Preservação Documental No Brasil
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Acervo, Rio de Janeiro, v. 23, no 2, p. 31-46, jul/dez 2010 - pg. 31
A Preservao Documental no Brasil
Notas para uma reflexo histrica
Aloisio Arnaldo Nunes de CastroRestaurador de artes plsticas/papel do Museu de Arte Murilo Mendes da Universidade Fe-deral de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Histria pela UFJF. Doutorando em conservao e restaurao pelo Programa de Ps-Graduao em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG.
O patrimnio sobre o papel do sculo
XIX est agonizando; o patrimnio do
sculo XX se esvai em uma tranquila
indiferena porque outras tcnicas de
registro da informao ocultam a funo
sempre essencial do papel. Indo alm
Este artigo tem por objetivo resgatar e analisar
aspectos histricos relativos preservao docu-
mental no Brasil, ao longo do sculo XX. luz das
reflexes apontadas pela histria cultural, examina
as prticas, as narrativas, os atores sociais, os mar-
cos tericos, os paradigmas, as influncias inter-
nacionais e as polticas culturais que aliceraram a
insero e a construo dessa disciplina especializa-
da no mbito brasileiro.
Palavras-chave: preservao documental;
conservao; restaurao; patrimnio cultural;
histria cultural.
This paper aims to retrieve and analyse historical
aspects that concern document preservation in
Brazil through the twentieth century. The study is
carried out under the reflections on the field of
cultural history. It seeks to investigate the practices,
narratives, social actors, theoretical frameworks,
patterns as well as international influences and
cultural policies that served as a background to
the integration and construction of this specialized
discipline in Brazil.
Keywords: record preservation; conservation;
restoration; cultural heritage; cultural history.
das palavras e das nuances, existe a rea-
lidade das bibliotecas e dos livros que o
tempo que passa aflige. O tempo passa?
Ora, o tempo no, mas o papel que se
torna p no espera que nossa conscin-
cia desperte para o seu destino.1
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Este artigo pretende ser um exer-
ccio reflexivo sobre o percurso
histrico da preservao docu-
mental no Brasil, abordando, por meio de
diferentes fios narrativos, alguns aspectos
histricos em suas distintas temporali-
dades e em suas mltiplas relaes com
as instituies e as vrias dimenses da
sociedade. Assim, pensar a preservao
documental na sua historicidade signifi-
ca ampliar, sobremaneira, o territrio de
anlise da construo cultural preservacio-
nista brasileira. Da mesma forma, tem-se
em mira a compreenso mais abrangente
acerca do prprio campo de trabalho no
qual os profissionais da preservao do-
cumental esto inseridos.
A despeito do pioneirismo e da importn-
cia das iniciativas basilares na preservao
do patrimnio documental, que remontam
s primeiras dcadas do sculo passa-
do, assim como dos mltiplos esforos
preservacionistas empreendidos pelas
instituies detentoras de acervos e pela
sociedade em geral nas ltimas dcadas,
observamos que ainda so poucos os es-
tudos dedicados histria da preservao
do patrimnio cultural no Brasil, conforme
se pode constatar num rpido exame da
produo cientfica nos ltimos anos. Por
conseguinte, h a necessidade de apro-
fundamento no campo temtico relativo
memria cultural expressa no suporte
de papel. Faltam, ainda, pesquisas aca-
dmicas que busquem discutir e refletir
as prticas e representaes construdas
e legitimadas no espao social brasileiro,
assim como o processo de circularidade
cultural e de apropriao dos mltiplos
saberes inerentes preservao, conserva-
o e restaurao do patrimnio documen-
tal. Nesse sentido, necessrio concordar
com Maria Jose Martinez Justicia quando a
historiadora sustenta que a reconstruo
da histria da restaurao daria, sem d-
vida, resposta a mltiplas interrogaes,
proporcionaria novos dados e, sem dvida,
nos livraria de muitos equvocos.2 Frank
Matero, ao abordar os estudos de tica e
poltica na conservao, desperta-nos a
ateno para a necessidade de reavaliao
crtica e o chamamento para o dilogo
com as disciplinas das cincias humanas.
Matero salienta que toda conservao
um ato crtico, de interpretao. Desse
modo, ns preservamos com um objetivo
e esse objetivo deve ser de forma contnua
questionado, avaliado e modificado se
necessrio.3 tambm nesse contexto de
reviso historiogrfica que Beatriz Mugayar
Khl nos alerta que as aes de preser-
vao no deveriam prescindir, jamais, da
histria e historiografia e os profissionais
atuantes na preservao, mesmo no sen-
do historiadores, deveriam possuir uma
viso histrica.4
Assim, conclumos que um estudo minu-
cioso sobre a histria da preservao do-
cumental no Brasil ainda est por vir. Pes-
quisar, analisar e historiografar a histria
da preservao documental so desafios
lanados na arena do pensar preservacio-
nista. Todavia, se de um lado detectamos
essa significativa lacuna historiogrfica,
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de outra parte os estudos historiogrficos
sobre a preservao documental no m-
bito brasileiro constituem-se um universo
temtico pleno de possibilidades interpre-
tativas, contemplando posicionamentos
crticos, questionadores e reflexivos. H
que se ressaltar, ainda, o fato de que
acervos em papel compreendidos pelas
colees bibliogrficas, documentais e
de obras de arte em suporte de papel
representam, em termos quantitativos,
um dos maiores estoques informacionais
e culturais do pas. De modo paradoxal,
constatamos essa carncia de estudos, o
que ratifica a proposio de investigar as
aes da sociedade em preservar, conser-
var e restaurar esta significativa parcela do
patrimnio cultural brasileiro.
