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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 6041 PRESERVAÇÃO E USO PEDAGÓGICO DOS OBJETOS ANTIGOS DE UM ACERVO ESCOLAR Giseli de Oliveira Cardoso Mara Regina Prata Walério Reginaldo Alberto Meloni 1 Introdução Ao longo de sua história as instituições de ensino vão acumulando documentos, mobiliários e objetos que por algum motivo deixaram de fazer parte da rotina escolar. Esses materiais, por muitas vezes, acabam sendo acondicionados em condições nada favoráveis à sua preservação e as escolas só os preservam por questões burocráticas ou sentimentais. De acordo com Julia (2001), a escola desenvolve ao longo de sua trajetória uma cultura escolar própria, definida como: [...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001, p. 10). Para Julia, a maior parte dos estudos desenvolvidos sobre a História da Educação é considerada externalista, pois se baseia na história das ideias pedagógicas e na busca por definições de origens e influências. Para ele, esses estudos possuem a sua importância para a história da educação, mas não levam em consideração o funcionamento interno da escola (Julia, 2001), cujos registros muitas vezes encontram-se nos arquivos ou nos objetos ainda presentes na escola. A importância de tais acervos reside no fato de que eles foram construídos no dia a dia da escola, refletindo o seu cotidiano e registrando suas peculiaridades. Cada escola é um universo único com características próprias de organização e funcionamento e os acervos escolares refletem essas características, as contradições do sistema educativo e suas preferências educacionais. 1 Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Adjunto no Departamento de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal de São Paulo, Campus Diadema. E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 6041

PRESERVAÇÃO E USO PEDAGÓGICO DOS OBJETOS ANTIGOS DE UM ACERVO ESCOLAR

Giseli de Oliveira Cardoso

Mara Regina Prata Walério

Reginaldo Alberto Meloni1

Introdução

Ao longo de sua história as instituições de ensino vão acumulando documentos,

mobiliários e objetos que por algum motivo deixaram de fazer parte da rotina escolar. Esses

materiais, por muitas vezes, acabam sendo acondicionados em condições nada favoráveis à

sua preservação e as escolas só os preservam por questões burocráticas ou sentimentais.

De acordo com Julia (2001), a escola desenvolve ao longo de sua trajetória uma cultura

escolar própria, definida como:

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001, p. 10).

Para Julia, a maior parte dos estudos desenvolvidos sobre a História da Educação é

considerada externalista, pois se baseia na história das ideias pedagógicas e na busca por

definições de origens e influências. Para ele, esses estudos possuem a sua importância para a

história da educação, mas não levam em consideração o funcionamento interno da escola

(Julia, 2001), cujos registros muitas vezes encontram-se nos arquivos ou nos objetos ainda

presentes na escola.

A importância de tais acervos reside no fato de que eles foram construídos no dia a dia

da escola, refletindo o seu cotidiano e registrando suas peculiaridades. Cada escola é um

universo único com características próprias de organização e funcionamento e os acervos

escolares refletem essas características, as contradições do sistema educativo e suas

preferências educacionais.

1 Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Adjunto no Departamento de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal de São Paulo, Campus Diadema. E-Mail: <[email protected]>.

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Para os historiadores há uma importância evidente na preservação desses acervos, já

que

Os arquivos escolares constituem o repositório das fontes de informação directamente relacionadas com o funcionamento das instituições educativas, o que lhes confere uma importância acrescida nos novos caminhos da investigação em educação, que colocam essas instituições numa posição de grande centralidade para a compreensão dos fenómenos educativos e dos processos de socialização das gerações mais jovens (MOGARRO, 2005, p. 77).

Compartilhando das ideias de Mogarro (2005), acreditamos que os acervos escolares

representam uma fonte de informações sobre o ensino, ainda pouco explorada.

Para o ensino de ciências, as condições em que os objetos de ensino de ciências são

encontrados, as marcas de uso e a quantidade de objetos podem apresentar informações de

como e quais foram as preferências educacionais da escola em relação ao ensino de ciências.

