Presente e Futuro · país na região e da região no país. ... É permitida a reprodução deste...

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Editores André Bojikian Calixtre André Martins Biancarelli Marcos Antonio Macedo Cintra Presente e Futuro do desenvolvimento brasileiro

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EditoresAndr Bojikian CalixtreAndr Martins BiancarelliMarcos Antonio Macedo Cintra

Presentee Futuro

do desenvolvimento brasileiro

O livro promove uma atualizao do debate brasileiro sobre o desenvolvimento capitalista tardio, perifrico e dependente, bem como sobre o fenmeno do desenvolvimentismo. Nesses termos, retoma a tradio crtica e reformista brasileira da construo nacional interrompida do Mestre Celso Furtado. A partir deste prisma terico, prope uma reflexo sobre as transformaes do presente: o crescimento com distribuio de renda e desindustrializao, no momento em que ocorre um brutal acirramento da concorrncia intercapitalista e interestatal no enfrentamento da crise financeira e econmica global.

A intensidade das mudanas socioeconmicas ocorridas no Brasil e no mundo exige um esforo coletivo de reflexo. Exige tambm a revitalizao do debate de mltiplas questes e de diversos pontos de vista , a fim de auxiliar no alargamento dos horizontes dos lderes sindicais, do pequeno, do mdio e do grande capital, das elites polticas, das classes subalternas e dos formadores da opinio pblica, e fazer avanar o processo de desenvolvimento democrtico e inclusivo da populao brasileira.

Da mesma forma, deve-se ampliar a discusso em torno do papel do pas na regio e da regio no pas. A reorganizao da economia industrial capitalista poderia se dar mediante o aprofundamento da integrao entre os pases da Amrica do Sul, possibilitando a articulao de cadeias produtivas regionais importar para exportar , em particular nos novos setores que surgiram em mbito mundial.

O livro promove, portanto, uma oxigenao preciosa no debate brasileiro a partir da tradio crtica latino-americana em um momento crucial de nossa histria.

Maria da Conceio TavaresProfessora emrita do Instituto de Economia da Universidade Federal

do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e Professora associada do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas

(IE/UNICAMP)

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Presentee Futuro

do desenvolvimento brasileiro

Governo Federal

Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Marcelo Crtes Neri

Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

Diretor de Estudos e Polticas SociaisHerton Ellery Arajo

Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

Chefe de GabineteBernardo Abreu de Medeiros

Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

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Presentee Futuro

do desenvolvimento brasileiro

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Presentee Futuro

do desenvolvimento brasileiro

Braslia, 2014

Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2014

As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro / editores: Andr Bojikian Calixtre, Andr Martins Biancarelli, Marcos AntonioMacedo Cintra. Braslia : IPEA, 2014. 643 p. : il., grfs. color.

Inclui Bibliografia.ISBN: 978-85-7811-214-1

1. Desenvolvimento Econmico e Social. 2. Desenvolvimento Agropecurio. 3. Desenvolvimento Industrial. 4. Investimentos Pblicos. 5. Poltica Social. 6. Incluso Social. 7. Integrao Econmica. 8. Brasil. I. Calixtre, Andr Bojikian. II. Biancarelli, Andr Martins. III. Cintra, Marcos Antonio Macedo. IV. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

CDD 338.981

SUMRIO

APRESENTAO .............................................................................................7

INTRODUO .................................................................................................9Andr Bojikian Calixtre Andr Martins BiancarelliMarcos Antonio Macedo Cintra

CAPTULO 1DESENVOLVIMENTISMO: A CONSTRUO DO CONCEITO ................................29Pedro Cezar Dutra Fonseca

CAPTULO 2PLANEJAMENTO, DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: PERSPECTIVAS LUZ DAS CAPACIDADES ESTATAIS E INSTRUMENTOS GOVERNAMENTAIS .........................................................................................79Jos Celso Cardoso Jnior

CAPTULO 3ESTRATGIA DE DESENVOLVIMENTO E AS TRS FRENTES DE EXPANSO NO BRASIL: UM DESENHO CONCEITUAL ................................115Ricardo Bielschowsky

CAPTULO 4EVOLUO DOS INVESTIMENTOS NAS TRS FRENTES DE EXPANSO DA ECONOMIA BRASILEIRA NA DCADA DE 2000 .............................................135Ricardo BielschowskyGabriel Coelho SqueffLucas Ferraz Vasconcelos

CAPTULO 5REGIME MACROECONMICO E O PROJETO SOCIAL-DESENVOLVIMENTISTA .....................................................................195Pedro Rossi

CAPTULO 6ASPECTOS DA ATUAO ESTATAL DE FHC A DILMA ......................................227Francisco Luiz C. Lopreato

CAPTULO 7DVIDA PBLICA: O LIMIAR DE MUDANAS? ................................................261Francisco Luiz C. Lopreato

CAPTULO 8FINANCIAMENTO INTERNO DE LONGO PRAZO .............................................293Fernando Nogueira da Costa

CAPTULO 9O FINANCIAMENTO DA AGROPECURIA BRASILEIRA NO PERODO RECENTE ..............................................................329Walter Belik

CAPTULO 10A INDUSTRIALIZAO DO BRASIL ANTE A NOVA DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO .....................................................375Marcelo Arend

CAPTULO 11CRESCIMENTO DA ECONOMIA E MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL .........423Paulo Baltar

CAPTULO 12A REDUO DA DESIGUALDADE E SEUS DESAFIOS .......................................469Claudio Salvadori Dedecca

CAPTULO 13DESAFIOS INTEGRAO DA AMRICA DO SUL ...........................................513Jos Carlos Miranda

CAPTULO 14TRS ENSAIOS SOBRE A INTEGRAO EUROPEIA..........................................543Jos Carlos Miranda

CAPTULO 15O SISTEMA FINANCEIRO GLOBALIZADO CONTEMPORNEO: ESTRUTURA E PERSPECTIVAS ........................................................................595Ernani Teixeira Torres Filho

CAPTULO 16O ESTOURO DE BOLHAS ESPECULATIVAS RECENTES: OS CASOS DOS ESTADOS UNIDOS E DO JAPO .............................................623Ernani Teixeira Torres Filho

APRESENTAO

medida que novas pesquisas vo sendo concludas, revela-se mais inequvoco o papel indutor e transformador das diversas polticas sociais implementadas pelos diferentes governos aps a promulgao da Constituio Federal de 1988.

O Ipea, sobretudo por meio da equipe de sua Diretoria de Estudos e Polticas Sociais (Disoc), tem contribudo para dimensionar, avaliar e propor aperfeioa-mentos ao conjunto das polticas sociais no pas. Inmeros estudos e publicaes procuram dar conta dos impactos macro e microeconmicos desta soma de polticas pblicas direcionadas aos grupos sociais mais pobres: Programa Bolsa Famlia, aumento real do salrio mnimo, formalizao do mercado de trabalho, Programa Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Mais Mdicos, Programa Universidade para Todos etc.

Como resultado desse conjunto de polticas, a renda per capita do trabalhador brasileiro elevou-se de US$ 8.430,00 em 1994 para US$ 11.150,00 em 2013 valores de 2013. O ndice de Gini, que mede a desigualdade da renda pessoal, caiu de 0,601 em 1995 para 0,530 em 2012. Neste movimento, o nmero de pessoas extremamente pobres, isto , com renda abaixo de R$ 70,00 por ms, diminuiu de 22,4 milhes para cerca de 10 milhes no mesmo perodo, segundo informaes obtidas junto ao Ipeadata.

As evidncias e as discusses em torno dessas transformaes extraordinrias, no entanto, no devem obliterar a reflexo crtica sobre a necessidade de constantes aperfeioamentos ao modelo de desenvolvimento inclusivo brasileiro. A intensi-ficao das manifestaes populares parece reforar esta assertiva.

Nesse sentido, observa-se que o dinamismo do mercado interno perdeu mpeto. A arrecadao tributria, fortemente ancorada no consumo, arrefeceu. As altas taxas de juros, que perduram por um longo perodo, impem um elevado custo financeiro ao setor pblico, exigindo um superavit primrio renitente no inferior a 2% do produto interno bruto (PIB) para conter o endividamento bruto e o lquido. Os gastos pblicos vo se tornando cada vez mais rgidos, acompanhados da expan-so das polticas sociais. Dessa forma, os dois lados da equao, receita e despesa, vo encontrando dificuldades para serem consolidados, sem um aumento, mesmo que marginal, da carga tributria ou sem uma conteno dos investimentos pblicos, sobretudo em infraestrutura, cruciais para viabilizar a expanso socioeconmica, mas nicas despesas passveis de serem contingenciadas.

8 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

O governo federal procurou reagir a esses constrangimentos crescentes, por meio da desonerao do investimento, da produo e do consumo privado, com efeitos limitados sobre a retomada da atividade econmica, mas aprofundando a renncia de receitas tributrias. Assim, as margens de manobra do setor pblico brasileiro vo se estreitando.

Porm, so questes que precisam ser amplamente debatidas por toda a socie-dade: como acelerar o crescimento econmico; reduzir as taxas de juros domsticas; financiar os investimentos pblicos e privados; aperfeioar e estender as polticas sociais sade e educao de melhor qualidade, mobilidade urbana, habitao, gua e esgotos tratados demandadas pela populao nas ruas das metrpoles; e como coordenar os investimentos em infraestrutura econmica e social, no agronegcio, na indstria e nos servios (cidades digitais). No h soluo fcil, motivo pelo qual o Ipea se orgulha de divulgar este livro, que rene importantes elementos para o embasamento destas discusses.

