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revistaprelac projeto regional de educação para a américa latina e o caribe N o 1/Junho, 2005 O DOCENTE COMO PROTAGONISTA NA MUDANÇA EDUCACIONAL educação para todos Escritório Regional de Educação para a América Latina e o Caribe

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revistaprelacprojeto regional de educação para a américa latina e o caribeNo 1/Junho, 2005

O DOCENTE COMOPROTAGONISTANA MUDANÇA EDUCACIONAL

educação para todos

Escritório Regional de Educaçãopara a América Latina e o Caribe

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O DOCENTE COMOPROTAGONISTA NA MUDANÇA EDUCACIONAL

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revistaprelac / No 1

Conselho Editorial

Fernando ReimersMartín CarnoyJosé Joaquín BrunnerAignald PanneflekÁlvaro MarchesiGuiomar Namo de MelloAna Luiza Machado

É permitida a reprodução total ou parcial dos textos, desde quemencionada a fonte.

As opiniões emitidas nesta publicação são de responsabilidadedos autores. Não refletem nem comprometem necessariamenteas posições institucionais da OREALC/UNESCO Santiago.

As denominações empregadas e os dados que figuram nestapublicação não implicam, de parte da OREALC/UNESCOSantiago, nenhuma tomada de posição com respeito ao estatutojurídico dos países ou zonas ou de suas autoridades.

Publicado pelo Escritório Regional de Educação da UNESCOpara a América Latina e o CaribeOREALC/UNESCO Santiago

Diretora da OREALC/UNESCO Santiago: Ana Luiza MachadoCoordenador da publicação: Alfredo AstorgaEdição: Marcelo Avilés

Patrocínio e colaboração especial do governo da Espanha nobojo do apoio ao Projeto Regional de Educação para a AméricaLatina e o Caribe (PRELAC).

Diagramação:Wacquez & O’Ryan

ISSN: Em tramitação

Impresso no Chile por AMF ImprentaSantiago, Chile; junho, 2005

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Ana Luiza MachadoDiretora

Escritório Regional de Educação da UNESCOpara a América Latina e o CaribeOREALC/ UNESCO Santiago

APRESENTAÇÃO

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 3

A presente edição da Revista PRELAC aborda um tema polêmico e recorrente: a situaçãodocente. O debate a respeito não tem estado nem está isento de desencontros, rupturase também de algumas visões esperançosas.

Uma particularidade do tema é sua “antiguidade” e sua vigência ao mesmo tempo. Eoutra é seu caráter provocador, sua qualidade de tensionar posições e alinhamentos. Nãoexiste, ao que parece, espaço para a indiferença.

Expomos à sua consideração, neste número, uma leque de contribuições de especialistasque interpelam o tema por múltiplos flancos: carreira, papéis, formação, condições detrabalho, avaliação. Refletem também sobre aspectos particulares da docência ligadosao uso de tecnologias de informação e comunicação, educação secundaria, educaçãointercultural bilíngüe, educação para a cidadania, diversidade e inclusão.

A variedade de contribuições mantém um fio condutor: um novo significado do papeldocente. Uma compreensão que vai mais além do papel transcendente que têm osprofessores nas aprendizagens de seus alunos, para se complementar com a contribuiçãoque devem ter na gestão e na cultura escolar, por uma parte, e, por outra, na participaçãona definição de políticas educacionais locais ou nacionais. Novos desafios para transitardo papel de executor de tarefas ao de autor protagonista da tarefa educacional.

O enfoque sobre o papel de protagonista do docente constitui um imperativo políticoe técnico para a OREALC/UNESCO Santiago. É um dos focos estratégicos do ProjetoRegional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC). Esse projeto é acarta de navegação definida, em novembro de 2002, pelos ministros da Educação daregião, conscientes da necessidade de conseguir mudanças na maneira de fazer políticase práticas educacionais para alcançar os objetivos do Educação para Todos.

Este número da revista entrega informação e conhecimento sobre questões até agorapouco abordadas sobre o tema docente, contribui com enfoques novos à análise develhos dilemas e coloca tópicos novos para a busca de alternativas. Tenta ampliar ohorizonte da análise e ajudar a combater os olhares unilaterais e reducionistas. Aspirare-significar os direitos e os deveres dos professores e fomentar responsabilidades sociaisindispensáveis para avançar na qualidade e na igualdade dos sistemas educacionais.

Sabemos que a geração de condições favoráveis para o desenvolvimento profissionaldos professores é vital para a aprendizagem dos estudantes e necessita de novos aliados.Esse é o objetivo do presente número da revista.

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CONTEÚDOS

3/ APRESENTAÇÃO. Ana Luiza Machado

6/ ATOR OU PROTAGONISTA? Dilemas eresponsabilidades sociais da profissão docente.Magaly Robalino Campos

24/ PROFESSORES PARA A IGUALDADE EDUCACIONALNA AMÉRICA LATINA. Guiomar Namo de Mello

38/ REFORMAS EDUCACIONAISE PAPEL DOS DOCENTES. Denise Vaillant

52/ UMA PANORÂMICA DA CARREIRA DOCENTENA AMÉRICA LATINA. Javier Murillo

60/ O CAMINHO DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE.Araceli de Tezanos

78/ A FORMAÇÃO DOCENTE:mitos, problemas e realidades. Cristina Maciel de Oliveira

90/ DEMOCRACIA E MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO INDÍGENA.Luis Enrique López

100/ FORMAÇÃO DOCENTE PARA UMA SECUNDÁRIA DE QUALIDADEPARA TODOS. Raquel Katzkowicz, Beatriz Macedo

106/ A LIDERANÇA DOCENTE NA CONSTRUÇÃO

DA CULTURA ESCOLAR DE QUALIDADE. Mario Uribe

116/ BEM-ESTAR E SAÚDE DOCENTE. José M. Esteve

134/ CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDENO TRABALHO DOCENTE. Manuel Parra

146/ AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE:Tensões e tendências. Héctor Rizo

164/ IMAGINÁRIOS NA AREIA: Educação e sociedade. Raúl Leis

170/ O PAPEL DOS DOCENTES NA MUDANÇA EDUCACIONAL. Milton Luna

174/ OS DOCENTES E O DESENVOLVIMENTO DE ESCOLAS INCLUSIVAS. Rosa Blanco

178/ DOCENTES E EDUCAÇÃO DE ADULTOS. Jorge Jeria

180/ TIC E FORMAÇÃO DOCENTE. Uma visão do Paraguai. William Campo

182/ SISTEMAS DE INFORMAÇÃO SOBRE DOCENTES.

Alta prioridade mas baixa exploração. César Guadalupe

184/ REDE DOCENTE PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE.KIPUS, UMA REDE A CAMINHO.

190/ EPT E PRELAC. O docente como protagonista

192/ REDE INOVEMOS. Circuito de Desenvolvimento Profissional

193/ RESENHAS

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revistaprelac / No 1

“Os docentesfazem a diferença”

www.unesco.cl

Escritório Regional de Educação para a América Latina e o Caribe

projeto regional de educaçãopara a américa latina e o caribe

revistaprelacprojeto regional de educação para a américa latina e o caribeNo 1/Junho, 2005

O DOCENTE COMOPROTAGONISTANA MUDANÇA EDUCACIONAL

educação para todos

Escritório Regional de Educaçãopara a América Latina e o Caribe

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DILEMAS E RESPONSABILIDADES SOCIAISDA PROFISSÃO DOCENTE

1 Ver “Reformas educativas en América Latina:balance de una década”, de Marcela Gajardo,no bojo do Programa de Promoção das ReformasEducacionais da América Latina e do Caribe(PREAL). Da mesma forma, os relatórios dasmedições internacionais de sucessos deaprendizagens, assim como as avaliaçõesnacionais, realizadas em alguns países, indicamque os progressos educacionais na região nãocorrespondem ao investimento realizado e aindahá grandes questões pendentes.

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Magaly Robalino CamposEquatoriana. Especialista em Educação do Escritório Regional

de Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe,OREALC/UNESCO Santiago, Chile.

ATOR OUPROTAGONISTA?

IMPORTÂNCIA DA QUESTÃOdo cenário educacional

Sem docentes, as mudanças educacionais não são possíveis! Esta parece seruma das certezas derivadas das reflexões e conclusões dos balanços das reformaseducacionais empreendidas pela maioria dos países da América Latina e do Caribe,cujas avaliações mostram resultados inferiores aos esperados com relação aosrecursos e ao tempo investidos1.

É verdade que se produziram avanços importantes na última década,especialmente em aspectos como a ampliação da cobertura, o aumento e a melhoriade prédios escolares, a produção de materiais de apoio (livros de texto, guias erecursos didáticos), a inclusão no currículo prescrito de temas transversais, ainstalação de mecanismos de medição de sucessos e de avaliações qualitativas,e as novas formas de organização e administração dos sistemas educacionais, entreoutros.

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Da mesma forma, é evidente que surgiram questões centrais com relação àresponsabilidade da sociedade e do Estado sobre a educação, à participação dosdiferentes atores sociais na definição de políticas e ao próprio papel dos docentesnas mudanças. Apesar desses avanços, há evidências sobre a qualidade e aigualdade na educação, que influem para que, no pensamento coletivo, predominea idéia de que nem a educação nem as reformas implementadas alcançarammudanças coerentes e suficientes em relação às demandas do cenário social,econômico, político e científico do século XXI. Cada vez com maior insistência, volta-se sempre às perguntas de fundo: quais são as transformações de que precisamos sistemas educacionais das sociedades latino-americanas e caribenhas? Quemtem a responsabilidade social de decidir quais são estas mudanças? Como viabilizar,concretizar e avaliar as mudanças?...

Assim, o fator docente é sempre citado como um dos mais importantes para queas mudanças se concretizem e se expressem em melhores aprendizagens dascrianças e jovens, melhor gestão das escolas e maior eficácia dos sistemaseducacionais. É nesse sentido que se orientam as declarações do Projeto Regionalde Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC), aprovado pelos ministrosda Educação em 2002. O projeto definiu como um de seus cinco focos estratégicos,sobre os quais é necessários propor e agir, precisamente o fortalecimento do papelde protagonista dos docentes, para atender às necessidades de aprendizagem deseus estudantes, participar nas mudanças e contribuir para transformar os sistemaseducacionais 2.

Não é objetivo deste artigo refletir sobre o conjunto de questões ao redor dastransformações educacionais. Seu interesse fundamental é contribuir para a discussãosobre a questão docente, numa visão e num horizonte mais amplos de análise. Damesma forma, pretende contribuir com algumas idéias sobre a relação dos docentescom as respostas às perguntas feitas acima.

Novos cenários e conteúdosDO TRABALHO DOCENTE

As profundas e rápidas mudanças que estremeceram o mundo nas últimasdécadas colocam em discussão as tarefas historicamente atribuídas à educação,à escola e ao docente. Na origem do Estado moderno, a socialização das novasgerações repousava num tripé formado por família, Igreja e educação.

Esta última foi adquirindo um peso cada vez mais relevante, com o avanço dosprocessos de industrialização e urbanização, em contraste com o enfraquecimentoou alterações graduais que sofriam a Igreja e a família. Algumas razões influentesforam: surgimento dos meios de comunicação de massa, novas configurações dafamília, inserção das mulheres no mercado de trabalho, diferentes percepções sobrea prática de valores, expectativas das pessoas para o futuro e vertiginosodesenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação 3.

2 O Projeto Regional de Educação para a AméricaLatina e o Caribe (PRELAC) foi aprovado pelosministros da Educação em novembro de 2002em Havana e constitui a carta de navegaçãopara orientar as reformas educacionais.

3 Juan Carlos Tedesco e Emilio Tenti, em seutrabalho “Nuevos maestros para nuevosestudiantes”, ao analisar as atuais demandasà escola e ao docente. Ver site do IIPE, BuenosAires.

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4 Denise Vaillant, citando Juan Carlos Tedesco eEmilio Tenti, no artigo “Reformas educacionaise o papel dos docentes”, nesta revista.

5 Ver Projeto Regional de Educação para a AméricaLatina e o Caribe (PRELAC).

6 Op. cit. 5.

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ENFOQUESparados no tempo…

As mudanças no atual cenário levaram a um esgotamentodo papel do professorado na educação tradicional, associadoprincipalmente à transmissão unidirecional de informação, àmemorização de conteúdos, a uma parca autonomia nosprojetos e na avaliação curriculares, a uma atitude passivadiante da mudança e da inovação educacional, e a um modo

de trabalhar de caráter mais individual do que cooperativo 6.O colapso conceitual desse papel, no entanto, ainda não

induziu a mudanças nas políticas e estratégias para a formaçãoe o desenvolvimento dos docentes e, principalmente, as própriaspráticas pedagógicas estão atrasadas com relação ao que seespera da escola e do trabalho pedagógico. As grandesmudanças postuladas pelas reformas educacionais nãomodificaram, em geral, o cotidiano das escolas e das classes.

Ainda se pensa nos docentes unicamente dentro dos limitesda classe, ocupados com tarefas didáticas, responsáveis pela“implementação” do currículo sob as orientações metodológicasque a “capacitação” lhes oferece, movendo-se entre relaçõeshierárquicas, reagindo de acordo com a norma e o controlevigentes; atuando dentro de uma gestão e de uma cultura dosistema e da escola que, em muitos lugares, ainda estãoparados no tempo.

Sem docentes,as mudançaseducacionaisnão são possíveis!

ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

No entanto, a afirmação do papel determinante da educaçãono desenvolvimento social e econômico das nações não foiacompanhada pelas mudanças necessárias para que estepapel possa ser plenamente desempenhado, apesar de quetodos os dias aumentam as demandas da sociedade aossistemas educacionais, os quais, por sua vez, as transmitemà escola e aos docentes.

“Exige-se dos docentes e da escola de hoje que façamtudo o que a sociedade, os estados e a família não estão

fazendo”4. “As exigências à educação em matéria de qualidade,eficácia e competitividade nem sempre vêm acompanhadasdos recursos, autonomia e mudanças estruturais nos sistemaseducacionais ou na cultura escolar” 5.

Da mesma forma, as novas demandas com relação ao trabalhodocente não são acompanhadas de processos sistêmicos eintegrais para que o professorado possa desempenhar essesnovos papéis, participar nas mudanças e ser co-responsávelpelos resultados de seu trabalho. Além disso, há sinais claros deque, por um lado, a educação não é considerada uma prioridadenas agendas políticas de muitos países e, por outro lado, oprestígio e a avaliação social da profissão docente enfraquecemde forma significativa. Não apenas a educação é questionadapor seus resultados, mas a própria sociedade o é, pelaresponsabilidade que tem sobre eles.

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Persiste a discussão entre os que sustentam que a funçãodo docente é fundamentalmente pedagógico-didática e os quepropõem um papel mais associado ao conjunto do trabalhoeducacional. Esta velha discussão, que tem sua base na diferençafilosófica entre atividade educacional e ato educacional, temimplicações práticas no trabalho diário do docente 7.

A escola tradicional, ou melhor, o modelo tradicional, aindadominante na maioria dos sistemas e instituições educacionais,vê e mantém os docentes associados exclusivamente ao trabalhode classe e não necessariamente ao espaço maior da gestãoda escola e do sistema educacional, com o que se poderiaentender o trabalho docente como uma tarefa claramentepedagógica. Ou seja, o papel dos docentes começaria eterminaria na “atividade educacional”.

Abordar o papel e o desempenho docente exclusivamenteem relação à tarefa pedagógico-educativa, dentro ou fora daclasse, inclusive sob critérios inovadores, deixa o docente numasituação passiva com respeito à gestão e à política educacionais.Ele continua a funcionar como um instrumento para os currículospré-planejados, como simples executor de decisões alheias e,apesar disso, como praticamente o único responsável pelosresultados de aprendizagem de seus estudantes. Um paradoxoque permeia toda a vida escolar, que é simultaneamente efeitoe resultado das políticas dos países, particularmente em relaçãoa formação inicial, formação em serviço e avaliação do

desempenho 8.É indiscutível que o trabalho docente tem como foco central

a aprendizagem dos estudantes, posto que, sem ser o únicoagente educacional presente e em interação permanente como estudante, ele é o único que pode reunir em si as condições,os espaços temporários, a fundamentação pedagógica e deconteúdo, as possibilidades com a mídia e, claro, o que é maisimportante, a intenção pedagógica de propiciar as aprendizagensdos alunos numa espiral formativa 9.

Torna-se fundamental, então, reconhecer que a qualidadedo desempenho do professor depende de um conjunto defatores, que incluem mas superam o manejo do conteúdo e dadidática. Por exemplo: o grau de compromisso com os resultadosde seu trabalho e da escola, a interação com outros atoreseducacionais dentro e fora da escola, a auto-avaliação pessoale profissional, o nível de participação na definição de políticas,na construção coletiva do projeto educacional escolar, na definiçãodo modelo de gestão escolar, no delineamento de projetospedagógicos, etc. Ou seja, o desempenho profissional tambémdepende de quão envolvidos e responsáveis se sentem osprofessores pelo desenvolvimento de sua escola e da educação.

A idéia do docente individual, fechado na classe, à margemda responsabilidade social da educação e da escola diantedas famílias e das comunidades, está em crise, como tambémestá a clássica divisão entre os que pensam e os que agem,entre os que planejam e os que executam. Esta perspectivaorientou o papel que as reformas educacionais atribuíram aodocente e a maneira como se tentou melhorar a qualidade deseu trabalho.

TENSÃOentre papeltradicional e novos desafios

A maioria das reformas e mudanças propostas pelos paísesreconhecem o papel fundamental dos docentes 10. Em simesma, essa afirmação representa um avanço, uma grandediferença com épocas anteriores, em que a ênfase esteve noscurrículos, na administração, na regulamentação, nainfraestrutura, nos textos, etc.

No entanto, coerente com a perspectiva tradicional dopapel dos docentes, este reconhecimento limita-se à inclusãodos chamados componentes de capacitação, atualização ouformação em serviço. Além disso, a maioria dos processos dereforma delinearam-se longe dos docentes e de outros setoresenvolvidos e co-responsáveis na educação. De quê necessitaa escola, em relação a suas comunidades e estudantesconcretos? O que deve fazer o docente em seu trabalhocotidiano? Como desenvolver suas aulas? Que metodologiausar? Como distribuir o tempo? ...

O trabalho docentetem como foco central

a aprendizagemdos estudantes

7 Documento elaborado pelo Grupo sobreDesempenho Docente, que apóia a OREALCna discussão deste assunto e é integrado porHéctor Valdés, Ricardo Cuenca, Héctor Rizo,Magaly Robalino e Alfredo Astorga.

8 Op. cit. 7.9 Op. cit. 8.10 Um dos princípios do PRELAC afirma que o

modelo de políticas educacionais orientadasfundamentalmente para a modificação dosinsumos e da estrutura do sistema educacionalmostrou-se insuficiente para promovermudanças substantivas nas práticaspedagógicas e conseguir aprendizagensefetivas nos alunos. O projeto sustenta anecessidade de passar às políticas queconsiderem as pessoas, que são, no fundo,as que configuram as estruturas e os sistemas.

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11 As análises dos resultados de estudosinternacionais, como TIMMS, PISA, PrimeiroEstudo do LLECE, medições nacionais, etc.,mostram que as aprendizagens dos estudantesdependem de um conjunto complexo defatores, entre eles desempenho docente, nívelsócio-econômico das famílias, capital culturale educacional dos país, cultura escolar e climana sala de aula, entre outros.

12 Vários estudos referem-se ao valor agregadoda escola na aprendizagem dos estudantes,mesmo em condições difíceis, devido a umsistema de fatores positivos, entre eles aqualidade e o compromisso do trabalhodocente. Evidências sobre este assunto estãoem trabalhos como o estudo qualitativorealizado pelo Laboratório Latino-Americanoda Qualidade da Educação (LLECE), daOREALC/UNESCO (1997), e o estudo sobreescolas em contextos de pobreza, realizadopela UNICEF com o governo do Chile. “Quemdisse que não dá? Escolas efetivas emcondições de pobreza”, de Christián Bellei,Gonzalo Muñoz, Luz Mariía Pérez y DagmarRaczynski, Santiago do Chile, março de 2004.

13 Documento elaborado pelo Grupo sobreDesempenho Docente, que apóia a OREALCna discussão deste assunto e é integrado porHéctor Valdés, Ricardo Cuenca, Héctor Rizo,Magaly Robalino e Alfredo Astorga.

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A idéia do docenteindividual, fechado na classe,

à margem daresponsabilidade social da

educação e da escola diantedas famílias e das

comunidades, está em crise

Tudo ou quase tudo está predeterminado nos “manuais”,‘guias”, “livros do professor”, “oficinas”. Embora se insista nanecessidade de contar com docentes inovadores, que pesquiseme sistematizem o novo conhecimento, e embora haja consensosobre a necessidade de um novo docente, capaz dedesempenhar-se em cenários complexos e que tenha acesso eempregue as novas tecnologias de informação e comunicação,no momento de abordar sua formação, o desenvolvimento daprofissão e seu papel de protagonista, escolhem-se as mesmasvias do passado: capacitação e mais capacitação, e em algunscasos se introduz como variante a avaliação do desempenho.

UMA VISÃO AMPLA sobre o desempenho e os papéis

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 11

A mesma lógica do papel docente tradicional conduziu aconsiderar a capacitação como o único e o mais importantefator do desempenho profissional. Bastaria revisar osinvestimentos e esforços realizados por países nesse campoe contrastar com os resultados educacionais para pensar quealgo anda mal. Não se está afirmando que a qualidade dodesempenho docente mede-se exclusivamente pelos sucessosde aprendizagem de seus estudantes 11, mas é indiscutívelque esse é um fator determinante ou é o fator que pode fazera diferença na gestão educacional e pedagógica 12.

O desempenho docente, a partir de uma visão renovadae integral, pode ser entendido como “o processo de mobilizaçãode suas capacidades profissionais, sua disposição pessoal esua responsabilidade social para articular relações significativasentre os componentes que impactam a formação dos alunos;participar na gestão educacional; fortalecer uma culturainstitucional democrática e intervir no projeto, implementaçãoe avaliação de políticas educacionais locais e nacionais, parapromover nos estudantes aprendizagens e desenvolvimentode competências e habilidades para a vida” 13.

Essa definição alude aos papéis dos docentes em trêsdimensões: a das aprendizagens dos estudantes, a da gestãoeducacional e a das políticas educacionais.

ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

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14 Ver experiências como a Escola Nova daColômbia, que mostra as enormes potencialidadesdos docentes que trabalham em rede, aprendemjuntos, avaliam o que fazem e se sentemvalorizados pelas famílias e pelas comunidades.

15 O Contrato Social, no Equador, é um movimentocidadão que conseguiu abrir espaços dediscussão e participação plural, entre os maisamplos setores, para definir políticas cujaexecução compete a todos. Como resultadodesse trabalho, o Equador decidiu declarar auniversalização do primeiro ano da educaçãobásica (pré-escolar, jardim de infância, kinder emoutros países). Nesta tarefa, participam atualmenteo Ministério da Educação, os governos locais, osmeios de comunicação, políticos, empresários esindicatos.

16 Op. cit. 11.

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Estes papéis podem ser assumidos por professores quetenham competências profissionais, éticas e sociais, que sesintam formados, capacitados e dispostos a se lançar numnovo papel de protagonista. Que se vejam a si mesmos e asuas escolas como membros de alianças com outros atores,para que seus estudantes aprendam mais e melhor, para quehaja uma gestão cooperativa das escolas e para que as políticaslocais e nacionais reflitam as demandas de desenvolvimentodas comunidades e sociedades, e para que essas demandassejam efetivamente atendidas 16.

Com essa visão dos papéis dos docentes, a re-significaçãode seu trabalho e a recuperação da posição central delepressupõem um reconhecimento de que há um conjunto defatores que determinam o desempenho, e de que esses fatoresinteragem e influenciam uns aos outros. Entre eles: formaçãoinicial, desenvolvimento profissional em serviço, condições detrabalho, saúde, auto-estima, compromisso profissional, climainstitucional, valorização social, capital cultural, salários,estímulos, incentivos, carreira profissional, avaliação dodesempenho.

A missão, a razão de serdos docentes é facilitara aprendizagem de seusestudantes

A primeira, a dimensão das aprendizagens, éfundamental. A missão, a razão de ser dos docentes é facilitara aprendizagem de seus estudantes; não se pode entenderseu trabalho à margem do que seus alunos aprendem. Porsua vez, o grau de responsabilidade sobre os resultados destatarefa e as expectativas sobre o rendimento dos estudantesestão associados estreitamente com as duas dimensõesseguintes.

A dimensão da gestão educacional, sob os novosconceitos de participação, pertença, tomada de decisões eliderança compartilhada nas escolas, refere-se a docentesque tornam sua a realidade da escola e da comunidade ondeela está, que traduzem as demandas de seu ambiente e daspolíticas educacionais no projeto estratégico para sua escola,ao mesmo tempo em que o fazem em sua prática pedagógica.Esta dimensão refere-se a professores que planejam, monitorame avaliam juntos seu trabalho; que revisam suas práticas esistematizam seus avanços; que se sentem fortalecidos naequipe docente e se relacionam com outros colegas e outrasescolas em redes de aprendizagem docente; que têm umaatitude crítica, fazem propostas e processam as orientaçõescentrais à luz de sua realidade e de seus saberes 14.

A dimensão das políticas educacionais refere-seà participação dos docentes em sua formulação, execução eavaliação. Os sistemas educacionais tipicamente operam comequipes de “planejadores”, que definem, com seu conhecimentotécnico, de que a sociedade, as comunidades e as escolasnecessitam.

Há experiências interessantes, que mostram como se podegerar processos participativos horizontais para articular políticasnacionais de consenso, que se convertam em políticas locaise orientações assumidas por todos os envolvidos emeducação15. Esses processos não estão isentos de dificuldades.Embora difícil não seja igual a impossível, há que reconhecerque as práticas de consulta e tomada de decisões democráticasmovem as bases de sistemas levantados sobre a verticalidade.

As consultas e decisões coletivas necessitam demecanismos que tornem viável a participação de todos osenvolvidos, que “aproximem” os debates e decisões dos níveismais cotidianos, para que se integrem às escolas, aos docentese às famílias. Isto implica abrir espaços nos níveis locais,provinciais, estaduais, etc., para conseguir que as grandespolíticas tenham sentido para quem, em última análise, seráresponsável por sua execução em condições e contextosdiversos.

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ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

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Uma boa parte das instituições formadoras nem sequer seperguntou quais são as mudanças essenciais que deveriamser introduzidas para responder à demanda de contar comdocentes que requerem outro tipo de capacidades ecompetências. A atual formação inicial, em geral, reflete osmesmos problemas da educação tradicional, reforça o papelpassivo dos docentes e contribui para sustentar sistemaseducacionais hierárquicos e fechados.

É urgente avançar com programas nacionais que fortaleçama participação e a co-responsabilidade das instituiçõesformadoras nas mudanças educacionais e que apóieminovações substantivas para garantir a qualidade nodesempenho de seus formandos. Há importantes experiênciasem relação a promoção de pesquisa, criação de fundos paraprojetos de melhoria que possam ser obtidos por meio deconcurso, credenciamento das carreiras de pedagogia edesenvolvimento profissional dos formadores de formadores,entre outros 19.

Não há mudanças significativas nasescolas se as ações de formaçãoem serviço não são acompanhadasde apoio técnico, assessoria nocampo, processos de reflexão,monitoramento, avaliação eretro-alimentação

FORMAÇÃO INICIAL:coluna vertebral dodesempenho

A formação de docentes é um nó crítico na maioria dossistemas educacionais na América Latina e no Caribe. “Há umconsenso de que as propostas tradicionais de formação e decarreira já não são suficientes. Mas há também fortes evidênciasde que não é simples determinar quais são as mudançasadequadas e muito menos colocá-las em prática 17. Por essarazão, várias são as questões e as perguntas que se colocamsobre a mesa de discussão.

Um ponto de partida seriam os enfoques conceituais, apartir dos quais se estruturam e funcionam a maioria dossistemas de formação docente, tanto inicial como em serviço.As instituições formadoras têm um alto grau de responsabilidadenas práticas pedagógicas dos professores e nas formas comose inserem em seus centros de trabalho. O docente formadopara o ensino e não para a aprendizagem, para a transmissãoe não para a comunicação, para a memorização e não parao raciocínio, reproduz o que ele mesmo aprendeu com seusprofessores e viveu na escola normal, na Faculdade deEducação ou no instituto pedagógico.

Por outro lado, as mudanças educacionais ligadas àsconjunturas concentraram recursos na capacitação em serviço,mesmo quando a formação inicial tem um peso determinanteno desempenho docente. Paradoxalmente, as instituiçõesformadoras de docentes estiveram ausentes nas reformaseducacionais da maioria dos países ou se envolveram deforma muito tangencial 18.

17 Inés Aguerrondo, durante a conferência “Eldesempeño de maestros en América Latina y elCaribe: nuevas prioridades”. Brasília, junho 2002.

18 Magaly Robalino Campos. Palestra apresentadano encontro internacional “De la formación aldesarrollo profesional y humano de los docentes”,organizado pela OREALC/UNESCO e peloPROEDUCA/GTZ-Peru. Lima, novembro de 2003.

19 No Chile, por exemplo, executam-se programase projetos de mudança na formação inicialuniversitária com recursos outorgados peloEstado. Da mesma forma, na Colômbia existemfundos que podem ser obtidos por concurso,especialmente para projetos de pesquisaexecutados por universidades. Por outro lado,também no Chile o credenciamento obrigatóriodas carreiras de pedagogia está prestes a serconvertido em lei, situando as carreiras aomesmo nível das de medicina, um sinal claro daimportância que se dá à formação inicial no bojode uma política integral para melhorar aqualidade da educação.

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20 O caso do Chile é ilustrativo. É um dos paísesque têm mantido ao longo do tempo um processode reforma e um conjunto de medidas inseridasnum projeto nacional. No entanto, algunsdocentes consideram que dois fatores principaissão responsáve is pe los resu l tadosdesanimadores: sua fraca participação noplanejamento e na implementação da reforma,e uma capacitação nem sempre adequada àsdemandas das escolas.

21 A OREALC desenvolve um importante trabalhorelacionado com a educação científica, paraapoiar a formulação de novas propostascurriculares, contribuir para as mudanças naformação de professores, promover aalfabetização digital e animar a formação deredes de centros ao redor da educação científica.Ver Rede de Educação Cientí f ica daOREALC/UNESCO, em www.unesco.cl

DA FORMAÇÃO FRAGMENTADAao desenvolvimento profissional

Embora haja um reconhecimento de que o desempenho dos professores dependede múltiplos fatores, tradicionalmente as estratégias utilizadas para sua melhoriacostumam cair no campo da formação em serviço, uma área na qual se investiramos maiores recursos e que, apesar disso, se considera que não alcançou os resultadosesperados 20.

A capacitação entendida como a soma dos eventos teve pouco ou nenhumimpacto nas práticas escolares e nos resultados de aprendizagem dos estudantes.Não há mudanças significativas nas escolas, se as ações de formação em serviçonão são acompanhadas por apoio técnico, assessoria no campo, processos dereflexão, monitoramento, avaliação e retroalimentação. Fortalece-se, então, anecessidade de processos permanentes de desenvolvimento profissional, incorporadosao planejamento e à organização escolar, com apoio externo para uma práticainstitucionalizada que recupera e sistematiza os saberes dos próprios docentes,estimula o trabalho entre pares e potencializa os melhores professores como líderesprofissionais em suas comunidades educacionais.

Assim, um desafio fundamental é encontrar o equilíbrio entre o conhecimento ea atualização científica, de um lado, e o manejo da metodologia, de outro. As oficinase seminários (as modalidades mais utilizadas para a capacitação de docentes)tiveram uma forte orientação para a metodologia, para o “como ensinar”, mais doque para o conteúdo, ou seja, “o quê ensinar”.

Dois problemas resultaram desta orientação. Primeiro, a reafirmação do papelexecutivo dos docentes, debilitando suas capacidades para a pesquisa, o debate,a reflexão sobre sua prática. E, segundo, a pouca atenção à atualização científicados conhecimentos do professorado sobre a própria disciplina lecionada. Nem aintrodução de novas maneiras de planejar e desenvolver conteúdos, através doenfoque em problemas e projetos, garantiu, por si mesma, o fortalecimento doconteúdo científico atualizado, em particular na aprendizagem das ciências 21. Oequilíbrio entre a qualidade do conteúdo e a melhor maneira de o comunicar écondição indispensável para gerar aprendizagens significativas para os estudantes.

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22 A Rede de Lideranças, coordenada pelaOREALC/UNESCO, tem como objetivo principalfortalecer as capacidades de liderança técnicae institucional dos diretores de centros escolarese de suas equipes de direção, reconhecendo opapel-chave que têm nas reformas educacionais.

23 Javier Murillo Torrecilla, em seu artigo “Clavespara la mejora de la eficacia escolar”, publicadoem Crítica, 1999, disponível na biblioteca virtualde RINACE:http://www.ice.deusto.es/rinace/index.htm

24 Os docentes de uma escola que conseguemformar uma equipe geram mudanças por suaprópria iniciativa, até apesar das difíceiscondições de trabalho e das normas impostaspelos sistemas educacionais hierárquicos. Umexemplo importante das inovações geradaspelos centros escolares e os docentes pode servisto no site da REDE INNOVEMOS, coordenadapela OREALC/UNESCO:www.unesco.cl/innovemos

25 Existem notáveis experiências, como aExpedição Pedagógica Nacional, na Colômbia,a qual é considera como um dos maisimportantes processos de formação e pesquisadocente no país. Foi uma mobilização nacionaldos professores colombianos para evidenciaras contribuições inovadoras da atividadeeducacional nas escolas e nas classes, promovero intercâmbio entre docentes de escolas eregiões diferentes (mesmo em zonas de difícilacesso), reconhecer-se como profissionais daeducação e recuperar a alegria de ser docente.

26 A OREALC/UNESCO prepara a publicação “Losdesafíos de la formación docente en la sociedaddel conocimiento y de la información”, um estudosobre sucessos, tensões e desafios resultantesda incorporação das tecnologias da informaçãoe da comunicação à educação do professorado,a partir de 23 experiências em dez países latino-americanos.

CENTRO EDUCACIONAL:espaço para a aprendizagem docente

São estes processos que permitemreconhecer a experiência e o saber dosdocentes, sistematizar as contribuiçõesque se produzem nas classes e nasescolas 24 e as recuperar para articulá-las com espaços maiores dedesenvolvimento profissional. Da mesmaforma, em países diferentes háexperiências notáveis com o uso demetodologias e âmbitos alternativos parao desenvolvimento docente, através deprogramas sistemáticos, com novastecnologias de comunicação,fortalecimento de redes escolares,trabalho entre pares, estágios e encontrosde docentes para intercâmbios 25.

A visão tradicional e fragmentada dasuperação dos professores está sendosubstituída pelo conceito ampliado dodesenvolvimento profissional, entendidocomo aprendizagem dos docentes aolongo de toda a vida. Esse processoarticula a formação inicial, a formaçãoem serviço (como programas formaisdirigidos pelos responsáveis por essasáreas) e a auto-formação dos docentes,desenvolvendo competências sociais,éticas e técnicas e incorporando o usodas tecnologias da informação e dacomunicação ao quadro de umaprofissão em permanente construção 26.

Os processos de permanenteaprendizagem docente adquirem sentidoe realidade no interior das escolas e dasredes escolares, sob uma liderançarenovada 22 e não a partir do professorsozinho. Só neste contexto astransformações têm motivações e forçaspropulsoras internas. “Para que ocorrauma mudança satisfatória num centroeducacional, é necessário que ainiciativa, a coordenação e a execuçãosurjam do próprio centro.

“A experiência e a pesquisademonstraram que as mudançasimpostas por instâncias externas e nãoassumidas pela comunidadeeducacional não conduzem a uma realmelhoria do centro. Em compensação,é comum que o centro seja sensível auma pressão externa, acolha-a comosua e gere uma experiência de melhoriada eficácia escolar realmentesatisfatória”23.

Além disso, as mudanças têmprofundidade e transcendência quando,tendo nascido do próprio centro, searticulam com políticas do sistema queapóiam e fortalecem as iniciativas locaise integram a motivação interna com osincentivos externos.

ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

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CARREIRA DOCENTEe desenvolvimento profissional

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“Poucos atores conformam-se com as atuais estruturassalariais e carreiras profissionais na América Latina. Ainsatisfação compreende, praticamente, todas as dimensões;por isso, a discussão dos salários e da carreira do magistériopercorre (ou deveria percorrer) transversalmente quase todasas variáveis medulares do setor: o financiamento e as formas(centralizadas ou descentralizadas) de alocação de recursos,os modelos de organização escolar, a formação e a capacitaçãodocentes, e, de forma geral, para além da pluralidade designificados do termo, a qualidade educacional” 28.

A carreira profissional, entendida como o sistema queregula a trajetória dos docentes desde o início até aaposentadoria, sofreu poucas mudanças na maioria dos países.Os requisitos de entrada, condições e mecanismos decontratação, o desenvolvimento profissional, o plano de carreira,as regulamentações salariais, os incentivos, a avaliação e aaposentadoria, além de ter débeis conexões entre si, tambémsofreram poucas modificações.

Um conjunto de fatores conspira contra a modernizaçãoda carreira. Destacam-se quatro: a concepção tradicional dopapel dos professores; o peso que têm os salários docentesna distribuição de recursos para a educação pública (emmédia, correspondem a 90% dos orçamentos nacionais deeducação); a complicada trama na qual devem ocorrermudanças na legislação educacional; e os interessescorporativos contrariados dos setores envolvidos. Por essasmesmas razões, o não-conformismo com assuntos relacionadoscom a carreira do magistério (especialmente salários, incentivos,

27 Beatrice Ávalos, referindo-se ao projeto quese desenvolveu sob sua coordenação parareformar a formação do professorado no Chile.Documento disponível na biblioteca virtual daRede Ibero-americana de Pesquisa sobreMudança e Eficácia Escolar:http://www.ice.deusto.es/rinace/index.htm

28 Ver “Carrera, incentivos y estructuras salarialesdocentes”, de Alejandro Morduchowicz,publicado pelo PREAL no bojo do projeto“Sindicalismo docente y reformas educativasen América Latina”, 2003.

29 Há países nos quais só os graus de licenciaturae doutorado dão acesso ao plano de carreirae ao reconhecimento econômico, ao contráriodo que ocorre com mestrados e bacharelados,que nem sequer são considerados dentro dasleis de educação.

Falta um grande esforço para chegara um acordo no interior dos países, quecombine decisão política, participação,pressão e trabalho cooperativo 27 paraconstruir sistemas de desenvolvimentoprofissional que articulem as diferentesinstâncias da formação, recuperando asimportantes experiências existentes nocontinente.

contratação de professores) é a primeira causa dos conflitossociais nos sistemas educacionais.

Particularmente, a renda e os incentivos (monetários e nãomonetários) dos docentes representam um dos mais gravesproblemas do setor. Reconhece-se que a profissão docentetem baixas remunerações, uma situação que chega a níveisextremos em alguns países. No entanto, não existem, em geral,políticas e ações voltadas para a discussão em profundidadedesse assunto. A melhoria da renda dos docentes estábasicamente ligada à antigüidade na função e muito poucovinculada ao desenvolvimento profissional e ao desempenho,devido ao anacronismo da legislação educacional nestecampo29.

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ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

30 Ver, entre outros, o estudo realizado por XiaoyanLiang, “Remuneración de los docentes en 12países latinoamericanos: quiénes son losdocentes, factores que determinan suremuneración y comparación con otrasprofesiones”, no quadro do Programa dePromoção das Reformas Educacionais naAmérica Latina (PREAL), agosto 2003.

31 O México iniciou em 1993 a execução doPrograma de Carreira no Magistério, surgido deum acordo entre a Secretaria de EducaçãoPública (SEP) e o Sindicato Nacional deTrabalhadores da Educação (SNTE). É umprograma nacional de incent ivos aodesenvolvimento dos professores mexicanos,através de um sistema de promoção horizontal,no qual os docentes participam voluntariamente.A promoção se realiza mediante um processode avaliação, que atribui pontuações paraantigüidade no posto, grau acadêmico,preparação profissional, credenciamento decursos e desempenho profissional. Seu impactoé parte da polêmica atual do sistema educacionalmexicano, mas, apesar disso, é um dos esforçosmais consistentes para conectar desempenho,desenvolvimento profissional e remunerações,o que obriga a realizar avaliações emprofundidade.

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Atualmente, a OREALC/UNESCO trabalha num estudocomparativo dos sistemas de carreira e avaliação docente nospaíses latino-americanos e europeus. Trata-se de reconhecera realidade, identificar experiências nacionais interessantes eentregar insumos que apóiem a formulação de propostasintegrais para uma das questões pendentes nos sistemaseducacionais, uma questão que demanda um forte processode diálogo social e disposição para um acordo geral.

Poucos atores devemestar conformados comas atuais estruturassalariais e carreirasprofissionais naAmérica Latina

Para além do debate que busca descobrir se o valor dahora de trabalho efetivo do docente (tempo regulamentado depermanência no centro de trabalho) é menor ou igual ao valorda hora de trabalho em outras profissões 30, está claro queexiste uma deterioração dramática do poder aquisitivo dossalários docentes, o que deu origem ao duplo e triplo emprego(nem sempre nas mesmas tarefas educacionais) e à feminizaçãoda profissão, já que em algumas residências o salário damulher é considerado complementar à renda principal.

Assim, a estrutura salarial tem um alto grau decomplexidade, devido à adição sucessiva de bônus e incentivosmonetários, como resultado das negociações entre governose organizações docentes. Longe de chegar a um acordo parauma política salarial de longo prazo, optou-se por soluçõesconjunturais que têm tido pouco ou nenhum impacto naqualidade de vida do professorado e em seu desempenhoprofissional.

Este é um dos problemas mais complicados e difíceis desolucionar num cenário marcado pelas crises estruturaisatravessadas por alguns países, pela desatenção à educaçãoe pelos interesses contrariados que cruzam as negociações.

O debate está instalado e, embora sejam poucos os paísesque contam com processos em marcha, há uma pressão socialque empurra para as definições nesse campo.

O risco está em agir, mais uma vez, para responder àconjuntura num momento em que se requer chegar a umacordo com os docentes e suas organizações sobre umtrabalho baseado numa lógica de articulação, que configurepolíticas integrais para impactar positivamente o conjunto dosistema.

Em todo caso, é inadiável abordar a questão salarial, comuma visão de conjunto e para o longo prazo, discutindo echegando a acordos sobre soluções criativas com os docentese suas organizações, porque não há futuro certo para osprojetos de mudança educacional à margem da situaçãoconcreta cotidiana dos docentes.

Apesar de tudo, há avanços que devem ser considerados.No Chile, o Parlamento (em meio a um processo difícil) aprovoua lei que permite fazer concursos para os cargos de diretordos estabelecimentos educacionais a cada cinco anos,podendo voltar a disputar as vagas os diretores que tenhamobtido uma boa avaliação. O México está implementando seuPrograma de Carreira do Magistério, que, ainda em meio acontrovérsias, representa uma experiência diferente no conjuntodos países 31. Em outros países, estabeleceram-se incentivosmonetários e não monetários para as escolas, para reconhecere estimular o trabalho em equipe.

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32 A implementação de sistemas de avaliaçãogerou forte polêmica dentro dos países. Chilee Colômbia são dois exemplos recentes.

33 O Instituto de Pesquisa e Planejamento daEducação (IIPE, sigla em espanhol) daUNESCO, com sede em Buenos Aires, realizouuma enquete com os docentes de Argentina,Peru, Uruguai e Brasil. Os dados publicadosaté o momento revelam que, dos docentesentrevistados, embora a quase totalidadeconsidere que os mecanismos de avaliaçãosão inadequados, a maioria acha que otrabalho deve ser avaliado e até que orendimento estudantil deve ser consideradocomo um componente importante. Da mesmaforma, no Chile, como parte do processo deestabelecimento de um sistema dedesempenho, dentro da proposta denominada“Programa de garantia da qualidade daeducação”, o Colégio de Professores convocouuma consulta nacional e, mediante votação,cerca de 70% dos docentes expressaram suaconcordância, enquanto na Argentina oporcentual dos professores que aprovam umsistema de avaliação é de 60,8%, no Peru,75,6% e, no Uruguai, 47,6%.

34 Héctor Valdés, em sua tese de doutorado sobreavaliação do desempenho. Cuba, 2003.

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A supervisão escolar tem sido o mecanismo tradicional deavaliação dos professores e, em muitos casos, reduziu-se aexaminar evidências de proficiência administrativa: livros deplanejamento atualizados, registros completos, formuláriospreenchidos e, eventualmente, observação nas salas de aula.

Com a implementação das reformas educacionais nosúltimos anos e com a introdução das medições nacionais einternacionais da aprendizagem dos estudantes, o conceitomencionado se ampliou, mas, nessa ocasião, instalou-se aidéia de que desempenho docente é igual a sucesso acadêmicodos estudantes. Portanto, assumiu-se implicitamente que odocente é o único fator para a aprendizagem dos alunos e,em conseqüência, responsável pelos maus resultadoseducacionais.

Em resposta a esta posição, os docentes, particularmenteas organizações sindicais, opuseram-se fortemente aos sistemasou mecanismos de avaliação do desempenho, associando-oscom sanções, até ao ponto de converter-se numa das causasdo conflito nos sistemas 32.

Em aparente contradição com isso, a maioria dos docentesconsidera que a avaliação do desempenho é necessária, masdiscordam dos mecanismos. É importante ressaltar que, emgeral, os professores são a favor do estabelecimento deprocessos de avaliação 33; a polêmica surge da orientação edos mecanismos de implementação.

“A forte influência de uma concepção centrada na mediçãoimpediu que se postulasse uma visão integradora. O custodessa redução foi muito alto porque converteu o discurso e aprática da avaliação em algo tão técnico, tão ambiciosamenteobjetivo, que os sujeitos de carne e osso acabam por evaporar.”Por outro lado, a avaliação tem sido considerada uma estratégiade vigilância do trabalho do professorado, mais do que umaestratégia para a melhoria da gestão educacional epedagógica34.

Nesse sentido, o caso cubano é interessante de estudar,porque mantém um sistema de avaliação vinculado a planosde superação dos professores, os quais são avaliados portodos os que recebem seus serviços e acompanham seutrabalho.

A maioria dos docentesconsidera que a avaliação

do desempenho é necessária,mas divergem dos mecanismos

Da mesma forma, há avanços como os ocorridos no Chile,onde, depois de um longo processo de discussão, o Ministérioda Educação, a Associação de Municípios e o Colégio deProfessores concordaram sobre um conjunto de mecanismospara a implementação do Sistema de Avaliação do DesempenhoDocente; a proposta foi até submetida a uma consulta públicanacional com os docentes, que a aprovaram com cerca de70% dos votos. No momento, há problemas com aimplementação devido às grandes sensibilidades com relaçãoà estabilidade no emprego, mecanismos de avaliação, valoresdas compensações econômicas em caso de perda do cargo,entre outros aspectos da operação do sistema; mas existe avontade de realizar os ajustes necessários para dar os passosseguintes.

AVALIAÇÃO DOCENTEpara a superação profissional

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35 Ver “Nueva Docencia en Perú”, uma propostaresultante do trabalho de várias equipes deconsultores, coordenadas por José RiveroHerrera, que aborda de forma integrada trêsquestões: carreira pública de excelência nomagistério; perfis, seleção e incorporação denovos docentes; e criação de um sistema decredenciamento de instituições e programasformadores de profissionais da educação.Publicação do Ministério da Educação do Peru.Lima, janeiro 2003.

36 Durante décadas, a docência foi consideradaum “apostolado”, uma missão para a qualbastava ter vocação, uma atividade intelectualque não tinha as determinantes que têm, emgeral, as atividades produtivas e laborais dosseres humanos.

37 CTERA: Enquete sobre a saúde dos docentesargentinos, 1996. CENAISE, Pesquisa sobre ascondições de trabalho e saúde dos docentesno Equador, 1998. Universidade Católica doChile, Estudo de saúde ocupacional, realizadoem professores do sistema educacional chileno,2003.

38 Ver artigo de José Esteve e Manuel Parra, nestarevista, onde se aprofunda e se demonstra quea situação da saúde dos docentes não é apenasum problema de saúde pública, mas tambémum problema ligado à qualidade da educaçãoe às aprendizagens dos estudantes.

Há uma ampla literatura que documenta a importância das condições de trabalhoe a saúde no trabalho na produtividade das pessoas, ao ponto de que todos osMinistérios do Trabalho ou departamentos de segurança no trabalho de todos ospaíses têm áreas que se ocupam dessas questões.

Entende-se por condições de trabalho o conjunto de aspectos que configuramo cenário no qual ocorre o desempenho profissional dos professores: espaços físicos,infraestrutura, equipamento, clima institucional, características do ambiente, naturezadas relações com os diferentes interlocutores (autoridades, diretores, colegas,estudantes, pais, comunidade), atividades recreativas e culturais, entre as maisimportantes.

A natureza destas condições pode converter o trabalho numa fonte de crescimentopara os docentes, de bem-estar pessoal e profissional, ou pode convertê-lo numafonte de frustrações e afecções de saúde. A isto denomina-se “pólo positivo” e “pólonegativo” do trabalho.Desse ponto de vista, a saúde é um processo social que tem como componentefundamental as condições sociais e de trabalho das pessoas. No caso da docência,por múltiplas razões 36, esta discussão não tem ocorrido. No entanto, há evidência,embora poucos estudos 37, que indicam uma forte interação entre condições detrabalho, saúde docente e desempenho profissional.

Estresse, doenças psicossomáticas (gastrite, úlcera, pressão arterial alta),depressão, afonia, varizes e problemas respiratórios estão entre as patologiasocupacionais mais comuns entre os professores. Chama a atenção o fato de queuma grande parte das afecções recorrentes caem no campo da saúde mental 38.É preciso aprofundar a pesquisa para processos de intervenção sob a responsabilidadede todos os envolvidos, incluindo os próprios docentes e suas escolas.

Nesse sentido, a OREALC/UNESCO está desenvolvendo uma pesquisa sobreas condições de trabalho e saúde dos professores em cinco países (Argentina, Chile,Equador, Peru e Uruguai), em aliança com organizações docentes, universidadese centros acadêmicos. A saúde docente é uma questão que precisa ser colocadano debate sobre a qualidade da educação.

Nesse quadro, torna-se fundamental avançar num sistemade avaliação que seja transparente e objetivo, que consigacredibilidade e restabeleça a confiança; que tenha finsformativos e seja dirigido ao desenvolvimento profissional epessoal do docente. Um sistema que se associe a mecanismoscom implicações sobre promoção e incentivos, e que garantaa participação dos avaliados, de seus colegas, alunos, famíliase avaliadores externos 35. Um sistema que recupere e outorguesentido à auto-avaliação.

A INCÓGNITAsobre condições de trabalho e saúde docente

Em suma, um sistema que promova uma cultura deavaliação, instalada nos sistemas educacionais, que alcancetodos os responsáveis pela educação, incluindo as altasautoridades, e que seja um sinal claro do compromisso coma prestação de contas à sociedade. Assim entendida e integradacom os outros fatores, a avaliação do desempenho é umanecessidade para melhorar a educação e para contribuir coma elevação do prestígio social da profissão docente.

ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

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39 A OREALC/UNESCO promoveu um estudo sobreconflitos nos sistemas educacionais em 18 paísesda região, com a participação do Laboratóriode Políticas Públicas (LPP) e de uma equipe deconsultores, que levantou uma cronologia dosconflitos docentes entre 1998 e 2003, disponívelno site , e explorou em profundidade os casosde Argentina, Brasil, Equador, México e Peru. Asistematização do estudo será publicada nosegundo semestre de 2005.

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CONFLITOSe situação docente

Os conflitos apresentam-se em espaços sociais marcadospor relações de poder e força, nos quais diversos atorespressionam e negociam para defender seus interesses. Oconflito é uma ruptura, mas não tem necessariamente umaconotação negativa; dependendo de sua natureza, pode serfonte de crescimento e desenvolvimento. Mas, no campo daeducação, verificam-se desencontros e confrontos entregovernos e docentes (geralmente canalizados por suasorganizações), devido à insatisfação com suas condições detrabalho e de vida, enfrentamentos que têm repercussão diretana gestão dos sistemas educacionais e das escolas, e naaprendizagem dos estudantes.

A maioria dos países latino-americanos vive umaprofundamento impressionante dos conflitos nos sistemaseducacionais, inclusive naqueles que tradicionalmentegerenciam as diferenças entre governos e docentes atravésde negociações dialogadas. Por essas razões, aOREALC/UNESCO 39 promoveu um estudo para explorar em18 países as causas, natureza e expressões dos conflitos,atores envolvidos, trajetórias, gerenciamento dos conflitos edesenlaces.

O estudo apresenta dados alarmantes sobre uma situaçãoconhecida, mas não dimensionada em toda a sua magnitude,que mostra a fragilidade dos sistemas educacionais e suaincapacidade de responder aos problemas estruturais daeducação.

Só para ilustrar este problema, mencionamos alguns dados:Durante os meses de maio e junho de 2003, 14 países daregião enfrentaram simultaneamente conflitos abertos, queincluíram: suspensão das aulas, greves gerais, grevesparciais e até choques violentos. No Peru, no Equador ena Bolívia (para citar apenas três exemplos), produziram-se greves nacionais de docentes que fecharam as escolaspor períodos entre quatro e seis semanas.

No Equador, entre os anos de 1998 e 2003, produziram-se11 greves nacionais; somam 173 os dias em que as escolasestiveram fechadas por causa disso (o ano escolar tem200 dias).Na Argentina, todos os dias, nos anos estudados, produziu-se pelo menos um conflito em alguma parte do território,derivado de reivindicações de docentes, pais e mães defamília e estudantes.No período estudado, a soma das jornadas de conflito nossistemas educacionais dos 18 países explorados atinge4.802 dias.Os conflitos têm um caráter recorrente e os acordosalcançados, em geral, são seguidos por curtos períodosde calma, porque constituem soluções conjunturais quemantêm intocados os problemas de fundo.Os conflitos ocorrem num circuito fechado constituído pelosministérios da Educação e pelas organizações docentes;ficam de fora outros atores-chaves, responsáveis etomadores de decisões, como os ministérios da Fazenda,os parlamentos, os ministérios do Trabalho, etc.As reivindicações salariais e profissionais específicas dosdocentes são as principais causas dos conflitos e os acordosalcançados não incidem na solução dos problemasestruturais da educação. Questões relacionadas com opapel de protagonistas dos docentes nas mudanças, gestãodas escolas, aprendizagens dos estudos e outras destadimensão ficam fora das agendas dos docentes e suasorganizações.

O conflito é uma ruptura,mas não tem necessariamente uma

conotação negativa; dependendode sua natureza, pode ser fonte de

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40 NAVARRO, JUAN CARLOS, “Quiénes son losdocentes?”. Banco Interamericano deDesenvolvimento, 2002.

41 Projeto Regional de Educação para a AméricaLatina e o Caribe (PRELAC).

INTEGRIDADEe múltiplos setores nas políticas

ator ou protagonista? dilemas e responsabilidades sociais da profissão docente

Consideração integral e múltiplos atores dão precisão aprocessos concertados que reconheçam a importância daquestão docente e a definam como prioridade nas agendaseducacionais e políticas. Só assim é possível empreendermudanças sérias na qualidade da educação dos países.

A transformação das políticas públicas sobre a questãodocente supõe, portanto, uma mudança nas políticas de gestão,nos planos curriculares, na administração do sistema e naspolíticas trabalhistas e de segurança social 41.

Esta concepção renovada também modifica a visão limitadasobre o professorado e seu papel nos diferentes níveis dedecisão e permite avançar para o fortalecimento e, em algunscasos, a construção, com os docentes, de espaços deprotagonização, para que tenham voz própria, ativa participaçãonas mudanças e co-responsabilidade nos resultados de escolase nas aprendizagens estudantis.

Da mesma forma, esta concepção propõe o desafio deaprender a trabalhar com vários setores para formular políticas,estratégias e programas que abordem o conjunto daproblemática docente, mesmo que se executem de formaprogressiva, a partir de consensos sociais, em cenários nosquais predominou a dispersão de esforços e o confronto,particularmente entre ministérios da Educação e sindicatos,como se mencionou anteriormente.

“O tratamento das questões docentes como matéria depolítica pública aparece como um dos desafios mais complexosdos governos, dada a força dos grupos de interesse envolvidos;a desconfiança acumulada ao longo de anos de descuido oude soluções inadequadas, que atentam contra uma resoluçãotransparente e concertada das diferenças entre os diversosatores; as consideráveis implicações financeiras de muitasdas saídas e soluções que se propõem; e, obviamente, o fatode que muitas dessas alternativas nem sempre foramexperimentadas na prática de maneira convincente” 40.

O que parece estar claro é que nenhum dos fatores dedesempenho docente, quando resolvido de forma isolada,melhora significativamente a qualidade do trabalho docente.Nem a capacitação gerada sob o enfoque tradicional, nem osaumentos salariais por si só, nem o equipamento tecnológiconos centros, nem os mecanismos de avaliação do desempenho;nenhum desses fatores se converte numa fonte de melhoriase forem tratados de forma isolada.

É preciso abordar a questão docente sob uma perspectivaintegral, que também promova processos de intervenção entresetores no quadro das políticas educacionais de curto, médioe longo prazo.

Uma perspectiva integral implica considerar de formaconjunta as diversas dimensões do desempenho docente –pessoal, profissional e social –, o que só pode ser feito atravésde uma intervenção entre setores: ministérios da Educação,obviamente, mas também, com a mesma responsabilidade,organizações docentes, ministérios de Finanças, Saúde,Habitação, Bem-Estar Social, parlamentos, instituiçõesformadoras, meios de comunicação, movimentos cidadãospela educação, etc.

como o conjunto de condições políticas e sociais básicas queos sistemas democráticos requerem para funcionar, promoverconsensos e facilitar mudanças. Esta crise de governabilidade,particularmente intensa nos sistemas educacionais, constituium obstáculo que deve ser abordado como uma condiçãoindispensável para avançar seriamente na melhoria da qualidadee da igualdade da educação para toda a população, maisainda quando o conflito, como já se disse, está, em grandemedida, relacionado com a situação docente.

O clima de permanente confronto é uma das grandesdificuldades para empreender mudanças sustentadas e delongo prazo. Os atores em conflito não conseguem ou não têmvontade política para identificar as causas reais do conflito egerar propostas de solução de longo alcance,participativamente construídas em espaços de diálogo enegociação.

Há uma profunda deterioração das condições degovernabilidade na maioria dos países da região, entendida

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42 Ver artigo de Elenora Villegas-Reimers sobreas mudanças ocorridas nos Estados Unidosno âmbito da formação docente, publicadopela OREALC/UNESCO, Santiago do Chile,2003.

43 Os docentes consideram que sua profissão éimportante, que é valorizada por seus alunose pelas famílias, mas que é a sociedade quenão os valoriza. Ver o estudo do Peru:“Actitudes y valoración de los docentes enservicio hacia su profesión”, de Ricardo Cuencae Carlos Portocarrero, publicado pelo Ministérioda Educação do Peru e por PROEDUCA/GTZ.Lima, março 2003. Resultados semelhantesaparecem no estudo realizado pelo IIPE naArgentina, no Brasil e no Uruguai, 2003.

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DO APOSTOLADOao rigor profissional

Há duas forças propulsoras das mudanças docentes: uma é intrínseca e provémdo interior da comunidade dos educadores (professores, diretores de escolas,pesquisadores, planejadores, formuladores de política, etc.); a outra é externa aosistema e provém principalmente dos “avaliadores” da educação.

A primeira dessas forças expressa-se na intenção de conceber o professor, tratá-lo e formá-lo como um profissional; a segunda busca promover a responsabilidadepelos resultados, o desenvolvimento de padrões quantitativos e a medição dodesempenho, e a formação do professor em função desses padrões 42, sempre comuma visão unidirecional, colocando a educação na mesma lógica do mercado.

A primeira força associa-se à busca de um sentido renovado da profissão docente,que assegure que os professores tenham capacidades para o exercício profissional,no quadro de uma participação social democrática, com plenas competências paraintervir na tomada de decisões, na definição de políticas educacionais, com visãopara vincular seu trabalho com o desenvolvimento local e comunitário, sem perderde vista o contexto social mais geral.

Este novo sentido da profissão implica avançar de uma concepção dos docentescomo “apóstolos” ou mártires, animados pela “vocação” e pela “capacitação”, parauma concepção dos docentes profissionais, com um capital cultural e social, queocupam seu lugar nos espaços onde se tomam decisões em sua escola, em suascomunidades, nas instâncias de debate e acordos, docentes profissionais que seresponsabilizam pelos resultados de sua tarefa, no quadro de uma sociedade quetambém assume transversalmente a responsabilidade sobre a educação.

DOCENTES:atores, autores ou protagonistas?

Se os docentes são um dos fatores mais importantes na organização e entregados serviços educacionais, como assinalam os ministros da Educação que firmamo PRELAC, uma parte da resposta deveria ser mudanças com os docentes, nãopara os docentes!...

Docentes co-autores e protagonistas, equipados com um capital social e culturalque os converte em sujeitos sociais deliberativos e capazes de participar na tomadade decisões refletidas e dialogadas.

Docentes orgulhosos de sua profissão, re-valorizados, comprometidos com osresultados de seu trabalho, prestando contas às famílias e às comunidades, sentindo-

se reconhecidos pela sociedade 43.

A sociedade, entendidacomo conjunto deenvolvidos, incluindo ospróprios docentes, échamada a garantir queos sistemas educacionaistenham os melhoresprofessores

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Docentes que façam a diferença, que defendam suas idéias e direitos sem afetaro direito das crianças e dos jovens a ter uma boa educação, a contar com aoportunidade de aprendizagem e desenvolvimento.

A educação continua sendo chamada a “estabelecer o equilíbrio entre ocrescimento econômico e princípios éticos como a igualdade, a eqüidade, a justiça,a convivência respeitosa”. Por isso, a sociedade, entendida como conjunto deenvolvidos, incluindo os próprios docentes, é quem é chamada para garantir queos sistemas educacionais tenham os melhores professores!

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PROFESSORES PARA AIGUALDADE EDUCACIONAL

NA AMÉRICA LATINAQualidade e Nenhum a MenosGuiomar Namo de MelloBrasileira. Diretora-executiva da Fundação Victor Civita,membro do Conselho Nacional de Educação, Brasil.

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É necessário colocaros trabalhadoresdocentes latino-americanos paraaprender e ensinar osalunos que desafiam apedagogia dauniformidade. É assimtão simples, e muitodifícil

O grande desafio da educação na América Latina nesteinício de século é superar a desigualdade educacional. Namedida em que o acesso à educação básica vai seuniversalizando, mais grave se torna a crise de qualidadedaquela escola programada para uma minoria homogênea.Uma escola na qual as crianças até ingressam, mas da qualmuitas saem sem aprender e, pior, achando que não sãocapazes de aprender.