Entretanto, esses materiais são negligenciados e sucateados e sofrem com a

inexistência de políticas públicas eficazes, com a ausência de pessoas qualificadas para

realizar os procedimentos de conservação e com escassez de recursos financeiros para as

ações de proteção do patrimônio histórico.

Tais acervos possuem grande importância para o trabalho pedagógico, pois a educação

ganha com a preservação da sua memória. Assim, é preciso que a preservação tenha

significado para a escola e que esteja inserida no Projeto Pedagógico.

Este trabalho teve como objetivo investigar as possibilidades de utilização dos acervos

escolares como recurso didático no Projeto Pedagógico e, ao propor formas de utilização dos

acervos escolares como facilitador da aprendizagem em aulas de ciências naturais, justificar

sua preservação e manutenção nas instituições de ensino.

O que motivou o presente trabalho foi o relato de um grupo de pesquisa apresentado

em um simpósio que participamos em 2012. Esse grupo mostrou que estava terminando a

catalogação dos objetos de um acervo escolar, mas havia uma preocupação com a sequência

do trabalho, pois a instituição de ensino não tinha se apropriado do acervo, ou seja, não via

motivo para que esse acervo permanecesse na escola.

No caso dos objetos de ensino de ciências verifica-se que, por um lado, desde o século

XIX, período em que os programas de ensino começaram a destacar a importância das

atividades práticas no ensino das ciências da natureza (Meloni, 2014), as escolas recebem

materiais de ensino e muitas ainda possuem esses objetos antigos. Em geral esses materiais

encontram-se abandonados e o trabalho de conservação desses objetos poderia se deparar

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com o mesmo problema relatado no simpósio. Por outro lado, esses artefatos podem auxiliar

o professor no processo de ensino-aprendizagem dos alunos.

Neste texto será apresentada uma experiência realizada na E.E. João Ramalho de

Diadema, SP na qual se procurou articular algumas ações de extensão e de pesquisa visando

três objetivos: preservar o patrimônio escolar, recuperar a memória institucional e ofertar

para a escola uma opção de material pedagógico para a educação em ciências. Essas ações

foram realizadas a partir dos objetos antigos que se encontravam sem uso na escola.

Na primeira parte serão relatadas as ações para preservação dos objetos de ciências da

escola, incluindo as limitações decorrentes do contexto escolar e os resultados alcançados.

Após esse relato, será feita uma exposição de como esse acervo foi incorporado ao projeto

pedagógico dos professores de ciências. Através de uma avaliação qualitativa realizada pela

análise dos relatos dos envolvidos nas atividades – professores, estudantes e servidores – e

dos trabalhos produzidos pelos estudantes, foi verificado o impacto da inserção do acervo no

processo pedagógico.

Preservação do patrimônio escolar

Os primeiros contatos entre a E. E. João Ramalho de Diadema, SP e o Grupo de

Pesquisa em História da Educação em Ciências da Unifesp se iniciaram em 2011. A escola

João Ramalho foi escolhida por ser a escola mais antiga do município em atividade. Porém,

pouco se sabia sobre a sua história, desconhecida até mesmo pela própria instituição.

O primeiro trabalho desenvolvido nos anos de 2012 e 2013 entre o grupo e a escola, foi

realizado com os documentos com suporte em papel. Esse acervo foi catalogado, organizado e

armazenado em condições favoráveis à preservação do material. Além, disso, buscou-se

levantar a história da instituição por meio de outras fontes como jornais, revistas e registros

de relatos da época da sua fundação.

Esse primeiro trabalho envolveu toda a instituição em torno da sua memória e ao final

de 2012 a escola realizou o evento “Revivendo Décadas” comemorando seus anos de

existência. Fomos convidados para participar do evento apresentando a história da escola.

Em 2014 iniciaram-se os projetos dos quais tratam esse trabalho. Os projetos foram

construídos como parte dos TCCs das duas primeiras autoras, orientadas pelo terceiro autor.

E tinham como foco o acervo de objetos para o ensino de ciências existente na escola. A

instituição recebeu bem o projeto e iniciamos o trabalho de uso e preservação desses objetos

em parceria.