Para o desenvolvimento deste estudo,
tomou-se como chave conceitual de an-
lise as proposies da histria cultural
que destacam a emergncia dos novos
problemas, novas abordagens e novos
objetos no seio das questes histricas.5
Tal como prope o historiador francs
Roger Chartier, trata-se de identificar
os modos como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade so-
cial construda, pensada e dada a ler.6
Assim, sob os novos olhares e domnios
da Clio, esta pesquisa pretende analisar a
preservao documental como uma cons-
truo cultural, procurando identificar os
modos como a preservao da memria
expressa em papel, no seio da sociedade,
pensada, interpretada, apropriada, pra-
ticada e legitimada.
No cenrio internacional, o final do sculo
XIX referncia para o ingresso da preser-
vao documental no campo cientfico.
Vrios autores indicam a data de 30 de
setembro de 1889 como o nascimento
da restaurao de livros e documentos
enquanto disciplina moderna, em razo
do profcuo debate sobre temas como
a deteriorao da tinta ferroglica em
manuscritos, o estudo de fungos e trata-
mentos de palimpsestos estabelecidos na
Conferncia Internacional de San Gallo,7
ocorrida na Sua. Carlo Federici e Libero
Rossi defendem que o moderno restau-
ro e o surgimento do restaurador como
figura profissional so frutos da referida
conferncia.8 Alm disso, as consequn-
cias dos bombardeios da Primeira Guerra
Mundial sobre as bibliotecas na Itlia
contriburam para o desenvolvimento de
pesquisas de laboratrio acerca da degra-
dao dos acervos, como, por exemplo,
os efeitos dos inseticidas e bactericidas
sobre papis. Outrossim, a necessidade
de dar tratamento sistemtico aos acervos
em suporte de papel levou fundao pio-
neira do Istituto per la Patologia del Libro,
organizado em 1929, por Alfonso Gallo.
Deve-se crdito a Gallo por ter entendido
que as aes de preservao deveriam ser
inscritas numa perspectiva interdisciplinar,
ou seja, na interao da pesquisa qumica,
biolgica, fsica e tecnolgica.9
No contexto brasileiro, podemos mapear
as primeiras referncias sobre a problem-
tica de preservao documental vinculadas
ao destruidora dos insetos biblifagos,
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sobretudo ao longo do sculo XIX e nas
dcadas iniciais da Primeira Repblica.
Segundo Messias Carrera,10 em seu artigo
Histria dos insetos inimigos dos livros,
j podemos encontrar, no sculo XIX, re-
presentaes literrias que fazem aluso
ao danosa dos insetos biblifagos. No
Brasil, parece que a mais antiga refern-
cia aos insetos nocivos aos livros data de
1817, quando veio a lume a Corografia
braslica, do padre Manuel Aires de Casal.
Nesta obra, a cidade de So Paulo con-
siderada local ideal para os fundamentos
de uma universidade. Dentre outros mo-
tivos, destaca-se o fato de que por ali os
insetos menos danificam bibliotecas.11 Em
1849, no relatrio de Cyro Cndido, ento
diretor do Arquivo Pblico do Imprio,12
verificamos a preocupao com a ao
dos insetos destruidores no acervo docu-
mental.13 Sob as denominaes cupim,
insetos daninhos, polilha e vermes,
observamos que a atuao dos insetos
problemtica constante, reiterada, portan-
to, nos relatrios dos diretores do Arquivo
Pblico do Imprio nos anos de 1850,
1856, 1860, 1870, 1873 e 1874.14
J nas primeiras dcadas do sculo XX, en-
contramos a sistematizao de pesquisas
dedicadas aos insetos biblifagos pelos
mdicos Pedro Severiano de Magalhes,
Diogo Teixeira de Faria e Jaime Silvado.
Observa-se, nos referidos estudos de ento-
mologia, que a preocupao preservacio-
nista estava relacionada necessidade de
conhecimento dos males biolgicos que
ento degradavam os acervos em papel.
Assim, tornava-se premente a identificao
destes agentes patolgicos de deteriora-
o sob o ponto de vista cientfico, o es-
tudo do ciclo dos insetos, o conhecimento
das condies climticas de procriao e
das preferncias alimentares, para, em
seguida, indicar as medidas de combate
e preveno contra tais espcimes. Cons-
tata-se, em tais narrativas, que a palavra
cincia utilizada de modo recorrente. A
conservao dos livros concebida como
cincia e experincia e o sculo XX alu-
dido como o sculo da cincia. Partindo
desse ponto de vista, vemos o desenvolvi-
mento do conhecimento cientfico a partir
do dilogo interdisciplinar da biologia, da
qumica e da medicina. Nessa literatura
tcnica, dedicada aos estudos dos inse-
tos biblifagos, observa-se a construo
de um enunciado preservacionista que
se quer dizer metodolgico e cientificista
em contraposio, portanto, s tcnicas
empricas de conservao e restaurao
de bens culturais mveis.