E nem se diga que aquela escola de minoria tinha qualidade.Era verbalista, concebia todas as crianças iguais, recipientesvazios que cabia ao professor preencher com dados, fatos,longas expressões aritméticas e regras gramaticais, tudorepetido exercício até que o aluno devolvesse a informaçãoidêntica à que foi impressa no vazio de seu intelecto. Umpacote curricular do qual algumas peças ganhavam sentidomais tarde, cultivadas nas experiências acadêmicas e culturaisdos bem nascidos. Tinha lá o seu valor na preparação de umaelite letrada e bacharelesca, para viver em sociedades poucodemocráticas, de países de pouco competitivoseconomicamente, que exportavam produtos primários ecompravam os que tinham valor agregado.

Em sociedades desiguais e culturalmente diversas,universalizar a escola é incluir os excluídos. Mas incluir emque e para que? Fazer mais, ou até mesmo fazer melhor domesmo, está fora de cogitação. Ninguém quer. E país nenhumpode estender a todos a escola de antigamente que de modoidílico muitos acreditam que era boa. Para que a aprendizagemde todos tenha qualidade será preciso dar sentido aoconhecimento curricular, fazer da aprendizagem umaexperiência significativa, prazerosa e sempre conectada coma vida de todos alunos.

Trata-se então de aprender a fazer, e bem, o que nunca foifeito em larga escala em nosso continente: uma escola cujofoco central é a aprendizagem de todos; uma pedagogia capazde inspirar e reunir os professores em torno de um projetocoerente com objetivos claros; uma didática inspirada emconcepções de aprendizagem mais contemporâneas na qualobjeto de conhecimento e objeto de ensino finalmente sereconciliem.

A estratégia para isso não pode ser mais a de estabelecerpatamares homogêneos a serem alcançados indistintamente.Será preciso avançar o máximo possível com cada geraçãoescolar, de modo a promover uma qualidade diversa, duradourae sustentável para uma população que além de ser heterogênea,precisa aprender a agregar valor às suas capacidades aolongo da vida.

Há mais de três décadas discute-se a desigualdade naeducação latino americana. Nesses mais de 30 anos mudoua geografia política do mundo, a economia se globalizou, atecnologia fez emergir uma sociedade na qual conhecimentoe informação já não são privilégio das instituições de ensino,a organização do trabalho mudou o perfil profissional de muitascarreiras. Chegou-se até a decretar o fim da história. E a escolalatino americana continua com dificuldade para ensinar ascoisas básicas necessárias para viver - ler, escrever, quantificar,trabalhar com grandezas, ouvir, falar, pensar e articularlinguagem e pensamento.

O diagnóstico e o prognóstico dessa situação tem tudo aver com os professores latino americanos. Eles são parte doproblema por causa do despreparo, do corporativismo, daacomodação a uma carreira que expulsa os melhores. Masprecisam ser parte da solução porque sem a participação,compromisso e dedicação dos professores será impossívelsuperar a desigualdade educacional. É preciso colocar a forçade trabalho docente latino americana para aprender e paraensinar alunos que desafiam a pedagogia da uniformidade. Étão simples quanto isso, e muito difícil.

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SABERé poderSabemos mais do que sabíamos há duasdécadas atrás sobre a profissão docentena América Latina. Recente estado daarte sobre o tema aponta problemasconhecidos dos que atuam na educaçãoescolar: formação inicial sem articulaçãoentre teoria e prática e de conteúdosdefasados; carreiras hierárquicas semsistemas de incentivo eficazes, nas quaisa promoção depende do tempo deexercício docente; gestão institucionalsem instrumentos de avaliação deresultados e sem força, sustentação evontade políticas para promover asmudanças necessárias; salários baixose desprestígio profissional; forte influênciado espírito de corpo dos servidorespúblicos em geral e dos professores emparticular 1.

Reformas educacionais estão emcurso nos diferentes países da AméricaLatina desde os anos 1980. Em quasetodas elas multiplicaram-se experiênciasinovadoras envolvendo formação,carreira e desenvolvimento profissionaldos docentes. Embora poucas dessasexperiências tenham sido avaliadasquanto a seu impacto na aprendizagemdos alunos dos professores envolvidos,elas constituem hipóteses interessantespara serem testadas de modo maisrigoroso 2.

No plano conceitual a América Latinatomou contacto mais sistemático, nasduas últimas décadas do século XX, comos trabalhos de pedagogos e psicólogos,principalmente europeus, sobre perfil decompetências para ensinar, métodos deensino e estratégias de organização dascondições de aprendizagem 3. De ummodo geral esses trabalhos constituemdesenvolvimentos das teorias de JeanPiaget incluindo sua expressão recente,a teoria construtivista da aprendizagem

que recebeu grande contribuição deestudiosos latino americanos 4. Algunsdesses trabalhos conceituais focalizamespecificamente a desigualdadeeducacional em razão, no caso doseuropeus, da crescente heterogeneidadeétnica, cultural e religiosa, realidade cadavez mais presentes nas escolas de umcontinente muito mais homogêneo há 50anos atrás. No caso da América Latinaconstrutivismo e superação dasdesigualdades sempre foramassociados, ainda que nem sempre oresultado tenha sido auspicioso.

Já nos Estados Unidos os anos 1990foram pródigos em estudos empíricossobre o peso da escola e do professorno aprendizado dos alunos, fortementeassociados à formulação de políticas.Voltados para a necessidade de superaro “achievement gap” entre brancos declasse média e as minorias étnicas, essesestudos são de particular interesse paraa educação na América Latina.

A escolafaz diferença

Muitos estudiosos da educação,contaminados pelo pessimismopedagógico que marcou a segundametade do século XX, chegaram aafirmar que a escola apenas reproduziaas desigualdades sociais. Estudos tãodistantes quanto o de Bourdieu &Passeron na França e os de Colemannos Estados Unidos, por caminhosmetodológicos opostos, chegaram aconclusões idênticas: os alunos saemda escola tão socialmente desiguaisquanto haviam chegado a ela.

1 Vaillant, Denise (2004).2 Consultem-se os trabalhos apresentados na

Conferência Regional “O Desempenho dosProfessores na América Latina e no Caribe”,publicados em português pela Fundação VictorCivita (2004) e em espanhol pelo PREAL (2004).

3 Incluem-se neste caso os trabalhos de PhilippePerrenoud, sociólogo, professor da Faculdadede Psicologia e Ciências da Educação deGenebra, Suiça; Salvador Cesar Coll daUniversidade de Barcelona, Espanha; LéopoldPaquay, Psicopedagogo, Professor daFaculdade de Psicologia e Ciências daEducação de Louvain, Belgica; Isabel Alarcão,Doutora em Educação e Professora Catedráticada Universidade de Aveiro, Portugal.

4 Liderados por Emília Ferreiro e investigadoresdo Departamento de InvestigacionesEducativas del CINVESTAV, Mexico, DF.

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5 Mello, G.N. (1993) e Alvariño, C. et. al. (2004).

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Toda criança é capazde aprender, desdeque esteja noambiente adequado

Para responder às questõescolocadas pelo pessimismo pedagógico,teorias foram formuladas, avaliações einvestigações empíricas foram realizadas.Lançando mão de metodologias maisrigorosas do que o funcionalismo deColeman e de teorias mais dinâmicasque o estruturalismo de Bourdieu ePasseron, essa nova “defesa” da escolatem produzido evidências consistentessobre o impacto positivo que a educaçãopode ter no destino profissional e socialde populações em risco. Alguns estadosda arte sobre o tema foram produzidosdesde os anos 1990 5. Esses trabalhosorientaram os pressupostos adotadosno presente artigo.

Toda criança é capaz de aprender desde que tenha o ambiente adequado,entendendo-se isso como: professor bem preparado, tempo, espaço, recursosdidáticos e/ou tecnológicos.Existem efetivamente diferenças de resultados entre escolas que não podem serexplicadas apenas pelas variáveis de origem dos alunos, ainda que estas últimaspesem na explicação. Controladas as diferenças iniciais e os fatores ambientaisas escolas têm um impacto específico. Produzem diferenças substantivas nosseus alunos.As diferenças entre as escolas estão sistematicamente associadas com ascaracterísticas dos processos educativos internos e com o clima organizacionalque opera em cada instituição escolar. Quer dizer, fatores que podem sermodificados pelas próprias escolas, pelas políticas, pelos atores políticoinstitucionais. Há uma forte relação entre fatores sociais e ambientais e o progressodos alunos.As diferenças entre as escolas são estáveis, podem permanecer por longosperíodos (mais de década) se forem mantidas relativamente estáveis as condições.O que acontece no início da escolaridade é um bom critério de prognóstico sobreo sucesso ou o fracasso na carreira escolar. Crianças de origem e condiçõesfamiliares iguais podem ir melhor ou pior nas demais etapas escolares, dependendodo sucesso ou fracasso no início da escolaridade.As diferenças entre as escolas apontam para a importância em se considerar o“valor agregado” das instituições escolares. Neste sentido a informação públicados resultados obtidos em testes padronizados de uma escola, como medidade comparação entre escolas, pode ser enganosa. Mais relevante seria informaro incremento nos resultados dentro de uma mesma escola e a persistência desseincremento.

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6 Alvariño et. al. op. cit

Posto que a escola faz diferença,passa a ser relevante olhar dentro dessa“caixa preta”. Dois componentes dosprocessos internos da escola destacam-se como os que mais influenciam suaeficácia: a gestão, personificada na figurado diretor – estilo de liderança,capacidade de criar clima institucionalpositivo entre outros; e o ensino que é aprática do professor – formação, manejoda sala de aula e outras característicaspessoais e profissionais. A maioria dostrabalhos focaliza um ou outro dessescomponentes, pois os procedimentosempíricos são bastante diferentes.

Os estudos sobre gestão têmfocalizado a escola como um todo, suaorganização, clima e formas derelacionar-se com o entorno social. Deum modo geral esses estudos buscaramas características das escolas eficazes– aquelas nas quais a aprendizagem ébem sucedida. A conclusão é que essasescolas têm traços em comum entre osquais se destacam os que seguem 6:

1. LIDERANÇA PEDAGÓGICA. Competente profissionalmente, firme, propositiva, quevaloriza o desempenho tanto da equipe escolar como dos alunos.

2. AUTONOMIA INSTITUCIONAL. Capacidade de elaborar seu projeto pedagógicoe responsabilidade na prestação de contas.

3. VISÃO E METAS COMPARTILHADAS. Clareza e unidade de propósitos, colaboraçãoe consistência.

4. FOCO EM CONTEÚDOS BÁSICOS. Pouca dispersão e objetivos definidos com omaior grau de precisão possível.

5. AMBIENTE FAVORÁVEL À APRENDIZAGEM. Ordenado, atraente, onde o uso dotempo, do espaço e dos recursos está voltado prioritariamente para os objetivosde aprendizagem.

6. EXPECTATIVAS ELEVADAS. Indispensáveis para criar cultura de sucesso, devemser comunicar com clareza a convicção de que os alunos são capazes de atingiros objetivos de aprendizagem por estabelecidos.

7. ACOMPANHAMENTO DO PROGRESSO DO ALUNO. Continuidade na retro informaçãoe nas estratégias para superar dificuldades.

8. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL. Avaliação da escola e estudo de itinerários dosalunos.

9. REFORÇO POSITIVO. Regras claras e compartilhadas, direitos e responsabilidadesbem definidas.

10. CAPACITAÇÃO CENTRADA NA PRÁTICA. Focalizada nos resultados e dificuldades,envolvendo a equipe como um todo e com certo de controle da própria escolasobre conteúdos e metodologias da capacitação.

11. FACILITAÇÃO DAS INSTÂNCIAS CENTRAIS DO SISTEMA. Assistência técnica e apoiopara implementar decisões e iniciativas tomadas pela escola ou com suaparticipação e seguimento para responsabilização pelos resultados.

12. COOPERAÇÃO COM A FAMÍLIA. Clareza de comunicação dos objetivos, participaçãoe suporte dos pais.

O professor faz diferença

Não é fácil avaliar a eficácia dos professores. A forma mais rigorosa é verificaro valor agregado que os alunos de um professor determinado conseguem nasmedidas de aprendizagem, comparando o ponto em que estavam no início e no fimde um período escolar, em geral um ano letivo. Essa é a maneira de avaliar fazendojustiça à difícil tarefa de ensinar, mas até o final dos anos 1970 era difícil obter osdados necessários para esse tipo de avaliação.

Por volta da segunda metade dos anos 1990 alguns sistemas de ensino norteamericanos já vinham realizando aplicações anuais de testes padronizados deaprendizagem há pelo menos uma década. As séries históricas de resultados deavaliação e a disponibilidade de computadores de alta capacidade de armazenamentode dados permitiram finalmente fazer o seguimento dos resultados de avaliaçõesanuais de aprendizagem de centenas de milhares de alunos por oito, dez anosseguidos e emparelhar esses resultados com os professores individuais sob cujocuidado os alunos estiveram.

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7 Haycock, K. (1998)8 Carey, K. (2004)9 Para uma descrição mais detalhada consulte-

se Haycock, K., op.cit.10 Perrenoud, P. (1999), apresenta uma relação

bastante simples e completa de competênciaspara ensinar.

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A constatação de que oprofessor faz adiferença exigiu chegarao conceito de como seriaum bom professor

Muitos estudiosos reconheceram as limitações do métodousado para construir o conceito de bom professor . Sem abrirmão da tradição empírica norte americana, outros estudos vemsendo realizados nos quais a eficácia do professor écorrelacionada a resultados de avaliações de competênciaspessoais e profissionais. Os resultados ainda incipientes estãomostrando pelo menos duas características comuns a todosos professores eficazes: grande competência verbal e numéricamais um sólido domínio do conteúdo a ser ensinado.

Na vertente européia, vários estudiosos estão elaborandoas implicações pedagógicas e didáticas das teorias piagetianase construtivistas. Com forte referência na prática esses estudoslançam mão não apenas da experiência pedagógica e didáticade seus autores como de contínuas observações de situaçõesde formação e exercício da profissão docente. Desses trabalhosé possível estabelecer um conjunto bastante consistente decompetências para ser um bom professor 10.

Os perfis de competência delineados por esses autoresincluem, entre outras: relacionar teoria e prática ou de refletirsobre a prática; percorrer com facilidade a ponte entre ossaberes como objeto de conhecimento e os saberes comoobjeto de ensino ou, dito em outras palavras, articularconhecimentos de conteúdo e conhecimentos pedagógicose didáticos; acolher e explorar as diferenças como recursopedagógico.

Se considerarmos que o exercício de competências comoessas não se faz sem o domínio da linguagem verbal, asconclusões de estudos de ambas tradições terminam empontos comuns da maior relevância.

Um dos estudos pioneiros foi realizado com dados dequatro estados – Tennessee, Texas, Massachusetts e Alabama7.Os dados produziram evidências de que o bom professor fazdiferença. Muita diferença: nos quatro estados, alunos de bonsprofessores progrediram mais do que alunos de mausprofessores. A capacidade do professor foi a variável que,isolada, mais pesou no rendimento. E destaque-se: pesou maisdo que qualquer aspecto da situação econômica, familiar,cultural ou étnica dos alunos. Vale a pena citar o comentáriodo autor sobre porque o peso do professor não havia sidoestudado antes.

“O advento de parâmetros acadêmicos, de testagens anuaisconsistentes e de computadores poderosos, permitiu fazer oque não havíamos feito nunca – medir a efetividade deprofessores individuais na promoção da aprendizagem dosalunos. E isso, por seu lado, jogou luz na importância críticados professores para superar a defasagem acadêmica. Ofantasma da banalidade que assombrou o debate das políticaseducacionais por décadas – a idéia de que escolas eprofessores têm uma capacidade limitada para ajudar osalunos – particularmente os alunos desfavorecidos – foidefinitivamente enterrado. Alunos negros e pobres podemaprender de acordo com os padrões mais exigentes, tão bemquanto quaisquer outros, desde que tenham professorescompetentes” 8.

A constatação de que o professor faz diferença exigiuchegar a um conceito do que seria um bom professor. Ocaminho escolhido pelos recentes estudos norte americanosfoi empírico. Resumidamente o processo é o seguinte: o sistemade ensino estabelece os padrões de aprendizagem e aplicaesses padrões sobre os resultados obtidos pelos alunos nostestes padronizados. A diferença entre o rendimento dos alunosno início e no final do ano letivo é considerada uma medidada eficácia do professor. Dependendo do tipo de aluno queum professor assume – bons, médios e fracos – os padrõesa serem atingidos são ajustados 9.

Com a comprovação empírica de que o professor fazdiferença e com o perfil do bom professor em mãos – ainda quereconhecidamente não seja perfeito – estudos foram realizadospara verificar onde os bons professores estavam. A conclusãoé tão melancólica quanto previsível. Os alunos de vizinhançasou escolas ricas e predominantemente brancas, eram os quecontavam com os melhores professores. Um estudo desse tipona América Latina com certeza constataria esse mesmo padrãoregressivo segundo o qual a que tem mais será dado.

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11 Kannapel, P. (2005).12 All Students Reaching The Top – Strategies

for Closing Academic Achievement Gaps(2004).

Aspectos não cognitivossão importantes

Pelo menos dois estudos aportam conclusões interessantessobre os fatores não cognitivos que influenciam a eficácia daescola e dos professores. O primeiro deles é um estudo decaso de dezesseis escolas com alunado muito pobre queapresentavam excelentes resultados acadêmicos.

Embora tenha confirmado quase todas as conclusões dosdemais, em um aspecto esse estudo apresentou evidênciasdiferentes. Foi observado que a liderança pedagógica fortedentro da escola é muito importante no início do processo demelhoria da qualidade. Em escolas com um trabalhopedagógico de boa qualidade e maduro, é possível manter obom rendimento acadêmico com um líder facilitador, mesmoque não tenha perfil pedagógico. A explicação mais convincentepara esse dado é a de que bons lideres pedagógicos são osque constroem competências pedagógicas na sua equipedocente. O que reforça a importância da competência doprofessor para a aprendizagem, mesmo com diferentes estilosde gestão. 11.

O segundo trabalho não é um estudo mas o informe deum grupo de trabalho nacional -Study Group for the AffirmativeDevelopment of Academic Hability- 12. Trata-se de umlevantamento bastante completo e atualizado de estudos epesquisas sobre as condições escolares e didáticas quefavorecem a constituição das competências cognitivasnecessárias para o bom rendimento acadêmico. O relatórioadota um enfoque cognitivista e construtivista e relata umaimpressionante quantidade de pesquisas cujo trabalho empíricoé orientado por essa opção teórica.

Esses estudos fazem justiça à prosperidade das idéiaspiagetianas na América do Norte, em especial as hipótesesteóricas de Emília Ferreiro, que orientam a busca da pedagogiae da didática consistentes com suas concepções deaprendizagem e desenvolvimento. Para efeito deste artigoduas conclusões do relatório são importantes:

(a) o enorme esforço teórico e investigativo que vem sendorealizado pelos cognitivistas e construtivistas norteamericanos para produzir conhecimento sobre ensino eaprendizagem em escolas de risco e/ou com populaçõesde baixa renda e de minorias étnicas;

(b) a grande quantidade de estudos que apontam os aspectosrelacionais afetivos como decisivos para criar um climafavorável à aprendizagem de alunos em situação de risco.

A existência de um clima de confiança nas relações dascrianças entre si e com os adultos é apontada como tãoindispensável quanto o domínio do conteúdo a ensinar e dosprocessos de aprendizagem. As ameaças, estereótipos,bullying, são apontados por vários autores como obstáculosà aprendizagem que têm muito maior peso do que possíveislimitações do ambiente familiar.

Essa dimensão não cognitiva (re) visitada pelos estudosrecentes não se identifica com a concepção “maternalista”que associa a figura do professor à materna. Tão pouco sofreo cacoete de psicologizar ou medicalizar qualquercomportamento que se desvia do esperado de aluno médio.Compreendida com a sutileza que as questões do afetorequerem, essa nova preocupação com os sentimentos éfocalizada na aprendizagem. Tenta identificar os obstáculosnão cognitivos que a bloqueiam para que o ensino possa atingirseus objetivos.

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AONDE temos de chegar

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13 Henderson, N. & Milstein, M.M. (2002)14 Aguerrondo, I. (2004).

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Sabe-se também queo professor faz uma

enorme diferença,principalmente para osalunos de baixa renda

e/ou de minorias étnicas

enorme, principalmente para alunos debaixa renda e/ou de minorias étnicas. Eainda dispomos de perfis dascompetências que os professoreseficazes têm ou precisam desenvolver.É um avanço considerável.

Ainda que maioria dos estudosmencionada não tenha sido feita empaíses da América Latina, é inegávelque as conclusões são em geral bemsintonizadas com o pensamento daregião, devedor que é da tradiçãopedagógica piagetiana e do rigorempírico da escola norte americana depesquisa. Em suma, há conhecimentodisponível suficiente para a tomada dedecisão e para por em marcha políticasrelativas aos professores nos paíseslatino americanos.

O conceito de resiliência pode seruma boa chave para esse novo olhar.Um crescente número de estudos vemse realizando a respeito de como aspessoas superam traumas, violência,situações de abuso ou de risco. Osresultados obtidos desafiam a noção deque essas situações levaminevitavelmente ao desenvolvimento depsicopatologias ou de ciclos queperpetuam a pobreza, o abuso, ofracasso escolar ou a violência 13.

Dessas pesquisas emerge a idéia deresiliência, ou seja, “de que as pessoaspodem ‘dar a volta por cima’ deexperiências de vida negativas efreqüentemente tornarem-se ainda maisforte no processo de superação” comoafirma o autor. Esses autores afirmamque é possível fazer isso acontecer comalunos e professores. E que estes últimospodem aprender e ensinar estratégiasde sobrevivência e superação. Se issose comprova não há dúvida de quequalquer ação visando a redução dadesigualdade educacional na escolateria de considerar o desenvolvimentoda resiliência.

Algumas conclusões

Finalizando este levantamento doque já se sabe, dá-se conta de que oconhecimento sobre o peso que tem aescola e nela os professores, naaprendizagem dos alunos, e no seu futuroeducacional, não apenas avançou nassuas demonstrações empíricas. Foi maisbem elaborado teoricamente porestudiosos europeus e norte americanosque se dedicaram durante quase trêsdécadas a responder ao pessimismo demeados do século passado.

Se não foi retomado o otimismopedagógico ingênuo, dominante napassagem do XIX para o XX, comClaparède, Dewey, Montessori, entreoutros, tão pouco o pensamento e ainvestigação educacionais sucumbiramà desilusão que se seguiu àsconstatações apressadas de que aescola e o professor nada podem dianteda origem social dos alunos. Hoje épossível recomendar ações para que asescolas sejam mais eficazes. Sabe-seainda que o professor faz uma diferença

Se o conhecimento sobre o peso da escola e do professor é válido e se o desafioé eliminar ou atenuar a desigualdade educacional, trata-se de indagar o que épreciso para que os países latino americanos ponham em marcha políticas e formasde gestão institucional dos recursos docentes que canalizem os melhores professorespara as escolas e alunos em situação de risco.

Decisão política e gestão técnica

As decisões relativas à profissão de professor quase sempre envolvem conflitos.Isso não é uma fatalidade latino americana, acontece nos Estados Unidos e emvários outros países. As decisões a serem tomadas neste tema têm uma “forte cargapolítica e ideológica, fortes impactos financeiros, pouco consenso técnico e sempreprovocam sensações de ameaças” 14.

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15 A iniciativa é produto da parceria de trêsinstituições: o ETS, Educational Testing Services,a mais importante agência de avaliaçãoeducacional dos Estados Unidos (www.ets.org);a Education Commission of the States, umcolegiado de políticos e líderes educacionais(www.ecs.org); e a Learning Point Associates,organização sem fins lucrativos dedicada àeducação (www.learningpt.org).

16 National Partnership for Teaching in At-RiskSchools (2005).

17 www.teachforamerica.org

O mais importante écriar uma cultura deavaliação dodesempenho docente

A história recente de alguns países da região mostra quedificilmente haverá uma iniciativa, por mais cuidadosa queseja, relativa à formação, carreira, recrutamento e contrataçãode professores, que não provoque medo, insegurança,desconfiança, mal entendidos e resistência de pelo menos umgrupo ou setor da educação.

Esse é o tamanho do problema. Para enfrentá-lo é precisoum motivo valha a pena. Com certeza a superação dasdesigualdades educacionais é um deles. Será esse propósitosuficiente para mobilizar classe política, formadores de opinião,tomadores de decisão e os próprios professores? Essa é umapergunta que só a análise das forças presentes em cada paíspode responder. Independentemente da resposta, o que sepode afirmar é que sem a decisão política nenhuma outracondição vai funcionar.

Para inspiração é interessante saber de algumas iniciativasque estão em curso nos Estados Unidos, como a NationalPartnership for Teaching in At-Risk Schools que cujo Presidenteé o Governador do Estado da Virginia. Lançada em fevereirode 2005 15, com o propósito e a missão de:

“...enfrentar e começar a resolver o problema dainadequação das equipes docentes de escolas em situaçãode risco, pela clara identificação dos problemas e prescriçãodas devidas soluções; pelo exame cuidadoso e sistematizaçãoda pesquisa existente; e pelo desenvolvimento de soluçõesde políticas, recursos e estratégias. A National Partnershipservirá como o recurso por excelência da nação para ofortalecimento da qualidade de ensino nas escolas em situaçãode risco” 16.

Nos últimos anos surgiram também organizações nãogovernamentais dedicadas ao recrutamento e capacitação deprofessores especificamente para lecionar em escolas e regiõesde risco. Uma delas afirma estar

“... construindo o movimento para eliminar a desigualdadeeducacional neste país. Desde 1990, mais de 12.000 indivíduosexcepcionalmente dotados juntaram-se a Teach for America,assumindo o compromisso de ensinar por dois anos emcomunidades rurais e urbanas de baixa renda. A partir dessaexperiência muitos deles tornaram-se líderes do esforço paraampliar a oportunidade de educação de qualidade para todasas crianças” 17.

A decisão política não é suficiente. A literatura é unânimeem afirmar também que o suporte técnico e a observaçãopermanente dos professores no seu ambiente de trabalho sãocruciais para melhorar a qualidade do ensino. A afirmaçãodeveria ter ainda maior peso para o caso de professores quelecionam em comunidades de baixa renda ou escolas de risco.

Monitorar, apoiar e cobrar são tarefas da gestão dos recursosdocentes que, juntamente com a decisão política, podemgarantir que os bons professores se destinem às escolas quemais precisam e produzam a diferença que esperamos deles.

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18 Haycock, K. (1998); Carey, K. (2004).19 Henderson, N. e Milstein, M.M. (2002).20 Entre os vários países que estão tentando

estabelecer padrões nacionais para a formaçãode professores, a experiência do Brasil podeser consultada em www.mec.gov.br/cne/,“Diretrizes Nacionais para Formação deProfessores da Educação Básica em NívelSuperior”- Parecer no 09 /2001.

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Padrões e Sistemas Nacionais deMedidas de Aprendizagem

Apesar de suas limitações a objetividade dessas medidasé a única base defensável para informar e negociar comprofessores, diretores, pais, grupos de interesse da sociedade.E principalmente é a base de dados indispensável para realizara avaliação do trabalho docente.

Metodologias para verificar o valor agregado que o efeitoprofessor produz na aprendizagem do aluno; ajustes para ascondições familiares e sócio culturais dos alunos; uso de longasséries históricas de medidas, são elementos essenciais parao entendimento e o consenso em torno da eficácia doprofessor18.

Muitos países latino americanos já possuem sistemasnacionais de avaliação de aprendizagem. Alguns deles jáconsolidados. Em outros países da região os sistemas demedição estão em desenvolvimento. É importante conheceras metodologias para medida do valor agregado da escola edo professor e incorporar esse objetivo nos sistemas nacionaisde avaliação. Também é importante manter os procedimentosde medição contínuos de forma que os dados obtidos sejamcomparáveis e envolvam muitas coortes escolares.

No entanto o mais importante é criar uma cultura deavaliação do desempenho docente que legitime o uso dosresultados para estabelecer políticas de formação, recrutamento,contratação com vistas a melhorar a qualidade e promover aigualdade em educação.

Revisão do sistema deformação inicial

Na maior parte dos países latino-americanos a formaçãode professores situa-se no ensino de nível superior. Éfundamental ter clareza sobre o papel do Estado neste tema.Sem tal clareza será difícil alinhar a política de gestão dosrecursos docentes com a política de superação da desigualdadeeducacional. Na maioria dos contextos nacionais os professoresse preparam no ensino superior público ou privado e sãoabsorvidos pelo sistema de educação escolar básica, mantidopelo estado nacional, provincial ou local. Ao Estado portantocabe um papel regulador não impositivo.

É preciso que existam diretrizes para orientar a organizaçãocurricular e institucional dos cursos de formação em nívelsuperior. Os conteúdos e metodologias desses cursos terãoque incorporar as necessidades específicas de formação paralecionar em regiões de pobreza e em escolas de risco. Naverdade um dos objetivos seria o de formar o professorresiliente19. O perfil desenhado nos estudos citados nesteartigo pode ser um ponto de partida para o estabelecimentode diretrizes nacionais 20. Estas por sua vez precisam mantercoerência com os padrões de avaliação da aprendizagem dosalunos da educação básica.

Ao Estado e aos responsáveis pelas políticas educacionaisdeve caber a responsabilidade de mediar:

(a) as grandes metas da educação, como é caso da superaçãodas desigualdades educacionais;

(b) a observância de diretrizes nacionais para a formação deprofessores; e

(c) a organização dos cursos nas instituições de formaçãosuperior.

Essas diretrizes podem emanar de colegiados ou outrasinstâncias de acreditação e certificação nas quais estejamrepresentados os vários segmentos interessados. Tais instânciaspodem funcionar para acreditar cursos e certificarcompetências. Tudo estreitamente associado com os padrõesde aprendizagem para os alunos da educação básica.

Modelos desse tipo já operam em vários países europeuse na América do Norte. No continente latino americano tambémjá existe alguma forma, pelo menos de acreditação de cursos.Certamente em países federativos como é o caso do Brasil,Argentina e México, o processo demanda espaços paraestabelecer consensos e fazer acordos sobre políticas. Emgeral a acreditação tem valor nacional mas os cargos e funçõesdocentes são gerenciados pelas instancias provinciais oulocais.

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21 Ballou, D. e Podgursky M.(1999).22 Henderson, N. e Milstein, M.M., insistem que

bons professores são também resilientes.23 Duthilleul, Y. (2004).

A análise do funcionamento dessesmecanismos em distintos contextosnacionais, especialmente na AméricaLatina, seria de grande interesse para atomada de decisões de políticas e deformas de gestão dos recursos docentes.

Concluindo este tópico, vale a penaalertar para o risco de que a acreditaçãoe a certificação de competênciasdocentes se tornem reféns deconcepções pedagógicas conflitantesou de interesses corporativos. Naverdade deveria ser exatamente ooposto. A certificação seria uminstrumento para recrutar e capacitarprofissionais de nível superior de outrasáreas para ensinar em escolas de risco,tal como a já mencionada experiênciado Teach for América.

Nos Estados Unidos, onde acertificação estadual e nacional já existehá praticamente duas décadas, está sereplicando nas mesmas a disputa entreinstituições de educação (Faculdadesde Educação ou Cursos de Pedagogia)e instituições de formação deespecialistas (Institutos das váriasciências, Escolas de Letras eLinguística)21.

Essa disputa, velha conhecida dosestudiosos da educação, produz, noâmbito da formação do professor, adicotomia depois reproduzida no âmbitodo trabalho, entre o domínio do objetode conhecimento (conteúdo) e o domíniodo objeto de ensino (o que e como deveser ensinado).

Educação continuadapara o sucesso em situaçõesde risco

Cada vez mais entendida comoprocesso contínuo, que se dá depreferência no “chão da sala de aula”,por meio de observação, monitoramento,orientação, apoio e assistência técnica,a educação continuada é o núcleo nobreda gestão de recursos docentes.

Suficiente literatura já foi produzidasobre educação continuada. No âmbitodos estudos de eficácia da escola, comojá apontado, a constatação maisfreqüente é a de que tanto mais eficazé a escola quanto maior o controle quetem do programa de capacitação de suaequipe. Se analisarmos a educaçãocontinuada na ótica da superação dadesigualdade educacional convémlembrar que quanto mais adverso for otrabalho do professor, tanto mais ele vaiprecisar de apoio e assistência técnicos.

Um programa sério de superaçãodas desigualdades talvez devesse teruma gestão de professores específica.Na agenda estariam experiências deestabelecer períodos para equipes deprofessores excelentes atuarem emescolas pobres com muitos problemasde aprendizagem. Na medida em queessas escolas fossem se fortalecendo,os veteranos treinariam seus substitutosaté o ponto de serem transferidos paranovas escolas problemáticas.

A América Latina usa pouco aexperiência de seus melhoresprofessores. Aqueles que sobrevivemcom grande sucesso em situações muitodifíceis teriam de ser modelos e“coachers” de seus colegas.Compartilhar experiência é uma dasmelhores formas de educação emserviço que existem.

Trabalhar com escolas e alunos derisco não é um trabalho tranqüilo. Aequipe escolar é submetidacontinuamente a pressões e stress. Aeducação continuada dessesprofessores deveria prever não só ostemas técnicos profissionais mas tambémos temas pessoais. Grupos de discussão,socioterapias, aconselhamento e outrasformas de fortalecimento da auto imagemdeveriam estar entre os recursos dosgestores de recursos docentes parasuperação das desigualdades naeducação. Talvez uma característicaindispensável ao professor de alunosque estão em situação de risco sejaencontrar saídas em situações adversas.Ou seja, resiliência. E isso pode seraprendido num programa sério deeducação continuada 22.

Recrutamento,contratação e incentivos

Superar a desigualdade educacionaltem que ser um imperativo nacional paraalguns países latino americanos, entreos quais situa-se por exemplo o Brasil.Esse imperativo deveria orientar aspolíticas de recrutamento, contrataçãoe incentivos. O tema é tão sensível àcorrelação de forças políticas, quedificilmente as experiências de outrospaíses podem mais úteis do queindicações gerais ou inspiraçõesremotas.

Com essa precaução vale a penacitar o informe do IIEP da UNESCO/Paris,sobre contratação de professores emtrês países – Camboja, Índia eNicarágua23. Algumas conclusões a queo estudo chegou são sugestivas:

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24 Duthilleul, Y. (2004).25 Duthilleul op cit. Também Carey, K. op. cit.26 A expressão faz referência ao filme do mesmo

nome, dirigido por Zang Yimou, China 1998.Inspirado em fatos reais o filme se passa numapaupérrima escola rural chinesa, onde umagarota de 13 anos recebe a incumbência desubstituir um professor que vai sair de licença.Ela não dispõe de um livro sequer e tem comoobrigação evitar a evasão estudantil – umproblema crítico em seu país.

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o desenvolvimento profissional depende menos deestabilidade no cargo e muito mais da oportunidade deaprender, enfrentar novos desafios, transferir-se paracontextos mais estimulantes;já tivemos tempo para dimensionar a resistência,especialmente dos sindicatos de professores; é hora decolocar-se face a face a ela e, se for necessário, pagar opreço político para conseguir colocar bons professores nasclasses de alunos mais pobres, um custo que vale a penapagar;é possível, como se observou em outros países que diantede uma decisão política serena mas firme, os sindicatosencontrem na cruzada pela igualdade educacional, umaoportunidade para mudar sua imagem e tornar suasestratégias mais contemporâneas 25.

Decisão política responsável e gestão técnica competentepodem fazer da escola básica latino americana uma escolaonde todos aprendem.

Literalmente todos. Nenhum a menos 26.

quando existe prestação de contas e a comunidade localestá envolvida na contratação de professores, a satisfaçãode todos é maior, observa-se diminuição das faltas dosprofessores e dos alunos, diminui a evasão e o rendimentoacadêmico melhora;a existencia de incentivos adequados para o trabalhodocente bem sucedido, cria um clima favorável aodesenvolvimento profissional e isso não depende doprofessor ser efetivo ou contratado 24;um dos incentivos mais importantes são as oportunidadesde crescer na carreira que precisa ser oferecida tambémaos professores contratados.

Conclusões como essas reforçam algumas idéias que já estãosendo postas em prática no âmbito da reforma educacionalde alguns países, entre as quais:

o tempo de serviço é o pior incentivo que se pode utilizarem qualquer carreira e na docência tem sido desastroso;qualquer política que pretenda focalizar recursos financeirose humanos nas escolas de risco, além de um processotransparente de avaliação do professor, precisa ter poderpara contratar e administrar incentivos, inclusive salariais,que favoreçam uma prestação de contas confiável;

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Colocar bons professoresem salas de aulas de alunosmais pobres, um custo quevale a pena pagar

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professores para a igualdade educacional na América Latina

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e papel dos docentesDenise Vaillant1

Uruguaia. Coordenadora do programa GTD-PREAL/ORT,Universidade Ort, Uruguai.

1 Denise Vaillant é doutora em Educação pela Universidade do Quebec, Montreal, (Canadá) e mestre em Planejamento eGestão Educativa pela Universidade de Genebra (Suíça). Ocupou vários cargos de responsabilidade na Administração daEducação Nacional Pública no Uruguai. É professora universitária, consultora de vários organismos internacionais e autorade numerosos artigos e livros relacionados com formação docente, reforma e inovação educativas. É, atualmente, catedráticaem Políticas Educativas da Universidade ORT, no Uruguai, e coordenadora do grupo de trabalho sobre profissionalizaçãodocente na América Latina, do Programa para Reforma Educativa na América Latina (PREAL-IAD-ORT).E-mail:[email protected] opiniões contidas neste trabalho são de responsabilidade da autora e não compromentem as intituições em que atua.

O propósito deste artigo não é outro senão localizar emtoda a sua gravitação e complexidade o papel dos docentesnos processos de reforma educacional na América Latina. Dir-se-á, com razão, que os docentes são importantes em qualquerépoca, país ou região, mas não deixa de ser certo que, naAmérica Latina, em vista de alguns resultados não muito bons,é hoje imprescindível incluir o tema como uma das prioridadesna agenda dos governos. Uma das problemáticas principaisenfrentadas pelas políticas públicas no setor da educação, naatualidade, é como melhorar o desempenho dos docentes. Osdiagnósticos coincidem em observar que as propostastradicionais já não bastam. Mas há também fortes indícios deque não é simples determinar quais são as mudançasadequadas e muito menos colocá-las em prática.

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AS REFORMASe seus resultados2

Na história da educação, todo balanço sempre parecetardio ou prematuro. É complexo, às vezes, estabelecer ainfluência ou a pertinência de um acontecimento ou de umfenômeno, porque nem sempre se sabe qual é a cadeia deconseqüências que o engendrou. Ainda assim, não parecemuito ousado que nos atrevamos a fixar certas conclusõesque emergem da análise do processo de reforma da educaçãona América Latina.

Quase todos os países latino-americanos impulsionaram,durante os anos 80 e 90, uma série de transformações quelevaram a um cenário educacional atual muito mais favorávelque o das décadas anteriores. A primeira conclusão cabível,do ponto de vista institucional, é que hoje existe uma maiordescentralização administrativa e que surgiram novos pactospela educação. No plano estritamente pedagógico, colocaram-se em marcha importantes reformas curriculares, há programaspara melhorar a qualidade e a igualdade do ensino nos níveisbásico e médio, experimenta-se com ampliações de jornadae se considera mais adequado focalizar os programas nosgrupos vulneráveis para conseguir atingir objetivos de igualdade.Também, e me parece que é digno de ser sublinhado, começa-se a aceitar como princípios importantes a avaliação dosresultados da aprendizagem e a responsabilidade das escolaspor eles.

2 Este artigo se baseia principalmente em: Vaillant,D. (2005). Formación de docentes en AméricaLatina. Reinventando el modelo tradicional.Barcelona, Octaedro.

Na prática, as realidadeseducacionais provaram serdifíceis de transformar

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Áreas Estratégias

Qualidade e igualdade Focalização em escolas situadas no contexto de pobreza de nível básico.Extensão da jornada escolar.Discriminação positivo com os grupos vulneráveis.

Propostas curriculares Renovação de conteúdos.Trabalho em projetos.Distribuição de textos.

Aperfeiçoamento docente Incentivos para melhoria da qualidade.Programas de desenvolvimento profissional.

Gestão Descentralização administrativa e pedagógica.Autonomia escolar e participação local.Participação de pais e da comunidade.

Avaliação de aprendizagens Melhoria dos sistemas de avaliação.Realização de provas nacionais.Participação em medições internacionais.

Fonte: D. Vaillant, 2004.

reformas educacionais e papel dos docentes

QUADRO 1. EIXOS DAS REFORMAS EDUCACIONAIS NA AMÉRICA LATINA

No entanto, apesar dos avanços, os esforços realizados não foram suficientespara garantir um desenvolvimento educacional sustentado para os países da região.

OS AVANÇOS não são suficientesOs resultados pouco satisfatórios levam a questionar a direção das mudanças

ou opções de política adotados. Na prática, as realidades educacionais provaramser difíceis de transformar. Persistem as desigualdades com respeito à distribuiçãode oportunidades educacionais e o rendimento continua sendo baixo. Entre osmaiores problemas encontram-se, sem dúvida, os fenômenos da repetição e doabandono escolar 3. São conhecidos os efeitos negativos da repetição, que emmuitos casos se acumula, provocando fenômenos de sobre-idade e de abandonoprecoce. Além disso, implica consideráveis custos para os sistemas educacionais4.

A nível institucional, existem obstáculos políticos que impedem avançar paraformas modernas e eficientes de gestão administrativa e para novas formas definanciamento da educação. Poucos países na América Latina estão em condiçõesde se adaptar aos desafios de um contexto emergente. Recordemos que a últimadécada do século XX registrou apenas 3% de crescimento do produto, só um pontomais do que durante a “década perdida” dos anos 80. Aos 44% da populaçãovivendo em condições de pobreza 5, aos 19% em condições de indigência e à piordistribuição de renda entre as regiões do mundo, somam-se agora os desafiosemergentes da revolução tecnológica e da globalização.

3 De acordo com o informe UNESCO (2004). EFARapport Global de Suivi 2005: Qualité del’Éducation. Paris, UNESCO. Em vários paíseslatino-americanos, mais de 20% dos estudantesque ingressam no ensino básico fundamentalnão chegam à quinta série; a repetição do anoescolar durante o curso primário supera os 8%na maioria dos países, chegando, num casoextremo, a 25% no Brasil.

4 Segundo Torres, R.M. (1999). ‘Nuevo rol docente,¿qué modelo de formación, para qué modeloeducativo?’ Em Aprender para el futuro. Nuevomarco de la tarea docente. Madrid, FundaciónSantillana. A cada ano, 32,2 milhões de alunosrepetem o ano escolar no ensino fundamental emédio, o que representa uma perda anual de5.200 milhões de dólares.

5 Ver CEPAL (1999). Panorama social de AméricaLatina. Santiago do Chile, CEPAL.

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AS MUDANÇASdesmentem suas promessasOs diagnósticos sobre a situação educacional latino-americana coincidem em

observar que, em matéria de qualidade e igualdade, a realidade da educaçãodesmente suas promessas. Neles, menciona-se: a distância que separa as escolaspúblicas das privadas e seus respectivos resultados de aprendizagem; as altastaxas de repetição, evasão precoce e baixas pontuações dos grupos mais pobres;o excessivo centralismo e a escassa autonomia a nível das escolas; a deterioraçãodas condições de trabalho docente e o desprestígio da profissão; a freqüentedesvinculação entre o que se ensina nas escolas e as exigências das ocupaçõese dos requerimentos da sociedade; o financiamento insuficiente 6.

Nos anos 2000, a expansão da pobreza em alguns países da América Latinateve grandes implicações e seqüelas, e obrigou a instituição escolar – e,concretamente, os docentes – a assumir funções de contenção social e afetiva,menosprezando assim a função propriamente pedagógica dos centros educacionais.Começa-se a pedir à escola o que a família não está em condições de dar: contençãoafetiva, orientação ético-moral, orientação vocacional. Ser professor neste novocontexto de socialização – particularmente nas grandes metrópoles – pode estimularo desenvolvimento de novas e complexas competências profissionais ou, ao contrário,provocar um empobrecimento do ofício, se ele for reduzido a uma simples funçãode substituição da família 7.

Países como Argentina e Uruguai, que até há pouco tempo pensavam-se a simesmos como sociedades modernas, igualitárias, integradas e educadas, passarampor sérias crises nos últimos anos. Qual é o papel da escola nesta crise? 8.

OS CENÁRIOSde reforma

6 Tratam-se de afirmações de caráter genérico,que não refletem evidentemente as diferençasexistentes entre países, sistemas educativos eescolas.

7 Ver, entre outros, o livro ‘Ofício de Professor naAmérica Latina e Caribe’, Fundação Victor Civita-UNESCO, São Paulo, 2004.

8 Ver Dussel, I. e Finocchio S. (comp.) (2003).Enseñar hoy. Una introducción a la educaciónen tiempos de crisis. Buenos Aires, Fondo deCultura Económica.

9 Ver Gajardo, M. (1999). Reformas educativasen América Latina. Balance de una década.PREAL, documento nº 15, Santiago do Chile.

Muitas são as vozes qualificadas que se fizeram ouvir para advertir sobre ainsuficiência das reformas. Uma delas é a de M. Gajardo 9. Esta autora viu comsentido crítico o quadro das reformas educacionais no continente e reduziu suasdificuldades a quatro nítidas hipóteses.

A primeira, e a mais pessimista, consiste em supor que as políticas em cursonão são as mais adequadas para atingir os objetivos de igualdade, qualidade eparticipação buscados pelas reformas. Na segunda, sustenta que, se as políticassão corretas, as reformas em curso ainda não renderam seus frutos, seja porqueestão incompletas ou porque não passou o tempo necessário para ver seus efeitos.A terceira hipótese relaciona-se com uma necessária consolidação e umaprofundamento das mudanças que provaram ter sucesso, e com a introdução demedidas corretivas para as que demonstram o contrário, afim de avançar nodelineamento de uma nova geração de reformas. Por último, a quarta hipótese, quevincula os problemas educacionais com as variáveis sociais e econômicas, leva aafirmar que as reformas em curso não são suficientes para alcançar os objetivosdesejados e que se requer, além disso, o acionamento de outros processos paraacelerar a velocidade e os resultados das mudanças.

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Se as reformas implementadasdurante as décadas de 80 e 90na maioria dos paíseslatino-americanos só registraramsucesso parcial, isto ocorreuporque não levaram suficientementeem conta os docentes

Qualquer destas quatro respostas, com maior ou menorintensidade, define um cenário que dista bastante da concepçãoglobal, sistêmica, que se supõe esteve entre as premissas eos impulsos do processo reformista. A distância da vontadeaos fatos, da idéia aos acontecimentos, foi maior do que seacreditou no momento. Encontrar a conexão entre esses doispontos, entre teoria e ação, continua sendo a zona polêmica,fraca, deste problema. As reformas educacionais atenderamsó parcialmente as expectativas e demandas das sociedadesem que foram aplicadas. A grande pergunta é se esse quadrotruncado está terminado e não há possibilidades de trabalharem seu bojo, ou se se trata de um ponto lento de um processoque, talvez, possa ser acelerado e melhorar qualitativamente.

Se as reformas realizadas durante as décadas dos anos80 e 90, na maioria dos países latino-americanos, só registraramêxitos parciais, isto ocorreu porque não levaram suficientementeem conta os docentes. Se o que se quer realmente é modificaro modo de fazer as coisas na classe, para melhorar a qualidadedas aprendizagens efetivamente desenvolvidas pelas criançasnos próximos anos, as políticas educacionais deverão colocarno centro da agenda a questão da profissionalização dosdocentes, a partir de uma perspectiva integral 10.

POLÍTICAS referentes aos docentesAs políticas relativas aos docentes na América Latina abordam um tema complexo,

que abrange toda a vida do exercício profissional dos docentes, incluindo ascondições de trabalho, a formação inicial e em serviço e a gestão institucional.

As condições de trabalho referem-se a uma carreira docente formadapiramidalmente por uma série de cargos que supõem diferentes funções, existindouma só via para aumentar o salário, que é ascender na escala hierárquica do sistemaeducacional. Para um docente de classe, só há uma melhora substancial de suarenda: passando a diretor da escola e, daí, a supervisor. Ou seja, só se permite aascensão a outros postos mediante o afastamento da classe, o que tem comoconseqüência perversa o abandono da tarefa de ensinar por parte dos bonsprofessores. Na maioria dos países, o item fundamental para determinar o aumentosalarial é a antigüidade no posto.10 Ver E. Tenti Fanfani (1995).

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OS DOCENTESe as escolas de amanhã

Só se permite apromoção a outrospostos mediante oafastamento da classe,o que tem comoconseqüência perversao abandono da tarefade ensinar por partedos melhoresprofessores

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A formação inicial e em serviço teve resultados relativos, apesar de que se lhereconhece um papel-chave nas reformas educacionais. Os programas curtos e osplanos de estudos altamente teóricos costumam sacrificar a prática em classe apreparação das matérias, aspectos fundamentais na formação de bons professores.As carreiras caracterizam-se por um baixo prestígio, um corpo docente mal capacitado,demasiada ênfase no método baseado na exposição oral frontal e muito poucaatenção a técnicas pedagógicas apropriadas para os alunos desfavorecidos. Estedéficit agrava-se pela má qualidade da educação escolar básica e média que muitos– senão a maioria – dos aspirantes a professores recebem antes de começar aestudar pedagogia.

A gestão institucional baseia-se em sistemas de avaliação docente que nãofuncionam sobre bases objetivas, já que há poucos indicadores reais e não existecultura de avaliação. Como se isso fosse pouco, o apoio profissional que recebe odocente para seu trabalho é geralmente muito fraco. O sistema de acompanhamentoestá baseado, com freqüência, no antigo esquema de inspeção, cujo propósito émais burocrático do que técnico. Falta um verdadeiro respaldo institucional esistemático, que retro-alimente as instâncias e as diferentes provas que devem fazeros professores em sua tarefa no exercício profissional.

A situação dos docentes aparece como um dos problemas mais difíceis enfrentadospelos governos e pelas sociedades, por suas implicações políticas, ideológicas efinanceiras. A isto, soma-se o fato de que, freqüentemente, as propostas técnicastradicionais foram fracas e com parcos resultados.

Uma rápida revisão da bibliografia dá-nos uma perspectiva extremamentesimplista de como se abordam os temas relacionados com as políticas educacionaiscom relação aos docentes. Isto significa que, embora as experiências sejam muitas,as variações são poucas. O centro do problema é como passar da repetição (o“mais da mesma coisa”) à implementação de políticas sistemáticas que promovama melhoria da situação do docente.

Para responder às novas exigências que hoje têm nossos sistemas educacionais,continuamos confiando em professores dos quais exigimos habilidades, competênciase compromissos cada vez mais complexos, sem as conseqüentes contraprestaçõesde formação, motivação ou salário. Eis aqui um paradoxo.

As novas demandas e conhecimentos sociais incidem na demanda de umaredefinição do trabalho do docente, de sua formação e de seu desenvolvimentoprofissional. Os papéis que tradicionalmente foram assumidos pelos docentes,ensinando de maneira conservadora um currículo caracterizado por conteúdosacadêmicos, hoje em dia são, sob todos os pontos de vista, inadequados. Os alunosrecebem a informação por múltiplas vias: a televisão, o rádio, a internet. Os docentesnão podem permanecer à margem desses novos modos de construção da realidadecotidiana. Evidentemente, a solução não está numa mera mudança do “papeldocente” – sobre o qual se costuma insistir –, mas sim numa mudança profunda dopróprio modelo escolar.

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INICIATIVASpara melhorar a docência

Nos anos 80 e 90, a maioria dos programas de melhoria da qualidade e daigualdade na América Latina, nos níveis de ensino básico e médio, incluíramestabelecimento de incentivos e programas de desenvolvimento profissional. Oquadro que se segue apresenta algumas das propostas que foram experimentadasna região 11.

QUADRO 2. INICIATIVAS PARA MELHORAR A DOCÊNCIA

Incentivos paramelhoria daqualidade

Programas deDesenvolvimento Profissional

PaísColômbia

Chile

Brasil

Argentina

Uruguai

EstratégiaPrograma Nacional de Incentivos e PrêmioGalardón de Bogotá

Lei de Estatuto dos ProfissionaisPrêmios de Excelência

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento daEducação Fundamental e Valorização doMagistério

Rede Federal de Formação Contínua

Programa para Professores de Escolas deTempo Integral

ObjetivosPrograma que se propõe a premiar os melhores professores porseu desempenho, destinando-lhes um bônus de cerca de umavez e meia o salário mensal médio, e premia também a melhorequipe de cada uma de duas mil localidades.

Estabilidade e profissionalização docente.Prêmios não monetários para estimular a excelência docente.

Aperfeiçoamento profissional em serviço, ampliação da cargahorária para atividades de planejamento, piso salarial profissional,incentivos à produtividade.

Sistema articulado de instituições de formação docente.

Formação para tratar do fracasso escolar e de crianças em situaçãode risco social.

Fonte: Vaillant e Rossel, 2004.

11 Ver, Vaillant, D. (2004). Construcción de laprofesión docente en América Latina. Tendencias,temas y debates. PREAL, documentos n° 31.Santiago do Chile, PREAL.http://www.preal.org/docs-trabajo/VaillantN31.pdf

Tudo indica que, para transformar a escola e o sistema escolar, é indispensávelmudar de estratégia, ou seja, modificar o modo tradicional de pensar e de fazer asreformas e inovações que envolvem os docentes. Por mais que se atualizem aspropostas curriculares, por mais que se implementem programas de melhoria daigualdade e da qualidade e se descentralizem as modalidades de gestão, se nãose reconhece nos docentes o fator central de mudança, ela não ocorrerá. É necessário,portanto, conseguir reformas significativas, efetivas e, sobretudo, sustentáveis naspráticas profissionais e culturas de trabalho dos docentes.

Evidentemente, a soluçãonão está na meramudança do “papeldocente” – sobre a qualdeve-se insistir – masnuma mudança profundado próprio modelo escolar

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Entre as inovações mais destacadas para dignificar afunção docente e para o aperfeiçoamento dos professores,podem-se citar, entre outras, as iniciativas adotadas no Chile,onde em 1990 estabeleceu-se uma série de instrumentos paraoferecer estabilidade e profissionalizar o docente, como a Leide Estatuto dos Profissionais; os Prêmios para a ExcelênciaDocente, que constituem incentivos não monetários, e a criaçãode um fundo especial para aperfeiçoar professores dentro efora do país.

O Brasil, por sua vez, promove desde 1998 o Fundo deDesenvolvimento da Educação Básica e Valorização doMagistério (FUNDEF). Este fundo gerou estratégias parapromover condições mínimas de remuneração para profissionaisda educação. Com 60% do fundo destinado à remuneraçãode professores e profissionais da educação, os resultados dainiciativa são alentadores. Já a lei que originou o FUNDEFestabeleceu um prazo de cinco anos para que os professoresobtenham a habilitação necessária para o exercício da docência.Para fazer isso, destinou recursos para a capacitação deprofessores “empíricos”, isto é, aqueles que não haviamestudado para se formar em seu trabalho docente.

A Argentina aparece como um caso interessante, com aimplementação da Rede Federal de Formação DocenteContínua, que ofereceu, em meados dos anos 90, instrumentospara a profissionalização através da capacitação de docentesem atividade. Quanto ao Uruguai, existe desde 1997 o Programade Capacitação de professores de escolas de contextos sócio-culturais críticos e de escolas de tempo integral, destinadosa enfrentar e solucionar o problema do fracasso no início daescolaridade.

Os programas mencionados tiveram certo impacto namelhoria das condições dos docentes e em seudesenvolvimento profissional, embora seja parca a evidênciaempírica com que se conta para avaliar o impacto nas classesdas mudanças adotadas.

TRANSFORMAÇÃOe sindicatos

As reformas educacionais das décadas de 80 e 90 naAmérica Latina estimularam uma série de mudanças queafetaram diretamente os docentes e as organizações sindicaisque os representam. Estas se opuseram fortemente àstransformações propostas e foram um sério obstáculo àimplementação das reformas.

A influência dos sindicatos docentes não pode ser ignorada.Estas associações sindicais representam, em geral, o maiorgrupo de funcionários públicos nos países latino-americanos.Quando se fala de professores, faz-se referência a milhões depessoas e, em cada país – mesmo em pequenas nações,como o Uruguai –, o corpo de docentes representa umaporcentagem muito elevada de sua população ativa e tem umaparticipação muito alto no emprego público. Esta característicao diferencia muito dos outros setores do setor público.

Além disso, o ofício docente continua a se expandir noritmo do desenvolvimento quantitativo da escolarização dasociedade. No início do século XXI, a América Latina tinhamais de sete milhões de educadores trabalhando em algumdos níveis que compõem a educação formal. A estes, somam-se todos aqueles que ensinam idiomas, artes, ofícios, técnicas,que trabalham numa rede variada de instituições, cujasdimensões não são exatamente conhecidas. Mas algumasestimativas muito preliminares indicam que os docentes quetrabalham no setor educacional não formal poderia duplicaro número dos que o fazem no sistema formal. Isto seria umaadvertência sobre a necessidade urgente de delinear políticaspara atuar sobre esse coletivo, hoje excluído das iniciativaspara melhorar a docência.

As cifras são impressionantes quando se fala da educaçãobásica. A América Latina conta com mais de três milhões deprofessores primários, dos quais mais de um terço estão noBrasil e no México. Este grupo representa mais de 5% de todosos professores do mundo que ensinam nos diferentes níveise 14% de todos os professores primários dos cinco continentes.

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Em primeiro lugar, houve reivindicações sobre ascondições de trabalho, os salários e a profissãodocente. Em segundo lugar, registraram-se reclamosvinculados às transformações na organização e nagestão do sistema educacional. Finalmente,surgiram protestos relacionados com a forma comque se projetaram e implementaram as reformase com a escassez de espaços de diálogo enegociação com as organizações de docentes

Como o financiamento e a administração da educaçãoestão normalmente a cargo do governo central, os sindicatosdocentes são importantes protagonistas do cenário políticonacional. Quando os governos não chegam a um acordo comos sindicatos com relação às condições de emprego dosprofessores, a ação coletiva pode perturbar a educação e, àsvezes, culminar numa paralisia política, como já ocorreu emnumerosos países da região.

A história das resistências e conflitos que sindicatosdocentes e governos viveram na América Latina, nos processosde reforma dos anos 80 e 90, esteve fortemente centrada emtrês áreas. Primeiro, houveram reivindicações sobre ascondições de trabalho, os salários e a profissão docente.Segundo, registraram-se reclamações vinculadas àstransformações na organização e na gestão do sistemaeducacional. Finalmente, surgiram protestos relacionados coma forma com que se planejaram e se implementaram asreformas, e com a escassez de espaços de diálogo enegociação com as organizações de docentes.

Os sindicatos docentes opuseram, em alguns casos, umaforte resistência às mudanças propostas e foram, em muitascircunstâncias, opositores dos processos de reforma. Em geral,essa oposição responde ao fato de que os processos detransformação implicam, em algum momento, uma mudançanas regras do jogo históricas do sistema educacional – porexemplo, a imobilidade dos cargos, a antigüidade como critériocentral de prêmio salarial ou a exigência de capacitação.

Mas, para além dessas constatações, a região não teve,em geral, um desenvolvimento conjunto e sistemático deespaços de diálogo que permitissem estabelecer pontos deencontro e gerar acordos com uma visão de longo prazo.

A VOLTAdo docenteà posição central

Depois de duas décadas de reformas educacionais comresultados relativos, devemos aceitar algo que pode soar muitoóbvio: que, para mudar a educação, é necessário fazê-lo comos docentes. Seu papel-chave nas reformas educacionais éreconhecido por razões que, aparentemente, são contraditóriase que Fullan 12 resume em sua frase tão citada: “A formaçãodocente em a honra de ser, simultaneamente, o pior problemae a melhor solução em educação”.

Os docentes são vistos como problema, entre outras causas,porque constituem o grupo mais numero de empregados doEstado. Consomem uma porcentagem altíssima do orçamentoda Educação 13, deixando pequena margem para investir emmelhorias e inovações. Desse ponto de vista, os docentesconstituem uma dificuldade para os tomadores de decisõese os planejadores que enfrentam um círculo vicioso difícil dequebrar: baixos salários que não podem ser melhorados masque, ao mesmo tempo, reforçam o baixo status social daprofissão.

As coisas pioram ainda mais, pois com freqüênciaenfrentamos uma espécie de profecia autocumprida: os queestão encarregados das mudanças não confiam nos docentes,devido aos maus resultados das avaliações dos alunos. Osprofessores, por sua vez, como resultado dessas percepções,se sentem cada vez menos satisfeitos com seu trabalho e, emalguns casos, ressentem-se das mudanças que lhes sãosolicitadas.

Mas os docentes são vistos por muitos não como umproblema e sim como uma solução. Isto ocorre somente quandosão considerados como atores que têm um papel central pararesponder às questões que ficaram pendentes no século XXe aos desafios do atual século.

12 Fullan, M. (1993). Change forces: probing thedepths of Educational Reform. London, theFalmer Press.

13 Entre 80% e 95%.

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reformas educacionais e papel dos docentes

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A AGENDAdo século XX e a do XXI

Na América Latina, herdamos do século passado dívidasque devem ser saldadas: universalização da cobertura pré-escolar, básica e média; melhoria da qualidade e resultadosdo ensino de competências básicas, particularmente entre ossetores mais pobres; modernização da educação técnica denível médio e superior.

Por outro lado, devemos aceitar que a educação latino-americana precisar dar o salto para o século XXI e empreenderas novas tarefas das quais dependem o crescimentoeconômico, a igualdade social e a integração cultural. As duasagendas – a pendente do século XX e a do século XXI – sãotremendamente exigentes, requerem um esforço formidável e,obviamente, docentes que ajudem a desenvolver nas crianças,nos jovens e nos adultos as capacidades que lhes permitamatuar na sociedade atual e futura.

Hoje, além disso, as responsabilidades do sistemaeducacional e dos docentes multiplicaram-se como resultadodas mudanças no mundo do trabalho. Há certas ocupaçõesque demandam um nível de escolarização cada vez maior, oque aumenta a distância entre os que têm baixa e alta educação.Um número crescente de atividades requer que as pessoassaibam ler e entender informação técnica, e o mesmo ocorrecom a exigência de ser alfabetizado em informática. Criançase jovens também precisam formar-se agora para trajetóriastrabalhistas futuras instáveis, com provável rotação não apenasentre postos mas até de tipo de ocupação e de setor deeconomia.

Melhorar a qualidade do ensino e ensinar melhor continuamsendo um dos principais objetivos da educação. Outro, tãoimportante como os anteriores, é conseguir que essa qualidadedo ensino chegue a todos os alunos, ou seja, que haja umamaior igualdade educacional. Mas estes objetivos e funçõesque devem ser desenvolvidos pelo sistema educacional gerammúltiplos dilemas e contradições.