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Dentre as ações de preservação que poderiam ser executadas sobre os objetos, optamos

pelas ações de conservação em detrimento as ações de restauração. Segundo Maia e Granato

(2010, p. 1) a restauração tem como objetivo "tornar um artefato danificado ou deteriorado

compreensível, com sacrifício mínimo de sua integridade estética e histórica. Assim, a

restauração seria um procedimento limite da conservação". Para o trabalho que foi realizado

com os objetos escolares era importante que eles mantivessem as características que

adquiriram com o tempo e com o uso, pois elas contribuem para a construção da história do

objeto e consequentemente para a história da instituição.

Os objetos estavam armazenas em um almoxarifado da escola. A sala possuía uma

diversidade muito grande de materiais e objetos, como livros didáticos, fitas de vídeo,

ventiladores, diários escolares, materiais para aulas de arte, etc. Nesse conjunto também

estavam os objetos de ensino de ciências que foram separados dos demais (Figura 1).

Figura 1 – Objetos para o ensino de ciências do acervo da E. E. João Ramalho Fonte: fotos dos autores.

Os objetos foram separados em seis categorias, são elas: vidrarias; material zoológico

fixado, esqueleto e insetário; microscópios; objetos de laboratório; projetores de slides e

slides; materiais de ótica. Todos os objetos foram higienizados manualmente e cada categoria

recebeu um tratamento de conservação.

As vidrarias foram lavadas em água corrente com o auxílio de bucha macia e sabão

neutro. Esse tratamento foi o mais indicado, pois as vidrarias, em sua maioria, apresentavam

uma espessa camada de poeira que não seria possível remover com pano ou pincel. A

secagem foi feita naturalmente.

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No material zoológico fixado foi feita a limpeza dos potes com o auxílio de uma flanela

umedecida em água, os potes não foram abertos e nem o líquido conservante trocado.

Já os microscópios e os projetores de slides, foram limpos com o auxílio de um pincel

de cerdas macias e uma flanela seca para que os componentes eletrônicos não fossem

danificados. Os objetos de laboratório, que incluíam tripé, tela de amianto, pesos, garras,

entre outros, foram limpos com o auxílio de um pano.

Os Materiais de ótica foram lavados em água corrente com sabão neutro, não foi

utilizado bucha para evitar que as lentes e espelhos fossem arranhados durante a lavagem. A

secagem foi feita naturalmente.

Após a limpeza, todos os objetos foram catalogados. O processo de catalogação teve

como objetivo fazer um levantamento das condições do acervo, identificar seus componentes,

saber o estado de conservação de cada componente e levantar indícios de sua utilização por

meio das marcas de uso.

Para isso, foi elaborada uma ficha de catalogação que atendesse as necessidades do

acervo em estudo, essa ficha foi produzida pelo grupo de pesquisa e continha os seguintes

campos: numeração, imagem, nome, fabricante, origem, descrição das marcas, dimensões,

materiais, estado de conservação/descrição das avarias, indicações de uso do objeto, notas,

descrições do tratamento dado aos objetos. (CARDOSO, 2014)

Foram registrados quarenta e dois objetos de ensino de ciências e o conjunto de fichas

formou um catálogo que foi disponibilizado para a escola.

A identificação foi realizada por meio da análise direta dos objetos, pois todos os

objetos eram conhecidos e muitos traziam a informação sobre seus fabricantes, alguns

objetos estavam novos, dentro de suas embalagens originais. Essas informações tornaram

desnecessárias o uso de fontes externas para a identificação, além de contribuírem para a

compreensão de como o objeto era utilizado e de qual era a sua finalidade.

Por fim, os objetos foram acondicionados de modo a evitar a deterioração.

Um dos desafios do acondicionamento é encontrar dentro da escola um lugar favorável

e disponível. Durante a execução do projeto, a direção da escola demonstrou o interesse em

transformar a sala em que os objetos estão guardados em um centro de memória.

Para Zaia (2005) há várias etapas para o desenvolvimento de um centro de memória

dentro da escola:

a) a escolha do acervo;

b) o envolvimento da comunidade escolar;

c) as atividades que serão desenvolvidas nesse espaço.