Sergei Suarez Dillon SoaresPresidente do Instituto de Pesquisa

Econmica Aplicada (Ipea)

INTRODUO

Andr Bojikian Calixtre1 Andr Martins Biancarelli2

Marcos Antonio Macedo Cintra3

Que se parta de uma viso microeconmica ou macroeconmica, qualquer que seja o exerccio analtico, a dimenso poltica do processo de desenvolvimento incon-

tornvel. A histria nos demonstra que o avano social dos pases que lideram esse processo no foi fruto de uma evoluo automtica e inercial, mas de presses polticas

da populao. So estas que definem o perfil de uma sociedade, e no o valor mercantil da soma de bens e servios por ela consumidos ou acumulados. Em outras palavras,

s haver verdadeiro desenvolvimento que no se deve confundir com crescimento econmico, no mais das vezes resultado de mera modernizao das elites ali onde

existir um projeto social subjacente. s quando prevalecerem as foras que lutam pela efetiva melhoria das condies de vida da populao que o crescimento se

transforma em desenvolvimento (Furtado, 2004) (grifos nossos).4

No primeiro semestre de 2012, a equipe do Ipea, sob a liderana do professor Marcio Pochmann, delineou o projeto Agenda Desenvolvimentista Brasileira e sua Insero Global (Chamada Pblica no 59/2012). Tratava-se de pensar com o auxlio de pesquisadores de diferentes instituies duas dimenses do desenvolvi-mento brasileiro contemporneo, a domstica e a internacional, e propor polticas alternativas a fim de possibilitar a expanso das conquistas alcanadas. Tratava-se, portanto, de compreender o presente para auxiliar a construir o futuro. No plano domstico, o desafio era identificar as transformaes econmicas e sociais ocorridas nas ltimas dcadas e imaginar estratgias para sustentar o processo de crescimento e de incluso social. No plano internacional, era apreender a articulao financeira e produtiva da economia brasileira com o restante do mundo e desenhar polticas para aperfeioar a insero na economia global.

1. Tcnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Atualmente, desempenha atividades na Secretria-Geral da Presidncia da Repblica (SGPR). E-mail: .2. Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Poltica Econmica (CECON) do IE/UNICAMP e coordenador da Rede Desenvolvimentista. E-mail: .3. Tcnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Polticas Macroeconmicas (Dimac) do Ipea. E-mail: .4. Centro Internacional Celso Furtado de Polticas para o Desenvolvimento. Para mais informaes: .

10 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

Partia-se do diagnstico de uma interpenetrao crescente das economias nacionais. A globalizao financeira havia desencadeado abundantes fluxos de capitais de curto, mdio e longo prazo durante a Grande Moderao e aps a crise financeira e econmica, cujo enfrentamento exigiu a manuteno de taxas de juros ultrabaixas nos pases desenvolvidos por um longo perodo. A dinmica destes fluxos de capitais, no entanto, revelava-se altamente instvel. Na euforia, os capitais invadiam as praas financeiras, valorizavam os ativos mobilirios e imobilirios, bem como apreciavam as taxas de cmbio. Na crise, a sada dos capitais desvalorizava os ativos e as taxas de cmbio, o mercado interbancrio internacional e os principais mercados de capitais retraiam-se, e os custos dos emprstimos e das emisses de bnus se elevavam, dificultando a rolagem dos contratos de dvidas, obliterando inclusive as operaes de crdito ao comrcio exterior. Mesmo o investimento estrangeiro direto (IED), composto por uma grande proporo de emprstimos intercompanhias, tendia a reproduzir a natureza instvel dos fluxos financeiros.

A globalizao produtiva, por sua vez, estava promovendo a ampliao dos fluxos de comrcio exterior e mudanas na forma de organizao e de localizao da produo. As cadeias globais de valor, formadas por redes internacionais de produ-o, de cadeias globais de suprimento e de terceirizao de segmentos da produo, fragmentavam a produo manufatureira, sobretudo nas indstrias de montagem (aeronutica, automobilstica, eletrnica e vesturio). O desmembramento do processo produtivo em diversos blocos de produo e sua realocao para pases de menores custos ocorreriam, predominantemente, nas tarefas rotineiras de montagem e de fornecimento de servios gerais (centrais de atendimento), que exigiam menor qua-lificao dos trabalhadores e, simultaneamente, melhores condies nas tecnologias de informao, de comunicao, dos transportes e facilitao dos procedimentos e normas de comrcio exterior (barreiras tarifrias e no tarifrias). As empresas lderes, no entanto, mantinham o controle das marcas, da concepo dos produtos, das tecnologias de produo, dos sistemas de distribuio e de marketing global. Por meio deste fatiamento da cadeia de valor agregado, as empresas da Amrica do Norte, da Europa e da sia se rearticularam de forma hierarquizada. Os pases em desenvolvimento da Amrica Latina, da frica e do Oriente Mdio permaneceram relativamente margem destas cadeias globais de valor, dadas as deficincias nas infraestruturas de logstica de transporte, bem como no perfil das estruturas produtivas. Estes pases se inseriram por meio da produo e da exportao de commodities minerais, agrcolas e energticas.

A insero da economia brasileira nessas duas foras dinmicas presentes na esfera internacional ocorreu de forma desequilibrada. Na dimenso financeira, acon-teceu uma ampla integrao do sofisticado sistema financeiro domstico com o inter-nacional, por meio da abertura da conta de capital do balano de pagamento per-maneceram restritas apenas as operaes de moeda estrangeira no mercado interno.

11Introduo

Na dimenso produtiva, sobreveio uma limitada integrao da estrutura produtiva domstica com as cadeias produtivas globais resultando em um deficit comercial crescente da indstria manufatureira e um superavit do setor produtor de commodities alimentos, minrios e petrleo (pr-sal em construo).5

De todo modo, a economia brasileira foi capaz de aproveitar a combinao excepcional de expanso da liquidez financeira internacional, da demanda e dos preos das commodities, e promover mudanas importantes em seu modelo de desenvolvimento. Os ciclos de capitais e de expanso das exportaes de commodities possibilitaram o enfrentamento da restrio externa at mesmo a acumulao de reservas internacionais e o crescimento do produto e do emprego domstico, apoiados por um amplo programa de incluso social e de melhoria das condies de vida das populaes mais pobres, bem como em um conjunto de investimentos pblicos, consubstanciados nos Programas de Acelerao do Crescimento (PAC I e PAC II).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o rendimento mdio real efetivo das pessoas ocupadas saltou de R$ 1.073,74, em setembro de 2001 (incio da srie histrica), para R$ 2.478,75, em dezembro de 2013. Nesse perodo, a renda mdia real efetiva do trabalhador do mercado formal com carteira assinada aumentou 122,95%; a do trabalhador informal sem carteira assinada , 198,02%; e a do trabalhador por conta prpria, 97,94%. O salrio mnimo passou de R$ 381,36, em dezembro de 2002, para R$ 692,27, em dezembro de 2013 (a preos de fevereiro de 2014).

Esse modelo de desenvolvimento inclusivo se ancorou em quatro pilares essenciais. Primeiro, o crescimento econmico impulsionado pelo aumento do emprego, do salrio mnimo real e pela redistribuio da renda salarial.6 Segundo, o avano na consolidao de um Estado de bem-estar social estabelecido na Constituio Federal de 1988 (CF/1988), por meio da implementao de um vasto conjunto de polticas pblicas, tanto as universais como as direcionadas aos grupos sociais mais pobres: transferncia de renda Programa Bolsa Famlia (PBF) e Benefcio de Prestao Continuada (BPC) , aumento dos desembolsos efetuados pela previdncia social e muitos outros, como Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Mais Mdicos, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego (PRONATEC),

5. Em abril de 2014, a extrao do pr-sal alcanou 440 mil barris dirios, cerca de 20% da produo total. As reservas brasileiras comprovadas atingiram 16 bilhes de barris de leo equivalente.6. Processos semelhantes ocorreram em grande parte da Amrica Latina. Sinz (2014) toma como referncia os trs casos mais radicais de reformas polticas, econmicas e sociais latino-americanos Venezuela, com a Revoluo Bolivariana, chefiada por Hugo Chvez; Bolvia, com o Movimento ao Socialismo, capitaneado por Evo Morales; Equador, com a Revoluo Cidad, liderada por Rafael Correa , para analisar as transformaes na esfera da distribuio da renda. O autor defende a hiptese de que no houve mesmo nestes pases mudanas distributivas substantivas, mas sim transformaes redistributivas importantes. Estas possibilitaram uma ampliao da cidadania social bsica com a incorporao de setores subalternos historicamente excludos. Mas no houve mudanas significativas nas estruturas produtivas, de emprego e de riqueza. Para uma discusso sobre o processo brasileiro, ver, entre outros autores, Barbosa e Souza (2010), Barbosa (2013), Chau (2013), Medeiros (2013a; 2013b) e Pochmann (2012; 2014).

