AET), oriundo

da escola franco-belga de ergonomia que sebaseia na análise de situações reais de tra-balho, possibilitando a compreensão e atransformação das mesmas (Guérin et al.,2001).

A pesquisa de campo foi realizada em umaempresa do tipo familiar com 4 hectares deprodução orgânica de frutas, situada emValinhos-SP, na qual trabalhavam dozepessoas (produtores, meeiros, diaristas,entre outros), e contou com as seguintesetapas: coleta de dados gerais da empresa eda população, consulta de documentos,entrevistas abertas e semi-estruturadas,observações diretas, registros através defilmagem e fotos e observações sistemáticasde tarefas específicas.

Resultados e discussão

O principal produto do sítio em questão éa goiaba branca, que corresponde a 29%do volume total produzido, seguida pelo pês-sego, com 16%, pelo morango e pela seri-guela, com 11%, pela goiaba vermelha, com5%, e pelos demais produtos, com 28%.Algumas tarefas fatigantes são realizadas commaior freqüência, como, por exemplo, acapina manual em substituição aos pragui-cidas convencionais. Segundo um dos agri-cultores, há muitas atividades diferentes, oque dificulta o domínio técnico dos cultivos:“[...] não somos especialistas em nada, poistemos que cultivar um grande número devariedades”. Essa variabilidade de cultivosfica evidente ao se constatar que em apenas4ha. de área são produzidos mais de trinta eoito itens de fruticultura e vinte de horticultura.

Com relação à certificação da produção,constata-se o acréscimo de tarefas relacio-nadas: ao destino de resíduos domésticos eda produção; à necessidade de organizaçãoda propriedade, tendo locais específicos paraembalagens e insumos, entre outros; ao con-trole do uso de implementos, como o arado,o que conduz à utilização de descompacta-dores naturais, como a adubação verde; àapresentação de análises de solo periódi-cas; à exigência de preenchimento de relató-rios e planilhas detalhadas; à implantação

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e à manutenção de cerca viva a fim de ofere-cer uma barreira natural para evitar a con-taminação da produção por insumos utiliza-dos pelos vizinhos.

Não existem, no mercado, equipamentos eferramentas apropriados ao manejo orgâni-co, demandando adaptações, como os exem-plos mostrados na Tabela 1 e ilustrados nasFiguras 1, 2, 3, 4, e 5. Vale ressaltar que,muitas vezes, as adaptações funcionam demodo precário, podendo colocar em risco asaúde do trabalhador.

Figura 1 Chorumeira com adaptação em“T” durante pulverização.

Figura 2 Microtrator Tobatta com adapta-ção do bico riscador.

Figura 3 Motoserra adaptada com hélicede barco para mistura de chorume.

Figura 4 Aerador – fermentador adapta-do.

Figura 5 Forno de barro para obtençãode ácido pirolenhoso.

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Tabela 1 Dados referentes às adaptações de equipamentos e ferramentas.

O cultivo orgânico de frutas pressupõe vá-rias tarefas manuais – algumas delas difi-cilmente realizadas no manejo convencio-nal – necessárias para atender às exigênciastécnicas do manejo orgânico. Essas tarefassão derivadas dos procedimentos técnicos –especificados para a produção vegetal – nomanejo e na conservação do solo e da água;no manejo da cultura; na nutrição vegetal; nomanejo de pragas, doenças e plantas in-vasoras; na colheita, no armazenamento, notransporte e na comercialização. Algumasdas tarefas manuais são apontadas comomuito fatigantes pelos agricultores da propri-edade em estudo, tais como a capina e aroçada manual, o transporte de esterco paracompostagem e o ensacamento de frutas.Apesar de a tarefa de ensacar frutos não serexclusiva do sistema de produção orgânico,ela ocorre com bastante freqüência paraatender aos procedimentos técnicos acimaespecificados. Na propriedade estudada, atarefa de ensacar frutas foi destacada portodos os integrantes da produção comodesgastante, exercida sob pressão devidoao tempo em postura desconfortável, mui-

tas vezes durante toda a jornada de tra-balho, com movimentos repetitivos dos mem-bros superiores, freqüentemente mantidosacima do nível dos ombros devido à alturados galhos das árvores. Durante as observa-ções sistemáticas da atividade do ensacamentode frutas, verificou-se que em média sãoensacados de duzentos e cinqüenta a trezen-tos frutos por pé, sendo que em safras ante-riores já se ensacaram mais de quinhentosfrutos. O ensacamento compreende trêsetapas: a preparação, o raleio e o ensa-camento propriamente dito. Durante a ativi-dade, o operador toma decisões quanto:ao modo de “atacar” a árvore de frutas, nestecaso específico, a goiabeira; à quantidadede material a ser utilizado; ao equipamentoque vai ser usado para alcançar as goiabas(gancho, escada ou ambos); e à forma deefetuar o raleio. Ainda é preciso decidircomo resolver os incidentes que ocorrem,principalmente na etapa de ensacamento,dentro do tempo disponível para realiza-ção do trabalho. Esses incidentes podemestar relacionados ao saco de papel utilizadopara ensacar as frutas ou ao grampeador,

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utilizado para o fechamento do mesmo. NaTabela 2 encontra-se uma amostra dos inci-dentes que ocorreram durante oensacamento em 17 minutos de observação.Verificou-se a ocorrência de vinte e um in-cidentes, sendo a “falha do grampeador” o

Tabela 2 Total de incidentes no ensacamento de frutas – 12/08/2003.

incidente mais freqüente. Vale ressaltar quecada tipo de incidente demanda uma açãode recuperação por parte do operador, oque, além de diminuir sua produtividade,exige uma permanência maior em posturasdesconfortáveis.

Devido à altura dos pés de goiaba, o ope-rador raramente consegue ensacar frutas semo uso de equipamento auxiliar, que facilita oalcance das frutas. Além da escada, que pre-cisa ser usada na maior parte do tempo, ooperador utiliza ainda um gancho desenvol-vido e provido por ele para arquear cadagalho, permitindo o alcance das frutas e, aomesmo tempo, mantendo as duas mãos livrespara realizar o trabalho, visto que o ganchoé mantido preso em um dos pés (Figura 6).

Figura 6 Operador usando gancho noensacamento de frutas.

O esforço feito por um dos membros in-feriores, ao sustentar o gancho para mantero galho arqueado, é proporcional ao ta-manho e à espessura do mesmo e à cargaexistente de frutas. O operador refere que“os galhos muito antigos são muito pesados”,o que torna a utilização do ganchodesgastante, ocasionando “fadiga ou dor naperna”. Algumas vezes é necessário que ooperador utilize a escada e o ganchoconcomitantemente para poder alcançartodos os frutos dos galhos mais altos (Figura 7).

Figura 7 Operador usando gancho e es-cada no ensacamento de frutas.

TIPO DESCRIÇÃO DO INCIDENTE TOTAL

1 sacos de papel virados 2 2 sacos de papel descolados 0 3 sacos de papel grudados 2 4 queda de sacos de papel 2 5 travamento do grampeador 2 6 falha do grampeador 1

DATA: 12/08/03HORÁRIO: das 10h30 às 10h47

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Devido à altura das goiabeiras, o opera-dor trabalha a maior parte do pomar utili-zando a escada, o que faz com que ele de-more mais tempo para ensacar e ainda exer-ça um esforço considerável para se manterequilibrado na escada em um terreno cominclinação de 5% a 10%. Além disso, o ope-rador exerce esforço ao subir e descer daescada e ao deslocá-la ao redor das árvorese ao longo do pomar.

As Figuras 8 e 9 mostram cronologicamen-te a postura dos membros superiores do ope-rador durante o ensacamento de goiabas em

função da etapa de trabalho. Observa-se queo operador trabalha a maior parte do tempocom os membros superiores acima do níveldos ombros, sendo que, na Figura 9, arepetitividade de movimentos aparece de for-ma mais acentuada. Essa condição pode re-presentar um risco para a saúde do opera-dor, visto que as posturas desconfortáveis eos movimentos repetitivos são associados aoaparecimento de problemas musculares eesqueléticos (Malchaire, 1998; Pinzke, 1997;Kuorinka & Forcier, 1995).

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PRIMEIRO MINUTO DE TRABALHO (09:50:00 às 9:51:00H)Filmagem dia 19/08/2003 Intervalo - Galho: 9:50:00H às 9:59:32 H

E

D

D

1 9 11 12 18 53 56 57 60

LEGENDA E Membro Superior Esquerdo

D Membro Superior Direito

Acima do nível dos ombros

No nível dos ombros

Abaixo do nível dos ombros

Raleio

Ensacamento

E

D D

Desloca escada Sobe na escada

D

E E

D

Tempo (s)

Figura 8 Cronologia da atividade do ensacamento de frutas (primeiro minuto).

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MINUTO INTERMEDIÁRIO DE TRABALHO ( 9:54:14H às 9:55:14H)Filmagem dia 19/08/2003 Intervalo - Galho: 9:50:00H às 9:59:32 H

D D D

1 15 16 20 22 26 29 34 35 37 38 39 44 48 49 59 60

LEGENDA E Membro Superior Esquerdo

D Membro Superior Direito

Acima do nível dos ombros

No nível dos ombros

Abaixo do nível dos ombros

Raleio

Ensacamento

D

D

E

D

E

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E

DD D D

E

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E

Tempo (s)

Figura 9 Cronologia da atividade do ensacamento de frutas (minuto intermediário).

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Conclusões

A agricultura orgânica compreende ativi-dades complexas relacionadas à variabilida-de de cultivos, à carência de apoio e suportetécnico disponível, levando os agricultores atrabalhar na base de tentativa e erro, à faltade tecnologia apropriada, determinando adap-tações de ferramentas, equipamentos e mate-riais, à utilização de um grande número depessoas para fazer tarefas manuais em substi-tuição ao uso de praguicidas convencionais eà mecanização, à certificação da produçãoorgânica que demanda tarefas adicionais.