Na Era Vargas, com a promulgao da
Constituio Federal de 1934, criada a
proteo legal do patrimnio artstico e
histrico brasileiro. Em 1936, o ministro
da Educao e Sade, Gustavo Capane-
ma, encomenda a Mrio de Andrade a ela-
borao do anteprojeto de lei que tratasse
da preservao do patrimnio artstico e
nacional, em razo de sua experincia
no Departamento Municipal de Cultura e
Recreao de So Paulo. Quando analisa-
mos a proposta marioandradiana, h que
se ressaltar a preocupao com a defesa
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da preservao de acervos em papel
configurada no item relativo categoria
arte histrica, no qual explicitada
a salvaguarda de documentos grficos:
[...] a iconografia nacional; iconografia
estrangeira referente ao Brasil (gravuras,
mapas); brasiliana (todo e qualquer im-
presso ou manuscrito que se refira ao
Brasil, de 1850 para trs. Todo e qual-
quer manuscrito referente ao Brasil, com
mais de 30 anos, se indito [...].Aps
alteraes no texto original de Mrio de
Andrade, criado em 1936 o Servio do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
(SPHAN), tendo o jornalista Rodrigo Melo
Franco como presidente do rgo. Vincu-
lado aos contedos caros ao Estado Novo,
como o patriotismo e o nacionalismo, o
decreto-lei no 25 de 1937 determina quais
bens sero objeto de proteo. Conforme
se verifica no captulo I do decreto-lei,
constatamos que o papel, como tipologia
de bem cultural, definido como patri-
mnio a ser preservado, sob a gide da
noo de excepcionalidade.15 Embora no
explicitado de modo mais claro no texto
do decreto, depreende-se que no bojo da
denominao bibliogrfico ou artstico
encontram-se contemplados os bens cul-
turais concernentes aos acervos em su-
porte de papel. Na anlise dos critrios de
valorao dos acervos em papel a serem
preservados, sintomtico verificar que
se, por um lado, a conjuntura poltica do
Estado Novo determinara a preservao
de livros raros e de valor excepcional,
tendo em vista a consolidao da histria
oficial da nao, de outra parte verifica-
mos a destruio de livros por parte do
prprio Estado Novo. Exemplo disso foi o
episdio da queima, em 1937, em praa
pblica na Bahia, de cerca de dois mil
livros de autoria de Jorge Amado, ento
apreendidos e julgados como simpati-
zantes do credo comunista.16
No que diz respeito aos crit-
rios tericos e s prticas de
intervenes, constatamos, na
dcada de 1930, algumas aes que exem-
plificam que a preservao documental es-
taria associada ao ofcio da encadernao,
prtica artesanal. Como, por exemplo,
verificamos em noventa volumes da Co-
leo Papis Avulsos correspondentes
ao perodo de 1800 a 1841, alocados no
acervo do Arquivo Histrico Municipal
Washington Lus, sediado na cidade de
So Paulo em que h uma etiqueta co-
lada em determinadas contraguardas dos
volumes, indicando a data do trmino dos
trabalhos e que o referido exemplar foi
restaurado e encadernado pela Seo
Grfica do Departamento de Cultura.
Portanto, depreende-se a ideia da restau-
rao vinculada ao ato da encadernao,
ou seja, a feitura de velaturas nas folhas e
colocao de carcelas nas bordas laterais
esquerdas dos documentos manuscritos
com o objetivo de agrup-los, estrutural-
mente, num volume encadernado.17
Na dcada de 1940, destaca-se a atuao
pioneira de Edson Motta no campo da con-
servao e restaurao de papel. Em 1944,
Edson Motta convidado por Rodrigo Melo
Franco de Andrade para ocupar o cargo
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de conservador18 do SPHAN, organizan-
do o Setor de Recuperao de Obras de
Arte. Em 1945, a pedido de Rodrigo Melo
Franco, Edson Motta obtm uma bolsa de
estudos pela Fundao Rockefeller a fim
de realizar estgio no Fogg Art Museum da
Universidade de Harvard.19 Neste museu,
Edson Motta permanece at 1947 e estuda
com professores renomados como: Ri-
chard Buck, restaurador especializado na
estabilizao de pinturas sobre madeira;
Rutherford Gettes, qumico; George Stout,
restaurador especializado no estudo dos
materiais; Morton Bradley, restaurador
interessado pelas teorias da cor. Ainda
em 1947, Edson Motta retorna ao Brasil e
inicia a organizao do Setor de Recupe-
rao da Diretoria do Patrimnio Histrico
e Artstico Nacional (DPHAN). A partir de
1948, verificamos a atuao de Edson
Motta no acervo da Biblioteca Nacional
com servios prestados na conservao
de gravuras, desenhos e pesquisas de
laboratrio referentes aos mtodos de eli-
minao de fungos. Num relatrio dirigido
ao ento diretor da Biblioteca Nacional,
Josu Montelo, verifica-se a preocupao
do restaurador em implementar no Brasil
o que, provavelmente, foi o primeiro la-
boratrio de conservao e restaurao
especializado somente em papel, numa
estruturao cientfica, em contraposio,
portanto, aos mtodos empricos anterior-
mente empregados.20 Assim, a atuao
pioneira de Edson Motta vem, de fato,
colaborar com a interpretao da insero
da disciplina nos moldes ditos cientficos
no contexto ps-Segunda Guerra, com a
apropriao de uma linha conceitual tipi-
camente americana.
Em relao ao ensino de metodologias de
conservao e restaurao documental,
observamos influncias relacionadas ao
campo da museologia no livro Introduo
tcnica de museus, autoria de Gustavo
Barroso, publicado em 1948. Nesta publi-
cao h tpicos relacionados ao suporte
em papel.21 Podemos situar, no contexto
da poca, o pensamento de Barroso de
vertente nacionalista que categorizava
a restaurao no sentido da proteo e
conservao das relquias do passado.22
Conforme observamos na narrativa bar-
rosiana, a restaurao da relquia do
passado metaforizada como um ato
mdico compreendido por dois momentos
distintos: diagnstico e teraputica. Para
dar tratamento s relquias do passado,
Barroso ilustrava as qualidades do ento
perfil do profissional restaurador ao afir-
mar que toda conservao e toda restau-
rao requerem duas virtudes essenciais:
pacincia e modstia.23 Ainda com rela-
o ao ensino, criada no mbito uni-
versitrio, em 1951, a disciplina teoria,
conservao e restaurao da pintura,
na Escola de Belas Artes da Universidade
do Brasil (atual UFRJ), por Edson Motta, a
convite do ento diretor da Escola prof.
Flexa Ribeiro, considerada pioneira na
Amrica Latina.24 No que diz respeito aos
contedos programticos ministrados na
referida disciplina, Maria Luiza Guimares
Salgado,25 aluna da Escola de Belas Artes
nos anos de 1969 e 1970, menciona que
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o curso era dividido em trs partes: papel,
imaginria e pintura. A disciplina era te-
rica e prtica e em relao s atividades
voltadas para os acervos documentais
havia um pequeno laboratrio na Escola
de Belas Artes onde os alunos pratica-
vam banhos em gravuras, bem como em
documentos deteriorados, e executavam
retoques em pequenas reas.