12 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

Programa Universidade para Todos (Prouni) etc.7 Estimativas indicam que as transferncias (pblicas) de assistncia e previdncia social agregadas atingiram mais de 15% do produto interno bruto (PIB), com impactos relevantes no con-sumo das famlias.8 Terceiro, a expanso do ciclo de crdito (crdito consignado e crdito ao consumidor) pelo sistema financeiro domstico, com queda da taxa de juros que permaneceu elevada, para os padres internacionais, mas menor do que era em perodos anteriores , melhores expectativas em relao ao futuro devido ampliao do emprego formal e aumento real nos salrios.9 Quarto, a articulao de um conjunto de investimentos pblicos, seja diretamente por meio da empresas estatais e do Oramento Geral da Unio (OGU) e dos estados da Federao , seja indiretamente por meio dos emprstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), da Caixa Econmica Federal (CEF) e do Banco do Brasil (BB) ao investimento privado e da participao em consrcios para viabilizar grandes projetos de infraestrutura e de logstica.10

Essa singularidade do desenvolvimento brasileiro unio entre crescimento econmico e distribuio de renda salarial representou a parte positiva de um processo de atualizao das contradies e dos desafios pertinentes ao vasto cam-po terico do pensamento econmico que emergiu da necessidade de superar o subdesenvolvimento, o desenvolvimentismo.11 O Brasil no somente foi capaz de reinventar-se no capitalismo financeiro globalizado, mantendo as elevadas taxas de juros da dvida pblica interna e das operaes de crdito realizadas pelo sistema financeiro domstico, mas tambm de integrar uma grande parcela excluda da sociedade brasileira em um mercado de consumo de massa. Algumas estimativas indicam 40 milhes de pessoas.

O crescimento desse mercado interno proveniente da formalizao do emprego, na maioria no setor de servios, com rendimentos de at dois salrios mnimos,12 pelo aumento das transferncias sociais e do investimento pblico e pela expanso do crdito, resultou em uma ampliao do consumo das famlias, abastecido em grande

7. A equipe liderada por Jorge Abraho de Castro, na Diretoria de Estudos e Polticas Sociais (Disoc) do Ipea, realizou um grande esforo para dimensionar a totalidade dos efeitos dinmicos do conjunto das polticas sociais. Um panorama deste esforo pode ser encontrado em Castro (2012).8. Ver Amitrano (2010), Santos (2013a), Corra e Santos (2013) e Cagnin et al. (2013). Para as implicaes polticas do fenmeno, ver Singer (2012).9. H uma vasta literatura sobre o ciclo de crdito. Ver, por exemplo, Cintra (2006), Ferreira e Meirelles (2009), Prates et al. (2009), FUNDAP (2011b) e Freitas (2011; 2013).10. Ver Serrano e Summa (2001), Araujo e Cintra (2010), Orair et al. (2011), Orair (2012), Santos (2013b) e Lopreato e Dedecca (2013).11. Para um panorama do pensamento econmico brasileiro, ver, entre outros autores, Bielschowsky (2007), Mantega (1984), Malta (2011) e vrios artigos sobre o desenvolvimentismo publicados na edio especial de 20 anos da Revista Economia e Sociedade, vol. 21, Instituto de Economia: Unicamp, dezembro de 2012. Para uma reflexo crtica, ver Fiori (2012).12. Segundo Kupfer (2014a): Ao contrrio do forte crescimento que ocorreu com o emprego no restante da economia, na indstria a quantidade de trabalho pouco variou no perodo 2002-2013, limitando-se a um aumento de 0,6%. (...) visvel que os setores trabalho-intensivos ajustaram o efetivo de mo de obra para baixo (queda de 12% em papel e grfica, 20% na txtil, 47% em vesturio, 51% em calados e couro ou ainda 60% em produtos de madeira). Na outra ponta, setores capital-intensivos como refino de petrleo (89%), fabricao de meios de transporte (48%) e mquinas e equipamentos (26%) mostraram crescimento consistente at 2012.

13Introduo

parte pelas cadeias produtivas globais. E, aqui, uma das principais contradies do modelo de desenvolvimento inclusivo. Desencadeou um vazamento crescente para o exterior, sobretudo para a sia, de uma parte relevante do impulso proveniente da expanso do mercado interno de consumo de massa. A indstria manufatureira brasileira foi se transformando em uma maquiladora para dentro por meio da importao de peas, componentes e produtos finais, principalmente no complexo eletroeletrnico, automotivo e farmacutico.13

Segundo a Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OECD, 2013), a economia brasileira constitui uma das que apresentam o menor valor adicionado de componentes importados nas suas exportaes, da ordem de 10%. Todavia, a contribuio em valor acrescentado s exportaes de outros pases a segunda maior entre as economias em desenvolvimento, dadas as vendas externas de insumos e matrias-primas. Vale dizer, a estrutura produtiva brasileira passou a operar como um fornecedor de insumos e matrias-primas para empresas de outros pases adicionarem valor s cadeias produtivas, e no como um exportador de produtos de maior valor agregado. As empresas lderes em geral, multinacionais efetuam o suprimento do mercado interno (expandido para a Amrica do Sul) ou a explorao de recursos naturais, no a conexo com as cadeias globais de valor. Mesmo o investimento estrangeiro direto da indstria chinesa, recebido entre 2010 e 2012, intencionou alcanar o mercado interno brasileiro e o de seus vizinhos. De acordo com Frischtak et al. (2013, p. 17), o IED da China no Brasil tinha como objetivo implementar uma estratgia de busca de mercado no setor industrial com potencial para o estabelecimento de uma plataforma de exportao no Brasil orientada para a Amrica Latina.

No h sinais de reverso desses movimentos. Ao contrrio, parecem se agravar.14 Segundo pesquisa do IEDI (2014), o comrcio exterior de bens industriais

13. Levantamento da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) (WTO, 2014, p. 21) colocou o Brasil em 22o lugar entre os trinta maiores exportadores em 2013; e em 21o lugar entre os importadores, ficando entre aqueles pases que mais ampliaram suas compras externas, mas com as vendas estagnadas. A participao do pas no comrcio internacional permaneceu em 1,3%. Para um panorama das contas externas, ver Prates (2006; 2011), Biancarelli (2011), FUNDAP (2011a; 2011c), Cintra e Silva (2012) e Corra e Xavier (2013).14. As razes so mltiplas e diversos captulos deste livro procuram levantar hipteses para fomentar o debate. Kupfer (Indstria..., 2014b, grifos nossos) alinhava uma hiptese que deve ser levada em conta, na medida em que procura encaminhar positivamente a questo industrial: A estratgia de sobrevivncia das empresas foi bem-sucedida, mas no gerou capacitao tecnolgica mais consistente que permitisse, nos anos 2000, em uma situao mais favorvel, dar o salto. Como houve uma onda importante de inovaes ligada tecnologia de informao, o sistema industrial brasileiro se defasou. Ento, alm das presses de custo e de problemas sistmicos, temos problema de produtividade em consequncia do aumento do hiato tecnolgico com relao fronteira. (...) A tecnologia vem realmente quando se faz um negcio novo, e no pelos incrementos e melhorias que se introduz em um negcio existente. Ento, quando a taxa de investimento d uma parada, como deu desde 2008, esse menor investimento vai aumentando a defasagem. Em algum ponto para frente, vamos ter um perodo de recuperao desse atraso, com uma onda de modernizao e incorporao de nova gerao de tecnologia, porque ela j estar mais disponvel para absoro internacional. Muitos pases no tm esse movimento pendular, porque vo se defasando e a indstria desaparece. Ns temos uma indstria grande e diversificada que tem essa capacidade produtiva de sobreviver e enfrentar desafios. O que ela no consegue de fato se tornar uma indstria inovadora, que no depende da difuso internacional de tecnologias para se nutrir de inovao. Ver Thorstensen (2011), Sturgeon et al. (2014) e Almeida e Novais (2014a), para uma discusso sobre a insero nas cadeias globais. Ver Borghi (2013), para o financiamento da cadeia automobilstica em mbito mundial.

14 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

mantm desde 2008 o seu deficit crescente. As sequncias de altas acompanham o desempenho do comrcio exterior de bens da indstria de alta e mdia-alta tecnologia. No incio de 2014, no entanto, o resultado global se deteriora com a ocorrncia de deficit nos segmentos de mdia-baixa e baixa intensidade tecnolgica, com menores exportaes em dois dos seus principais ramos: produtos metlicos (com destaque para ao) e alimentos. Como estes ramos esto entre os que mais se aproximam das commodities industriais, pode-se inferir que comeam a apresentar os mesmos problemas que vm afetando as exportaes de produtos primrios: baixo dinamismo. E a desvalorizao da taxa de cmbio apenas colabora para reduzir a intensidade da retrao. Trs fatores podem explicar este desempenho. Primeiro, a economia mundial persiste apresentando baixo crescimento, com concorrncia acirrada por fatias de mercados externos. Segundo, a falta de confiana dos empresrios brasileiros: fortes desvalorizaes do real tm sido reiteradamente seguidas por rpidas valorizaes compensatrias. Este comportamento errtico desnorteou as decises empresariais que normalmente se seguiam s mudanas na taxa de cmbio. Com receio de novas reverses, as decises se tornam mais rgidas em substituir o produto importado por produo domstica e em celebrar novos contratos para exportao.15 Finalmente, a desindustrializao e a perda de competitividade da estrutura produtiva dificultam, seno tornam impossvel, a substituio do produto importado e o aumento de exportaes em bases de qualidade e preos correspondentes (Almeida e Novais, 2014b).