Cada tipo de cultivo envolve uma série deetapas e cada uma delas demanda uma am-pla variedade de tarefas. Isso traz uma exi-gência muito grande para os agricultores emtermos de conhecimentos técnicos específicose também na gestão de tantas variáveis daprodução. Na produção orgânica, a pro-priedade deve ser vista de forma sistêmica,sobretudo no preparo do solo e no controlede plantas invasoras, pragas e doenças. Issoacarreta uma necessidade de monitoramentoconstante da produção e a gestão das infor-mações levantadas, sendo mais um fator decomplexidade no trabalho. Algumas dificul-dades relacionadas ao processo de certi-ficação e a sua manutenção também interfe-rem diretamente no trabalho de gestão daprodução orgânica, pois envolvem custos,adequações da propriedade para atender àsexigências das normas e tarefas adicionais,principalmente administrativas.

É importante destacar que algumas das ta-refas manuais que aparecem com maior fre-qüência no cultivo orgânico podem colocarem risco a saúde dos agricultores por de-mandarem esforço físico considerável, pos-turas desconfortáveis e movimentos repetitivos,além da questão da pressão por tempo, quepodem ocasionar o aparecimento de distúr-bios musculares e esqueléticos.

No ensacamento de frutas, por exemplo, aposição e a altura do galho podem determi-nar as posturas físicas desconfortáveis ado-tadas pelo operador, que, mesmo com auxí-lio de equipamentos para alcançar os frutos,permanece a maior parte do tempo com osmembros superiores elevados acima do níveldos ombros. Podas que privilegiem as ne-cessidades da tarefa de ensacamento podemminorar o problema.

A falta de tecnologia apropriada foi evi-denciada pela descrição de muitos equipa-mentos, ferramentas e materiais adaptados.Quanto à carência de estudos e tecnologiaapropriada para o manejo orgânico, suge-re-se que os especialistas técnicos, tanto daárea agrícola quanto da ergonomia, unam-se no desenvolvimento de pesquisas e proje-tos específicos que visem melhorar a condi-ção de trabalho dos agricultores a fim deassegurar que este segmento possa contribuirnão somente para a sustentabilidade da ex-ploração agrícola, mas também para a saúdedos trabalhadores envolvidos.

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Transmissão do Saber Prático: AsDificuldades do Processo Ensino –Aprendizagem em uma CooperativaAutogestionária1

Giovanni Campos Fonseca2

Francisco de Paula Antunes Lima3

Ada Ávila Assunção3

O artigo apresenta uma intervenção ergonômica realizada em uma cooperativa de produ-ção de artefatos de couro e de material sintético, principalmente calçados e bolsas. Focaliza-se o processo de transmissão do conhecimento prático acumulado por um associado dogrupo aos demais integrantes, todos novatos no ofício. Na conclusão, fornecemos elementospara reflexões acerca dos aspectos particulares às intervenções em empreendimentos solidá-rios, quando comparadas às ações ergonômicas desenvolvidas junto a empresas convencio-nais, e os obstáculos encontrados para se viabilizar a autogestão.

Palavras-chave: saber tácito, economia solidária, transmissão de saber prático.

In this paper, we present an ergonomic action in a cooperative of products of leather andsynthetics material, specially shoes and sacs. We focus on the process of tacit knowledgetransmission between an associate expert and the others associates, all of them novices inthis work. In conclusion, we present the basis to compare ergonomic action in cooperativeorganizations and ergonomic action in traditional enterprises, and point out the obstaclesto promote effective cooperative organizations.

Keywords: tacit knowledge, social economics, practical knowledge transmission.

1Artigo apresentado no XIII Congresso

Brasileiro de Ergonomia. Fortaleza,29 de agosto a 2 de setembro de2004. CD-ROM.

2Mestrando do Departamento de

Engenharia de Produção – Escola deEngenharia da Universidade Federalde Minas Gerais.

3Ph.D.’s do Departamento de Enge-

nharia de Produção – Escola deEngenharia da Universidade Federalde Minas Gerais.

Tacit Knowing Transmission: TheDifficulties of the Teaching/LearningProcess in a Self-ManagedCooperative

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Economia solidária:uma alternativa popularde geração de trabalhoe renda

Nos últimos anos, o mundo do trabalhotem passado por mudanças importantes quedeterminam abordagens distintas pelas disci-plinas que se interessam pela saúde do tra-balhador e por outras questões relacionadasao trabalho concreto. A redução do númerode postos de trabalho nas empresas conven-cionais tem levado ao surgimento de iniciati-vas individuais e coletivas de geração de ren-da. Nesse contexto, vêm ganhando destaqueos empreendimentos populares sob forma decooperativas, empresas coletivas, associaçõese grupos de produção que se alinham aosprincípios da economia solidária (sobre odesenvolvimento da economia popular soli-dária no Brasil, ver textos reunidos em Singer,P. & Souza, A. [orgs.], 2000).

Uma análise mais cuidadosa das situaçõesde trabalho nos empreendimentos solidáriosrevela deficiências de naturezas distintas que,somadas, formam um contexto desfavorávelao desenvolvimento dessas iniciativas. Osproblemas enfrentados vão da ausência delinhas de crédito para obtenção de capital degiro e de re-investimento, passando por polí-ticas públicas (que, apesar de serem anun-ciadas como prioritárias pelos governos, ain-da são incipientes), até deficiências deorganização interna e de relacionamentocom o mercado. Em geral, os trabalhadorespossuem habilidades práticas específicas acu-muladas em suas trajetórias profissionais,normalmente relacionadas à execução detarefas de produção, mas raramente pos-suem competências de gestão necessáriaspara o relacionamento interno e para esta-belecer relações com o ambiente externo.

Neste artigo é apresentada uma açãoergonômica desenvolvida junto a uma coo-perativa de produção com o intuito de res-saltar empecilhos para o bom andamentodessas experiências e como a análise ergo-nômica do trabalho pode contribuir parasuperar algumas dessas dificuldades. O ob-jetivo é possibilitar uma reflexão sobre osdesafios encontrados pela economia solidá-ria diante de uma realidade que produz cadavez mais informalidade e precariedade e na

qual começam a surgir alternativas que pro-põem adotar novas formas de organizaçãodo trabalho, como o associativismo. A análi-se ergonômica do trabalho pode dar umacontribuição decisiva para viabilizar esses em-preendimentos autogestionários ao revelar,no trabalho concreto, o que provoca confli-tos e desconfiança entre os associados, emespecial, no caso em estudo, as dificuldadesde aprendizagem de um saber prático em ra-zão de suas dimensões tácitas.

Uma experiência deintervenção junto aum empreendimentosolidário

A situação de trabalho analisada desen-volve-se no interior de uma cooperativa deprodução de artefatos de couro e materialsintético, principalmente calçados e bolsas,situada na região metropolitana de Belo Ho-rizonte. O grupo está em atividade desdeoutubro de 2003 e foi constituído a partir deum projeto de formação de líderes comuni-tários da Secretaria de Estado de AssistênciaSocial (SEAS), desenvolvido na gestãoFernando Henrique Cardoso. O Centro Nacionalde Formação Comunitária (CENAFOCO) foiimplementado em sete regiões metropolitanasdo Brasil (Belo Horizonte, Brasília, Recife, Riode Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória)entre os anos de 2000 e 2002. O público-alvo era formado por jovens e adultos decomunidades que apresentavam alto índicede violência (Pierro, 2003).

Em Belo Horizonte, o CENAFOCO foiimplementado por meio de um convênio quereuniu a SEAS e a Secretaria Municipal deAssistência Social (SMAS), que, por sua vez,estabeleceu parcerias com duas organizaçõesnão-governamentais: a Associação Munici-pal de Assistência Social (AMAS) e a EscolaSindical 7 de Outubro, para a execução doprojeto. O programa de formação incluíacidadania e participação, direitos humanos,meio ambiente, voluntariado, estratégia deação comunitária, elaboração de projetossociais, dentre outros assuntos. Após os seismeses de duração do programa, os partici-pantes, que nesse período recebiam uma aju-da de custo, deviam estar aptos a desenvol-ver um projeto social em suas respectivas

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comunidades. Para isso, o grupo contariacom uma verba disponibilizada peloCENAFOCO no valor de dez mil reais.

Tendo em vista uma oportunidade de gera-ção de trabalho e renda, o grupo se decidiupela constituição de uma cooperativa deprodução. A escolha da atividade a que ogrupo se dedicaria foi influenciada pelaexperiência de dez anos de um dos integran-tes em confecção de calçados e bolsas. Apósa definição da atividade, esse integrante, queaqui será denominado instrutor, assumiu oprocesso de capacitação dos demais associa-dos da Cooperativa, todos novatos no ofício.

Nesse momento, a SMAS solicitou ao Nú-cleo de Estudos sobre o Trabalho Humano(NESTH), ligado à Faculdade de Filosofia eCiências Humanas (FAFICH) da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG), apoiotécnico para constituição dessa cooperativae de três outras que seriam formadas por gru-pos também egressos do CENAFOCO.Diante dessa solicitação, o NESTH convidououtras escolas e grupos de pesquisa da UFMGpara integrar o projeto: a Faculdade deCiências Econômicas, a Faculdade de Direi-to e o Departamento de Engenharia de Pro-dução (DEP) por meio do Laboratório deErgonomia. Essa intervenção conjunta foi umprojeto-piloto para a incubadora de empre-endimentos populares que se encontra emfase de constituição na Universidade.

A intervenção do Laboratório de Ergonomiado DEP iniciou-se na segunda quinzena deagosto de 2003 e identificou dificuldadesconcretas encontradas durante o processo deconstituição do empreendimento. Algumassituações nas quais o DEP contribuiu para atomada de decisão da cooperativa foram asseguintes:

desenvolvimento da estratégia de capa-citação dos associados;

v definição do leiaute da unidade produti-va;estabelecimento de prioridades para in-vestimentos (máquinas, ferramentas, ma-téria-prima etc.);identificação de oportunidades de comer-cialização dos produtos.