No que concerne ao emprego de metodolo-
gias de interveno curativa na dcada de
1950, seria oportuno observar a influncia
americana atravs dos processos tcnicos
desenvolvidos por Willian Barrow, com a
aquisio pioneira na Amrica Latina de
um exemplar da mquina Laminadora
Barrow. Conforme os anais da Bibliote-
ca Nacional, v. 71, p. 1-4, publicado em
1951, Josu Montelo, ento diretor da
Biblioteca Nacional, comentou a bela
aquisio, a ltima palavra na tcnica de
preservao de documentos: a conser-
vao de nossa riqussima documentao
manuscrita, seriamente ameaada pelo
tempo, encontrou sua soluo adequada
no processo de laminao Barrow, que a
Biblioteca Nacional, por nossa iniciativa,
acaba de adotar.26 A noo de interveno
curativa tambm constatada na criao,
em 1958, da Seo de Restaurao do
Arquivo Nacional, incumbida de reparar
e restaurar os documentos que com esse
fim lhe forem destinados.27
Percebe-se que os congressos de biblio-
teconomia e documentao tambm
atuaram como locus de discusso da con-
servao e restaurao de papel, possibi-
litando a reflexo cientfica e dando lugar
s reivindicaes preservacionistas. Em
1961, verifica-se, de modo pioneiro, a atu-
ao de Lindaura Alban Corujeira28 com a
apresentao do trabalho Conservao e
restaurao de livros e documentos, no III
Congresso Brasileiro de Biblioteconomia
e Documentao, realizado em Curitiba.
Tendo como referncia os estudos realiza-
dos na Biblioteca Nacional de Madri, nos
anos de 1958 e 1959, Corujeira abordou
o documento e seu valor como fonte de
informao, os agentes fsicos, qumicos
e biolgicos de deteriorao de livros e
documentos e os respectivos meios de
combate, a necessidade da restaurao
de livros e documentos, as qualidades do
restaurador e as fases da restaurao.29
Em 1962, a DPHAN estabeleceu a sistema-
tizao do Setor de Recuperao de Pintu-
ra, Escultura e Manuscritos, subordinado
Diviso de Conservao e Restaurao
(DCR).30 Deve-se notar, nesse momento,
que a restaurao de papel encontra-se
includa sob a denominao de manus-
critos e podemos depreender, tambm,
que a restaurao de obras de arte em
suporte de papel estaria, provavelmente,
inserida sob a denominao de pinturas.
Dessa forma, com a criao do referido
Setor, verificamos a meno oficial das
atividades de conservao e restaurao
de papel sob a gide do rgo federal.
H que se analisar, ainda, o emprego da
terminologia Recuperao do referido
Setor, o que denota a atribuio de sig-
nificado atividade profissional, muito
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mais focada na prtica e nos mtodos de
recuperao do bem cultural do que pro-
priamente em aes de conservao dos
acervos culturais, denotando, assim, a pr-
tica de uma restaurao intervencionista.
Verifica-se, ainda, no perodo em que se
convencionou denominar fase herica,
que a preservao documental no confi-
gurava como linha prioritria da DPHAN,
muito embora os acervos bibliogrficos
considerados de valor excepcional se en-
contrem contemplados no decreto-lei no
25 de 1937. No mbito do rgo oficial de
proteo do patrimnio cultural, as aes
de conservao e restaurao de papel
so realizadas, de modo muito restrito e
com poucos recursos tcnicos, em meio s
outras atividades consideradas preponde-
rantes como a conservao e restaurao
de igrejas, pinturas de cavalete, talhas e
esculturas policromadas.31
Na dcada de 1960, as dificuldades con-
cernentes formao de profissionais
na conservao e restaurao de bens
culturais nos pases situados na faixa tro-
pical j eram observadas e constituam-se
objeto de preocupao da comunidade
internacional, conforme apontou Paul
Coremans em seus estudos.32 Outros-
sim, quando o arquiteto Renato Soeiro,
assume, em 1967, a direo da DPHAN,
observamos que dentre as aes do incio
da sua gesto, destaca-se a elaborao
de um projeto encaminhado Comisso
de Educao da Organizao dos Estados
Americanos (OEA), relativo criao de
um laboratrio-atelier a ser localizado no
Brasil com o fim especial de atender os
estudantes oriundos dos pases situados
na regio sul da Amrica, bem como os
trabalhos de conservao a serem realiza-
dos no pas.33 Verifica-se neste projeto a
preocupao com o ensino da conserva-
o e restaurao de papel nas categorias
de gravuras, livros e documentos. Nota-se
na listagem de equipamentos indispens-
veis instalao do laboratrio-atelier, o
pedido de um Laminador Barrow, o que
reflete, portanto, a adoo de uma linha
americana de restaurao de papel.
sintomtico observar nos anos
de 1970 a insero de um cres-
cente debate da preservao
documental no campo da arquivologia
por meio da participao dos profissionais
nos temrios dos Congressos Brasileiros
de Arquivologia. Assim, em 1972, no I
Congresso, ocorre o Painel sobre con-
servao e restaurao de documentos
com a participao acanhada de apenas
dois palestrantes. Em 1974, no II Con-
gresso, ocorre a Sesso plenria: Con-
servao e restaurao de documentos,
contando com cinco participantes. J de
forma bastante ampliada realizado, no
III Congresso, o I Seminrio Brasileiro de
Preservao e Restaurao de Documen-
tos. Na abertura dos trabalhos, Edson
Motta, como representante do Instituto do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
(IPHAN), discursa sobre a importncia do
referido Seminrio, ressaltando a impor-
tncia do intercmbio de informaes
tcnicas e metodologias de trabalho
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possibilitada pela presena de especia-
listas estrangeiros como: Vicente Vias,
da Espanha, F. Paole, George e Dorothy
Cunha dos Estados Unidos.34 Em 1979,
no IV Congresso, ocorre o II Seminrio
Brasileiro de Preservao e Restaurao
de Documentos.