Essas transformaes na trajetria brasileira reascenderam o debate sobre o desenvolvimento e o desenvolvimentismo, acrescentando novas contradies e desafios extraordinrios. Em primeiro lugar, as polticas de crescimento econmico resultaram na reproduo da heterogeneidade estrutural, e no em desenvolvi-mento, entendido como homogeneizao estrutural. Alm disso, o crescimento e a acomodao ou a conciliao dos interesses dificultaram a configurao de condies para a promoo e a ebulio do desenvolvimento. Em segundo lugar, a nfase nas polticas sociais redistributivas no foi capaz de superar o subdesen-volvimento. A homogeneizao das estruturas sociais o principal problema no resolvido das experincias anteriores do nacional-desenvolvimentismo permaneceu obliterada pela incapacidade de o crescimento desencadear o desenvolvimento. O crescimento econmico e o relaxamento da estrutura concentrada de poder social do subdesenvolvimento principalmente pelo retorno da mobilidade entre os estratos oxigenaram o problema do desenvolvimento. No entanto, diante das razes profundas da condio perifrica, dependente e subdesenvolvida, o crescimento e a mobilidade social foram insuficientes para promover a ruptura

15. Para um amplo panorama sobre a institucionalidade do mercado cambial e os determinantes da taxa de cmbio brasileira, ver Prates (2013). Para uma discusso sobre o envolvimento de diversas empresas brasileiras no mercado de derivativos cambiais, ver Silva Filho (2013). Para o padro de financiamento das grandes corporaes brasileiras, ver Almeida et al. (2013).

15Introduo

com o passado e a esperana da teoria do desenvolvimento latino-americano. Em terceiro lugar, o social-desenvolvimentismo ou modelo de desenvolvimento inclusivo, representado fundamentalmente pela tentativa de generalizao do consumo de massas e de bens pblicos partindo da reduo das desigualdades de renda, do crescimento do emprego formal e da dinmica do investimento pblico e privado , no se completou. Este modelo de expanso do acesso das massas somente se com-pletaria mediante a reativao do investimento autnomo: pblico infraestrutura de transporte e de energia, saneamento bsico, habitao popular, mobilidade urbana e incluso digital e privado novos setores produtivos para o mercado interno e para o internacional.

Em resumo, os xitos do desenvolvimento inclusivo e os limites das exportaes de commodities primrias e industriais colocam desafios extras superao do subdesenvolvimento brasileiro, que se atualiza mais uma vez sob o vu da combi-nao do crescimento econmico e da mobilidade social. Dois elementos sempre presentes nos perodos mais dinmicos da histria econmica e social brasileira. A acelerao da acumulao produtiva que se arrefeceu, revelando seus limites16 modifica as estruturas sociais para alm do atraso, sem, no entanto, destru-lo. Nas palavras de Schwarz (2012, p. 164): Os meninos vendendo alho e flanela nos cruzamentos com semforo no so a prova do atraso do pas, mas de sua forma atroz de modernizao.

Este livro procura exatamente trazer elementos para enfrentar o debate desses inmeros desafios da matria brasileira, como sugere o professor Roberto Schwarz. A sustentao do desenvolvimento por meio de um modelo calcado na ampliao do consumo de massas, em uma economia perifrica que persiste perifrica e subdesenvolvida , requer um perfil de poltica econmica que recupere o papel do investimento autnomo pblico e privado como fonte primordial de dinamis-mo. Isto pressupe, de um lado, a ampliao da infraestrutura econmica e social e, de outro lado, o esforo de diferenciao da estrutura produtiva na direo dos setores mais avanados do ponto de vista tecnolgico, com encadeamentos internos e regionais dinmicos. Torna-se imprescindvel o aperfeioamento dos mecanismos domsticos de financiamento de longo prazo, ainda fortemente concentrados nos bancos pblicos. Supe-se tambm a mudana de qualidade no consumo popular por meio da incorporao mais efetiva da sua dimenso pblica com a ampliao da oferta de bens pblicos, como sade, educao, habitao de interesse social, mobilidade urbana, saneamento bsico e proteo ao meio ambiente, entre outros. Analisar e propor caminhos para lograr estes objetivos e sustentar e aprofundar o

16. Por traz desse arrefecimento, encontram-se o baixo dinamismo da economia mundial, a perda de densidade da estrutura industrial e seu atraso tecnolgico, o esgotamento da capacidade de endividamento dos assalariados, o enrijecimento do gasto pblico, a taxa de inflao rondando o limite superior da meta, as taxas de juros elevadas, a volatilidade da taxa de cmbio etc.

16 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

modelo de desenvolvimento inclusivo constitui tarefa intelectual e cultural de grande envergadura. Pois se trata da necessidade de reinventar as foras do crescimento tarefa rdua, uma vez que todo o mundo desenvolvido e em desenvolvimento se reinventa17 para que o modelo brasileiro possa resultar em um novo despertar histrico. Enfim, a retomada do desenvolvimento socioeconmico brasileiro coloca em pauta temas estratgicos, relativos s alternativas e aos obstculos que se pem sua continuidade e que tero de ser equacionados, por meio de um novo consenso social que leve a uma poltica de contedo desenvolvimentista vale dizer, uma poltica industrial, tecnolgica, de comrcio exterior, tributria, de financiamento, de distribuio da renda e da riqueza etc. e que viabilize um bloco integrado de investimento produtivo e em infraestruturas econmica (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia eltrica, petrleo e gs natural, biocombustveis e teleco-municaes) e social (sade, educao, habitao, saneamento e equipamentos de transporte coletivo).

A contribuio preciosa do livro est organizada em dezesseis captulos. Propositalmente, Pedro Cezar Dutra Fonseca, professor no Departamento de Economia e Relaes Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), abre a discusso com o captulo Desenvolvimentismo: a construo do conceito, propondo uma formulao conceitual para as diversas dimenses e sentidos do desenvolvimentismo, como instrumento indispensvel para nomear fatos ou fenmenos considerados relevantes por seus usurios [os economistas, a comunidade acadmica e o pblico em geral]. Para o autor, enquanto persistirem os problemas que deram ensejo ao aparecimento do conceito manifesto como conscincia do atraso, do subdesenvolvimento, da heterogeneidade estrutural ou da dependncia , parece improvvel que ele caia em desuso e no granjeie adeptos, embora seu programa como projeto de superao do status quo exija permanente reatualizao.

Jos Celso Cardoso Jr., pesquisador do Ipea, no captulo Planejamento, democracia e desenvolvimento no Brasil: perspectivas luz das capacidades e instrumentos gover-namentais, realiza um esforo de ressignificao e requalificao dos conceitos de desenvolvimento e de planejamento pblico. Retoma o papel indutor do Estado, do planejamento pblico governamental e das polticas pblicas no desenvolvimento nacional. Argumenta, veementemente, que o Estado brasileiro teria constitudo e institucionalizado capacidades estatais e instrumentos de atuao considerveis, passveis de serem mobilizadas pelo planejamento governamental. Defende que o Estado nacional estruturou funes exclusivas no campo da regulao, da garantia da propriedade, da tributao, da gerao e do controle da moeda e da dvida pblica,

17. Segundo a revista The Economist: China loses its allure. London, Jan. 2014 China is still a rich prize. Firms that can boost productivity improve governance and respond to local tastes can still prosper. But the golden years are over. Disponvel em: . Ver, tambm, Belluzzo (2012).

17Introduo

consolidando capacidades relevantes para operar como vetores do planejamento. Para o autor, uma srie de instrumentos prprios ao exerccio de aes planejadas pelo Estado as empresas estatais, os bancos pblicos, os fundos pblicos e os fundos de penso poderia ser acionada para dar concretude s decises de gasto e de investimento, com poder extraordinrio para induzir, ou mesmo moldar, determinadas configuraes de polticas pblicas e, por conseguinte, determinadas dinmicas produtivas e sociais no pas.

A acurcia analtica e o profundo conhecimento da estrutura produtiva brasileira de Ricardo Bielschowsky, professor no Instituto de Economia da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), se revelam no captulo Estratgia de desenvolvimento e as trs frentes de expanso no Brasil: um desenho conceitual. O autor procura organizar, conceitualmente, o debate brasileiro sobre desenvolvimento, em sua dimenso econmica. Alm disso, apresenta uma estratgia de desenvol-vimento para o Brasil com base em trs frentes de expanso, impulsionadas pela demanda trs motores do investimento quais sejam, o consumo de massa, os recursos naturais e a infraestrutura. Enfatiza tambm a relevncia de mobilizar dois potencializadores destes motores do investimento: a inovao tecnolgica e a reativao de encadeamentos produtivos tradicionais. A concepo desta estratgia foi substrato do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 do governo federal. Neste documento, se planejava

aumento de rendimentos das famlias trabalhadoras, ampliao da base de consumo de massa, investimentos, aumento da produtividade e da competitividade ou, em resumo, um crculo virtuoso entre rendimentos das famlias trabalhadoras e investi-mentos. O Brasil um dos poucos pases do mundo que dispe de condies para crescer por essa estratgia, devido ao tamanho de seu mercado consumidor potencial (Brasil, 2003, p. 17).