Caracterização dosassociados

O empreendimento é composto por onzeassociados: sete mulheres (64%) e quatro

homens (36%). Os dependentes diretos dostrabalhadores e das trabalhadoras totalizamtrinta e uma pessoas que, somadas aos côn-juges e aos próprios associados, perfazemcinqüenta e um beneficiários dos resultadosda cooperativa. Com relação à faixa etária,cinco associados (45%) têm entre 36 e 39anos e seis (55%) têm mais de 40 anos deidade. A formação escolar dos associados éheterogênea: cinco pessoas (45%) não com-pletaram o Ensino Fundamental (antigo 1ºgrau), dois associados (18%) interromperamos estudos após concluírem o Ensino Fun-damental e quatro integrantes do grupo (37%)têm o Ensino Médio (antigo 2º grau) com-pleto.

Observa-se nos dados apresentados que apopulação trabalhadora é composta princi-palmente por mulheres (64%), que a maioriados associados (55%) encontra-se na faixaetária acima dos 40 anos e, no que se refereà escolaridade, também a maior parte dogrupo (45%) não completou o Ensino Fun-damental. Essas características fazem da“aposta” no empreendimento não somenteuma questão de opção do grupo, mas, paramuitos, oportunidade única de acesso aomercado formal de trabalho, normalmentenão receptivo a trabalhadores com esseperfil.

Transmissão do saber prá-tico: uma demanda crucial

Como se desenvolve o processo de ensino-aprendizagem no contexto de um empreen-dimento autogestionário? A formação deadultos traz questões complexas quanto aosaspectos pedagógicos e, no contexto docooperativismo, assume contornos de umdesafio ainda maior. Os empreendimentosautogestionários normalmente já enfrentamuma série de problemas para se consolida-rem, como dificuldades de comercializaçãoe de acesso ao crédito, falta de conhecimen-tos de gestão administrativa e de produção.

Durante o período de capacitação para aprodução, compreendido entre outubro de2003 e janeiro de 2004, os associados daCooperativa dividiram-se em dois grupos quedesenvolviam suas atividades nos períodosdas 7h às 12h e das 13h às 18h. Assim foi

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definido para facilitar o acompanhamentoindividualizado das atividades por parte doinstrutor e porque vários associados tinhamoutras atividades, sejam domésticas ou pro-fissionais.

Partindo-se do princípio de que “a apren-dizagem de uma habilidade prática só podeocorrer por meio da prática e de forma pro-gressiva durante a prática” (Lima, 2000) etendo em vista a necessidade premente degerar receita para o grupo, decidiu-se pelodesenvolvimento do processo de capacitaçãoaliado a um planejamento de produção a sercomercializada, tendo sido planejado inici-almente um lote composto por trezentos pa-res de calçados e cem bolsas. Essa estratégiade transmissão de conhecimento, mesmo sen-do a mais efetiva para a situação, traz consi-go problemas decorrentes do fato dos apren-dizes lidarem com os meios de produção(máquinas, ferramentas e matéria-prima) emsituação real de trabalho. Logo, os desper-dícios de material ou a má utilização dasferramentas e dos equipamentos resultariamem perdas dos já escassos recursos de que ogrupo dispunha. Isso criou uma exigênciaparticular para o processo de ensino/apren-dizagem.

“A dificuldade maior é porque nós estamos,além de capacitando, produzindo. O queexige muita qualidade exige tempo... É muitocomplicado você produzir, fazer aquilo ‘vi-rar dinheiro’ para gerar renda daquilo e, aomesmo tempo, as pessoas estão aprendendopara fazer ‘correto’. Isso é uma coisa muitonova pra elas.” (Instrutor)

A definição dos postos de trabalho e adivisão das tarefas foram se estabelecendolentamente, mais em função da dinâmicaimposta pela atividade coletiva do que porcritérios formalmente definidos. Vale ressal-tar que, até então, o instrutor trabalhavasozinho e que, em função de sua experiên-cia, planejava suas atividades de um modoque seria inviável reaplicar automaticamentepara um grupo de quinze aprendizes. Alémdisso, nem todas as estratégias desenvolvi-das em situação real podem ser explicitadase transformadas em regras a serem seguidaspor outras pessoas. Pode-se dizer, portanto,que se desenvolvem concomitantemente nointerior do grupo dois processos de apren-dizagem: o da produção de calçados e bol-sas e o da produção da autogestão.

Descrição do processode produção

O acompanhamento do período de plane-jamento da Cooperativa (de agosto a outu-bro de 2003) facilitou a aproximação da si-tuação de trabalho. Utilizou-se a metodologiada Análise Ergonômica do Trabalho (AET),cujas ferramentas permitiram não só a me-lhor apreensão dos processos técnicos envol-vidos na produção, mas também uma com-preensão do contexto em que se desenvolviao processo de (ensino-aprendizagem) e dasdificuldades de transmissão do saber práti-co. Pode-se dizer que os observadores ocu-pavam um lugar privilegiado em função daconstrução de uma relação de confiança comos associados.

O estudo ergonômico iniciou-se com a iden-tificação das etapas do processo produtivode calçados, que consiste em: 1) modelagem,2) corte, 3) colagem, 4) pesponto, 5) apara-ção, 6) montagem e 7) acabamento.

Modelagem

Os modelos são a) extraídos de revistasespecializadas ou b) adaptados de produtosvendidos no mercado local (engenhariareversa). Em ambos os casos, a modelagemé feita artesanalmente por meio da confec-ção de um piloto.

Nessa etapa são consideradas questõesestéticas (tendências da moda: modelos ecores) e econômicas (tipo de material, me-lhor aproveitamento da matéria-prima).

Na modelagem são utilizados papelão,papel vegetal, mesa, tesoura, caneta, lápis,régua, esquadro e estilete.

Corte

Para executar o corte, o operador usa mol-des confeccionados a partir do piloto criadona etapa anterior. As peças cortadas sãoagrupadas e encaminhadas à colagem.

Nesta etapa, utilizam-se suporte e lâminade faca, pedra de afiar (ou esmeril), além domolde em papelão, couro ou material sintéti-co, borracha e uma mesa.

Colagem

O operador cola cada peça enviada pelosetor de corte em seu respectivo forro. Os

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adornos também são instalados nesse momen-to: ilhós, pedras, fivelas etc. As peças cola-das são agrupadas e enviadas para opesponto.

O material utilizado na etapa de colagem écomposto por cola, solventes, pincéis, tesou-ras, martelo, turquesa, mesa, bancos, má-quinas de fixar botões e acessórios para oscalçados.

Pesponto

O pesponto (ou costura) reforça a colagematendendo a critérios de resistência e estética.As peças pespontadas são agrupadas eenviadas para a aparação.

Linhas, máquina de costura, tesoura, fitamétrica, agulhas, lubrificantes para as má-quinas e um móvel para organizar as peçassão alguns materiais utilizados nesta etapado processo.

Aparação

Nesta etapa o operador apara as sobras dematerial, como linhas e partes excedentesdo forro. As peças são agrupadas e en-viadas para a montagem.

Na aparação, utilizam-se tesouras, facas,uma mesa e um móvel para organizar o ma-terial.

Montagem

Todas as etapas anteriores foram necessá-rias para a confecção do cabedal (peça docalçado que envolve a parte superior dos pés).As mesmas etapas são seguidas para a con-fecção e o forramento da palmilha (com ex-ceção da palmilha conformada, utilizada emsapatos de salto alto, que não leva pesponto).

Nesta etapa, é feita a montagem do calça-do (cabedal, palmilha e solado). Para issosão utilizados os seguintes materiais: prensa,estufa, fôrma, alicate, turquesa, martelo, pin-céis, lápis “marca-couro”, caneta, tesoura,cola e pregos. Além de uma bancada, umaprateleira e bancos.

Acabamento

Trata-se de uma espécie de controle de qua-lidade. É quando são retirados resíduos decola e linhas e quando são feitos os retoques

finais. O operador monta a caixa (dobra eencaixe) e a identifica (modelo, referência,número, cor). Finalmente acondiciona o cal-çado pronto e o encaminha para o estoque.

Para o acabamento, utilizam-se tesoura,solventes e outros materiais ou ferramentasnecessários para fazer os possíveis retoques.

O processo de produção de bolsas não foidetalhado aqui por ser similar ao da confec-ção de calçados, com exceção da etapa decolagem, que não se aplica a este produto.

As situações deaprendizagem

As observações abertas do desenvolvimen-to do trabalho no interior da cooperativarevelaram que o instrutor ocupava lugar cen-tral no processo produtivo, o que fazia comque a análise de sua atividade possibilitassea compreensão do encadeamento das açõesdos outros trabalhadores e, conseqüentemen-te, um entendimento global do funcionamen-to da cooperativa.

O instrutor precisava lidar com um qua-dro de variabilidade para dar conta dacapacitação desses sujeitos. Cabia a ele, alémde capacitar, coordenar as ações dos asso-ciados, decidir sobre alterações no processomediante situações imprevistas (como emausências de trabalhadores ou falta de ma-téria-prima) e interferir em ações paralelasque deveriam convergir em um dado momen-to. Era o caso da etapa de montagem, naqual cabedal, palmilha e solado precisavamestar preparados para a composição de umapeça única.

O instrutor mantinha “um conhecimento doconjunto da situação, do estado de adianta-mento das tarefas, das diferentes pessoas en-volvidas...” (Guérin et. al., 2001, p. 60).Ele precisava também se antecipar às situa-ções que envolviam risco de perda de maté-ria-prima, como era o caso do vazamentode cola nas áreas externas de calçadosconfeccionados com determinados tipos demateriais que não admitem limpeza comsolventes. Esse trabalhador era ainda res-ponsável pelos contatos com fornecedorese clientes, além de monitorar os filhos quan-to ao horário das refeições, da saída para aescola e de outras questões referentes à suavida pessoal e familiar, uma vez que habita-va um imóvel localizado ao lado da unidadeprodutiva.

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“... olha gente, quando vocês forem mis-turar o solvente na cola, tomar cuidadocom a de PVC porque ela estraga.” (Ins-trutor)“Nunca faça assim, senão vira uma ba-gunça.” (Instrutor, referindo-se à for-ma de organização das grades de cal-çados. Uma grade de calçados é com-posta por quatorze pares de tamanhosvariados.)