Com relao produo de literatura tc-
nica, em 1971 so lanadas duas obras
pioneiras no campo da conservao e
restaurao de papel no mercado brasi-
leiro: O papel: problemas de conservao
e restaurao, de Edson Motta e Maria
Luiza Guimares Salgado, e Conserve e
restaure seus documentos, de Lindaura
Alban Corujeira.35 Dada a escassez de
informaes tcnicas, essas obras, pu-
blicadas no contexto da dcada de 1970,
tornam-se material de referncia. Em
Motta & Salgado observamos a prevaln-
cia de autores norte-americanos o que
evidencia a formao de Motta no Fogg
Museum da Universidade de Harvard, in-
cluindo a obra The treatment of pictures,
autoria de Morton C. Bradley Jr.,36 na qual
o papel abordado como categoria da
pintura. Em contraposio, em Corujeira
observa-se maior influncia de autores
europeus, visto que sua formao na rea
de conservao e restaurao de papel
fruto de cursos e estgios realizados na
Biblioteca Nacional de Madri e no Istituto
de Patologia del Libro Alfonso Gallo, em
Roma, Itlia.
No que tange s influncias internacio-
nais na formao da disciplina no mbito
brasileiro, Jannice de Mello Monte-Mr,
ento diretora da Biblioteca Nacional, so-
licita ajuda Unesco para a preservao
e restaurao do acervo da instituio,
possibilitando a vinda ao Brasil, em 1974,
da doutora Maria Di Franco, diretora da
Biblioteca Valiceliana, em Roma. Durante
a sua permanncia por quinze dias no
Brasil, a especialista visitou o Arquivo
Nacional, proferiu conferncia no Minis-
trio da Educao e Cultura e observou
detalhadamente a situao da Bibliote-
ca Nacional.37 Em relao prtica de
conservao e restaurao ento desen-
volvida pelo laboratrio de restaurao
da Biblioteca Nacional, a especialista
contundente ao apontar aspectos que re-
velam a falta de aparato tcnico-cientfico
bem como a inadequao da metodo-
logia empregada pelo setor.38 Apontou,
ainda, em seu relatrio, grande nfase
formao de pessoal, evidenciando a
necessidade de trabalhar sob a orientao
cientfica, motivando qumicos e bilogos
no Brasil a desenvolver estudos cientfi-
cos na rea.39 Ao concluir seu relatrio,
a doutora Maria Di Franco apresenta um
plano de trabalho a ser implementado na
Biblioteca Nacional, destacando a neces-
sidade de treinamento profissional por
meio de realizao de estgio de carter
prtico e de curta durao na Itlia.40
Por conseguinte, a Unesco ofereceu duas
bolsas de estudos para que funcionrios
da Biblioteca Nacional fossem receber
treinamento no Istituto de Patologia del
Libro Alfonso Gallo, em Roma. Dessa
forma, Gilda Lefebvre e Eucdia Guima-
res, ento bibliotecrias da Biblioteca
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Nacional, obtiveram a bolsa de estudos
e, em 1975, iniciaram o treinamento no
referido Instituto.41
A partir dos anos de 1970, as linhas de
trabalho direcionam-se para o conceito
europeu, seja pelo despertar advindo das
aes desenvolvidas aps a enchente de
Florena, ocorrida em 1966, seja pela for-
mao dos conservadores-restauradores
em cursos e estgios de mdia ou curta
formao subsequentes ao prof. Edson
Motta em centros europeus que inspi-
raram, de certo modo, o surgimento dos
ncleos iniciais de conservao-restau-
rao. Portanto, nas dcadas de 1960,
1970 e 1980, os princpios basilares da
conservao-restaurao fundam-se, no-
tadamente, nos modelos institucionais
da Espanha, Itlia, Portugal, Alemanha,
Frana e Inglaterra.
Num estudo publicado pela Unesco, em
1973, o restaurador indiano Yash Pal
Kathpalia salientou a necessidade de im-
plantao de laboratrios de conservao
e restaurao nas instituies detentoras
de acervos. De modo sintomtico, a partir
do final da dcada de 1970, verificam-se
as iniciativas de elaborao de projetos
com vistas a implantar os laboratrios de
conservao e restaurao especializados
em papel, os quais, de certo modo, teriam
o propsito de substituir os locais de tra-
balho ainda caracterizados por sees
ou por ateli geralmente de pequeno
porte nas instituies brasileiras deten-
toras de acervos. Nessa fase de cunho
tecnicista, detecta-se a predominncia
da discusso em torno do diagnstico do
estado de conservao dos acervos dete-
riorados, bem como dos critrios, tcnicas
e metodologias a serem aplicados nos
bens deteriorados. Desse modo, verifica-
mos que a implantao dos laboratrios
de conservao e restaurao de papel
no Brasil representou o inaugurar de uma
nova fase, ou seja, as instalaes fsicas
e o aparato tecnolgico constituam-se
elementos fundamentais para o desenvol-
vimento das atividades de conservao
e restaurao de papel em consonncia,
portanto, com as matrizes conceituais e
os progressos cientficos assinalados em
centros estrangeiros de referncia.
Em 1977, o ento Setor de Conservao
e Restaurao de Pintura, Escultura,
Talha, Manuscritos e Cdices passa a
denominar-se Centro de Conservao e
Restaurao de Bens Culturais do IPHAN,
sob a direo de Maria Luiza Guimares
Salgado. Tal mudana coaduna as influ-
ncias do iderio de Alosio Magalhes,
ocasio em que ele substitui a noo de
valor de patrimnio histrico e artstico
por bem cultural. Em 1978, Maria Luiza
Guimares Salgado realiza um estudo so-
bre a definio de atribuio de tcnico
de assunto cultural rea de restaurao.