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Para esse projeto a primeira e a segunda etapa já foram realizadas, o acervo foi

escolhido e catalogado, e a comunidade foi envolvida tanto no processo de preservação

quanto na utilização desse acervo que foi incluído no projeto pedagógico da escola como será

relatado a seguir. Falta agora, definir quais as atividades a escola pretende desenvolver nesse

espaço, para que o mesmo seja organizado como um centro de memória.

Utilização do acervo e inserção no projeto pedagógico da escola

A primeira providência após a aprovação do projeto foi conhecer o acervo em que seria

trabalhado. Apesar de estarem em um depósito, as condições dos objetos eram satisfatórias e

necessitavam apenas de uma limpeza. Em um primeiro levantamento, foi observado que

havia muitos objetos com marcas de uso e também muitos objetos que não tinham sido

utilizados.

Após conhecer o acervo a ser trabalhado, foi agendada a apresentação do projeto ao

corpo docente em uma ATPC (Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo). Este encontro foi

muito produtivo, pois os professores de ciências naturais apesar do calendário apertado e do

currículo engessado, se interessaram muito pelo projeto. Nessa reunião foi escolhido o tema,

as turmas, as aulas que seriam trabalhadas, a forma interdisciplinar com o método de

aprendizagem pela solução de problemas tematizados e os objetos que seriam utilizados.

Motivados pelos problemas frequentes de nossa juventude, em que a gravidez e os

abortos espontâneos por má formação devido ao comportamento (fumo, drogas, álcool) estão

presentes no cotidiano dos adolescentes. Os professores ao visitar o acervo, logo se

pronunciaram sobre o tema gestação. Com o tema definido foram escolhidos para serem

utilizados na SAT (Sequência de Atividades Temáticas), os fetos em formol com o intuito de

despertar o interesse a pesquisa e a reflexão sobre gestação/aborto.

Na escola havia as seguintes opções: feto humano do sexo masculino, 5º mês de

gestação (16,5 semanas), pesando mais ou menos de 200g a 250g (aborto inevitável) Altura:

14,0 cm e Diâmetro: 10,0 cm; um natimorto Altura: 13,0 cm e Diâmetro: 10 cm (o mesmo

apresentava etiqueta apagada); esqueleto com diversas partes quebradas (que seria usado

para apresentar a estrutura óssea da coluna e bacia e sensibilizar os alunos para a mudança

no corpo feminino durante a gestação/parto; vidrarias para serem apresentadas aos alunos,

pois a maioria deles não as conhecia.

As duas turmas escolhidas, ambas do 3º ano do ensino médio, tinham perfis bem

diferentes, uma bem comprometida e outra bem dispersa. Para a escolha do tema foi

utilizado o seguinte critério: os objetos disponíveis no acervo, os conteúdos curriculares e o

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cotidiano do aluno. A maior dificuldade foi o calendário, entretanto como eram três

disciplinas relacionadas ao projeto, foi possível agendar quatro aulas de 180 minutos para o

desenvolvimento do tema.

Foi escolhida a SAT cujos objetivos também ficaram decididos nessa reunião, pois além

dos conteúdos curriculares e habilidades foi incluído o resgate da memória escolar,

contextualizando as origens da escola e do acervo, pois nesta instituição os professores

observaram que os alunos carecem de uma identidade com a escola e afirmaram que,

conhecendo a importância que a escola teve no passado, poderiam valorizar a instituição nos

dias de hoje.

Com o intuito de despertar o interesse dos alunos para a preservação dos objetos para

serem utilizados em aula foi incluído na primeira etapa do projeto duas salas do 1º ano do

ensino médio, pois eles continuarão na escola por mais dois anos.

A primeira etapa do projeto teve por objetivo resgatar a memória da escola e foi

desenvolvida com as seguintes atividades:

1. Apresentação da história da instituição, que foi levantada através do acervo

documental da escola, dos jornais da época, dos relatos de memorialistas e de um

livro de uma diretora da escola da época, D. Silvia Esquivel;

2. Aula dialogada com os alunos sobre o passado da escola, contextualizando o acervo

encontrado;

3. Visita ao acervo no local em que estes objetos estão guardados sem o processo de

preservação.