Corajosamente, Ricardo Bielschowsky, Gabriel Coelho Squeff e Lucas Ferraz Vasconcelos os dois ltimos pesquisadores do Ipea enfrentam o desafio no captulo seguinte, de compreender a Evoluo dos investimentos nas trs frentes de expanso da economia brasileira na dcada de 2000. O estudo oferece um suporte emprico para aperfeioar a discusso sobre o comportamento do investimento no Brasil, procurando dimensionar as trs frentes de expanso apresentadas no captulo anterior: os investimentos em infraestrutura, nos recursos naturais e na produo de bens e servios de consumo de massa. Segundo os autores, entre 2004 a 2008, a hiptese foi confirmada com impressionante preciso: os investimentos em cada uma das trs frentes se expandiram na mesma velocidade, de cerca de 10% a.a., na mdia dos cinco anos. Todavia, o aprofundamento da anlise identifica que os investimentos na indstria manufatureira de bens de consumo no foram capazes de barrar o forte aumento no coeficiente de importao, nem de evitar queda nas exportaes. Eles mostram que o vazamento para o exterior atingiu cerca

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de um tero do aumento do consumo aparente de no durveis, com aumento de importaes (ao mesmo tempo em que mais de 10% correspondiam queda de exportaes); no caso de durveis, as importaes contriburam com mais de um quarto (e a queda de exportaes com quase 20%). Como a capacidade ociosa se manteve em patamares relativamente reduzidos, os autores inferem que o aumento do consumo de massa no foi correspondido adequadamente por aumento de investimento domstico. Diante disso, argumentam sobre a necessidade de uma agenda de negociaes para abrir espao a uma nova onda de investimento, desta feita centrada em expanso, diversificao e inovao.

Pedro Rossi, professor no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), no captulo Regime macroeconmico e o projeto social desenvolvimentista, discute a relao entre o regime macroeconmico e o projeto de desenvolvimento do pas. Para isto, define o regime macroeconmico como uma caracterstica estrutural do projeto de desenvolvimento que condicio-na o manejo da poltica macroeconmica. Desenha, ento, em uma perspectiva de longo prazo, o papel do regime macroeconmico no desenvolvimento e seus objetivos estratgicos. O autor analisa os regimes de taxas de cmbio flutuantes, de superavit fiscais primrios e de metas de inflao em trs perspectivas: i) uma descrio dos regimes macroeconmicos e de seu grau de flexibilidade para com-portar a atuao discricionria do Estado na economia; ii) os pressupostos tericos que deram origem a cada um dos regimes macroeconmicos e avaliam a adequao de outros paradigmas tericos em sua operacionalizao; e iii) uma anlise crtica da operacionalizao de regimes e proposies de aprimoramento e flexibilizao de sua gesto.

Francisco Luiz C. Lopreato, professor do IE/UNICAMP, participa do debate com dois captulos desafiadores: Aspectos da atuao estatal de FHC a Dilma e Dvida pblica: o limiar de mudanas? O primeiro discute os caminhos da atuao estatal do Brasil no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, no governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva e nos primeiros anos do governo da presidente Dilma Rousseff. Tem como objetivo no detalhar as contas pblicas, mas perscrutar a orientao da poltica fiscal, o papel reservado ao Estado e os instrumentos de ao do setor pblico na estratgia de cada governo. O autor apreende, assim, o conjunto das aes do setor pblico envolvendo os diversos rgos, as empresas estatais e os agentes financeiros , assim como a gesto da dvida pblica e as relaes com as esferas de governo estaduais e municipais que conformam a atuao estatal no Brasil.

O segundo captulo de Lopreato analisa a dinmica da dvida pblica brasileira. O autor defende que, a despeito de avanos considerveis na gesto da dvida pblica seja em relao dcada de 1980, seja em relao primeira dcada ps-estabilizao , a plena superao dos traos caractersticos do perodo de alta

19Introduo

inflao permanece atrelada alterao da lgica de curto prazo predominante no mercado financeiro brasileiro. Isto por que persistem sintomas do tempo em que o elevado risco e a volatilidade das taxas de juros restringiam a maturidade da dvida e sustentavam a alta participao dos ttulos indexados taxa de juros flutuante.

Fernando Nogueira da Costa, professor do IE/UNICAMP, com longa trajetria de estudo e de trabalho no sistema financeiro domstico, no captulo Financiamento interno de longo prazo, realiza um esforo para aprofundar o debate sobre o financiamento de longo prazo no chamado capitalismo de Estado neo-corporativista no Brasil. Em seguida, apresenta a riqueza pessoal e corporativa como fontes potenciais de funding para o financiamento de longo prazo e sugere os meios para se realizar a realocao de capital nos portflios privados. Avalia ainda a possibilidade de incorporar novas fontes de financiamento ao investimento, por meio do fundo de riqueza soberana e de fundos previdencirios.

Walter Belik, professor no IE/UNICAMP, no captulo O financiamento da agropecuria brasileira no perodo recente, analisa a trajetria de expanso da produo agropecuria nacional, salientando os aspectos macroeconmicos e as mudanas conjunturais ocorridas nos ltimos anos. Detalha ainda a atuao do principal instru-mento de poltica setorial o crdito rural , explicitando a relao entre as operaes de emprstimos e o desempenho do agronegcio, mostrando algumas inovaes finan-ceiras direcionadas aos produtores rurais. O autor destaca tambm as caractersticas e a evoluo do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e apresenta alternativas de financiamento para esse segmento de produtores.

Marcelo Arend, professor no Departamento de Economia e Relaes Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no captulo A industrializao do Brasil ante a nova diviso internacional do trabalho, discute o fenmeno da desindustrializao, em geral, e o caso do Brasil, em particular, buscando elementos comparativos para identificar se o pas passa por um processo de desindustrializao normal ou precoce. O autor aprofunda a anlise da desin-dustrializao brasileira mediante a construo de um indicador capaz de capturar processos de desindustrializao relativa em mbito internacional. O indicador de desindustrializao relativa internacional explicita que o Brasil vem enfrentando uma desindustrializao relativa perante no apenas o mundo, mas tambm em relao Amrica Latina, frica em desenvolvimento, Oceania em desenvol-vimento e at mesmo em relao s economias desenvolvidas. Defende, portanto, que o pas passa por um processo extremo de desindustrializao precoce.

A perspiccia analtica e o amplo conhecimento do mercado de trabalho brasileiro do Paulo Baltar, professor do IE/UNICAMP, transparecem no captulo Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil. O autor detalha, inicial-mente, o desempenho da produo e dos preos, bem como a evoluo do emprego e da renda do trabalho, no perodo 2004-2008. Em seguida, examina o comportamento

20 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

da economia e do emprego aps a crise financeira e econmica global. A compa-rao antes e depois da crise permite destacar a necessidade de redefinir o rumo da economia brasileira, com o intuito de manter a melhora nos indicadores do mercado de trabalho. A anlise possibilita ainda indicar uma srie de desafios econmicos e regulatrios que deveriam ser enfrentados em um esforo para dar continuidade e aprofundar a melhora observada na absoro da populao em ocupaes decorrentes da atividade econmica, com elevao do nvel de renda do trabalho e reduo nas diferenas de renda entre os trabalhadores.

Claudio Salvadori Dedecca, professor do IE/UNICAMP, no captulo A reduo da desigualdade e seus desafios, enfrenta o desafio hercleo de refletir sobre as dificuldades intrnsecas a um processo contnuo de reduo da desigualdade socioeconmica. O autor parte da constatao do amplo processo de reduo da desigualdade socioeconmica ocorrida entre 1999 e 2011 no pas, indicando as principais evidncias e suas caractersticas. Em seguida, realiza uma anlise de natureza terica sobre crescimento, desenvolvimento e desigualdade. Por fim, sin-tetiza os desafios para a continuidade da reduo da desigualdade socioeconmica, considerando as contribuies tericas e aquelas apresentadas no debate sobre a relao entre crescimento e desigualdade durante a fase do milagre econmico brasileiro, ocorrido nas dcadas de 1960 e 1970.

Jos Carlos Miranda, professor do IE/UFRJ, colabora com dois captulos profundamente instigantes, na medida em que enfrentam dois temas complexos e cruciais para a compreenso do papel do pas na regio e os desdobramentos da crise na rea do euro. O primeiro, Desafios integrao da Amrica do Sul, discute a integrao comercial, industrial e logstica dos pases sul-americanos, incorporando elementos da economia poltica interesses e incentivos reais dos Estados nacionais, das multinacionais e do empresariado local. Defende que a heterogeneidade estrutural das economias sul-americanas constitui per se obstculo integrao comercial e produtiva e que se reflete nas polticas e nas propostas de integrao regional e internacional de cada um dos pases. Analisa, ento, os desafios a uma insero regional mais dinmica nos fluxos de comrcio e de investimento internacionais; e os dilemas entre o multilateralismo e os acordos preferenciais de comrcio (APCs) para a regio. Por fim, sinaliza possveis caminhos e opes que deveriam ser discutidos e perseguidos pela Unio de Naes Sul-Americanas (Unasul) para se acelerar a integrao do continente.