H nesse estudo uma descrio detalhada
sobre o perfil do restaurador de papel no
qual verificamos o empenho da autora
em justificar a importncia da atividade
e, consequentemente, a reivindicao
do status e do reconhecimento profis-
sional no contexto do servio pblico.42
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Embora a autora saliente a importncia
das pesquisas cientficas e do laborat-
rio cientfico na rea de papis, ainda se
verifica o perfil do profissional ancorado
em aptides de natureza artstica como:
habilidade manual, destreza manual,
sensibilidade e agudo senso crtico. Tais
qualidades evidenciam o perfil profissio-
nal da dcada de 1970, focado em ativi-
dades curativas e intervencionistas. Dessa
forma, depreende-se a preponderncia do
perfil artstico sobre o perfil cientfico,
no qual os conhecimentos de qumica e
biologia ainda no se encontravam sedi-
mentados na disciplina da conservao e
restaurao de papel. No que concerne
formao profissional, Salgado elabora
o estudo Laboratrio-escola para restau-
rao de papis, ressaltando o volume
quantitativo de acervos em papel locali-
zados no territrio brasileiro, bem como
a problemtica de conservao num pas
de clima tropical.
No final da dcada de 1970, destaca-se o
pioneirismo da implementao de um cen-
tro especialmente dedicado ao tratamento
do papel, o Laboratrio de Conservao
e Restaurao de Documentos Grficos
(LACRE) do Centro de Documentao da
Fundao Casa de Rui Barbosa, a partir
da aprovao de projeto da Financiadora
de Estudos e Projetos (FINEP). Por meio
de cursos e estgios supervisionados, o
LACRE participou efetivamente, nos anos
de 1980 e 1990, na formao de grande
parcela de conservadores-restauradores
especializados em documentos grficos,
tornando-se referncia no mbito nacional
na implantao de laboratrios e ncleos
iniciais de conservao-restaurao de
papel em diversos museus, arquivos, bi-
bliotecas e universidades.
Quanto aos critrios de valorao do bem
cultural e, consequentemente, das esco-
lhas do patrimnio a ser preservado, os
movimentos sociais possibilitados pela
abertura do regime poltico, em fins da
dcada de 1970, contriburam no sentido
de dar voz pluralidade de vivncias e
reapropriao da memria. No processo
de reivindicao pela democratizao da
cultura, os agentes culturais trabalham no
sentido da ampliao da noo de bem
cultural, so eleitas novas memrias, e te-
mas como pertencimento, transformao
social e cidadania inserem-se no debate
preservacionista.
Nesse contexto, Alosio Magalhes no-
meado diretor do IPHAN, inaugurando-
se a fase moderna do rgo oficial
de proteo do patrimnio brasileiro.
Recm-empossado, Magalhes participa
do I Encontro Brasileiro de Conservao e
Restaurao de Livros e Documentos, em
30 de julho de 1979, no Museu Paulista.
Magalhes profere o discurso A preser-
vao da memria nacional e lembra o
conceito abrangente de bem cultural, tal
como propusera Mrio de Andrade. Ma-
galhes nos chama a ateno para a ne-
cessidade de preservao do conjunto de
bens culturais que integram o patrimnio
brasileiro, fazendo meno, em particular,
ao papel enquanto categoria tipolgica
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de bem cultural a ser preservado: ou
comeamos a cuidar de nossos papis,
onde esto contidas informaes, dados,
e valores que traam a trajetria evoluti-
va, ou vamos carecer dessas informaes,
fundamentais na explicitao do futuro.43
Ao frisar a importncia dessa conscien-
tizao cultural Magalhes assevera que
no caso especfico do papel e do docu-
mento, o papel o suporte de grande
parte da nossa informao histrica. E se
esse suporte no merecer um trato ade-
quado, desaparece a informao que nele
foi depositada em tempos passados.44
oportuno destacar a relevncia do dis-
curso oficial de Magalhes na medida em
que ele valoriza o papel como tipologia
de bem cultural a ser preservado, eviden-
ciando significativos avanos conceituais
na poltica patrimonial brasileira.
Em 1979, criada a Coordenadoria de
Conservao e Restaurao de Livros
e Documentos do Estado de So Paulo
(CORLIDOSP) com o objetivo de elaborar
e implantar uma sistemtica de restaura-
o e conservao de livros e documentos
histricos, abrir novos campos de pes-
quisas historiogrficas e aperfeioar as
tcnicas de restaurao, destacando-se a
realizao, ainda em 1979, do I Encontro
Brasileiro de Conservao e Restaurao
de Livros e Documentos.45 tambm no
bojo das aes da CORLIDOSP que se d
a elaborao de projetos pioneiros de
implantao de laboratrios de conserva-
o e restaurao de papel no mbito do
estado de So Paulo, bem como o projeto
do Centro de Conservao e Restaurao
de Livros e Documentos do Museu Paulista
da Universidade de So Paulo.46
Em 1984, criado o Programa Nacional de
Preservao da Documentao Histrica
Pr-Documento tendo como finalidade
preservar, em todo territrio nacional,
os acervos documentais privados de va-
lor permanente, demarcando a atuao
do Estado brasileiro na defesa da docu-
mentao privada em mbito nacional.47
Com relao aos objetivos especficos
estabelecidos no Pr-Documento, ressal-
tamos aspectos ligados conservao e
restaurao de papel como a assessoria
s atividades tcnicas de melhoria das
infraestruturas de armazenagem e acon-
dicionamento, alm da manuteno de
atividades permanentes de desinfestao
de documentos. Em 1987, realizou-se o
I Seminrio de Biodegradao de Bens
Culturais Papel e Madeira. Lamentavel-
mente, o Programa durou apenas trs anos
e foi desmobilizado em 1988.
Vinculado ao iderio de Guita
Mindlin e Thereza Nickelsburg
Brando Teixeira, em 1988
criada a Associao Brasileira de Encader-
nao e Restauro (ABER), exemplificando
a importante participao da sociedade
civil no campo da conservao e restau-
rao de livros, documentos impressos e
manuscritos, bem como da encadernao
artesanal.48 Em convnio com a Escola Se-
nai Theobaldo de Nigris, a ABER criou, em
1990, o curso de conservao-restaurao
de documentao grfica, considerado o
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nico em nvel tcnico na Amrica Latina,
verificando-se a importncia da criao
do primeiro laboratrio-escola em mbito
nacional. O curso tem como finalidade
preparar auxiliares na preservao, con-
servao e restauro de documentao
grfica. Ao longo dos seus vinte anos
de funcionamento, encontra-se na 32a
turma, tendo formado cerca de trezentos
tcnicos representantes de diversas re-
gies brasileiras e de pases vizinhos na
Amrica Latina.