Como a maioria dos alunos estava na escola há algum tempo foi solicitado um texto em

que eles relatariam sua historia na escola e sua impressão do acervo.

A segunda parte do projeto teve por objetivo discutir com os alunos o que provoca o

aborto espontâneo e o que é necessário para uma gravidez saudável e as atividades

desenvolvidas foram:

Apresentação da problemática mostrando a eles o feto e um natimorto em formol e

propondo que descobrissem o que causou o aborto espontâneo no caso dos meninos e o que

seria necessário para que não houvesse aborto espontâneo para as meninas.

As pesquisas feitas por esses alunos proporcionou uma discussão em sala sobre os

seguintes conteúdos:

1- Nutrientes importantes para uma vida saudável. Os alimentos que esses nutrientes

são encontrados e por que eles são importantes.

2- Comportamento necessário para uma gestação saudável.

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3- Metabolismo das drogas lícitas e ilícitas.

4- Cálculo da energia química necessária durante a gravidez nas diferentes idades.

A apresentação de um esqueleto em que foram mostrados os ossos da coluna e bacia

proporcionou uma discussão em sala sobre a formação óssea dos seres humanos e como a

pelve se comporta durante a gestação e o parto.

Uma das classes sugeriu que a avaliação fosse feita a partir de um trabalho de confecção

de um cartaz em grupo, a outra classe sugeriu uma avaliação individual por escrito.

Durante o desenvolvimento do projeto outros professores desejaram participar e os

participantes gostariam de incluir mais salas não só do ensino médio como do fundamental

II. Os motivos alegados pelos docentes foram a participação dos alunos e a forma como temas

tão polêmicos foram abordados e aceitos por eles, entretanto após analisarmos o calendário

não foi possível atender a essa solicitação

Os resultados obtidos demonstram que os materiais antigos têm um potencial para

serem usados como material pedagógico tanto para a educação em ciências, como para a

aproximação com a história da escola. Para fazer essa análise, procurou-se responder as

seguintes perguntas:

1º- Os objetos apresentados despertaram o interesse dos alunos em aprender?

Conforme os professores envolvidos no projeto, menos de 50% dos alunos frequentes

do noturno entregavam as pesquisas solicitadas e cerca de 60% participavam das aulas, pois

sempre tinham um motivo para se ausentar da sala. Entretanto, nesta SAT, cerca de 80% dos

alunos do 3º ano entregaram a pesquisa, mais de 50% entregaram o texto e quase 100%

deles entregaram as conclusões e os trabalhos em grupo. Contudo entre os alunos do

primeiro ano menos de 30% entregaram o texto com sua história na escola.

Já o envolvimento em sala foi muito positiva todos participaram tanto na primeira

parte em que foi apresentada a história da escola e a visita ao acervo, como na segunda parte

da SAT. Este comportamento foi constatado por um relato da inspetora de alunos que disse

“Durante as suas aulas os alunos não saem da sala, o que não ocorre em outras aulas.”

2º Houve aprendizagem através destes objetos?

Durante as aulas várias questões foram feitas aos alunos, e eles não sabiam responder.

Exemplos:

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O que são proteínas? Onde encontramos as vitaminas? Por que a falta de ferro provoca

a anemia? Por que é importante o acido fólico na gestação? Por que o álcool é nocivo a saúde?

Estas e outras questões foram explicadas e exemplificadas durante as aulas dialogadas,

e quando analisadas as conclusões foi verificado que todos escolheram um nutriente e deram

todos os detalhes onde encontrar, como eles agem em nosso organismo e por que é

importante ou nocivo.

Portanto, a SAT desenvolvida com os 3ºs anos foi muito produtiva. Tanto alunos como

professores se envolveram no projeto e a maioria dos alunos entregou todas as atividades

solicitadas e participou ativamente das aulas dialogadas.

Os professores adaptaram seu planejamento para atender o projeto sem prejudicar o

currículo. Apesar de discentes, docentes e direção apoiarem ao máximo o projeto, não foi

possível concluir a SAT nas duas salas do 3º ano, devido aos eventos já agendados.