O segundo captulo de Miranda, Trs ensaios sobre a integrao europeia, parte das seguintes constataes para compreender as diversas dimenses da crise: i) a institucionalidade da Unio Econmica e Monetria Europeia (Ueme) no foi desenhada para lidar com crises das dvidas externa e pblica da Zona do Euro; ii) a ausncia de intervenes verticais e setoriais na indstria aprofundou a heterogeneidade das estruturas produtivas nacionais e polarizou os resultados das

21Introduo

balanas comerciais dos pases-membros; iii) a integrao financeira fomentou o sobre-endividamento de empresas, famlias, instituies financeiras domsticas e, em menor grau, governos, com exceo da Grcia; e iv) a ausncia de superviso macroprudencial facilitou os investimentos de risco, as operaes fora dos balanos bancrios, o elevado grau de alavancagem de alguns grandes bancos europeus e as conexes com os shadow banks.

Nos passos seguintes, Jos Carlos Miranda vai detalhando cada uma dessas questes. Enfatiza que a estrutura produtiva de uma economia ou de uma rea monetria condiciona os graus de liberdade de sua poltica econmica e seus impactos sobre a dinmica macroeconmica de mdio e longo prazo. Os canais de transmisso entre as polticas monetria, fiscal e cambial e os mercados de formao dos preos bsicos de uma economia trabalho, bens e financeiro inter-relacionados deter-minam o padro de crescimento, a insero internacional e a capacidade de reao a choques externos de qualquer espao econmico unificado. Mostra, ademais, que o euro constitui uma divisa singular entre seus pares internacionais.18

Ernani Teixeira Torres Filho, professor do IE/UFRJ, profundo conhecedor do sistema financeiro nacional e internacional contribui tambm com dois captulos: O sistema financeiro globalizado contemporneo: estrutura e perspectivas e O estouro de bolhas especulativas recentes: os casos dos Estados Unidos e do Japo. O primeiro parte da constatao de que o modus operandi do sistema financeiro global, a partir de 1985, passa a provocar bolhas especulativas de grandes dimenses. O autor apresenta uma viso geral da origem e da estrutura do sistema financeiro global contemporneo, desde o rompimento do Acordo de Bretton Woods em 1971 at a crise de 2008. Explicita a centralidade dos Estados nacionais em todo este movimento. E, dado o papel dos mercados financeiros e da moeda americana nas transaes globais, bem como a capacidade de os Estados Unidos como potncia hege-mnica de subordinar seus demais parceiros a um padro de regulao e de funcionamento do sistema monetrio internacional que seja favorvel aos seus interesses, discute o sistema financeiro global a partir de Wall Street. Salienta ainda possveis repercusses da crise de 2008 sobre a lgica de funcionamento deste sistema financeiro global, operado desde Nova York.

O segundo captulo de Torres Filho analisa de forma comparativa as duas bolhas especulativas mais importantes que se desenvolveram a partir da dcada de 1980. A primeira a dos mercados de aes e de imveis no Japo, que estourou em 1989. Foi o episdio especulativo mais relevante desta natureza no ltimo quarto do sculo XX, por seu impacto econmico e financeiro. Entretanto, os efeitos sistmicos ficaram relativamente circunscritos economia japonesa, que, a despeito da ampla ao governamental, ainda no conseguiu se recuperar inteiramente do episdio.

18. Sobre a crise europeia, sugere-se tambm Carvalho (2013), Coelho (2014), Conti, Prates e Plihon (2013), Cohen (2013), Martins (2013), Frenkel (2013), Silva (2013) e Aglietta (2012).

22 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

A segunda a crise nos Estados Unidos irrompida no ltimo trimestre de 2008, envol-vendo o estouro de uma bolha imobiliria e a desvalorizao do mercado acionrio. Como o mercado americano constitui o centro dinmico do sistema financeiro globalizado, a crise, ao impactar fortemente os bancos locais, espraiou-se para os demais mercados e pases.

Essa enorme tentativa de efetuar o diagnstico de uma poca com nfase nas particularidades brasileiras e na sua insero internacional provm de um esforo cole-tivo de reflexo que o Ipea, fundao pblica federal vinculada Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE/PR), disponibiliza para o debate com amplos setores da sociedade. Diante disso, torna-se crucial registrar agradecimentos a todas as instituies sobretudo s diversas universidades que apoiaram a execuo deste projeto. Registra-se agradecimento especial Rede Desenvolvimentista formada por pesquisadores de distintas universidades coordenados pelo Centro de Estudos de Conjuntura e Poltica Econmica do IE/UNICAMP e ao Centro de Gesto e Estudos Estratgicos do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (CGEE/MCTI), uma vez que possibilitaram a realizao de debates entre os pesquisadores e com diferentes atores da sociedade brasileira.

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CAPTULO 1

DESENVOLVIMENTISMO: A CONSTRUO DO CONCEITO1

Pedro Cezar Dutra Fonseca2

1 INTRODUO

O que desenvolvimentismo? A resposta remete conceituao de um termo de largo uso entre os economistas e j incorporado pela mdia, mas que carece de definio mais precisa. Como outros termos tericos ou categorias utilizados pelos economistas (como desenvolvimento, bem-estar, equilbrio e valor), o sentido pode alterar-se total ou parcialmente de acordo com a abordagem terica em que est inserido ou mesmo com os objetivos do usurio.3 Com exceo dos termos da contabilidade social geralmente identidades ou tautologias e, portanto, definies a priori as quais, uma vez estabelecidas, levam a controvrsia a centrar-se mais na mensurao que na conceituao , os conceitos econmicos, a exemplo daqueles das demais cincias sociais, muitas vezes no conseguem escapar de nuances

1. O autor agradece a Rosa Freire dAguiar pelo acesso ao arquivo das correspondncias de Celso Furtado e por seu depoimento sobre o tema. O autor assume total responsabilidade pela verso final, mas igualmente agradece a leitura cuidadosa e as sugestes de Jose Gabriel Porcile (Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe Cepal), Leda Paulani (Universidade de So Paulo USP), Luiz Carlos Bresser-Pereira (Fundao Getulio Vargas de So Paulo FGV-SP), Marcelo Arend (Universidade Federal de Santa Catarina UFSC), Maria de Lourdes R. Mollo (Universidade de Braslia UnB), Ricardo Bielschowsky (Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ) e Pedro Paulo Zahluth Bastos (Universidade Estadual de Campinas UNICAMP). Agradece tambm aos colegas da rea de desenvolvimento econmico do Programa de Ps-Graduao em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Andr Moreira Cunha, Marcelo Milan, Octavio Augusto Camargo Conceio, Ricardo Dathein, Ronaldo Herrlein Jr. e Srgio Monteiro. E aos que colaboraram com sugestes de fontes de pesquisa, Andrs Ferrari Haines (Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ), Claudia Wasserman (UFRGS), Gerardo Fujii (Universidade Nacional Autnoma do Mxico Unam), Juan Odisio (Universidade de Buenos Aires UBA), Manuel Garca Ramos (Unam), Marcelo Rougier (Conselho Nacional de Investigaes Cientficas e Tcnicas CNICT e UBA), Reto Bertoni (Universidade da Repblica UR) e Vicente Neira Barra (Cepal). Por fim, o autor agradece, ainda, a colaborao dos orientandos de mestrado e doutorado no Programa de Ps-Graduao em Economia da UFRGS, Fabian Domingues, Leonardo Segura, liver Marcel Mora Toscano e Stella Venegas, assim como aos bolsistas de iniciao cientfica da UFRGS e do CNPq, Daniel de Sales Casula, Fbio Antonio Rasche Jnior, Francisco do Nascimento Itthan, Leonardo Staevie Ayres e Lucas de Oliveira Paes.2. Professor titular do Departamento de Economia e Relaes Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq). E-mail: [email protected]. Alguns autores, como Collier e Mahon (1993, p. 853), utilizam conceito e categoria como similares, conquanto Sartori (1970; 1984), como se mostrar adiante, tenha preferido falar em conceitos. Para evitar equvocos, aqui se entende categoria como termo terico, ou seja, um conceito circunscrito ao trabalho cientfico. Por isto, usual que as categorias assumam significados e matizes de acordo com as abordagens e os paradigmas tericos concorrentes em determinada comunidade de pesquisadores ou profissionais. Destarte, termos como cadeira ou biblioteca, por exemplo, por certo tm seu conceito, mas no so termos tericos ou categorias, ao contrrio de produto interno lquido a custo de fatores, renda da terra, desenvolvimento ou lucro. Este ltimo bem ilustra os mltiplos usos em uma mesma comunidade: ora utilizado para designar a remunerao de um fator de produo, ora como contrapartida pela espera (tempo), ora como ganho extraordinrio (e da o adjetivo em lucro puro) e ora como trabalho no pago, ou parte da mais-valia.