Na dcada de 1990, marcam-se mu-
danas de paradigmas conceituais mo-
tivadas pelo despertar da conservao
preventiva.49 nessa perspectiva que
as aes da preservao documental
pautam-se, notadamente, em refern-
cias bibliogrficas de autores norte-
americanos, conforme evidenciado no
Projeto Conservao Preventiva em
Bibliotecas e Arquivos (CPBA).50 Com a
apropriao dos conceitos estabelecidos
pela conservao preventiva, nota-se o
paulatino desligamento da aplicao de
tcnicas curativas do bem cultural e,
por conseguinte, verificamos as iniciati-
vas com tnica no desenvolvimento de
programas de preservao dos estoques
informacionais, planejados sob a tica
interdisciplinar, os quais compreendem
aspectos polticos, culturais, tcnicos
e administrativos. Com isso, tem-se a
quebra de paradigma, mudando o foco
da disciplina, anteriormente dirigida ao
bem cultural deteriorado e agora con-
servao dos estoques informacionais.
No mbito das sociabilidades, verifica-
mos, ao longo da primeira dcada dos
anos de 2000, o desenvolvimento de
vrios projetos de preservao de acer-
vos em papel caracterizados por prticas
inclusivas.51 Desse modo, cabe analisar a
ampliao do perfil dos agentes sociais
que se integram tarefa preservacionis-
ta. Se, primeiramente, vemos a atividade
restrita aos especialistas no mbito das
instituies detentoras de acervos bi-
bliogrficos e documentais, atualmente
verificamos a realizao de projetos de
cidadania cultural que, ao romper frontei-
ras institucionais e acadmicas, ganham
contornos democrticos, promovem a
conscientizao patrimonial e envolvem
um maior nmero de atores sociais no
espao plural preservacionista.
As reflexes que entreteceram este artigo
tentaram trazer cena algumas prticas e
narrativas ainda pouco conhecidas e/ou
estudadas da preservao documental,
descortinando espaos que estimulem
novos debates tericos e historiogrficos
relativos preservao documental no Bra-
sil. certo afirmar que muitas investiga-
es ainda se fazem necessrias tendo em
vista a melhor compreenso da construo
cultural da disciplina. Ao voltar-se para
essa perspectiva de anlise, este estudo
tem o propsito de lanar luz e fustigar a
discusso de questes concernentes ao
caminho trilhado pela preservao dos
acervos em papel, de modo a contribuir
para o preenchimento de uma ampla la-
cuna historiogrfica.
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N O T A S1. ARNOULT, Jean-Marie. Le Centre de Sabl (1979-1984). In: NORTIER, Michel (dir.). tudes sur
la bibliothque nationale et tmoignages: runis en hommage Thrse Kleindienst. Paris: Bibliothque Nationale, 1985, p. 173 apud ROSSI, Libero & GUASTI, Gisella. Dal restauro alla conservazione: la gestione del patrimonio librario. Roma: La Nuova Itlia Scientifica, 1987, p. 75. (traduo nossa).
2. MARTINEZ JUSTICIA, Maria Jose. Historia y teoria de la conservacin y restauracin artstica. Madri: Tecncos, 2000, p. 42.
3. MATERO, Frank. Ethics and policy in conservation. The GCI Newsletter, v. 15, n. 1, Spring 2000, p. 4.
4. KHL, Beatriz Mugayar. Histria e tica na conservao de monumentos histricos. Revista do Patrimnio Cultural, USP, So Paulo, v. 1, n. 1, p. 17, nov. 2005/abr. 2006.
5. CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Rio de Janeiro: Difel, 1990, p. 14.
6. Idem, ibidem, p. 16-17.
7. EHRELE, F. Della Conferenza Internazionale di S. Gallo (1898). Revista delle biblioteche e degli archivi, v. XX (1909), p. 113 apud FURIA, Paola. Storia del restauro librario. Roma: Istituto Cen-trale per la Patologia del Libro; Milo: Editrice Bibliografia, 1992, p. 48.
8. FEDERICI, Carlo & ROSSI, Libero. Manuale di conservazione e restauro del libro. Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1983, p. 27.
9. GALLO, Alfonso. Vicende e danni di guerra. Boll. I.P.L., VI 91947, p. 1-14 apud FURIA, Paola, op. cit., p. 65-66.
10. Entomologista do Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de So Paulo.
11. CARRERA, Messias. Histria dos insetos inimigos dos livros. Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia, v. 33, n. 3, p. 354, 1981.
12. O Arquivo Pblico do Imprio foi criado por meio do regulamento n. 2, de 2 de janeiro de 1838.
13. ARQUIVO NACIONAL. Relatrio do Arquivo Pblico do Imprio de 1846 apud HOLLS, Adriana Lcia Cox. Entre o passado e o futuro: os limites e as possibilidades da preservao documental no Arquivo Nacional do Brasil. 2006. Dissertao (Mestrado em Memria Social), UNIRIO, Rio de Janeiro, p. 50.
14. Idem, ibidem, anexo F, p. 91-99.
15. SUBSECRETARIA DO PATRIMNIO HISTRICO E ARTSTICO NACIONAL. Bens mveis e imveis inscritos nos livros do tombo do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Braslia: 1982, p. 11.
16. Cf. Ata de Incinerao transcrito do Jornal Estado da Bahia, de 17 de dezembro de 1937, apud DUARTE, Eduardo de Assis. Leitura e cidadania. Disponvel em http://www.unicamp.br/iel/memoira/Ensaios/leitura%20e%20cidadania.htm. Acesso em: 9 abr. 2007.