Além de convocadas suas capacidadescognitivas, surgiam outras questões de natu-reza afetiva e ética, como o “compromisso”que o instrutor firmou com o grupo acercado sucesso da capacitação e do próprio em-preendimento. Esse trabalhador assumiu orisco de fazer uma “aposta” na constituiçãode uma cooperativa, abrindo mão de um ren-dimento mensal com o qual poderia contarcom mais segurança. Segundo ele, esse fatogerava cobranças de sua esposa quanto àmanutenção do nível de renda da família, ten-do como referência o período em que traba-lhava sozinho. As dificuldades encontradascom os associados e com a produção sempretendiam a fazer com que ele colocasse emquestão a sua decisão:

“Eu até já pensei nisso mesmo: ‘Será quefoi a escolha certa que eu fiz com essa coo-perativa?’. ‘Não seria melhor eu ficar que-brando a cabeça até eu conseguir um sócio etocar [o negócio] do meu jeito?’” (Instrutor)

Situações do cotidiano da produção tam-bém pareciam trazer exigências afetivas de-correntes da relação, às vezes conflituosa,com os associados. Era o caso de ocorrênciasde falhas durante o processo produtivo queo instrutor atribuía à “má vontade” doscolegas.

“Antes tudo saía perfeito, no começotava todo mundo muito ‘chegado’ mes-mo, agora em vez de melhorar estáregredindo. É o mesmo trabalho, repe-te sempre. Muda o modelo, mas nãomuda o modo de fazer. É isso que temque conscientizar... o processo é o mes-mo, por isso é que não tem como ficarerrando. É falta de concentrar naquiloe prestar atenção. Para mim, então, ésó ‘corpo mole’ mesmo.” (Instrutor)

Quando se consideram os processos cog-nitivos implicados na aprendizagem de umahabilidade prática, pode-se compreender queesses problemas têm relação com a memóriade curto e longo prazo e com as diferentesrepresentações do processo em uma fase deconstrução de esquemas mentais, ainda nãosedimentados, por parte dos trabalhadores:

“O... (instrutor) me mostrou, mas euesqueci.” (Associada, a respeito de umajuste na máquina de costura.)

O imóvel de dois pavimentos que abriga acooperativa colocava, ainda, exigências físi-cas em função dos constantes deslocamen-tos necessários ao acompanhamento dasvárias etapas do processo por parte do ins-trutor. Além disso, era freqüente a necessi-dade de ocupar postos de trabalho de outrosassociados para demonstrar como a tarefadeveria ser feita, o que gerava inadequaçõesantropométricas.

A alternativa que sugerimos foi a forma-lização das tarefas passíveis de registro emprocedimentos-padrão, criando condiçõespara que o instrutor pudesse se concentrarem atividades que, de fato, exigissem seuacompanhamento pessoal, atividades quetivessem em seu conteúdo a necessidade realde aplicação de seu conhecimento tácito eque não poderiam ser transformadas emregras. Com isso, esperava-se reduzir onúmero de intervenções, que poderiam serevitadas com tal formalização, criandoinstrumentos de apoio ao trabalho coletivo.

As comunicações doinstrutor

Para compreender as razões das solicita-ções dos associados, foram realizadas obser-vações sistemáticas da atividade do instrutordurante três períodos de uma hora, em dias ehorários distintos. Procurou-se, com isso, obterinformações que contemplassem a variabili-dade das situações de trabalho, variabilidadeque se fez notar pela produção exclusiva demochilas escolares no mês de janeiro, produ-to não previsto na programação inicial, o queevidencia a imprevisibilidade e a sazonalidadedo mercado em que a cooperativa atua. Caberessaltar que as observações abertas foram

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feitas nos meses de novembro e dezembro,quando eram produzidos somente calçadosfemininos em função das festas de final de ano.

Para o registro sistemático das atividadesdo instrutor, foram determinadas seis cate-gorias de classificação das comunicações, asaber:

a) Comercialização: recepção de pedidos,determinação dos preços e dos prazos deentrega;

b) Equipamentos e ferramentas: ajustes ereparos em equipamentos (como máquinasde costura e prensas) e ferramentas (facas,tesouras, alicates, moldes) utilizados no pro-cesso de produção;

c) Matéria-prima: orientações sobre carac-terísticas e localização dos materiais, contro-le e reposição de estoque;

d) Processo produtivo: distribuição de tare-fas entre os operadores e gerenciamento dofluxo da produção;

e) Produto: ação sobre produto acabadoou em processo de produção, como ajustes econtrole de qualidade;

f) Transmissão de saber: ação efetiva juntoa outro trabalhador com o objetivo de orien-tar “como fazer”.

Deve-se ressaltar que as comunicaçõesobservadas aconteciam concomitantemente àprodução, enquanto o instrutor ocupava umposto de trabalho de costura. Para a confec-ção de bolsas e mochilas não é necessária aetapa de colagem. Logo, os postos de traba-lho de costura, ou pesponto, tornam-se gar-galos potenciais, exigindo a mobilização dosoperadores mais experientes a fim de aumen-tar o ritmo da produção.

A classificação das comunicações foi feitaa partir da análise do conteúdo dos diálogosentre o instrutor e os associados. Os resulta-dos são apresentados na tabela a seguir.

Tabela 1 Distribuição do número de ta-refas executadas pelo instrutor em períodosde uma hora, resultado de observações rea-lizadas em dias e horários diferentes.

Análise das interações

A análise dos resultados das observaçõessistemáticas, resumidos na Tabela 1, indicaque o maior número de comunicações re-alizadas pelo instrutor refere-se ao processoprodutivo. Nos períodos 1, 2 e 3 foramobservadas, respectivamente, 20, 21 e 18intervenções no fluxo da produção, o queequivale a 45% das comunicações registradasno período 1, 39% no período 2 e 52% dosdiálogos observados no período 3. As prin-cipais ocorrências são orientações sobre oencadeamento das ações, ou seja, para qualposto de trabalho deve seguir o material queteve uma etapa da produção finalizada, alémde indicações sobre a quantidade de peças aserem produzidas para evitar falta de mate-rial nas etapas posteriores. Nas verbalizaçõesdo instrutor:

“Estão precisando de costas aí atrás?”,pergunta às costureiras referindo-se àparte posterior das mochilas.“Só tem esses dedinhos [denominaçãode peças de mochilas] cortados, trazmais”, solicitando material ao setor decorte.

As comunicações que envolvem a transmis-são de saber totalizaram sete ocorrências noperíodo 1, quinze ocorrências no período 2e cinco ocorrências no período 3, o quecorresponde respectivamente a 16%, 29% e15% das comunicações realizadas pelo ins-trutor em cada período.

A variável tempo não é considerada nestaanálise pelo fato de as comunicações seremtelegráficas (de curta duração). Logo, pode-se atribuir ao tempo os mesmos percentuaisdas tarefas, havendo margem de erro quepode ser considerada inexpressiva para osobjetivos destas observações.

Os resultados das observações sistemáticasmostram que a formalização deve reduzir aquantidade de tarefas realizadas pelo instru-tor. Somando-se as orientações sobre tipo elocalização de matéria-prima às intervençõesno processo produtivo durante as três horasde observação, chega-se a um total de 56%das comunicações realizadas.

Observa-se que as ações mais freqüentesdo instrutor são exatamente aquelas com asquais ele não tem experiência alguma. Ora,

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trabalhando sozinho ele não tinha, obvia-mente, que coordenar atividades de outraspessoas e organizava a matéria-prima daforma como melhor lhe conviesse.

Com base nesta análise, é possível elegero processo produtivo e a matéria-prima, itensprioritários para formalização, donde algu-mas possibilidades de ação podem ser pro-postas:

descrição do processo produtivo deforma a evidenciar o fluxo a ser se-guido, o que deverá possibilitar quecada associado conheça o encadea-mento das etapas de produção.

elaboração de listas de materiais queao mesmo tempo servirão como me-mória técnica dos modelos produzi-dos e possibilitarão o acesso dos as-sociados a informações relativas àmatéria-prima utilizada.

Algumas iniciativas para formalização dosprocessos foram introduzidas pelos própriosassociados. A organização autogestionáriado trabalho parece garantir espaços deautonomia que permitem expressões dacriatividade dos associados. A criação des-ses espaços deve ser estimulada a fim depermitir que as formalizações sejam elabo-radas pelos próprios agentes envolvidos noempreendimento, evoluindo para outrasáreas como, por exemplo, a adoção de ummodelo transparente de balanço financeiro.

o trabalhador do setor de corte escre-veu em retalhos de tecido o nome domaterial para facilitar a identificaçãoquando forem solicitadas peças daque-le tipo. Muitas vezes existem materiaismuito parecidos visualmente, que sãodiferenciados por meio do tato, quan-do é possível ao operador identificar agramatura e a textura de cada um. Asolução encontrada pelo operador di-ficilmente seria conseguida com catá-logos impressos ou com uso de com-putadores, já que nesses casos seriapossível somente a inspeção visual, in-suficiente para a identificação da ma-téria-prima.

Figura 1 Amostras de tecidos com os no-mes dos materiais.

o instrutor, que também é responsávelpela confecção dos moldes e pela indi-cação dos materiais utilizados em cadaproduto, anotou nos moldes o númerode peças e o tipo de material que deveser utilizado para facilitar a etapa de corte.

Figura 2 Moldes com anotações que orien-tam a produção.

a trabalhadora que organiza o almo-xarifado cortou retalhos de tecido e crioucódigos por cores e tipos de materialpara facilitar a procura em estoque nomomento das requisições para a pro-dução.

Figura 3 Amostras de matérias-primas comos respectivos códigos para facilitar a gestãodo estoque.