As formas tradicionais de ensinar já não servem, porquea sociedade e os alunos mudaram. Ampliaram-se os lugarespara aprender, os sistemas para ter acesso à informação, aspossibilidades de intercâmbio e de comunicação e os alunosescolarizados; mas os objetivos educacionais, a forma deorganizar o ensino e as condições dos professores, mantêm-se praticamente inalterados14.

As formas tradicionaisde ensinar já não servemporque a sociedade eos alunos mudaram

O COMPROMISSOda sociedade

A expansão da escolarização dos alunos, a melhoria daqualidade do ensino ou a redução do fracasso escolar nãosão tarefas exclusivas do sistema educacional, das escolas edos docentes. É principalmente uma responsabilidade dospoderes públicos, das famílias e da sociedade em seu conjunto.

Na América Latina, a educação tem sido historicamenteconsiderada como um compromisso de toda a sociedade, masna prática o projeto e a implementação das políticaseducacionais ou da reforma dos sistemas de educação têmrecaído principalmente sobre os governos e só irrisoriamentesobre outros atores na sociedade.

De uma sociedade comprometida com a educação dependeque se aumentem de forma sustentada os orçamentoseducacionais, para que se possam alcançar os objetivosprevistos. Sabemos que a América Latina investe por alunomuito menos que os países industrializados. A limitação derecursos não é nova, até se agravou na última década, a partirda crise fiscal dos anos 90. Hoje, esse problema tem sériasconseqüências na massificação da cobertura escolar, dossalários e dos próprios processos de reforma.

14 Braslavsky, C. (2002). Teacher education andthe demands of curricular change. Nueva York,American Association of Colleges for TeacherEducation.

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Não podemos propor-nos a mudanças na situação em queos docentes olham para o outro lado, fingindo que a crise nãoexiste. As dificuldades estão aí e se fazem sentir. E talvez sejapor isso que devemos obrigatoriamente partir do que temos.Requeremos muito mais investimentos em educação do queos existentes hoje para conseguir a docência que queremos.Mas também precisamos mudar os mecanismos de alocação,utilização e distribuição de recursos.

Não bastam as boas intenções, nem as declarações, nemtampouco as palavras. Há anos dizemos que a docência naAmérica Latina deve mudar e que, a pesar das importantesreformas em curso, as diferentes intervenções que envolvema situação dos docentes nem sempre foram satisfatórias. Quemsabe porque o assunto não é tratado como uma política públicade fôlego e porque se trata de uma questão carregada, políticae ideologicamente, com implicações financeiras que, em quasetodo cenário possível, são imensas.

A SEQÜÊNCIAde êxitopossíveis em consonância com as variáveis político-culturais,organizativo-administrativas e de ordem material 16.

A dimensão político-cultural implica a necessidade depropor um processo de mudança que se possa inserir dentrodo quadro das representações dos diferentes gruposbeneficiários. Para aumentar a governabilidade da situaçãoou facilitar a viabilidade da decisão, é fundamental entenderqual é a lógica que gera a oposição dos diferentes setores. Aanálise profunda das representações sociais sobre a escola,seu papel na sociedade, o que se espera dela, é um elementofundamental para conter a proposta inovadora, já que será apartir da compreensão dessas representações e de suasdivergências nos diferentes grupos sociais que se poderáencontrar uma proposta válida e se poderão organizarestratégias de viabilização dessa proposta.

15 Ver Tedesco, J.C. (1993). Tendencias actualesde las reformas educativas. París, UNESCO-Comissão Internacional sobre a Educação parao século XXI.

16 Ver Aguerrondo, I. (1992). ‘La innovacióneducativa en América Latina: balance de cuatrodécadas’. Perspectivas, vol. XXII, nº 3, pp. 381-394.

A mudança no papel dos docentes foi postulada por boaparte das reformas educacionais da região; no entanto, aexperiência parece indicar que, em vez de continuar insistindona sua necessidade, seria importante começar a reconhecera grande dificuldade que existe para implementar de formaeficaz as transformações propostas 15. Quais são as condiçõespara implementar uma mudança que leve a melhorar osensinamentos oferecidos pelos professores? Que característicastem esse processo? Que mecanismos da estrutura institucionalestimulam ou bloqueiam essas intenções?

Se vamos fazer uma mudança, temos de perguntar comofazer para ela tenha sucesso. Vários processos são, no nossoentender, fundamentais: uma boa proposta de inovação ouidéia; um respaldo adequado às transformações que se fazem,com adesão ao projeto e recursos materiais e uma certacontinuidade, que permita que a mudança se mantenha notempo. Tudo isto acompanhado de vontade política e deconsensos.

O perfil dos recentes processos inovadores em matéria dedocentes nas sociedades latino-americanas sugere que sedeva considerar como um imperativo a previsão de viabilidadepara garantir o êxito das transformações; não basta uma boaplanificação da mudança, é preciso, além disso, que os passosa dar respondam a requisitos de viabilidade que os tornem

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Em sua dimensão política, a viabilidade reclama acapacidade de negociação, aliança, cooperação, dosimpulsionadores da transformação com os grupos de poderque se possam opor a ela. Esses grupos serão diferentessegundo o conteúdo da transformação e a conjuntura históricaespecífica, e podem existir nas diversas instâncias dasociedade, dentro e for a do sistema educacional. A construçãoda viabilidade política supõe, por isso, negociar com setorestão diferentes como agrupamentos sindicais docentes,estamentos da burocracia educacional e centros de poderideológico.

A viabilidade organizativa e administrativa requer o manejode duas dimensões: a organizativa, ou seja, como se estruturam,vinculam e manejam os diferentes tipos de decisões e recursospara conduzir adequadamente o projeto de reforma; e aadministrativa, isto é, como se insere o projeto na burocraciaexistente. A maneira de resolver esta articulação é vital, e éum dos pontos mais polêmicos a resolver. Quando as decisõesnão se articulam com a burocracia existente, corre-se o riscode isolamento e de que não exista uma relação fluída com oresto do sistema educacional. Ao contrário, quando o apoioda burocracia é excessivo e incondicional, pode-se provocarefeitos negativos na expansão do processo de reforma.

A viabilidade material deve ser vista em três planos: recursoshumanos, tempo, recursos materiais; cada um deles se revestede uma importância central. No caso dos recursos humanos,em todo o processo de reforma estão envolvidas diferentescategorias de atores que tornam a mudança possível. No quese refere ao tempo, tanto os docentes como a opinião públicaem geral exigem resultados rápidos, sem levar em conta quequalquer inovação (até em pequena escala) requer pelo menostrês anos para sua institucionalização. Os recursos materiaissão condicionantes extremos em tempos de escassez, de quea América Latina dispõe em abundância.

A probabilidade de sucesso dos processos de reforma ede uma mudança no papel dos docentes, para melhorar asaprendizagens, relaciona-se não apenas com as característicasdas etapas de mobilização, implementação e institucionalização,mas também com as viabilidades político-culturais,administrativas, organizativas e materiais, e com os docentesenquanto atores-chaves de implementação. A seleção daestratégia adequada de mudanças numa reforma também éum fator que pode determinar seu sucesso.

O CARÁTER INTEGRALdas políticas

O papel dos docentes precisa transformar-se ao ritmo dasmudanças que se estão operando nos sistemas sociais eeconômicos. Para o fazer, são necessárias estratégias sistêmicasde ação e não políticas parciais.

Só se pode avançar para a melhoria da profissão docentecomo parte de uma mudança sistêmica que comprometa ainstituição escolar, assim como o modelo de pensar e fazerpolítica educacional.

O estudo das reformas que se desenvolveram na AméricaLatina durante os anos 80 e 90 mostra que, muitas vezes, seadotam enfoques parciais. Um sistema sólido e eficaz deformação docente, inicial e em serviço, é peça vertebral dequalquer projeto de desenvolvimento e mudança educacionais.Mas isto é insuficiente. É baixa a probabilidade de formar bemum bom docente a partir de um mau formado pela educaçãosecundária.

A viabilidade material deveser vista em três planos:

recursos humanos, tempo,recursos materiais

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Não quero incorrer na imperdoável candura de afirmar queos docentes não são parte do sério problema da educação naAmérica Latina; o que pretendo apontar é que, de um modomuito exato, são parte decisiva da solução. A experiênciaacumulada em várias tentativas que ocorreram em várias partesdo mundo, não somente no continente americano, demonstra,de um modo patente, que, se num processo de reformaeducacional muitas coisas funcionam bem, se tudo se fazconforme um bom planejamento e de acordo com idéias clarase bem delimitadas, mas não se cuida devidamente da situaçãodos docentes, a soma total é sempre insuficiente, continua-sesentindo a falência do sistema e, em conseqüência, avança-se muito pouco.

Ainda falta fazer muito. Mas me parece, para além de outrospontos que seguramente estarão em qualquer definição demudanças, que há três grandes temas sobre os quais se deverefletir. Um deles é considerar a posição central dos docentesno processo educacional, para que não ocorra o que houvena reforma das décadas dos 80 e dos 90, quando, emboranão estivessem totalmente ausentes, tampouco estavam tãopresentes como seria desejável. A necessidade de umamudança planejada para melhorar a situação dos docentes,que leva em conta as condições de trabalho, a formação iniciale contínua e a gestão institucional da docência, é outro grandeassunto a levar em conta. E, por último, assumir, digamos,quase que em nível doutrinário, que qualquer reforma que setente deve ter um caráter integral, congregar em seu processotodos os atores e todos os fatores que, se estão presentes,operam a favor e, se faltam, constituem obstáculos.

Creio, sem excesso de otimismo, que a situação hoje nãopoderia ser melhor para enfrentar esse desafio. O caminhoaberto pelas reformas serve de guia para identificar metas,erros, possibilidades. E algo mais: pôs na consciência dasnossas sociedades a necessidade de mudança. O que não épouca coisa, se levamos em conta a singular história deimobilismo que temos a esse respeito.

Isto não dá resultados; só um enfoque sistêmico pode darconta das múltiplas dimensões que integram as políticasreferentes aos docentes. Há que pensar nos diversos aspectosque compõem o problema; desde a seleção dos estudantesdos institutos de formação docente, seus programas eestratégias pedagógicas, passando pelas modalidades deinserção profissional, a carreira e critérios de avaliação dedesempenho, até as recompensas materiais que se associamcom a profissão.

REINVENTANDOo modelo tradicional

Quando se percorre a história da educação, descobre-seque não basta imaginar o ponto de chegada e montar a listade objetivos, perfis e competências desejadas dos docentes;é preciso definir uma estratégia concertada na qual seestabeleça com claridade o quê e como se vai avançar nesseobjetivo, e para a qual se assegurem os recursos financeirose humanos necessários.

Transformar a educação e reinventar o modelo de docênciasão tarefas sociais, coletivas, que envolvem o Estado, osprofessores e toda a sociedade. Se não entendemos isso, nãoabarcaremos em sua justa medida o fenômeno e a dinâmicada educação, e só estaremos vagando em torno ao problema,deslocando-o de seu centro.

Não quero incorrer na imperdoável candura de afirmar queos docentes não são parte do sério problema da educação naAmérica Latina; o que pretendo apontar é que, de um modomuito exato, eles são parte decisiva da solução

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Javier Murillo1

Espanhol. Professor-associado do Departamentode Didática e Teoria da Educação,Universidade Autônoma de Madrid, Espanha.

Sistemas dereconhecimento epromoção dodesempenho profissional

Uma panorâmicada carreira docentena América Latina

A preocupação com aumentar aqualidade do ensino e manter alta amotivação dos docentes ao longo detoda sua vida profissional fez com que,em todos os países da América Latina,se estabelecesse um sistema depromoções dentro da carreira docenteou no magistério. Dessa forma, nalegislação da totalidade dos sistemaseducacionais latino-americanos regula-se algum mecanismo para reconhecerde forma objetiva e pública o bomdesempenho dos docentes, mediante amelhoria de sua situação econômica eprofissional.

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1 Em colaboração com VerónicaGonzález e Héctor Rizo.

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PROMOÇÃOhorizontal

Além disso, é possível afirmar que esta questão está naagenda política de muitos dos países da região, situando-seentre as prioridades dos governos nacionais e estando sujeitaa uma análise e aperfeiçoamento constantes de sua parte.Também constitui um elemento permanente de encontro edesencontro com os sindicatos de professores em todos ospaíses. Assim, por exemplo, no México o Programa Nacionalde Carreira no Magistério é compartilhado em sua coordenaçãoe responsabilidade pela Secretaria de Educação Pública epelo Sindicato nacional de Trabalhadores em (snte).

Neste breve artigo, apresenta-se uma primeira mostra dosresultados do estudo sobre Carreira e avaliação docente naAmérica e na Europa, atualmente em desenvolvimento noEscritório Regional da unesco para a América Latina e o Caribe.Concretamente, aqui se oferece a panorâmica global do sistemade reconhecimentos e promoções dos professores nãouniversitários latino-americanos, como parte de sua carreiradocente. Com isso, excluíram-se outros aspectos da carreiradocente que aparecem no estudo original, tais como o acessoà função docente, o desenvolvimento profissional, o esquemasalarial ou a aposentadoria. Para realizar o estudo, utilizou-sea mais recente informação disponível de caráter oficial datotalidade dos países da América Latina, basicamente arecolhida na normativa e a oferecida pelos respectivosministérios da Educação.

A regulamentação do plano de carreira docente dependedo ministério da Educação de cada país, exceto em três deles:Argentina, onde é competência de cada província e domunicípio de Buenos Aires definir um Estatuto Docente queinclua um plano de carreira; Brasil, onde a regulamentaçãocompete aos municípios, aos Estados e ao Distrito Federal; eMéxico, que supõe uma responsabilidade compartilhada entrea secretaria de Educação Pública da Federação e as secretariasde Educação dos Estados.

Em todos os países latino-americanos pode-se distinguirdois tipos de reconhecimentos para docentes: por um lado,estaria o que se denomina promoção horizontal, pela qual osdocentes vêem melhorar suas condições econômicas,trabalhistas e profissionais, sem mudar de forma significativasuas funções como docentes de classe; e, por outro, apromoção vertical, através da qual os professores e professoraspodem exercer tarefas diferentes da docência direta, tais comocargos de diretoria ou de supervisão.

Em cada país, o númerode categorias ou graus édiferente, assim como, deum país a outro, difere aforma de promover

Todos os países da região, excetoquatro deles, estabeleceram um planode carreira docente, com uma sériede graus ou categorias profissionais parareconhecer o trabalho de seusprofessores. Este plano pode servir tantopara determinar os complementossalariais como outros benefíciostrabalhistas (por exemplo, prioridade namudança de escola), profissionais(preferência em licenças por estudos ouescolha de horários) ou maiorespossibilidades para promoções a outroscargos.

Em cada país, o número decategorias ou graus é diferente, assimcomo difere, de um para outro, a formade promover. Assim, por exemplo, naColômbia o plano é formado por trêsgraus, os quais se estabelecem combase na formação acadêmica, e cadagrau é composto por quatro níveissalariais, que de forma ascendente sedenominam A, B, C e D. Os que passampelo período de experiência são situadosno nível salarial A do graucorrespondente (segundo o títuloacadêmico do professor).

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uma panorâmica da carreira docente na América Latina

1. DOTAÇÃO DE EXPERIÊNCIA – bienal.6,76% da RBMN pelos dois primeirosanos e 6,66% por cada dois anosadicionais, com um teto de 100% darbmn e 30 anos de serviço.

2. DOTAÇÃO POR APERFEIÇOAMENTO –cursos e programas de pós-graduação em instituiçõesreconhecidas. Até 40% da RBMN.

3. DOTAÇÃO POR DESEMPENHO EM

CONDIÇÕES DIFÍCEIS – localizaçãogeográfica, marginalidade, extremapobreza. Até 40% da RBMN.

4. DOTAÇÃO POR RESPONSABILIDADE DE

DIREÇÃO OU RESPONSABILIDADE TÉCNICO-PEDAGÓGICA. Até 20% da RBMN parafunções de diretoria e 10% parafunções técnico-pedagógicas.

conta: anos de serviço; títulos,certificações e constância de estudosrealizados; pontuação mínima,estabelecida de acordo com a tabela devaloração de méritos; dissertaçãodescritiva ou trabalho de promoção;assim como outros méritos quecredenciem legalmente o candidato,vinculados com atuação,desenvolvimento e eficiênciaprofissionais.

Outros países, por sua vez, optarampor dar aumentos salariais aosdocentes em função de uma série decritérios, mas sem os classificar em grausou categorias. Esses são os casos deBrasil, Chile, Cuba e Honduras.

Assim, no Chile, o salário de umdocente de educação básica é compostopela Remuneração Básica MínimaNacional (RBMN), que é o produtoresultante da multiplicação do valormínimo da hora cronológica fixada emlei pelo número de horas para as quaisfoi contratado cada professor. A issosomam-se as horas extras e algunscomplementos pagos de formaesporádica. Além do RBMN, outorgam-se outras dotações especiais paraconfigurar a carreira profissional:

No Equador, por sua vez,estabeleceu-se um plano de carreira dedez categorias, através do qual sãoclassificados os docentes em ordemsegundo seu título, tempo de serviço emelhorias docentes ou administrativas.Este plano de carreira permite determinaras funções, promoções e remunerações.

No México, o sistema de carreiraschama-se Programa Nacional de Carreirado Magistério. Tem cinco níveis deestímulos: A, B, C, D e, todos osparticipantes iniciando no nível A. Parasubir ao nível seguinte é necessário,além de cumprir uma determinadapermanência no nível anterior, passarpor uma avaliação na qual se consideramelementos como a antigüidade, o grauacadêmico, a preparação profissional,os cursos de atualização e superaçãoprofissional freqüentados, o desempenhoprofissional, o aproveitamento escolar, odesempenho escolar e o apoioeducacional.

Na Venezuela, os graus atingidosexpressam-se numa escala acadêmicade seis categorias: Docente I, DocenteII, Docente III, Docente IV, Docente V eDocente VI. Para ascender nashierarquias e categorias, leva-se em

É necessário, além de cumprircom uma determinadapermanência no nível anterior,passar por uma avaliação

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Em Honduras, o salário dos professores é composto pelo salário-base, que seobtém ao multiplicar 156 horas pelo valor da hora-aula (que se obtém multiplicandoo valor médio do salário mínimo por um fator de referência, que no momento é de0,71132), pelo beneficio por qualificação acadêmica e pelos benefícios colaterais,que são:

a) POSTO DE TRABALHO: dependendo do nível educacional em que trabalhe.b) ANTIGÜIDADE: gera um aumento salarial de 15% por cada faixa de anos de

antigüidade, partindo de 15% para cinco anos e chegando a até 120% para 30anos de serviço. Define-se como ano de serviço o tempo que o docente trabalhona docência e será de dez meses-calendário para os docentes de nível primárioe de mil horas-classe anuais para os docentes de nível médio.

c) GRAU ACADÊMICO: consideram-se unicamente os estudos adicionais ao título quehabilita a ingressar no sistema.

d) MÉRITOS PROFISSIONAIS: realiza-se mediante acumulação de pontos obtidos pelodocente.

e) ZONA DE TRABALHO.

4. Condições especiais. Em alguns países, levam-se emconta outros fatos, como a realização de horas extras(Brasil, Chile e El Salvador), o desempenho de trabalhosadicionais, trabalhar em determinada zona geográfica(Bolívia, Brasil, Chile, Equador, El Salvador, Honduras,México, Nicarágua, Panamá e Peru), atender alunos comnecessidades educacionais especiais (Panamá), trabalharem zonas de extrema pobreza (Chile).

5. Outros elementos. Na Costa Rica, leva-se emconsideração as publicações feitas pelo candidato e, noEquador, toma-se em conta quem, nas diferentes províncias,produziu a melhor obra pedagógica, científica ou técnicaem benefício da educação. No Paraguai e no Uruguai,valorizam-se as pesquisas realizadas. Na Nicarágua, osdocentes que conseguem obter o máximo de retenção eaprovação em seus alunos – principalmente nas zonasrurais – recebem um bônus adicional. E, na Bolívia, odocente recebe um aumento salarial se cumpre os 200dias de aulas.

Os critérios relacionados com a promoção de categoria ou com o aumento salarialsão muito variados; os mais importantes são os seguintes:

1. Antigüidade. Em toda a América Latina, a remuneraçãodos docentes aumenta em função de sua antigüidade nodesempenho profissional, sendo este critério o principalna hora de aumentar o salário dos docentes. Esta promoçãovaria de um país a outro, tanto em quantidade como emfreqüência. Em alguns, ocorre com mais intensidade noprincípio da carreira, enquanto em outros mantém-se deforma constante ao longo da mesma.

2. Formação adicional. Outro critério comum é oreconhecimento da formação adicional realizada pelodocente. Esta pode ocorrer tanto através da obtenção detítulos adicionais (por exemplo, Honduras, México, Panamá,Paraguai ou Venezuela) como através da participação emcursos de formação contínua (por exemplo, Argentina,Chile, Costa rica, Equador, México, Nicarágua, Paraguai,Porto Rico e Venezuela).

3. Avaliação do desempenho docente. Para passarde uma categoria a outra, em países como Bolívia, Colômbia,Guatemala, México, Peru e Porto Rico, é imprescindívelsubmeter-se a um processo de avaliação; no Uruguai e naVenezuela, a avaliação é um critério a levar em conta paraa promoção na carreira; e, no Chile, na Costa Rica ou emCuba, este processo de avaliação é levada em conta parao aumento salarial.

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uma panorâmica da carreira docente na América Latina

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Paraguai optaram por um procedimento misto, que combinao concurso e o exame. O Uruguai tem os três procedimentosde forma simultânea. No Brasil, o acesso pode ser medianteum concurso, por indicação do prefeito ou do governador,baseada na habilitação pessoal para o exercício da função,ou por uma mescla dos dois procedimentos.

Os critérios utilizados também variam muito em função decada país; assim, destacam-se os títulos acadêmicos, aformação adicional, a avaliação do desempenho docente oua posse de determinadas categorias ou graus no plano decarreira.

Por exemplo, no México as promoções são reguladas porum concurso entre vários candidatos; este processo se baseianuma qualificação de méritos e não em avaliações. Os fatoresconsiderados para o plano de carreira são: i) conhecimentos(45%), ii) aptidão (25%), iii) antigüidade (20%), e iv) disciplinae pontualidade (10%).

Com a promoção, alémda mudança de função,também se aumentao salário do professor

PROMOÇÃO vertical

Na Argentina, no Equador e em Honduras, o professorpode sofrer reduções no salário por diferentes causas. NoEquador, por exemplo, o salário do docente pode ser afetadonegativamente por multa (atrasos na jornada de trabalho, faltassem justificativa, negligência no cumprimento de suas funções,comparecimento em estado de embriaguez) ou o docentepode ser suspenso do cargo por falta grave. E, em Honduras,os professores que cometem faltas graves podem ser multadosentre 5% e 10% de seu salário mensal ou suspensos de oitohoras a 30 dias sem salário. Se cometem faltas muito graves,podem ser suspendidos sem salário de 31 dias a até um ano,rebaixados de posto ou destituídos.

O outro sistema de promoção docente consiste em subirde posição ao assumir tarefas de maior responsabilidade, taiscomo ser diretor ou supervisor, mas também como professor-chefe de seção, professor-secretário, sub-diretor etc.,dependendo de cada país. Com a promoção, além da mudançade função, também se aumenta o salário do professor.

Este sistema está claramente regulamentado e é entendidocomo parte da carreira docente, em todos os países da AméricaLatina. Para o sistema de promoção, criam-se postos emfunção de baixas ou das novas necessidades.

Há basicamente três formas de acesso a esses postos. Amais generalizada é mediante concurso público, no qual ocandidato apresenta seus méritos, que são escalonadosmediante um critério previamente especificado (Colômbia,Chile, El Salvador, México, Nicarágua, Peru, Porto Rico eVenezuela). Um segundo sistema é o exame, que consiste emprovas classificatórias para o acesso (Bolívia, Guatemala eRepública Dominicana). Por último, Argentina, Equador e

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UM OLHARmais alémA revisão dos sistemas de reconhecimento e promoção dentro da carreira docente

nos sistemas educacionais da América Latina confirma a idéia com que se abriu estebreve artigo, com relação à importância que, em todos os países, se dá a esta questão.Dessa forma, é sugestiva a identificação que se costuma fazer, em muitos países, entreo sistema de reconhecimento e promoção e a carreira docente. Isso passa a idéia deque a única coisa relevante na vida profissional dos docentes é sua promoção na carreiraou seu aumento salarial, convertendo o desenvolvimento profissional num mero instrumentopara essa promoção. Dessa forma, corre-se o risco de que o objetivo e os meios paraalcançá-lo estejam de papéis trocados, com as implicações aí contidas.

Em todos os países, estabeleceu-se um sistema duplo de promoção, horizontal evertical, como forma de oferecer estímulos externos ao docente. E, na grande maioriados países da região, o sistema de promoção horizontal é regulado mediante um planode carreira que classifica os docentes em categorias ou graus. Esta situação é muitorara em outros países do mundo. Assim, por exemplo, nenhum país europeu tem essascondições. Com isso, o debate entre igualar versus hierarquizar está presente, com umaclara predominância do primeiro na Europa e do segundo na América Latina.

Nesse debate, torna-se paradoxal que o critério mais importante para ser promovidonão seja o esforço pessoal dos professores, mas a simples antigüidade no cargo. Comisso, a ascensão de grau converte-se num elemento automático, sem nenhumaconsideração pelo trabalho desempenhado. É verdade que em cerca de metade dospaíses vem-se estabelecendo progressivamente um sistema de avaliação dos docentes,como contraponto à antigüidade; no entanto, este método está sujeito a sérias críticaspela falta de procedimentos e critérios objetivos e, em muitos casos, se está convertendode novo num fim e não num meio.

As inconsistências e contradições encontradas nas diferentes normas reguladorasgeram a sensação de que, com muita freqüência, a estruturação da carreira docentenão foi produto de um sério debate integrado no conjunto das reformas do sistemaeducacional e com uma visão de longo prazo, mas sim fruto das tensões e demandasconjunturais. Com isso, sua implementação não está contribuindo para aumentar aqualidade da educação, mas sim para gerar conflitos e desencantos no professorado.Por tudo isso, pode-se afirmar que ainda não se chegou a um sistema de carreira docentelivre de críticas e aceito unanimemente por toda a comunidade educacional. Os sistemaseducacionais latino-americanos enfrentam, nestes momentos, o grande desafio deaumentar sua qualidade e igualdade, e um dos elementos-chave é manter altas as ilusõese expectativas com que os docentes chegaram à profissão.

Mas, além disso, o sistema educacional deve animá-los a melhorar dia a dia atravésda formação contínua, da participação em experiências de inovação ou pesquisa, e queessa melhora repercuta no desenvolvimento de seus alunos. A pergunta-chave é comoconseguir isso.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 59

uma panorâmica da carreira docente na América Latina

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O CAMINHO DAPROFISSIONALIZAÇÃO

DOCENTEFormação inicial

e aperfeiçoamentoem serviço

Araceli de TezanosUruguaia. Co-pesquisadora do Instituto de Pedagogia

da Faculdade de Educação, Universidade de Antióquia, Colombia.

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O CONTEXTO da argumentação

De vez em quando, aparecem propostas e idéias que procuram gerar processosde mudança, tanto no sistema educacional como também na atividade docente emclasse. Atualmente, as razões para isso se inscrevem no quadro da necessidadee do interesse de promover processos de melhoria na qualidade da educação,articulados com as demandas e os desafios impostos pelo desenvolvimento sócio-econômico e os caminhos para a modernização e a globalização com os quais secomprometeram os países da América Latina.

Não obstante, a preocupação com a qualidade aparece, em muitas ocasiões,restrita à necessidade de avaliação, de determinar provas de entrada ou de iniciaçãopara os diferentes níveis do sistema, à mudança curricular para a escola primáriae/ou secundária, deixando de fora, ou em alguns casos limitando, a preocupaçãocom a capacitação (aperfeiçoamento) de um dos atores fundamentais do sistemaeducacional: os educadores. No entanto, é amplamente reconhecido que são eleso eixo e o motor dos processos de transformação que possam ocorrer para a melhoriada qualidade da educação. Posto que é em suas mãos, em seu ofício, em seuprofissionalismo que se encontram muitas das respostas às demandas pela qualidadeda educação, que atravessam necessariamente o problema do ensino. Interpelaro ensino, seus modos de constituição e de operação, é algo estreitamente vinculadoà formação inicial dos educadores, já que o ensino a delimita e determina o ofíciodocente 1.

1 Questionar os processos de formação é umatarefa que vem sendo realizada há mais de vinteanos e da qual tenho participado ativamente.No entanto, esse parece ser o âmbito maislampedusiano do sistema, já que vamosmudando tudo para deixar tudo como está. Talpreocupação me levou a refletir sobre anecessidade de abrir uma discussãoaprofundada sobre a razão pela qual asinstituições de formação docente se tornaramuma das expressões mais relevantes da crisedos sistemas educativos e se mantêm comoespaço de disputas políticas nem sempreexplícitas.

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Nesse mesmo contexto, qualquer que seja o argumento ou postura sobre osprocessos de aperfeiçoamento aos quais os docentes deveriam ter direito a acessoe obrigação de realizar, é necessário compreendê-los e lhes dar significado numquadro que transcende o espaço de sua organização e implementação. Posto queo aperfeiçoamento só pode ter sentido:1) quando se revisa a historicidade do significado do ofício de ensinar e, de maneira

particular e concreta, o modo em que se assumiu na prática;2) quando se assumem os processos contemporâneos de complexificação do

saber e da tecnologia;3) quando se indaga sobre o vínculo entre instituição, saber e produção de

conhecimento, articulado com a compreensão do ensino como profissão.

Em conseqüência, este artigo se estrutura sobre os seguintes argumentos:As imprescindíveis notas históricas sobre a formação de professores.A relação entre ofício de ensinar e saber pedagógico.Alguns antecedentes sobre o significado do aperfeiçoamento.As demandas contemporâneas.Conclusões e interrogações.

AS IMPRESCINDÍVEIS notas históricasO processo de institucionalização dos países da região trouxe embutido o

problema da constituição do sistema educacional. Os esforços realizados tiveramum caminho difícil, pleno de conflitos, em razão dos vaivens das posturas ideológicasque dominaram os momentos-chave na formação das repúblicas.

Nos primeiros anos de vida independente fundaram-se imediatamente escolasde professores primários. No entanto, essas instituições tiveram em geral uma vidabreve e complicada 2. Só no momento da consolidação de uma idéia de Estadoligada às propostas do liberalismo inglês ilustrado do século XIX é que as fundaçõesinstitucionais de escolas para a formação de professores primários vão adquirindosolidez e permanência. O período que cobre os últimos 25 anos do século XIX é ricona emergência dessas fundações, que compartilham não apenas um substrato deidéias em comum, mas também a análise sobre as condições em que está a causadas escolas primárias daquelas décadas, que, “paupérrimas, descompostas emiseráveis (...), tinham professores em consonância com essa nudez. Sua preparaçãoquase nunca ultrapassava o ler e o escrever. Caíam nesse ofício quando a vida oshavia despedido dos demais” (Labarca, 1939:113) 3. Esta marca histórica evidenciaa indissolúvel relação entre a formação dos professores primários e a qualidade dasescolas.

O clamor pela exigência e pela necessidade da formação do professor primáriofica patente na voz de Sarmiento, quando afirma: “ACREDITA-SE, EM GERAL, QUE BASTA,PARA SER PROFESSOR PRIMÁRIO, CONHECER ELEMENTARMENTE AS MATÉRIAS QUE FORMAM O

PROGRAMA DE ESTUDOS; NÃO SE REQUER NEM PREPARAÇÃO, NEM QUALIDADES ESPECIAIS E, AINDA

POR CIMA, MUITO FREQÜENTEMENTE, SE CONFIA A DIREÇÃO DE UMA ESCOLA A PESSOAS SEM

INSTRUÇÃO ALGUMA. NADA INDICA MAIOR TORPEZA NEM MAIOR ESQUECIMENTO DAS VERDADEIRAS

EXIGÊNCIAS DO ENSINO” (Sarmiento, citado por Varela, 1874:229).

2 Para um aprofundamento a respeito docomplexo caminho percorrido pelas primeirasinstituições formadoras de docentes, revisar,no caso colombiano, os textos publicados peloprojeto História da Prática Pedagógica naColômbia, coordenado por Olga Lucía Zuloaga,e, para o caso chileno, ver ´Historia de laEnseñanza en Chile´, de Amanda Labarca(1939).

3 Esta visão de Labarca sobre a situação dosprofessores na época anterior à dosreformadores ilustrados é similar à dosprofessores colombianos descrita por AlbertoMartínez Boom et al. em (1989) Crónica deldesarraigo: historia del maestro en Colombia.Cooperativa Editorial Magisterio, Bogotá.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 63

Em geral, acredita-seque, para ser professor,basta conhecer deforma elementar asmatérias do programade estudos; não serequer nempreparação, nemqualidades especiais

4 A análise da situação sócio-econômico-políticade Varela antecede a proposta da Lei deEducação Comum, publicada em sua primeiraedição em 1876. Ver Varela, J.P. (1964) Lalegislación escolar. Tomo I, Biblioteca Artigas,Ministerio de Instrucción Pública y PrevisiónSocial, Montevidéu.

5 Deve-se considerar que, no caso da região doPrata, as idéias fundacionais foram as de HerberSpencer encontradas em `The Study ofSociology´ (1873) y ́ Essays on Education´ (1861),ent re out ras obras, e in f luenciadassubstantivamente pela Teoria da Evolução deCharles Darwin.

6 Estas considerações evidenciam que, emessência, as idéias sobre o vínculo entre sistemaeducativo e desenvolvimento econômico e socialse mantiveram durante séculos.

7 Esta consideração se encontra tanto na basedas propostas geradas para a formação inicialde professores como na relevância que adquireo aperfeiçoamento docente nos anos sessenta,como será exposto mais adiante neste artigo.

Um exemplo de concretização dessas idéias é a proposta da Lei de EducaçãoComum (1877), que surge de uma análise da situação do Uruguai em 1870. JoséPedro Varela 4, cabeça visível e ideológica do processo de institucionalização dosistema educacional uruguaio, desenvolve seus argumentos críticos, apoiado nasidéias e conceitos essenciais do Iluminismo e do positivismo inglês 5, que têm suaexpressão política no liberalismo. A necessidade de industrializar e organizar anação, administrativa e economicamente, só é possível estimulando e promovendoa educação daqueles que se tornarão cidadãos 6. Nesse projeto, que tenta transformara sociedade uruguaia, considera-se que o professor primário tem uma missão deimportância vital: posto que, se “sabemos bem o que são os professores primáriosde uma aldeia, saberemos o que será a sociedade quando a geração que se educachegar a dirigir a sociedade” (Varela, 1874:230). Esta preocupação se concretizana articulação da Lei de 1877, quando se indica entre as funções da ComissãoNacional de Educação a de “examinar os aspirantes ao título de professores primáriosdo Estado, com relação aos programas que deverá estabelecer previamente e queserão iguais para todos os que aspirem ao mesmo título”. Assim, dessa forma Varelapensou em tornar real e concreta sua própria idéia de que “o bom professor primárioformará a boa escola” (Varela, 1874:233).

Este vínculo entre a formação de professores primários e a qualidade da escola,que se explicita no último quarto do século XIX, permanece vigente até hoje. Postoque, quando, em 1956, a UNESCO se reuniu para delinear o programa principal,que tem como finalidade geral a extensão e melhoria da educação primária naAmérica Latina, o programa incluiu entre seus objetivos propostos “melhorar ossistemas de formação e aperfeiçoamento docente” (UNESCO, 1975:17). Por outrolado, e de acordo com essa preocupação da UNESCO, o tema adquire certo tomdramático quando, no final dos anos 50 e início dos anos 60, estando os paíseslatino-americanos diante das idéias da CEPAL sobre o desenvolvimento econômico-social da região, “se consideram os professores primários como um obstáculo paraa modernização e a expansão da educação” (Puiggrós, 1989:140). As razões dessapercepção respondem a considerações de diferentes ordens:

a) econômicas, vinculadas aos baixos salários;b) administrativas, ligadas tanto a uma má distribuição geográfica como à carência

de um sistema de promoção; ec) acadêmicas, que reconheciam uma má formação dos professores

(Puiggrós, 1989) 7.

o caminho da profissionalização docente

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Se sabemos bem o quesão os professores de

uma cidadezinha,saberemos o que seráa sociedade quando ageração que se educa

chegar a dirigi-la

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10 Em 1985, inicia-se um estudo abrangente sobrea formação de educadores nos Estados Unidos,coordenado por John Goodlad, no Centre forEducational Renewal da Universidade deWashington (Seattle). Foram selecionadas 29instituições distribuídas em zonas urbanas,suburbanas e rurais, com distintas característicase tradições. Os instrumentos utilizados foramquestionários, entrevistas, observações edocumentos descritivos intitucionais. O estudoteve duração de cinco anos e os primeirosresultados foram publicados em 1990. Osresultados foram apresentados em Goodlad, J.´Studying the education of educator fromconceptions to findings´; Sirotnik, K. ´On theeroding foundations of teacher education´; Su,Z. The function of the peer group in teachersocialization´; Edmundson, Ph. ´A normative lookat the curriculum in teacher education´; Soder,R. ´How faculty members feel when the rewardstructure changes´. Todos publicados em PhiDelta Kappan, maio de 1990.

8 Os projetos que se desenvolveram para aaplicação das formulações da TecnologiaEducativa na América Latina tiveram apoiofinanceiro da Agência Internacional para oDesenvolvimento, do Departamento de Estadonorte-americano. Para saber mais sobre adistribuição destes fundos, ver Pruiggrós (1989).

No entanto, na maioria dos países da região, a solução para essa consideraçãoparecia encontrar-se na aplicação do Modelo de Tecnologia Educacional daUniversidade de Chicago 8. Esse modelo, cujas características e condições foramamplamente divulgadas, instalou-se num primeiro momento através dos cursos deaperfeiçoamento docente, para logo entrar nas escolas de formação de professores,principalmente aquelas dedicadas à formação de professores para o ensino médio,ligadas às Faculdades de Educação das universidades latino-americanas 9. Estemodelo foi objeto de uma análise crítica e rigorosa em seu lugar de origem 10, pois,no contexto estadunidense, o modelo da tecnologia educacional, com seus correlatosdas relações insumo-produto, foi aplicado genericamente à formação de professores.

9 É necessário esclarecer que, no caso dasescolas normais dedicadas à formação deprofessores para a escola primária ou básica, omodelo proposto pela Tecnologia Educativa foiintroduzido tardiamente. Este fato, a nosso juízo,e simplesmente como uma hipótese que seriainteressante levantar, tem suas origens na adoçãopor parte destas instituições de certos elementossubstantivos da tradição pedagógica vinculadaao pensamento de Comenio, Pestalozzi y Dewey.Insistimos, porém, que este enunciado tem umcaráter apenas de conjectura.

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O estudo crítico funda-se numaanálise sobre a situação das escolas,que indaga sobre as formas com que aescola fomenta a desigualdade atravésdo bloqueio ou da negação do acessoao conhecimento (Goodlad e Keating,1990). Nessa análise, afirma-se que atecnocratização do ensino alcançaproporções epidêmicas em 1985,quando os administradores, maissintonizados que os professores com aspreocupações da gestão e dasdemandas públicas por eficiência, foramseduzidos com a promessa de modelosgenéricos de ensino que ofereceramremendos instrucionais rápidos... e,enquanto a retórica sobre aprofissionalização dos professoresalcançava alturas sem precedentes,muitas escolas estavam comprandooficinas e materiais que aparentavamoferecer modelos genéricos de ensino,aplicáveis da mesma forma a escolasde cabeleireiros ou de cosmetologia, ouàs de mecânico ou de treinamento militar,às de adestramento de cães e às escolaspúblicas” (Goodlad, 1990:700) 11.

Por outro lado, os achados dapesquisa mostram: “Primeiro, osprogramas da mostra fazem pouco usodos processos de socialização entrepares, utilizados em outros campos deformação profissional […] Segundo, arápida expansão da educação superior,juntamente com mudanças semprecedentes na vida acadêmica, deixouos professores confusos sobre a missãoda educação superior e com um papelincerto nela [...], embora os efeitosdessas mudanças na vida acadêmicatranscendam as escolas e as secretariasde Educação, o declínio do ensino emfavor da pesquisa na maioria dasinstituições de educação superior ajudoua rebaixar o status da formação deprofessores [...] a situação chegou a ser

11 Esta citação se justifica pelas semelhanças queo leitor encontrará entre as proposições iniciaisdo estudo dirigido por Goodlad, ao descrever asituação escolar nos Estados Unidos, e a buscade soluções imediatas, geralmente copiadas deoutros contextos ou constituídas de modelospromovidos e financiados por instituiçõesinternacionais para os problemas historicamenteendêmicos de nossos sistemas educacionais.Por outro lado, e isto em referência à citaçãoque se segue, pelas semelhanças entre asdescobertas da investigação da equipe chefiadapor Goodlad e da situação tanto das Faculdadesde Educação como da formação de professoresno Chile. Isto não surpreende, já que o modeloaplicado nos dois países é essencialmente omesmo, apesar dos esforços de mudança naestrutura dos programas de formação docenteque se têm feito nos últimos anos.

12 Apesar do tempo transcorrido desde apublicação destes resultados, alguns aspectosainda se mantêm nos processos de formaçãodocente da maioria das instituições latino-americanas, no que se refere ao fato de que oapredizado se dá mais nas aulas teóricas doque na prática escolar. Ou seja, que a práticado ensino, que é um dos elementos fundamentaisda formação do professor, continua restrita. Porexemplo, no programa de formação deprofessores primários que se desenvolveu naatual Universidade dos Lagos, entre os anos1990 e 1996, esta prática de ensino, realizadanas escolas rurais e urbanas da região, tinhauma carga acadêmica de 15 horas, sendoreduzida consideravelmente na reforma doprograma de Formação inicial promovida peloMinistério da Educação. As razões da mudançanunca foram claras. Por isso, considero queeste programa tem pendente a tarefa de gerarum processo de avaliação externa de resultados.Para ampliar os argumentos sobre o valor daprática de ensino na formação de professoresver De Tezanos, A. La transformación de laescuela de maestros: un camino intrincado ycomplejo, Editorial del Magisterio, Bogotá (noprelo).

13 Mencionamos o modelo no lugar de origem, jáque a formação na América Latina está enraizadano modelo norte-americano desenvolvido porHorace Man, no século XIX, que foi introduzido,ao menos na região do Prata, por Domingo F.Sarmiento. É importante ter em mente a distinçãoentre a estrutura concreta que se dá à formaçãoe o discurso ideológico que a acompanha e quese relaciona com o modelo francês.

tão ruim nas instituições públicasregionais, antigas escolas normais oucolégios para professores, que escondero eixo histórico na formação deprofessores tornou-se virtualmente umrito institucional. O ensino nas escolas ea formação de professores parecemincapazes de se livrar de seu status deprivação [...] Terceiro, há três sériasdisfunções nos programas de formaçãode professores: entre as áreas de artese ciências e as conduzidas pela escolaou pela secretaria de Educação; entreos componentes da chamada seqüênciaprofissional e entre a parte que se situana instrução de educação superior eaquela que se realiza na escola [...] Estáclaro, nos dados, que a preparação quese realiza nos programas que estudamosestá focalizada nas aulas e quase nadanas escolas [...] Quarto, os cursos dehistória, filosofia e fundamentos sociaisda educação sofreram séria erosão [...]Temos encontrado casos em queperíodos inteiros da história da educaçãoestadunidense, posições filosóficascomplexas e contribuições de figurasseminais, como John Dewey, foramconfinados a uma única aula” (Goodlad,1990:700-701) 12.

Estas breves notas sobre a históriada formação de professores na nossaregião, como também a referência àsituação do modelo em seu lugar deorigem 13, nos permitem perceber asituação atual da formação deprofessores. Situação que tem suaexpressão mais radical na perda desentido do ofício de ensinar.

o caminho da profissionalização docente

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OFICIO DE ENSINARe saber pedagógico

14 Em geral, o termo ´technè´ é traduzidopara o espanhol como ´técnica´ [N.T.:assim como para o português], o quegera uma infinidade de confusõesquanto a seu significado. É interessanteobservar o fato de que no Dicionáriode Filosofia de José Ferrater Mora´technè´ é traduzido ao espanhol como´arte´. Tradução muito mais feliz epertinente em relação às idéiasenunciadas por Aristóteles. Por estarazão, neste texto, ´technè´ significa eé entendido como ´arte´.

15 A citação é muito importante para osargumentos que se mostram emseguida. Fundamentalmente, esclareceas confusões geradas pela mátradução, já mencionado, o que levoua conotar os processos de formaçãoprofissional a partir da tecnificação,perdendo-se a tradição históricasubstantiva da profissão como umarealização da formação artesanal egremial.

A compreensão da tecnêaristotélica como uma arte

advém da condição artesanalda profissão, enquanto que as

aprendizagens para seuexercício estão enraizadas nas

causas do fazer, que lhe dãoum caráter universal

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Apresentar argumentos sobre a qualidade dos professoresleva a refletir sobre a situação de sua profissionalização e,mais substantivamente, sobre os determinantes que enquadrame dão sentido à sua formação inicial.

A reflexão sobre esses determinantes parte da premissada condição de ofício da profissão docente. Isto é, daaprendizagem e da prática da arte de ensinar, fundamento einício da produção de um saber que significa e historia aprofissão: o saber pedagógico.

O saber e o ofício dos professores

A idéia do saber encontra sua origem mais remota nosenunciados aristotélicos que iniciam as argumentações sobrea metafísica. Ali se estabelecem algumas diferenciações quesão relevantes para uma maior clareza e compreensão dosignificado que adquire o saber e, fundamentalmente, daconexão possível com a idéia de arte, de artesanato, vinculadagenericamente com a origem das profissões. Aristóteles elaborauma distinção fundamental, estabelecendo uma relação entreexperiência e teknê 14.

Aristóteles afirma que, “embora a experiência pareçaassemelhar-se à teknê, ambas diferem, no entanto, em muitosaspectos: em primeiro lugar, porque a teknê surge daexperiência, sendo esta mediadora daquela. Em segundolugar, porque a experiência nasce de muitas lembrançasacumuladas, enquanto a teknê nasce quando, a partir de umconjunto de noções empíricas, consegue-se formular um juízounitário e universal” (Met, 980b:27-28). Esta última distinçãoé ainda mais esclarecida quando Aristóteles sustenta que,“com relação à ação, a experiência é freqüentemente maiseficaz que a teknê, devido ao contato assíduo e direto doempírico com os casos particulares”.

Contudo, a teknê é superior, porque seu conhecimento nãosó o é do fato, ou seja, “de que” algo seja assim como é, mastambém o é “da causa do porquê” (Met, 981a:12 y 981a:24).E uma última diferença subjacente à teknê indica que “outrosinal da diferença entre ambas, o da superioridade da teknêcom respeito à experiência, é a possibilidade que tem aquelade ser ensinada, justamente pela possibilidade de poderremontar à causa” (Met, 981b:7) 15.

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Aristóteles elabora umadistinção fundamental,

estabelecendo uma relaçãoentre experiência e tecnê

16 Atualmente, o exemplo mais forte destas idéiasé o da carreira médica, já que não se discute acondição de universalidade dos saberes queproduzem os profisssionais da medicina.

17 Esta noção foucaultiana de saber sustenta oconceito de saber pedagógico que constitui umdos eixos centrais da História da práticapedagógica na Colômbia, um trabalho deinvestigação sobre os modos e as regulaçõesdo ensino historicamente contituídos, dirigidopor Olga Lucía Zuloaga, da Facultade deEducação, Universidade da Antioquia, Medellín(Colômbia).

18 Esta noção de saber emerge na discussãocontemporânea como um conceito chave pararevelar aquilo que está fora do modus operandido científico, sem que isto implique numacondição de inferioridade ou superioridade emrelação àquele, mas estabelece distinçõesesc larecedoras nas argumentações,fundamentalmente naquelas vinculadas àconstituição da categoria profissional docente.

19 Quando se menciona o disciplinário, não serefere aos conteúdos das matérias e sim a “umaatividade humana que se baseia numa tradiçãocognitiva e de investigação” (Strike, 1990:116).

20 Apesar de parecer acertada, a proposição deShulman sobre a combinação do pedagógico edo disciplinário, como essencial na formaçãode um professor, surge diante dele umainterrogação com relação às mediações entreos dois elementos presentes no ensino concreto.

A argumentação aristotélica sobre a teknê está na baseda delimitação e do significado da idéia de ofício, de arte (nosentido de artesanato), daquilo que vincula várias profissõesatuais com as corporações medievais originais. A recuperaçãodesse significado de teknê é relevante para a discussãocontemporânea sobre a profissionalização dos professores. Apartir daqui é possível transladar o eixo da tecnificação àprodução de saber pedagógico, processo que marca aexistência do ofício, da profissão docente.

A ausência de produção de saber pedagógico põe emxeque a existência e a legitimação do ofício de ensinar. Poroutro lado, a compreensão da teknê aristotélica como umaarte advém da condição artesanal da profissão, enquanto queas aprendizagens para seu exercício estão enraizadas nascausas do fazer, que lhe dão um caráter universal 16. Maisainda, recuperar a condição de artesanal da profissão deprofessor advém de um ofício exercido na criatividade, postoque, como é bem reconhecido, cada objeto produzido por umartesão será ao mesmo tempo semelhante e diferente de outroque surja das mãos desse mesmo artesão. Em conseqüência,a idéia do artesanato rejeita a repetição mecânica deconhecimento e atividades na prática do ensino.

Uma atualização na contemporaneidade da idéia de teknêaristotélica encontra-se nos enunciados de Foucault sobre osaber 17. A posta em ação da idéia surge a partir darecuperação da idéia de prática como o ponto de partida dosprocessos construtivos do saber. Uma prática que é dita e apartir da qual é possível falar do ofício de ensinar 18. Essarelação prática/saber gera um processo contínuo e dinâmico,que aprofunda e amplia o desenvolvimento da profissão,gerando processos de conceituação intermediados pelaescritura. E é nessa escritura que o saber pedagógico adquireseu sentido e significado e se constitui no fundamento do ofíciode ensinar. No entanto, a ausência de clareza sobre o conceitode saber, e a repetição do enunciado relação teoria/práticacomo fundamento da formação profissional dos educadores,levou a confusões e discussões improdutivas que criamambigüidades no momento da tomada de decisões sobre oespaço e as relações possíveis entre as aprendizagenspedagógicas e de conteúdo dos profissionais do ensino.

Nesse âmbito da formação dos professores, a discussão,que já tem vários anos, é proposta a partir de algumasformulações inscritas num trabalho seminal de Shulman (1987),onde ele estabelece uma distinção entre o conhecimentoreferente ao pedagógico genericamente falando (pedagogicalgeneral knowledge) e a relação entre o pedagógico e oconteúdo19 (pedagogical content knowledge). Shulman enfatizacomo própria dos docentes a relação entre o pedagógico e oconteúdo, já que é aqui que se concretiza o ensino. Semdúvida, o professor necessita dos conhecimentos que falamdo saber pedagógico em geral, mas é o âmbito do particular,específico do ensino da disciplina, que compete ao trabalhodocente. Ou seja, uma vez aceitas as formulações de Shulman,é o âmbito específico da relação entre o pedagógico e oconteúdo que delimita a fronteira e o horizonte de algo que oprofessor tem de por no tempo presente 20.

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21 Estas codificações são um dos elementosconstitutivos da formação de docentes e devemser aprendidas durante os processos deintrodução nas instituições de formação inicial.

22 Mesmo sendo uma afirmação audaciosa,sustento que as formas de estruturar uma aulatêm caráter invariável, pois se apoiam sobreuma tradição surgida em 1632 com a publicaçãoda Didactica Magna de Comenio e que, emessência , não sof reu modi f icações.

23 Deve-se ter claro que o que foi dito até o momentoa respeito da codificação se refere ao constitutivoformal da aula e não a seus conteúdos. Por outrolado, a codificação não tem significadoequivalente ao de planejamento.

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Questionar a relação entre opedagógico e o conteúdo não é um merotema especulativo no âmbito do ensino,posto que nele está uma prática socialteleologicamente definida. Esta práticasocial é constituída a partir de conteúdossubstantivos da tradição, que marcame garantem certas condições formaisque podem ser codificadas 21. O futuroprofessor deve poder saber e manejaro como se inicia uma aula, qual énecessariamente seu nó central e comodeve ser finalizada. O futuro professordeve saber da necessária graduaçãodos saberes, de acordo com ascondições de seus alunos, assim comoda demanda pela simplicidade, que nãoé um sinônimo de trivialidade. Todo futuroprofessor deve saber que a estrutura daaula está intrinsecamente relacionadacom sua finalidade e seus conteúdos.Em conseqüência, existem codificações22 da aula, diferenciadas segundo omomento da introdução de um novotema, da revisão, dos exercícios 23.

Colocar a aula no centro da formaçãoinicial docente enquadra-se numatradição, aquela que sustenta que é ali,na lição, que está o professor (Lombardo-Radice, 1919). Portanto, é o professor,como afirma Shulman (1987), quemarticula a relação entre o pedagógico eo conteúdo. Ali, na aula que é o espaçoprivilegiado da expressão e daconstituição do saber pedagógico. Ouseja, através desse saber produzido peloprofessor, este se transforma em membrode uma corporação especifica: a dosque sabem ensinar. Portanto, este é, oudeveria ser, o eixo fundamental daformação de um professor. E é a partirdo horizonte do saber pedagógico quese devem encontrar as respostas aosconteúdos e estruturas dessa formação.Assim, é o saber pedagógico que dáidentidade à profissão docente, que

diferencia os professores, que ostransforma em intelectuais autônomos,capazes de gerar suas próprias buscas,de entregar autoridade ao outro e delegitimar e validar os elementos dasconceituações produzidas nasformações de conteúdo que ampliam epermitem a transformação de sua prática.Prática que é o ponto de partida, omaterial fundamental de uma reflexãocrítica, que na escritura torna-se saber.É esse saber que faz do ensino um ofícioe que, historicamente, foi transmitido nasinstituições formadoras.

No entanto, é preciso esclarecer qualfoi o instante da história da corporaçãodos docentes em que o ensino se diluiue em que a relação entre produção desaber pedagógico e identidadeprofissional deixou de ser consideradafundamental, abrindo caminho àocupação desses espaços porinstrumentos particulares de conteúdo,como a psicologia ou a sociologia, sópara nomear alguns que, emborarelevantes, não têm a força explicativanecessária para definir cabalmente acomplexidade do ensino.

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APERFEIÇOAMENTO DOCENTEe profissionalização do ofício de ensinar

É a partir da idéia da profissionalização docente, formulada acima, que se expõemem seguida algumas idéias sobre o aperfeiçoamento dos professores e suascondições.

Alguns antecedentessobre o significado do conceito

A idéia da necessidade de aperfeiçoamento para os docentes emerge na AméricaLatina nos anos 60. A concretização dessa necessidade expressa-se no surgimentodos centros dedicados a esta atividade, que se fundam na maioria dos países daregião, assim como na transformação das estruturas do Centro de Aperfeiçoamento,Experimentação e Pesquisa Pedagógica no Chile e do Instituto Colombiano dePedagogia na Colômbia, e a instauração como ente articulador do Instituto Superiorde Magistério no Uruguai, que concentrou os cursos que tradicionalmente serealizavam nas escolas normais para ter acesso à carreira docente, com relação aoingresso nas escolas de prática (escolas de aplicação no contexto chileno), noscargos de direção e de inspeção (supervisão).

Questionar a relaçãoentre o pedagógico e odisciplinar não é ummero tema especulativono âmbito do ensino, postoque nela está implícitauma prática socialteleologicamente definida

Por isso, a proposta que se faz nesteartigo inscreve-se na territorialidadeintelectual das escolas de formação,porque é nelas que os aprendizesaprendem tanto o significado como osentido do ensinar. Significado que apelaàs formas, às práticas, ao descritivo daprofissão. Sentido que convida à reflexão,à indagação sobre as relações queconstituem, explicam, ou seja, aointerpretativo que sustenta a produçãode saber pedagógico. E é só nesseespaço da produção de saberpedagógico que as contribuições dediferentes instrumentos de conteúdoadquirem relevância. Posto que é ali, narelação entre prática e reflexão, eixoarticulador do saber, que os conceitospertinentes das disciplinas são re-significados. E é nesta instância, nestemomento, que começamos a recuperara identidade, o significado e o sentidodo ofício de ensinar, ou seja, do processode profissionalização reclamado pelosque formulam políticas educacionais.

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24 As mudanças no Instituto Colombiano dePedagogia são decorrentes do Decreto 088de 1976. Ministério da Educação Nacional.Colômbia.

25 A UNESCO estimula, desta forma, um processode modernização da educação, que se articulasubstantivamente na promoção de escritóriosde planejamento educativo nos Ministérios deEducação na América latina.

26 Uma evidência da aplicação da proposta detecnología educativa no Chile são os programaspublicados na revista Educación, em 1966. Aevidência surge na estrutura em que seapresenta o programa: “procedimentos,conteúdos, sugestões de atividades”. Nessetexto também se manifesta o estímulo aoplanejamento quando se argumenta: “ Oprofessor do curso deve realizar umplanejamento de suas aulas para definir osobjetivos e procedimentos a serem seguidosem função da unidade programática específica a ser cumprida.” (destaque nosso).

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O instituto também se encarregou das especializações já vigentes,entendidas como cursos de pós-graduação para os docentes dasescolas primárias, como as de professoras de jardim de infância,de educação especial para crianças com retardamento mental,psicóticos e surdos. É preciso esclarecer que, no caso colombiano,o Instituto Colombiano de Pedagogia, que tinha exatamente asmesmas funções do Centro de Aperfeiçoamento, Experimentaçãoe Pesquisa Pedagógica do Chile, foi reestruturado em 1976 24. Areforma do instituto levou à sua divisão. As tarefas de pesquisaforam repassadas para a Universidade Pedagógica Nacional,situação que deu origem à criação de seu Centro de Pesquisas(CIUP). As tarefas de planejamento curricular, elaboração de apoioseducacionais e de aperfeiçoamento foram transferidas para aDireção Geral de Capacitação, Aperfeiçoamento Docente, Currículoe Meios Educacionais. O trabalho de aperfeiçoamento e capacitaçãofoi destinado aos Centros Experimentais Pilotos (CEP).

Estes exemplos expressam claramente as duas vertentes quetêm sustentado a concepção de aperfeiçoamento: uma ligada àcapacitação em serviço (caso chileno e colombiano), que estávinculada essencialmente à chamada “atualização deconhecimentos”, e outra ligada ao desenvolvimento de uma carreiradocente e à especialização (caso uruguaio). Esses enfoques sobreo aperfeiçoamento também estão articulados com visões sobre aprofissão docente que surgem de dois tempos diferentes dentrode uma mesma história e tradição.

Esclarecimentos históricos pertinentes

O aperfeiçoamento entendido como “atualização deconhecimentos” surge como necessidade na IX Reunião da UNESCO(1956). O programa principal que se delineia, como se afirmouanteriormente, tem como finalidade geral a extensão e a melhoriada educação primária na América Latina. Entre os objetivos que sepropõe o programa, indica-se “melhorar os sistemas de formaçãoe aperfeiçoamento docente” (UNESCO, 1975:17) 25. Esta meta seconcretiza na organização das instituições já mencionadas, queassumem a promoção e execução das reformas educacionais quese formulam na década de 60. Através desse processo de atualizaçãode conhecimentos, são introduzidos os princípios e práticas datecnologia educacional 26. Nesse caso, não apenas se executamprogramas de aperfeiçoamento, mas também os considerados decapacitação para os professores que não tinham obtido um títulode professor, mas que haviam exercido a docência durante umcerto número de anos. Estas duas tarefas, a capacitação e oaperfeiçoamento, foram os trabalhos primordiais, em relação aosdocentes, tanto do CPEIP do Chile como do ICOLPE da Colômbia.

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Este processo de credenciamento marca o significado quemantém o conceito de carreira docente no Uruguai. Uma vezfuncionando os institutos normais, os exames decredenciamento se transformaram em concursos estruturadossobre provas para ocupar todos os cargos do sistemaeducacional no nível da escola primária, desde o ingresso nosistema para os professores recém-graduados até o inspetornacional de escolas. Na Lei Geral de Educação promulgadaem 1877, formula-se também um princípio de descentralizaçãono que se relaciona com o credenciamento dos professores,posto que em cada departamento (divisão político-administrativado país) cria-se uma Comissão Departamental de Educaçãocom as mesmas atribuições, no que se relaciona aosprofessores, que a Comissão Nacional 27. Um aspecto relevantea esclarecer nesse documento é que, de acordo com a lei de1877, os diplomas de primeiro grau “autorizam seus portadoresa ensinar nas escolas de ensino secundário” (Varela [1876],1964:83), posto que a formação específica para os professoresde ensino secundário no Uruguai se inicia somente em 1950,com a criação do Instituto de Professores Artigas, ligado aoConselho de Ensino Secundário.

Atrevo-me a afirmar que estas duas maneiras decompreender e interpretar o aperfeiçoamento – atualização eplano de carreira docente – estão ligadas estreitamente ànecessidade de responder às demandas de modernizaçãodos sistemas educacionais em momentos diferentes da históriada América Latina, em países com desenvolvimento político-cultural semelhante mas diferente.

A proposta da Lei de Educação Comum (1877), que incluios processos de credenciamento e marca o estilo que assumiráo aperfeiçoamento docente, surge para acompanhar anecessidade de industrializar e organizar administrativa eeconomicamente a nação, caminho que, para Varela, só seriapossível promovendo a educação daqueles que setransformariam em cidadãos.

O caso do Chile e da Colômbia e, já no século XX, a buscade processos de atualização de conhecimentos para osprofessores está articulada com as idéias da CEPAL sobre odesenvolvimento econômico-social da região. Estas idéiaspediam uma atualização do sistema educacional, fundadaessencialmente em alcançar altos níveis de cobertura, emparticular da escola básica, estendida nesse momento a oitoanos obrigatórios na maioria dos países latino-americanos. Atarefa dos centros que se criaram era fundamentalmente corrigiras condições acadêmicas dos docentes.

No caso do Uruguai, o modelo tem origem no séculopassado, com a instituição educacional que se inicia em 1877.José Pedro Varela, ideólogo da mudança, recebe uma forteinfluência do pensamento filosófico e político-educacionalestadunidense. Em sua proposta de estrutura para a legislaçãoeducacional indica-se, entre as funções que deve ter aComissão Nacional de Educação, a de “examinar os aspirantesao título de professores do Estado, em relação aos programasque deverá estabelecer previamente, e que serão iguais paratodos os que aspirem ao mesmo título”.