17. Cf. Coleo Papis Avulsos alocados no Arquivo Histrico Municipal Washington Lus, de So Paulo.
18. Edson Motta ocupava, como servidor pblico, o cargo de conservador do patrimnio histrico e artstico, na ento Diretoria do Patrimnio Histrico e Artstico do Ministrio da Educao e Cultura. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Conservao e Restaurao.
19. MOTTA, Edson. Pinturas. Rio de Janeiro, 1982. No paginado. (Catlogo de exposio, 9 set./ 3 out. 1982, Museu Nacional de Belas Artes, Ministrio da Educao e Cultura, Fundao Nacional Pr-Memria).
20. Arquivo Noronha Santos IPHAN. Srie Centro de Restaurao de Bens Culturais. Relatrio sobre as atividades do Laboratrio da Biblioteca 1948-50, Rio de Janeiro, 6 de novembro de 1950.
21. BARROSO, Gustavo. Arrumao de livros/Conservao de livros. In: BARROSO, Gustavo. Introdu-o tcnica de museus. Rio de Janeiro, v. 1, Grfica Olmpica, 1946, p. 222-224.
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Acervo, Rio de Janeiro, v. 23, no 2, p. 31-46, jul/dez 2010 - pg. 45
22. Idem, ibidem, p. 13-14.
23. Idem, ibidem, p. 84.
24. MOTTA, Edson. Pinturas, op. cit.
25. Conservadora-restauradora aposentada, ex-diretora do Centro de Conservao e Restaurao de Bens Culturais do IPHAN.
26. Apud BERNWANGER, Ktia Ins e CHRISTO, Tatiana R. Restaurao de incunbulo, reverso de laminao Barrow. Boletim Informativo da Associao Brasileira de Conservadores-Restauradores de Bens Culturais, p. 11, mar./abr./maio 2001.
27. HOLLS, Adriana Lcia Cox. Entre o passado e o futuro, op. cit., p. 44.
28. Bibliotecria da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal da Bahia e professora do curso de restaurao do Arquivo Pblico do Estado.
29. CORUJEIRA, Lindaura Alban. Conservao e restaurao de livros e documentos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAO, 3, 1961, Curitiba. Anais... Curitiba, 1961, p. 41-58.
30. Resumo das decises tomadas nas reunies convocadas pelo diretor-geral, Rodrigo Melo Fran-co de Andrade, realizadas na sede do DPHAN nos dias 3, 4 e 5 de dezembro de 1962, com o fim especial de estabelecer normas e planos para ordenao dos trabalhos de recuperao de obras de arte. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Centro de Restaurao de Bens Culturais do SPHAN.
31. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Conservao e Restaurao.
32. COREMANS, Paul. Organizacin de un Servicio Nacional de Preservacin de los Bienes Culturales. In: UNESCO. La conservacin de los bienes culturales. Paris: Unesco, 1969, p. 83.
33. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Centro de Restaurao de Bens Culturais. Documento de 5 de fevereiro de 1968.
34. MOTTA, Edson. Palavras de abertura. In: SEMINRIO BRASILEIRO DE PRESERVAO E RESTAU-RAO DE DOCUMENTOS, 1, 21 e 22 de outubro de 1976, Rio de Janeiro. Anais... CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA, 3, 1976, Rio de Janeiro, 1979, p. 813.
35. Bibliotecria da Universidade Federal da Bahia e professora do curso de restaurao do Arquivo Pblico da Bahia.
36. BRADLEY JR., Morton C. The treatment of pictures. Cambridge, Massachusetts: The Cosmos Press, 1950.
37. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Centro de Restaurao de Bens Culturais.
38. Conservao e restaurao: problemas da Nacional do Rio de Janeiro. Revista de Biblioteconomia, Braslia, v. 3, n. 2, p. 199-208, jul./dez. 1975. Trad. Elton Eugnio Volpini, p. 5-6.
39. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Centro de Restaurao de Bens Culturais.
40. Conservao e restaurao: problemas da Nacional do Rio de Janeiro, op. cit.
41. Depoimento de Gilda Lefebvre realizado em 5 de maio de 2006.
42. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Centro de Restaurao de Bens Culturais (Laboratrio).
43. COORDENADORIA DE CONSERVAO E RESTAURAO DE LIVROS E DOCUMENTOS DO ESTADO DE SO PAULO (CORLIDOSP). Relatrio de atividades. So Paulo: 1980, p. 5. (cpia xerogrfica).
44. Idem.
45. Cabe registrar que tal evento no foi, portanto, o primeiro encontro no campo conservao e restaurao de papel a ser realizado no mbito brasileiro. De fato, o primeiro evento realizado foi o I Seminrio Brasileiro de Preservao e Restaurao de Documentos, realizado no Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1976, como parte integrante do III Congresso Brasileiro de Arquivologia.
46. Arquivo Noronha Santos IPHAN, Srie Conselho.
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47. PROGRAMA NACIONAL DE PRESERVAO DA DOCUMENTATAO HISTRICA Pr-Documento. Rio de Janeiro: Fundao Nacional Pr-Memria, 1984, p. 3.
48. Boletim ABER, ano X, n. 2, p. 2, 1998.
49. Cf. GUICHEN, Gal de. La conservation preventive: un changement profond de mentalit. Study series, Bruxelas, ICOM-CC/ULB, v. 1, n. 1, p. 4-5, 1995.
50. Pelo alcance dos resultados obtidos, o Projeto CPBA recebeu, em 1998, o Prmio Rodrigo Melo Franco de Andrade.
51. Como, por exemplo: Penitenciria Estadual de Maring, Penitenciria Talavera Bruce no Rio de Janeiro, Ong Novo Papel, Fundao Pedro Calmon na Bahia e Centro de Estudos de Restauro do Patrimnio em Olinda (CERPO).
Recebido em 25/10/2010
Aprovado em 26/11/2010
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