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Conclusão

Os resultados obtidos com a análiseergonômica do trabalho permitem esclareceralgumas dificuldades que já havíamos cons-tatado em cooperativas e em outras empre-sas autogestionárias: os conflitos entre os as-sociados, inviabilizando o desenvolvimento deuma gestão transparente e da autonomia in-dividual e coletiva. Retomamos aqui apenasum dos problemas detectados nesta coope-rativa de calçados e bolsas. Uma das fontesde conflito eram os “erros” dos aprendizesque levavam a perdas de produção e à bai-xa qualidade. Para evitar isso, o instrutorexercia uma vigilância constante, nemsempre possível dado o leiaute (produçãodistribuída em dois andares) e as tarefassimultâneas das quais ele próprio devia seencarregar. Para ele era incompreensível queum colega conseguisse fazer certo uma veze, logo em seguida, repetisse a mesmapergunta ou cometesse “erros”. Sua conclu-são era de que só poderia ser má vontade(“corpo mole”), o que justificativa a suadescrença no projeto da cooperativa.

No entanto, podemos, após essas análises,explicar esses problemas e conflitos de outromodo. Há várias explicações para os “erros”dos aprendizes. O que parece ser incom-preensível (e imperdoável, aos olhos doinstrutor) é que alguém piore seu desempe-nho, tendo feito certo uma primeira vez. Ora,da perspectiva do domínio de uma habilida-de prática, isso se explica pela nãolinearidade do processo de aprendizado: umsaber prático não se adquire, de modo

consolidado, de um só golpe. De início, oaprendiz consegue fazer, sem saber como epor que obteve sucesso. Apenas mais tarde éque o procedimento se cristaliza e, em parte,toma-se consciência, que surge somente apósa capacidade prática.

Do mesmo modo, quando o instrutor dizque não se justificativa o erro porque era amesma coisa, apenas mudava o produto, estáquerendo que os aprendizes formulem gene-ralizações que ainda não são capazes defazer, seja porque ainda não dominampraticamente todos os passos de uma dadatarefa, seja porque ainda não formulamconscientemente certas formas de fazer emregras práticas conscientes.

Diante dessa obscuridade dos processos deaprendizagem, não é difícil entender as ra-zões dos conflitos entre os cooperados e porque, tal como encontramos em outras situa-ções, criam-se clivagens no grupo, separan-do o “nós” e o “eles” (normalmente aquelesque assumem a direção dos negócios). A ten-dência natural é que esses conflitos objetivoslevem a uma psicologização das relaçõesinterpessoais, sendo os problemas, então,explicados a partir de traços de personalida-de ou em termos morais (“má vontade”). Esteé um dos maiores obstáculos ao desenvolvi-mento autêntico da autogestão: o desconhe-cimento da atividade de um outro. A análiseergonômica do trabalho, ao revelar as difi-culdades inerentes ao processo de ensino-aprendizagem de um saber prático, contri-bui para a intercompreensão e, desse modo,para a viabilização da gestão coletiva da pro-dução.

Referências Bibliográficas

GUÉRIN, F. et al. Compreender o Trabalhopara Transformá-lo. São Paulo: EdgardBlücher, 2001.

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PIERRO, M. (coord.) Seis Anos de Educa-ção de Jovens e Adultos no Brasil: OsCompromissos e a Realidade. São Paulo:Ação Educativa, 2003.

SINGER, P. & SOUZA, A. (orgs.) A Econo-mia Solidária no Brasil: A Autogestãocomo Resposta ao Desemprego. São Pau-lo: Contexto, 2000.

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Três Lições do Professor Wisner1

Leda Leal Ferreira2

Estou muito feliz por poder participar desta homenagem ao Professor Wisner e agradeço aosorganizadores do colóquio o seu convite.

Desde que tomei conhecimento do tema do encontro – Alain Wisner e as tarefas do nossotempo – fiquei me perguntando qual poderia ser minha contribuição. Pedi auxílio a FrançoisDaniellou, mas quero adiantar que não segui sua sugestão. Ele me propunha falar do papel doprofessor no desenvolvimento da Ergonomia nos chamados países em desenvolvimento indus-trial, os PVDI, provavelmente com o intuito de homenagear o grande trabalho que há décadaso professor faz fora da França, em vários países do mundo, em particular no meu, o Brasil. Sea idéia de realçar o papel de Wisner no desenvolvimento da Ergonomia além França é alta-mente louvável e meritória, declaro-me incompetente para realizá-la.

Primeiro porque não acredito que haja uma unidade chamada PVDI. Brasil e Índia são paísesprofundamente diferentes, tão diferentes quanto México e China, por exemplo, embora todossejam chamados de PVDI. O próprio professor compartilhava esta idéia quando escreveu (1),em 1985, que “a ambição de tratar de ergonomia em PVDI não é razoável”, dando como umdos motivos a ambigüidade do conceito e um argumento irrefutável: os PVDI se referem a trêsquartos dos países do mundo, o que representa, em números atuais, cerca de 4,5 bilhões deseres humanos. Acredito até que seria bem mais fácil falar da Ergonomia nos países in-dustrializados, mas acho que talvez ninguém se habilitasse a tanto pelas dificuldades de encon-trar um denominador comum entre as escolas japonesas, norte-americanas, italianas e alemãs,apenas para citar alguns países que me vêm à memória.

Segundo porque também não acredito que haja uma unidade chamada Ergonomia. Desdesua criação, a Ergonomia sempre sofreu de uma crise de identidade. Conta Kuorinka (2) queos participantes dos primeiros encontros para a criação da International Ergonomics Association,logo após a Segunda Guerra Mundial e no seio dos programas de recuperação da Europa doPlano Marshall, em particular dos da Agence Européenne de Productivité, tiveram grandesdiscussões para se acertarem sobre a denominação da nova disciplina, até optarem pela neu-tralidade da palavra grega “ergonomia”, já utilizada pelos ingleses. Para a nova associaçãofoi proposto, por exemplo, o nome de International Association for Biological Sciences ofHuman Work e os alemães e os franceses pareciam preferir biotecnologia à ergonomia. Essadiscussão em relação ao nome da disciplina permanece: a maior associação de ergonomistasdo mundo, a norte-americana, chama-se até hoje Human Factors e só a partir dos anos de1990 acrescentou (e não trocou) Ergonomics ao seu nome, tornando-se a Human Factors and

1Tradução da apresentação

realizada no Colloque Alain Wisneret les tâches du notre temps(9 e 10 de março de 2001, emAix-en-Provence, França),publicada em francês porDuraffourg & Vuillon (2004).

2Doutora em Ergonomia pela

Universidade Paris XIII,pesquisadora da Fundacentro.

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Ergonomics Society. Já a tradicional Ergonomics Society inglesa anuncia que pretende acres-centar Human Factors à sua denominação. E até hoje as denominações Engineering Psychologyou Human Engineering convivem e se confundem com a Ergonomia nos Estados Unidos. Semfalar na Ergologia japonesa.

Não é apenas uma questão de nomenclatura que está em jogo, mas de diferentes concep-ções em luta, aflorada pela questão da nomenclatura. Prova disso são as várias definiçõespropostas para a disciplina ao longo da sua curta existência. Algumas delas são tão longasque mais parecem ementas de cursos.

Acredito que uma de nossas tarefas atuais seja a de contar melhor a história desta disciplina,procurando esclarecer por que ela surgiu, quem foram seus precursores, onde trabalharam, oque fizeram, quais foram seu objetivos. Esta parece ser uma preocupação que se difunde, poiscomeçam a aparecer referências históricas a momentos da vida de associações nacionais e daIEA. Que sejam bem-vindas! Talvez assim possamos encontrar explicações para os problemasque assolam a Ergonomia atual, que a meu ver sofre de um inchaço desproporcional, com orisco de se transformar em uma bolha vazia, e encontrar algumas perspectivas de mudança.

Assim, abandonei a sugestão de meu amigo François e comecei a remexer minha memória.Sempre estive consciente do papel de Wisner na minha história, pessoal e profissional. Quan-do ele me acolheu no então Laboratoire de Physiologie du Travail et d’Ergonomiet du CNAMda rue Gay-Lussac, em 1977, ofereceu-me não só uma profissão como uma grande amizade,o que jamais se esquece. Mas nunca tinha feito o exercício mental de procurar sistematizar assuas influências e as lições que dele aprendi.

O que trago como contribuição é a síntese dessa reflexão na forma de lições que aprendicom o professor. Embora pessoal, esforcei-me para dela tirar elementos mais gerais parasubmetê-los à discussão. É que acho que as “três lições” do professor Wisner continuam maisvivas do que nunca e podem nos ajudar, como propõe este colóquio, nas nossas tarefas dopresente. E isso não se limita ao campo da Ergonomia stricto sensu, nem a um tipo de país. Aslições do professor ultrapassam a disciplina e alcançam um campo muito maior, o do trabalhohumano. No Brasil, médicos e paramédicos, Engenheiros, psicólogos e antropólogos conhe-cem e se referenciam nas obras sobre Ergonomia do professor e também sobre a suaAntropotecnologia. E aqui na França é um Laboratório de Ergologia que nos acolhe para esteevento.

1 Colocar o trabalho no centro das preocupações

Tive a sorte de estar no Laboratoire d’Ergonomie do CNAM em uma época de apogeu(1977-1980). Eu vinha de um país que vivia uma ditadura militar, com sérias restrições aqualquer atividade organizada, principalmente a política e a sindical. Apesar de recém-forma-da na melhor faculdade de Medicina de meu país, cujo nível técnico e científico nada deixavaa desejar em relação às melhores do mundo, a formação que tive em Medicina do Trabalho foipraticamente nula. O trabalho não era, como, aliás, continua não sendo, uma preocupaçãodos médicos, mesmo os do trabalho (e acho que este diagnóstico não se restringe ao Brasil...).Eu me perguntava como era possível ignorar uma parte tão importante da vida, a que passa-mos trabalhando, quando fazíamos os nossos diagnósticos e essa curiosidade me fez procu-rar, fora da faculdade de Medicina, uma possibilidade de conhecer um pouco o mundo indus-trial. Consegui então realizar um estágio no Serviço de Medicina do Trabalho da maior fábricade automóveis da América Latina: a Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, quetinha, em meados dos anos de 1970, quase 40 mil trabalhadores. Cada um de seus galpões,incrivelmente barulhentos e poluídos, empregava milhares de operários que disciplinadamentefundiam, forjavam, prensavam, usinavam e montavam milhões de carros. Eu me sentia com-pletamente despreparada até para entender o que acontecia ali. Faltavam-me instrumentos

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conceituais para orientar o meu olhar, particularmente para observar e entender no que con-sistia o trabalho daqueles operários e operárias. A equipe de médicos era tosca e, por melho-res que fossem suas intenções, também não entendia do trabalho e tinha sérias limitações deações. Esse estágio foi decisivo na minha orientação profissional: decidi estudar o trabalho eseus efeitos na vida dos homens. Mas não sabia muito bem como começar.