Analisando os cartazes e as conclusões se pode observar que a maioria dos alunos

conseguiu construir conhecimento através das pesquisas motivadas pelos objetos

apresentados. Além do conteúdo científico, o lado social também foi despertado neles com

relação ao aborto, pois a maioria dos alunos ficou muito comovida e assustada com a

aparência dos fetos tão perfeitos com poucos meses.

Contudo, as atividades com os 1ºs anos ficaram a desejar porque, apesar de

participarem das aulas e da visita ao acervo, a maioria não produziu o texto com sua historia

na escola. Para os docentes existem vários fatores que explicam esse resultado, entre eles o

fato de que eles permaneceriam na escola e não quiseram se expor para a comunidade

escolar.

Os objetivos neste estudo foram alcançados, pois as “aulas diferentes” como foram

classificadas por alguns alunos e professores despertaram o interesse da maioria dos alunos

em participar ativamente do projeto. A temática escolhida também foi bem aceita, pois se

falou de gravidez na adolescência, das drogas ilícitas e lícitas e da preocupação com a

alimentação sem as características de punição e sim de forma científica e dessa maneira foi

possível orientar aos alunos.

Segundo os relatos de professores e alunos, saber a história da escola despertou nos

alunos o sentimento de pertencimento ao lugar onde estudam, pois na maioria destes relatos

eles dizem que vieram para esta escola por falta de opção e tinham mesmo vergonha de

estudar nela.

Os alunos já haviam assistido alguns experimentos realizados por seus professores de

química, entretanto não conheciam as vidrarias, pois os experimentos eram realizados com

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materiais alternativos. As vidrarias foram utilizadas nas experiências permitindo aos

professores ensinar aos alunos a sua utilização e as normas de seguranças em laboratório,

contudo não foi possível realizar os experimentos nesse semestre letivo.

Quando os alunos foram questionados sobre o motivo de terem classificado essas aulas

como aulas diferentes as respostas foram bem interessantes. Exemplo:

“Estamos cansados de ouvir o professor falar”, “Não aguento sempre copiar da lousa”,

“Nessas aulas nos saímos da sala, demos ideias, participamos não ficamos sentados

dormindo.”, “Estes esqueleto deu para ter ideia como é nosso corpo e quero saber mais.”

Portanto, ambas as salas achavam que a forma como eles estavam acostumados a

assistir as aulas sem participar delas as tornavam desinteressantes e, a partir do momento

que saíram da posição passiva e se tornaram parte ativa da aula, gostaram da ideia, pois os

objetos despertaram neles a vontade de pesquisar e questionar sobre o assunto tratado e

outros relacionados.

Os docentes que participaram destas aulas puderam verificar a defasagem de

conhecimentos desses alunos em relação aos conteúdos já vistos o que promoveu em alguns

professores a iniciativa de preparar uma aula para rever alguns conceitos que estavam

confusos para os alunos.

Outro fato que comprova que os objetivos foram alcançados foi a disposição da direção

em restaurar os objetos do acervo que estão deteriorados e o interesse dos docentes em

utilizar objetos do acervo em suas aulas. Como exemplos desse fato, a professora de biologia

manifestou intenção de utilizar os microscópios; a professora de física afirmou que usará os

kits de lentes e espelhos e a professora de química disse que está pensando em utilizar as

vidrarias em seus experimentos. Além dessas, a professora de história pretende inserir em

seu planejamento a história da escola utilizando o banner produzido a partir dos itens

documentais.

Algumas frases ditas por alunos ou professores durante o desenvolvimento das

atividades “Agora que o JR vai voltar a ser como era vamos embora”, “Os alunos careciam de

motivos para sentirem orgulhos da escola”, “Estes objetos você trouxe da UNIFESP?”, “Nos

divertimos bastante preparando o cartaz sobre gestação saudável”, “Nunca os alunos

produziram tantos trabalhos”, “Gostei de saber que estudo em uma escola que tem um

passado bom”.