Isto implica instaurar um sistema de credenciamento, oqual é complementado na mesma legislação com um planode carreira docente. Para hierarquizar os professores, aComissão, depois de os examinar, lhes concederá diplomas“que deverão ser de quatro graus: 1) diplomas de primeirograu, válidos por seis anos; 2) diplomas de segundo grau,válidos por quatro anos; 3) diplomas de terceiro grau, válidospor dois anos; 4) diplomas de quarto grau, válidos por umano” (Varela [1876], 1964:83).

Outro aspecto substantivo é a idéia subjacente na duraçãoda validade do título, que vai de um a seis anos, o que implicaa necessidade de renovação permanente. Para conseguirsubir na carreira, o professor devia fazer cursos que lhepermitissem optar por diferentes graus. Para cada um dessesgraus, estabelece-se tanto o tipo de escola em que podemensinar os aprovados como os requisitos que os docentesdevem atender nos diferentes exames de credenciamento. Osexames para os títulos de primeiro grau incluíam demonstrarconhecimentos em “leitura, definições, ortografia, composição,escritura, aritmética, álgebra, geografia, gramática, história econstituição da República, fisiologia e higiene, teoria e práticado ensino e leis sobre educação vigentes na República” (Varela[1876], 1964:92). As regulamentações incluem também osformatos dos exames, pois “o exame em aritmética escrita,álgebra, definições, composição, gramática e história daRepública deve ser feito por escrito, e dez perguntas separadas,pelo menos, devem ser feitas sobre cada matéria”... Por outrolado, “no verso de cada título deve ser anotado o número[qualificação] alcançado pelo professor em cada matéria”(Varela [1876], 1964:93).

27 Após quase cem anos de funcionamento, estes procedimentos sofrem umainterrupção importante em 1973, a partir da lei de educação conhecidacomo ´Lei Sanguinetti´, que transforma os cargos de direção e supervisãoem cargos de confiança do Presidente da República. Esta Lei rompe acondição de eqüidade e transparência para a ocupação desses cargos ea possibilidade de ascenção na carreira docente. Durante a discussão daLei, os professores fizeram uma greve que manteve fechadas as escolasdurante cuatro meses.

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AS DEMANDAS contemporâneasHoje, a idéia de aperfeiçoamento vincula-se estreitamente com os níveis de

complexidade alcançados pelo desenvolvimento do saber, tanto científico comotecnológico, que implicam a necessidade de alcançar a capacidade de apropriar-se tanto dos conhecimentos atualizados como do manejo de novas ferramentas 28.Este desenvolvimento propõe demandas estruturais e particulares. As estruturaispedem mudanças profundas no sistema educacional. As particulares exigem queos docentes gerem capacidades para assumir processos de re-aprendizagem eatualização 29. Os primeiros estão significados a partir do saber-aprender e ossistemas de crenças incorporados tacitamente pelos professores. Os de atualizaçãoapelam, essencialmente, às conceituações substantivas sobre o ensino comoprofissão.

28 É interessante que estas necesidadesnovamente estejam relacionadas de maneirasignificativa com a idéia de modernidade e demodernização.

29 As demandas par t icu la res que odesenvolvimento sócio-econômico e amodernização impõem ao sistema educativosão as próprias deste documento.

30 Para um aprofundamento da idéia de ´pensarsobre os modos de saber´ ver Piaget, J. Laprise de conscience, PUF, París, 1974.

OS processos de re-aprendizagem

Ao enfrentar os desafios implicados nos processos detransformação produtiva, um elemento que emergeimediatamente é a possibilidade de desenvolver em toda suapotencialidade a capacidade de saber-aprender do ser humano;ou seja, da re-aprendizagem permanente. Este saber-aprender está ligado a algumas condições que, a meu ver,são essenciais para o ser humano, fundamentalmente aquelesseres humanos que optaram pelo caminho da tarefa intelectuale de serviço, como o trabalho docente. A primeira, uma ausênciade preconceitos frente ao que não se sabe; ou seja, poderreconhecer plenamente o âmbito da própria ignorância. Estacondição está intimamente relacionada com a possibilidadede pedir ajuda, dando autoridade a um interlocutor. Isto implicauma atitude emocionalmente positiva, ligada a uma ausênciade insegurança pessoal.

Condizente com esta condição emerge uma segunda,marcada pela eficiente orientação à busca. Busca que se fazpossível através do emprego eficaz de ferramentas. Esta idéiada ferramenta se significa, quiçá de maneira um tanto imediata,a partir do manejo eficiente das bases de dados, através desistemas de informática. No entanto, no trabalho docente sãoessenciais as ferramentas próprias do desenvolvimento dascapacidades cognitivas dos sujeitos e, fundamentalmente, dapossibilidade de tomar consciência dos modos com que cadaindivíduo assume seus próprios processos de conhecimento.Ou seja, a capacidade de refletir sobre o conhecer em si epor si mesmo 30.

O saber-aprender que sustenta a re-aprendizagemtambém demanda uma procura por clareza sobre as relaçõesentre os modos de pensar e os contextos em que surgem. Ainteração entre o pensar e o contexto se compreende e seinterpreta através do raciocínio prático e da lógica dosacontecimentos (Carlgren e Lindblad, 1991:508). O saber-aprender implica uma busca sobre os fundamentos do fazer,da compreensão que o professor tenha sobre o contexto desua ação e de seu pensar, as distinções entre as diferentescategorias de prática e de como estas podem impactar nocontexto e o contexto nelas. Fundamentalmente, o saber-aprender está ligado à capacidade de atualização crítica dosprofessores, tanto no relacionado com o eixo de extensão doconhecimento como com o eixo de profundidade. O primeirofaz referência às relações inter e metadisciplinares, já que aresolução de situações cotidianas não está contida numa sódisciplina. O essencial da atividade pedagógica é seu vínculocom espaços diferentes de indagação. As respostas ao comoensinar uma determinada temática para resolver os problemas,que implica tanto sua exposição como sua apropriação, nãose remetem nem aos “manuais do docente” nem aos textosde “didática da especialidade”.

No momento atual, a idéiado aperfeiçoamento

vincula-se estreitamenteaos níveis de complexidade

alcançados pelodesenvolvimento do saber

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Estas respostas exigem do professor uma capacidade dedeslocamento que transcende os horizontes dos saberes quesupostamente lhe são próprios. Este eixo de extensão exigeessencialmente conexões que é possível estabelecer, porexemplo, entre pedagogia e epistemologia, entre epistemologiae biologia do conhecimento, entre biologia do conhecimentoe psicologia. Mas este eixo de extensão pode transformar-sena trivialização das estruturas conceituais da disciplina paraa qual se produz o deslocamento sem a presença do segundoeixo mencionado: o da profundidade. O primeiro, de extensão,exige uma orientação eficiente à busca; no entanto, o segundopede o manejo eficiente das ferramentas do conhecer. Oprofessor, através do saber-aprender, poderá indagar rigorosae sistematicamente nos textos que contêm saberes e estruturasconceituais para ele/ela desconhecidos até esse momento.Mais ainda, poderá, através de um processo de reordenamentoe deslocamento, levar as conceituações para o âmbito de suaprática cotidiana, não só para realizar atividades e resolverproblemas, mas, e essencialmente, para ser um produtor econstrutor de saber. Este eixo de profundidade é o queconcentra funcionalmente o saber-aprender.

Outro elemento substantivo na re-aprendizagem são as“crenças” que foram adquiridas durante os períodos deformação, anteriores ao exercício da profissão. Estas “crenças”transformam-se em pressupostos tácitos, muitas vezesinconscientes, sobre os aspectos básicos da profissão. Nessecaso, as “crenças” se relacionam com os alunos, as aulas e

os conteúdos que são ensinados (Kagan, 1992). As “crenças”dos professores nesse contexto, necessariamente, nãorespondem na totalidade às argumentações que lhe foramentregues durante seu processo de formação, mas são produtodestas, das experiências vivenciadas em seu trabalho e dasconvicções que, na esfera pública, discutem-se sobre o ensinoe a educação.

A re-aprendizagem sustenta-se sobre o revelar a condiçãode inconsciente desses sistemas de crenças, que emergempelas incertezas endêmicas que marcam o trabalho docente(Kagan, 1992). Estas incertezas referem-se à heterogeneidadedas normas, a multiplicidade de propostas de reformas, “aausência de articulações dinâmicas entre função, formação ecarreira, a existência de relações ainda muito restritas entre osistema educacional em seu conjunto e o contexto sócio-econômico-cultural” (Parra e Vera, 1985:6).

Por último, o saber-aprender, em seus eixos de extensãoe profundidade, ligados à objetivação das “crenças” dosprofessores, são condições essenciais do que denominei dere-aprendizagem, sem a qual é impossível pensar ecompreender os procedimentos possíveis para gerar aatualização e a adequação do saber.

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Os processos de atualizaçãoUMA PERGUNTA QUE SE IMPÕE AQUI É: O QUE SIGNIFICA O

ATUAL, O ATUAL DE QUÊ, EM QUÊ, PARA QUÊ?

Se nos remetemos ao dicionário, atual define-se comoaquilo que existe, sucede ou se usa no tempo de que se fala(RAE, 1970)*. Atualizar é, portanto, colocar algo no tempopresente (RAE, 1970). Diante desses significados, surge umconjunto de perguntas que se referem a diferentes âmbitos ouespaços da docência: algumas questionam quem ou o quêdecide sobre a condição de atualidade daquilo que osprofessores devem conhecer, saber e ensinar; outras fazemreferência a como se determina e se delimita, no sentido deseus horizontes e fronteiras, esse algo que o professor devecolocar no tempo presente. Sem dúvida, as respostas a estasperguntas ocorrem em níveis diferentes. As primeiras, sobreo quem ou o quê, remetem à estrutura do sistema educacionale ao contexto em que está inserido. As segundas relacionam-se com o desenvolvimento e a produção de saberes. Nãoobstante, é impossível pensar no aperfeiçoamento sem visualizarcomo podem se articular os dois níveis de respostas.

As perguntas que se podem enunciar sobre os horizontese fronteiras desse algo que o professor deve colocar no tempopresente levam ao questionamento sobre a condição daprofissão do ensino. Já que não é possível pensar numaprofissão que careça de um saber de base que lhe é próprio31

(Strike, 1990:91). No entanto, esta afirmação dá lugar a outrapergunta: qual é o saber de base próprio dos professores?

A resposta a esta pergunta remete à argumentaçãoformulada anteriormente sobre a relação entre o pedagógicoe o conteúdo e as mediações que estabelecem e dão sentidoà relação. O conteúdo dessas mediações leva necessariamentea estabelecer os determinantes do aperfeiçoamento. Maisainda, marcam a orientação que terá o mesmo quando, emvez de mediações, se enfatiza um dos dois âmbitos e aatualização é vista de maneira dicotômica, a partir do horizontedo conteúdo ou a partir do horizonte do pedagógico, deixandode lado o aspecto substantivo da relação entre ambos.

No entanto, estas não são as únicas interrogações propostas.Também há aquelas que questionam quem ou o quê decidesobre a condição de atualidade daquilo que osprofessores devem conhecer, saber e ensinar. Estasperguntas interpelam a relação entre instituição, saber eprodução do conhecimento. A partir das anotações históricasdesenvolvidas na primeira parte deste documento, atrevo-mea dizer que a instituição contemporânea respondeessencialmente a um interesse de controle sobre a atividadedos professores 32. Este interesse de controle concretiza-seno fato de que não são os professores que estabelecem umademanda clara sobre os conteúdos dos cursos oferecidos peloCentro de Aperfeiçoamento (CPEIP), mas é a instituição quedecide sobre as necessidades dos professores. Mais ainda,atualmente são as universidades as que basicamenteapresentam as propostas de aperfeiçoamento, num processode delegação deste setor de sua atividade por parte do centro.

* Nota da Tradutora: a autora refere-se aodicionário da Real Academia Espanhola.

31 De acordo com Hoy e Miskel (1987), Strikesconsidera que ´entre as características quefreqüentemente se supõe que definem asprofissões está a posse de um saber básicopróprio...” (Strikes, 1990).

32 Talvez, mesmo que pareça bastante audacioso,se possa dizer que os cursos deaperfeiçoamento são uma forma indireta decontrolar a produção de professores realizadapelas Faculdades de Educação, instituiçõessobre as quais, por sua autonomia, o Estadonão pode exercer vigilância alguma.

A re-aprendizagemsustenta-se sobre odesmascarar a condiçãode inconsciente dessessistemas de crençasque emergem pelasincertezas endêmicasque marcam otrabalho docente

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Em conseqüência, a relação entre instituição e saber édeterminada pela instituição que dispõe sobre a validade e ahierarquia dos saberes que devem ser administrados aosprofessores para o exercício de sua profissão. Rompe-se,desta maneira, um elemento constitutivo do profissionalismodo ensino. Aquele que demanda a possessão de um saberde base próprio, ligado necessariamente à autonomiaprofissional (Strike, 1990:91). A determinação que faz o centro,ainda no processo de delegação às universidades, sobre ostipos de cursos e conteúdos do aperfeiçoamento, lesa aautonomia profissional e a possibilidade de desenvolvimentode um saber de base próprio por parte dos professores.

Para que o vínculo entre autonomia profissional e saber debase próprio não se rompa, é imprescindível a existência deuma corporação. Compartilho a opinião de Strike (1990), quantoa que “talvez seja impossível pensar em ter um saber de basepróprio sem a existência de uma corporação [...] a corporaçãodeve ser organizada e ter autoridade sobre as práticas parapoder assegurar o saber de base... [já que] o crescimento dosaber pressupõe não apenas boa pesquisa, mas também ahabilidade organizacional para afirmar as idéias que forambem-sucedidas e para excluir aquelas que fracassaram” (Strike,1990:96-97).

Para que o vínculoentre autonomiaprofissional e saberde base própria nãose rompa éimprescindível aexistência de umsindicato

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ENTÃO...qual é a relação entre formação iniciale aperfeiçoamento docente?

Recordemos o que se disse até agora:

O saber pedagógico é o que dáidentidade à profissão docente, o quediferencia os professores, transforma-osem intelectuais autônomos, capazes degerar suas próprias buscas, de entregarautoridade ao outro e de legitimar evalidar os elementos das conceituaçõesproduzidas nas formações dasdisciplinas, que ampliam e permitem atransformação de sua prática.

Este saber de base, que constitui aprofissão, está assegurado naexistência de uma corporação,sem a qual não é possível pensá-lo.

As fronteiras e horizontes dosconhecimentos colocam o problema darelação entre o pedagógico e oconteúdo, como o próprio saber dosprofessores.

A relação entre o pedagógico e oconteúdo implica a discussão sobresuas possíveis mediações noconcreto da aula.

Em função da complexidadealcançada pelo desenvolvimento dossaberes, o processo de re-aprendizagem deve necessariamentecentrar-se no saber-aprender.

No saber-aprender, deve-seconsiderar tanto o eixo de extensão,necessário para as relações inter emetadisciplinares, como o eixo deprofundidade, que pede processosde análise, compreensão e interpretaçãonuma disciplina específica.

A demanda pelo processo deatualização interpela dois conjuntos deproblemas. Um faz referência afronteiras e horizontes dossaberes. O outro advém dos espaçosde tomada de decisões, o que implicaa relação entre instituição, sabere produção de conhecimentos.

A relação entre instituição, saber eprodução de conhecimentos propõe oreconhecimento da condiçãoprofissional dos professores,enquanto portadores econstrutores de um saber debase.

O vínculo entre os professores, seusaber de base e sua autonomiaintelectual e corporativa sofreinterferência dos mecanismos decontrole das instituições atuais.

Desta compilação surgem algumasperguntas:

Estarão as instituições formadorasde professores, e fundamentalmenteseus corpos acadêmicos, dispostas areconhecer que o saber pedagógico éo fundamento essencial no processo deaprender a ensinar?

Estarão os acadêmicos que formamprofessores em condições de assumir acondição de ofício, de artesanato, doensino e, em conseqüência, assumir aprática docente como um dos seus eixosfundamentais?

Estará a administração educacionalem condições de promover oestabelecimento de um plano de carreiradocente onde se reconheça o trabalhodos professores das escolas queassumam funções de professores-conselheiros de prática?

Estará o Estado disposto a aceitarque os professores adquiram edesenvolvam a autonomia necessáriapara qualquer processo deprofissionalização?

Estará o Estado disposto a favorecerum plano de carreira docente para osprofessores, onde o mais importante sejao saber e não as atribuições?

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Estará o Estado disposto a gerar umprocesso nacional de qualificação dedocentes, realizando o investimentofinanceiro necessário, que se sustentesobre o saber e não sobre a doutrinaçãode modelos?

Estará o Estado disposto a criar umsistema de supervisão fundado nopedagógico e não apenas no aspectoadministrativo das instituições escolares?

Estarão os proprietários de colégiosparticulares dispostos a respeitar umplano de carreira docente fundado sobreo saber, articulado com uma escalasalarial?

Os professores estarão dispostos aassumir os riscos que essa autonomiaimplica, já que serão eles que deverãoencarregar-se da responsabilidade detomar decisões e da construção de seupróprio saber de base?

Estarão os professores dispostos asubmeter-se a um concurso nacionalestruturado sobre provas deconhecimento, avaliado anonimamente,que inclua todos os cargos existentesno país?

Estarão os professores (docentes declasse, diretores docentes, supervisores)dispostos a submeter-se a uma avaliaçãopermanente para se manter em seuscargos, para dessa maneira deixar deser funcionários e se transformarem emprofissionais?

Quando se obtenham respostas claras para estas perguntase sinais mais nítidos ainda sobre a vontade de mudar, tantopor parte do Estado como dos proprietários de colégios e dosprofessores, então talvez encontremos a relação necessáriaentre formação inicial e aperfeiçoamento docente.

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No esquema abaixo, apresentamosos eixos temáticos que estruturam esteartigo: mitos, problemas e realidadesregionais da formação docente iniciale em serviço.

Os freqüentes comentários deestudantes de magistério sobre adocência e os docentes servem-noscomo ponto de partida para acolocação de certos mitos sociais edos problemas que, em relação comeles, pode ter a formação docente.Descrevemos uma experiênciainovadora no Uruguai, seus avanços,obstáculos e desafios. Por último, nosatrevemos a esboçar uma proposta deformação docente com visão regional1.

A FORMAÇÃODOCENTE:mitos, problemase realidadesCristina Maciel de OliveiraUruguaia. Professora do Centro Regional de Professores del Este, Uruguai.

1 Empregamos as expressões “docente”,“docentes”, “professor” e “professores” de formagenérica, incluindo em seu significado tanto ogênero masculino como o feminino.

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MITO

Ensinar: uma tarefa fácil.MITO

Professores nascem,não se fazem.

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Um curso curto, comdiploma garantido.

MITO

Ensinar: profissão demulheres.

“Ensinar é trabalhopara a mulher”

“Escolhi o magistério porqueo curso é curto”

“Eu achava que daraula era fácil”

“Ser professor é vocação

REALIDADES DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE

Diversificada, em modalidades diferentes.

Gerenciada por instituições com diferentes graus de status acadêmico.

Revisão das propostas curriculares.

Busca de processos de formação de qualidade.

Consciência da existência de uma correlação entre a formação do professor e o efeito de sua práticanas aprendizagens dos estudantes.

Pouco atrativa para homens.

Baixo prestígio, embora cada vez mais profissionalizada.

Pouco ligação entre a formação inicial e a formação em serviço.

PROBLEMASFalta de reconhecimento social do ensino como profissão.Falta de delimitação do campo profissional. Feminização do magistério.

MITOSA aplicação de enquetes a estudantes que entram no primeiro ano da carreira

docente, para conhecer as razões pelas quais escolheram ser professores, eàqueles que cursam o terceiro ano, sobre as dificuldades que sua prática docentelhes apresenta, permitiu-nos identificar alguns mitos relacionados com a docênciae com o processo de formação inicial que esta ocupação requer.

As ciências sociais entendem que o mito é uma crença comum num grupo,que não requer justificação racional, nem é questionado, posto que nesse casoperderia a validade. Apóia-se num conhecimento imaginativo da realidade naturale dos fenômenos sociais. Sua expressão lingüística é simples, podem ser facilmenteapreendidos e recordados, na transmissão de uma geração para a outra. Nãoobstante seu poder de permanência no grupo que os aceita, também perdem suavigência, podendo ser assimilados ou substituídos (Aula Santillana, 1995).

No imaginário de nossa sociedade (e no de muitos dos estudantes mencionados),o perfil do docente ideal sustenta-se sobre o mito que supervaloriza a vocação(docente se nasce, não se faz), minimizando a formação. Estrutura-se sobre acrença, quase mágica, de que o ensino é um trabalho simples (ensinar: tarefafácil). Os dois mitos parecem reforçar-se quando se compara a extensão dos

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* Nota da Tradutora: BIE significa “BureauInternational d’Education” (Escritório Internacionalde Educação).

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cursos de magistério e pedagogia, de três ou quatro anos, com as profissões ditasliberais, cujos cursos exigem mais de quatro anos (professorado e magistério:curso curto, título garantido). O atrativo de obter um título num prazo relativamentecurto incide muitas vezes na escolha da carreira, acima do desejo de ser docenteou de obter qualificação profissional. Outro mito socialmente válido é o que sustentaa crença de que a carreira docente é mais adequada para as mulheres do quepara os homens, principalmente nos níveis pré-escolar e escolar (docência:ocupação feminina). Historicamente, a presença da mulher tem sido maior noprimeiro nível do sistema educacional do que nos níveis secundário e superior.

Outros mitos poderiam ser citados, mais especificamente relacionados com opapel docente, como o que identificamos com o rótulo docente multifuncional. Ouseja, a convicção generalizada de que, pelo fato de ser docente, a pessoa possuicompetências próprias de outras profissões e, por isso, além da tarefa de educare ensinar, é capaz de (e deve!) cumprir funções como psicólogo, assistente social,administrador das instituições e até como médico, diante do mal-estar de algumaluno. Também se espera que seja possuidor de conhecimentos absolutos euniversais em grande parte das áreas do conhecimento científico. O mito dodocente onisciente está conectado com o anterior e responde ao modelo tradicionalde ensino, mais difícil de tirar do imaginário social do que da prática dos professores.

Parece oportuno explicar algumas linhas de reflexão relativas a certos problemasque, a nosso ver, a profissão docente poderia considerar. É tempo de questionarvelhos mitos, representativos de um modelo educacional quase prescrito... quase!Cremos que essa tarefa é parte do compromisso com nossa profissão e com aformação dos docentes que educarão as gerações vindouras.

PROBLEMASUm dos problemas emergentes das situações propostas, e que a nosso ver

deveria ser tratado pelo corpo docente desde sua formação inicial, é o da faltade reconhecimento social da docência como profissão.

A UNESCO-BIE*, em 1966, concorda em considerar o exercício da funçãodocente como uma profissão, reconhecendo-a como um serviço público que exigedos professores conhecimentos especializados (Aula Santillana, 1995). Anos antes,alguns autores atribuíam à docência o caráter de semi-profissão, considerando-a uma amálgama de conhecimentos técnicos e administrativos, muitos transmitidoscom sabedoria artesanal, mais do que através de conhecimentos formalizados.

Para alguns sociólogos, uma profissão deve possuir um corpo único de teoriae conhecimento, prestígio de confiabilidade e responsabilidade social, baseadonum código de ética (França y Galdona, 1992), e se diferencia da semi-profissãopelas seguintes características: “(...) competência (conhecimentos elevados denível universitário), vocação de serviço, licença (controle de acesso à profissão),independência e capacidade de auto-regulamentação” (Marcelo, 1995, p. 135).

a formação docente: mitos, problemas e realidades

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Para estimar se a docência é ounão é uma profissão, Fernández Pérez(1995) considera os seis traços menosdiscutidos de toda profissão: saberespecífico no trivial, progresso contínuode caráter técnico, fundamentaçãocrítico-científica em que tudo isso seapóia, auto-percepção do profissional,certo nível de institucionalização,reconhecimento social. Para este autor,a falta de hábito dos professores, emgeral, de realizar tarefas de auto-aperfeiçoamento de sua práticaprofissional diária, de pesquisa naclasse e de análise da prática, negamos três primeiros traços.

Com uma postura crítica, Marceloadverte que essas afirmações sãoanálises “neutras” do ensino comoprofissão, já que este deve seranalisado levando em conta tanto ocontexto histórico e social de suaaparição como os requerimentos atuaisda profissionalização.

Já que a definição dos traçosidentificadores de uma profissãocontribui com a institucionalização damesma, legitimando-a, não parecemenor prestar atenção a este aspectoa partir da formação inicial.

“Se queremos ser consideradosprofissionais, atuemos como tais”,costumamos dizer a estudantes demagistério. Coerentes com estaconvicção, na prática, indagamos asconcepções prévias dos estudantes 2;buscamos estratégias didáticas paraque eles construam e integrem asnoções de profissão e profissionalismo;definimos os traços que fazem dadocência uma profissão e procuramoster uma atuação profissional auto-regulamentada, de acordo com aconcepção de profissionalismoconstruída coletivamente.

o confirmam. A escola tradicional, aescola nova, as pedagogias nãodiretoras, a autogestão pedagógica, adinâmica de grupo, entre outras, têmdado lugar a dois tipos de debates:um, ideológico, de caráter crítico; outro,de caráter científico, técnico. Osacordos emergentes, entre aquelesque compartilham teorias, impactamem diferentes graus de incidência aprática da ação pedagógica, segundoas exigências sócio-culturais domomento histórico. As aplicações dapsicanálise, da sociologia doconhecimento, das correntescognitivistas, do construtivismo de basepiagetiana, proporcionam aoseducadores argumentos provisórios,temporários, novas relações, de acordocom as ideologias que constituem oconhecimento social.

Embora a revisão da literaturapedagógica atual faça referência adiversos paradigmas que convivemem nossa época, do construtivismo,do sistemismo, do caos, dacomplexidade, seguindo a propostade Follari 3, não se poderia falar daexistência de paradigma nas ciênciasda educação, posto que não se podemidentificar consensos globais nosprotagonistas da comunidade científicadedicada à educação. Seria impossívelreduzir esses discursos a um só, comuma lógica e uma linguagemuniversalmente aceitas.

2 À pergunta a docência é uma profissão?, algunsestudantes respondem que não, usando comoargumentos: a) a possibilidade que tem, emnosso país, um profissional de outro campodisciplinar de atuar como docente, sem formaçãopedagógica; b) os baixos salários; c) a curtaextensão da carreira.

3 Op. Cit., cap. 7: Sobre a inexistência deparadigmas nas ciências sociais.

Um problema subjacente ao dafalta de reconhecimento social dadocência como profissão é a ausênciade delimitação do campo profissionalno sentido cunhado por Bordieu paraos “campos” que formam os cientistas:“(...) espaços profissionais com regras,lugares e hierarquias, onde osmecanismos de inclusão, consagraçãoe delegação são os que regulam a luta,ao mesmo tempo em que se tornamobjetos desta” (Follari, 2000, p. 112).

Não parece estar bem definido ocampo ou espaço profissional(“comunidade científica”, na teoriakuhniana) dos profissionais daeducação. São múltiplas as vias pelasquais se busca explicar e compreendero fenômeno educacional em suasdimensões principais: educando eaprendizagem, educador e ensino,teoria e prática. Isso permite que, emcertos casos, uma multiplicidade deespecialistas, num exercício dedinâmica interdisciplinar, troquempapéis, perdendo especificidade edesfigurando tanto o perfil dosmembros do campo profissional comoseus limites. Exemplo: sociólogos,psicólogos, médicos, sem formaçãopedagógica, exercem o papel docente;docentes sem formação disciplinarespecífica atuam como assistentessociais ou psicólogos.

Tampouco existe uma “matrizdisciplinar”, no sentido proposto porKuhn, de acordos mínimos necessários,posto que cada sociedade, em relaçãocom seu ideal de homem, define suacultura, os objetivos da educação e,por conseguinte, a cultura pedagógica,a cultura escolar e suas subculturas.As diferenças entre as grandesorientações da pedagogiacontemporânea (Juif y Legrand, 1980)

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Se queremos serconsideradosprofissionais,

atuemos como tais

Essa afirmação constitui, para osprofissionais da educação, um valiosoinstrumento de análise para continuaraprofundando o estudo do statuscientífico das ciências da educação,estudo que deveria forjar-se, a nossover, desde o processo inicial deformação de professores.

Concentrar a atenção nadelimitação do campo profissional nosleva a focalizá-la em seus integrantes.Acima o fizemos em função de suaqualificação profissional. Pareceoportuno fazê-lo, também, em relaçãoa sexo. O fato de que a profissãodocente seja uma ocupação escolhidamajoritariamente por mulheres tem sidomotivo de polêmicas. Como exemplo,Medina (2003, p. 79) faz referência àque se estabelece “(...) entre aquelesautores que atribuem à feminização acausa da desqualificação profissional(proletarização) e a conseqüente perdade status, e os que vêem nesseargumento um claro exemplo de viéssexista e colocam em dúvida a relaçãoentre feminização e proletarização”.Na opinião do autor, partidário dasegunda opinião – à qual aderimos –,não é a presença majoritária da mulherna docência que determina a perdade status, mas as tendênciasdiscriminatórias da mulher nasociedade.

É interessante a observação deMedina em relação com as “virtudesbiologicamente femininas” valorizadasna realização do trabalho docente nosníveis pré-escolar e básico: “Entrega,serviço, abnegação”. Tais “virtudes”–projeção do papel que a mulhertradicionalmente desempenhou noâmbito familiar– são subvalorizadaspela sociedade em comparação comas competências técnico-científicas,mais próprias do sexo masculino.

A análise do autor permite tomarconsciência do peso que os mitos, àsvezes com caráter de preconceitosocial, podem chegar a ter sobre ostatus profissional do corpo docente.A nosso ver, a formação docentedeveria assumi-los como problema ebuscar alternativas para que osprofessores em formação, em lugar dereproduzir nos centros educacionaisos estereótipos sexistas discriminatóriosda população feminina, sejam capazesde questionar-se sobre as funções dasinstituições educacionais como agentessocializantes. Seria desejável queadquirissem a competência profissionalespecífica para “lutar contra ospreconceitos e as discriminaçõessexuais, étnicas e sociais” (Perrenoud,2004).

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REALIDADESda formação docente no Uruguai

No Uruguai 4, a formação de docentes, inicial ou degraduação e em serviço ou contínua, está a cargo daAdministração Nacional de Educação Pública (ANEP 5),organismo estatal responsável também pelo planejamento,gestão e administração dos níveis de educação inicial, primária,média e técnica do sistema educacional público.

A formação inicial para magistério e professorado temcaráter terciário, não universitário, e adota modalidadesdiferentes. Cada uma procurou responder a necessidadesespecíficas do ensino uruguaio em diferentes momentossociais.

O magistério forma professores para a educação primáriae pré-escolar. É cursado nos institutos normais (II.NN.), queestão na capital, Montevidéu, e no interior do país. A partirde 2005 será implementado um novo plano de quatro anos.O primeiro instituto surgiu em 1885, o que explica aprofissionalização da totalidade do corpo de professoresprimários do país a partir de 1930.

O professorado forma professores para a educação média(ciclo básico e ciclo superior ou bacharelado). Coexistem asseguintes modalidades (Vilaró, 1999):

A formação de professores para a educação técnica, quecabe à Universidade do Trabalho do Uruguai (áreatecnológica no ciclo básico, bacharelados tecnológicos,formação profissional). Os cursos são dados pelo InstitutoNacional de Ensino Técnico (INET), que se estabeleceu nadécada de 60.

A formação de professores para os ciclos básico e superior,que se pode fazer:

No Instituto de Professores Artigas (IPA), situado emMontevidéu. Surgiu em 1949, sendo esta a primeiramodalidade de formação inicial de professores deeducação média no país.Nos Institutos de Formação Docente (IFD), situados em21 lugares do interior do país. Esses centros assumema formação de professores primários e a de professoresde educação média, com base nas disciplinastradicionais dos institutos normais, que integram um“tronco comum” para as duas formações. À dosprofessores de educação média adiciona-se didáticaespecial; as disciplinas específicas desta formação sãoopcionais no IPA.Os Centros Regionais de Professores (Ce.R.P.), situadosem seis cidades do interior do país. Dois delescomeçaram a funcionar em 1997 (do Norte e do Litoral),como uma experiência inovadora (do Leste em 1998,do Sudoeste e do Sul em 1999, do Centro em 2000).Modalidade semi-presencial. Recente experiência deeducação à distância; resolveu-se implementá-la em2003.

A formação de professores de educação física. Faz-se nosInstitutos Superiores de Educação Física (ISEF) situadosna capital, Leste e litoral do país. Esta formação não estávinculada à ANEP e sim ao Ministério de Esporte eJuventude. No momento, se está transferindo esses institutospara a Universidade da República. Quem faz o curso saicom o título de licenciado.

4 O Uruguai tem 3,2 milhões de habitantes, numaárea terrestre de 176.215 km2.

5 Diferentemente de outros países, a ANEP, emsuas funções técnica e administrativa, é umaentidade autônoma com relação ao PoderExecutivo; não o é financeiramente. É constituídapelos seguintes órgãos: Conselho Diretor Central(CODICEN), Direção Nacional de EducaçãoPública (Diretor Nacional), Conselho deEducação Primária (CEP), Conselho deEducação Secundária (CES) e Conselho deEducação Técnico-Profissional (CETP).

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o desenho do currículo conjuga três dimensões de formação:especializada, numa das áreas de conhecimento (línguae literatura, matemáticas, ciências sociais, ciências danatureza 7); formação geral, constituída por disciplinasinstrumentais (inglês 8 e informática) e por ciências daeducação 9, didática e prática docente;criação de liceus de prática, nos quais os professorespraticantes realizam sua prática num grupo pelo qual sãoresponsáveis, em caráter de suplentes, durante todo o anoletivo, com a responsabilidade acadêmica, funcional eadministrativa correspondente. Para o desenvolvimentodessa prática, os alunos trabalham em pares, formandoum “par pedagógico”, onde cada um observa e analisa asaulas do companheiro, a fim de obter um olhar colegiadomais amplo. Um professor-tutor assiste e supervisiona aprática.

O período de 1997 10 a 2002 11 foi a “etapa de fundação”. Suacaracterística principal foi dar forma à inovação. Nesse prazo,formaram-se 839 professores.

6 Em 1995, o porcentual nacional de diplomadosera de 30%; entre 40% e 45% em Montevidéue 20% no interior do país (ANEP, 1999).

7 As ciências sociais se diversificam no segundoano nas disciplinas de história (2º e 3º), geografiasocial (2º), sociologia (3º) e geografia (3º). Asciências da natureza se diversificam no segundoano nas seguintes disciplinas: biologia (2º e 3º),físico-química (2º), química (3º) e física (3º).

8 Inglês é cursado como carreira em três doscentros; nos outros três, tem caráter instrumental.

9 A partir dos ajustes curriculares realizados em2002 e 2003, as ciências da educaçãocompreendem: no 1º ano, teoria da educaçãoe sociologia da educação; no 2º, didática eorientações de prática docente (inclui semináriode teorias da aprendizagem), planejamento egestão de centro (inclui seminário de teorias daavaliação); e no 3º, pesquisa educacionalaplicada, psicologia da educação e práticadocente.

10 1997: ano de criação dos primeiros centros.11 2002: ano em que se forma a primeira geração

do último centro criado.

Uma experiência inovadoraem formação docente inicial

Entre 1995 e 2001, a matrícula na formação docenteinicial no Uruguai cresceu 86%. A criação dos CentrosRegionais de Professores (Ce.R.P.), em 1997, no interior dopaís, foi uma das causas do aumento. Vamos descrever amodalidade de formação que se desenvolve nesses centrospor seu caráter inovador.

Sua criação responde à necessidade de reverter asituação de desprofissionalização 6 do corpo docente daeducação média. A isso, somem-se: a baixa titulação nosIFD, as altas taxas de aposentadoria dos docentes comrelação ao número de que o sistema necessita e o aumentodas taxas de cobertura da matrícula de educação secundária(de 15% a 18% na década de 60 passa-se a uma coberturade 75% a 80% na década de 90) (Vaillant y Wettstein, 1999).

As características que definem esta modalidade de formaçãocomo inovadora são:

o estabelecimento de enclaves culturais regionais;a democratização do acesso através de um programa debolsas que garante alimentação, alojamento e transportea estudantes de nível econômico médio ou médio-baixo;a permanência dos docentes e estudantes na região;um regime intensivo de dedicação de oito horas diárias,de segunda a sexta;a duração do curso: três anos, com um total de 4.300 horasentre aulas recebidas e prática docente. Duplica-se onúmero de horas de aula na modalidade IPA. Não seconsidera que a maior carga horária implique aquisiçãode mais conhecimentos, mas sim que se cria um ambientede formação total, com maior tempo acadêmico, geradorde um clima institucional de aprendizagem;a presença dos formadores em tempo integral e dedicaçãoexclusiva, com 40 horas semanais, das quais dedicam 20à docência direta e 20 a outras atividades, como orientaçãode estudantes, coordenação, participação em equipestécnicas, estudo, planejamento, pesquisa;

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Em 2003 iniciou-se uma “etapa deajustes”12, orientada para o sucessoda sustentabilidade acadêmica,administrativa e financeira do modelo(ANEP, 2004). Como parte dessasegunda etapa e depois de umprocesso de análise da qualidade daoferta educacional dos Ce.R.P., formula-se o documento inicial do Projetocurricular 2005. Nele, os seguinteajustes são propostos:

extensão do curso para quatro anos, num total de 4.500 horas, o que permitiráaprofundar a formação na área;redução da jornada de aulas diárias para os alunos a seis horas;revisão e ajuste das malhas curriculares;organização do conhecimento em quatro núcleos formativos: construção docampo da educação, construção teórica da prática e do papel profissionais;construção da área e do campo disciplinar; construção do conhecimentoinstrumental básico;fortalecimento da prática docente de segundo a quarto ano;flexibilização do projeto com a proposta de diversas instâncias curriculares:disciplinas, seminários, oficinas, seminário-oficina, práticas;possibilidade de construção de uma trajetória opcional por parte do aluno.

Em essência, o Projeto Curricular 2005 reforça a construçãode uma formação interdisciplinar e contextualizada na regiãoem que se insere o centro; promove a docência, a pesquisae a extensão institucional; procura profissionalizar a docência.

Reconhecemos como avanços a criação de uma novamodalidade de formação; as ações de discriminação positivasobre os jovens procedentes de contextos sócio-culturaismédios e médio-baixos, democratizando o acesso aoprofessorado; a implementação de instituições totais comtempo de dedicação ao estudante, como forma de atendersuas necessidades e compensar suas carências sócio-culturais; a constituição de enclaves culturais, que dinamizemas ações educacionais nas regiões em que se encontram;a formação permanente dos formadores; a progressivaidentificação de competências e capacidades do professor;a ênfase na pesquisa educacional.

Entre os obstáculos principais para manter este modeloencontra-se sua sustentabilidade econômica. As bolsas dosestudantes, a remuneração de formadores em tempo integrale os recursos para as aprendizagens necessitam deorçamentos suficientes para viabilizá-los. Outro obstáculo aconsiderar é a reticência que este novo modelodescentralizado da formação inicial gerou em parte do corpodocente. Salvá-lo embute desafios substanciais, como, entreoutros, sua permanência, a difícil obtenção da igualdade, aarticulação com as instituições de formação de professoresque desenvolvem as outras modalidades, a criação dedispositivos de formação permanente para os formados 13.

A formação em serviço dos formadores (docentesformados pelos institutos de formação docente e/ouprofissionais universitários) ocorre desde o início com cursosde atualização disciplinar e pedagógica para os aspirantes(cursos de formação de formadores) e de capacitação eaperfeiçoamento, posteriormente.

12 A expressão “ajuste” emprega-se no seguintesentido: “O ajuste pretende trabalhar sobre arealidade da inovação, adequando-a. Ele supõemudanças, mas não a emergência de outramodalidade. No caso do componente dodesenho curricular, são mudanças no desenho,não mudanças de desenho” (ANEP, CODICEN,2004, p.3).

13 No Ce.R.P. do Leste, está em andamento oPrograma Reencontro, estimulado por formadoresdo centro, com a finalidade de oferecer umserviço de apoio profissional a professoresformados por esse centro, na etapa inicial doexercício docente.

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14 “O termo ator dá a idéia de desempenhar opapel de um libreto previamente estabelecido,enquanto que autor significa pessoa que cria,que define seu papel e que é causa de umamudança ou ação” (UNESCO, PRELAC, 2002,p.9).

15 “Estes focos são áreas onde os países e a regiãovão canalizar seus esforços para conseguiratingir o objetivo do projeto e das metasestabelecidas no Marco de Ação de Educaçãopara Todos” (UNESCO, PRELAC, 2002, p.13).

ESBOÇO DE UMA PROPOSTAcom visão regional

A formação docente inicial na América Latina e no Caribe, em geral, apresentavárias características: é gerida por uma heterogeneidade de instituições comdiferentes status acadêmicos; está em revisão de suas propostas curriculares;busca estratégias geradoras de processos formadores de qualidade; é conscienteda correlação existente entre a formação dos professores e o efeito de suas práticasnas aprendizagens dos alunos; é pouco atrativa para homens; tem baixo prestígio,embora crescente profissionalização; é desarticulada da formação em serviço.

Não obstante, parece possível e necessário vislumbrar um modelo de formaçãodocente que supere as debilidades dos existentes quanto à qualidade da formaçãoe que, ao mesmo tempo, seja capaz de atender as prioridades das políticaseducacionais. Acreditamos no poder que os critérios de consenso, multilateraise horizontais, entre “atores” e “autores” 14, podem ter para conseguir esses objetivosnum contexto de globalização e integração regional.

Pensamos, então, na conjunção de esforços coordenados entre os países, paraconstruir na região um novo cenário de formação docente sobre a base de umavisão ampliada das coordenadas tempo-espaço. Referimo-nos a um tempo deformação permanente que não encontre seus limites logo depois dos três ou quatroanos “iniciais” e a um espaço de ação que estenda as fronteiras nacionais até asda região. No cruzamento dessas novas coordenadas, traçaríamos os fins e osobjetivos que orientem um modelo regional de formação docente para a AméricaLatina e o Caribe. Um dos objetivos seria: formar um docente capaz de exercersua profissão com responsabilidade social, numa sociedade pluriétnica e multicultural.

Possíveis linhas de ação poderiam ser traçadas, concentrando as vontades eos meios nos focos estratégicos15 propostos pelo PRELAC (2002).

Com esta premissa, uma primeira linha de ação poderia ser a “flexibilizaçãodos sistemas educativos” (Foco 4) em cada país, com abertura para as realidadesregionais.

Uma segunda linha de ação estaria centrada no projeto curricular de umaformação docente que se somasse a um conjunto comum de matérias disciplinares,pedagógicas e instrumentais, e de estudos interculturais (Hickling-Hudson, 2003).A consideração formal das diversidades da região pode permitir “construir sentidossobre nós mesmos (neste caso, diríamos sobre si mesmo), os outros e o mundoem que vivemos” (Foco 1), assim como uma ética intercultural. Esta poderiasustentar-se nos sete saberes necessários que Morin (2004, p. 56) propõe paraa educação do futuro: “reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros eilusões”, “assumir os princípios de um conhecimento pertinente”, “condiçãohumana”, “identidade planetária”, “confrontar as incertezas”, “compreender” e“ética da espécie humana”.

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Uma terceira linha de ação poderia promover as“comunidades de aprendizagem e de participação” (Foco3), forjadoras de uma cultura escolar colegiada, na qual oprofessor em formação possa compartilhar experiências ereflexões sobre suas práticas educacionais com os que vivemprocesso similar em outros países. Capitalizar a experiênciado trabalho em redes, desenvolvido por países como Argentinae Chile, poderia ser ponto de partida para a criação de redesinternacionais entre institutos de formação docente da região,que encurtem as distâncias mediante instâncias virtuais decomunicação (videoconferências de professores, chats,correio eletrônico, e-learning, fóruns). Participar delaspotencializaria o desenvolvimento das competências sócio-cognitivas necessárias para enfrentar os desafios impostospela sociedade do conhecimento em que vivemos. ParaMonereo (2003, p. 17), essas competências são: “aprendera ser crítico e seletivo”, “aprender a aprender”, “aprender acomunicar-se”, “aprender a estabelecer empatia”, “aprendera colaborar”.

Uma quarta linha de ação poderia centrar-se “nosdocentes e no fortalecimento de seu papel de protagonistana mudança educacional, para que respondam àsnecessidades de aprendizagem de seus alunos” (Foco 2),usando a modalidade de pesquisa-ação (Maciel de Oliveira,2003) como meio para o encontro de estratégias válidas deensino, de aprendizagem, de negociação de conflitos, deatenção à diversidade.

Uma quinta linha de ação teria a ver com a promoçãoda participação dos agentes sociais neste modelo regional deformação docente que esboçamos, tanto no esclarecimento deseus objetivos como na proposta de seus conteúdos e nafacilitação dos recursos, suscitando dessa forma“responsabilidade social pela educação para gerar compromissocom seu desenvolvimento e resultados” (Foco 5).

A âncora da formação em serviço, para que esta sejapermanente, deveria ser a maior quantidade possível deinstâncias curriculares e extracurriculares, criando vias deretroalimentação entre professores formados e as instituiçõesformadoras.

Para finalizar, desejamos fazer constar que estamosconscientes do ambicioso perfil da proposta que esboçamos,mas também o estamos da necessidade de avançar emdireção a modelos educacionais de integração regional, queformem seres humanos sensíveis à diversidade e capazesde atuar com “ética da espécie humana”. A formação docentepode ser uma sólida ponte para alcançar esse horizonte,mas antes... temos de construí-la.

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DESAFIOS PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTEDIFERENTE NA AMÉRICA LATINALuis Enrique LópezPeruano. Programa Formaçãoem Educação Intercultural Bilíngüenos Países Andinos, Bolívia.

As últimas décadas foram um período importante demudanças na educação da população indígena na AméricaLatina. Embora já em 1940 os representantes dos Estadoslatino-americanos, reunidos em Pátzcuaro (México), se haviamdado conta de que a educação da população indígena nãopodia continuar na desatenção e no descuido em que até entãoestava, foi só devido à própria demanda do movimento indígenaque, na verdade, os Estados começaram a trabalhar maiscuidadosa e seriamente numa alternativa educacional para apopulação indígena.

Nesse quadro, a formação docente também experimentoutransformações importantes, para, entre outras coisas, darconta dos próprios avanços, que ocorreram graças à construçãopaulatina de uma pedagogia a partir da diversidade e para ela.

DEMOCRACIA E MUDANÇASna educação indígena

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DEMANDA EDUCACIONALINDÍGENAe resposta do Estado

O movimento indígena latino-americano, que começou a se organizar na décadados 70 do século XX, incluiu desde o início a educação como parte de sua pautade reivindicações. Não podia ser de outra forma, pois a falta de acesso ao sistemaeducacional constituía um dos mais sérios obstáculos ao seu avanço como membrosdesses mesmos Estados que praticamente os ignoravam. Através da educação, osindígenas procuravam alcançar a cidadania e, para isso, consideravam indispensávelconhecer a língua e a cultura dos setores hegemônicos em níveis socialmenteaceitáveis de manejo. Mas esta demanda pela educação rapidamente transcendeuesse primeiro plano de sua fundação quase exclusivo no aprendizado do espanholou do português e na apropriação da língua escrita, para reivindicar também o direitoa manter a própria língua e a cultura ancestral.

Assim nasceu, nos anos 80, a educação intercultural bilíngüe (EIB) e, no casocolombiano, a etno-educação, a mesma que também procura ser intercultural ebilíngüe. Na Bolívia, por exemplo, esse movimento educacional inovador começoua surgir em 1982, no momento em que o país retomava o rumo da democracia numclima de ampla participação da sociedade civil nos assunto do Estado e quando omovimento indígena, então liderado por intelectuais aimarás, também fazia ouvir suavoz e reivindicava o direito à diferença (cf. López, 2005).

Através da educação, osindígenas buscavamalcançar a cidadania

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a água, a defesa do meio-ambiente e, em suma, o direito àvida. É esse o contexto no qual os indígenas situam o direitoao usufruto e ao desfrute da língua e da cultura próprias etambém o direito à educação.

Diferentemente do que ocorre com os não indígenas, aeducação não constitui uma preocupação isolada e discreta,mas sim – e a partir de sua visão integrada e holística – umcomponente adicional, porém não separado, de seu projetode futuro e de vida. Assim, do ponto de vista indígena, aeducação é uma educação para a vida e, nesse sentido,adquire sentido só na medida em que se articula com outrasdimensões igualmente importantes.

Como se compreende facilmente, os Estados latino-americanos ainda não estão prontos para mudanças como asque agora desejam os indígenas e seus líderes, apesar dasmodificações que fizeram em suas constituições ao longo dasúltimas duas décadas, precisamente para reconhecer amultietnicidade, o pluriculturalismo e o multilingüismo quecaracteriza seus países. Enquanto, para os Estados, a EIB éapenas uma resposta pedagógica e exclusivamente educativapara um problema que finalmente conseguiram entender – afalta de comunicação na classe e na escola –, para os indígenasdo continente a EIB é sobretudo uma ferramenta para alcançarsua emancipação social ou sua liberação, como muitos delesafirmam repetidamente (cf. López, no prelo).

Isto faz com que, em todos os países, a EIB seja hoje vistacomo uma proposta estatal e, em alguns casos, sógovernamental. E, mesmo quando inclui o ensino e uso daslínguas indígenas, ao lado do espanhol, e também apossibilidade de diversificar o currículo escolar, para incorporarvalores e conhecimentos indígenas e práticas do cotidiano,em muitos lugares dos continentes os indígenas apostam hojenum enfoque mais radical, que tipificam como de educaçãoendógena ou própria.

O interessante no caso é que, apesar do nome ou daorientação aparentemente autárquica, esta nova alternativaeducacional nem busca nem contém o isolamento do resto dopaís, nem dos outros grupos sócio-culturais que o compõem,mas, ao contrário, procura a participação ativa na tomada dedecisões e na capacidade de decidir sobre o tipo de educaçãoque suas comunidades e aldeias hoje requerem.

democracia e mudanças na educação indígena

Hoje, a EIB é parte integral da maioria dos sistemaseducacionais da América Latina: é praticada em 17 paísesdiferentes; em alguns casos, envolvendo toda a populaçãoindígena, através de programas estatais de importantecobertura, como na Bolívia, mas também no Chile, na Nicaráguae na Venezuela; e, em outros, só a setores focalizados, emgeral, de comunidades indígenas remotas, como na Argentina,na Costa Rica, em Honduras e na Guatemala. Também hásituações nas quais a EIB é executada em co-gestão comorganizações e comunidades indígenas, como na Colômbiae no Equador.

México e Peru são os dois países com maior tradição nabusca de uma alternativa educacional indígena, embora nessescasos os esforços tenham partido mais do Estado e daacademia, o que comprometeu seu desenvolvimento e põeem dúvida o futuro. Em outros países, como na Bolívia e noEquador, a EIB surgiu mais de baixo para cima e isso marcadefinitivamente sua história e coloca o projeto educacionalindígena como parte integral de outro, de maior envergadura,voltado para a garantia da democracia e, ao mesmo tempo,a revisão crítica do padrão de democracia liberal vigente, demaneira a construir modelos alternativos viáveis e úteis emsociedades multiétnicas, pluriculturais e multilíngües, comosão, a rigor, a maioria das sociedades latino-americanas 1.

Um denominador comum desta alternativa educacional éa proposta de interculturalidade, hoje motivo de reivindicaçãodos indígenas em seu questionamento do modelo de Estado-nação e em sua luta por uma cidadania diferente e diferenciada,que reconheça suas particularidades sócio-culturais elingüísticas. No entanto, hoje os indígenas não reivindicam ainterculturalidade só como um direito indígena, mas tambémcomo uma prerrogativa e, ao mesmo tempo, uma necessidadepara todos, incluídos aí os membros dos setores hegemônicos.Isto se deve à consideração de que só através do reencontrodas sociedades latino-americanas consigo mesmas e daaceitação positiva da diversidade que as caracteriza poder-se-á construir uma democracia mais válida e duradoura.

Desta forma, do ponto de vista da educação, os indígenaslatino-americanos procuram alcançar igualdade, mas comdignidade. Por isso, a exigência de uma educação diferenteconstitui apenas parte de uma agenda maior, que inclui osdireitos territoriais e sobre os recursos naturais, em particular

1 Para um balanço da situação da EIB na região,ver o trabalho de López y Küper, 1999 e 2002.

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Em suma, o que procuram é que a educação parta de suasnecessidades e expectativas e que a gestão esteja sob ocontrole, senão exclusivo, pelo menos em interação direta epermanente com as autoridades estatais. Esta educação évista como própria na medida em que eles têm controle sobreela, mas é também bilíngüe e intercultural como a EIB estatal,pois a história e as condições atuais assim o requerem; e dissoestão conscientes (cf. CEPOs, 2004; CENEM, 2004; ACEM,2005).

Na Bolívia, questões como estas terão inelutavelmente queser abordadas na Assembléia Constituinte convocada para2005. Se isso não for feito, perder-se-á uma possibilidade deouro que tem esse país, seja por sua inegável condição desociedade majoritariamente indígena, seja pelo próprio fatode que, na Bolívia, desde 1982, vem-se construindo umahistória diferente de relacionamento entre indígenas e não-indígenas, que, no campo da educação, fez nascer a educaçãointercultural bilíngüe, em resposta às demandas e pressõesque vinham de baixo.

Aqueles que, a partir do espaço hegemônico, vêem comgrande preocupação o avanço indígena no país, com freqüêncialançam mão do fato incontestável de que nem todos os paise mães de família indígenas compreendem o que é a EIB equais são suas implicações práticas. Ao fazê-lo, deliberada eestrategicamente, eludem a análise histórica da situação e acompreensão de que tais manifestações não passam deresquícios do colonialismo ainda vigente e da condiçãosubalterna na qual ocorre a existência indígena, tanto nessepaís como em outros da região.

No entanto, quando os indígenas tomam consciência, comojá fizeram outros, de que a EIB constitui uma ferramenta paraformar novas mentalidades a partir de uma posição oposta àracista e discriminadora de sempre, afirmam, como já o fazemalguns líderes indígenas, que a EIB não é apenas uma respostaa suas necessidades mas também uma possibilidade e umaaposta num futuro diferente (cf. CEPOs, 2004).

As mudanças que a educação da população indígena vemexperimentando na região, desde os anos 40 do século XX,quando se conciliou só como uma modalidade compensatória–e quando procurava apenas a mimetização dos indígenas namassa mestiça com a qual se pretendia construir o Estado-nação–, revelam uma evolução singular nos Estados latino-americanos com relação ao reconhecimento da diversidadesócio-cultural e lingüística que caracteriza as sociedades destaparte do mundo.

Como estas mudanças são produto de uma maiorvisibilidade e da presença ativa dos mais de 40 milhões deindígenas que habitam a América latina e, ao mesmo tempo,de uma maior democratização desta região, a educaçãoconstitui o laboratório social por excelência, no qual se podemgestar novas maneiras de convivência e até formas maiscriativas de organização estatal, que superem as limitaçõesque o Estado-nação clássico experimentou em seus mais de200 anos de translado à América a partir da França pós-revolucionária.

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INTERCULTURALIDADE, BILINGÜISMOe formação docente

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2 A formação docente no Equador compreendea última etapa da secundária e dois anosposteriores a esta.

3 Em El Salvador também, mas lá ainda não seoferece formação em EIB.

Aproximar-se da visãointegral e holística doconhecimento, quecaracteriza os povosindígenas

Por outro lado, na Bolívia também existe um outro modelo,diferente do que acabamos de mencionar; nesse, a formaçãodocente inicial é oferecida em institutos normais superiores deEIB, mas os docentes que se formam podem ter acesso aosprogramas de licenciatura especial em EIB, oferecidos poralgumas universidades do país, e, desta maneira, complementarseus estudos prévios até concluir uma licenciatura. Talvez oChile seja o único país da região no qual a formação docentepara EIB só se oferece a nível universitário 3.

Em cada uma das situações mencionadas, foi necessáriofazer transformações nas malhas curriculares da formação,para incluir matérias especificamente dirigidas à preparaçãoprofissional de professores de EIB. Entre elas, destaca-sesobretudo a inclusão de matérias e/ou temas relativos à culturapatrimonial indígena, aos idiomas indígenas, seu funcionamentoe uso; assim como, no plano da didática, adicionam-se cursossobre o ensino de uma língua indígena como língua maternae o ensino do espanhol como segunda língua.

No contexto descrito na seção anterior, também há pelomenos duas décadas em diferentes países da região vem-seensaiando propostas alternativas de formação docente inicialpara preparar os professores e as professoras capazes deassumir os desafios que a implementação da EIB propõe. Istoocorreu até no contexto quase generalizado de desatençãoou despreocupação pela formação docente inicial, que marcoua aplicação das reformas educacionais da década dos 90.Importantes experiências de transformação das instituiçõesformadoras de docentes foram realizadas, por exemplo, noChile, no Peru, na Bolívia, no Brasil e no Equador, assim comona Guatemala e na Nicarágua. Nesse contexto geral, a formaçãode professores priorizou sobretudo a preparação de docentespara a educação primária.

As experiências inovadoras de formação docente para aEIB recorrem sobretudo à modalidade presencial e se executama partir de diferentes níveis educacionais, dependendo daspolíticas nacionais vigentes em matéria de formação docente.Assim, enquanto na Guatemala a formação docente inicialpara a EIB continua situada na educação secundária, assimcomo também ocorre parcialmente no Equador 2, na Nicaráguae no Peru esta se inscreve no nível terciário, seja no que seconhece como educação superior não-universitária ou naprópria educação universitária.

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As mudanças nas malhas curriculares nos outros casosforam mais profundas e consistiram numa verdadeira re-proposição das definições curriculares clássicas da formaçãodocente, de forma a, por um lado, buscar aproximar-se davisão integral e holística do conhecimento, que caracteriza ospovos indígenas, e, por outro, também se aproximar daformação da maneira que as novas correntes pedagógicasconsideram que as crianças aprendem melhor. Assim, e emfunção dessas considerações, alguns currículos de formaçãodocente em EIB propõem metodologias de formação diferentes,que abandonam a cátedra e o ensino frontal para priorizar opapel de protagonistas dos estudantes, tanto através dotrabalho em grupos e de uma construção assistida deconhecimentos, como por meio de seu envolvimento em projetosreais de pesquisa de campo, muitas vezes do ponto de vistada pesquisa-ação 4.

Mas, assim como na educação formal vem-se imprimindomodificações importantes na formação docente, existemtambém algumas iniciativas mais radicais quanto à preparaçãoinicial de professores e professoras. Isto ocorre sobretudo emcontextos no s quais é imprescindível responder aos novosdesafios resultantes das propostas de educação endógenaou própria. Nesses casos, a formação docente procura umreengenharia maior e tenta cumprir seu compromisso tambéma partir de uma visão interna, ou própria, de maneira que onovo docente se prepare a partir de uma óptica de compromissocom o movimento indígena e para responder de maneira diretae imediata à visão e às demandas indígenas, o que exige umvínculo maior e permanente com as comunidades indígenas,seus problemas cotidianos e suas necessidades reais.

Como é de se esperar, as experiências de formação deprofessores comunitários ocorrem hoje nos países onde asorganizações e líderes indígenas ensaiam propostas alternativasde educação indígena. Esse é o caso, por exemplo, dosesforços promovidos pelo Conselho Regional Indígena doCauca (CRIC), na Colômbia, através de sua licenciatura empedagogia comunitária; das comunidades quéchuas deRaqaypampa, na Bolívia, que formam educadores comunitáriospara, além de ensinar, possa também envolver-se em processosde gestão municipal local; e de mais de 40 instituiçõeseducacionais privadas de gestão e orientação maia naGuatemala, nas quais se preparam professores e professoraspara responder aos requerimentos da chamada educaçãomaia (cf. ACEM, 2005; CENEM, 2004).

Mas, à margem das diferenças que possam existir entreas inovações em curso, seja por se tratar de instituiçõespúblicas ou privadas ou por se localizar na educação terciáriaou permanecer ainda na secundária, todo programa deformação docente em EIB procura responder, em primeirolugar, ao aspecto lingüístico inerente a uma EIB; em segundolugar, à perspectiva intercultural que a anima e também asustenta; e, em terceiro lugar, à dimensão pedagógicaespecializada, particularmente quando as duas variáveisanteriores se cruzam com questões relativas ao ensino dealunos indígenas que ou são bilíngües ou pretendem vir a ser.É desse ponto de vista que em não poucos casos a formaçãodocente inicial em EIB se articula ou ao menos se vincula comexperiências de aplicação dessa modalidade em escolasprimárias e/ou com a educação de adultos indígenas.

Esse é o caso, por exemplo, do que ocorre no Programade Formação de Professores Bilíngües para a Amazônia Peruana(FORMABIAP), experiência inovadora executa por co-gestãoentre uma organização indígena e o ministério da Educaçãodo Peru. Os estudantes indígenas do FORMABIAP, duranteseus cinco anos de formação, permanecem em contato comsuas comunidades de origem; além da formação escolarizada,o currículo dessa instituição inclui períodos importantes do anopara trabalho de campo. Nos dois primeiros anos, o trabalhode campo é dedicado sobretudo à pesquisa sócio-cultural elingüística e, nos três últimos, à prática e ao exercício temporárioda docência em escolas. Dessa maneira, a formação docenteinicial contribui para uma melhor articulação de teoria e prática,assim como para um melhor vínculo entre pesquisa e formação,pois o que se faz no campo contribui para que a etapaescolarizada seguinte seja mais relevante e pertinente, assimcomo para que tenha um pretexto para perguntas relevantesque o professor em formação se propõe a partir da realidade.

A formação docente busca umareengenharia maior e tenta cumprirsua incumbência também a partir de

uma visão interna e própria

4 Em julho de 2004, a GTZ (Cooperação TécnicaAlemã), através de seu Projeto de InstitutosN o r m a i s S u p e r i o r e s d e E I B(www.minedu.gov.bo/pinseib), conjuntamentecom a OREALC/UNESCO e o Ministério daEducação da Bolívia, realizaram um semináriointernacional sobre formação docente e EIB.

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Como ter-se-á podido apreciar, não só a educação latino-americana em geralatravessa um conjunto de mudanças estruturais de magnitude, produto dos princípiossubjacentes às reformas curriculares em curso, mas também, e em particular, a EIBpassa por momentos importantes de revisão, como resultado das demandas cadavez mais crescentes que são propostas pelo movimento indígena.

A EIB, embora seja vista hoje só como uma oferta educacional do Estado, emgeral merece o respaldo de líderes e organizações indígenas, pois há a convicçãode que se trata de uma melhora substancial em relação à atual oferta do Estado,frente ao afã monoculturalista e homogeneizador que a precedeu. Não obstante,estão em curso ensaios não menos importantes, que resultam da motivação paraprocurar alternativas –a partir do próprio exercício educacional– destinadas a dotara educação indígena-comunitária de mais relevância e pertinência, sobretudo apartir da recuperação do sentido e do significado políticos que constituem toda EIB.