Assim, foi com a maior satisfação que encontrei em Paris, em um ambiente universitário doprimeiro mundo, a questão do trabalho como centro das preocupações, motivo de cursos e depesquisas. Penei um pouco com a língua, tive que me habituar com os hábitos estranhos dosfranceses e com o seu modo peculiar de raciocinar. Mas absorvi como uma esponja as discus-sões que se faziam em torno de conceitos inteiramente novos, como “situação de trabalho”,“trabalho real”, “trabalho prescrito”, “atividade” e “tarefa”. E a obrigação de ir a campo,realizar o famoso trabalho prático, o “TPB”, era instigante e desafiadora.

Naquela época, o Laboratório era um centro efervescente e não tenho dúvidas de que opapel de Wisner como seu diretor foi fundamental para criar e manter essa efervescência. Aocolocar o trabalho como tema central, o professor abria e estimulava um mundo de possibili-dades, de toda sorte.

Do ponto de vista temático, alguns pesquisadores seguiam vias que poderíamos chamar de“micro”, preocupando-se em elaborar métodos e técnicas para estudar determinadas particu-laridades do comportamento humano em situação do trabalho; várias contribuições de mem-bros do Laboratório, pela sua importância, fazem parte do conhecimento universal sobre ohomem em situação de trabalho. Em particular, relembro os estudos sobre os operários e asoperárias “OS” (3), desenvolvidos por vários pesquisadores, entre eles Catherine Teiger, AntoineLaville, Jacques Duraffourg e Jeanne Marcellin, e o estudo com as telefonistas, de DominiqueDessors. Suas análises continuam atualíssimas e acho que podem contribuir muito para anossa compreensão do fenômeno atual das temíveis “Lesões por Esforços Repetitivos”, que têmassolado cada vez mais trabalhadores, dos mais diversos ramos profissionais, em todos ospaíses. E foram os estudos pioneiros de Jean Foret sobre o sono de trabalhadores em turnosque me estimularam a fazer a minha tese de doutorado.

Outros optavam por uma visão mais “macro”, com a preocupação de incorporar temas maissociais aos métodos de intervenção. Refiro-me ao trabalho contínuo e persistente de elaboraçãoe desenvolvimento do método da Análise Ergonômica do Trabalho e também aos trabalhos quederam origem ao Cours d’Action, de J. Theaureau e L. Pinsky.

No entanto, apesar dessa diversidade, não tínhamos em absoluto uma visão caótica, e maisuma vez destaco o papel do professor como o grande articulador dos pontos de vista particu-lares. Lembro-me particularmente dos seminários que organizava: momentos de integração,discussão e esclarecimentos entre diferentes abordagens e temáticas a partir da análise desituações concretas.

Colocar o trabalho como centro também exigia decisões políticas para dar voz a váriasclasses e grupos sociais. O trabalho não é um objeto neutro de pesquisa e todos nós sabemoscomo são diferentes as análises do trabalho conforme são feitas pelos dirigentes, os técnicos ouos próprios trabalhadores. A sensibilidade de Wisner proporcionou uma convivência no Labo-ratório entre dirigentes sindicais de diferentes centrais, profissionais de empresas e técnicos dediferentes especialidades e de diversas correntes políticas. Havia debates acalorados, posiçõesopostas que se manifestavam. Mas isso não era um problema e sim um sinal de vida.

Além disso, o professor não queria se limitar a uma visão francesa do mundo do trabalho:vivendo na França, convivi com colegas argelinos e canadenses. Conheci as inquietações deum professor vietnamita que procurava soluções para amenizar os efeitos do trabalho sob solem um país recém-saído de décadas de guerra e por ela arrasado e assisti às brilhantes, masinfelizmente últimas, palestras do professor russo Ochanine, discorrendo animadamente sobresuas “imagens operatórias”. Esse convívio internacional se intensificou nos anos seguintes ecriou vínculos importantes entre pesquisadores de várias partes do mundo.

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Assim, a primeira lição que guardei de Wisner foi a de que é possível e vale a pena colocaro trabalho no centro do debate científico.

Mais do que nunca é preciso lembrar desta lição.Estamos vivendo uma época em que há um esforço enorme das “intelectualidades” em

esvaziar o peso do trabalho no mundo – o falacioso discurso sobre o fim do trabalho –acompanhado, na prática, de uma desvalorização do trabalho real, aprisionado em prescri-ções com pretensões universais: o que é exaltado é o trabalho morto, “procedimentalizado”,na esteira do que é preconizado pelas grandes firmas de consultoria internacional e aprovadopelos organismos de normatização, que adquirem cada vez mais força e se tornam cada vezmais pretensiosos e audaciosos.

Nesse sentido, a International Organization for Standardization, mais conhecida comoISO, tem tido um papel negativo com a imposição de suas normas ditas de “qualidade total”(as famosas normas ISO da série 9000) a empresas de todo o mundo. Não estou falandoapenas em teoria. A penetração das normas ISO é uma realidade no Brasil, um dos paísesonde o número de certificações é um dos maiores do mundo. O que tenho visto, a partir demeus estudos, é uma prática duplamente prejudicial: por um lado, é enganosa: os certificadosISO, embora apenas certifiquem “sistemas de gestão” com toda a ambigüidade que isso signi-fica, são vistos e vendidos como sistemas de qualidade total, incluindo a qualidade de produtose serviços, o que não é verdade. Por outro lado, o processo de certificação é extremamenteansiogênico para os “cadres” e, sobretudo, para os trabalhadores. Multiplicam-se as horas detrabalho para se elaborar os tais “procedimentos operacionais”, a papelada, os micro e ultra-rápidos “treinamentos” e, sobretudo, os controles. Controles explícitos, como o de responsabi-lizar os trabalhadores por “não seguir os procedimentos operacionais” em caso de qualqueranormalidade, e os controles mais sutis, autocontroles, que criam um clima de insegurança edesconfiança entre colegas. Muito mais que uma solução, considero os programas ditos de“qualidade total” um problema a ser encarado por nós quando estamos realizando uma Aná-lise Ergonômica do Trabalho, como uma “contrainte” a mais, a aumentar a penosidade dotrabalho e a contribuir para sua intensificação. Acho mesmo que a comunidade científicainternacional ainda está devendo à sociedade uma análise crítica dos resultados dessas práti-cas do ponto de vista dos trabalhadores.

É avassalador o poder dessas idéias e dessas práticas “procedimentalizadoras”, a tal pontoque em vários congressos de Ergonomia, nacionais e internacionais, tem sido aceito, até comregozijo, um discurso laudatório sobre elas. Aumentam a cada ano as comunicações agrupa-das sob o nome de ODAM (Organizational Design and Management) e perde-se, cada vezmais, o limite entre as especificidades das diferentes disciplinas e a precisão das análises.

Ao mesmo tempo, e significativamente, aumenta a distância entre institutos de pesquisa eorganizações de trabalhadores. São raríssimas as instituições que oferecem, como fazia oLaboratório de Wisner, espaço e condições para os sindicatos se expressarem. É até possívelse sair de um congresso de Ergonomia sem ter ouvido uma única vez a palavra trabalhador,muito menos sindicato. Perdemos muito com isso.

2 Respeitar a inteligência dos povos

Nos anos em que conheci Wisner, ele ainda não falava de Antropotecnologia, mas não ésurpreendente que seu percurso tenha passado da Ergonomia para a Antropotecnologia.

Em uma entrevista com ele, em São Paulo, em 1998, perguntei-lhe sobre as diferenças entreas duas abordagens. Ele discorreu longamente, mas o que retive pode ser sintetizado assim:enquanto a Ergonomia está baseada nas ciências do homem individual – Fisiologia, Psicologia,Antropometria – a Antropotecnologia se preocupa com as ciências do homem coletivo – Eco-nomia, Antropologia, Geografia, História. Isso porque as questões que as duas se colocam são

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diferentes: para a Ergonomia, como adaptar o trabalho ao homem, e para a Antropotecnologia,como adaptar a tecnologia aos povos. Em comum nas duas abordagens, o interesse pelotrabalho e a orientação de se observar como os homens trabalham, compreender o que fazemno seu trabalho para entender as origens de suas dificuldades.

Se Singleton (4) dizia que para entender o homem é preciso conhecer o seu trabalho – “Eume ocupo de psicologia fundamental, é por isso que vou aos locais de trabalho” – Wisneracrescenta que é necessário ultrapassar as fronteiras nacionais e partir para o mundo.

Dos seus primeiros aos últimos textos, vemos suas preocupações se alargarem e ampliaremem diferentes direções.

No campo das idéias, ele tem acompanhado o espantoso crescimento, nas últimas décadas,das ciências do cérebro e das ciências cognitivas. Em uma de suas palestras em São Paulo,confessou a um público de estudantes ter sido obrigado a reaprender inúmeras vezes aNeurofisiologia, tendo que esquecer várias coisas que eram consideradas paradigmas porqueelas estavam erradas. Mas ele também tem seguido o que tem sido feito em Antropologia nomundo em suas vertentes cognitiva, cultural, psicológica.