Finalmente, vale a pena destacar a avaliação do professor de biologia sobre os

resultados do projeto desenvolvido na escola: “O trabalho desenvolvido na escola englobou, a

apresentação da história da escola em que os alunos participaram e desenvolveram um texto

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sobre a sua história na escola em que foi muito acolhido pelos alunos, pois muitos textos

foram gerados de maneira surpreendente. Já a outra parte foi ainda mais dinâmica, pois os

alunos puderam ter acesso a alguns fetos e assim puderam ter uma introdução sobre o tema

gestação. Assim os alunos fizeram uma pesquisa em que eles puderam ter um maior

conhecimento sobre como uma gestação pode ter problemas (aborto natural) e dentre outros

fatores. Esse projeto foi de extrema importância, pois os alunos tem muita curiosidade sobre

o tema o que gerou trabalhos e discussões sobre o tema de uma forma muito produtiva”.

Considerações Finais

A história da educação possui um papel importante na compreensão e na valorização

da educação. Apesar das políticas educacionais serem generalistas e propostas para o âmbito

nacional, estadual e/ou municipal, cada instituição escolar absorve essas políticas de forma

diferente, conferindo à instituição características próprias influenciadas pelo local em que

está inserida, a comunidade que atende, o modo de gestão e as escolhas do corpo docente. O

patrimônio escolar, mesmo negligenciado já que não há políticas públicas específicas para a

sua preservação, reflete essas características, pois é formado por materiais que são usados no

dia a dia da escola.

O trabalho desenvolvido apresentou resultados positivos e relevantes não apenas para a

aprendizagem do aluno, mas serviu como uma importante ferramenta de auxílio para a ação

do professor.

A aplicação desses objetos como recursos didáticos contribui positivamente para

formação profissional do professor, proporcionando meios para a superação dos problemas

do ensino de ciências tais como, a falta de aulas práticas e a grande dependência do livro

didático por parte do professor. Tudo isso leva o aluno à passividade e atualmente o jovem

não aceita ser passivo e se dispersa com outras atividades dentro da sala de aula, o que não

favorece ao trabalho pedagógico.

As frases ditas por alunos e professores reforça a tese de que os objetos do acervo desta

instituição cumpriram com o seu papel de facilitar a aprendizagem, resgatar a memória da

escola e principalmente despertar o interesse dos alunos em aprender.

Assim como esta instituição outras instituições de ensino possuem objetos de

laboratórios de ciências naturais abandonados em sótãos e porões se deteriorando, enquanto

os professores estão necessitando de recursos que motivem os estudantes para a ciência e,

como foi observado pelos resultados nessa escola, estes objetos possuem potencialidades

para estimular estes estudantes, confirmando a hipótese em que os acervos podem ser

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utilizados como recursos didáticos e que o antigo pode conviver com as novas tecnologias e

estas podem auxiliar inclusive a compreende-lo melhor.

Por isso é importante que haja uma política pública para a preservação dos acervos

criando assim opções de usos para os professores, pois além de patrimônio cultural, os

objetos antigos são materiais pedagógicos que podem e devem ser incorporados ao projeto

pedagógico da escola. Essa é uma forma dos acervos escolares serem reconhecidos pelas

comunidades nas quais está inserido e, consequentemente, terem mais chances de serem

preservado. Além disso, em um contexto de carência de recursos pedagógicos, esses materiais

ainda podem ser úteis para a educação em ciências na maioria das escolas.

Referências

CARDOSO, Giseli de Oliveira. Conservação e valorização do patrimônio escolar: um estudo de caso. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de São Paulo, Campus Diadema. Diadema, 2014. JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Revista brasileira de história da educação, n.1, p. 09-43, jan./jun. 2001 MAIA, Elias da Silva e GRANATO, Marcus. A Conservação de Objetos de C&T: Análise e discussão das práticas utilizadas no Memorial Carlos Chagas Filho. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST- MUSEOLOGIA E PATRIMÔNIO. v.3 n.2 - jul/dez de 2010. Disponível em < http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/view/96/129> Acesso em março 2017. MELONI, Reginaldo Alberto, Patrimônio educativo na escola secundária: os "objetos de educação em ciências". In: Congresso Luso Brasileiro da História da Educação, X, 2014, Curitiba, PR, Anais,

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ISSN 2236-1855 6053

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