As exigências que hoje se fazem à EIB colocam a formação docente inicialperante novos desafios e lhe propõem interrogações às quais deve responder, seé que quer formar os profissionais capazes de responder aos próprios desafios quehoje confrontam tanto as organizações como as próprias comunidades indígenas.Tais desafios podem ser localizados em três dimensões-chave, em meu entender,para a reinvenção da EIB e da formação docente para esse tipo de educação. Estassão: a dimensão epistemológica, a lingüística e a política.

Os desafios epistemológicos resultam sobretudo do questionamento quehoje fazem os líderes e intelectuais indígenas –muitas vezes formados nas melhoresescolas do Ocidente– ao conhecimento em geral e àquele que a escola e os centrosde formação docente transmitem e reproduzem. Hoje se põe em questão o caráterparcelado e atomizante do conhecimento, que se apresenta nas instituiçõeseducacionais e se pondera positivamente e se apela a essa visão mais integral eholística que caracteriza o pensamento indígena.

DESAFIOSpara melhorar a qualidade daformação docente inicial em EIB

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Desse ponto de vista, postula-se a necessidade de repensar tanto o currículoescolar como o que se implemento nos centros de formação docente para recuperarintegralidade e recobrar o sentido particular que cada conteúdo específico adquirequando é visto e analisado em relação com outros conhecimentos e com outrasdimensões da vida. Assim, além de procurar um encaminhamento da visão, tambémse postula uma leitura interdisciplinar dos fenômenos e processos que são parte docurrículo.

Estas novas visões não excluem, em absoluto, nem a consideração nem a análisedo conhecimento ocidental. Pelo contrário, situam-nos diante da necessidade de umacompreensão do mesmo a partir do conhecimento próprio – recuperado e re-localizado– e do próprio lugar de entendimento e compreensão das comunidades a quepertencem os futuros professores. Em outras palavras, não se trata de optar por umou outro tipo de conhecimento, mas sim de olhar estas duas formas de cognição emrelação entre si, muitas vezes também em relação complementar, e a partir da vidae da realidade de comunidades sócio-históricas concretas como as indígenas.

5 A respeito, cabe questionar-se, por exemplo,a ausência de reflexão sobre o tratamento –aomenos no início da escolaridade– da variaçãodialetal, seja em espanhol ou em português,e como a escola impõe uma variedade padrão,fortemente baseada na língua escrita e nofalar das classes médias, em detrimento dofalar e da auto-estima de um grande númerode estudantes dos setores populares.

inalienáveis dos povos indígenas e dosindivíduos que os formam e, ao mesmotempo, como ferramenta desses mesmosdireitos. A partir dessa dupla dimensão,coletiva e individual, dos direitos, à EIBsó resta então se articular com outrosdireitos igualmente fundamentais e quedão sentido ao ser indígena, como, porexemplo, o direito ao território e o direitoa pensar, sentir e agir como indígena. Anível axiológico, isto implica que aformação docente vá até mais além daconscientização sobre estes direitos paraconsiderar a diversidade como um valorem si mesmo.

Uma espécie dereengenharia do ensino dalíngua, de maneira aconcebê-la como parte deuma verdadeira educaçãolingüística dos futurosprofessores

Os desafios lingüísticos, ouquem sabe sócio-lingüísticos, tem a vertambém com uma espécie dereengenharia do ensino da linguagem,de maneira a concebê-la como parte deuma verdadeira educação lingüística dosfuturos professores. Em primeiro lugar,trata-se de questionar a visão ancoradano monolingüismo e no ideal dahomogeneização idiomática, para sobreessa base recuperar a compreensão domultilingüismo como natural ecaracterístico da maioria das situaçõesmundiais. Sobre esta base, trata-se, emsegundo lugar, de preparar solidamenteo docente para que analise e reflita sobreas variadas situações sócio-lingüísticasnas quais deverá agir como professor,evitando desta forma que –comofreqüentemente se faz– a uma situaçãomonolíngüe em espanhol se oponha comfacilidade outra, bilíngüe, de espanhol elíngua indígena, pois nenhum destesdois pólos é tão claramente definido narealidade como a escola gostaria quefossem.

A rigor, a situação atual é muito maiscomplexa e nos confronta com contínuosde situações nas quais, até naquelesque consideramos falantes monolíngües

de espanhol, dão-se múltiplas variaçõesque exigem um tratamento educacionaladequado 5. A educação lingüística dosfuturos professores deve enfatizar odesenvolvimento de uma consciêncialingüística crítica, que lhes permitaaguçar sua sensibilidade idiomática, demaneira a estar em melhores condiçõesde responder a cada um dos contextossócio-lingüísticos específicos nos quaisdeva trabalhar.

Nesse caminho é necessárioabandonar a preocupação exclusiva coma forma e deixar para trás também avisão idealizada, e por isso mesmo irreal,das línguas em questão. Embora umaformação assim seja relevante para aformação de qualquer professor ouprofessora, isto se torna ainda maisimperativo quando se trata de docentesque devem trabalhar em comunidadese bairros em que habita a populaçãoindígena.

Finalmente, os desafios políticosjuntam-se aos anteriores para re-conceber e re-inventar a EIB,despojando-a do conteúdocompensatório e assistencialista do qualfoi dotada. Trata-se, ao contrário, de aver como parte integral dos direitos

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Já que a educação, em geral, e aformação docente, em particular, foramvistas como espaço privilegiado para aformação de cidadãos, é necessárioperguntar-se ara que tipo de cidadaniaformamos as pessoas na EIB. Isso setorna hoje inelutável quando ocorre umreviver étnico e um despertar do local edo específico, juntamente com umquestionamento do tipo de Estado e ocaráter excludente do indígena, do qual,em geral, se dotou o tipo de democraciavigente na região. Isto exige, então,perguntar-se se a EIB e a formaçãodocente em EIB não deveriam contribuirà gestação desse novo tipo de cidadaniaque as sociedades multiétnicas dediferentes partes do mundo aspiram hojea construir e que muitos povos indígenasatualmente reivindicam ao Estadomonocultural.

Não teria a formação docente emEIN que re-propor, a partir do própriocentro formador, a questão dademocracia, sua re-proposição à luz davisão indígena e da exclusão e opressãohistóricas a que se submeteram associedades indígenas?

Nesse contexto, temas como estesmerecem ser incluídos nos programasde estudos da formação docente emEIB, de forma a gerar reflexão e acontribuir para a formação dessascidadanias étnicas ou cidadaniasdiferenciadas ou interculturais, às quaismuitos pensadores indígenas apelamem seu afã de construir uma democraciaradical e efetiva, na qual todos tenhamlugar e possibilidade de fazer escutarsuas vozes e de contribuir para aconstrução de sociedades mais justase igualitárias que aquelas que amodernidade tentou construir mas nãoconseguiu, precisamente por excluirsetores importantes como os indígenasda vida social e política.

REFERÊNCIAS

ACEM (Asociación de Centros Educativos Mayas del Nivel Medio deGuatemala). 2005. Cholb’al Q’ij. Agenda Maya 2005 (Año 5121).Guatemala: Maya Na’oj.

CENEM (Consejo Nacional de Educación Maya). 2004. Uxe’al Ub’antajikle Mayab’ Tijonik. Marco filosófico de la educación maya. Guatemala:Maya Na’oj.

CEPOs (Consejos Educativos de Pueblos Originarios de Bolivia). 2004.Por una educación indígena originaria. La Paz: CEA.

López, Luis Enrique. 2005. De resquicios a boquerones. Análisis dela EIB en Bolivia. La Paz: Plural Editores, PROEIB Andes, UNICEF.

no prelo. “Cultural diversity, multilingualism and indigenous educationin Latin America”. In Tove Skutnab-Kangas e Ofelia García (eds.)Imagining Multilingual Schools. Clevendon, UK: Multilingual Matters.

e Wolfgang Küper. 1999. "La educación intercultural bilingüe en AméricaLatina: balance y perspectivas". Revista Iberoamericana de Educación,nº 20. 17-86. Reproduzido em 2000 in Ministério da Educação do Peru,La práctica de la educación bilingüe intercultural y sus retos. Materiaisde referência para docentes dos institutos superiores pedagógicosEBI. Lima: ME / PROGRAMA FORTE-PE. 27-69. Extrato reproduzidoem 2004, sob o título de “Una agenda para el futuro. Una educaciónintercultural y bilingüe”, em Maestros. Revista pedagógica, Vol. 10, nº22. 54-46. (Lima). Versão corrigida e ampliada publicada como livroem 2002, pela GTZ, em Eschborn (Alemanha).

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FORMAÇÃO DOCENTEPARA UMA SECUNDÁRIA DE QUALIDADE PARA TODOS

Raquel KatzkowiczUruguaia. Diretora do Instituto Ariel Hebreo, Uruguai.

Beatriz MacedoUruguaia. Especialista em Educação Secundária, Educação Científica,Educação Técnica e Profissional, Educação para o Desenvolvimento Sustentável;Escritório Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe,OREALC/UNESCO Santiago, Chile.

Assistimos neste momento a uma situação na qual, enquantouma parte da população vive no se convencionou chamar desociedade do conhecimento, a grande maioria dessa populaçãovive no que só pode ser chamado de sociedade da informação,uma sociedade onde se está totalmente imerso e se ébombardeado por uma informação que só alguns poucospodem transformar em conhecimento. Isso significa privargrandes setores da população dos símbolos da cultura que,por direito, lhes cabe possuir para poder compreender o mundoem que vivem, desfrutar de seus benefícios e enfrentar suasproblemáticas, procurando solucioná-las. Os países deveriamcompreender que este direito de todos e de cada um de seushabitantes obriga-os a oferecer uma distribuição doconhecimento que não gere exclusão. O crescente valor doconhecimento e sua gestão social em nossas sociedadesdeveria revalorizar a importância dos processos de aquisiçãode conhecimentos, já que são uma das ferramentas maispoderosas para estender o distribuir socialmente essas novasformas do conhecimento e, em suma, democratizar o saber(Pozo, 2003).

As mudanças econômicas e sociais que marcaram o finaldo século XX e o início do presente século tiveram um impactomuito importante nos sistemas educacionais que, de maneirasdiferentes, trataram de se adaptar a esses processos. Osubsistema que ficou mais exposto às críticas por diversosmotivos (altas taxas de repetição, abandono, falta decapacidade para se acomodar às demandas da sociedade,entre outros) foi a educação secundária. Temos insistido muito,nos últimos anos (Macedo, Katzkowicz, 2001) na necessidadede que a educação secundária, diante das grandestransformações que se estão operando a nível sócio-econômico,redefina seu papel, em função do que deve ser a formaçãodos adolescentes e jovens, os que deverão inserir-se comocidadãos responsáveis por suas ações numa sociedade quedeverão desenvolver e para a qual deverão definir valores enormas de convivência.

Muitos dos problemas que, hoje, afetam fortemente o ramoda educação secundária não são novos, mas vêm sendoapontados há décadas. Durante anos, o objetivo da educaçãosecundária foi propedêutico, oferecendo preparação para aeducação superior, e ela ficou reservada a minorias que podiamter acesso a ela por sua elevada origem sócio-econômica oupor proximidade geográfica. Era uma etapa intermediária, semuma definição própria e especifica, salvo a de completar apreparação geral e preparar para os estudos superiores. Oaumento quantitativo de alunos na educação secundária nãoapenas supôs um aumento da matrícula, mas também aincorporação de uma população heterogênea marcada peladiversidade, em centros educacionais pensados e estruturadospara uma população homogênea. Este fato evidenciou umaprofunda crise no âmbito dos centros educacionais, que seexpressa pela perda de sua função social, pela ausência desaberes relevantes e pertinentes nos processos deaprendizagem e pela falta de uma identidade.

Em primeiro lugar, gostaríamos de destacar alguns dosproblemas específicos apresentados pela atenção a estudantesdessas idades, que surgem, por um lado, das mudançasimpostas pelos próprios sistemas educacionais e, por outro,das transformações físicas, psíquicas e emocionais que estãoocorrendo nestes adolescentes. Tanto uns como outros dão aeste ramo educacional a característica de etapa de transição,submetida a tensões e rupturas. Do mesmo modo, podemosafirmar que a educação secundária é uma etapa de transiçãoentre duas culturas distintas, cada uma delas orientada paracumprir funções educacionais e sociais marcadamentediferentes. Esta localização “intermediária” aumentou ainconsistência que tem caracterizado a secundária na hora dedefinir sua política de formação, não podendo responder,talvez, ao paradoxo que supõe formar na situação presenteos jovens que viverão numa realidade futura diferente.

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formação docente para uma secundária de qualidade para todos

PESQUISA: uma chave impostergávelUma educação secundária que recolha as demandas

provenientes da comunidade nacional e as que surgem dasmudanças sociais, culturais e econômicas, necessita deprofessores atualizados em seus saberes profissionais, suascompetências básicas (como propõe Braslavsky (1999) (porexemplo, a pedagógico-didática, a institucional, a produtiva,a interativa, a especificadora), sua capacidade para inovar esua vontade para constituir grupos de pesquisa e reflexãopermanentes para melhorar suas próprias práticas e contribuirpara melhorar a qualidade da educação secundá4ria toda, nainstituição onde trabalham. A pesquisa aparece intimamenteligada à formação, já que está encarregada de recolher osproblemas cotidianos que compõem a vida das classes e dasinstituições de secundária, e transformá-los em temas depesquisa. Esta interface pesquisa-formação deverá proporcionaraos docentes em exercício as novas competências, os novossaberes, destrezas e conhecimentos que necessitam para quea transformação da secundária seja efetiva e consiga atingirseu principal objetivo: ser uma resposta formativa válida paraos adolescentes e jovens.

Por sua vez, esta interface pesquisa-formação permitiráestabelecer quais são as necessidades e as modalidades deformação para os futuros docentes; ou seja, poderá dar osnecessários insumos para delinear uma formação inicial queatenda às problemáticas reais que deverão enfrentar osdocentes em seu posterior exercício e lhes dar as ferramentasnecessárias para isso.

Propor uma formação de docentes desecundária através da pesquisa nãosignifica incluir nos planos de formaçãouma nova disciplina, como seria ametodologia da pesquisa, ou asseguraratravés das propostas a capacidade depesquisa dos futuros docentes, semdúvida necessária, mas não suficiente

Propostas educacionais para estas faixas etárias deveriamser analisadas a partir de sua especificidade e superar asmudanças que a assimilam seja à educação básica ou àeducação superior. Os diferentes aspectos da escolarizaçãode adolescentes e jovens devem enfrentar um todo integrado,ou seja, que as reformas curriculares devem integrar as reformasna formação dos docentes e em seus papéis, e não comosubsistemas isolados, enfrentados mediante tratamentosconsecutivos, justapostos ou paralelos.

A nosso ver, a necessidade de assegurar uma EducaçãoSecundária de Qualidade para Todos impões transformaçõesprofundas nas diferentes dimensões da problemática.

Sempre sustentamos que um dos protagonistas-chave paraque se produzam as mudanças necessárias nesse níveleducacional é o docente. Indubitavelmente, este nível deresponsabilidade deve ser acompanhado por um quadro sociale político que lhe assegure as condições necessárias parapoder cumprir com as funções que lhe exigirá esta novasecundária, gerando um clima de valorização e de confiançapor sua tarefa profissional. O enfoque que propomos requerpensar numa formação docente inicial articulada com umaformação em serviço e permanente, alimentadas pela pesquisa;mas, além disso, e simultaneamente, numa política de incentivos,de condições dignas para o desenvolvimento da tarefa dodocente, assim como de espaços de reflexão para trabalharcom seus pares sobre suas práticas. Esta prática reflexiva,sustenta Perrenoud (2001), deve realizar-se porque, nassociedades em transformação, a capacidade de inovar, negociar,regular a prática é decisiva; trata-se de uma reflexão sobre aexperiência, que favorece a construção de novos saberes.

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O centro educacionalconstitui o menor escalãoem que os processos deensino e aprendizagemencontram sua coerência,é a unidade onde é possíveldesenvolver a mudançaem educação

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relação com o saber que sejam adequados para atender àdiversidade de todos os seus alunos, respeitando suascaracterísticas particulares quanto às formas com que seapropriam dos conteúdos e às habilidades que se lhes ensina.Nesse sentido, Ranciere dizia que duas faculdades se põemem jogo no ato de aprender: por um lado, a inteligência e avontade e, por outro, a confiança na capacidade intelectualde todo ser humano.

Diante destes grandes desafios apresentados aos docentes–de procurar ser agentes que facilitem a apropriação dossaberes, acompanhar os alunos para legar-lhes os símbolosda cultura da humanidade, ser modelos de referência naconstrução de identidades–, encontramo-los, no entanto, emmuitos casos, desaparecidos na rotina e sobrecarregados coma tarefa cotidiana, razão pela qual optam, de maneira conscienteou inconsciente, por reproduzir, definitivamente, suas própriasbiografias e rotinizam o seu agir. Seu trabalho, que está sobo escrutínio permanente das autoridades, da comunidade, dospais, da imprensa, dos diretores institucionais, lhes traz muitasvezes mal-estar e estresse profissional. Diante disso, o queacontece na classe se distancia significativamente do quevemos como favorável para o processo de aprendizagem dosalunos dentro dela.

DA CLASSE ao centro educacional...A esse respeito, nos parece oportuno recordar que, a nosso

ver,, o centro educacional constitui o menor elo no qual osprocessos de ensino e aprendizagem encontram sua coerência,é a unidade onde é possível desenvolver a mudança emeducação. O trabalho do docente em sua classe não pode,nem deve, dissociar-se da tarefa que se realiza em todo ocentro educacional, de maneira a estabelecer um projeto.Perrenoud (2001) diz, quanto a isto, que se deveria visualizara instituição educacional como um lugar no qual se visa ademocratizar o acesso aos saberes, a desenvolver a autonomiados sujeitos, seus sentido crítico, suas competências de atoressociais, sua capacidade de construir e defender um ponto devista.

Propor uma formação de docentes de secundária atravésda pesquisa não significa incluir nos planos de formação umanova disciplina, como seria a metodologia de pesquisa, ouassegurar através das propostas a capacidade de pesquisados docentes, sem dúvida necessária mas não suficiente.

Esta proposta que fazemos sobre a possibilidade de pensaruma formação de docentes de secundária a partir da pesquisasignifica buscar uma efetiva interação entre os centros desecundária, as instituições formadoras e a pesquisa. Comodizia Ribeiro (1988), reflete-se assim a necessidade de que atarefa docente requeira um trabalho em equipe, no qual se dêa proposta da docência como uma tarefa de pesquisa coletiva,de produção de conhecimento sobre o ensino e aaprendizagem.

Nas classes das instituições de secundária de nossa região,no entanto, a necessária reflexão para otimizar a formaçãodocente vem sendo postergada, havendo mais preocupaçãoe ocupação com a acumulação de disciplinas e conteúdosnos currículos existentes do que com a descoberta doscaminhos necessários para incentivar nos alunos a curiosidadepara transitar pelos trajetos que lhes permitam relacionar-see apropriar-se dos saberes que são considerados valiosos, oucom a formação de docentes para gerar essas situações.Nossos estudantes necessitam dispor de espaço e tempo parapoder desenvolver suas capacidades e suas potencialidades;necessitam ser escutados, compreendidos, estimulados adesenvolver-se como pessoas; necessitam desenvolver suaauto-estima. E nossos docentes requerem a necessáriaformação para atingir essas metas.

Ao docente, cuja tarefa na secundária tem sidotradicionalmente caracterizada, na maioria dos casos, por “daraula”, pede-se-lhe hoje um papel muito mais abrangente, queinclui sua integração às equipes institucionais para desenvolvero projeto de centro, a preocupação por gerar cenários naclasse que formem em valores, que trabalhem habilidadespara a vida, assim como associar-se a tarefas de inovação epesquisa. Por sua vez, o bem-vindo crescimento da matrículadeterminou que os docentes devam prestar atenção a crianças,adolescentes e jovens com histórias, trajetórias, situações,capacidades e expectativas muito diferentes. Partimos daconvicção, como faz Frigerio, que é possível discutir a noçãode destino, que devemos erradicar a popular concepção deque há crianças e jovens incapazes de estabelecer uma relaçãoconstrutiva com o conhecimento, incapazes de re-criar acultura. Mas, para isto, é fundamental contar com docentesque pesquisem e procurem levar à classe os modelos de

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Precisamos de centros educacionais que sejam capazesde recolher e de oferecer uma proposta educacional dotadade unidade de critérios com base nos acordos alcançadosentre todos os protagonistas da tarefa que se leva adiante. Osucesso desta unidade implica, em primeiro lugar, uma novaconcepção do currículo da secundária, superando suaestruturação com base na justaposição de disciplinas, assimcomo do próprio trabalho docente no seio do centroeducacional, superando posturas fortemente arraigadas naeducação média (trabalho solitário), para dar passagem a umtrabalho de equipe e grupal. Hoje em dia está muito claro queos espaços de aprendizagem ampliaram-se. Todo centroeducacional constitui um grande ambiente de aprendizagem,e esta realidade impõe talvez uma nova definição do queentendemos por classe. A “classe de aprendizagem” deveriaser reconceitualizada com relação a espaço, a tempo e aatores envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem.

Estudos sobre a qualidade da educação que se oferecenas instituições deixam claro que os fatores que se associama ela não são unicamente os resultados acadêmicos dos alunos,mas que se deve levar em grande consideração o compromissodas pessoas que constituem a comunidade educacional (muitasvezes mais importante que os recursos didáticos ou as boasinstalações). A importância deste “fator institucional” pode sercompreendida quando comprovamos que pode serintermediário entre a situação de partido do aluno e seusresultados, marcando a diferença no destino de um jovem ese dirigindo para a igualdade. Dentro desse “fator institucional”,hierarquizamos tudo que se relaciona com os processosinstitucionais e os processos de classe, mas, muito em particular,com as pessoas que têm a ver com esses processos (docentes,diretores, pessoal de apoio), com seus vínculos, com seu

compromisso, com sua capacidade para gerar um ambientede aprendizagem rico e estimulante, com sua força para liderarprojetos educacionais que tendam a formar os alunosrespeitando sua diversidade, sob todos os aspectos: conteúdosacadêmicos, estratégias de aprendizagem, atitudes e valores.

Neste sentido, temos podido apreciar, em nossas análisesem instituições de educação secundária, que há fatoresdeterminantes na formação de nossos jovens e seus sucessos;entre eles, as atitudes que se valorizem neles dentro do colégio,o clima que percebem, as expectativas de seus docentes comrelação a seus sucessos, os níveis de participação que lhesé permitido, os recursos que se põe à sua disposição, os níveisde acompanhamento dentro da instituição, as expectativas ea participação que percebam de suas famílias.

Pelo contrário, os estabelecimentos de educação secundáriativeram enormes dificuldades para conseguir essa culturainterna, assim como uma necessária unidade e coesão, já quetêm sido visualizados e vividos tradicionalmente como lugaresde trânsito para os professores e, para os alunos, como umasucessão de disciplinas com professores diferentes, cada umdeles com formações diferentes, exigências e modalidadestambém muito diferentes. As pesquisas trouxeram com totalclareza provas de que melhorar as aprendizagens nasinstituições educacionais da secundária implica mudar essamodalidade de trabalho por outra que aponte para a coerênciada proposta e que atenda aos elementos que fazem o climae a cultura do centro.

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Deve-se levar muito emconta o compromisso daspessoas que constituem acomunidade educacional

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Professores e alunos devem desenvolver um sentido depertença com respeito ao centro educacional; reconhecer quesão parte integrante de uma equipe e que cabe a eles geraro clima mais adequado para melhorar os resultados dasaprendizagens de todos os jovens que aí estão, assim comopara proporcionar aos docentes e diretores a motivação queprovém da percepção sobre o bom desenvolvimento profissionale pessoal. O centro de educação secundária deveria constituir-se, então, num centro de formação, no sentido amplo do termo– intelectual, social, profissional e humano: formação de seusalunos através da formação permanente de seus docentes.

PARA ALÉM de dar aula...Pelo exposto, para docentes que desenvolvam sua tarefa

neste espaço formativo, esta deverá transcender o simples“dar aula” para atender também outros aspectos que analisamose que poderíamos sintetizar nos seguintes pontos:

Participação na elaboração do projeto educativo-didáticodo centro, com o fim de tomar decisões curricularespertinentes. A participação nesta tarefa tende a assegurara superação da idéia do professor consumidor do currículopela de um professor elaborador do currículo para essecentro educacional.Participação em ações de pesquisa educacional e didática,que lhe permitirão analisar a complexidade da construçãodos conhecimentos por parte dos alunos.Preparação de atividades de aprendizagem que surjamnaturalmente do meio social do aluno e que devem serdesenvolvidas num ambiente afetivo adequado. Esteplanejamento também é uma tarefa de equipe.Planejamento conjunto, com seus colegas e com a equipede direção, que leve em conta a explicitação e realizaçãode tarefas apropriadas para a educação em valores dosalunos, que os sensibilize para uma convivência solidárianuma cultura com propensão para a paz.

Estes são alguns dos elementos que a pesquisa apontoucomo muito valiosos para conseguir melhorar não apenas asaprendizagens dos alunos, mas também o compromisso dosdocentes e seu desenvolvimento profissional e pessoal, razãopela qual devem ser levados em conta na hora de definir aformação dos mesmos.

Nossa proposta de usar as contribuições da pesquisa paradefinir as estratégias de formação dos docentes deve levarem conta essas funções que deve desenvolver. Mas tambémdevemos levar em consideração a situação real em que seencontra o professor e o modelo de competência profissionala que aspira (Marchesi, Martin, 1998). Estas estratégias, dizemesses autores, têm mais possibilidades de modificar a práticados professores se apresentarem as seguintes características:

Partirem das necessidades e das preocupações dosprofessores.Relacionarem as novas propostas com o conhecimentoprévio do professor.For possível discutir as novas idéias em grupo.Houver um processo de prática seguida de avaliação,reflexão e nova prática.Utilizarem diferentes enfoques, entre os quais ocupa umpapel importante a observação do trabalho de professorescompetentes e a avaliação da própria prática.Se aprender através da reflexão e da solução de problemas.Se relacionar a formação dos professores com o progressodas escolas e com o tipo de cultura que é dominante nelas.

Este último critério põe em relevo, como vimos, que acompetência docente supõe outras dimensões de seudesenvolvimento profissional: as condições nas quais sedesenvolve sua tarefa e o clima, organização e a cultura docentro educacional onde trabalha.

Consideramos que as instituições formadoras de docentese os tomadores de decisões a nível do sistema educacionaldeveriam levar em conta todos estes elementos que abordamosneste documento na hora de resolver sobre uma mudança naformação dos professores.

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Haverá muitas mudançaspor introduzir, mas, semdúvida, uma das maistranscendentais deveocorrer na cultura dadocência de secundária e sebasear em tornar efetivo ofato de que não se trata deENSINAR um determinadoconhecimento, mas deEDUCAR através dele

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aguerrondo, I. Y Braslavsky, C. (2002). Escuelas del futuro en sistemaseducativos del futuro. ¿Qué formación docente se requiere? BuenosAires, Educación-Papers Editores.

Braslavsky, C. (1999). Rehaciendo escuelas. Hacia un nuevo paradigmade la educación latinoamericana. Buenos Aires, Santillana.

Frigerio, G. Y Diker, G. (comp.) (2003). La educación discute la nociónde destino. Infancias, adolescencias. Teorías y experiencias en elborde. Coleção Ensayos y Experiencias. Co-edição FundaciónCem/Ediciones Novedades Educativas, Buenos Aires.

Macedo, B. Y Katzkowicz, R. (2001). Educación secundaria: balancey prospectiva. OREALC/UNESCO Santiago.

Marchesi, A. y Martín, E. (1998). Calidad de la enseñanza en tiemposde cambio. Madrid, Alianza Editorial.

Perrenoud, P. (2001). La formación de los docentes en el siglo XXI. EnRevista de Tecnología Educativa (Santiago de Chile).

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Ranciere, J. (2004). El maestro ignorante. Barcelona, Laertes.

Tedesco, J.C. (1995). El nuevo pacto educativo: educación,competitividad y ciudadanía en la sociedad moderna. Madrid, AlaudaAnaya.

A concepção de uma educação permanente deveria orientar-nos a repensartanto a organização do sistema educacional como a formação de seus docentes.Cada vez se torna mais evidente que se requer um novo paradigma educacionalque, superando as restrições do atual, seja capaz tanto de saldar as dívidas dopassado quanto de dar respostas mais adequadas às necessidades do futuro(Tedesco, 1995).

Se estamos convencidos de que nossos adolescentes merecem uma educaçãoque lhes ofereça as oportunidades de aprender a viver juntos, de desenvolver umconceito positivo de si mesmos, de adquirir as competências, as destrezas e osconhecimentos que lhes permitam tomar decisões, de ter acesso de maneira críticae autônoma à informação, de se relacionar com seus pares, com os demais e comseu meio-ambiente, de interpretar o mundo em que vivem, agir, interagir e se integrarnele, e definitivamente aprender a continuar APRENDENDO, devemos analisar asmudanças da secundária de maneira integrada e decidida. Há muitas mudançaspor introduzir, mas, sem dúvida, uma das mais transcendentais deve ocorrer nacultura da docência da secundária, e se baseia em tornar efetivo que se trata nãode ENSINAR um determinado conhecimento, mas de EDUCAR através dele.

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A liderançadocente na

construção dacultura escolar

de qualidadeUm desafio de ordem superior

Mario UribeChileno. Acadêmico, membro do programa de educação,

área de Gestão Escolar de Qualidade, Fundação Chile.

CONTEXTOA Reforma Educacional empreendida na

maioria dos países da América Latina desdeo princípio dos anos 90 foi uma dasprioridades da agenda política dos paísesque se comprometeram com ela. Melhorar aigualdade e prover uma educação sensívelàs diferenças, que discrimine em favor dosmais pobres e vulneráveis; melhorar aqualidade do ensino, aumentar as exigênciase focalizar a atenção nos resultados daaprendizagem; profissionalizar o trabalhodocente; descentralizar e reorganizar agestão educacional e oferecer maisautonomia às escolas; fortalecer a instituiçãoescolar para oferecer melhor capacidade deoperação e maior responsabilidade por seusresultados; foram essas as linhasfundamentais que, com ênfase diferenciada,adotaram os governos da região.

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Dois eixos desta reforma devem ser destacados: o relacionado com os temasde direção de instituições educacionais e os que abordam questões deaperfeiçoamento docente.

O primeiro implicou o desenvolvimento de linhas de trabalho relacionadas como fortalecimento das capacidades de gestão e avaliação de resultados. O segundofomenta o desenvolvimento profissional dos docentes e as políticas de incentivos.Também nesses anos incorporaram-se ao vocabulário habitual dos diretoresconceitos como o da prestação de contas (accountability) e o da liderança diretora.

A mais de uma década do início da reforma, sabemos que sua implementaçãonão foi homogênea e que seus resultados foram muito diferentes em cada país 1.Entre os fatores relevantes a considerar numa primeira análise comparada, estáo nível de compromisso dos governos, as situações de estabilidade político-institucional ou mesmo o nível de envolvimento dos atores (stakeholders) 2; entreeles um de importância estratégica para o sucesso de qualquer reforma: osprofessores. Sua participação. nas definições fundamentais da reforma em geral.Foi marginal, de baixo impacto e reativa em muitos casos, porque, na maioria dasexperiências, a reforma dos anos 90 foi abordada a partir de uma perspectivamais institucional, onde se modificaram aspectos relativos à legislação, a conteúdose metodologias, ao modelo de financiamento, à gestão e administração dos sistemaseducacionais. A conseqüência disso é que muitas dessas mudanças nãoconseguiram modificar práticas tradicionais, como se havia planejado, e “continuaramobedecendo a velhos modelos incorporados na cultura e subjetividade dosdocentes” 3.

Nesse quadro, e reconhecendo a disparidade dos ambientes em torno daescola latino-americana, o artigo apresenta uma seleção de referências bibliográficasfundamentais, que pretendem orientar nos conceitos-chaves através dos quaisseja possível reconhecer os aspectos que possibilitem o desenvolvimento daliderança entre os docentes. Ou seja, que possibilite gerar as condições paraconseguir um ambiente de trabalho que promova uma cultura de participaçãoefetiva dos professores, para atingir o sucesso e a melhoria de sua própria atividadee dos objetivos declarados no projeto educacional da instituição escolar.

Trata-se, então, de que o conceito de liderança não se circunscrevaexclusivamente às equipes diretoras, como tradicionalmente se estabelece. Estaênfase, embora dependa em alguma medida das variáveis estruturais e legais dossistemas educacionais de cada país, fundamentalmente –como se verá– se sustentana forma e no sentido de realizar as atividades na própria instituição escolar e, porisso, tem a ver com uma realidade e âmbitos de ação mais próximos, de vontade,de resolução e de controle mais direto.

1 “Reforma Educativa en América Latina – Balancede una década”. Marcela Gajardo. PREAL,Cuadernos de Trabajo Nº 15, pp.47-48.

2 “El proceso de diseño e implementación de unareforma.” 2004. Cristian Cox. Documento detrabalho de mestrado em Direção e GestãoEscolar de Qualidade. Fundação Chile/Universidade del Desarrollo 2004. Faz-sereferência ao fato de uma peça-chave nodesenho de políticas é a “análise de atores eseus interesses” (stakeholders analysis),entendendo como atores o conjunto deindivíduos, grupos, instituições, organizações,que têm interesse na política educacional e queinfluem na definição dessa política.

3 “Algunas dimensiones de la profesionalizaciónde los docentes. Representaciones y temas dela agenda política.” Emilio Tenti F. Coordenadorda Área de Diagnóstico e Política Educacionaldo IIPE-UNESCO. Publicação do mesmoorganismo – Buenos Aires, 2003 e RevistaPRELAC No 0, agosto 2004.

O conceito de liderançanão se circunscreveexclusivamente àsequipes diretoras,como tradicionalmentese estabelece

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CONCEITOS FUNDAMENTAISe estudos associados

Faremos uma distinção inicial entre gestão e liderança 4.Enquanto a gestão se ocupa de enfrentar a complexidadeprópria das organizações modernas, a liderança enfrenta asmudanças necessárias para projetar a organização numambiente dinâmico.

A escola do século XXI define-se como uma organizaçãoaberta à comunidade; em conseqüência, seus diretores eprofessores não podem apenas administrar a gestão dainstituição escolar sem dar-lhe uma orientação e uma visãode médio e longo prazo.

A seguir, um quadro comparativo estruturado segundoas definições de Kotter:

Gestão e liderança são dois métodos de ação diferentese complementares. Cada qual com sua função e atividades.Ambos necessários para o desempenho da organização emambientes mutáveis.

No âmbito das instituições escolares, os estudos maisrecentes demonstraram, através de abundante evidência, oimpacto que produz o exercício de uma liderança adequadana eficácia escolar. Um ponto de destaque nessa liderançaé que, através de uma estrutura de gestão adequada, sepossibilita a participação dos docentes em diferentes âmbitosda gestão escolar. Acontece que estamos sendo espectadorese/ou atores, pelo menos conceitualmente, de uma transiçãoentre uma linha de liderança mais tradicional, denominadatransacional, que mantém linhas de hierarquia e controle (demodo burocrático), e um enfoque de liderança maistransformacional, que distribui e delega 5.

O interessante desse novo conceito é que não só indicauma proposta que pretende melhorar as práticas de liderança,mas também como se entende e se delineia a organizaçãodas instituições escolares.

“Estamos em momentos de reconceituação da liderançaescolar”, afirmava e reconhecia Bolívar há alguns anos 6,seja porque se favorecem enfoques de liderança que induzema entendê-la como um exercício para além do estímulo indutivodos membros da organização, seja porque é descrita comouma qualidade das organizações, mais do que como umaação individual.

4 “Lo que de verdad hacen los líderes.” John P.Kotter. Harvard Business Review – Liderazgo.Ed. Deusto 2002 pp42.

5 “Estratégias para el desarrollo de centroseducativos.” David Hopkins. Professor, Schoolof Education. University of Nottinghanm. O artigoestá em “Dirección participativa y Dirección deCentros..” II Congresso Internacional de Direçãode Centros Docentes. Universidade de Deusto.1996. pp. 386.

6 “Liderazgo, mejora y centros educativos.” AntonioBolivar. Trabalho apresentado na VIII reunião doGrupo ADEME (Assoc iação para oDesenvolvimento e a Melhoria da Escola),ocorrida em julho de 1995 em Madrid. Publicadoem A. Medina (coord.): El liderazgo en educación.Madrid: UNED, 1997, pp. 25-46.

a liderança docente na construção da cultura escolar de qualidade

Gestão(ocupa-se da complexidade daorganização)

Através do planejamento, dosorçamentos, das metas,estabelecendo etapas, objetivos.

A capacidade para desenvolvero plano é através da organizaçãoe da dotação de pessoal.

Assegurar o plano: através docontrole e da resolução deproblemas em comparação como plano original.

Liderança(ocupa-se das mudanças)

Através de fixar uma orientação,elaborando uma visão de futurojunto com estratégias que permitamintroduzir mudanças.

O plano se desenvolve através dacoordenação de pessoas; ou seja,comunicar e tornar compreensívela nova orientação.

Introduz elementos de motivação einspiração para assegurar ocumprimento do plano.

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A liderança é uma forma especialde influência relacionada com aindução de outros a mudarvoluntariamente suas preferências(ações, suposições e crenças) emfunção de tarefas ou projetos

O pesquisador Joaquín Garín 8 reconhece três estágios dedesenvolvimento numa instituição. O nível superior é aqueleonde as organizações “aprendem”, ou seja, são aquelasorganizações que facilitam a aprendizagem de todos os seusmembros e continuamente se transformam a si mesmas. Umadas variáveis determinantes para conseguir esse grau dedesenvolvimento é o nível de implicação ou colaboraçãoprofissional dos que trabalham nela, como se aprecia noseguinte gráfico:

7 Op. cit. 6.8 “Estadios de desarrollo organizativos: de la

organización como estructura a la organizaciónque aprende.” Joaquín Gairin Sallán. III JornadasAndaluzas sobre Organização e Direção deInstituições Educacionais. Granada, 14-17 dedezembro de 1998. Publicada em Lorenzo, M.(coord.) et al. (1999) Enfoques comparados emorganización y dirección de institucioneseducativas . Volume I. Grupo EditorialUniversitário, Granada, pp. 47-91.

Constatemos, então, que este é talvez o núcleo maiscomplexo do trânsito entre os estilos de direção em nossossistemas escolares. Embora a maioria das organizaçõeseducacionais passe lentamente de um estilo de administraçãoe gestão muito hierarquizado (associado à origem e àregulamentação estatal das mesmas) para outro, onde osdiretores escolares são solicitados não apenas a gerir, mastambém a exercer liderança em sua organização, surge agora,reconhecendo o potencial profissional que existe nasorganizações escolares, um tipo de liderança que envolve todaa comunidade docente.

Mas o que significa isto para os diretores? Por acaso implicanão exercer liderança no âmbito institucional? Não, muito pelocontrário. Primeiro, porque o desenvolvimento da liderançainstitucional depende da compreensão das característicasparticulares das “organizações educativas” e de sua inter-relação com o ambiente e, segundo, pela significativa presençado ator docente, que requer orientações estratégicas e liderança,assim como toda a comunidade de membros de umaorganização. O singular, nesta nova concepção, é que se peçaao ator-professor sua contribuição particular à instituição escolar,através do exercício de sua própria liderança.

Embora, nos diz Bolívar, a liderança seja uma forma especialde influência relativa, para induzir outros a mudar voluntariamentesuas preferências (ações, suposições e crenças), em funçãode tarefas ou projetos, agora é preciso estabelecer estruturase processos na escola, que possibilitem um exercício múltiploe dinâmico da mesma; isto é, que, à margem de sua posiçãoadministrativa e de seu papel, existam professores que atuemcomo facilitadores de outros ou que se responsabilizem porprojetos particulares. Nesse sentido, mais do que entendercada professor como um líder institucional, trata-se de que osprocessos e as práticas institucionais que se desenvolvematravés de diferentes linhas de ação relevantes sejam lideradospor diferentes professores.

Como assinala Fullan, citado por Bolívar 7: “Na medida emque a liderança do professorado amplia a capacidade do centroescolar para além do diretor, sua função deve contribuir paracriar condições e capacidade para que cada um dos professoreschegue a ser líder”. De quebra, a ausência desses processospromove uma liderança mais personalizada. Este panoramarepresenta em si mesmo um desafio de envergadura para osdocentes, particularmente no que se refere ao desenvolvimentode suas habilidades e competências profissionais.

A idéia da implicação dos professores é chave para entendera instituição escolar como uma organização que aprende.

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Nas organizações que aprendem, destacam-se doisaspectos-chave: o valor da aprendizagem como base daorganização e o desenvolvimento das pessoas paraimplementar novas práticas na instituição em que trabalham.

Mas Gairín vai além. Considerando o carátermultidimensional e multifacetado da realidade, o foco deatenção e ação do professor será a classe ou a escola. Nosdois espaços está-se submetido a influências internas eexternas, para o que será necessário proporcionar aosprofessores recursos para que, além de transmissores culturais,sejam transformadores a partir do diagnóstico/observação darealidade, ou seja, atores que realizem constantes controlese promovam a crítica sobre a tomada de decisões exigida pelarealidade 9.

O autor conclui que as pessoas não se formam e sedesenvolvem somente para satisfazer os objetivos delimitadose prescritos da organização, mas sim para ampliar sua função,e esclarece que esta nova proposta “pode chegar a questionaraspectos relacionados com a liderança, a tomada de decisõese os mecanismos de controle que se estabelecem” 10. Sobesta nova forma de conceber a organização, é evidente quea liderança tradicional não tem os atributos para responderaos desafios de uma organização que aprende; a modalidadeadequada tem mais a ver com uma concepção de liderançacompartilhada. Esta chave conceitual será explicadaconsistentemente por Peter Senge 11.

A liderança, para Senge, aparece como uma resposta àsexigências atuais de uma gestão pós-burocrática, que secaracteriza pela flexibilidade, adaptabilidade, descentralizaçãoe autonomia das organizações; e que é orientada à resoluçãoautônoma de problemas e, em geral, à presença de muitopoucos níveis hierárquicos na organização.

Para efeitos de nossa análise, as idéias-base querecolheremos de Senge serão as seguintes:

A aprendizagem organizacional é entendida a partir deuma análise sistêmica. Esta proporciona ao observador umaperspectiva holística: “Devemos desenvolver um sentido deconexão, um sentido de trabalhar juntos onde cada parte dosistema afete e seja afetada por outras, e onde o conjunto sejamaior que a soma das partes”12.

Para o sucesso de organizações abertas àaprendizagem, é necessário desenvolver cinco disciplinas,onde a quinta delas será a chave: 1) construir visões

compartilhadas; 2) fomentar o domínio pessoal; 3) melhoraros modelos mentais; 4) aprendizagem em equipe e diálogo;e 5) pensamento sistêmico.

O enfoque de Senge propõe uma mudança na forma deconceituar a gestão, dando uma ênfase especial à liderança,mas não à tradicional concepção de liderança e sim a umaconcepção que se ajuste às necessidades das organizaçõesque aprendem, de tal forma que, como qualidade, a organizaçãogere uma liderança múltipla dos membros e grupos, optandopor uma estratégia de criar “comunidades de lideranças”.

A visão tradicional mais hierárquica ou executiva da direçãode organizações, agora numa organização que aprende, ésubstituída por um enfoque mais horizontal, mais flexível e queinclui a liderança. Não é que não existam líderes, mas agoraserão líderes todos aqueles que sustentem “idéias-guia”: umaespécie de co-líderes (Bennis) 13.

Uma primeira conclusão evidente é o impacto estruturaldesta nova visão sobre as organizações, particularmente emnossa instituição educacional clássica: a escola ou o liceu. Asegunda tem a ver com os novos desafios para os docentes:eles devem desenvolver uma liderança intelectual que lhespermita entrar na conversa e que possibilite cenários futurosde construção de seu ambiente de trabalho. Não é possível,neste caso, pensar num professor dependente e que só cumpreas regras, mas sim num ativo, já que os problemas e desafiosdas organizações de hoje não se resolvem hierarquicamente.dirá Senge, e sim através da combinação de soluções propostaspor diferentes pessoas em diferentes cargos e com formasdiferentes de liderar. Para assumir o desafio, é imperativa arevisão exaustiva da profissão docente, desde sua formaçãoinicial até seu desenvolvimento profissional permanente.

9 Op. cit. na nota 8, pp. 17.10 Op. cit. pp. 7.11 Há uma vasta literatura sobre as questões de

liderança e os estudos de Peter Senge.Independentemente de seu livro-base The FifthDiscipline (Ed. Currency Doubleday, 1990),recomendamos particularmente o artigo “Elliderazgo compartido según Peter Senge”, deAntonio Bolivar, da Universidade de Granada,apresentado no III congresso Internacional sobreDireção de Centros Educacionais, realizado naUniversidade de Deusto em 2000, pp. 459.

12 Senge citado por Bolivar, Op. cit. 11.13 “The end of leadership.” (1999). Bennis citado

por Bolivar. Op. cit. 11.

A ORGANIZAÇÃO QUE APRENDE

A ORGANIZAÇÃO COMO CONTEXTO / TEXTO DE INTERVENÇÃO

A ORGANIZAÇÃO COMO MARCO / ESTRUTURA DO PROGRAMA DE INTERVENÇÃO

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J. Gairín.

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A LIDERANÇAnos processos de melhoria:evidenciando resultados

Proporcionar aosprofessores recursos paraque, além de transmissoresculturais, sejam tambémtransformadores a partirdo diagnóstico/observaçãoda realidade

“Quase todos os estudos sobre efetividade escolar têm demonstrado que aliderança, tanto na primária como na secundária, é um fator-chave.”14. Além disso,nas pesquisas sobre efetividade não surgiu evidência alguma de escolas efetivascom liderança fraca. A pergunta será, então: que tipo de liderança? Sobre isso, aliteratura especializada propõe mais de uma classificação; para nossos propósitos,vamos enfatizar aquela denominada liderança transformacional.

As pesquisas sobre este tipo de liderança se associaram tradicionalmente comestudos sobre qualidade e melhoria em educação. Um pesquisador destacadonesse campo é Bernard Bass (1988) 15, que define a liderança transformacionalcomo “o comportamento de certos diretores que tendem a converter seus professoresem líderes na atividade educacional”. Eles são motivados através do sucesso,desperta-se a consciência sobre a importância dos resultados escolares e se geramaltas expectativas. Bass conclui em sua pesquisa que a peça-chave, nos fatoresque determinam o êxito de um centro educacional, é esse tipo de liderança(transformacional), em oposição à liderança transacional, ou melhor, à falta deliderança, conhecida como direção laissez-faire.

Mais recentemente, outras pesquisas deixaram claro o papel da liderança comochave para atingir os objetivos das organizações educacionais. Recomendamosespecialmente três estudos: o já citado de Sammons, referente às características-chave das escolas efetivas; o vasto estudo de Waters, Marzano e McNulty, queaborda o efeito da liderança diretora nos resultados estudantis 16; e o estudo daUNICEF “Quem disse que não se pode?”, que descreve os fatores que estãopresentes nas “escolas efetivas” chilenas localizadas em setores de alta vulnerabilidadesocial 17.

Vejamos os aspectos mais destacados destes estudos. Entre os 11 fatores queSammons reconhece para as escolas efetivas, o primeiro é a Liderança Profissional,que se caracteriza pela firmeza e determinação dos diretores nos propósitos a serematingidos, sem que isto implique não dar espaço à participação dos docentes. Suaspesquisas demonstraram que os diretores efetivos compartilham responsabilidadesde liderança com outros membros da equipe de funcionários de alto nível e envolvemde maneira mais geral os professores na tomada de decisões.

O estudo de Waters, Marzano e McNulty é um dos meta-estudos mais relevantesde que temos notícia nos últimos tempos sobre o efeito da liderança (2003). Essetrabalho consistiu na condução, por 30 anos, de 70 estudos envolvendo 2.894colégios, cerca de 1,1 milhão de estudantes e 14 mil professores.

14 Características-chave das escolas efetivas.”(1998) Pam Sammons, Josh Hillman e PeterMortimore. México, SEP. (Biblioteca para laactualización del maestro. Serie: Cuadernos).

15 PhD. Acadêmico e pesquisador da Escola deAdministração da Universidade de Binghamton,NY. Citado por Manuel Álvarez Fernández, chefedo Departamento de Formação da Comunidadede Madrid, no artigo “El liderazgo en los procesosde mejora”. La implantación de calidad en loscentros educativos. 2001. Ed. CCS, Madrid. pp.270.

16 “Balanced Leadership: What 30 Years ofResearch Tells Us About the Effect of Leadershipon Student Achievement”, documento de trabajo(McREL 2003) , de Tim Waters, Robert J. Marzanoe Brian McNulty.http://www.mcrel.org/PDF/LeadershipOrganizationDevelopment/5031RR_BalancedLeadershp.pdf

17 “Escuelas efectivas en sectores de pobreza:¿quién dijo que no se puede?” Cristián Bellei,Gonzalo Muñoz, Luz Maria Pérez, DagmarRaczynski. UNICEF, 2004. www.unicef.cl

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a liderança docente na construção da cultura escolar de qualidade

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 113

Consideraram-se 21 responsabilidades associadas à liderança:

Responsabilidades

Cultura

Ordem

Disciplina

Recursos

Currículo, ensino,avaliação

Enfoque (focus)

Conhecimento docurrículo e ensino deavaliação

Visibilidade

Estímulo no cotidiano(recompensa)

Comunicação

Relações com oambiente (outreach)

Incorpora/participa(input)

Afirmação

Relações

Agente de mudança

Otimizador

Ideais/crenças

Monitores/avaliadores

Flexibilidade

Consciência dasituação

Estímulo intelectual

A área na qual o diretor influi…

Os atores envolvidos na atividade escolar compartilham crenças,sentido de comunidade e cooperação.

Estão estabelecidos os procedimentos e rotinas de operação(padronizados)

Procura com que os professores não percam o foco em outros assuntosem questões e em horários em que devem dedicar-se ao ensino.

Oferecem aos professores os materiais e o desenvolvimento profissionalnecessários para uma execução bem-sucedida de seu trabalho.

Está diretamente envolvido (relacionado) com o projeto e aimplementação do currículo, do ensino e das práticas de avaliação.

Estabelece objetivos claros e mantém esses objetivos como prioritáriospara o estabelecimento escolar.

Tem conhecimento sobre o currículo oferecido, sobre os tipos de ensinoe sobre os sistemas de avaliação que se implementam.

Tem um contato qualitativo e interage com os professores e estudantes.

Reconhece e premia os sucessos pessoais.

Estabelece fortes linhas e canais de comunicação com os professorese estudantes.

Representa o colégio frente aos públicos relacionados com o mesmo(stakeholders).

Envolve os professores com o projeto e a implementação de importantesdecisões e políticas a serem colocadas em prática no colégio.

Reconhece e celebra os sucessos do colégio, assim como reconhecefracassos.

Demonstra preocupação por aspectos pessoais dos professores e dopessoal.

Tem a vontade de desafiar e desafia ativamente o status quo.

Inspira e lidera novas e desafiantes inovações.

Comunica e opera a partir de fortes ideais e crenças sobre escolaridade.

Monitora a eficácia das práticas do colégio e seu impacto naaprendizagem dos estudantes.

Adapta seu comportamento de liderança às necessidades de umasituação atual e fica tranqüilo com a dissensão.

Está consciente dos detalhes e do pano-de-fundo na gestão do colégioe usa essa informação para gerir situações ou problemas potenciais.

Assegura-se de que os professores e o pessoal estão a par das teoriase práticas que correspondem a cada um e estão atualizados. Promovee fomenta o diálogo comum em relação a esta questão no colégio.

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98%

A pesquisa demonstra18 que há uma relação muito estreitaentre a liderança e o sucesso dos estudantes. O impacto oumagnitude da influência (expresso como correlação) daliderança no sucesso do estudante foi de .25. Para interpretaresta correlação, os autores convidam a considerar duas escolas,uma denominada A e outra, B, ambas com número similar deestudantes e docentes. As duas demonstram sucessos iguaisnuma prova padronizada e as médias obtidas pelos diretoresnas 21 responsabilidades são iguais. Nos dois casos, essamédia ficou nos 50%.

Isto posto, se consideramos que o diretor da escola Bmelhorou suas capacidades nas 21 responsabilidades porexatamente um desvio-padrão (Figura 1), os resultados dapesquisa indicam que este aumento nas capacidades deliderança se traduz em que o sucesso dos estudantes naescola B aumenta em 10%.

Ou seja, a escola B avançou dos 50% para os 60% emrelação ao que obtém a escola A (Figura 2). Isto representauma diferença significativa no sucesso.

Na pesquisa é possível analisar cada uma das 21responsabilidades e seu impacto nos resultados escolares.De sua leitura, é possível deduzir duas grandes conclusõesadicionais: os pesos ou influências de cada responsabilidademudam de acordo com as circunstâncias e a perspectiva dosatores e, portanto, a determinação e seleção dos “focos” outemas críticos que se vai priorizar é uma das habilidades aserem desenvolvidas pelos líderes. A segunda tem a ver comos aspectos-chave que incidem nos resultados escolares apartir da perspectiva da escola, dos professores e dosestudantes. Este quadro nos permite determinar com maisclareza onde os professores poderiam – como atoresautorizados – estabelecer lideranças definitivas na organizaçãoescolar.

18 Op. cit. na nota 16, pp. 3.

Os líderes promovem a velocidade eprofundidade da mudança, ao mesmotempo em que conservam os aspectosmais significativos da cultura, dosvalores e das normas que são dignosde preservação

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MÉDIA DE SUCESSO DO ESTUDANTE – 50º PERCENTIL

MEDIANA DE SUCESSO DO ESTUDANTE – 60º PERCENTIL

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FIGURA 2.TAMANHO DO EFEITO DA LIDERANÇA NO SUCESSO DO ESTUDANTE

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FIGURA 1.ILUSTRAÇÃO DE UM DESVIO-PADRÃO NAS HABILIDADES DO DIRETOR

2.14 13.59 34.13 13.5934.13 2.14

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68%

95%

Diretor A

Diretor B

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 115

a liderança docente na construção da cultura escolar de qualidade

ARTIGOS RECOMENDADOS:

ANTONIO BOLÍVAR: “Liderazgo, mejora y centros educativos”.Trabalho apresentado na VIII Reunião do Grupo ADEME (Asociaciónpara el Desarrollo y Mejora de la Escuela), em julho de 1995, emMadrid. Publicado em A. Medina (coord.): El liderazgo en educación.Madrid, UNED, 1997.

JAOQUÍN GAIRÍN SALLÁN: “Estadios de desarrollo organizativo: dela organización como estructura a la organización que aprende”.III Jornadas Andaluzas sobre Organização e Direção de InstituiçõesEducacionais. Granada, 14-17 de dezembro de 1998. Publicada emLorenzo, M. e outros (coord.) (1999): Enfoques comparados enorganización y dirección de instituciones educativas. Volume I. GrupoEditorial Universitario, Granada.Atualizado pelo autor em “Mejorar la Sociedad, Mejorando lasOrganizaciones Educativas”. IV Congresso Internacional sobre Direçãode Centros Educacionais.Direção para a Inovação. Universidade de Deusto, pp. 77, 2004.

TIM WATERS, ROBERT J. MARZANO Y BRIAN MCNULTY: “Balancedleadership: what 30 years of research tells us about the effect ofleadership on student achievement” (A Working Paper-McREL 2003).www.mcrel.org/PDF/LeadershipOrganizationDevelopment/5031RR_BalancedLeadership.pdf

UNICEF, pesquisadores Cristián Bellel, Gonzalo Muñoz, Luz MaríaPérez e Dagmar Raczynski.“Escuelas efectivas en sectores de pobreza: ¿quién dijo que no sepuede?”, 2004. Ver o tema Educação, no Centro de Documentaçãodo site da UNICEF (www.unicef.cl).

19 Op. cit. na nota 16, pp. 6.20 Op. cit. na nota 17, pp. 59.

Escola, práticas docentes e fatores dos alunos queincidem nos resultados escolares19

Escola 1. Currículo viável e garantido.2. Retro-alimentação efetiva e objetivos desafiadores.3. Pais e comunidade envolvidos.4. Ambiente ordeiro e seguro.5. Profissionalismo e companheirismo (trabalho em equipe).

Professor 6. Estratégias de instrução.7. Gerenciamento da sala de aula (classroom management).8. Plano curricular da aula (planejamento de aulas).

Aluno 9. Ambiente doméstico.10. Inteligência aprendida/conhecimentos anteriores.11. Motivação.

Provavelmente, a parte mais interessante do estudo é aconstatação de que, em matéria de liderança, não há verdadesou padrões definitivos de ação. Muito pelo contrário, o conceitode um equilíbrio adequado, ou equilíbrio entre conhecimentoe habilidades, é o que deve imperar. A direção eficaz significamais do que simplesmente saber o que fazer, é tambémreconhecer quando é mais adequado e porque é necessáriofazê-lo. Os líderes promovem a velocidade e a profundidadeda mudança e, ao mesmo tempo, conservam os aspectosmais significativos da cultura, valores e normas que são dignosde preservar. Sabem quais políticas, práticas, recursos eincentivos devem ser estabelecidos e como devem serordenados de acordo com as prioridades da organização.

O estudo da UNICEF 20 ratifica, para escolas de altavulnerabilidade social, o que se disse acima e conclui queaquelas que conseguem resultados notáveis em seu ambientesão as que apresentam “líderes e autoridades percebidoscomo tais (...), com a experiência necessária para o fazer,tanto no plano pedagógico como institucional”. Uma das razõesfundamentais que explicam os bons resultados alcançadospelas escolas estudadas é o exercício da liderança técnico-pedagógica. O estudo conclui categoricamente que, “semimportar quem realize esse trabalho, sempre existe a figurado professor dos professores”, que guia seus pares.

Os dois estudos refletem o fato de que os líderes entendeme avaliam os profissionais da organização, conhecem-nos ecriam os ambientes propícios para as aprendizagens, promovema participação e proporcionam o conhecimento, as habilidadese os recursos necessários.

Como conclusão, considerando o variado e complexocontexto escolar latino-americano, as bases conceituais quenos mostram a tendência para um tipo de organização fundadona aprendizagem de suas comunidades, com estruturas eformas mais participativas de gestão, e as reiteradas evidênciasde que o fator liderança é determinante na criação de culturasde qualidade, torna-se evidente que tanto diretores comoprofessores deverão desempenhar papel de líderes em seusrespectivos âmbitos. Não será uma via sem complexidades,já que implica uma mudança significativa na culturaorganizacional. Para ambos, o sucesso de assumir o desafiocom um bom desempenho não só dependerá de sua vontadeou do mandato de outros, mas em grande medida do alto graude competências e habilidades profissionais que seránecessário que desenvolvam.

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Bem-estare saúde

A AMBIVALÊNCIADA PROFISSÃO DOCENTE:mal-estar e bem-estarno exercício do ensino

DOCENTEJosé M. Esteve

Espanhol. Catedrático da Universidade de Málaga, Espanha.

A profissão docente é sempre uma atividade ambivalente. Apresenta-nos, comono mito de Janus – o de duas faces –, uma porta aberta pela qual podemos entrarou sair. Por um lado, o ensino pode ser vivido com otimismo e se converter numaforma de auto-realização profissional, já que nela podemos dar sentido a toda umavida. Não é má coisa repassar as páginas de nossa pequena história pessoal eperceber que queimamos os anos a ensinar a viver a milhares de crianças com asquais, em nossas classes, compartilhamos a curiosidade para descobrir o mundo:esse jogo fascinante de inquietudes e perguntas com as quais nós os iniciamos noconhecimento das melhores descobertas e dos piores erros acumulados em 30séculos de cultura.

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No entanto, não é possível esconder a outra face da profissão docente: umaprofissão exigente, às vezes fisicamente esgotante, sujeita sempre ao juízo de umpúblico que, com suas perguntas, nos põe à prova, não só em nossos conhecimentosmas também em nossa própria coerência pessoal. Uma profissão que exige paciênciae, sobretudo, humildade; na realidade, ser professor é estar sempre a serviço daaprendizagem de nossos alunos e não é fácil aceitar que a cada ano se parte dozero, que você vai completando 40, 50, 60 anos... e que eles têm sempre a mesmaidade, erram sempre no mesmo conceito e lhe fazem sempre as mesmas perguntas.

Às vezes, somos assaltados pela impressão de que não estamos fazendo nada;que as tarefas se repetem, como no mito de Síssifo, e que todos os seus esforçossão inúteis. Para ilustrar essa face amarga da profissão docente, contarei umaanedota: no princípio deste curso, pedi a meus alunos universitários que levantassema mão os que alguma vez tinham visto um professor ou uma professora sair chorandoda classe. Nada menos que 72 alunos, de um grupo de 110, levantaram a mão.

No entanto, embora tenha duas faces, a moeda é a mesma; para ver a faceamável basta esconder a face amarga. Falar de mal-estar docente é apenas umexercício para esclarecer o que deve ser deixado por baixo, para que brilhe a facedo bem-estar. Quando utilizei em 1985 a expressão mal-estar docente como títulode um livro que ainda hoje continua sendo reeditado 1, queria expressar desde acapa a primeira causa que nos afasta da face amável da profissão docente: a faltade reflexão sobre o sentido de nossa profissão e, em conseqüência, o desejo dedesempenhar papéis impossíveis, que nos conduzem irremediavelmente à auto-destruição pessoal.

Com efeito, se pensamos nisso, nos damos conta de que a palavra mal-estarimplica um componente semântico de indeterminação. Quando alguém diz que estádoente, quer dizer que tem febre, dor de cabeça e de garganta, e que não tem outraopção senão ficar na cama. No entanto, quando alguém nos diz que tem um mal-estar, quer dizer que sabe que não está bem; mas que, ao mesmo tempo, nãoconsegue identificar por quê não está bem. E, na verdade, é isso que ocorre coma maioria dos professores que sofrem na profissão docente. Sabem que não estãobem, mas não são capazes de fazer um diagnóstico preciso sobre o quê precisaser curado, para acabar com seu o mal-estar e melhorar a sua situação. A primeirapolítica de confronto com o mal-estar docente está nos enfoques da formação inicialdo professorado. Em muitas ocasiões, esta se fundamenta numa visão idílica daprofissão docente, que não prepara os futuros professores para enfrentar asdificuldades reais que encontrarão em seu trabalho cotidiano nas classes. Aconstrução do bem-estar docente passa necessariamente por um período deformação inicial que permita ao futuro professor enfrentar os problemas descritosnas seis seções que se seguem.

1 Esteve, J.M. (2004). El malestar docente.Barcelona, Paidós. Tradução brasileira (1999):O mal-estar docente. São Paulo, EditoraE.D.U.S.C.