Suas fichas de leitura, com resumos ou traduções integrais para o francês de textos impor-tantes de autores não franco-fônicos, abriram a possibilidade para muitos de se encontra-rem com outros pensamentos e redescobrirem autores importantes – Vygotsky, por exemplo–, mas pouco conhecidos. Concebidas pelo professor como instrumento pessoal de trabalho,decidiu ele publicá-las e torná-las disponíveis em primeiro lugar aos seus alunos, que freqüen-tavam os Seminaires d’Anthropotechnologie, e em seguida a um público mais amplo. Elas sãoacompanhadas de interessantíssimas observações pessoais do professor e muitas vezes cons-tituem diálogos calorosos com os autores.

A mesma curiosidade que tem pelas novas idéias, o professor tem pelos diferentes povos e otestemunho que posso lhes dar diz respeito ao meu país.

É do conhecimento geral o amor que o professor tem pelo Brasil, para o qual já viajoudezenas de vezes nos últimos trinta anos, mais particularmente desde 1974. Nessas viagens,ele conheceu várias de nossas cidades, da efervescente São Paulo, com seus 10,5 milhões dehabitantes, a pequenas cidades do Sul e do Nordeste e muitos de seus habitantes. Certamenteconhece mais de nosso país do que muitos brasileiros. Jamais, porém, arvorou-se o direito denos ditar regras. Ao contrário, confessava a sua ignorância à medida que ampliava o conhe-cimento que tinha de nós. Nunca foi daqueles que chegam, pontificam e vão embora, comoacontece com a maioria dos estrangeiros que nos visitam. Sempre trabalhou muito e incansa-velmente com seus alunos – foram mais de trinta os brasileiros que se diplomaram no CNAM– e com os alunos de seus alunos brasileiros, e por isso criou uma Escola de Ergonomia noBrasil, reconhecida por todos, mesmo pelos que não compartilham de suas idéias. Há núcleosdessa Ergonomia nas principais universidades públicas brasileiras: na Universidade de SãoPaulo (USP), com Laerte Sznelwar; na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comMário Vidal; na Universidade de Brasília (UnB), com Júlia Abrahão; na Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG), com Francisco Lima e Ada Assunção; e na Universidade Federal deSanta Catarina (UFSC), com Neri dos Santos.

Esse respeito à inteligência dos povos é a segunda grande lição do professor Wisner.Também ela anda meio esquecida, muito pela pressa dos atuais, que torna tudo superficial.

É preciso tempo para se dedicar às pessoas e às suas idéias, para ouvi-las e trabalhar juntocom elas, desenvolvendo as suas potencialidades e respeitando suas inteligências. Ou, naspalavras do talvez maior escritor da língua portuguesa, Antonio Vieira, referindo-se às gentesbrasileiras nos idos do século XVII, “para se aproveitar e lograr o trabalho, há de ser comoutro trabalho maior, que é assisti-lo: há de assistir e insistir sempre com eles, tornando atrabalhar o já trabalhado e a plantar o já plantado e a ensinar o já ensinado, não levantandojamais a mão da obra, porque sempre está por obrar, ainda depois de obrada.” (5)

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3 Solidariedade

Deixei para o fim a última, mas talvez a mais preciosa lição de Wisner: a solidariedade.Cheguei à França “sem lenço nem documento”. Meu marido era exilado político e eu tinha

sido obrigada a viver um ano na clandestinidade no meu país. Recém-formada em Medicina,nunca tinha ouvido falar de Ergonomia. Cheguei ao Laboratório por indicações do professorPhilbert, da Faculdade de Medicina, um dos muitos que procurara a partir de indicações deamigos e com o auxílio da lista telefônica. No nosso primeiro encontro, logo após ouvir minhabreve história, o professor Wisner me abriu as portas do curso de Ergonomia e me deu todo oapoio de que precisava. E não parou aí. Sempre, durante toda minha estadia em seu país, eleme deu mostras de solidariedade e afeto, nos bons e nos maus momentos por que passei,inclusive me abrindo as portas de sua casa e apresentando-me Jeannine, que se tornou umagrande amiga.

Não fui a única a ser premiada por esta generosidade. Wisner se preocupava com todos osseus alunos e colaboradores e fui testemunha disso nas incontáveis conversas que tive com elesobre as dificuldades por que passavam uns e outros e que ele prontamente se dispunha aajudar.

Sem a solidariedade de Wisner, certamente não estaria aqui.Colocar o trabalho no centro das preocupações, respeitar a inteligência dos povos e exercer

a solidariedade: foram essas as principais lições do professor Wisner.Mais do que lições, elas representam um programa generoso, atual e de longo prazo, que vale

a pena ser desenvolvido e continuado.A situação urge. Nunca se trabalhou tanto no mundo – somos quase 3 bilhões de trabalha-

dores. E também nunca se sofreu tanto no trabalho, seja pelos seus excessos ou pela sua falta.Os próprios organismos internacionais o reconhecem.

A Organização Internacional do Trabalho – OIT – e a Organização Mundial da Saúde –OMS –, em um documento conjunto escrito em fins de 1999 (6), traçaram um quadro extre-mamente preocupante da situação mundial. Embora admitindo a dificuldade de se fazer esti-mativas devido à falta de informações confiáveis – na América Latina, por exemplo, pareceque “menos que 5% dos acidentes e doenças do trabalho sejam registradas” (sic) –, os doisorganismos apresentam as seguintes estimativas mundiais:

– 250 milhões de acidentes de trabalho a cada ano, levando a 300 mil mortes (o equivalen-te a mortalidade mundial por malária);

– 1,1 milhão de mortos por ano em decorrência de doenças ou acidentes do trabalho;– 160 milhões de novos casos de doenças relacionadas ao trabalho por ano;– cerca de metade dos trabalhadores em países industrializados sofrendo de stress psico-

lógico por sobrecarga de trabalho;– acesso restrito a serviços de saúde adequados: apenas 5% a 10% dos trabalhadores em

países em desenvolvimento e 20% a 50% nos países industrializados têm acesso a serviços desaúde adequados. Nos Estados Unidos, por exemplo, 40% da força de trabalho dos 130milhões de trabalhadores não têm esse acesso.

O relatório enfatizava que a “globalização” poderia aumentar bastante o número de do-enças e acidentes do trabalho no próximo século, pois as pressões pela desregulamentação depadrões básicos de saúde e segurança estão aumentado. Dizia o Dr. Helmer, da OMS: “Parareduzir custos, as indústrias e seus problemas ocupacionais estão sendo transferidos para ospaíses em desenvolvimento, que representam 75% da força de trabalho global”, e onde ossalários são mais baixos e os cuidados de saúde e segurança mais precários, quando existem.

O problema está posto. Exige um esforço enorme das nossas inteligências e vontades paraajudar a resolvê-lo. Qual é nosso papel nesta empreitada? Quais são nossas prioridades? Quequestões estão a exigir nossos esforços intelectuais para serem, não digo respondidas, mas

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1- WISNER, A. Ergonomia nos Países em De-senvolvimento. Ação Ergonômica, vol. 1,nº zero, p. 51 (texto da conferência pro-nunciada no IX Congresso da IEA traduzi-do do francês e publicado na Ergonomics,28, 8, 1213-1224 sob o título Ergonomicsin Developing Countries).

2- KUORINKA, I. – The IEA Gets Organised:the General Assembly as Governing Body,1961-1976. Ergonomics International.News and Information, March 2000.

3- Refiro-me a algumas das publicações doLaboratoire dos anos de 1970, publicadascomo apostilas, entre elas: Conditionsde travail des femmes O.S. dans laconstruction électronique, de A. Laville, E.Richard e A. Wisner; Conséquences dutravail répétitif sous cadence sur la santédes travailleurs et les accidents, de A.Laville e J. Duraffourg, de 1972; Tâchesrépétitives sous contrainte de temps etcharge de travail – étude des conditionsde travail dans un atelier de confection,de C. Teiger, A. Laville e J. Duraffourg,1973; Renseignements téléphoniquesavec lecture de microfiches sous contraintetemporelle. Analyse des exigences du

Notas

travail et de leurs conséquences physio-logiques, psychologiques et sociales, deC. Teiger, A. Laville, D. Dessors e C.Gadbois, de 1977; Étude comparatived’ouvriers de 40 à 45 ans travaillant dansdeux ateliers de l’industrie automobile, deJ. Marcelin e M. Valentin.

4- Citado por Wisner em Quando voyagentles usines, essai de anthropotecnologie.Paris: Syros Collection, Atelier Futur,1985.

5- VIEIRA, A. Sermão do Espírito Santo, pro-nunciado em 1657 na Igreja da Compa-nhia de Jesus, em São Luís do Maranhão.Sermões, Tomo I, Alcir Pécora (org.). SãoPaulo: Hedra, 2000.

6- Ver especialmente o Communiqué dePresse OMS/31 de 8/6/99, intitulado Lacharge des maladies professionnelles:mise en garde de l’OMS et de l’OIT(www.who.int/inf-pr-1999/fr/cp99-31.html) e o documento, também da OMS,Occupational Health, Ethically Correct,Economically Sound, nos Fact Sheet nº84, revised June 1999 (www.who.int/inf-fs/en/fact084.html).

colocadas? Com quem devemos estabelecer alianças para que nossos esforços sejam maisprodutivos?

Enfim, o que devemos fazer para seguir as lições do professor Wisner e poder repetir, juntocom ele e com orgulho, nous sommes les gens du travail?

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1 Instrução aos autores

1.1 Objetivo e política editorial

A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) é uma publi-cação científica da FUNDACENTRO que se destina à divulgaçãode contribuições escritas na área de segurança e saúde do traba-lho e/ou das relações entre segurança e saúde do trabalho e omeio ambiente.

As opiniões emitidas pelos autores são de sua inteira responsabi-lidade.

A publicação de artigos que trazem resultados de pesquisasenvolvendo seres humanos está condicionada ao cumprimentode princípios éticos e ao atendimento das legislações pertinentes aesse tipo de pesquisa no país em que foi realizada.

A reprodução total ou parcial dos artigos publicados é permitidamediante menção obrigatória da fonte e desde que não se destinea fins comerciais.