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que lhes impingem certa vagueza e ambiguidade.4 Tais plasticidade e flexibilidade podem facilitar o usurio, pois acomodam fatos novos que os conceitos tentam abarcar, mas a dubiedade tambm dificulta a comunicao dentro da prpria comunidade cientfica. Este alongamento (ou adaptabilidade dos conceitos) vai ao encontro do que Sartori (1970; 1984), em seus trabalhos clssicos, denominou de viagem dos conceitos, ou a vida prpria que estes adquirem ao serem usados. Para a conceituao de desenvolvimentismo, esta questo est na ordem do dia com a polmica sobre se possvel um retorno do mesmo em contexto histrico diferente daquele ao qual se associou historicamente na Amrica Latina a industrializao por substituio de importaes. A volta a um novo desenvolvimentismo, ou se governos atuais do subcontinente podem ser assim denominados, vem sendo objeto de discusso entre profissionais e pesquisadores da rea de economia, fato que corrobora a necessidade da preciso conceitual, como bem ilustra o debate brasileiro.5

Desenvolvimentismo pertence mesma famlia de termos como ortodoxia, neoliberalismo e keynesianismo, os quais servem para designar alternativamente duas coisas por certo indissociveis, mas que no so exatamente o mesmo nem do ponto de vista epistemolgico, nem na prtica cotidiana: i) um fenmeno do mundo material, ou seja, um conjunto de prticas de poltica econmica6 pro-postas e/ou executadas pelos formuladores de polticas, ou seja, fatos concretos ou medidas reais que compartilham um ncleo comum de atributos que os caracteriza como tal; e ii) um fenmeno do mundo do pensamento, ou seja, um conjunto de ideias que se prope a expressar teorias, concepes ou vises de mundo. Estas podem ser expressas: i) como discurso poltico, por aqueles que as defendem ou as criticam (e que mais usualmente se denomina ideologia outro termo polissmico); ou ii) para designar uma escola ou corrente de pensamento,

4. Um termo ambguo num determinado contexto quando tem dois significados distintos e o contexto no esclarece em qual dos dois se usa. Por outro lado, um termo vago quando existem casos limtrofes de tal natureza que impossvel determinar se o termo se aplica ou no a eles (Copi, 1978, p. 108).5. Veja-se: Bresser-Pereira (2003, 2006, 2010); Sics, Paula e Michel (2005); Paula (2005); Paulani(2005); Paulani e Pato (2005); Paulani (2007); Belluzzo (2009); Novy (2009a, 2009b); Fonseca e Cunha (2010); Morais e Saad-Filho (2011); Erber (2011); Herrlein Jr. (2011); Carneiro (2012); Bastos (2012); Gonalves (2012); Bielschowsky (2012); Arajo e Gala (2012); Oreiro (2012); Mollo e Fonseca (2013); Paulani (2013).6. A expresso poltica econmica, talvez por influncia dos manuais de macroeconomia, vem sendo utilizada num sentido mais restrito para designar as polticas de estabilizao, estas compreendidas como as polticas monetrias, cambiais e fiscais. Aqui, todavia, ser utilizada lato sensu para abarcar toda ao do Estado que interfira ou se pro-ponha a interferir nas variveis econmicas. Assim, a poltica econmica abrange: i) as polticas-meio, j referidas, as quais constituem instrumentos manipulados pelos formuladores de polticas visando estabilidade macroeconmica; ii) as polticas-fins, formuladas ou implementadas para atingir objetivos conscientemente visados em reas especficas, como as polticas industrial, agrria, tecnolgica e educacional (quando vinculadas a objetivos econmicos); e iii) as polticas institucionais, as quais compreendem mudanas legais, nos cdigos e nas regulamentaes, nas regras do jogo, na delimitao dos direitos de propriedade, nos hbitos, preferncias e convenes, bem como na criao de rgos, agncias e empresas pblicas, ou mesmo privadas ou no governamentais, desde que dependam de decises estatais. Normalmente, espera-se que as primeiras impactem a curto prazo, enquanto as polticas-fins e institucionais e, principalmente, as ltimas, por sua natureza, geralmente, apresentam resultados a mdio e longo prazo, muitas vezes alterando rotas histricas associando-se a fenmenos como aplicao da lei (enforcement) e dependncia da trajetria (path dependence).

31Desenvolvimentismo: a construo do conceito

ao abranger teorias e estudos segundo cnones reconhecidos como saber cientfico. Embora a ideologia e as experincias histricas desenvolvimentistas tenham uma longa histria, cuja gnese remonta a meados do sculo XIX, foi a partir da Grande Depresso da dcada de 1930 que tomaram vulto em boa parte dos pases latino- americanos, destacadamente Argentina, Brasil, Chile e Mxico, mas tambm Colmbia, Peru, Uruguai e Venezuela, para mencionar os casos mais tpicos. J o pensamento econmico terico s se consolidou nas dcadas de 1950 e 1960. Para tanto, foi fundamental a criao da Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal) e sua capacidade para catalisar e difundir trabalhos clssicos de nomes como Raul Prebisch, Celso Furtado, Anbal Pinto, Osvaldo Sunkel, Maria da Conceio Tavares e Jos Medina Echevarra, entre outros.

O propsito deste captulo formular um conceito para desenvolvimentismo enfrenta o desafio de conciliar a preciso exigida pela empreitada sem ignorar, como lembra Koselleck (2006, p. 109), que a polissemia em si no um defeito, antes o modo de ser dos conceitos, os quais renem em si a diversidade da experincia histrica, assim como a soma das caractersticas objetivas tericas e prticas em uma nica circunstncia, a qual s pode ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse mesmo conceito. Ou, como prefere expressar Weyland (2001, p. 1), por certo sob a influncia do pragmatismo metodolgico, se, por um lado, a falta de acordo conceitual pode levar a um dilogo de surdos, por outro lado, se os termos so usados porque so teis, j que tanto os economistas quanto o pblico, como o caso de desenvolvimentismo, continuam a utiliz-lo, depreendendo-se que no conseguem prescindir dele. Pode-se acrescentar: mais do que teis, so necessrios, porquanto so instrumentos indispensveis para nomear fatos ou fenmenos considerados relevantes por seus usurios e principalmente na comunidade acadmica, a qual cultiva a preciso e o rigor como virtudes inerentes ao imaginrio que faz de si mesma e colaboram para legitim-la socialmente.

2 UMA NOTA METODOLGICA

Como passo inicial da tentativa de conceituar desenvolvimentismo, registra-se que o termo geralmente utilizado para designar um fenmeno relativamente deli-mitado no tempo sculo XX , embora espacialmente mais diversificado, posto que governos desenvolvimentistas so apontados pela literatura em praticamente todos os continentes, conquanto com predominncia em pases latino-americanos e asiticos. Este captulo, a despeito de alicerar-se em bibliografia mais ampla, ter como referncia a experincia latino-americana.

A forma bastante usual de construir conceitos nas cincias humanas mediante a elaborao de tipos ideais, seguindo a tradio weberiana. Nesta, como sabido, cada categoria definida por meio de um conjunto de atributos ao qual se chega a

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partir de um exerccio da razo, sem se esperar, na realidade ftica, que se encontrem todos os atributos nas diferentes situaes concretas ou casos. Os conceitos, ento, so construtos mentais, e a aproximao entre eles e o real sempre probabilstica.

Esse procedimento de construo de tipo ideal, como se mostrar adiante, foi utilizado por vrios autores para conceituar no propriamente desenvolvi-mentismo, mas Estado desenvolvimentista, ou o que Echevarra (apud Rodrguez, 2009, p. 236) denominou mecanismo essencial voltado superao do subde-senvolvimento. Logo, o conceito foi utilizado indiretamente para designar um conjunto de atributos caracterizadores, em termos ideais, da poltica econmica de determinados governos empenhados na superao do subdesenvolvimento. Retornando dupla acepo do uso do termo antes mencionada, tais autores enfatizam o mundo material ou dos fatos com o ponto de partida para a con-ceituao, opo metodolgica que ser tambm aqui seguida. No entanto, com a diferena de no se pretender a construo de um tipo ideal, mas recorrer em parte estratgia definida por Sartori com o conceito clssico ou por redefinio, a qual apropriada para anlise comparativa de cases histricos que apresentam certos atributos ou caractersticas comuns (Sartori, 1970; 1984). Por conseguinte, no se pretende, por ora, nem formular um conceito para o desenvolvimentismo desejvel ou ideal, nem critic-lo: embora estes usos possam ser feitos num segundo momento, inclusive utilizando o conceito como ferramenta para tal, a metodologia aqui seguida tem como propsito construir o conceito a partir da observao de seu(s) emprego(s) pela prpria comunidade que o utiliza.7

Os cientistas deparam-se no dia a dia com casos novos ou com particularidades que exigem a incorporao de novos atributos. Se julgarem seus termos tericos como incapazes de apreend-los, podem ser levados a abandonar o conceito ou, se quiserem mant-lo, tentados a along-lo. Na terminologia de Sartori, viagem do conceito (traveling) refere-se a este movimento para abranger casos novos e alongamento (stretching) refere-se distoro ocorrida quando se quer adaptar um conceito para nele encaixar os casos novos. Da decorre um trade-off entre extenso e intenso dos conceitos.8 A extenso refere-se ao conjunto de entidades, elementos ou casos abrangidos pelo conceito; seu significado denotativo, pois diz respeito a quais objetos ou fenmenos o conceito usado para nomear. J a intenso refere-se ao conjunto de propriedades ou atributos abarcados pelo conceito; diz respeito ao seu significado conotativo, a certas caractersticas comuns que permitem a objetos serem nomeados como tal. Todos os casos abarcados na extenso de um conceito

7. Essa forma proposta por Sartori de partir do prprio emprego da comunidade no se afasta, antes parece prxima, da concepo hegeliana/materialista de que o discurso e as percepes sobre o real podem ser ponto de partida para a reconstruo do prprio real. Neste referencial metaterico, como ficar mais claro adiante, supe-se que a existncia do conceito parte da determinao do conceito, ou seja, ele to real como o que se prope a conceituar ou a representar.8. Embora se possa tambm usar o termo intensidade em vez de intenso (intension), este ltimo o mais utilizado como traduo nos livros de Lgica (Copi, 1978).