Evitar distorções nadefinição do papel do professor

O primeiro problema para sersolucionado por qualquer pessoa quecomeça numa profissão –na docênciaou em qualquer outra– é a dificuldadede definir o próprio papel profissional;ou melhor, definir a própria identidadeprofissional. Ou seja, para ter êxito comoprofessor, a primeira coisa de que umapessoa precisa é encontrar uma respostapessoal e coerente para essas questõesbásicas, que orientam toda atuaçãoposterior: quem somos? Para que vamosà aula? Quais são nossos objetivos? Quesentido tem o que fazemos? Umaresposta clara a estas questões éfundamental: em meus mais de 30 anoscomo professor, vi muitos colegas adesempenhar papéis impossíveis,enfocando seu trabalho de professoresa partir de propostas tão carentes desentido que, desde que os vi, penseilogo que iam passar muito mal no ensinoe, lamentavelmente, poucas vezes meenganei. E o pior desses erros deidentidade profissional é que não apenascausam danos aos alunos, mas também,a longo prazo, o professor que os vivecausa muitos danos a si mesmo.

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bem-estar e saúde docente

Os papéis inadequadosque podem ter os

professores são infinitos

2 Esteve, J.M. (1997). La formación inicial de losprofesores de secundaria. Barcelona, Ariel.

Os papéis inadequados que osprofessores podem desempenhar sãoinfinitos. Tanto, que precisaria de outroartigo para desenvolvê-los; mas, à guisade exemplo, falarei dos mais freqüentes.O primeiro, sem dúvida, é o dos quepensam que, para ser um bom professor,a única coisa que é realmente necessáriaé conhecer profundamente o conteúdoda matéria que vão ensinar. Esse é ocaso tão repetido em que ouvimos osalunos dizerem que alguém sabe suamatéria mas é um péssimo professor.Além de conhecer a matéria que ensina,um professor tem de dominar uma sériede destrezas sociais básicas, que sãoas que nos permitem dirigir a dinâmicade trabalho de um grupo social noespaço da classe.

Até meados do século XX, pensava-se que essas destrezas eram umacaracterística pessoal do candidato aprofessor: uns dotes próprios de certaspersonalidades naturalmente dotadaspara a liderança e, portanto,especialmente dotadas para a profissãodocente. Quem não os possuía, deviamaprendê-los, superando o medo inicial,pelo método bárbaro da tentativa e erro.Agora, no início do século XXI, hásuficiente bibliografia disponível e

pressuposto que aqueles que não sãocapazes de estar à sua altura sãoindignos de continuar os estudos e,portanto, não merecem muita explicaçãocomplementar.

O resultado é que, nas matérias queensinam, os alunos têm de buscaralguma ajuda externa, em seus pais ounoutros professores, para poder continuarsua vida escolar. Em lugar de ajudarseus alunos a aprender, convertem-seem seletores darwinianos, encarregadosde bom bar os mais fracos. É socialmenteinaceitável que, ao entregarmos a umprofessor um grupo de alunos que atéagora foi bem, o professor que nos digaque só dois ou três são dignos decontinuar estudando. Quem eles queremenganar? Querem que acreditamos queuns rapazes e moças que mantiveramuma excelente qualificação média nosanos anteriores de repente se tornaramtodos tontos? Por quanto tempo nossasociedade lhes concederá o direito debom bar nossos jovens, sem fazer nadapara ajudá-los? Este papel só pode serdesempenhado por um tempo limitado;a violência encoberta e a injustiça queestes professores geram acaba porexplodir-lhes na cara mais cedo ou maistarde.

métodos específicos para desenvolverna prática essas destrezas sociais; deforma que podemos afirmar que se podeensinar a ser bom professor aosprincipiantes que dominam uma matériade ensino, sem os expor a umaacumulação de erros que os façamcomeçar seu trabalho no ensino a partirde um sentimento de fracasso que podemarcá-los para sempre 2. O professorque domina sua matéria mas não dominaa dinâmica da aula, mal tem opções deviver a face amável da profissão docente:os problemas cotidianos de indisciplinasão especialmente destrutivos doequilíbrio pessoal do professor.

O segundo papel inadequado quemais freqüentemente encontramos entrenossos professores é o de seletor social.Professores que se crêem delegadospor alguma divindade vingativa paraexaminar os alunos, decidindo quem ée quem não é digno de receber uma boanota. Para eles, a avaliação, e não oensino, é o elemento que torna grandeo seu trabalho: o momento em quepodem desfrutar do mísero poder que asociedade lhes outorga. O modeloabunda entre os professores desecundária, e ainda mais nauniversidade. Nesse grupo, enquadra-se o desgraçado –é um caso real– querecebe os alunos de primeiro ano comesta saudação: “Espero que vocêstenham muito interesse em estudar estacarreira, porque eu vou me encarregarde acabar com esse interesse”. A partirdesse modelo, dedicam-se a criararmadilhas semânticas nos enunciadosdos problemas; a buscar a variante maisretorcida de uma aplicação, impossívelde encontrar na vida real, para reter omaior número possível de alunos nosexames; e a dar aulas partindo do

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Completarei minha galeria de retratos com um terceiropapel inadequado: o do acadêmico extraterrestre. Trata-se deuma espécie professoral menos danosa para o aluno do queas duas anteriormente descritas, mas, a longo prazo, é danosapara o próprio professor que decide fazer esse papel. Refiro-me aos professores que posam de sérios, baseando suaidentidade no papel de erudito concentrado no permanenteestudo dos mais intrincados detalhes de sua especialidade.O problema costuma ser que esquecem qualquer contato coma realidade, perdendo as vias de comunicação com algunsalunos que não vivem em seu mundo. É muito importanteestudar, mas, afinal, a sociedade nos paga para ensinar asnovas gerações; ou seja, nossa acumulação de saber assumeseu verdadeiro sentido na comunicação com os alunos. Nãopodemos enclausurar-nos num mundo de alfarrábios ebibliotecas que nos faça perder o contato com a realidade.Nosso papel é o de atuar como intermediários entre o saberacumulado numa especialidade científica e os jovens que seaproximam para aprendê-la.

No entanto, a partir desse papel de erudito, algunsprofessores se refugiam no mundo dos livros até acabarperdendo contato com os alunos; ou, pior ainda, com o restodos companheiro e com a própria realidade. Sempre defendique o ensino deve ter como primeira referência um professorque domine profundamente a matéria que explica, já que deveoferecer a seus alunos uma síntese do melhor que estudou,do melhor que se publicou em sua matéria e de sua própriaexperiência pessoal; mas isto não pode nos fazer esquecerque acumulamos o saber ao comunicá-lo. Portanto, muitas denossas horas de estudo só adquirem seu sentido autênticoquando são oferecidas a nossos alunos para ajudá-los em suaaprendizagem, orientando seu estudo e sua forma de ver amatéria que ensinamos a partir das chaves que nós levamostantos anos para descobrir. Para ser professor, tão importantecomo descobrir essas chaves são o desejo e a paixão porcomunicá-las.

Definir os objetivosde nosso papel docente

Para ajudar os futuros professores a refinar sua própriaidentidade profissional, evitando o mal-estar docente, não meocorre melhor caminho do que recorrer à minha própriaexperiência pessoal. Já me referi a ela num artigo anterior 3,mas não encontro outra forma melhor de explicar os elementosque é preciso integrar na construção de uma identidadeprofissional que nos permita viver com alegria nossa profissão.

Era sua vida pensare sentir e fazerpensar e sentir

Como quase todos os professores de minha geração, eucomecei no ensino com altas doses de ansiedade; talvezporque, até poucos anos atrás, ninguém nos ensinava a serprofessores e tínhamos que aprender nós mesmos, por tentativae erro. Ainda me lembro com vergonha da insegurança domeu primeiro ano como professor. Ainda me lembro do medode que se acabasse a matéria que eu tinha preparado paracada aula, de que um aluno me fizesse perguntascomprometedoras, de que perdesse uma folha das minhasanotações e não pudesse continuar com a aula... Ainda melembro da tensão diária para aparentar um academicismosério, para aparentar que tudo estava sob controle, paraaparentar uma sabedoria que eu estava longe de possuir...

Logo, com o passar do tempo, corrigindo erros e afinandoo positivo, pude abandonar as aparências e ganhei a liberdadede ser professor: a liberdade de estar na classe com asegurança em mim mesmo, com um bom conhecimento doque se pode e do que não se pode fazer numa aula; a liberdadede dizer o que penso, de ensaiar novas técnicas para explicarum assunto, de mudar formas e modificar conteúdos. E, coma liberdade, chegou a alegria: a alegria de me sentir útil paraos outros, a alegria de uma alta avaliação do meu trabalho, aalegria por ter escapado da rotina, convertendo cada aulanuma aventura e num desafio intelectual.

Os objetivos de minha identidade profissional pegueiemprestados de Unamuno, o velho reitor da Universidade deSalamanca, autor de uma necrologia de Giner de los Ríos, lidapor acaso no boletim da Instituição Livre de Ensino. Unamunorecordava o magistério de Giner com estas palavras:

“Era tão homem e tão mestre, e tão pouco professor – oque professa algo –, que seu pensamento estava em contínuae constante marcha, melhor ainda, conhecimento... e nãoescrevia o já pensado, mas pensava escrevendo como pensavafalando, pensava vivendo, porque sua vida era pensar e sentire fazer pensar e sentir” 4.

3 Esteve, J.M. (1998). ‘Laaventura de ser un maestro’Cuadernos de Pedagogía. 266,fevereiro, pp. 46-52.

4 Unamuno, Miguel. (1917).Comentário. Boletín de laInstitución Libre de Enseñanza,p. 60.

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“Sua vida era pensar e sentir e fazer pensar e sentir”...Miguel de Unamuno e sua preocupação em entrelaçarpensamento e sentimento... Nunca encontrei uma definiçãomelhor do trabalho do professor: dedicar a própria vida apensar e sentir, e a fazer pensar e sentir; as duas coisas juntas.Muitos colegas, nas diferentes etapas do ensino, coincidemneste ponto. Maria Carmen Díez, a partir da escola primária,expressa assim sua visão atual do ensino: “Agora entendo aescola como um lugar onde vamos aprender, ondecompartilhamos o tempo, o espaço e o afeto com os demais;onde sempre haverá alguém para surpreender-te, paraemocionar-te, para dizer-te ao ouvido algum segredomagnífico”5.

Fernando Corbalán, a partir do ensino das matemáticasna secundária, além de nos dizer que na aula temos de nosdivertir, buscar a ânsia de saber e propiciar uma atmosfera depesquisa, conclui: “E não se pense que só se abre a mentedos alunos. Também a do professor se expande e se enchede novos matizes e perspectivas mais amplas, e funciona arelação enriquecedora nos dois sentidos. Minha experiência,pelo menos, me diz que alguns dos jogos e problemas comos quais trabalhei, e continuo trabalhando, tiveram sua origemna dinâmica da aula. E quando se cria essa atmosfera mágicaem aula, com os fluídos intelectuais em movimento, há poucasatividades mais prazerosas” 6.

5 Díez, M.C. (1998). Número monográfico.Cuadernos de Pedagogía. 266, fevereiro.

6 Corbalán, F. (1998). Número monográfico.Cuadernos de Pedagogía. 266, fevereiro.

Há tempos descobri que o objetivo último de um professoré ser mestre de humanidade. A única coisa que importa mesmoé ajudar nossos alunos a se compreenderem a si mesmos ea localizar o sentido de sua vida e de sua profissão no contextodo mundo que os rodeia. Para isso, não há outro caminhosenão resgatar, em cada uma de nossas aulas, o valor humanodo conhecimento. Todas as ciências têm em sua origem umhomem ou uma mulher preocupados em desemaranhar aestrutura da realidade. Alguém, algum dia, elaborou osconhecimentos de cada tema da matéria que você ensinacomo resposta a uma preocupação vital. Alguém, sumido nadúvida, inquieto por uma nova pergunta, elaborou osconhecimentos do tema que amanhã você tem de explicar.

O objetivo último deum professor é sermaestro de humanidade

bem-estar e saúde docente

© UNESCO/Dominique Roger

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E agora, para fazer com que seus alunos aprendam aresposta, você não tem outro caminho senão resgatar a perguntaoriginal. Não tem sentido dar respostas a quem não fez apergunta; por isso, a tarefa básica do docente é recuperar asperguntas, as inquietudes, o processo de busca dos homense mulheres que elaboraram os conhecimentos que agorafiguram em nossos livros. A primeira tarefa é criar inquietude,descobrir o valor do que vamos aprender, re-criar o estado decuriosidade no qual se elaboraram as respostas. Para isso háque abandonar as profissões de fé nas respostas organizadasdos livros, há que voltar o olhar de nossos estudantes para omundo que nos rodeia e resgatar as perguntas iniciais,obrigando-os a pensar.

A cada dia, antes de explicar um assunto, preciso perguntar-me que sentido tem que eu me ponha diante de um grupo dealunos para falar desses conteúdos, e me pergunto o que lhesestou oferecendo, o que espero conseguir. Em seguida, mepergunto como enganchar o que eles sabem, sua experiência,o que viveram, o que lhes pode preocupar, com os novosconteúdos que vou introduzir. Por último, lanço-me um desafio:tenho de me divertir ao dar a aula e isso é impossível se todosos anos repito a aula sobre esse assunto como um salmo, coma mesma piada no mesmo lugar e os mesmos exemplos; tenho32 anos como professor, ouvindo-me dar aulas; em algumasocasiões, repetindo essas aulas duas ou três vezes em gruposdiferentes; calculei que me aposento no ano de 2021 e estoucerto de que vou morrer de tédio se me ouço ano após anorepetindo a mesma coisa, com meus papéis cada vez maisamarelos e com as margens carcomidas.

A renovação pedagógica, para mim, é uma forma deegoísmo: independentemente do desejo de melhorar aaprendizagem de meus alunos, eu a necessito como umaforma de me encontrar vivo no ensino, como um desafio pessoalpara investigar novas formas de comunicação, novos caminhospara fazer meus alunos pensarem... “pensava falando, pensavavivendo, porque sua vida era pensar e sentir e fazer pensare sentir...”. Desse ponto de vista, o ensino recupera a cadadia o sentido de uma aventura que resgata você do tédio e doaborrecimento, e então você encontra a liberdade de expressarem aula algo que lhe é muito querido. A resposta é imediata:seus alunos mordem a isca da sua palavra e então você podedeixar correr a linha, modulando o ritmo da explicação segundoa freqüência que eles emitem com seus gestos e suasperguntas, e a hora passa num instante – também para eles.E então você descobre a alegria: esse momento de magia lherecompensa as horas de estudo e lhe faz sentir útil no ensino.

Não tem sentido dar respostas aquem não fez a pergunta; por isso,a tarefa básica do docente érecuperar as perguntas, asinquietudes, o processo de buscados homens e mulheres queelaboraram os conhecimentos

Não melhor presente dos deuses do que encontrar ummestre. Às vezes, temos a sorte de encontrar alguém cujapalavra nos abre horizontes antes insuspeitos, nos confrontacom nós mesmos, rompendo as barreiras de nossas limitações;seu discurso resgata pensamentos pressentidos, que não nosatrevíamos a formular, e inquietudes latentes, que estalam comouma nova luz. E, curiosamente, não nos sentimos humilhadospor seguir o curso de um pensamento alheio; pelo contrário, odiscurso do mestre nos liberta e nos expande, criando em nósmesmos um juízo paralelo com o qual reestruturamos nossaforma de ver a realidade; e, em seguida, extinta a palavra, aindaencontramos os ecos que ressoam em nosso interior, obrigando-nos a ir mais além, a pensar por nossa conta, a extrair novasconclusões que não estavam no discurso original. Este é oobjetivo: ser mestres de humanidade. Através das matérias queensinamos ou, talvez, apesar das matérias que ensinamos,temos de recuperar e transmitir o sentido da sabedoria; resgatarpara nossos alunos, da manhã da ciência e da cultura, o sentidodo fundamental, permitindo-lhes entender-se a si mesmos eexplicar o mundo que os rodeia.

Falei de meus precários inícios no ensino e de minha visãoatual após mais de 30 anos de percurso profissional; mas, paraajudar outros a percorrer o mesmo caminho, devo agora falardo processo intermediário e, inevitavelmente, das dificuldadesa driblar. Vejamos os problemas fundamentais que temos desolucionar.

Refinar a própria identidade profissional

O primeiro problema, como vimos, consiste em elaborar asua própria identidade profissional. Isto implica mudar amentalidade do professor debutante, a partir da posição doaluno que sempre foi, até descobrir em que consiste ser professor.E aqui aparecem os primeiros problemas, porque há pessoasque não aceitam o trabalho de ser professor. As dificuldadescostumam ser diferentes para uns e outros professores.

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7 Fernández Cruz, M. (1995). Los ciclos vitales delos profesores. Granada, FORCE.

8 Corbalán, F. Ibíd.

Para alguns, o pior problema é aidealização: enfrentam o ensino com umaimagem idealizada em que predominamas idéias sobre o que o bom professor“deve fazer”, o que “deve pensar” e oque “deve evitar”; mas sem esclarecerem termos práticos como atuar, comoenfocar os problemas de forma positivae como evitar as dificuldades maiscomuns. Aprenderam, mal ou bem, osconteúdos de ensino a transmitir, masnão sabem como organizar uma aula,nem como ganhar o direito a ser ouvido.Assim, aceitaram por dentro, como dogmade fé, a importância da motivação paraa aprendizagem significativa: “O bomprofessor deve motivar seus alunos”; masninguém se preocupou com queaprendesse de forma prática dez técnicasespecíficas de motivação. Por essescaminhos, ao chegar ao trabalho práticodo ensino, o professor novato se encontracom o fato de que sabe claramente qualé o modelo do professor ideal mas nãofaz idéia de como torná-lo realidade. Sabeclaramente o que deveria fazer em aula,mas não sabe como fazer. “O choquecom a realidade” dura dois ou três anos;nele, o professor novato tem de solucionaros problemas práticos que implica entrarnuma classe, fechar a porta e ficar a sóscom um grupo de alunos. Nestaaprendizagem por tentativa e erro, umdos piores caminhos é o de quererresponder ao retrato-robô do “professorideal”; os que tentam descobrem aansiedade de comparar, todos os dias,as limitações de uma pessoa de carne eosso com o fantasma etéreo de umestereótipo ideal. Desse ponto de vista,se as coisas vão mal é porque eu nãopresto, porque eu sou incapaz de dominara classe; e, assim, os professores novatospõem-se a si mesmos em questão e, àsvezes, cortam os canais de comunicaçãocom os companheiros que poderiam

ajudá-los: como reconhecer na frente dosoutros que eu tenho problemas com meuensino, se o “bom professor” não “deve”ter problemas em aula? Como assinalaFernández Cruz 7, a identidadeprofissional se alcança pela consolidaçãode um repertório pedagógico e por umperíodo de especialização no qual oprofessor novato tem de voltar a estudartemas e estratégias de classe, agora doponto de vista do professor prático e nãodo estudante universitário.

Para outros professores, o problemada identidade profissional é muito maisgrave. Como assinala Fernando Corbalán,“a imensa maioria dos professores nuncativeram uma vocação clara para ensinar...Estudamos uma carreira para outra coisa(matemático profissional, químico,físico...)” 8. Com efeito, nossos professoresde secundária se formam em faculdadesque, em muitos casos, não pretendemformar professores. Nelas,freqüentemente, predomina o modelo dopesquisador especialista. Como resultadodesse modelo, o professor que começaa dar aula tem de reorganizar osconhecimentos especializados em quese formou na universidade, pensando emensiná-los. E, neste ponto, em muitasocasiões, considera-se que umaaprendizagem específica não énecessária, já que se pressupõe que osimples domínio de uma matéria permiteter sucesso ao ensiná-la.

Ao que parece, ninguém se pôs apensar no problema de identidade quesobrevém a nosso professor novatoquando sai da universidade e enfrentauma classe repleta de estudantes queestão bem longe de sentir entusiasmopela matéria que ele deve explicar. Osentimento de erro e de auto-comiseraçãose apodera de alguns de nossosprofessores e, às vezes, perdura até ofinal de sua vida profissional. Ele é um

pesquisador, um especialista, umdiplomado pela universidade, que passoudois verões numa biblioteca preparandosua tese entre documentos originais quepoucos são capazes de decifrar... Porque o obrigam agora a ensinar históriageral? E, além disso, descobre horrorizadoque os alunos não têm o menos interessepela matéria que deve ensinar e quetemas-chave de sua especialidade –comoo apaixonante tema de sua tese– sãodespachados com dois parágrafos namaioria dos livros escolares. Paraculminar, nosso futuro professor se dáconta de que não sabe como organizaruma classe, como conseguir um mínimode ordem que permita o trabalho e comoganhar a atenção dos alunos. Aqui, oproblema de refinar uma identidadeprofissional estável passa por umautêntico processo de reconversão, noqual o elemento central é compreenderque a essência do trabalho do professoré estar a serviço da aprendizagem dosalunos. Que duro é compreender istopara a maior parte dos nossosprofessores! Eles são pesquisadores,especialistas, químicos inorgânicos oufísicos nucleares, medievalistas ouarqueólogos – por que vão rebaixar seusníveis de conhecimento para o nível damentalidade de um grupo deadolescentes bárbaros? Há que mantero nível! –gritam, exaltados–, e issosignifica, na prática, que dão aula paradois ou três privilegiados, enquanto oresto dos alunos vai se desligando. E,além disso, até o fim de seus dias, viverãoo ensino remoendo a afronta de que asociedade os obrigue a abandonar oOlimpo da universidade para ensinar umgrupo de adolescentes.

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Um professor é umcomunicador, um

intermediário entre aciência e os alunos

9 Sobre os estudos dos códigos de comunicaçãoe interação em sala de aula, uma boa síntesepode ser encontrada em: Esteve, J.M. (1997).La formación inicial de los profesores desecundaria. Barcelona, Ariel. Os métodos deInoculação de estresse e de aprendizagem dehabilidades sociais em situações simuladas nosoferecem soluções práticas e confiáveis paraenfrentar esta tarefa no processo de formaçãoinicial de professores. A descrição das técnicasmencionadas foi traduzida para vários idiomas.Vid.: Esteve, J.M. (1989). ‘Training teachers totackle stress’. En: Cole, M. & Walker, S. Teachingand stress. Londres, Open University Press.Esteve, J.M. (1988). ‘Strategies cognitives poureviter le malaise des enseignants: L'inductiondu stress et la désensibilisation systématique’.Education (Bélgica). 213, decémbre, pp. 9-17.Também se publicou um vídeo em que seapresentam estas técnicas. Cópias do vídeopodem ser solicitadas ao Serviço de Tecnologiade Imagem. Parque tecnológico. Universidadede Málaga. 29071 Málaga, España.

Em contraposição, outros professores conseguem satisfazer-se com seu trabalho e descobrem que isto passa,necessariamente, por uma atitude de serviço em relação aosalunos, pelo reconhecimento da ignorância como o estadoinicial previsível, por aceitar que a primeira tarefa é despertaro desejo de saber, por aceitar que o trabalho consiste emconverter o que você sabe em algo acessível para um grupode adolescentes... Meu velho mestre universitário, nos meusprimeiros anos de trabalho na Universidade de Madrid, medizia que ensinar a quem não sabe está catalogado oficialmenteentre as obras de misericórdia; e, com efeito, falta um certosentido de humildade para aceitar que se trabalho consisteem estar a serviço de outrem, em responder a perguntas semos humilhar, em esperar algumas horas antes de partir parao caso de alguém querer uma explicação extra, em buscarmateriais que tornem acessível o essencial e em recuperarlacunas de anos anteriores para permitir-lhes ter acesso anovos conhecimentos.

A única coisa verdadeiramente importante são os alunos...Essa enorme empreitada que é um sistema educacional nãotem como finalidade nosso brilho pessoal; nós estamos aí paratransmitir a ciência e a cultura às novas gerações, para transmitiros valores e as certezas que a humanidade foi reunindo como passar do tempo e para advertir as novas gerações sobreo alcance de nossos grandes fracassos coletivos. Essa é atarefa com a qual temos de conseguir identificar-nos.

Dominar as técnicas de interação ecomunicação na classe

O segundo problema a ser solucionado para ganhar aliberdade de estar satisfeito em aula refere-se a nosso papelde interlocutores. Um professor é um comunicador, umintermediário entre a ciência e os alunos, que precisa dominaras técnicas básicas da comunicação. Além disso, na maiorparte dos casos, as situações de ensino se desenvolvem emgrupo, exigindo dos professores um domínio das técnicas decomunicação em grupo. Portanto, esse processo deaprendizagem inicial, que agora se faz por tentativa e erro,tem que melhorar, levando o professor debutante a entenderque uma aula funciona como um sistema de comunicação einteração. Uma boa parte das ansiedades e dos problemasdos professores debutantes está centrada neste âmbito formaldo que se pode e do que não se pode dizer ou fazer numaaula. O professor novato descobre logo que, além dos

conteúdos de ensino, precisa encontrar algumas formasadequadas de expressão, nas quais os silêncios são tãoimportantes como as palavras, nas quais o uso de umaexpressão castiça pode ser simpático ou pode jogar-nos nomais espantoso dos ridículos.

O problema não consiste apenas em apresentarcorretamente nossos conteúdos, mas também em saber escutar,em saber perguntar e em distinguir claramente o momento emque devemos abandonar a cena. Para isso, há que dominaros códigos e os canais de comunicação, verbais, gestuais eaudiovisuais; há que saber distinguir os diferentes climascriados no grupo de aula pelos diferentes tons de voz que oprofessor pode usar: um tom grave e pausado induz o grupoà reflexão, enquanto que, se queremos animar um debate,devemos subir um pouquinho o tom de voz, etc. Os professoresexperimentados sabem qual o lugar físico que devem ocuparnuma classe, dependendo do que ocorra nela; sabem interpretaros sinais gestuais emitidos pelos alunos para regular o ritmoda aula, e o domínio destas e de outras habilidades decomunicação requer treinamento, reflexão e uma constanteatitude de autocrítica para depurar nosso próprio estilo docente9. No final, conseguimos ser donos de nossa forma de estarna classe, conseguimos comunicar exatamente o que queremosdizer e conseguimos manter uma corrente de empatia comnossos alunos.

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O elemento centralconsiste emcompreender quea essência do trabalhodo professor é estara serviço daaprendizagemdos alunos

Capacidade de organizara classe com uma ordemprodutiva

Outro obstáculo sério a superar, talvezo que gere nos novatos a maioransiedade, é o problema da disciplina.Na verdade, é um problema muito ligadoa nossos sentimentos de segurança e anossa própria identidade comoprofessores. Nesse assunto, vi de tudo:desde colegas que entram no primeirodia de aula pisando forte, com ares dedono do bairro, porque alguém lhes deuo velho conselho de que só pode sorrirno Natal; até colegas desprotegidose indefesos, incapazes desuportar o mais

mínimo conflito pessoal. Entre esses doisextremos, que vão desde a falta de defesaaté as respostas agressivas, o professortem de encontrar uma forma de organizara classe para que trabalhe com uma ordemprodutiva. E, quando começa a fazê-lo,descobre que isso tampouco lhefoi ensinado.

Supõe-se que o “bom professor” deve saber organizar aclasse, mas em poucas ocasiões contou-se ao futuro professoronde fica a chave para que o grupo funcione sem conflitos.A velha máxima, segundo a qual “para ensinar uma disciplinaa única coisa realmente importante é dominar seu conteúdo”,encontra neste campo sua negação mais radical. Então oprofessor descobre que deve realizar outras tarefas diferentesde ensinar: tem que definir funções, delimitar responsabilidades,discutir e negociar os sistemas de trabalho e de avaliação,até conseguir que o grupo trabalhe como tal. E isso requeruma atenção especial à qual também se deve dedicar umcedrto tempo. O raciocínio e o diálogo são as melhores armas,junto com a convicção de que os alunos não são inimigos dosquais você tem de se defender. Minha experiência me diz queos alunos são seres essencialmente razoáveis; é possível que,se você deixar, eles tentem amolecer você e baixar umpouquinho seus níveis de exigência, mas se a razão lheacompanha e nela você baseia a sua própria segurança, osalunos sabem descobrir muito bem quais são os limites.

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© UNESCO/D

ominique Roger

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SAÚDEdocente

10 Sobre a diversificação do trabalho docente e osnovos desafios da nossa profissão diante dasmudanças sociais e da nova sociedade dainformação se pode consultar: Esteve, J. M.(2003). La tercera revolución educativa.Barcelona, Paidós. Tradução brasileira: A terceirarevolução educacional. São Paulo. EditoraModerna.

Adaptar os conteúdos do ensino ao nível de conhecimentosdos alunos

Por último, resta-nos o problema de adaptar os conteúdos do ensino ao nível deconhecimentos dos alunos. O professor novato tem de entender que está a serviçodos alunos, tem de se desprender dos estilos acadêmicos da universidade ou daescola normal, e adequar seu enfoque dos conhecimentos para torná-los exeqüíveispara sua classe. Eu também protesto pelo baixo nível no qual chegam meus alunos;mas protestar não serve para nada; são esses os seus alunos e com eles só há umaalternativa: ou você os engancha no desejo de saber ou você os vai deixandojogados no chão à medida em que avança com suas aulas. Há quem, parasalvaguardar o nível do ensino, adote a segunda opção; mas para mim isso semprepareceu o reconhecimento implícito de um fracasso; talvez porque, como disseantes, faz tempo que descobri que, em qualquer disciplina, a única coisa importanteé ser mestre de humanidade. Aprender a diversificar nossos níveis de ensino é oúltimo desafio no qual se baseia a eficácia de um professor que pode estar feliz eorgulhoso de seu trabalho 10.

Quando a formação inicial de nossosprofessores não consegue preparar ofuturo professor para responder aosproblemas reais das situações de ensinoque deverá enfrentar; quando nãoconsegue ensinar-lo a analisarcorretamente as forças que movem umgrupo de alunos como grupo social;quando não consegue formar reaçõesadequadas aos diferentes climas pelosquais transita uma aula ao longo dotempo, o professor começa a acumularinseguranças e a perceber suainadequação para responder àsexigências da profissão que escolheu.

Se, além disso, ocorre que, noprocesso de formação inicial, fizeram-no interiorizar um modelo de “professorideal” ao qual não pode corresponder,é freqüente que o professor debutantenão possa reconhecer perante seuscolegas que tem problemas nas classes,

já que “o bom professor não temproblemas nas classes”. Recorre-se,então, a um esforço para ocultar e negaros problemas profissionais, que acabacortando os canais de comunicação comcompanheiros mais experimentados queo poderiam ajudar. Ao seguir estemecanismo psicológico, fundamentadono conflito narcisista de quem temproblemas mas não pode comunicá-lospara não reconhecer diante dos outrosque não é um “bom professor”, o novatoacrescenta aos seus problemas reaisuma nova fonte de ansiedade: o medode ser desmascarado, o medo de queos outros descubram que tem problemasem suas aulas. Por esta via, o professordebutante fecha para si mesmo oscaminhos para receber ajuda e parasolucionar alguns problemas, que vãoapenas acumular-se até colocar emperigo seu próprio equilíbrio pessoal.

No entanto, não podemos pensar,simplesmente, que das situações demal-estar docente derivam situações dedesequilíbrio pessoal que afetam a saúdedo professor. Antes de chegar a esseúltimo extremo, o professor utiliza umaampla gama de mecanismos de defesa,que podem lhe oferecer um equilíbriosuperficial durante bastante tempo. Oprimeiro mecanismo de defesa, utilizadona Espanha, segundo nossas pesquisas,por nada menos que 22% doprofessorado, é o enfoque da profissãodocente a partir de uma postura deinibição, na qual se corta qualquer

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11 A palavra inglesa burnout poderia ser traduzidaliteralmente como “sair queimado”. A síndromedo professor queimado tem tantas referênciasna bibliografia utilizando o termo burnout quepreferi manter a palavra em inglês sem traduzí-la.

12 Esteve, J.M.; Franco, S., y Vera, J. (1991). ‘Lasalud de los profesores’. Cuadernos dePedagogía. 192, maio, pp. 61-67.

implicação pessoal com o ensino. Comefeito, o primeiro mecanismo de defesaconsiste em recorrer à rotina no trabalhoe decidir que nada do que ocorra naclasse o no centro de ensino vai afetá-los. Desta forma, a atividade se reduzao mínimo: só se trata de sobrevivercada dia até que soe a campainha, e desobreviver cada trimestre até quecheguem as férias. Como os boxeadores,quando já sabem que não vão ganhar aluta: refugiam-se em seu córner, levantama guarda, tentam evitar os golpes eesperam que soe o gongo.Evidentemente, a qualidade de seutrabalho é mínima; mas, ao se cortar oenvolvimento, corta-se também apreocupação e, durante algum tempo,consegue-se manter o equilíbrio pessoalnegando os problemas e recorrendo aosmecanismos de inibição. Sem dúvida édifícil que esse mecanismo de defesafuncione a médio ou longo prazo.Segundo os estudos de nossauniversidade, isso acaba afetandoseriamente o equilíbrio pessoal dosprofessores; de fato, 4,5% dosprofessores que o empregavam estavamseriamente afetados em sua saúdemental.

Quando o mecanismo de inibição jácomeça a balançar e se acrescenta aele o medo de ser desmascarado, osprofessores recorrem a toda uma sériede mecanismos adicionais que seincluem nesse conceito de mal-estardocente ou síndrome de burnout 11 eque permitem manter equilíbrios cadavez mais instáveis antes de seremafetados por um problema real de saúde.Entre as manifestações de burnout maisfreqüentes podemos citar: os pedidosde transferência como forma de fugir desituações de conflito, o desejo manifestode abandonar a docência (embora nãose possa realizar), o absenteísmo no

trabalho, reiterado como mecanismopara aliviar a tensão acumulada, oesgotamento físico permanente, aansiedade da expectativa (o professorespera ter problemas embora realmentenão os tenha), estresse, depreciação doeu (sentimentos de culpabilidade dianteda incapacidade de dominar o ensino)...Uma vez que o professor tenhapercorrido essas etapas, finalmente nosencontramos com situações dedesequilíbrio pessoal que já afetamclaramente a saúde do professor:ansiedade como estado permanente,associada como causa-efeito a diversosdiagnósticos de doença mental; neurosereativa e depressões.

Falar da saúde dos professoresrequer estabelecer vários matizesprévios. A saúde dos professoresdepende das condições de trabalhodeles; portanto, conforme mudam ascondições de trabalho, é previsívelesperar mudanças nos indicadores desaúde docente. As tendências que seenumeram a seguir foram elaboradas apartir do trabalho de pesquisa sobresaúde docente feito na Universidade deMálaga com todos os professores deprimária e de secundária da provínciade Málaga, num total de 8.312professores, durante um período de seteanos 12.

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Incidência dosproblemas de saúde

por nível escolar

Incidência daslicenças médicas

por sexo

Idade médiados professores

em licença médica

A longo dos sete anos estudados, vimos consolidar-se a diferença entre osprofessores do ensino primário e os do ensino secundário, observando-se maiorincidência de licenças médicas entre os professores de ensino primário.

Efetivamente, ao longo dos sete anos estudados, o porcentual de professoresde primário, sobre o total de seu grupo, que vão pedir licenças médicas dispara de6,77% até 21,31%; ou seja, registra um aumento porcentual de 14,54 pontos, comdiferenças claramente significativas sobre os professores de secundária, que, nomesmo período, só registram um aumento porcentual de 4,17 pontos, passando deuma incidência de licenças médicas de 5,36% a 9,53%. Definitivamente, pode-seconcluir que os professores de ensino primário são mais afetados pelas licençasmédicas do que os do ensino secundário; se bem que se pode considerar apossibilidade de que o sistema de controle das ausências é diferente no ensinosecundário e pode estar encobrindo um certo porcentual de licenças médicas, quenão ficam registradas ou são cobertas por companheiros sem que fique nenhumregistro delas. Outro elemento diferenciador entre os dois níveis escolares é a maiorpresença de mulheres no ensino primário em comparação com o secundário, existindomaior incidência de licenças médicas no grupo de mulheres, como veremos naseção seguinte. Esta diferença se justifica por uma tendência que se repete emqualquer outro grupo profissional: ao se comparar dois grupos profissionais, hásempre mais deterioração da saúde no grupo que tem piores condições de trabalhoe salários.

As mulheres aparecem significativamente mais afetadas pelas licenças médicasao longo dos sete anos estudados. No início do nosso estudo, registrava-se umporcentual de licenças médicas de 7,86% entre as mulheres contra 4,92% entre oshomens, e ao longo do período estudado essas diferenças só se acentuaram, comas licenças médicas no grupo de mulheres crescendo 13,04 pontos contra umcrescimento de apenas 6,05 pontos no grupo dos homens. Para evitar vieses nascomparações, não se incluíram nas estatísticas os dados correspondentes àslicenças-maternidade.

Estudando as diferenças por sexo em cada um dos diagnósticos em que seregistram as licenças médicas, observamos que esta tendência se mantém nasdiferentes causas para pedir licença médica, com exceção das doenças digestivase cardiovasculares, nas quais encontramos maior incidência porcentual no grupode homens. Esta tendência poderia estar relacionada com os diferentes hábitosalimentares dos dois sexos, já que o consumo freqüente de álcool é superior emhomens.

A idade média dos professores em licença médica registra mínimas variaçõesao longo dos sete anos estudados. Situava-se nos 40 anos no início do nosso estudoe baixou ligeiramente para 39,8 anos no final da pesquisa, só 0,2 pontos abaixo dosdados obtidos sete anos antes. Nosso estudo não considerou a idade distribuindoa população em grupos diferenciais para o estudo desta variável.

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Duração médiadas licenças médicas dos professores

A duração média das licenças médicas evolui em sentidoclaramente descendente ao longo dos sete anos estudados.No início do nosso estudo, as licenças médicas registradastinham uma duração média de 41 dias; depois de subir a 44dias em média no ano seguinte, a tendência é de redução nosanos que se seguiram, situando-se ao final em 26,45 dias deduração média, sendo este valor o mais baixo registrado nossete anos estudados.

Sobre esta questão caberia o comentário de que, ao queparece, o aumento do controle sobre as licenças médicas dosprofessores, com uma progressiva intervenção da inspeçãomédica, pode ser um dos elementos decisivos na queda daduração média das licenças médicas. Com efeito, a inspeçãodas licenças médicas leva a que se faça sempre uma petiçãooficial de licença médica em doenças de curta duração, casosem que, anteriormente, bastava fazer um telefonema ao centroeducacional, avisando que não se ia comparecer, cobrindo asaulas por um acerto entre companheiros. Este mesmo fenômenopode estar introduzindo alguns vieses no aumento do númerode licenças médicas que estamos comentando em todas asseções anteriores. Particularmente, no aumento do número deprofessores em licença médica e dos dias perdidos em licençasmédicas, os fortes aumentos registrados nos sete anoscontrolados neste estudo incluem um certo viés produzido peloaumento do controle sobre as licenças médicas dos professores,já que temos de levar em conta que nas estatísticas dosprimeiros anos apenas se incluíam licenças médicas produzidaspor doenças de longa duração.

Diagnósticos mais freqüentes nas licenças médicasNa hora de considerar os quadros patológicos mais

freqüentes entre os professores, deve-se levar em conta oproblema médico da classificação dos diagnósticos.Comparando os dados que obtivemos na Inspeção Médicade Málaga com outros estudos publicados, observam-seimediatamente não apenas diferenças na classificação dosdiagnósticos mas também nos critérios de controle das licençasmédicas e na classificação delas numa ou noutra seção.

No entanto, na hora de tirar conclusões, estas coincidementre os estudos disponíveis. Utilizando o critério do númerototal de dias perdidos por licenças médicas registradas em

cada diagnóstico, as mais importantes são as baixastraumatológicas, as otorrinolaringológicas e as psiquiátricas,nesta ordem. Esses dados aparecem quase na mesma ordemnos sete anos estudados. Embora as baixas ginecológicasnão associadas com as licenças-maternidade apareçam emalguns anos em terceiro ou segundo lugar, sempre muitopróximo das três primeiras e com notável diferença do restodos diagnósticos.

Tornozelos torcidos, laringites e depressões aparecemcomo os diagnósticos mais freqüentes em suas respectivasseções.

As mulheres aparecemsignificativamente mais afetadasnas baixas por doença

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13 Hembling, D.W., y Gilliland, B. (1981). ‘Is therean identifiable stress cycle in the school year?’.The Alberta Journal of Educational Research.27, 4, pp. 324-330.

* Nota da Tradutora: o autor refere-se ao anoescolar no hemisfério norte, que principia emsetembro (trimestre do outono) e é seguido pelostrimestres de inverno (dezembro, janeiro,fevereiro), primavera (março, abril, maio) e verão(junho, julho, agosto), sendo este Otílio,geralmente, um trimestre de férias.

Os ciclos de estressee sua relação com as licenças médicas

Em El malestar docente (1994) já se considerou a hipótese da influência doaumento da tensão psicológica sobre as licenças médicas dos professores. A partirdos trabalhos canadenses de Hembling e Gilliland 13 (1981), nos quais pareciamidentificar-se alguns ciclos de estresse ao longo do ano letivo, observou-se adistribuição mensal das licenças médicas dos professores em gráficos de três picos,que reproduziam a estrutura dos trimestres, e nos quais o número de licençasmédicas ia subindo conforme avançavam os trimestres, para descer nos períodosde férias.

O fato de que as licenças médicas baixem nos períodos de férias trimestraispoderia ser devido à existência de um certo viés, produzido porque nos períodosde férias muitos professores não solicitam a licença médica porque não precisamir ao centro de trabalho. O ritmo normal das altas, somado a este fenômeno, poderiaproduzir a queda, claramente visível nos gráficos, correspondente aos períodos deférias.

O estudo desses gráficos ao longo de sete anos reproduz, em termos gerais,estas figuras de três picos, embora tenhamos observado que a presença de qualquerredução do ritmo normal das classes, como uma greve, ou a presença de umasemana extra de férias, produzem alterações na configuração dos gráficos, cortandoa tendência de aumento das licenças médicas dos professores ao longo do trimestre.

No entanto, o fato mais significativo a considerar, para confirmar a hipótese darelação entre os ciclos de estresse ao longo do ano letivo e a distribuição mensaldas licenças médicas, seria o aumento das mesmas nos começos de trimestre, atéque um período de férias venha interromper o ritmo de acumulação da tensão e,conseqüentemente, o aumento do número de licenças médicas.

Para rejeitar a hipótese, teríamos que explicar porquê no mês de novembro hámais licenças médicas do que no mês de outubro nos sete anos estudados. Porquêem março há mais licenças médicas do que em fevereiro sempre que os feriadosde Semana Santa não interferem entre um mês e outro. E porquê há mais licençasmédicas no mês de maio do que em abril quando se eliminam as interferências dasférias. Como os feriados de Semana Santa caem em diferentes épocas do ano deum ano para outro, é difícil comparar os segundos e terceiros trimestres dos diferentes

anos estudados. No entanto, nos primeiros trimestres,* que se desenvolvem coma mesma estrutura todos os anos, o aumento das licenças médicas corre paralelocom o desenvolvimento do calendário escolar todos os anos. O estudo realizadopor García Calleja com os dados do Ministério da Educação e da Ciência tambémreproduz a mesma estrutura de aumento das licenças médicas conforme avançamos trimestres escolares.

O fenômeno é complexo e não permite afirmações taxativas, mas a hipótese darelação entre o aumento da tensão nos períodos de trabalho e as licenças médicasé igualmente sustentada pelos estudos realizados em Málaga sobre o absenteísmode curta duração, nos quais se reproduz a figura de três picos, sendo maiores asausências de novembro contra as de outubro, de março contra as de fevereiro e demaio contra as de abril.

ConclusõesPrincipais tendências nosestudos sobre saúde docente

O estudo pormenorizado das sériesestatísticas obtidas pode levar-nos acomentários muito variados sobre aevolução da saúde dos professores,permitindo elaborar algumasrecomendações. Vejamos as maisevidentes:

1. É preciso coordenar e unificar oscritérios de atuação com que operam asdiferentes inspeções médicas em cadacircunscrição, de tal forma que sejapossível a comparação de dados entrediferentes estudos e que se melhore oconhecimento da saúde dos professorese de sua evolução. Qualquer medidacoerente que se venha a adotar devepartir da melhoria das condições detrabalho e dos sistemas estatísticos comque operam as inspeções médicas.

2. Observa-se um aumentoextraordinariamente significativo dasdoenças otorrinolaringológicas, quechegam a afetar 477 professores no finalde nosso estudo, sobre um total de 8.312;no início do estudo, sobre uma populaçãode 6,483 professores, só 45 pediramlicença médica com esse diagnóstico.Isto significa que, com um aumento dapopulação de professores da ordem de28,2%, o aumento das doençasotorrinolaringológicas foi de 960%.

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4. A deterioração da saúde dosprofessores fica patente quando seestuda a evolução das licenças médicasdurante um período de sete anos, comoé o caso de nossa pesquisa. Pareceimprescindível adotar, portanto, medidaspreventivas que interrompam esseprocesso de deterioração,desenvolvendo algumas estruturas deajuda para os professores afetados porlicenças médicas de longa duração noexercício da docência. A intervençãomais evidente deve centrar-se nosprocessos de reabilitação posteriores àslicenças médicas, evitando que estas setornem crônicas, particularmente asproduzidas por diagnósticos depsiquiatria e otorrinolaringologia. Comefeito, neste momento as licençasmédicas só supõem um período derecuperação durante o qual o professorsegue um tratamento médico, mas,devido à inexistência de uma política deprevenção, quando o professor sereintegra na mesma situação de trabalho,com os mesmos problemas, as licençasmédicas se reproduzem e acabam porse tornar crônicas.

Entre as medidas preventivas maisevidentes, organizar cursos de ortofoniapara os professores em licença médicapor problemas na laringe e estabelecerestruturas de ajuda e reabilitação paraos professores em licença médicapsiquiátrica, ou, dependendo do caso,considerar a possibilidade de suareclassificação em postos não docentes,são medidas que, até do ponto de vistaeconômico, podem ser rentáveis pela

3. Constata-se igualmente um forteaumento das doenças mentais dosprofessores. No ano final do nossoestudo, registraram-se um total de 105professores em licença médica pordoenças neuropsiquiátricas –fundamentalmente depressões. Estaslicenças médicas têm uma duraçãomédia de 41 dias por pessoa, o quesupõe uma perda de 4.328 dias detrabalho por essa razão.

Ao se comparar os dados dos anosletivos estudados para determinar astendências dominantes, observa-se umaumento considerável dessas doençasnos anos estudados. Assim, no primeiroano de nosso estudo registraram-se 50licenças médicas neuropsiquiátricas,enquanto sete anos mais tarde o númerofoi de 105 licenças com esse diagnóstico.Isso significa que, com um aumento dapopulação de professores de 28,2%, oaumento das doenças neuropsiquiátricasfoi de 110%. No entanto, convém evitaras informações alarmistas publicadasem alguns meios de comunicação. Sobreo total de professores, esses dadossupõem uma incidência das doençaspsiquiátricas que aumentou de 0,77%no início do estudo para 1,26% no finalda pesquisa. Mesmo contando com aexistência de casos não registrados, osdados reais de incidência de doençasmentais entre os docentes estão em tornode 1,5% ou, na pior das hipóteses, 2%dos professores, muito longe dosensacionalismo dos dados de algunsmeios, que situam as depressões entreos docentes nos 25%.

queda do absenteísmo e pela eliminaçãode muitas situações de licença médicacrônica, nas quais a administração estácontinuamente pagando dois saláriospara cobrir uma única vaga de professor.Assim também, do ponto de vistahumano, não é preciso uma atenção dealta qualidade para reconhecer anecessidade de algumas licençasmédicas de 40 dias de duração paralogo voltar a mandar o professor enfrentara mesma situação que lhe prejudicou agarganta ou as faculdades psíquicas,sem um acompanhamento de seu casoconcreto, em que se avalia se realmenteestá preparado para de novo enfrentaro ensino; ou se, pelo contrário, vai voltara ser afetado por uma situação em queas licenças médicas voltarão a ocorreraté se tornar crônicas.

5. Por último, convém estabelecerprogramas preventivos no período deformação inicial dos professores,estabelecendo sistemas de práticas emsua formação inicial, tais como oPrograma de Inoculação de Estresse ouo Programa de Aprendizagem deDestrezas Sociais, nos quais se prepareo futuro professor para enfrentar assituações potencialmente conflituosascom as quais terá de lidar na prática realdo ensino.

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O ORGULHOde ser professorepílogo:

Necessariamente vou concluir como comecei: mal-estar ebem-estar docente são duas faces da mesma moeda.

No lado do bem-estar docente, conheço professores quecolocam a atenção a seus alunos à frente da própria saúde;e, assim, não deixar de dar aulas por ter febre e agüentam adoença sem ir para a cama, porque não querem falhar comos alunos com que se sentem comprometidos. As tarefas queprogramaram os motivam a comparecer e eles o fazem sempensar que fazem algo de extraordinário.

A primeira chave queconduz à auto-realizaçãono exercício profissionalda docência está naformação inicial

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É possível que muita gente pense que ser professor nãoé algo socialmente relevante, pois nossa sociedade só valorizao poder e o dinheiro; mas minha vida tem sentido porquevalorizo o desafio do saber a paixão por comunicá-lo. Sinto-me herdeiro de 30 séculos de cultura e responsável por quemeus alunos assimilem nossos melhores sucessos e extraiamas conseqüências de nossos piores fracassos. E, junto a mim,vejo um nutrido grupo de colegas que, nas escolas primáriasdas zonas rurais mais afastadas e nas secundárias dos bairrosmais perigosos, estão orgulhosos de ser professores,trabalhando dia a dia para manter em nossa sociedade osvalores da cultura e do progresso. Entre eles, há valiososmestres de humanidade: homens e mulheres empenhados emacompanhar seus alunos nas dúvidas que lhes surgem,conforme vão descobrindo o mundo; homens e mulheresdispostos a ensinar seus alunos a enfrentarem a si mesmosaté encontrarem respostas para essas perguntas fundamentaisque dão qualidade à vida humana.

O último conselho que lhes posso dar para viver a profissãodocente com um sentimento de bem-estar é que se sintamorgulhosos de ser professores; que, à margem da ética dopoder e do dinheiro, acreditem na ética do esforço; pois,embora ninguém saiba apreciar isso do lado de fora, o melhordo nosso trabalho está no espírito de nossos discípulos e omelhor dos salários de nossa profissão é permanecer namemória daqueles a quem soubemos ajudar.

No lado do mal-estar docente, conheço professores queusam qualquer desculpa para faltar às aulas pelo maior tempopossível. A mais mínima inconveniência é esgrimida comoargumento para ficar de cama ou se ausentar do colégio.Mendigam com os médicos uma licença, utilizando comoargumento a insuportável pressão psicológica a que se dizemestar submetidos; exigem períodos de reabilitação alimentadosunicamente por suas queixas e não sentem a menorresponsabilidade por falhar com os alunos e com oscompanheiros que devem cobrir suas ausências.

Não é possível generalizar sobre as posturas dos professoresdiante do mal-estar docente, nem diante da doença. Osprofessores são tão diferentes entre si como qualquer outrogrupo profissional. A primeira chave que conduz à auto-realizaçãono exercício profissional da docência está na formação inicial.É aí que se deve solucionar os seis problemas básicos queenumerei anteriormente. Depois, também tem um papel amentalidade do professor e sua motivação para ensinar. Háprofessores que odeiam as crianças e trabalham no ensinoporque não foram capazes de encontrar nada melhor. Qualquerestratégia de prevenção vai falhar com esse grupo, quedificilmente encontrar satisfação no ensino. Em contraposição,˙á professores capazes de entusiasmar um grupo de alunosdando aulas num estábulo com goteiras. O calor de sua palavraenche de sentido o trabalho do grupo e nem sequer se sentemmal por não trabalhar num lugar mais digno.

Uma das melhores lições sobre o que significa o ensino mefoi dada pelas professores rurais das pequenas escolas dodesfiladeiro de Humauca, no estado de Jujuy, ali por Tilcara,antes de chegar à fronteira de Quiaca, entre Argentina e Bolívia.Por um salário mensal menor do que o preço de uma refeiçãoem qualquer restaurante europeu, elas eram professoras dascrianças, assistentes sociais dos pais, gerentes de saúde públicadas aldeias e, além disso, guardavam uma parte de seu pequenosalário para ajudar as crianças mais desvalidas de suas escolas.E o faziam sem dar a menor importância a isso, convencidasde que era seu dever e de que assim contribuíam para abrir ocaminho de um futuro melhor. Elas tinham a consciência de sero único instrumento de cultura e de progresso com o qual aquelagente podia um dia aspirar a algo melhor. O trabalho deassistência técnica que eu devia realizar lá foi igualmenteambivalente. Eu não pude ensinar-lhes muito; me contive paranão dar palestras sobre minha estúpida tecnologia de primeiromundo e aprendi muito com elas; em silêncio, estudando aqueleprecioso exemplo do que significa compartilhar o saber e sermestres de humanidade numa escola rural.

bem-estar e saúde docente

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Nas últimas décadas, de forma progressiva e sustentada,vêm-se acumulando conhecimentos e pontos de vista sobrea importância que têm as condições de trabalho em que serealiza a prática de docência e o impacto das mesmas sobrea qualidade e as condições de vida dos trabalhadores etrabalhadoras docentes. Para este conhecimento contribuíramdiversas disciplinas da saúde e das ciências sociais.

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no trabalhodocente

Condições detrabalho e saúde

Manuel ParraChileno. Chefe do Serviço de Psiquiatria,

Centro de Diagnóstico e Tratamento,Hospital San Borja-Arriarán, Chile.

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A sociologia contribuiu ao estudar a docência enquantotrabalho, aplicando as categorias desenvolvidas nos estudosde sociologia do trabalho para contextualizar e compreenderintegralmente o vínculo entre trabalho docente-saúde-resultadospedagógicos. Ao enfatizar, a partir da sociologia, o estudo domodo concreto em que se realiza o trabalho docente, aplicaram-se novas perspectivas de análises do mesmo, para colocarem relevo os aspectos do gênero envolvidos numa profissãode composição majoritariamente feminina e as tendências emdireção à precarização do trabalho docente em diversasrealidades geográficas. Também a partir da sociologia forampropostos enfoques críticos com relação aos moldes sobre osquais se construiu o processo de trabalho docente, emergindoum sinal de alerta sobre a capacidade de ajuste desses moldesàs demandas da educação atual.

Na saúde trabalhista e na ergonomia, chamou-se a atençãosobre os efeitos nocivos para a saúde de algumas práticas dotrabalho, com enfoque tanto na pesquisa como na prevençãoda enfermidade profissional; uma de suas principaiscontribuições consistiu em tornar visíveis os riscos específicosdo trabalho docente e de superar o ponto de vista de que setrataria de um trabalho de baixo risco (o qual se baseava numenfoque que só visualiza como problemas o acidente detrabalho e a enfermidade profissional clássica, causada poragentes de risco físicos, químicos ou biológicos).

Na psicologia do trabalho e organizacional pesquisaram-se as conseqüências das práticas trabalhistas e das condiçõesde trabalho no bem-estar psicológico dos docentes, as práticasdefensivas individuais e coletivas para se proteger dessasconseqüências, e se tentou medir os aspectos emocionaisenvolvidos no exercício da docência; algumas de suascontribuições foram a delimitação conceitual e aoperacionalização em instrumentos de medição do que sechamou de “síndrome de burnout” e uma preocupaçãocrescente com as diversas formas que adquire a violência notrabalho no caso das escolas. Também a psicologia estudouem detalhes as formas individuais e coletivas de preservaçãodo bem-estar, num contexto de ameaça e vulnerabilidade.

No presente artigo, revisam-se os dados centrais quecaracterizam as condições de trabalho e saúde dos docentes,com contribuições de vários enfoques disciplinares, sempretender uma revisão exaustiva.

Processode trabalho docente

O processo de trabalho entendido como atividade humanade transformação, dirigida de um objeto, com o uso dedeterminados meios de trabalho para produzir um produtodado, é uma categoria de análise útil para o estudo da relaçãoentre saúde e trabalho. Como a análise do processo de trabalhoé mais visível quando se trata da transformação de matériasprimas em produtos industriais, muito tempo decorreu antesque atividades laborais não industriais fossem vistas eanalisadas como processos de trabalho e especificamenteconceituadas como fatores que podem afetar positiva ounegativamente o bem-estar e a qualidade de vida daquelesque as exercem. Esse foi o caso do trabalho docente.

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condições de trabalho e saúde no trabalho docente

A complexidade dos produtos do processo de trabalho,em que se reconhecem sub-produtos imediatos (ocumprimento das tarefas e metas cotidianas com os alunos)e a médio e longo prazo (atingir o objetivo final de formaralunos dotados de um conjunto de habilidades treinadas,conhecimentos e capacidades).Os tempos do trabalho, em que geralmente se usa umacronometria própria para marcar as partes da jornada e aspausas, e com freqüência uma invasão da jornada detrabalho em todos os tempos do docente, reduzindo odescanso e o tempo livre.A ausência de limites entre a escola como centro de trabalhoe como espaço da comunidade; falta de limites que tambémse observa na invasão do interior da escola pelos problemassociais do entorno, transformando-a, assim, numa parte darede social da comunidade em que está inserida, inclusivepela invasão dos espaços próprios dos docentes.

Na Tabela nº 1 estão representados estes elementos doprocesso de trabalho, cruzados com uma perspectivadimensional do trabalho docente, que o considera a partir domicro espaço constituído pela sala de aula, até o plano maisgeral do ambiente social em que se desenvolve a tarefaconcreta.

Através da representação gráfica enfatiza-se que o processode trabalho docente é complexo e que, no produto final, têmtanta importância os recursos alocados pelo Estado quanto asdinâmicas de conflito que se podem gerar entre grupos informaisdentro da classe, ou os problemas sociais que afetam os alunose dos quais a tarefa docente não consegue abstrair-se.

Assim, destaca-se que o produto final esperado variasegundo a dimensão a partir da qual se observe o processode trabalho e que, na realização do trabalho, intervêmcapacidades do docente que não estão suficientementeapoiadas nos níveis externos à classe (os que se supõe dariamsustentação à tarefa educacional). A última linha representaa dimensão que, embora visível, é a menos reconhecida dotrabalho docente. Pode-se afirmar que é uma atividade queestabelece um diálogo permanente com o sistema social,expressado seja através do sistema educacional, seja atravésde sujeitos sociais (indivíduos, família e comunidade).

No entanto, numa época em que os fluxos e usos dainformação adquirem cada vez mais relevância, faz-se maisclaro também que existe o trabalho com objetos imateriais,que o trabalho com pessoas pode ser analisado em suadimensão de transformação do usuário do serviço e que osprocessos de trabalho apresentam facetas muito maiscomplexas que a imagem do trabalho industrial taylorista; eque os objetos que se transformam podem ser sujeitos comos quais se estabelece uma interação (com todas as vicissitudese transações das interações humanas); ao mesmo tempo, osalunos, sujeitos da ação educativa, o são enquanto indivíduose enquanto grupo coletivo-curso.

Um aspecto que impacta na forma em que se realiza otrabalho docente – com seus conseqüentes efeitos na saúdedos profissionais – é que o posto de trabalho do docente nãocorresponde a um lugar fixo e imóvel; desloca-se de um pontoa outro no micro-espaço que constitui a sala de aulas, mas oprocesso de trabalho não se completa nem se esgota nessemicro espaço. Nem sequer o estabelecimento, geralmentedelimitado fisicamente pelas paredes, consegue confinar oprocesso de trabalho docente; com freqüência, esse labor nãose pode abstrair do ambiente físico e social que rodeia oestabelecimento, e com maior freqüência o trabalho docentesó se completa nos espaços privados dos trabalhadores edas trabalhadoras da educação.

O ponto de vista aqui proposto é que a análise do processode trabalho docente deve considerar:

O grau de criatividade que os docentes podem exercitarno momento de planejar o trabalho educacional concreto,em que, por um lado, está a auto-percepção do grau desuficiência para realizar a tarefa educacional e, por outro,a limitação e/ou exigência imposta pelo currículo.A complexidade do objeto de trabalho – o que se transformamediante a ação do docente –, que, neste caso, é umsujeito no qual se reconhecem as dimensões do indivíduo(aluno) e do coletivo (curso, subgrupos).A complexidade dos meios de trabalho, com uma fortecomponente de meios imateriais que utilizam qualificaçõesformais ou informais do docente, combinados com meiosmateriais em mudança permanente e com a participaçãode sujeitos individuais e coletivos que contribuem com oprocesso educacional (pais, procuradores, centros de paise outros grupos).

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TABELA Nº 1. MATRIZ DE ANÁLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE

Dimensõesdo processode trabalho

Sociedade civil/Comunidade/Bairro

Sistema social

Estabelecimento

Classe

Espaço externoao local detrabalho

Plano de trabalho

Ideologias.Propostas.Expectativas.Problemas e conflitos.

Relações de poderentre atores sociais.Planos e programas.Avaliação.

Plano dos programas.Avaliação.Preparação de classes.

Cumprimento dasobrigaçõescurriculares.Recursos próprios paraimplementarinovações.

Preparação de aulas.

Objeto de trabalho

Condições de vida ede trabalho.Grupos comunitários.Dinâmica familiar.

Determinação delimites etários.Políticas de acesso àeducação.Segmentação deníveis e categorias.

Grupos formais(cursos, oficinas).Grupos informais.

Indivíduos (aluno).Grupo curso.Grupos informais.

Solução de problemase conflitos.Reuniões sociais.

Meios de trabalho

Participação oudistanciamento de tarefaeducacional.Apoio escolar.

Alocação de recursos.Políticas contratuais esalariais. Avaliação dotrabalho.

Distribuição de recursosmateriais.Apoio técnico-pedagógico.Gestão educacional.

Recursos materiais dedocentes e alunos.Recursos emocionais eoutras qualificaçõesemocionais do docente.Recursos sociais dogrupo curso e de alunosindividuais.

Busca de materiais.Capacitação.Reuniões.

Tempo de trabalho

Ano escolar.Suporte social nas férias.Demanda de tempo extra.

Ano escolar.

Gestão de horários,recreios, pausas, reuniões.

Hora pedagógica.Relação tempo/aluno.Tempo de preparação deaulas, revisão de trabalhose provas. Tempo detranslado.

Tempo de preparação deaulas, revisão de trabalhos,provas.Atividades de campo.

Produto do trabalho

Ascensão social.Apoio ao grupofamiliar.

Adaptação àinstitucionalidade.Continuidade deestudos.Capacitação para omercado de trabalho.

Cumprimento demetas.Pontuações.Formatura.

Conhecimentosadquiridos.Hábitos e condutastreinados.Problemassolucionados.

Idem.

Elementos do processo de trabalho

conjunto de elementos culturaissocialmente definidos, constituídos porconhecimentos, valores, condutas,hábitos, atitudes, etc. Este processo épercebido pela sociedade comoessencial para sua reprodução e, paraisso, delega-se tal função a umtrabalhador especializado, o professor.Embora a atividade do professor sejaum complemento do papel da família noprocesso de formação integral das novasgerações, na realidade da sociedademoderna a escola cumpre um papelcentral, assumindo às vezes quase aexclusividade do processo.