1.2 Normas de publicação

1.2.1 Modalidades de contribuições

Serão aceitas contribuições escritas para as seguintes modalida-des:

a) Artigo: contribuição destinada a divulgar resultados de pes-quisa de natureza empírica, experimental ou conceitual (até 56.000caracteres, incluindo espaços, mas excluindo tabelas, figuras ereferências).

b) Revisão: avaliação crítica sistematizada da literatura sobredeterminado assunto (até 56.000 caracteres, incluindo os espa-ços).

c) Resenha: relato de livro relacionado ao campo temático darevista, publicado nos últimos dois anos (até 11.200 caracteres,incluindo os espaços).

d) Carta: texto que visa discutir artigo recente publicado narevista (até 5.600 caracteres, incluindo espaços).

e) Nota: relato de resultados parciais ou preliminares de pesqui-sas relacionadas com a área temática da revista (até 5. 600caracteres, incluindo os espaços).

f) Opinião: parecer pessoal ou de um grupo sobre tópicoespecífico em saúde e segurança do trabalho.

g) Tradução: versão para o português de artigo ou revisão, derelevada importância, já publicado em outro idioma que não oespanhol, com a devida anuência do(s) autor(es) ou de quemdetêm seus direitos autorais.

2 Processo de julgamento das contribuições

Os trabalhos que atenderem às normas de publicação e respeita-rem a política editorial da RBSO serão avaliados pelo EditorCientífico que considerará o mérito da contribuição. Aprovadosnesta fase, os mesmos serão encaminhados aos consultores.

Cada trabalho será enviado para dois consultores de reconheci-da competência na temática abordada.

Com base nos pareceres emitidos pelos consultores, o EditorCientífico e/ou Conselho Editorial decidirá se é necessário que osautores efetuem alterações no trabalho para a publicação ou sea mesma será recusada, caso em que será emitida a devidajustificativa.

O anonimato será garantido durante todo o processo de julga-mento.

A redação da revista não se obriga a devolver os originais dostrabalhos que não forem publicados.

3 Preparo dos trabalhos

Serão aceitas contribuições em português ou espanhol.

É de responsabilidade do(s) autor(es) promover(em) as devidas

revisões gramaticais no texto encaminhado bem como se preocu-par com a obtenção de autorização de direitos autorais comrelação ao uso de figuras, tabelas, métodos, etc. junto a outrosautores ou editores, quando for o caso.

O texto deverá ser elaborado empregando-se fonte Times NewRoman, tamanho 12, em folha de papel branco, com margenslaterais de 3 cm e espaço simples e devem conter:

3.1 Página de rosto

a) Título na língua principal (português ou espanhol) e eminglês.

b) Nome e sobrenome de cada autor.

c) Instituição a que cada autor está filiado, acompanhado dorespectivo endereço.

d) Nome, endereço, telefone e endereço eletrônico do autorresponsável para troca de correspondência.

e) Se foi subvencionado, indicar o tipo de auxílio, o nome daagência financiadora e o respectivo número do processo.

f) Se foi baseado em tese, indicar título, ano e instituição onde foiapresentada.

g) Se foi apresentado em reunião científica, indicar o nome doevento, local e data da realização.

h) Local e data do envio do artigo.

i) Nome da modalidade da contribuição à qual está sendoproposto.

3.2 Corpo do texto

a) Título na língua principal (português ou espanhol) e em inglês

b) Resumo: Os manuscritos para as seções artigos, revisões eopiniões devem ter resumo na língua principal (português ouespanhol) e em inglês, com um máximo de 14 linhas.

c) Palavras–chave: Mínimo de 3 e máximo de 5 palavras-chavedescritoras do conteúdo do trabalho, apresentadas na línguaprincipal (português ou espanhol) e em inglês.

d) O desenvolvimento do texto deve atender às formas convenci-onais de redação de artigos científicos.

e) Referências bibliográficas: as referências bibliográficas citadasao longo do texto devem trazer o sobrenome do autor e ano dapublicação, como em Algranti (1998). No caso de citações commais de três autores, somente o sobrenome do primeiro autordeverá aparecer, como em Silva et al. (2000).

A exatidão das referências constantes da listagem e a corretacitação no texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do tra-balho. As referências citadas deverão ser listadas ao final doartigo em ordem alfabética e organizadas de acordo com anorma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)NBR 6023, versão de 2000. Os exemplos apresentados abaixotêm um caráter apenas de orientação e foram elaborados combase nessa norma:

ARTIGOS DE PERIÓDICOS

BAKER, L.; KRUEGER, A. B. Medical cost in workers compensationinsurance. Journal of Health Economics. New York, n. 14,531-549. 1995.

LIVRO

WALDVOGEL, B. C. Acidentes do trabalho: os casosfatais a questão da identificação e da mensuração.Belo Horizonte: Segrac. 2002. 192 p., 24cm (Coleção PRODATEstudos e Análises, v.1, n. 1, março 2002) ISBN 85-88669-02-01.

CAPÍTULO DE LIVRO

NORWOOD, S. Chemical cartridge respirators and gas masks.In: CRAIG, E.C.; BIRKNER, L. R.; BROSSEAU, L. Respiratory

Normas Geraispara Publicaçãode Artigos

paginas finais.p65 24/08/05, 13:3263

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64 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (109): 63-64, 2004

protection a manual and guideline. 2 ed. Ohio: AmericanIndustrial Hygiene Association, 1991. cap. 8.

TESE

BORGES, L.H. Sociabilidade, sofrimento psíquico e le-sões por esforços repetitivos entre caixas bancários.1999. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde). Instituto dePsiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

RESUMO DE TRABALHO DE CONGRESSO

ALVES FILHO, J.P. Receituário agronômico: a construção de uminstrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvér-sia. In: SEMANA DA PESQUISA DA FUNDACENTRO, 4, SãoPaulo. Anais... São Paulo: Fundacentro, 2000. p. 53.

RELATÓRIO

FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO DE SEGURANÇA EMEDICINA DO TRABALHO. Relatório de Gestão 1995-2002.São Paulo, 2003. 97p.

RELATÓRIO TÉCNICO

ARCURI, A S.A; NETO KULCSAR, F. Relatório Técnico daavaliação qualitativa dos laboratórios do Departamento deMorfologia do Instituto de Biociências da UNESP. São Paulo.Fundacentro. 1995. 11p., 9 anexos.

ARTIGO E/OU MATERIA DE JORNAL

LEAL, L.N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal do Bra-sil, p. 3, 25 abr. 1999.

CD ROM

ASH, M.; ASH, I. Fillers, extenders and diluents electronichandbook. New York. Synapse Information Resources. 1998.

FITA DE VÍDEO

Cenas da indústria de galvanoplastia. São Paulo: Fundacentro.1997. Fita cassete VHS/NTSC. 20 min., col.

DOCUMENTO EM MEIO ELETRÔNICO

BIRDS from Amapá: banco de dados. Disponível em < http://www.bdt.org> Acesso em 28 nov. 1998.

LEGISLAÇÃO

BRASIL. Lei n. 9.887, de 7 de dezembro de 1999. Altera alegislação tributária federal. Diário Oficial da República Federa-tiva do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1999.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federa-tiva do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

DECRETOS

SÃO PAULO (Estado) Decreto n. 48.822, de 20 de janeiro de1988. Dispõe sobre a desativação de unidades administrativas deórgãos da administração direta e das autarquias de Estado e dáprovidências correlatas. Lex- Coletânea de Legislação e Jurispru-dência. São Paulo. v. 63, n. 3, pp. 217-220, 1998.

f) Tabelas e quadros

Devem ser apresentadas em folhas separadas, numeradas conse-cutivamente com algarismos arábicos, na ordem em que foremcitadas no texto. A cada uma deve-se atribuir um título breve quepermita sua contextualização. Tabelas consideradas adicionaispelo editor não serão publicadas, mas poderão ser colocadas àdisposição dos leitores pelos respectivos autores mediante notaexplicativa em formato de arquivo eletrônico separado do texto.

Quadros são identificados como tabelas seguindo uma únicanumeração em todo o texto.

g) Figuras

As figuras (gráficos, fotos, esquemas, etc.) deverão ser enviadasem impressão de alta qualidade, em preto-e-branco e/ou diferen-tes tons de cinza e/ou hachuras e no formato de arquivo eletrôni-co separado do texto, com resolução da imagem não inferior a300 dpi.

h) Agradecimentos (opcional)

Contribuições de pessoas que prestaram colaboração intelectualao trabalho, com assessoria científica, revisão crítica da pesquisa,coleta de dados, entre outras, mas que não preenchem os requi-sitos para participar da autoria, devem constar dos “agradeci-mentos”, desde que haja permissão expressa dos nomeados. Tam-bém podem constar desta parte agradecimentos a instituições peloapoio econômico, material ou outro. Os agradecimentos devemvir após a relação das referências bibliográficas.

4 Envio dos trabalhos

Os trabalhos devem ser endereçados à Coordenação Editorial daRevista, em 3 vias e em disquete ou CD com arquivo extensão doc.no formato word.

Os trabalhos deverão vir acompanhados da declaração de res-ponsabilidade e de cessão de direitos autorais conforme modeloque se encontra no Portal da Fundacentro: www.fundacentro.gov.br– normas RSBO.

5 Endereço para envioFundacentroSra. Elisabeth RossiCoordenação Editorial da RBSO / Divisão de PublicaçõesRua Capote Valente, 71005409 002 • São Paulo – CapitalNOTA: eventuais esclarecimentos poderão ser feitos via e-mail:[email protected] ou pelo fone: (11) 3066.6378 oufax (11) 3066.6004.

Sobre a RSBO: Composta em Futura /impressa em papel Cartão Supremo 250 g/m2(capa) e Offset 90 g/m2 (miolo), no formato 21x28 cm pela SantaClara Editora. Tiragem: 2.000 exemplares. Equipe de realização: coordenação editorial: Elisabeth Rossi; revisão de textos: Karina Penariol Sanches;diagramação e capa: Santa Clara Editora

Normas Geraispara Publicação

de Artigos

Rua Capote Valente, 710São Paulo—SP

05409-002Tel.: 3066.6000

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