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devem ter alguns atributos comuns que permitem enquadr-los como tal, enquanto outros ficam de fora. Existem, ainda, casos limtrofes, s vezes de difcil deciso, para os quais a conceituao mais precisa auxilia. O pesquisador defronta-se com uma escada de generalidade, pois o aumento da extenso do conceito implica que este perca em intenso e vice-versa. Para os economistas, lembra uma curva de indiferena, como mostra a figura 1. Categorias mais especficas, como no ponto X, possuem forte intenso, mas sua extenso limitada. Para ampliar seu escopo, caminha-se para cima ao longo da curva, ganhando em extenso, mas com perda de intenso, como no ponto Y. Um conceito muito extenso pode facilitar o trabalho do pesquisador por permitir-lhe a incluso de inmeros casos, fatos ou coisas; entretanto, pode ajudar pouco numa anlise comparativa, pois, ao abarcar inmeros casos com poucos atributos, sua fora explicativa diminui.9

FIGURA 1Extenso versus intenso

Y

X

Intenso

Extenso

Para melhor clarear a metodologia escolhida e suas razes, pode-se inicial-mente, de forma sinttica, esclarecer as trs estratgias alternativas apontadas por Sartori (1970; 1984), as quais so ilustradas na figura 2, semelhante elaborada por Weyland (2001). A primeira, conceito por acumulao, parte de diferentes domnios, atravs da pesquisa sobre os diversos atributos caracterizadores do termo e busca identificar um ncleo comum ou core segundo a lgica aditiva da interseco, atravs do conetivo lgico (). Este procedimento possui a vantagem de

9. Para fins de ilustrao, pode-se exemplificar no ponto Y o termo institucionalismo, cujo conceito possui ampla extenso, capaz de abarcar inmeras correntes que em seu interior alimentam fortes controvrsias entre si, a ponto de no lograrem consenso na conceituao do termo terico que sua mais preciosa ferramenta de anlise: instituio. No caso, pode-se falar de vrios institucionalismos, o que caracteriza a baixa intenso do conceito. J nova economia institucional poderia ser representada no ponto X: possui menor extenso, pois compreende apenas um subtipo de institucionalismo, com atributos bem determinados e capazes de o identificar plenamente, ou seja, com maior intenso.

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minimizar falsos positivos, pois apenas casos em que todas as caractersticas ou atributos esto presentes so considerados. O fato de ter pouca extenso, embora rico em intenso, pode levar a uma interseco muito estreita, deixando pouco espao para a pesquisa. A tendncia, ento, o pesquisador comear a relaxar o conceito, geralmente criando categorias que associam um adjetivo ao conceito principal os conceitos radiais.10

A segunda, denominada conceito por adio, conecta atributos de diferentes domnios utilizando a lgica da incluso atravs do conetivo lgico ou (v). Assim, qualquer caso que apresente uma das caractersticas pode, em tese, ser subsumido ou includo no conceito. Indo ao paroxismo, qualquer caso similar pode ser enquadra-do, pois permite incorporar conceitos radiais no conceito principal, relaxando o domnio para abranger novos casos. Os casos que compartilham todos os atributos de diferentes domnios so considerados casos completos, e os que compreendem apenas algumas caractersticas so subtipos reduzidos (diminished subtypes). O conceito ganha em extenso, mas pode perder muito em intenso. Este procedi-mento diminui os falsos negativos, mas corre o risco de gerar um pseudoconsenso sobre o conceito, pois este pode adquirir vasto nmero de significados.

J a estratgia do conceito clssico ou por redefinio, que ser aqui utilizada, tambm busca encontrar um ncleo comum ou core, mas, ao contrrio do conceito por acumulao, no se prope chegar a um ncleo que abranja todos os atributos, mas os principais. Estes devem valer para todos os casos, mas sem a pretenso de abarcar casos singulares ou especficos, os quais so incorporados ao adicionarem-se novos atributos, como ilustra a figura 2, mas mantendo-se o ncleo comum principal ou core (doravante, apenas ncleo comum). Assim, apresenta a vantagem de reconhecer a ocorrncia de casos empricos com caractersticas prprias, ou experincias histricas peculiares; todavia, ao trilhar outra opo metodolgica, busca encontrar definies mnimas atravs dos atributos mais frequentes e caracte-rsticos, de modo que o conceito alcance certo equilbrio entre extenso e intenso. Isto pode ser feito por meio de pesquisa na literatura sobre os usos do conceito e nas experincias histricas que tambm a literatura consagra como exemplos ou cases seus. Destarte, evita-se abandonar o conceito ou ampli-lo demasiadamente em extenso com conceitos radiais, mas admitem-se subtipos que compartilham um ncleo comum, o qual abarca todos os atributos tidos como definidores, todavia sem

10. Collier e Levitsky (1996) arrolam, por exemplo, dezenas de extenses para democracia como estratgia para utilizao do conceito: controlada, participativa, populista, formal, tutelada etc. Para desenvolvimentismo no h tantas, mas podem-se mencionar duas subdivises clssicas: nacional-desenvolvimentismo e desenvolvimentismo dependente-associado, conquanto esses no possam ser considerados propriamente conceitos radiais, como se mostrar adiante. Vale lembrar tambm a noo de estilos de desenvolvimento introduzida por Varsavsky (1971), que identifica trs estilos de desenvolvimento: o consumista, o autoritrio e o criativo, posteriormente retomados por Pinto (1976). Para uma sntese abalizada do debate, ver Rodrguez (2009).

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deixar de reconhecer que possam existir outros atributos importantes para casos particulares. Nas palavras de Weyland (2001, p. 3, traduo nossa):

Por contraste, os conceitos clssicos minimizam conflitos limtrofes ao recorrer a definies mnimas que enfocam um dos domnios e estipulam algumas caracters-ticas definidoras como possveis. () Assim, eles levam os acadmicos a pesquisar empiricamente as conexes entre caractersticas definidoras e outros atributos hipo-tticos, em vez de detect-las por definio, como fazem os conceitos cumulativos, ou deix-las em aberto, como fazem os conceitos radiais.11

FIGURA 2Estratgias de conceituao

Conceito cumulativo(AVBVC)

VV Conceito radial(AVBVC)

Conceito clssico(A)

O desafio da construo do conceito clssico ou por redefinio identificar esse ncleo comum. Como passo metodolgico necessrio, cabe comear pela investigao sobre as acepes com que usado, em quais sentidos empregado, ou seja, o que d razo a sua existncia e o torna til e necessrio. No se trata de buscar os atributos desejveis para desenvolvimentismo, ou definir qual seria hoje uma poltica econmica desenvolvimentista ideal tarefa j realizada por inmeros autores, como ser mostrado na seo seguinte, e que por certo exige reatualizao permanente. O procedimento aqui adotado ser o de se valer tanto do uso feito do termo por autores reconhecidos como das experincias histricas nor-malmente apontadas como exemplos de desenvolvimentismo.

Assim, em busca de um ncleo comum, a metodologia empregada ser, inicialmente, a de pesquisar os atributos utilizados por diversos autores que expressaram seu entendimento sobre o que seja desenvolvimentismo, e com isso identificar se h um domnio que concentre atributos mnimos principais. Como passo seguinte, entendeu-se que a formulao conceitual obteria mais rigor

11. Weyland (2001, p. 3): By contrast, classical concepts minimize border conflicts by relying on minimal definitions that focus on one domain and stipulate as few definitional characteristics as possible. (...) They thus prompt scholars to investigate empirically the connections between definitional characteristics and other hypothesized attributes, rather than decree them by definitional fiat, as cumulative concepts do, or leave them open, as radial concepts do.

36 Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro

caso se procedesse a um teste de tais atributos em algumas experincias histricas normalmente arroladas pela bibliografia como exemplos de desenvolvimentismo (como se fora um grupo de controle). A inquietude vem da dvida expressa na questo: ser que os governos latino-americanos comumente citados pela literatura como exemplos de desenvolvimentismo apresentam, total ou parcialmente, os atributos arrolados pelos autores anteriormente pesquisados em suas conceitua-es? Este exerccio adicional facilita e d mais segurana para, em passo posterior, chegar-se abstrao inerente a qualquer exerccio de conceituao. Possui, ademais, a vantagem de superar a multiplicidade catica da empiria sem, todavia, cair em uma definio axiomtica exclusiva, unvoca e fechada a ela. Destarte, abre espao viagem de ida e volta do conceito multiplicidade do real, sem reduzir a com-plexidade do objeto a ser conceituado. Por isto, como se ver adiante, permitir a agregao de subtipos que no negam o ncleo do conceito, mas o afirmam con-cretamente em um contexto histrico por certo complexo e diver