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Se só se olha para as linhassuperiores da matriz de análise, éadmissível a noção de que o trabalhodocente consiste fundamentalmentenuma atividade de processamento etransmissão de informações, numsistema social dada e com objetivosdefinidos no resultado do jogo derelações de poder que se dá nasociedade; mas o trabalho concreto naclasse implica muito mais que isso,constituindo uma importante rede desuporte emocional dos alunos, em frágilequilíbrio. O trabalho docente atende auma finalidade de transmissão de um

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perspectiva de compreender o estadode saúde declarado pelos docentes ede propor vias efetivas de promoção eprevenção. Uma visão que só considereo ambiente material imediato em que serealiza o trabalho docente poderá indicasas medidas preventivas clássicas queserviram ao trabalho industrial (de objetostangíveis, normas claras, produtosdefinidos, limites precisos entre fábricae ambiente). Uma visão que considereo complexo e o intangível só comoameaças vai enfatizar o estabelecimentode relações entre trabalho docente emgeral e determinados indicadores dedano, apelando ao modelo dacausalidade direta da enfermidadeprofissional clássica, que deriva dotrabalho industrial.

Compreender oestado de saúdereportado pelos

docentes e proporvias efetivas de

promoção eprevenção

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 139

Em cada uma das dimensões éverificável que o trabalho docente serealiza basicamente sobre a base derelações sociais muito ativas e dinâmicas,onde a linguagem, a comunicação, asnormas têm um papel central. Asqualificações requeridas do docentetornam-se críticas na hora de analisaros indicadores de saúde (ver abaixo);ademais de conhecer a disciplinaespecífica que devem ensinar e dominaras técnicas que favorecem a transmissãomais adequada e a aprendizagem desucesso, o trabalhador e a trabalhadoradocentes têm, em muitos casos, umafinalidade terapêutica, de orientação ede apoio social diante dos problemascotidianos; espera-se que o professortenha noções sobre sexualidade,psicologia, realidade sócio-política,

esportes, atualidade cultural, que manejeas relações sociais com a flexibilidadee a sutileza exigidas por indivíduosdiferentes; deve estar preparado pararesponder com segurança aos múltiplosinteresses dos alunos.

Resumindo, o trabalho docente podeser visto como um processo complexo,onde predominam redes de transmissãode objetos intangíveis (normas,conhecimentos, hábitos, emoções), commúltiplos pontos que podem se situarcomo postos de trabalho, e do qual osdiferentes atores sociais esperamprodutos finais que nem sempreconvergem. Num contexto de mudançada educação pública e da gestão daforça de trabalho docente, adquiregrande relevância o aprofundamento daanálise do processo de trabalho, com a

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A SAÚDEde trabalhadores etrabalhadoras da educação

Quando se analisa a saúde de um grupo determinado detrabalhadores, interessam os dados comuns ao grupo, quesão compreensíveis seja pela forma com que se utilizam ascondições físicas e mentais dos trabalhadores e trabalhadorasdurante o próprio trabalho, seja pela capacidade do trabalhode assegurar uma adequada reprodução (em seus aspectosmateriais e imateriais, nutrição, família, casa, descanso, tempolivre, redes sociais). Quando se observa o processo de trabalhodocente em todas as dimensões assinaladas, também adquirerelevância o grau de invasão do trabalho que se impõe sobreo sujeito, seja invadindo o tempo livre, o espaço familiar epessoal, seja utilizando as qualificações informais do sujeitosem lhes dar valor (nem muito menos remunerá-las).

Na Tabela nº 2 identificam-se os principais perfis de desgasteda saúde com indicadores sugeridos por diversas pesquisas.O conceito de desgaste refere-se a uma diminuição do bem-estar objetivo e subjetivo, que abrange desde o mal estartolerável, mas que se prolonga no tempo e alcança umaintensidade que interfere com algumas funções, até aenfermidade que incapacita e requer hospitalização eeventualmente causa a morte.

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TABELA Nº 2. PERFIL DE DESGASTE DA SAÚDEDE TRABALHADORES E TRABALHADORAS DOCENTES

Dimensão de desgaste dasaúde Indicadores

Desgaste da saúde mental

Desgaste da função vocal

Desgaste do aparelhomúsculo-esquelético

Desgaste de órgãosdos sentidos

Outros indicadores

Indicadores

Nos Estados Unidos, em 1978, o estresse foi fator contribuinte para 23% das licençasmédicas entre educadores (OIT, 1992).Na Argentina, em 1994, a enquete nacional realizada pelo CTERA detecta 25% dosdocentes foram diagnosticados com estresse e 13% com neurose e depressão (Martínez,Valles, Kohen, 1997).No Chile, um estudo de uma mostra representativa de professores, em 2003, constatouque 29,1% deles estavam em depressão profunda e que 23,1% sofriam de transtornosde ansiedade (Colégio de Professores do Chile, s.f.).Nos Estados Unidos, estimava-se, em 1991, que entre 5% e 20% dos docentes sofriamde algum grau de síndrome de burnout (Farber, 2000).Entre 1989 e 1993, 30% dos medicamentos entregues pela segurança social a docentes,no Quebec, estavam relacionados com problemas de saúde mental (Messing et al., 1999).

A enquete de professores no Chile mostra uma taxa de probabilidade de 4,4 para afecçõesvocais, comparados com um grupo de controle (Colégio de Professores do Chile, s.f.)Entre as profissões que uti l izam a voz, os docentes são o grupo que mais precisa deajuda médica por problemas com ela (Jónsdottir et al, 2002)Nos países ocidentais, cerca de 40% dos docentes apresentam problemas da voz(Kosztyla-Hojna et al., 2004).A enquete do CTERA, na Argentina, revela que 33,7% dos docentes sofreram de disfonia(Martinez et al., 1997)Num estudo sobre ruído em salas de aula na Espanha, verif ica-se que os níveis decontaminação acústica não representam risco para a função auditiva, mas dificultam acomunicação, com risco para a voz (Ruiz et al., 2001)

Na Argentina, 15,9% dos docentes já sofreram de lumbago (Martínez et al., 1997).7,3% dos docentes na Espanha faltaram ao trabalho por afecções músculo-esqueléticas(Sevil la, Vil lanueva, 2000).Os professores e professoras do Quebec têm uma baixa proporção de problemas músculo-esqueléticos, mas maior do que a média de outros trabalhadores de serviços em gruposde idade semelhantes (Messing et al., 1997).Em nove períodos de observação ergonômica do trabalho de professoras no Quebec, dedez minutos cada um, registrou-se que elas caminham 43% do tempo e que permanecemde pé a maior parte do tempo (Messing et al., 1997).

Na Argentina, 26,5% dos docentes sofrem de miopia (Martínez et al., 1997).Numa observação ergonômica do trabalho de professoras do Quebec, de 107 minutos e16 segundos, em que se avalia a concentração visual durante o trabalho de classe,registraram-se apenas 6,3 segundos de distração do olhar (Messing et al., 1999).A enquete com professores chilenos mostra uma taxa de probabilidade de 2,4 para problemasvisuais, comparados com um grupo de controle (Colégio de Professores do Chile, s.f.)

Entre professores e professoras registra-se uma alta porcentagem de problemas devarizes (dados de boletins do Colégio de Professores do Chile e de Martínez et al.).Os professores estão expostos a enfermidades infecciosas respiratórios (dados dosboletins de Sevilha, 2000, de Martínez et al.)

condições de trabalho e saúde no trabalho docente

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RELAÇÃO ENTRE OPERFIL DE DESGASTEe as condiçõesdo trabalho docente

Numa pesquisa realizada em 1991, osseguintes fatores são percebidos pelosdocentes como os que maispreocupação causam entre eles (Parra,1991):

Sistema social: RemuneraçõesAvaliação socialAusência de especialistasCarreira profissional

Bairro/Comunidade: Ambiente físico: RuídoPoluição do ar

Ambiente social: DrogasDelinqüênciaAlcoolismoFalta de cooperação das famílias

Estabelecimento: Infraestrutura: Serviços higiênicosRestaurantesÁreas verdesEspaços privados

Apoio institucional

Apoio educacional: MateriaisLaboratóriosBibliotecas

Classe: Ambiente físico: FrioIluminação

Apoio educacional: Materiais

Carga de trabalho: Uso da vozTrabalho excessivo e cansativo

Alunos: Dificuldades de aprendizagemIndisciplina

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Na análise dos dados desta pesquisa três fatos chamavam a atenção:

a) Os docentes preocupam-se com as dimensões que melhor expressam o carátersocial de sua atividade.

b) Também se preocupam mais com os fatores que mais afetam o própriodesempenho da docência (falta de materiais, por exemplo) do que com osproblemas que afetariam seu próprio bem-estar material nas escolas.

c) Outra fonte de insatisfação deriva da falta de apoio social, expresso em baixasremunerações, pouca avaliação e pouca cooperação, entre outros problemas.

Ou seja, o que preocupa os professores é que o próprio conteúdo de seu trabalhonão se realiza nos termos previstos por eles e pela sociedade. Diversas pesquisastêm apontado o mesmo fato, desde ópticas que se complementam e convergem.Os docentes gostam do trabalho que fazem e destacam como fonte de realizaçãoe satisfação o trabalho com as crianças, embora reconheçam o risco de sobrecarga,cansaço e desgasto que ele implica.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 143

O esforço emocional colocadono processo de trabalho

imediato –na classe e no trabalhocom o aluno individual e com o

grupo-curso– implica um alto riscode sobrecarga e frustração

Embora, em geral, as diretrizes ministeriais definam o quese deve ensinar, quando e a qual população, entregando osmeios que se consideram necessários e suficientes, na práticacotidiana da escola os docentes realizam uma quantidade defunções e tarefas que não estão incluídas no trabalho prescrito;para enfrentar as preocupações que seu trabalho lhes impõe,os docentes utilizam todas as suas capacidades para aeducação de condutas, a manutenção da atenção dos alunosnum nível ótimo, para assegurar o bem-estar físico dos mesmose para prestar o apoio afetivo que costumam requerer. A partirda óptica do gênero, o trabalho das professoras (que constituema grande maioria da força de trabalho docente) parece nãoter limites claros que o separem do papel materno definidopela sociedade.

A partir da óptica das teorias do estresse, destaca-se oesforço emocional despendido no empenho de ensinar, queleva sempre o risco de sobre-envolvimento; aqui adquireimportância o que se assinalou anteriormente sobre a tramade relações sociais em que se desenvolve o processo detrabalho docente, com sua demanda de empatia, flexibilidade,esforços para não tratar os outros como objetos, atenção atodas as complexidades da comunicação humana, etc. Emborase reconheça o caráter positivo e criador de satisfação quetêm as interações sociais, do ponto de vista das teorias doestresse no trabalho admite-se que podem ser fonte de mal-estar e desgaste da saúde, se o sustento do trabalhadordepender delas. Identificam-se três grupos de fontesimportantes de estresse que emergem das interações sociais:

a) conflitos sociais;b) injustiça, tratamento injusto e conduta não recíproca;c) conduta anti-social.

A permeabilidade do trabalho docente às dinâmicas econflitos que estão presentes no ambiente imediato da escolae no conjunto do sistema social torna-se muito mais evidenteem contextos de mudança do sistema educacional, que éparalela a reformas em todo o mundo nos diversos planos davida social (educação, saúde, serviços sociais, trabalho) ecujos denominadores são a precariedade do emprego e dosalário, o processo de tornar crônica a pobreza, avulnerabilidade a práticas regressivas nas comunidades(delinqüência, drogas, violência), aumento dos fossos dedesigualdade. Nesse contexto, é compreensível que o esforçoemocional aplicado ao processo de trabalho imediato (na

classe e no trabalho com o aluno individual e com o grupocurso) envolva um alto risco de sobrecarga e frustração –oproduto final obtido não se ajusta a nenhuma das dimensõesde processo de trabalho– e conseqüente desgaste da saúdedo docente, medido através de diferentes indicadores do bem-estar psicológico. Sob esta óptica, têm-se aprofundado aspesquisas sobre burnout.

Usando o modelo de controle/demanda como método deanálise dos fatores estressantes do trabalho docente, pode-se determinar que a demanda do trabalho docente tem umpeso maior como fator estressante que a dimensão do controlesobre o próprio trabalho. Isto é compreensível se for consideradaa multiplicidade de tarefas que vão além do ensino de umadeterminada matéria.

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condições de trabalho e saúde no trabalho docente

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As pesquisas que aprofundamnos fatores protetores dasaúde dos docentes e em

estratégias preventivaseficazes mostram uma linhade desenvolvimentos futuros

cujo resultado seria deenorme benefício na

melhoria dos produtos que otrabalho docente entrega àsociedade, sem colocar em

risco sua saúde

A análise ergonômica do trabalho docente põe em relevo os aspectos jámencionados de multiplicidade de tarefas: demanda de atenção e concentraçãopermanentes durante o tempo de trabalho em classe; tensão muscular constanteenquanto se permanece em contato com os alunos; demanda de esforço vocal pelafalta de meios efetivos de amplificação e de isolamento acústicos, mas também pelotamanho das turmas e pelas dificuldades para manter a atenção e a condutaadequada dos alunos.

Do ponto de vista ergonômico e também de estudos da psicologia social,destacou-se como fator de risco a ausência de limites no tempo de trabalho: trabalha-se sob pressão na classe para satisfazer múltiplas demandas; faltam espaços paraa pausa adequada e para o descanso durante a jornada; as mudanças nos sistemaseducacionais empurraram muitos docentes para o duplo emprego; as trabalhadorasrealizam jornadas de trabalho duplas e triplas, completando tarefas em casa aomesmo tempo em que assumem papéis maternos.

Em suma, considerar a docência como um trabalho que reconhece elementoscomuns com outros processos de trabalho não implica reduzir seu caráter deprofissão especializada dentro da sociedade mas sim colocar em relevo os seusmúltiplos aspectos não avaliados. Assim, proporciona uma matriz de análise dascondições de trabalho e do impacto destas no bem-estar e na qualidade de vidados docentes, que supera a prevenção do risco material visível e que pode abrirvias eficazes de prevenção e promoção da saúde no professorado. As pesquisasque se aprofundam nos fatores protetores da saúde dos docentes e em estratégiaspreventivas eficazes mostram uma linha de desenvolvimentos futuros cujo resultadoseria de grande benefício na melhoria dos produtos que o trabalho docente entregaà sociedade, sem colocar em risco a sua saúde.

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condições de trabalho e saúde no trabalho docente

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Avaliação dodesempenho docente:

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 147

tensões e tendênciasHéctor Rizo

Colombiano. Diretor do Centrode Desenvolvimento Acadêmico,

Universidade Autônoma de Occidente, Colômbia.

Diferentes pesquisas vêm insistindo no grande impacto naaprendizagem dos estudantes das variáveis relacionadas como trabalho que se realiza dentro das instituições educacionaise com relação ao papel de protagonista que, nesse aspecto,corresponde aos professores. Nesse sentido, a questão daavaliação do desempenho docente converte-se num elementoessencial para a qualificação de seu trabalho e, emconseqüência, aponta diretamente para a melhoria da qualidadeda educação que se oferece em nossos países.

O presente trabalho apresenta inicialmente algumasconsiderações em torno dos conceitos mais pertinentes sobrea avaliação, que servem como ponto de referência para refletirsobre a questão da avaliação do desempenho docente, paraterminar com uma análise das principais tensões eproblemáticas que devem ser levadas em conta para conseguirmelhorar estruturalmente as propostas que se implementamem nossos países na área da avaliação dos professores.

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O CONCEITOde avaliação

Da variedade de concepções sobre avaliação no mundoda educação, a que se vai chamar, neste documento, deavaliação educativa é a que pode trazer maiores contribuiçõespara conseguir aperfeiçoar o trabalho dos professores.

O adjetivo educativa localiza a qualificação como o norteprincipal da avaliação; mais do que num processo para obterinformação sobre alguns aspectos sujeitos a avaliação, esseadjetivo a converte num processo que tenta converter-se eminsumo principal para o desenvolvimento e a melhoria integraldo objeto de avaliação. A avaliação educativa implica que oato avaliador, longe de ser uma atividade asséptica ecompletamente livre de viés, possui uma intencionalidade, queé fundamentalmente, como já se disse, a de contribuir paramelhorar.

O processo de avaliação deve privilegiar uma profundareflexão sobre as possibilidades de melhoria, como armaessencial para potencializar a capacidade transformadora queseja coadjuvante da solução das mais sensíveis problemáticas,sempre em prol de uma sociedade mais justa e mais humana.Nas palavras de Medina Rivilla, “A AVALIAÇÃO É A ATIVIDADE DE

REFLEXÃO QUE NOS PERMITE CONHECER A QUALIDADE DOS PROCESSOS

E DOS SUCESSOS ALCANÇADOS NO DESENVOLVIMENTO DO PROJETO. AAVALIAÇÃO É UMA AVALIAÇÃO SISTEMÁTICA, QUE FACILITA O

CONHECIMENTO MINUCIOSO DOS PROCESSOS APLICADOS E,FUNDAMENTALMENTE, DAS DECISÕES FUTURAS DE MUDANÇA QUE NOS

PROPOMOS A REALIZAR”.O caráter educativo da avaliação supera as simples

declarações de intenção e abrange os processos deinstrumentalização e o próprio manejo da informação que deladeriva. Não basta, então, apenas definir a intenção da propostade avaliação, pois se é preciso manter atenta vigilância epermanente reflexão durante todo o exercício, para obterelementos que contribuam para sua compreensão total porparte dos participantes do processo. Se não for assim, pode-se –e, infelizmente, é o que costuma acontecer– perder ocaráter educativo da avaliação, com o conseqüenteaparecimento de obstáculos diferentes e fortes, que podemlevar ao fracasso da proposta em desenvolvimento.

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O ato avaliador, longede ser uma atividadeasséptica e completamentelivre de vieses, possui umaintencionalidade e ela é,fundamentalmente, comojá se disse, a de contribuirà melhoria

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 149

avaliação do desempenho docente: tensões e tendências

A identificação dos aspectos que potencialmente podemdesencadear inconvenientes para a realização da avaliaçãoajuda a sua necessária superação.

Alguns desses aspectos estão relacionados com o caráterdinâmico do processo de avaliação, tais como os mecanismosque se requerem para evitar que o processo caia em processosinerciais e sem reflexão, que terminam por perverter toda aconcepção educacional estabelecida.

Outros são inerentes ao caráter social que possui a avaliação.Com efeito, existem diferentes variáveis de contexto e interessesde poder, que assinalam, de alguma maneira, as ênfases e asorientações que o processo de avaliação deve seguir.

De alguma forma, a importância que se dá atualmente, emdiferentes esferas de nossas sociedades, à avaliação dodesempenho reflete o fato de que a avaliação é socialmentedeterminada. Uma rápida revisão de marcos históricos para aavaliação avaliam essa afirmação; por exemplo, em plenaRevolução Industrial se requeria que as instituições educacionaisproporcionassem aos cidadãos uma formação com ênfase em:

a) a mecanização das rotinas, pois a mão-de-obra que senecessitava deveria ser competente em repetição acertadade atividades;

b) a memorização, já que era necessário aprender e seguirinstruções contidas em manuais;

c) a disciplina e a obediência, porque a indústria precisava depessoas que soubessem acatar e se submeter a ordens deseus superiores.

À luz dos trabalhos de Taylor e de Henry Fayol, publicadosem “Administration Industrielle et Générale” em 1916, quesintetizavam os processos administrativos em planejar, organizar,dirigir, coordenar e controlar, aparecem também os termos:tecnologia da educação, projeto curricular, objetivos daaprendizagem, e a ênfase quantitativa na avaliação.

Nos anos 30, quando a Grande Depressão provocou umestancamento generalizado na educação e se tornou necessáriootimizar os recursos dedicados ao desenvolvimento dosprogramas educacionais, Ralph Tyler publicou, em 1942, suaobra General Statement of Education e, em 1950, sua obra BasicPrinciples of Curriculum and Instruction, na qual propõe aavaliação baseada em objetivos. O enfoque continua sendoquantitativa, mas se amplia o espectro dos tópicos que devemser avaliados e se alinha a necessidade de levar em conta asintenções e os interesses dos próprios geradores e protagonistasdos programas.

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1 É importante notar que avaliadores reconhecidos,como Denzin (1970), Silverman (1985) ouFielding (1986), duvidam de que o conhecimentoobtido pela triangulação seja necessariamentemmais objetivo e fiável que o conseguidomediante uma única metodologia; na mesmadireção, Fernández Huerta afirma: “Não épossível construir objetividades a partir dainterrelação de intersubjetividades”.

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Nos anos 60, época na qual se incentivava a alocação derecursos em função do sucesso obtido nos programas,Cronbach, em 1963, incorpora à avaliação a preocupaçãocom a coleta e o uso da informação, para ajudar na tomadade decisões, e a distinção entre avaliação formativa e avaliaçãosumativa. Já com Scriven, em 1967, evidencia-se a necessidadede reconhecer o valor do realizado e os condicionantes queo possam ter afetado.

Por outro lado, à medida em que a sociedade precisa queseus membros desenvolvam outro tipo de competências, quelhes permitam desenvolver-se num mundo em que oconhecimento e o manejo apropriado da informação seconvertem em seu principal dinamizador, são evidentes aslimitações que os enfoques quantitativos têm para contribuirpara a compreensão dos fenômenos educacionais, e se reforçaa permanente discussão sobre as perspectivas quantitativa equalitativa para a avaliação.

Rist plasmava o problema ao afirmar: “A adesão a umparadigma e sua oposição a outro predispõe cada um aconceber o mundo e os acontecimentos que nele se desenvolvede modos profundamente diferentes”. De fato, enquanto aperspectiva qualitativa apresenta uma intenção mais abrangenteque determinística, interessa-se pela descoberta do significado,pelas motivações e intenções das pessoas, não baseia suavalidade nem sua confiabilidade na “objetividade”, mas nariqueza e profundidade de suas descobertas, e se orienta paraa descoberta de algumas especificidades, a partir de cujasingularidade não é possível estabelecer generalizações; aperspectiva quantitativa enfatiza a explicação no contrasteempírico e a medição objetiva; o objetivo está presente nocontexto da justificação; orienta-se para a comprovação combase em dados sólidos e repetíveis, dos quais o avaliadordeve manter distância para não enviesar sua análise; em suacapacidade, apoiada estatisticamente, de fazer inferências,ele baseia seu poder de generalização e presume a estabilidadeda realidade que se está abordando.

A avaliação educativa é mais próxima, conceitualmentefalando, do paradigma qualitativo, mas reconhece a solideze o rigor dos procedimentos e instrumentos de origemquantitativa, e se aproveita disso para, através dacomplementaridade dos paradigmas, garantir um processocrível e representativo para toda a comunidade educacional.

No contexto da complementaridade dos paradigmas,surgem os mecanismos de triangulação que favorecem aaquisição de um conhecimento mais amplo e profundo darealidade social, impedem a aceitação imediata e irreflexivados dados e impressões iniciais, amplia o escopo, a densidadee a clareza dos conceitos, ajuda a corrigir os vieses, etc.,elementos que determinam em grande medida a confiabilidadee a validade da avaliação 1.

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avaliação do desempenho docente: tensões e tendências

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 151

A avaliação do professorado em exercício pode serabordada de diferentes perspectivas, diferentes daquela decaráter educativo que se defende no presente trabalho. Emseguida, abordamos duas que têm grande influência em nossospaíses e que geram um quadro muito reducionista da avaliaçãodo desempenho docente: uma se limita a estudar o que oprofessor faz em seus horários de trabalho dentro dasinstituições, enquanto a outra analisa o trabalho do professorem função dos resultados de aprendizagem de seus estudantes.

A primeira considera que o professor realiza um conjuntode tarefas que lhe são alocadas em razão de seu ofício e doque a sociedade considera que é capaz e deve realizar umprofissional da educação; portanto, a avaliação do desempenhodeve limitar-se a informar sobre o cumprimento adequado dostrabalhos alocados. Nesse enfoque, importa o que o professorfaz e não o que é capaz de fazer em razão de suaspotencialidades como ser profissional e humano, em benefíciode seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento dainstituição educacional.

A segunda assume que o professor é o principal agenteeducativo e, portanto, recai sobre ele a responsabilidade peloêxito ou fracasso do processo formativo que se desenvolve nainstituição. Para este enfoque, tudo pode ser explicado ecompreendido a partir das características intrínsecas do próprioprofessor e é pouca a influência que exerce o contexto, apesardas determinantes sociais amplas e complexas que coexistemnas instituições educacionais e fora delas. Aqui, o conceito dedesempenho é no estilo ideal do Rambo, no qual o indivíduoé só e vence todas as barreiras baseado tão somente em seusméritos individuais e experiências anteriores.

Nas propostas de avaliação propostas pelos ministériosde alguns países, define-se a avaliação de desempenho doprofessor como “um processo sistemático de obtenção deinformação válida, objetiva e confiável, que permita ponderaro grau de cumprimento das funções e responsabilidadesinerentes ao cargo que desempenha o docente, e o sucessodos resultados com os estudantes e suas áreas de trabalho”.É evidente a intenção de superar o reducionismo patente dasvisões anteriormente descritas, mediante a estratégia de asunir numa só.

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A AVALIAÇÃOdo desempenho dos professores

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Para poder implementar uma avaliação a partir dessa definição,requer-se definir um ideal de professor, tanto em sua dimensãoética como pedagógica, a partir da qual se possam precisaras funções e as responsabilidades que deve assumir oprofessor, e que serão objeto de avaliação. Além disso, paranão limitar a avaliação à simples verificação de realização deatividades é necessário assumir que o professor torna evidente,na realização de seu trabalho, todo o conjunto deconhecimentos, habilidades, atitudes e valores que constituemseu saber e seu fazer.

Avaliações concebidas dessa maneira costumam aparecersob a forma de discursos meritocráticos, que assumem aexistência de parâmetros universais, tais como a excelênciaacadêmica ou a qualidade da educação, que podem e devemser medidos com sistemas também únicos 2. Ou seja, devemser uniformemente tratados, independentemente dos contextosnos quais se desenvolve a educação; é claro que isso implicaque toda intenção de situar no contexto aparece como renúnciaà aspiração de atingi-los.

Estes enfoques dificilmente conseguirão o objetivo últimoda avaliação e, por acaso, conseguem melhorar as rotinasinstitucionalizadas em torno da docência.

Para poder realizar uma avaliação educativa do trabalhodo professor é necessário reconhecer que este 3 se realizanum campo muito complexo, para o qual confluem de maneiranão muito claramente articulada assuntos tão vitais comoconhecimento, o conceito de educação, a ciência, a arte, aética, a política, o trabalho, o ensino, a aprendizagem, aespecialidade, a prática, a organização institucional, os critériosde gestão, as motivações pessoais, as competênciasprofissionais, as influências de outros agentes educacionais,etc.

Assim, o trabalho de um docente não se limita à realizaçãode algumas tarefas específicas, já que, em si mesmo, converte-se num processo pelo qual O PROFESSOR MOBILIZA SUAS CAPACIDADES

PROFISSIONAIS, SUA DISPOSIÇÃO PESSOAL E SUAS RESPONSABILIDADES

SOCIAIS PARA ARTICULAR RELAÇÕES SIGNIFICATIVAS ENTRE OS

COMPONENTES QUE IMPACTAM A FORMAÇÃO DOS ALUNOS; PARTICIPAR

NA GESTÃO EDUCACIONAL, FORTALECER UMA CULTURA INSTITUCIONAL

DEMOCRÁTICA; E INTERVIR NO PROJETO, IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO

DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS LOCAIS E NACIONAIS, PARA PROMOVER NOS

ESTUDANTES APRENDIZAGENS E DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E

HABILIDADES PARA A VIDA 4.

Com isso, ressalta-se o caráter social do trabalho doprofessor e como nele se conjugam tanto variáveis intrínsecascomo extrínsecas. É certo que o professor trabalha e sedesenvolve num coletivo social e que seu trabalho inscreve-se num quadro institucional cheio de rotinas e de relações depoder, a partir das quais se caracteriza o clima organizacional;mas ele não é vítima das circunstâncias que o rodeiam, eleajuda a configurar as rotinas organizacionais, contribui paraa consolidação do pensamento pedagógico e suaindividualidade enriquece culturalmente o ambiente.

Nesse contexto, a pergunta de avaliação do desempenhodo professor poderia ser formulada nos seguintes termos:como conseguir, a partir das atuais condições, que um professormelhore seu profissionalismo e, por conseguinte, aperfeiçoe-se profissionalmente e, ao mesmo tempo, produza um impactopositivo na aprendizagem de seus alunos?

Para isso, requer-se fundamentalmente duas coisas: a) odesenvolvimento profissional dos docentes, ligado a seucontexto particular; e b) a melhoria das práticas educacionais.A primeira é necessariamente ligada a seus processos decapacitação e atualização docente, tanto no plano pedagógicocomo no disciplinar, à reflexão que faz sobre seu própriotrabalho docente e a sua participação decidida na reflexãoinstitucional que adquire um vigor necessário no exercício deavaliação. A segunda refere-se diretamente ao currículo que,como propõem Medina e Blanco, é um campo de pesquisano qual se conjugam teoria e prática e uma ação incitante eexplícita da profissionalização dos docentes e da formaçãodos discentes. A partir do currículo, dá-se significado ao quê,como, para quê e porque do processo de ensino que promoveaprendizagem.

2 Sobre los discursos deste tipo há um trabalhointeressante de Carina Kaplan: KAPLAN, C. “Unacrítica a los discursos pedagógicos meritocráticosen contextos sociales signados por ladesigualdad”. Revista Temas de Psicopedagogía7. Buenos Aires, 1998.

3 Sobre o desempenho do professor recolhem-seneste documento algumas reflexões elaboradas,por iniciativa do PRELAC e sob a coordenaçãode Magaly Robalino, por um grupo do qualtambém participam Alfredo Astargoza, HéctorValdés, Ricardo Cuenca e o autor.

4 Citado do documento preliminar “El desempeñoprofesional desde las nuevas dimensiones delprotagonismo docente”, elaborado pelo grupocitado na nota anterior.

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Não é possível, então, separar a avaliação do desempenhodo professor, do olhar integrador sobre o desenvolvimentoinstitucional; além disso, porque uma melhoria na eficáciaeducacional requer a integração do desenvolvimento dopessoal, da avaliação do professorado e da melhoria da escolacomo instituição.

O professor não é vítima das circunstânciasque o rodeiam, ele ajuda a configurar asrotinas organizacionais, colabora para aconsolidação do pensamento pedagógico,contribui a partir de sua individualidade paraa riqueza cultural de seu ambiente

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Se os docentes sentem quese põe em perigo suasobrevivência trabalhistae profissional, tenderão ase comportar e a atuar deforma que lhes garantasair-se bem na avaliação

Uma avaliaçãode desempenhose faz com osprofessores enão contra eles

O desenvolvimento pessoal de qualquer profissional nãopassa apenas por suas potencialidades derivadas de suasestruturas cognitivas, suas experiências passadas e seurepertório de capacidades, pois, como afirmou Knox, este émuito limitado e restrito ao esgotamento dos recursos mentaise emocionais das pessoas, mas também requer diferentesestímulos que se podem obter das apreciações que outrosmembros da comunidade educacional possam fazer de seutrabalho e dos desafios que lhe propiciem os processos deavaliação. De fato, a avaliação do professor é um gatilhoindiscutível de processos que levam à melhoria das práticaseducacionais.

Então, se, a partir da avaliação, é possível melhorar aspráticas educacionais, elevar a formação de nossos cidadãos,incrementar a cultura cidadã e, com isso, clarear o futuro dospovos, por que se apresentam tantas dificuldades em paísestão necessitados de progresso como os nossos para arealização da avaliação do professor?

Em princípio, pareceria existir uma tendência natural aresistir a ser avaliado; a avaliação é boa e necessária, do pontode vista dos discursos, e é até fácil de implementar quando,de alguma maneira, não comprometa diretamente a ninguém.Até os estudantes, tão familiarizados com suas avaliações aoponto de que seja um grande conflito para eles serem avaliadossobre seus conhecimentos mediante provas escritas, de caráterquase confidencial, até eles resistem à realização de avaliaçõespúblicas sobre seu desempenho como estudantes.

Mas há aspectos de maior envergadura, que podem explicara pergunta acima, alguns dos quais são descritos na seçãoseguinte desde documento.

Antes, é necessário sustentar que a avaliação dodesempenho dos docentes não é boa em si mesma:dependendo da maneira como seja planejada e executada,pode ser mais prejudicial do que benéfica para odesenvolvimento dos estudantes, em geral, e para suasaprendizagens, em particular.

Evidentemente, se os docentes sentem que se põe emperigo sua sobrevivência trabalhista e profissional, tenderãoa se comportar e a agir de forma que lhes garanta um bomresultado na avaliação. Isso, além de supor melhorias naqualidade do ensino, vai gerar simulações de comportamentose até acordos do tipo “eu não lhe complico muito a vida e vocême avalia bem”, que atentam contra uma educação de altaqualidade.

Tampouco se trata de esperar que todos os professores,individual ou coletivamente, se manifestem a favor da avaliação;a história de nossos países demonstra que, embora não seobtenha legitimidade a partir do exercício da autoridade, estasempre é uma construção social e não tem como única viaprimeiro o consenso, pois este também costuma aparecer apartir das evidências positivas das políticas adotadas.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 155

ALGUMAS TENSÕESe campos problemáticos para a avaliação

Em países como os nossos, não existe uma cultura daavaliação que tenha permeado de maneira permanente asestruturas do trabalho institucional e, em conseqüência, quepermita o florescimento natural de propostas de avaliação.Sempre que surge uma proposta de avaliação, disparam osalarmes e a comunidade inteira se dispõe a presenciarimportantes debates e diversidade de posturas a favor ou contra.

Uma avaliação do tipo educativo para o desempenhoprofissional, ao colocar sua ênfase na melhoria e na geraçãode espaços nos quais os professores possam fazer suaspropostas e apresentar suas dúvidas em todos e cada um dosmomentos, gera as condições apropriadas para que se esclareçao panorama da avaliação e se encontrem caminhos que aviabilizem. Uma avaliação de desempenho se faz com osprofessores e não contra eles.

Isto posto, é verdade que existem condições objetivasinerentes à avaliação, mas também é verdade que há condiçõesrelativas às propostas particulares de cada processo, queproblematizam e tensionam de maneira adicional as avaliaçõesde desempenho.

O papel da avaliação no contexto dosdiscursos sobre a qualidade da educação

A maioria de nossos países vem impulsionando processospara assegurar a qualidade da educação, a partir de quadrosconceituais bem definidos, à luz dos quais se estabelecemdiferentes estratégias. Algumas delas se orientam com clarezapara o poderia ser definido como avaliações em função dosprodutos: exames escritos para os professores, provas derendimento escritas para os estudantes nos diferentes níveis oufinais de ciclos, etc.

Por essa via, os Ministérios da Educação traçam políticasde alocação de recursos, as instituições de educação médiarealizam exames de admissão para os estudantes da educaçãobásica, as instituições de educação superior utilizam os resultadosdas provas do Estado ou realizam seus próprios exames deavaliação dos egressos das instituições de educação média, osprofessores questionam a qualidade da formação que receberamseus estudantes nos cursos anteriores. Ou seja, patenteia-seuma desconfiança generalizada sobre a correspondência entrea formação que recebem as pessoas no nível educacionalrespectivo e aquela que se supõe que deveria ser oferecida.

Por meio de informes parciais e em não raro parcializados5,osmeios de comunicação traduzem para o público em geral osresultados das avaliações obtidas, aumentando essa desconfiançae conseguindo que todo o sistema educacional seja posto sobsuspeita por toda a sociedade. Os resultados dessas provascostumam ser utilizados para identificar perante a sociedade aqualidade da educação que se oferece nesta ou naquela instituiçãoeducacional; obviamente que esses resultados podem ser e defato são levados em conta na avaliação do desempenho dosprofessores.

Todo esse contexto de desconfiança generalizada, obtidaatravés de provas pontuais que não reconhecem os contextos eos processos a partir dos quais são explicados, não é um bomquadro para nenhum tipo de avaliação. Entre outras coisas, porqueenvia uma mensagem equivocada de que “me avaliam porquedesconfiam do meu trabalho”, muito longe do necessário “énecessário participar na avaliação porque, a partir dela, conseguireiidentificar as oportunidades para melhorar que permitamaperfeiçoar os processo educacional em que estou inserido”.

É necessário insistir para que os processos de qualidade seorientem para a melhoria e, portanto, é a avaliação educativa quemelhor corresponde a esses processos. Ficar, como se tem feito,em avaliações do tipo diagnóstico e usá-las como exemplos deineficiências das instituições ou das pessoas, é atentar contra osmesmos processos de melhoria da qualidade que se pretendeestimular.

Outro aspecto problemático do discurso em torno da qualidadeestá estreitamente vinculado aos critérios eficientistas que têmcaracterizado nossos países. Esses critérios impõem às instituiçõesuma ênfase na otimização dos recursos disponíveis e, com isso,o uso, especialmente, de indicadores quantitativos do tipo númerode estudantes matriculados versus número de professorescontratados, ou pontuações médias em provas versus investimentoem infraestrutura física, etc.

Existe nessa perspectiva o perigo de deixar fora a análise detodos os processos que permitem explicar os resultados obtidose, evidentemente, gerar um pernicioso círculo vicioso: poucosrecursosbaixos resultadospoucos recursos.

5 Por exemplo: uma prova realizada comestudantes de último ano de carreira incluiuquatro perguntas sobre formação humanística;a partir desses resultados obtidos pelosestudantes, emitem-se juízos sobre a qualidadeda formação que, nesse aspecto, se oferecenuma determinada instituição.

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6 Em alguns países, um curso qualquer feito peloprofessor –por exemplo, “fotografia”– dá pontosque permitem subir na carreira, sem importar onível nem o campo disciplinar no qual sedesenvolva o professor.

7 Alguns estudos de tipo financeiro trataram atéde demonstrar a inviabilidade de um salárioprofissional para os professores, argumentandoque os docentes constituem uma quantidademuito grande de empregados públicos e quequalquer aumento salarial, por pequeno queseja, afeta de maneira grave as finanças públicas.

O papel da avaliaçãono desenvolvimento da carreira docente

A carreira docente, como é entendida na maioria de nossospaíses, além de incorporar o conjunto de regulamentaçõessobre o trânsito dos professores no sistema educacional –condições de ingresso, de permanência e de promoção, entreoutras –, aponta para o aumento da qualidade acadêmica dosdocentes e estabelece sistemas de formação e capacitaçãodocente.

O tema da avaliação, no quadro da carreira docente, estárestrito, na maioria dos países, aos processos de incorporaçãoe nomeação para algum cargo de nível de diretoria. Para subirna carreira, os critérios principais são: antigüidade no postode professor, os títulos alcançados na formação, ascapacitações realizadas durante o exercício profissional –muitas delas sem grande relação com o campo de trabalho

do professor 6– e o local onde trabalha o docente.Como se observa, os esquemas da carreira docente não

parecem ter sido pensados em termos da melhoria da educaçãoque os professores potencializam, mas em função do trafegarclaro e tranqüilo dos professores no exercício de sua profissão.O tempo e a homogeneização que resulta dos títulos obtidosaparecem como insumos essenciais, a partir dos quais supõe-se que a educação melhore em nossos países.

Em contradição com isto, diferentes resultados de pesquisaassinalam uma baixa correlação entre a experiência profissional,os títulos obtidos durante o exercício da profissão e aaprendizagem que demonstram seus estudantes. Impõe-se,em conseqüência, a necessidade de pensar na incorporaçãoda avaliação de desempenho da carreira docente comogeradora de insumos diferenciadores de qualidade, querompam com a inércia estática proporcionada pelahomogeneidade dos títulos obtidos ou pelo transcorrer dostempos que não enriquecem necessariamente o trabalho dosprofessores.

Claro que não se trata de avaliações conjunturais – quecostumam alterar o clima e as condições de trabalho,fomentando o individualismo, o trabalho em função dos produtose as competições individuai –, mas sim de incorporar a avaliaçãocomo um sistema permanente, que proporcione múltiplaspossibilidades para sistematizar o trabalho acadêmico e orientaro trabalho institucional, melhorando, em conseqüência, agestão dos recursos humanos docentes.

A idéia de incorporar os resultados dos processos deavaliação como elemento a ser levado em conta nodesenvolvimento da carreira docente costuma ser vista comouma ameaça à estabilidade por parte de muitos docentes. Noentanto, os professores, como todos os profissionais inseridosem processos de natureza dinâmica, requerem insumosenergéticos que lhes permitam enfrentar as entropias que lhessão próprias e que terminam por deteriorar os processos quese desenvolvem.

Outro aspecto problemático é a questão de determinar seos resultados da avaliação docente devem ser fator dediferenciação salarial na carreira docente. Esta discussão temvariantes que convém abordar:

Por um lado, há quem garanta que os salários devem refletiros méritos das pessoas no desenvolvimento de seu trabalho.Para este setor, a questão é de justiça social, pois não seadmite que um professor dedicado, que gere aprendizagenssignificativos em seus estudantes e seja bem avaliado, tenhaníveis salariais iguais ou inferiores a outros que só têm comoaval um título profissional mais importante e mais tempo devínculo trabalhista com a profissão.

Para outro setor, a questão não é tão simples e essa lógicatrabalhista só pode gerar inconvenientes para a qualidade daeducação, posto que este tipo de elemento competitivo se

choca com a realidade financeira de nossos povos 7, o quefaria com que muito poucos professores pudessem aspirar apromoções e compensações econômicas. Isso levaria a quesó professores com algumas características excepcionaispudessem aspirar a promoções, enquanto a grande maiorianão se sentiria estimulada a melhorar. A alternativa, claro, seriainvestir os recursos para proporcionar a todos os professoresos meios e incentivos para obter um maior crescimentoprofissional.

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As problemáticas relacionadas com osparticipantes na avaliação

Toda proposta de avaliação, em geral, com maior ou menorênfase em uns ou outros, conclui que todos os agentes queafetam ou são afetadas pelo sujeito avaliado devem participardas avaliações de desempenho. Os primeiros, para obterinformação relacionada com os contextos e insumos nos quaisa pessoa trabalha, e os outros, para estabelecer condiçõesde qualidade do trabalho realizado.

Pode-se sustentar, sem maiores dificuldades, que todaselas são fontes necessárias e indispensáveis de informaçãoem qualquer avaliação de desempenho, mas sempre haverádificuldades no momento de definir a forma de obter essainformação, assim como a importância relativa que cada fonteterá na elaboração das conclusões ou nas avaliações própriasdo processo.

Embora cada ator proporcione uma visão parcial do universode trabalho do professor, a participação da maior quantidadedeles contribui para diminuir o grau de arbitrariedade potencialque existe na avaliação. Além disso, permite uma melhoravaliação do desempenho do professor em termos dedesenvolvimento institucional.

Assim, por exemplo, ninguém discute que a opinião dosestudantes sobre o trabalho de seus professores é valiosa naavaliação do desempenho dos últimos; no entanto, além dasdúvidas que essas opiniões geram, tanto com relação à suavalidade como à sua confiabilidade, não é clara a forma comodevem ser utilizadas no processo global da avaliação: serãoutilizadas para gerar perguntas sobre a competênciapedagógica do professor? Servirão para se perguntar sobresua competência disciplinar? Serão fundamentais paraidentificar o compromisso do docente com sua profissão?, etc.

Algo parecido acontece com cada um dos agentes quese deseje envolver no processo. O problema não é apenasuma questão que se dirima a partir dos quadros conceituaisda avaliação, pois nenhuma proposta de avaliação educacionalpode ocorrer se não for gerada credibilidade nos objetos deavaliação. Professor que não cria no processo de avaliaçãoque o envolve nunca se apropriará dos resultados e, porconseguinte, nunca os utilizará para sua qualificaçãoprofissional.

Professor que não cria noprocesso de avaliação que oenvolve, nunca fará seus osresultados e, por conseqüência,nunca vai utilizá-los para suaqualificação profissional

Diferentes estudos demonstraram que o docente se concebecomo integrante protagonista de uma engrenagemorganizacional que tem suas estruturas hierárquicas claramentedeterminadas; ele se sente ocupando um lugar nessaorganização e, por isso, distingue níveis superiores, igual,indiferentes e inferiores ao seu. A partir dessa visão, pode-seentender que ele aceite como legítimo o olhar avaliador deseus superiores hierárquicos, que inclua reservas de caráterético ao olhar avaliador de seus companheiros e que se ressintada avaliação que se procure desenvolver a partir de setoresadministrativos ou de pais de família ou alunos.

Uma avaliação de caráter educativo, com seu componenteessencial de participação do professor, permite que, com ele,definam-se as fontes de informação, estabeleça-se o papelque cada agente educacional deve desempenhar na avaliaçãoe o nível no qual se deve localizar cada informação obtidadele; tudo confluirá, em conseqüência, para uma reduçãosignificativa das reações críticas que a questão suscita.

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Os problemasderivados das desconfianças institucionais

Uma avaliação de caráter educativo para o desempenho dos professores realiza-se com os docentes e nunca contra eles; na certeza e na credibilidade que estaafirmação desperte nos professores reside grande parte do êxito do processo deavaliação. Se são examinados os fatores que reduzem ou agregam credibilidade naavaliação de desempenho, poder-se-ia afirmar que, ao avaliado, lhe interessa muitoquem lidera e propõe o exercício avaliador e principalmente quem toma decisõesresultantes desse processo. No caso das propostas nascidas nos ministérios, alémdas generosidades intrínsecas percebidas pelos docentes na proposta, influi o graude legitimidade que têm os que a promovem e executam.

Toda uma história de dissabores e desencontros no manejo de políticas sociaispor parte das classes dirigentes da maioria dos nossos países levou seus povos atomarem com precaução as disposições estabelecidas pelos diferentes estamentosgovernamentais. Toda uma história de submissão, por parte da maioria dos nossosgovernos, às entidades financeiras internacionais estimulados por políticas de caráterintervencionista em benefício das potências mundiais e contra o desenvolvimentodos países mais pobres, levaram esses povos a acumular desesperanças e a assumiratitudes de rejeição espontânea e acrítica à multiplicidade de disposições legaisque se apresentam à consideração dos estamentos representantes de poderesalheios ao das classes populares, sejam congressos, senados, etc.

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8 O problema se agrava quando se trata de maisde um ministro da Educação por períodopresidencial.

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Nesse quadro, as propostas de caráter avaliador sugeridas pelos ministérios daEducação são percebidas como tentativas de legitimar políticas e ações impostosa partir do exterior. Os exemplos abundam: em alguns países, as políticas que visamao aumento da cobertura chocam-se com os planos e exigências de austeridadeno gasto público, estabelecidos pelos organismos financeiros internacionais; razãopela qual os governos, para aumentar os gastos em cobertura, sacrificam investimentosem dotação de escolas, capacitação do professor, nutrição dos escolares, etc., queincidem na melhoria da educação que se oferece. Para justificar isso, apresentamà opinião pública os resultados da avaliação de professores e estudantes como frutada ineficiência das instituições educacionais e como provas de um suposto maudesempenho dos professores, e dessa maneira “demonstram” a necessidade e aconveniência das políticas estabelecidas.

Por outro lado, as políticas educacionais parecem depender, essencialmente,dos interesses particulares do governante da vez –não é muito distante da realidadefalar de uma reforma educacional por um ministro da Educação 8–. A transitoriedadeque daí deriva impede-nos de afirmar que em nossos países existem claras políticasde Estado para a educação.

Em resumo, salvo honrosas exceções, pode-se afirmar que os Ministérios e asSecretarias de Educação não gozam da confiança necessária dos professores paraque suas propostas de avaliação possam ser examinadas e pensadas sem prevençõese oposições gratuitas. Talvez por isso aconteça que propostas pensadas e atéplanejadas, durante algum tempo, com as organizações sindicais, levam mais tempopara ser publicadas do que para ser rejeitadas pelos professores. No mesmo sentido,algumas pesquisas demonstram que os países onde a maioria dos docentes seopõe às avaliações e onde há mais rejeição a elas são aqueles onde há maioresníveis de desconfiança das instituições responsáveis pela formulação e execuçãodas políticas educacionais.

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Divulgação públicaou confidencialidade dos resultados

Sem a avaliação, os professores foram envolvidos pelatranqüila e acolhedora estrutura burocrática que lhes permitecontar com a mesma estabilidade trabalhista e nível salarialde outros colegas que têm os mesmos títulos,independentemente da diferença de desempenho. Com aavaliação, afloram necessariamente diferenças de desempenhoe até de conhecimentos e competências, que rompem dealguma maneira com essa atividade tranqüila e incógnita.

A explicitação das diferenças individuais é simultânea àavaliação; por isso, é vão tentar escondê-las; convém éaproveitá-las em benefício tanto do professor como dainstituição. Requerem-se espaços democráticos e igualitários,nos quais prime a reflexão sobre os fatores a partir dos quaisse pode aumentar essas diferenças para poder trabalhar emsua redução. Por isso, o que sucederá com os resultados dasavaliações é uma questão que deve ser resolvida antes dodesenvolvimento de qualquer proposta avaliadora, posto que,se os professores não estiverem seguros de que essesresultados não serão utilizados para discutir seu profissionalismoe responsabilidade, e sim para ajudá-los a melhorar seu própriodesempenho, sentirão a necessidade de se opor a esseprocesso.

A questão de tornar públicos ou não, e como, os resultadosdas avaliações é fundamental para conseguir umaimplementação cabal da avaliação, especialmente em paísestão influenciados pela mídia como os nossos. Os nossos meiosde comunicação parecem interessar-se pelos resultados daavaliação sobretudo se são especialmente negativos 9. Quemse interessa em participar de um processo de avaliação quetende a desacreditar seu trabalho?

9 “40% dos professores vão mal nas avaliações”é uma manchete muito mais desejável que“Maioria dos professores tem bons resultadosnas provas”.

10 Um exame dos rankings que se estabelecemnas instituições de educação média, com basenas provas que se realizam ao final do ciclo,permitiria demonstrar que as diferenças depontuação média entre os colégios de melhoresresultados e os piores crescem paulatinamente.

11 Os ministérios parecem atribuir à publicaçãodos resultados das avaliações como se fosseum grande indicador da sua eficiência e porisso não parecem conferir a esta pergunta asuficiente seriedade.

A quem interessa participar numprocesso de avaliação que tendea desacreditar seu trabalho?

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Por trás da posição de publicar os resultados e, portanto,as desigualdades, está a concepção de que isso tem um efeitopositivo, pois gera informação pertinente tanto para osprovedores de serviço como para os usuários e para o própriodocente; a partir dessa informação, poder-se-ia trabalhar paraa superação das desigualdades. Por trás da decisão de nãotornar públicos os resultados está a convicção de que oreconhecimento público e formal das diferenças termina porfortalecê-las e reproduzi-las no tempo 10.

Pero, además del dilema anteriormente planteado, está lanecesidad de conciliar el derecho público de saber con lanecesidad de lograr el aprovechamiento educativo de losresultados, algo que parece requerir de un gran margen deconfidencialidad 11.

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O papel dos sindicatosnos processos de avaliação

As pessoas em geral, e os profissionais em particular, pordiferentes razões, a maioria delas relacionadas com anecessidade de defender-se contra possíveis ameaças às suasobrevivência e ao direito de obter melhores condições devida, agruparam-se em organizações que defendem cada umde seus membros. Não é segredo que o exercício da educaçãonão contou com suficiente reconhecimento por parte de nossosEstados para desempenhar a profissão com dignidade e nascondições que correspondem a sua natureza e a suaimportância social.

Embora os povos e as diferentes sociedades reconheçama importância da educação e sinceramente atribuam aosprofessores características humanas notáveis, como forma deagradecer o papel tão fundamental que têm no desenvolvimentoda humanidade, as políticas de Estado confinam a profissãodocente a espaços de hierarquia inferior, que se traduzem embaixos salários e pobres condições para seu desempenhocabal.

Na conjugação da importância social que têm e que sereconhece nos professores e das condições reconhecidamenteinjustas nas quais devem exercer sua profissão, encontra-seboa parte das razões pelas quais as associações sindicaisdos professores assumem permanentes posições de rejeiçãoa qualquer proposta governamental que possa colocar emrisco a estabilidade dos professores. Isso também explicaporque, apesar dos embates anti-sindicais próprios de Estadosque obsessivamente vêem na defesa dos interesses dos fracosum perigo para sua própria estabilidade, as organizaçõesdocentes conservam grande parte de seu poder de mobilizaçãoe capacidade de protesto social.

É justo reconhecer que, em muitos países, as organizaçõesde docentes participam, cada vez com maior ingerência, aformulação e desenvolvimento de políticas educacionais, eisso se deve não a dádivas generosas dos governantes massim aos espaços que os docentes, através de suas lutas epotencialidades intelectuais, foram conquistando através dosanos. No entanto, o mundo atual exige que essas organizaçõesde professores assumam como seu o direito que têm as criançase os jovens a receber uma educação qualitativamente superior.

Assumir esse direito implica reconhecer que o docente éo principal agente educacional e que de seu aperfeiçoamentodepende, em grande medida, que isso seja possível.Indiscutivelmente, opor-se a uma avaliação educativa como adescrita aqui apenas pelo fato de que pode gerar dificuldadespara os professores, ou pela simples suposição de que oEstado pode utilizá-la contra os professores, atenta contra odireito à educação das crianças e, portanto, é um atentadocontra as próprias raízes e princípios da profissão docente.

A avaliação dos professores, vista não como uma estratégiade vigilância hierárquica para controlas as atividades deles,mas como uma forma de fomentar e favorecer oaperfeiçoamento do professorado, para a geração de políticasque beneficiem a educação como serviço público, representaum benefício inestimável para as próprias organizaçõessindicais, pois o benefício social que delas se deriva vai gerarcréditos em apoio social essenciais para defender a profissãodocente perante os permanentes embates dos Estadoseficientistas como os que caracterizam nossos países.

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O mundo atual exige queessas organizações deprofessores assumam comoseus os direitos que têm ascrianças e adolescentes areceber uma educaçãoqualitativamente superior

Os sindicatos de professores devem levar em conta que a avaliação do trabalhodocente é um fato inevitável e que a falta de clareza e sistematização que caracterizamas avaliações “informais” realizadas por diferentes setores da sociedade constituem,essas sim, claras ameaças à profissão docente, devido a seu alto nível de subjetividadee sua facilidade de manipulação pelos órgãos do poder. Não são gratuitas aspermanentes alusões dos ministérios, através dos meios de comunicação e de seuspróprios agentes, sobre a qualidade das instituições educacionais, pois elas lhespermitam apresentar as greves e mobilizações docentes como atentados contra osdireitos das crianças à educação.

Embora uma avaliação dos professores pudesse ser usada, atentando contraseus mais nobres objetivos, para gerar conseqüências adversas para os professores,e com isso debilitar as estruturas do sindicato da docência, as organizações dosprofessores deveriam concentrar sua força e capacidade para garantir a cabalimplementação de avaliações do tipo educativo, reafirmando dessa maneira seucompromisso com a defesa da profissão docente e com a qualidade da educação.

A questão dos indicadoresna avaliação dos professores

Para situar a questão dos indicadores, como elemento de tensão na avaliaçãodos professores, pode-se utilizar a caracterização realizada por Jorge Callero Martínez.Segundo este autor, os indicadores se caracterizam por:

a) Submeter informação sobre qualquer fenômeno social.b) Combinar diversas variáveis com o objetivo de proporcionar uma visão de conjunto.c) Possuir um caráter temporário.d) Possibilitar comparações.e) Gerar certo grau de previsão.

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Estas características devem ser examinadas à luz dos seguintes critériosnecessários para sua utilização cabal:

a) Os indicadores devem proporcionar informação relevante, para evitar que aavaliação se baseie em aspectos não fundamentais para o desenvolvimentotanto do professor como da instituição.

b) A precisão na construção dos indicadores é fundamental no momento deestabelecer a validade e a confiabilidade da avaliação.

c) Os indicadores serão manipulados, e isso requer que se tenha muito cuidadoem sua formulação, posto boa parte dos resultados da avaliação depende damaneira como forem utilizados e da forma como se apresente a informaçãoobtida a partir deles.

d) O custo gerado pela utilização do indicador termina por estabelecer a conveniênciade sua utilização ou de um outro, com muito cuidado para não colocar em risconem a relevância nem a precisão.

e) A disponibilidade da informação exigida pelo indicador é um aspecto fortementeassociado à sua viabilidade.

f) A possibilidade de atualizar regularmente os indicadores é importante paraestabelecer a evolução positiva ou negativa dos processos.

Some-se a isso o fato de que a educação é essencialmente qualitativa e osindicadores que mais se adaptam a ela são os de caráter qualitativo. Precisamenteaqueles nos quais a comunidade desenvolveu menos níveis de perícia.

Finalmente, e à guisa de conclusão, a avaliação do desempenho do professor,mais do que um entre muitos exercícios que se executam no âmbito educacional,converte-se numa oportunidade para que professores, pais de família, estudantes,organizações sindicais, ministérios da Educação, Estado e sociedade em geralassumam o desafio de estabelecer processos educacionais que proporcionem aosnossos povos a possibilidade real e objetiva de avançar para sua consolidação edesenvolvimento.

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Educação e sociedadeRaúl Leis

Panamenho. Secretário-geral do ConselhoLatino-americano de Educação de Adultos, Panamá.

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No praião criado pela maré baixa encontrei um grupo decrianças e jovens de uma aldeia de pescadores próxima, quedesenhavam sobre a areia enormes figuras de peixes e barcos,corações, datas e nomes. Em frente estava o edifício fechadoda escola, por causa das férias. Quando perguntei, um delesme contou que nunca em sua escola se havia usado a praia,como um grande caderno cheio de possibilidades pedagógicas.Para ele, a educação era sinônimo de aborrecimento emonotonia, e às salas de aulas só faltava o jota para expressaro que na verdade são: jaulas, que tornam prisioneiros osestudantes e professores através de uma educação conformista,repetitiva, baseada na memória e desprovida de participação.

Pensei como é difícil encontrar alguém que negue estaverdade irrefutável: o sistema educacional precisa de umaprofunda renovação e reestruturação. O nó do problema écomo reformar e quais são os objetivos fundamentais dessasmudanças necessárias.

É importante desencadear um processo de busca dealternativas à crise de um sistema educacional que não temcapacidade para responder com a qualidade e odesenvolvimento necessários a seus atuais e futuros educandos,e que tampouco possui capacidade inclusiva para conseguiradicionar segmentos da população que permanecem à margemda instrução, em muitos casos permanentemente, como afirmaAdriana Puiggros.

A proposta deve basear-se num pensamento inovador,entendendo operacionalmente a inovação como “condutas ouobjetos que são novos porque são qualitativamente diferentesde formas existentes, foram idealizados deliberadamente paramelhorar algum componente do sistema educacional formalou de práticas educacionais não formais, que melhoram o níveleducacional da população...” (Restrepo, 1985).

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NOVO MODELOcom visão de mudança

Isto carrega, implícita, a necessidade de umareconceituação do modelo pedagógico, a partir de uma visãoda mudança educacional, enfatizando na metodologia daeducação popular que traz elementos tão vitais como arevalorização do saber do educando, e sua relação com ocontexto, o que lhe outorgaria uma potencialidadetransformadora, posto que é fundamental que o processoeducacional expresse nossa cultura, capacidade deinterculturalidade, idiossincrasia, história, perspectivas eidentidade.

A proposta de educação popular integral implica acombinação de modalidades, formais e não formais, em ofertaseducacionais numa íntima relação com as realidades,aspirações e necessidades dos setores sociais com os quese trabalha. Qualidade e igualdade ligam-se como princípiosindispensáveis de um processo que deve abranger aintegridade dos eixos temáticos, a diversidade de gênero,cultura, idade, situação sócio-econômica, capacidade físicaou mental, e a pluralidade das formas educacionais ligadasà máxima qualidade possível.

Deve propiciar a criação de ambientes educacionais nosespaços cotidianos, estimulando a construção e diálogo desaberes. Redefinindo os processos educacionais em funçãode uma visão diferente do conhecimento e da participaçãodas pessoas em sua extensão, produção, aplicação eapropriação.

Trata-se de avaliar os processos de socialização voltadospara enriquecer e consolidar as capacidades individuais,grupais e coletivas dos setores (em particular, os setoresmarginais), através da recuperação e re-criação de valores,a revalorização da memória histórica, e a produção, apropriaçãoe aplicação de conhecimentos que permitam a participaçãoativa nas propostas de desenvolvimento nacional nos âmbitoslocal e regional.

A educação deve ser parte ativa dos processos sociaisque gerem ou reconstruam interesses, aspirações, cultura eidentidades voltadas para o desenvolvimento humano. Devecontribuir para o crescimento e a consolidação, tanto na teoriacomo na prática, dos valores de solidariedade, participação,zelo, honestidade, criatividade, senso crítico e o compromissoda ação transformadora. Busca desenvolver a capacidade dearticular propostas metodológicas participativas tanto noprocesso de ensino-aprendizagem como no planejamento,avaliação, decisão e gestão, assim como na compreensão,busca e solução de problemas, pois a atividade educacionaldeve ser espaço de desenvolvimento dessas capacidades, eestar vinculada tanto à participação social como às ciências,artes e tecnologia, desenvolvendo habilidades, destrezas,criatividade e capacidade de discernimento.

EDUCAÇÃO,prática e vida

É importante desenvolver a produção e apropriação coletivasdo conhecimento. Trata-se de capacitar as pessoas paraconstruir conhecimento e se apropriar criticamente doconhecimento universal acumulado, em vez de apenas transmiti-lo unidirecionalmente. Nesse processo, o ponto de partida ede chegada é a prática, constituindo o acumulado o momentode aprofundamento que permita à prática existente dar o saltode qualidade para uma prática melhorada, num processosempre ascendente. Nesse sentido, a proposta educacionaldeve ser atravessada pela ênfase participativa, a coerênciaentre métodos e técnicas.

Não há processo de educação se não se propicia a relaçãoestreita entre a educação e a vida, visualizando as pessoasnão só como beneficiárias mas também como atores principaisdo processo.

Não há processo deeducação se não sepropicia a relaçãoestreita entre aeducação e a vida

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Enquanto conversava e desenhava com eles e elas na área–um sol, rostos sorridentes e um cavalinho-do-mar–, pensava:só uma educação popular com raízes e asas poderá responderaos desafios presentes e vindouros. As raízes são arevalorização da memória e dos processos históricos, dasidentidades e culturas, dos compromissos originais com osexcluídos, segregados, esquecidos e oprimidos; do gênero,da idade e da etnia; da participação e da ética. As asassignificam a capacidade de renovar e inovar, o assumir asnovas tarefas criativa e audazmente, o escapar de dogmas eestigmas, e do medo de voar.

Uma educação integral significaria incluir também umapluralidade de eixos temáticos que expressem valores universaispouco integrados aos programas educacionais. Um caso é aquestão da participação da mulher, que na proposta deveriaresponder tanto a necessidades práticas (vida diária, cotidiana,educação sexual) como estratégicas de gênero (igualdade deoportunidades em diversos níveis), e também expressar ênfasesnão sexistas e produtoras-reprodutoras de novos valores.

Outro exemplo é o respeito à diversidade cultural e àquestão ambiental, onde se poderia integrar a perspectiva desustentabilidade a partir da dimensão local até a mais geral.

Outro caso é o da etno-educação, onde se parte darecuperação da metodologia implícita na cultura autóctone ese a conecta aos princípios universais válidos, desenvolvendouma proposta própria de educação, de acordo comnecessidades, contextos e cultura indígenas.

Também, quando se reconceitua o conceito de propagandapelo de comunicação política, conectando-o a uma relaçãohorizontal, que é mais eficaz para a obtenção de seus objetivos.Assim, desenvolveram-se interessantes propostas de educaçãopolítica de quadros, com partidos que reconhecem anecessidade de mudar seus métodos e estilos políticos. Napesquisa encontra-se todo o desenvolvimento da açãoparticipativa, sobretudo para processos micros, locais eregionais.

TRÊS DIMENSÕESem unidade

Neste sentido, a educação deve estar relacionada com oprocesso organizativo e a vida social da comunidade. Nãopode haver divórcio entre o cotidiano, necessidades epotencialidades das pessoas e o planejamento educacional.

Nesta prática transformadora, identificam-se três dimensões:

A dimensão do DESCOBRIR, RECONHECER, ou seja,do investigativo, da recuperação e da revalorização.A dimensão da APROPRIAÇÃO, ou seja, do pedagógico.A dimensão do COMPARTILHAR, DO EXPLICITAR,ou seja, do comunicativo.

Estas dimensões estão articuladas entre si, com as diversaspráticas e com a vida das pessoas. Nelas, a educação é umadimensão do processo. Não se trata, pois, só de melhorar os“atos pedagógicos”, sem tocar outras facetas de sua vida.Desta forma, isto não diminui a importância do papel daeducação integral, mas a coloca em seu lugar na dimensãoda APROPRIAÇÃO; assim como a comunicação populare/ou alternativa estariam mais no COMPARTILHAR e apesquisa participativa no DESCOBRIR.

A educação move-se entre o pólo do CONHECER e o doTRANSFORMAR. Não existe a possibilidade de conhecerse não se transforma, e vice-versa. São uma unidade dialética,que nos indica que não podemos realizar o fato pedagógicode conhecer para que depois venha a transformação. Pelocontrário, conhecemos transformando e transformamosconhecendo. Mas, na educação integral, fazêmo-lo sempre apartir do conhecer; não obstante, o transformar é o aspectoprincipal da contradição. Senão, o ato de conhecer teria seufim em si mesmo, no conhecimento per se.

Não existea possibilidade

de conhecer se nãose transforma,

e vice-versa

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Não há processo deeducação se não seoferece a estreita

relação entre aeducação e a vida,

visualizando aspessoas não apenascomo beneficiárias,

mas como atoresprincipais do processo

Conhece-se em função de e é narelação com o transformar que se dásentido ao conhecer. A avaliação real daatividade educacional não se mede combase na apropriação de conceitos, masna capacidade de provocar uma práticamelhorada ou com maior capacidade detransformar no sentido concreto.

Voltando às três dimensões(descobrir, apropriar-se e compartilhar),qual é a mais importante?Definitivamente, não se pode estabelecera todo momento o mesmo peso ouponderação entre elas. Emboraarticuladas, no operacional existemrelações de subordinação de acordocom as intenções e as particularidadesdo contexto, objetivos ou sujeitos. OUseja, um processo pode ser de pesquisaparticipativa ou de comunicação ou decapacitação. Entrando por uma das trêsdimensões, podemos abranger as outras.O importante é a integralidade e,sobretudo, o saldo, em termos da práticatransformadora. As três dimensões sãodeterminadas pelo pólo principal detransformar, mas de acordo com ritmose processos.

As três dimensões não podemtampouco reduzir-se ao puramenteinstrumental; exemplo: compartilhar éfazer o jornalzinho comunitário oudescobrir é um diagnóstico superficial.

Deve ser mais profundo, dinâmico econtínuo. Pesquisar é reconhecer-se;mas se não se consegue ir ampliandohistórica e gradualmente o que seconhece, isso pode ser um fator limitante.Todo o processo supõe tomar notas dastensões entre o micro e o macro, entreo partir e o chegar, entre o velho e onovo conhecimento, entre o pessoal e ocoletivo, entre o subjetivo e o objetivo,entre projeto e processo, entre eficiênciae eficácia, entre ciência e consciência,entre saber e sabor, entre qualidade eclaridade.

A educação integral deve conseguirrelacionar os objetivos com umapedagogia participativa e crítica e, paraisso, uma didática adequada necessitachaves, ferramentas eficazes (técnicas)para implementar todo o processo. Masestas técnicas, os métodos, os objetivos,a concepção, são coerentes no quadroda metodologia da práticatransformadora.

Não há processo de educação senão se oferece a estreita relação entrea educação e a vida, visualizando aspessoas não apenas como beneficiárias,mas como atores principais do processo.

A metodologia procura basear-se naintegralidade, relacionando as diversasrealidades como unidade articulada.Assim, não pode ser apenas “técnica”,

deixando de lado aspectos humanos ouéticos, ou apenas científica, ou apenasartística, ou apenas humanista, ou sóformal, ou só não formal. De preferênciadeve conectar, encontrar e complementarvárias dimensões.

É importante desenvolver a produçãoe apropriação coletiva do conhecimento.Trata-se de capacitar as pessoas paraconstruir conhecimento e se apropriarcriticamente do conhecimento universalacumulado, em vez de apenas transmiti-lo unidirecionalmente. Neste processo,o ponto de partida e de chegada é aprática, com o acumulado o momentode aprofundamento que permita à práticaexistente dar o salto de qualidade rumoa uma prática melhorada, num processosempre ascendente. Neste sentido, aspropostas educacionais devem seratravessadas por uma ênfaseparticipativa, a coerência entre métodose técnicas, entre outros temas.

Apresenta-se o desafio de comotrabalhar com realidades concretas,novas formas de pensar e fazereducação básica; novas formas dedimensionar o papel da sociedade, doEstado, da escola, dos professores, dossujeitos e dos apoiadores; novas formasde coordenar e construir alianças sociais;novas formas de conceber e construir ainfraestrutura educativo-cultural; novas

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EDUCAÇÃO INTEGRALe busca de coerência

É ou não é viável esta proposta de educação integral? O fato é que, se a educaçãonão consegue entrar na intencionalidade de políticas sociais, nos planos da sociedadecivil e nas capacidades organizativas comunitárias, corre-se o risco de ficar no limbodas idéias boas mas irrealizáveis. É necessária a existência de animadores e animadorascom capacidade de cativar, propagar, impulsionar a proposta, não só na esfera dasociedade civil, mas no estamento político e na economia privada.

Lembremos que, para a filosofia da educação integral, a prática social é o únicoe o melhor critério da verdade. A prática transformadora é complexa, múltipla eprocessual, onde uma metodologia dialética incorpora os girassóis de uma pluralidadede dimensões que se reflete no movimento da realidade. A educação deve inserir-senessa multiplicidade da prática para propiciar o reconhecimento, o ordenamento ea compreensão da mesma, para interpretá-la a partir de uma perspectiva social e aconverter transformadoramente em cotas de contribuição para um projeto libertador,que personalize (que os faça mais pessoas) aos humanos, ajude a converter oshabitantes passivos em cidadãos ativos. Isto implica a intervenção consciente,deliberada e crítica em forma de múltiplas ações da realidade multifacetada e complexa.

A educação integral é, pois, um processo sistemático e deliberado de compreensãoda prática social, para transformá-la conscientemente em função do processoorganizativo e na perspectiva de um projeto histórico de liberação. Em outras palavras,é um conjunto de ações articuladas sistemática e processualmente, com o objetivode compreender coletivamente a vida, para transformá-la de maneira organizada. Apalavra-chave é coerência, entre a prática e a teoria, entre o dizer e o fazer, entre asdimensões da vida.

O pano de fundo é, portanto, a metodologia da prática transformadora ou aconcepção metodológica dialética, que é válida não apenas para os fatos educacionais,mas também para o processo global de transformação, posto que se alinhava namultiplicidade da prática social para propiciar o reconhecimento, ordenamento ecompreensão da mesma, para interpretá-la a partir de uma perspectiva social e atransformar em função do projeto histórico.

Isto implica a intervenção consciente, crítica e deliberada em múltiplas dimensões,e ações de uma realidade múltipla e complexa. A educação privilegia, então, o métodode conhecimento da realidade, a inter-relação dialética das dimensões, a acumulaçãoe a articulação organizadora, e a identidade e a cultura.

formas de combinar e articular asdiferentes maneiras e modalidades deeducação em relação às expressõeseducacionais correspondentes a todosos grupos de idade; novas formas decaptar recursos e espaços.

A proposta pode constitui-se numaestratégia inovadora de educaçãointegral, que se expressesubsidiariamente tanto no plano funcionalcomo no territorial. No funcional, podeser composto por programaseducacionais de uma entidade,associação ou sindicato, que busqueincorporar seus associados ou nãoassociados em determinados níveis deeducação, capacitação ou formação. Noterritorial, pode ser um centro físicoinstalado numa comunidade que geraofertas educacionais em relação diretacom as aspirações, necessidades esaberes dos moradores.

Dessa perspectiva, a educaçãointegral não é sinônimo da “educaçãonão formal” ou da “educação de adultos”ou da “educação participativa”, mas astranscende, posto que, por seuplanejamento metodológico, pode gerarpropostas em diversas esferas, desde aeducação formal até a educação políticade quadros, passando pela alfabetizaçãode adultos ou a etno-educação.

A palavra-chave é coerência,entre a prática e a teoria,entre o dizer e o fazer,entre as dimensões da vida

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Milton LunaEquatoriano. Diretor-executivo

do Contrato Social pela Educação, Equador.

na mudança educacionalDOS DOCENTES

NECESSIDADE DA MUDANÇAe reforço da crise educacional

Na América Latina, cada vez mais se reafirma a convicção de que, sem educaçãonão haverá mudança possível, que a educação é um instrumento fundamental parao desenvolvimento humano, para o crescimento econômico, para a competitividade,para o aprofundamento da democracia, para a recreação e para o contato dasculturas, para a geração de cidadania e para o exercício dos direitos.

A educação não é um fim em si mesma, é um caminho. Mas também é umespaço para o consenso e para a geração de acordos.

No entanto, para que a educação contribua com sua influência benéfica, requerem-se muitas condições, entre as quais sobressaem ao menos três básicas:

a) Que a educação seja parte e apóie um projeto nacional.b) Que a educação seja considerada uma prioridade na agenda política dos Estados.c) Que as políticas educacionais de mudança sejam de consenso e assumidas por

todos os setores, especialmente pelos professores.

Em boa parte da América Latina, a educação está divorciada do destinado dopovo e de seu país. Uma educação desse tipo tem um impacto marginal nosprocessos de mudança. Esse fato é compreensível, porque os países carecem deum projeto nacional e, evidentemente, de um projeto educacional que o acompanhe.

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Se na agenda dos países são privilegiadas as políticas deestabilidade fiscal e equilíbrio macroeconômico, e se, emsegundo ou terceiro plano, estão as políticas sociais, entre asquais se encontram as educacionais, então a educação terápouca influência. Esta situação é vivida pela maioria dos paísesda região.

Embora a América Latina tenha alcançado níveis satisfatóriosem termos de cobertura, em qualidade a situação deixa muitoa desejar. Além disso, na maioria dos países esses indicadoresmostram a gravidade da crise educacional e do fracasso dasreformas.

Mas boa parte das reformas iniciadas nos anos 90responderam a um formato adaptado aos requisitos do modelode ajuste neoliberal; assim, prevaleceram políticas desenhadassob a óptica da gestão, da eficiência, da gerência e da reduçãodo Estado, impostas às costas dos movimentos docentes oucontra eles. Eis aqui uma das causas de sua eclipse.

A partir da análise dos fatores descritos, infere-se que, nasatuais circunstâncias, em vez de contribuir para a mudança,a educação reforça o status quo.

Não há poucas razões para acusar desta crise as elitesdos países e seus governos, mas geralmente tornam-seinvisíveis outros fatores e atores, como os professores, que,por múltiplas razões, seja por sua oposição aos modelosimpostos ou por seus próprios processos internos com relaçãoao desenvolvimento e ao exercício de sua profissão, tambémcolaboraram com o reforço do conservadorismo dos sistemaseducacionais.

DOCENTESem meio à tormenta

Por sua alta responsabilidade em classe, o professor seerige como um dos elementos essenciais das mudanças, mastambém se pode constituir em fator de estancamento.

A ação docente com respeito à questão da mudança podeser seguida ao menos em dois planos: um, na incidência naspolíticas educacionais através da dinâmica sindical; e outro,através do trabalho cotidiano nas classes.

Vários estudos sobre a conflitividade docente na AméricaLatina assinalam que as ações de fato e as estratégias políticasdos sindicatos, com algumas exceções importantes,circunscreveram-se à questão salarial. Este reducionismoreivindicacionista não permitiu que os docentes contribuam eincidam sobre as políticas educacionais de uma maneirasubstancial e transcendente. Além disso, as prolongadas e àsvezes contínuas paralisações debilitaram a qualidade e oprestígio da escola pública, em detrimento da formação dascrianças e dos jovens dos setores populares e médios, e embenefício do crescimento da escola privada1.

Com relação ao exercício docente e seu impacto em classe,podem-se anotar os seguintes pontos:

1. Um dos aspectos que determinam o exercício docente éo de sua formação inicial. Esta adoece com sériasdeficiências na maioria dos países da América Latina. Comefeito, a formação de professores não teve mudançassubstanciais durante todo o século XX. Certamente, nesseperíodo foram-se ampliando gradualmente os requisitosde acesso aos estudos e modificaram=se os conteúdosda preparação; no entanto, as reformas não afetaram demaneira profunda a organização e os currículos das escolasnormais 2.

2. Em contrapartida à estabilidade na formação e à escassacapacitação docente, houve mudanças radicais nossistemas educacionais, tanto em termos de expansãoquantitativa e geográfica, como em novas obrigações erequerimentos sociais e institucionais relacionados à função.Isto produziu um divórcio entre o sistema educacional e o

sistema de preparação do professorado 3.

1 Milton Luna, “La conflictividad docente enAmérica Latina”. UNESCO.

2 Inmaculada Egido, Francisco García Peña,Cristina del Moral, “La formación de profesorespara la enseñanza de la historia en la educaciónbásica. Así se enseña la historia”. ConvenioAndrés Bello, 1999, pp. 113 y 114.

3 Ídem, pág. 114.

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DESAFIOSEntão, para cumprir com a inelutável demanda história de

caminhar para uma mudança educacional, requeremosurgentemente não apenas colocar a educação na agendaprioritária de nossos países mas também articular a luta pelaeducação no bojo da reconstrução de um novo projeto nacional,onde o nacional seja pensado a partir de uma perspectiva sul-americana e latino-americana. Projeto que aponte para aintegração, a justiça social, a eqüidade, a interculturalidade,o desenvolvimento humano, o crescimento econômico e ofortalecimento da democracia.

Mas na luta por este objetivo devem ser envolvidos odocente e suas organizações.

Para isso, os sindicatos docentes precisam ampliar suasagendas em direção a propostas que impliquem incidir sobreas políticas educacionais e sobre a posta em prática dealternativas pedagógicas inovadoras. Precisam ampliar suabase social de alianças que apontem para a incorporação detodos os setores sociais e políticos numa agenda comum pelamudança na educação.

Mas tudo isso passa também pela criação e execução depolíticas educacionais com ativa participação dos professores.Mas sem que eles se erijam na vanguarda, nem coloquemseus interesses no núcleo do movimento de mudança.

O núcleo inspirador devem ser as crianças e os jovens.Deve ser o exercício pleno do direito a uma educação dequalidade. Deve ser o bem comum e a realização integral doindivíduo e da sociedade.

Mas, para levar adiante tudo isso, cabe perguntar-se: comointegrar a este movimento uma grande população docenteque está pouco inclinada à mudança? Aí está o maior desafiopolítico dos processos de transformação educacional atual efutura.

o papel dos docentes na mudança educacional

3. Os desafios de uma sociedade inundada com informação,os problemas e mudanças na socialização das crianças ejovens sobre-estimulados e “formados” pela TV e pelosvideogames, a maior desestruturação familiar, as novasexigências de um mundo do trabalho e de uma economiaque requerem novas destrezas, conhecimentos nos sereshumanos, a crescente necessidade de participação cidadã;tudo isso enfrenta uma escola e um sistema educacionalparalisados e impotentes. Enfrenta um ensino e um docenteformados com métodos tradicionais. “Estes fenômenos eoutros problemas caracterizam a atual vida escolar e tornamcada vez mais difícil e frustrante o trabalho de educar eensinar o docente”4.

4. A perda de prestígio social da carreira docente, a limitadaremuneração dos professores, as condições trabalhistaspouco adequadas para um exercício profissionalestimulante, afugentaram e afugentam os melhoresestudantes. Muitos dos jovens que iniciam estudos demagistério não o fazem por vocação, mas por falta dealternativas ou por fracasso em outras carreiras 5.

5. A perda de prestígio social do docente, a falta de atrativoeconômico e outros aspectos profissionais e políticosredundaram numa baixa de auto-estima do professorado.Mas esta questão da identidade também se relaciona coma perda de perspectiva histórica e política do docente nobojo de uma educação em crise e divorciada de um projetonacional.

6. O salário pouco estimulante dos docentes levou grandeparte dos professores a estabelecer estratégias desobrevivência que colocaram o exercício do ensino comoapenas uma das atividades que realizam num dia paraganhar a vida. Então temos o professor pluriempregado.No melhor dos casos, fica-se dentro do sistema, dandoaulas em dois ou três estabelecimentos. Senão, temos oprofessor-camponês, o professor-taxista, o professor-camelô,o professor-balconista, o professor-político, etc. Sendoassim as coisas, resta pouco tempo para a preparaçãodas aulas, a leitura e a capacitação permanente.

Todas essas condições geraram um grupo humano eprofissional cada vez mais pressionado, desestimulado,estressado e com pouca motivação para a mudança. E tudoisso redunda na crise do sistema educacional.

4 Klipper, Heinz, “Trabajo y aprendizaje asumidoscon responsabilidad propia. Elementos parala enseñanza de asignaturas”. Ed. Beltz, 2001,pág. 16.

5 Inmaculada Egido, op. cit., pág. 115.

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OS DOCENTESE O DESENVOLVIMENTO DE ESCOLAS INCLUSIVASRosa BlancoEspanhola. Especialista em Educação Inclusiva, Educação Infantil e Inovações Educativas;Escritório Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe,OREALC/UNESCO Santiago, Chile.

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Todas as crianças deveriamser educadas juntas naescola de sua comunidade,independentemente de suaorigem social, cultural e desuas características pessoais

O presente artigo consta de duas partes; na primeira éabordado o enfoque da educação inclusiva e suas implicaçõespara os sistemas educacionais, enquanto que, na segunda,são assinalados alguns aspectos relacionados com odesenvolvimento profissional dos docentes, para avançar emdireção ao fomento de escolas mais inclusivas.

A educação inclusiva é freqüentemente associada com aparticipação na escola comum das crianças com deficiênciase de outros alunos etiquetados com “necessidades educacionaisespeciais”; no entanto, é um conceito mais amplo, já que seufoco de atenção é a transformação dos sistemas educacionaispara atender à diversidade, eliminando as barreiras enfrentadaspor muitos alunos, por diferentes causas, para aprender eparticipar.

A educação inclusiva é, antes de mais nada, uma questãode justiça e de igualdade, já que aspira a proporcionar umaeducação de qualidade para todos aqueles que se encontramem situação de desvantagem ou vulnerabilidade, que sãomuitos mais que os alunos que apresentam necessidadeseducacionais especiais. Nesse sentido, supõe um estímuloimportante à agenda de Educação Para Todos. Tornar efetivoo direito à educação implica assegurar outros direitos, comoo da igualdade de oportunidades, o da participação, o da nãodiscriminação e o direito à própria identidade.

O direito à participação e à não discriminação significaque ninguém deveria sofrer nenhum tipo de restrição paraparticipar nas diferentes atividades da vida humana. Aconcretização desse direito no âmbito educacional é que todasas crianças deveriam ser educadas juntas na escola de suacomunidade, independentemente de sua origem sócio-culturale de suas características pessoais. A escolarização em escolasou grupos especiais, ou programas diferenciados, com caráterpermanente, deveria ser uma exceção e deveria ser garantidoque o ensino oferecido nesses casos equivalha ao currículocomum tanto quanto possível.

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O enfoque de educação inclusiva implica, assim, umaperspectiva diferente das dificuldades de aprendizagemenfrentadas por muitos alunos na escola. Tradicionalmente,estas se atribuem a fatores inerentes aos alunos (sua condiçãosocial ou familiar, suas capacidades, etc.), razão pela qual sepensava que o melhor era agrupar os alunos com as mesmasdificuldades para proporcionar-lhes um ensino especializado,sem se preocupar em modificar o ambiente e a respostaeducacional.

A partir de um enfoque inclusivo, pelo contrário, considera-se que as dificuldades de aprendizagem ou de participaçãosão de natureza interativa, ou seja, dependem tanto de fatoresindividuais como dos contextos em que eles se desenvolvem,razão pela qual qualquer aluno pode experimentar essasdificuldades ao longo de sua vida escolar. A oferta curricular,o clima da escola, as estratégias de avaliação ou as expectativasdos professores, entre outros, podem gerar dificuldades deaprendizagem e de participação nos alunos. Nesta concepção,o foco de atenção é introduzir mudanças no contextoeducacional e desenvolver formas de ensino que beneficiema todos. A intenção é que todos os alunos participem aomáximo do currículo e das atividades escolares, e se consideraque a melhor opção não é agrupa-los por suas dificuldadesem escolas ou grupos especiais, mas incluí-los nas escolascomuns.

O desenvolvimento de uma educação inclusiva tambémimplica uma mudança importante no papel da educaçãoespecial, a qual é concebida como um conjunto deconhecimentos, técnicas e recursos especializados, colocadosa serviço da educação comum para atender as necessidadeseducacionais especiais que possam surgir entre os alunos deforma temporária ou permanente. A tendência é de que oscentros de educação especial se transformem em centros derecursos e apoio à comunidade e às escolas comuns e quesó escolarizem os alunos com necessidades educacionaisespeciais muito significativas, embora também existamexperiências em que até esses alunos estão na escola comum.

os docentes e o desenvolvimento de escolas inclusivas

Para tornar efetiva a plena participação é necessário, poroutro lado, assegurar a igualdade de oportunidades, ou seja,oferecer a cada pessoa as ajudas e recursos que necessita, deacordo com suas características e necessidades individuais,para que esteja em igualdade de condições de aproveitar asoportunidades educacionais e de atingir o máximodesenvolvimento e aprendizagem. A participação plena implicater voz e ser aceita pelo que uma pessoa é; por isso, éfundamental assegurar o direito à própria identidade, na medidaem que determina o ser humano como individualidade noconjunto da sociedade, promovendo sua liberdade, autonomiae auto-governo.

A educação inclusiva implica uma visão diferente daeducação comum, baseada na diversidade e não nahomogeneidade. Considera-se que cada aluno tem necessidadeseducacionais e características próprias, fruto de sua procedênciasocial e cultural e de suas condições pessoais com relação amotivações, competências e interesses, fatores que sãointermediários nos processos de aprendizagem, fazendo comque cada caso seja único e não repetível. As diferenças sãouma condição inerente ao ser humano e, portanto, a diversidadeestá dentro do “normal”.

A partir dessa concepção, a ênfase está em desenvolveruma educação que valorize e respeite as diferenças, vendo-ascomo uma oportunidade para enriquecer os processos deensino e aprendizagem e não como um obstáculo a ser evitado.A resposta à diversidade requer uma maior flexibilidade daoferta educacional e uma diversificação do currículo, de formaque todos os alunos atinjam competências básicas, através dediferentes propostas com relação às situações de aprendizagem,horários, materiais e estratégias de ensino, que sejamequivalentes em qualidade.

As escolas inclusivas desenvolvem meios de ensino quecorrespondem às diferenças grupais e individuais e, por isso,beneficiam todas as crianças e contribuem ao desenvolvimentoprofissional dos docentes. Também favorecem o desenvolvimentode atitudes de respeito e valorização das diferenças, decolaboração e solidariedade, que são a base para aprender aviver juntos e para a construção de sociedades mais justas edemocráticas e menos fragmentadas e discriminadoras.

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A educação inclusivaimplica umatransformação dacultura das escolas

ESCOLAS INCLUSIVAS e competências docentesÀ luz do exposto, cabe perguntar-se quais são as

competências que deve ter um docente para enfrentar o desafiode uma educação inclusiva e como será a formação queproporcione tais competências. Não são perguntas fáceis deresponder em tão breve espaço, mas vale a pena assinalaralguns aspectos.

Requer-se, antes de mais nada, um docente que se atrevaa assumir riscos e experimente novas formas de ensino, quereflita sobre sua prática para transformá-la, que valorize asdiferenças como elemento de enriquecimento profissional eque seja capaz de trabalhar em colaboração com outrosdocentes, profissionais e famílias. Um docente que personalizeas experiências comuns de aprendizagem, ou seja: queconheça bem a todos os seus alunos e seja capaz de diversificare adaptar o currículo; que proponha diferentes situações eatividades de aprendizagem; que ofereça múltiplasoportunidades; que tenha altas expectativas com relação àaprendizagem de todos os seus alunos e lhes ofereça o apoiode que precisam, e que avalia o progresso deles em relaçãoao seu ponto de partida e não em comparação com os outros.

Se queremos que os docentes sejam inclusivos e tambémcapazes de educar na e para a diversidade, é necessário quese produzam mudanças importantes em sua própria formação.Em primeiro lugar, as instituições de formação docente deveriamabrir-se à diversidade e formar docentes representativos dasdiferenças presentes nas classes. Em segundo lugar, deveriamser preparados para ensinar em diferentes contextos erealidades e, em terceiro lugar, todos os professores, seja qualfor o nível educacional em que atuam, deveriam terconhecimentos básicos, teóricos e práticos, sobre a atençãoà diversidade, a adaptação do currículo, a avaliaçãodiferenciada e as necessidades educacionais mais relevantesassociadas às diferenças sociais, culturais e individuais.

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Não obstante, por melhor que seja a atitude e a capacidadedos docentes, eles necessitam de apoio para responder àdiversidade dos alunos, razão pela qual é necessário contartambém com profissionais com uma formação especializada,que possam colaborar com os docentes para atender a certasnecessidades educacionais dos alunos, especialmente aquelasderivadas das diferentes deficiências. Há que pensar na criaçãode centros de recursos comunitários, que incluam diferentesperfis profissionais com funções complementares, já que oapoio dos docentes provenientes da educação especial nãoé suficiente para atender plenamente a diversidade.

Esses profissionais de apoio deveriam colaborar com osdocentes, nunca substituí-los, na análise dos processoseducacionais, identificando e promovendo as mudançasnecessárias para otimizar a aprendizagem e a participaçãode todos os alunos e alunas. Dessa forma, beneficia-se oconjunto da escola e se reduz o aparecimento de dificuldadesde aprendizagem que têm origem num ensino inadequado.Para conseguir o entendimento e o trabalho conjunto com osdocentes, seria muito desejável que a formação de caráterespecializado se realize “a posteriori” da formação geral e atémesmo depois de se ter certa experiência de trabalho emclasse.

Quanto à formação contínua, já que a educação inclusivaimplica uma transformação da cultura das escolas, amodalidade de formação centrada na escola, como totalidade,é uma estratégia muito válida para modificar as atitudes epráticas, e para conseguir que os docentes tenham um projetoeducacional inclusivo compartilhado. Há, além disso, suficienteevidência de que a formação de docentes isolados nãoconsegue que se produzam mudanças significativas na culturadas escolas.

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os docentes e o desenvolvimento de escolas inclusivas

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* Consultor da UIE, Hamburgo (Alemanha), daUNDP, da USAID. Participou como convidadonos congressos do ICAE, no Cairo (Egito), OchoRíos (Jamaica), CEAAL, em Havana (Cuba),Santiago (Chile). Professor-visitante daUniversidade Kyungman, em Masan (Coréia doSul), da Universidade Federal da Paraíba, emJoão Pessoa (Brasil), da Universidade Federalde Pernambuco, no Recife (Brasil), daUniversidade de Santiago do Chile (Chile), daUniversidade Metropolitana de Ciências daEducação, em Santiago (Chile) e da UniversidadeNormal da China, em Pequim (China). Apresentoutrabalhos em reuniões internacionais naUniversidade da Cidade do Cabo, África do Sul;na Universidade de Sydney (Austrália), Torontoe Montreal (Canadá), Seul (Coréia do Sul), Méxicoe Estados Unidos.

Durante os anos 90, a maioria dos países latino-americanosdesenvolveram políticas educacionais orientadas para umarenovação do sistema educacional, em parte como resultadode uma adequação a processos econômicos de globalização.Mudanças estruturais, assim como curriculares, foram a tônicadesse período (OREALC/UNESCO, 2000; Reimers, 2000).

No entanto, os elementos inerentes ao ensinar, como aformação docente, as mudanças referentes às aprendizagense a própria função do ensino nos novos contextos nãoreceberam atenção com a mesma rapidez com que se geravamas transformações se efetuavam em todo o sistema educacional,acima de tudo pela complexidade que a mudança representouem suas múltiplas facetas, tais como a reorganização dosistema, o surgimento de novos paradigmas no manejo doconhecimento e sua associação com a tecnologia, assim comoo reordenamento do status social atribuído aos docentes.

No caso específico da educação de adultos, podem-secitar outros três elementos indicativos, que se somam a essacomplexidade: a grande variedade regional de práticas nessaárea, as numerosas intersecções entre programasgovernamentais e não governamentais, produto da conjunturajovens e trabalho, que irrompe fortemente neste período, e aqueda do valor agregado na educação de adultos, comoresultado de políticas dessemelhantes na região (Shugerensky,2001; UNESCO, UIE, 2003). Mesmo assim, é possível mostraravanços durante esse período que permitem estabelecer bonsresultados qualitativos, ao mesmo tempo em que se devereconhecer os desafios contidos nos avanços e complexidadesna área de educação de adultos.

Em termos de avanços, três países –Chile, Brasil y México–destacam-se em seu trabalho por elaborar e avançar paraalém das cifras e estatísticas nacionais de analfabetismo eintegração, educação e trabalho. No caso do Chile, as políticaseducacionais buscam integrar a educação de adultos àtotalidade da reforma educacional. Para isso, implementam-se planos dedicados a jovens, como segmento participativona educação de adultos tradicional (Chile Califica), reformam-se programas e se promove a modularização de níveis deaprendizagem (OREALC/UNESCO, UIE, 2003). Aqui se destacaum programa novo e único de estágios internacionais paradocentes de sala de aula, que inclui os educadores de adultos(Jeria, 2004).

Por outro lado, no México, o Instituto Nacional para aEducação dos Adultos (INEA) desenvolve o Modelo Educaçãopara a Vida e o Trabalho (MEVyT), o que permite umadiversificação e ampliação da oferta e cobertura para umagrande parte da população. Assim, o MEVyT inclui material deformação educacional e reforça as ações de formação deeducadores. Da mesma forma, o INEA desenvolve um sistemade avaliação e acompanhamento de indicadores de qualidadede programas, o que constitui uma contribuição valiosa paraum dos vazios de informação mais importantes na região. Porúltimo, desenvolve o conceito de praças comunitárias comoespaços educacionais abertos à comunidade, equipados comcomputadores e com um acervo de materiais impressos eeletrônicos, onde jovens e adultos podem concluir sua formaçãobásica através das novas tecnologias da informação e dacomunicação (Mendoza, 2004).

O Brasil, por sua vez, criou um sistema com a participaçãode fundos estatais e privados, o que permitiu um acesso maiore a ampliação dos programas a partir de pontos diferentes,seja para jovens, trabalho ou alfabetização (OREALC/UNESCO,UIE, 2003). Estes exemplos permitem mostrar que, sob certascondições, é possível otimizar resultados, quando existe umavontade e uma certa consistência política.

DOCENTESE EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Jorge Jeria*Chileno. Diretor da Faculdade de Educação de Adultos,Universidade Northern Illinois, DeKalb, Estados Unidos.

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Ainda existem inúmeros desafios para a região. Uma dasdificuldades não superadas na formação são as condiçõesde trabalho dos profissionais do ensino, a segmentação domercado de trabalho, a significação diferente daprofissionalização, os tipos de certificações, o tipo de formaçãoe os diferentes salários para uma mesma atividade. Some-sea isso a diferenciação entre aqueles com credenciais deinstitutos de educação superior, os alfabetizadores, e aquelestrabalhando na comunidade, alguns voluntários, outros semi-voluntários. Essas dificuldades geralmente resultam de políticaseducacionais que contêm distorções e superposições deprogramas, ou, como no caso do Brasil, programas de tipofederal, estadual e local aplicados a populações de risco deforma duplicada.

Uma segunda dificuldade refere-se ao desconhecimentode pesquisas e teorias sobre aprendizagem e sobre o adultoem particular. Muitos dos profissionais que trabalham nessesetor são oriundos da educação profissional primária ousecundária, e em sua formação desconhecem aspectoscognitivos próprios da educação de adultos, usos de conceitosde auto-direção nas aprendizagens, assim comodimensionamento do conhecimento e da aprendizagem comrelação a suas diferentes modalidades. Pouco se pesquisasobre as interseções de classe, etnia e gênero e sua relaçãocom a aprendizagem e o conhecimento, embora o Brasil e oMéxico apresentem, a nível de educação superior, pesquisasnessa área (Jeria, 2003).

Por último, um dos desafios mais importantes consiste nareconstrução da identidade do docente, do sujeito tradicionalque entrega conhecimentos ao sujeito ativo e gestor doconhecimento. Em outras palavras, “trata-se de considerar osdocentes como sujeitos e delineadores das propostaseducacionais integradoras, e não como seus meros executores;como profissionais, pensantes, autônomos, criativos ecomprometidos com a mudança educacional” (CEPAL,UNESCO, 2005).

REFERÊNCIAS

CEPAL, UNESCO (2005). Invertir mejor para invertir más. Financiamientoy gestión de la educación en América Latina. Series seminarios yconferencias, nº 43, p. 99.

Jeria, J. (2003). El estado del arte en la investigación de la educaciónde adultos en América Latina. OREALC/UNESCO, Pátzcuaro.

Jeria, J. (2004). Teacher training: new competencies for nationaleducation policy initiatives: the case of Chile. Proceedings of theconference “Human resource development in Asia: harmony andpartnership. Seul (Coréia do Sul), pp. 36-42.

Mendoza, S. (2004). "Educação de pessoas jovens e adultas: a políticapública no México". In Alfabetização e cidadania. Revista de Educaçãode Jovens e Adultos, nº 17, maio 2004, pp. 37-51.

OREALC/UNESCO (2000). Regional report of the Americas: anAssessment of the ‘Education for All’ Program in the year 2000 (Santiago,Chile: OREALC/UNESCO). In G. Fischman e S. Gvirtz: “An overviewof educational policies in countries of Latin America during the 1990s”.J. Education Policy, 2001, Vol. 16, 6, pp. 499-506.

OREALC/UNESCO, UIE (2003). Towards the state of the art of adultand youth education in Latin America and the Caribbean. RegionalLatin American report for the CONFINTEA Mid-Term Review Conference,Bangkok.

Reimers, F. (ed.) (2000). Unequal schools, unequal chances: thechallenges to equal opportunity in the Americas (Cambridge: DRCS-Harvard University). In G. Fischman e S. Gvirtz: “An overview ofeducational policies in countries of Latin America during the 1990s”.J. Education Policy, 2001, Vol.16, 6, pp. 499-506.

Shugurensky, D. y Myers J. (2001). Cinderella and the search for themissing shoe: Latin American adult education policy and practiceduring the 1990s. J. Education Policy, Vol.16, 6, pp. 527-546.

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Docentes dos rincões mais longínquosdo país puderam passar temporariamentedo giz ao áudio, da lousa ao vídeo e dolivro de texto à internet

TIC E FORMAÇÃO DOCENTEUMA VISÃO DO PARAGUAI

William CampoParaguaio. Docente do Mestrado em Educaçãoe Tecnologias da Informação em Educação,Universidade do Norte, Paraguai.

Embora a formação docente no uso de Tecnologias deInformação e Comunicação (TIC) – vídeo, rádio, TV, internet,informática educativa – nos últimos anos tenha sofrido avançosimportantes na América Latina, ainda restam demasiadosdesafios que dependem, entre outros aspectos, das condiçõessócio-culturais e econômicas de cada país e da seriedadecom que se encare a formação integral de formadores.

No caso do Paraguai, podemos mencionar que, emboratenham ocorrido avanços importantes no posicionamento dasTIC na formação de professores em exercício e em formaçãoinicial, o impacto dessa área ainda é incipiente. Não obstante,os avanços existentes adquirem grande transcendência,considerando que o país está realizando uma corrida contrao tempo a nível educacional, que o tire do obscurantismo queo cobriu durante quase 40 anos e o ponha frente ao novomilênio.

As experiências destacadas em formação contínua e inicialde docentes no país, que incorporam TIC, permitiram queprofessores de setores rurais remotos e de zonas urbanasmarginalizadas tenham seus primeiros contatos com ferramentas

tecnológicas e de acesso à informação. As experiências deeducação à distância existentes foram artífices, em muitoscasos, de que docentes dos rincões mais remotos do paíspudessem passar temporariamente do giz ao áudio, da lousaao vídeo e do livro de texto à internet – algo que não teria sidopossível sem a intermediação dos programas de formação.

Também é importante destacar que, embora os docentescapacitados, em sua maioria, tenham uma atitude positiva comrelação às TIC como ferramentas didáticas, existem porémsérios riscos de que alguns discursos institucionais possamcair no reducionismo tecnologista, que supõe que o acessoàs máquinas e à tecnologia implica, por si só, uma melhoriasubstancial na qualidade da educação.

Além de conceber a noção de TIC como aquela que seocupa só de informática, informática educativa, internet eplataformas de aprendizagem. São poucas as experiênciassistemáticas de uso didático do vídeo, do rádio ou da TV, assimcomo a formação crítica de telespectadores, considerandoque estes meios são os mais comuns para o acesso àinformação por parte dos educadores e da cidadania em geral.

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Um educadormotivado mas poucoqualificado não temmuito raio de ação

TIC e formação docente

Não se pode esquecer, além disso, que os resultadosótimos só são possíveis se existe continuidade eacompanhamento das experiências formadoras nas mesmasinstituições educacionais, que é onde se espera que ocorramas ações-chave e o impacto maior. Os processos de formaçãoque dependem exclusivamente de réplicas ou multiplicaçãode aprendizagens convertem-se em aventuras marginais compoucos resultados.

Assim, a motivação do docente e sua formação ótima,como agente transformador, continuam sendo pedras angularessobre as quais repousa a Reforma da Educação no país.Portanto, é preciso monitorá-las e mantê-las elevadas à enésimapotência, como a melhor das equações.

Um educador motivado, mas pouco qualificado, não temmuito raio de ação.Assim como um docente qualificado mas desmotivado(sobrecarregado de atividades e sem criatividade em classe).Nenhum dos dois terá um papel de protagonista, salvo nasestatísticas oficiais de cobertura educacional.

Em conclusão, os desafios da educação no país mudarammuito, no fundamental, com relação a tempos passados: foi econtinuará sendo essencial o docente bem selecionado, comexcelente formação em sua área e com um alto grau demotivação.

O que de fato mudou, e muito, foi justamente o que seentende por “saberes do docente”: as novas competênciasque se exigem dele e o contexto em que se desenvolve suaação. A capacidade de acesso e a informação de qualidade,o olhar crítico e responsável sobre os problemas que afetamsua sociedade e o desenvolvimento de competênciastecnológicas destacam-se hoje como insumos-chave para suaação transformadora.

Nos projetos existentes de formação em TIC e através deTIC, boa parte dos docentes participantes estão ainda emníveis básicos de alfabetização informática. São poucas asexperiências de sucesso onde os professores planejam eimplementam com certa efetividade ambientes deaprendizagem com apoios tecnológicos e os implementamnas classes para melhorar a eficiência do processo.

Uma barreira importante que se pode encontrar é asustentabilidade no tempo de projetos de formação docenteinicial e contínua com altos níveis de qualidade, que incluamcompetências tecnológicas. Começam com força mas sedesgastam por falta de recursos para sua continuidade e depolíticas gerais que lhes dêem consistência para manter-se alongo prazo e estabelecer padrões de qualidade para o país.Sem essas condições, os docentes em exercício e em formaçãonão obtêm as competências necessárias para cumprir seupapel, o que deteriora a imagem profissional do docente e suamotivação.

Por outro lado, embora existam algumas experiênciasincipientes, é pouca a produção de materiais nacionais deinformática educativa, internet e meios audiovisuais, para odesenvolvimento adequado de conteúdos da ReformaEducacional que se implementa no país.

PISTAS E DESAFIOS com o olhar no docente

Para avançar mais do que se avançou até agora, a realidadeparaguaia exige políticas centrais do ministério da Educaçãoe Cultura sobre as TIC, que sejam apoiadas por uma gestãoeficiente, recursos reais para a sustentabilidade de experiênciase continuidade. Nessa conjugação, dever-se-ia ter comoobjetivo a conversão da internet num bem público, considerandoo alto custo das tecnologias para a educação (software,hardware, licenças) e o trabalho com software livre. Além deenvolver os meios de comunicação, como o rádio e a televisão,de grande importância nos processos educacionais atuais eque estão mais ao alcance da população.

É imprescindível, também, formar equipes interdisciplinaresde trabalho no nível central, não só do MEC, mas também coma participação de instituições privadas e profissionais comampla experiência na área, que possam contribuir no projetoe consolidação de uma visão integral das TIC na formaçãodocente e na educação em geral.

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Uma revisão superficial daquilo que os sistemas de informação educacionalproduzem regularmente sobre os docentes revela, claramente, que abordamsistematicamente alguns aspectos cujo alcance é limitado ao objetivo de expor aquestão docente.Com efeito, os sistemas de informação costumam produzir dados sobre: número dedocentes, nível de certificação formal, relação aluno/docente 1. Mesmo nesses casos,a informação não costuma ser suficientemente clara e sua utilização carece,ocasionalmente, de rigor.

Da mesma forma, as avaliações dos sucessos acadêmicos dos estudantescontinuam lidando com a impossibilidade de explicar uma fração importante dasvariações nos níveis deles. Se os docentes são atores-chave na aprendizagem, seráque isto não tem relação com as limitações na geração de informação substantivasobre os docentes e suas práticas?Concretamente, os docentes são agentes protagonistas de primeira ordem doprocesso educacional e, por isso, é preciso buscar explicar suas ações enquantotais. Assim o entende o Foco 2 do PRELAC e, portanto, o Escritório Regional deEducação da UNESCO iniciou um processo destinado a fomentar o estabelecimentode sistemas de informação sobre docentes que procurem levar em consideraçãode modo abrangente este papel de atores.

César GuadalupePeruano. Assessor Regional para a América Latina e o Caribe,Instituto de Estatística da UNESCO, Santiago, Chile.

SISTEMAS DE INFORMAÇÃOSOBRE DOCENTESALTA PRIORIDADE MAS BAIXA EXPLORAÇÃO. Um comentário necessário.

1 Estes dados nem sempre são claros. O númerode docentes pode referir-se a pessoascontratadas em tempo parcial ou integral, acontratos ou postos na estrutura de sistemaseducacionais. A certificação só informa sobrerequisitos cumpridos, que não correspondemnecessariamente a níveis de desempenho. Arelação aluno/docente, que é apenas umindicador de nível de investimento em recursoshumanos, costuma ser usada como equivalenteao número de alunos por grupo.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 183

sistemas de informação sobre docentes

Para isso é necessário, em primeiro lugar, construir umquadro para a reflexão que permita identificar as dimensões-chave. Estas correspondem às seguintes perguntas: Quemsão os docentes? Que fazem, qual é sua prática? Qual é ocontexto institucional no qual se desenvolvem? O atuar dosdocentes – que fazem? – há de ser entendido como o resultadodo encontro entre as características desses atores – quemsão? – num ambiente institucional dado – em que contexto?.De sua parte, as praticas e o contexto impactam, finalmente,as próprias características dos docentes, de suas ações e docontexto ao longo do tempo.

Requer-se informação para analisar, por exemplo, em quemedida o arranjo institucional (salário, seleção, etc.) forma umconjunto coerente de condições que melhora as aprendizagensou qual é o impacto de longo prazo na composição da forçadocente.

Dessa maneira é possível propor que o agir docente seráum elemento ativo crucial para o sucesso dos objetivoseducacionais, dependendo das condições institucionais nasquais estes se desenvolvem e das características pessoais eprofissionais de que cada docente é portador e põe em açãono exercício de seu trabalho.

Realmente, as condições institucionais estabelecem osmarcos do que se considera legítimo ou desejável com respeitoà sua prática. Os níveis de formação que se demanda e osníveis de exigência de normas que se espera, além dos níveissalariais, as expectativas de carreira profissional, etc., sãoelementos que informam os docentes potenciais e os que estãoem serviço sobre o que o sistema espera e oferece 2.

De sua parte, os ativos culturais, os objetivos particularese familiares, as trajetórias profissionais e outros atributos daspessoas contribuem para definir a maneira como cada docenteexperimenta e desenvolve seu trabalho, tanto em termos dosrecursos que pode mobilizar em sua tarefa (seus própriosativos culturais) como em relação ao seu grau de satisfaçãoe à forma como percebe o quadro institucional no qual sedesenvolve, suas responsabilidades dentro dele e asnecessidades de aprendizagem de seus alunos.

Esse tipo de reflexão e desafio permitirão identificarnecessidades de informação que vão além do que estáatualmente disponível e que conduzirão à construção de umaimagem melhor, que informe a formulação, a execução e aavaliação das políticas educacionais.

2 Por exemplo: um sistema que ofereceremunerações cada vez menores ou exigênciasinsignificantes tende a reter aqueles commenores competências, menores opções deemprego e compromisso; isso resulta em baixosníveis de prestígio social da profissão. Pelocontrário, um sistema que exige maiscompetências, ao mesmo tempo em queassegura condições de trabalho de acordo comessas exigências e com a transcendência dotrabalho esperado, tende a atrair e reter osmelhores profissionais; isso resulta em maiorreconhecimento social do trabalho docente ecria um círculo virtuoso.

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ENTREVISTA COM O DR. ÓSCAR IBARRASecretário-adjunto da KIPUS

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¿Que sentido e significado tem para o senhor a criação de ummecanismo de interação sobre formação docente, como a RedeKIPUS?

—O sentido da KIPUS é a estruturação de mecanismos de articulação e integraçãodo saber pedagógico, para estabelecer seu uso social como saber fundamental daprofissão docente, como fonte da formulação e da prática do “conhecimento queeduca” e na consolidação da região.

A Rede explica-se pela necessidade de afiançar a educação como práticatransformadora de realidades sociais e culturais, sobre a base do respeito àsdiferenças e à diversidade do ensino, o reconhecimento dos espaços educacionaisdas entidades formadoras de professores e a construção de um universo de sentidoque nos ermitã crescer espiritual, científica e tecnicamente, apoiados em nossassemelhanças como nações e como povos para dialogar com a cultura da globalizaçãoa partir da perspectiva da formação docente.

revistaprelac

ENTREVISTAS

REDE DOCENTE PARAA AMÉRICA LATINA E O CARIBEKIPUS, UMA REDE A CAMINHO

A Rede Docente para a América Latina e o Caribe (KIPUS) foi organizada paratrocar informação, debater, gerar projetos e propostas conjuntas. Sua aspiração éocupar um lugar de protagonista no cenário de políticas e estratégias da educação,no campo da formação e do desenvolvimento profissional e humano dos docentesna região.

Nasceu como uma iniciativa do Encontro de Universidades Pedagógicas,promovido pela Universidade Metropolitana de Ciências da Educação (UMCE) doChile, em maio de 2003, e conta com o apoio técnico da OREALC/UNESCO Santiago.A constituição da Rede se definiu na Carta de Santiago, firmada inicialmente poroito instituições formadoras de docentes de seis países latino-americanos.O Encontro de Honduras, em setembro de 2004, concordou em abrir a Rede paratodo tipo de instituições e pessoas envolvidas com a questão docente e não apenasàqueles que trabalham na formação de docentes. Em fevereiro de 2005, a RedeDocente para a América Latina e o Caribe definiu como seu nome-símbolo a palavra“KIPUS”.

A Rede conta com uma Secretaria Executiva e com uma Secretaria Adjunta parafacilitar sua gestão. No momento, o Dr. José Martinez Armesto, pró-reitor daUniversidade Metropolitana de Ciências da Educação do Chile, exerce a SecretariaExecutiva, e o Dr. Óscar Ibarra Russi, reitor da Universidade Pedagógica da Colômbia,a Secretaria Adjunta. A coordenação técnica da KIPUS foi delegada para a Área deFormação e Trabalho Docentes da OREALC/UNESCO.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 185

A KIPUS é um esquema relacional das instituições públicas e privadas formadorasde docentes e pesquisadoras da educação, de caráter regional, que, apoiadas emsua natureza pedagógica, em seu impacto na formação de professores para um denossos países, em sua responsabilidade pública de garantir a qualidade e a excelênciade seus processos acadêmicos, nas novas tecnologias da informação e dacomunicação, e nos postulados universais da academia, decidem unir-se parabuscar, de maneira coletiva, alternativas de desenvolvimento e crescimento.

A Rede pretende garantir os processos materiais que permitem a mobilidade deprofessores e estudantes das universidades e institutos pedagógicos, a circulaçãode conhecimento científico próprio da educação, o conhecimento e o contraste daspesquisas pedagógicas e educacionais, a circulação e o debate sobre as políticaspúblicas que afetam a formação dos educadores e o desenvolvimento dos sistemasde ensino, para garantir o respeito ao profissionalismo do professor em cada paíse sua adequada valorização nos âmbitos sócio-culturais, e a implementação e oaperfeiçoamento da educação no âmbito de sua influência.

São potencialidades a construção coletiva do saber pedagógico, a circulaçãosistemática do conhecimento, o contraste permanente de pesquisas, a potencializaçãodas inovações na formação, o fortalecimento das comunidades acadêmicas, a ajudamútua no desenvolvimento das instituições formadoras, o equilíbrio das políticas deformação e o enriquecimento mútuo em enfoques e métodos de aperfeiçoamentodo setor educacional de cada país e dos sistemas da região.

Suas limitações são comuns a esse tipo de organização; o importante é a buscae o desenvolvimento de projetos que superem a disparidade de critérios, a debilidadedos sistemas de comunicação, a tendência burocrática dos diretores, o isolacionismodas entidades educacionais de governo, os custos de mobilizações de professorese estudantes, o pouco desenvolvimento de uma cultura de integração e a falta devontade política dos dirigentes educacionais.

¿Que tipos de atores ligados diretamente ou indiretamente à formaçãodocente deveriam participar de uma Rede como esta? Quais já estãoparticipando? Qual é a tendência com relação ao nível de contribuiçãodesses atores?

—Em primeira instância, as universidades dos países, por serem o lugar naturalda academia e da inteligência educadora na perspectiva da formação de professoresna educação superior. Pela ordem, também deveriam participar as redes deFaculdades de Educação das diversas universidades oficiais e privadas dos países,por serem parte ativa no desenvolvimento do profissionalismo dos professores e naconstrução da pedagogia e de suas aplicações no ensino; em seguida, as redesde escolas normais superiores e dos institutos pedagógicos. Também podemparticipar da rede os institutos de pesquisa educacional e pedagógica, os centrosde formulação de políticas públicas em educação dos ministérios, as agênciasestatais e multilaterais dedicadas ao desenvolvimento educacional, as organizaçõessindicais de professores, estes últimos como convidados especiais.

Rede Docente para a América Latina e o Caribe

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ENTREVISTA COM O DR. JOSÉ MARTÍNEZSecretário-Executivo da KIPUS

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Com respeito ao nível da contribuição acadêmica e decomunicação das entidades que formam a Rede e das quepotencialmente podem vincular-se, considero que, pela ordem,as mais dinâmicas foram e serão as universidades pedagógicase as redes de Faculdades de Educação. Com menor grau decontribuição, as escolas normais e institutos pedagógicos,porquanto não têm um desenvolvimento homogêneo em todo ocontinente.

Quais são as articulações que a KIPUS deveriaestabelecer com outros setores da educação e comoutros campos de atividade social? Com quem? Comque sentido e possíveis impactos?

—A KIPUS deve primeiro consolidar-se como uma redepotente, capaz de produzir o impacto que pretende nas instituiçõesformadoras de formadores e de pesquisa educacional, nosministérios e nos meios sindicais dos professores. Em segundainstância, sem que isto suponha uma linearidade, deve ocupar-se de suas articulações com os centros geradores de políticaspúblicas em educação, os ministérios, as entidades multilateraisde desenvolvimento educacional e social, os centros de pesquisacientífica e técnica, as redes de meios de comunicações públicas.

Em terceiro lugar, a KIPUS deve articular-se com os centrosde difusão e promoção das culturas nacionais, os empresáriose o setor produtivo dos países, e finalmente com os grupos edirigentes políticos que tornam possíveis as transformaçõesnormativas.

Com todas essas articulações, pretende-se estabelecer umacirculação sistemática entre as demandas sociais e a produçãode conhecimento científico e técnico, a formulação de propostasde formação de formadores mais pertinente, mais eficaz e demaior qualidade para a educação da região, através das práticasdo professor como agente fundamental.

Neste momento estão participando oito universidadespedagógicas nacionais e numerosas associações e redes deFaculdades de Educação, escolas normais e institutospedagógicos, de acordo com a legislação própria de cadapaís.

As instituições que participaram nos encontros internacionaisrealizados – o primeiro deles em Santiago, em maio de 2003;o segundo em Lima, em novembro de 2003; e o terceiro emSan Pedro Sula, Honduras, em setembro de 2004 – mostraramas seguintes tendências fundamentais:

A experiência de participação na Rede transformou-as eminstituições que refletem sobre sua própria atividadeeducacional e pedagógica, críticas diante de suas propostasformativas e abertas a receber opiniões e teses que lhespermitam um melhor desenvolvimento dentro de atitudes deproposição.A valorização da Rede para o desenvolvimento dasinstituições formadoras, como meio de comunicação eintegração entre as comunidades acadêmicas e para amobilidade de estudantes e professores dentro de umaestratégia de fortalecimento de nossa região.O necessário impacto da Rede para o fortalecimento dapesquisa educacional, o desenvolvimento de redes deinteração de docentes e pesquisadores, a proposta deinovações e a consolidação de políticas educacionais.A contribuição da Rede à qualidade acadêmica dasinstituições, ao debate internacional sobre a educação e aofortalecimento de esquemas de transformação social,apoiados no melhor desenvolvimento profissional dosprofessores e na consolidação da pedagogia como disciplinafundamental da prática do ensino.As novas TIC como elementos importantes de potencializaçãoda Rede e de sua eficácia a serviço das sociedades.

Que estratégias e projetos poderiam e deveriam realizar-se dentroda Rede KIPUS? Existem alguns delineados ou em execução?

—Sim, há alguns projetos de pesquisa que se iniciaram dentro da Rede e quereceberam impulso importante da OREALC/UNESCO. Entre eles está a questão dotratamento educacional da Aids; há outra questão sobre a priorização docente eestamos aqui preparando outro projeto, e que também seria apoiado pela Rede, eque tem a ver com o que é a mobilidade acadêmica e estudantil.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 187

A Rede estimula a geração de projetos que têm a ver comformação docente, e esses projetos que mencionei são os queforam gerados a partir de encontros com instituições formadoras.Portanto, são bem-vindos dentro da Rede.

Porque um dos temas fundamentais da Rede, na minhaopinião pessoal, tem a ver com a internacionalização dasinstituições de educação superior. Então, internacionalizar asinstituições é um dos aspectos básicos, tem a ver com aquestão do intercâmbio de experiências, com o trabalhoconjunto, o fomento à pesquisa e a transmissão de informaçãoexistente em diferentes países constitutivos da Rede. Ou seja,para além da questão que existia antigamente das relaçõesinternacionais entre instituições, o que nós pretendemos é odesenvolvimento da formação docente sob um modelo comumde consenso.

Em meio a essas realizações, em graus diferentesde execução, que contribuições da Rede KIPUS osenhor poderia identificar na sua instituição até omomento?

—Há uma que acredito ser de muito valor. Porque estarede partiu de uma iniciativa nossa dentro da universidade.Ou seja, no Chile se propôs há uns quatro ou cinco anos aquestão da educação superior e o papel que devem cumpriras universidades. Então, falou-se muito de universidadescomplexas, aquelas que abarcam um espaço de informaçãoprofissional, um espaço de pesquisa a nível universitário, e sedescobriu que, dentro do país, havia universidades que nãoeram complexas no sentido da universidade humboltiana, masque eram universidades especializadas. Então, quandoassumimos a gestão da universidade, como reitoria, entre ascoisas que eu tinha pendentes havia a questão da validadeda existência de universidades pedagógicas ou, dito de outramaneira, instituições exclusivamente dedicadas à formaçãodocente.

Porque antes não nos fazíamos essa pergunta, já que nasuniversidades tradicionais existem Faculdades de Educação.Uma formação que tem a ver com a especialidade, digamos,uma pessoa que estudou história, entra na Faculdade deEducação e se forma como pedagogo; ou seja, há dois tiposde formação separados no tempo. Então, nossa pergunta foi:que validade têm as universidades pedagógicas? Quevantagens oferecem?

Era parte do dilema que havia dentro do país. Ocorreu-meconversar com os reitores, com a idéia de juntarmos asuniversidades pedagógicas da América Latina. A idéia foiacolhida. Conversei aqui com a OREALC/UNESCO e pedi opatrocínio do ministério e botamos a coisa em funcionamento.Então, começamos a entrar em contato com os reitores e seformou o Primeiro Seminário de Universidades Pedagógicasda América Latina. Já haviam ocorrido outras tentativas.

Com uma Rede a caminho como a KIPUS, que outrasexpectativas de apoio, de realizações de projetoso senhor teria para sua instituição?

—Um projeto que nos interessa muito é a questão dainternacionalização da universidade. Por que? Nós estamosconscientes que nossa universidade teve um papel históricode apoio a muitas universidades e países da América Latina;então, nós pensamos: por que não fazer um esforço para poderfomentar o intercâmbio de experiências na área da formaçãodocente. Nós tivemos bastante sucesso na área da formaçãodocente.

Fizemos um projeto de melhoria curricular que já tem cincoanos e já temos as primeiras promoções. Então, queremosapoiar essa experiência e receber a experiência de outrasinstituições. A questão da internacionalização tem duas vias.

Agora, o que nós queremos receber, como contribuiçãodas outras instituições, é a questão da pesquisa. A pesquisaeducacional. Nós partimos de uma base de que, depois deuma boa formação docente, se não se tem ou não se criaconhecimento sobre a formação docente, ou seja, é um campoque está à espera de ser aberto. Perguntando-se pela AméricaLatina, quanto se pesquisa sobre a formação docente? Hámuita teoria, fala-se muito, mas fatos concretos, como saberaquelas estratégias pedagógicas, quais são essas estratégiascurriculares ou propostas curriculares que realmente permitamformar um profissional. Sou contra o conceito de vocação; eucreio que a profissionalização do docente é fundamental. Ouseja, eu posso ter vocação para ser engenheiro, mas se nãome formo profissionalmente, não avanço o suficiente.

Finalmente, nós insistimos em que as reformas consigammudanças na sala de aula. Porque, senão, o que ocorre quando,na sala de aula, o docente está diante de 30-40-45 alunos,deixa de lado toda reforma e dá as aulas à sua maneira? Oimportante é demonstrar que somos capazes de mudar aqualidade do que se ensina a nível de sala de aula.

Rede Docente para a América Latina e o Caribe

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ENTREVISTA A LA DOCTORA LEA CRUZUniversidade Pedagógica NacionalFrancisco Morazán, Honduras

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Quáis são as projeções futuras?

—Eu comecei a trabalhar aqui em 1985 e as redes estavam na moda. Então, osobstáculos ou debilidades que têm é a rápida perda de interesse do participanteem continuar alimentando o fluxo da Rede. Porque a Rede é um fluxo de informação,de atividades, de conhecimentos. Então, esse é um ponto difícil. É necessário mantera Rede viva e também os encontros. É chave, também, potencializar ao máximo aweb e a internet.

Outro ponto é tratar de unir as instituições e outro, ainda, é dar-lhes uma mobilidade.O que nos interessa é a mobilidade dos estudantes. Nós já temos três anos demobilidade estudantil... com muito pouco dinheiro. Agora, o pessoal que vai a umseminário, um trimestre ou um semestre, volta completamente mudado, porqueconhece outras realidades, se compara. A mobilidade dos acadêmicos também éfundamental; os acadêmicos devem passar um tempo com seus colegas e participarna formação docente em outro aspecto. A partir deste ano, nós já teremos o períodosabático. A Rede vai facilitar esses encontros e intercâmbios de mútuo benefício.

Que estratégias e projetos poderiam e deveriam ser realizados dentroda rede KIPUS? Existem alguns planejados ou em execução?

—Um dos objetivos fundamentais da Rede KIPUS é converter-se num espaçode intercâmbio de conhecimentos, publicações e geração de projetos que promovama qualidade da educação. A UPNFM sente-se orgulhosa de ser parte desta aliançae penso que, dentro deste projeto, podemos compartilhar as experiências que outrasinstituições latino-americanas têm no campo da avaliação institucional e dodesempenho docente, fundamentalmente com aquelas que completaram os processosde credenciamento. Essas questões pontuais são de grande interesse para nossainstituição, já que consideramos que, sem processos permanentes de avaliação,tanto as instituições como os programas dificilmente responderão aos níveis dequalidade e pertinência que cada sociedade e o contexto globalizado exigem.

É por isso que a UPNFM, a partir de 1998, dentro do SICEVAES-CSUCA, criouum sistema de auto-avaliação e avaliação externa de cada uma de suas carreirasde pré-graduação, as quais atualmente se encontram em processo de melhoria daqualidade, com a expectativa de serem credenciadas a nível regional. Além disso,este ano começamos a trabalhar na avaliação institucional, razão pela qual estaríamosinteressados em conhecer as experiências que outras instituições regionais têmnesses campos e conhecer suas lições apreendidas.

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EDUCAÇÃO PARA TODOS. 189

Que contribuições concretas a Rede KIPUS poderia identificar na suainstituição até o momento? Quais outras linhas de contribuição esperaria?

—Considerando que a Rede KIPUS é um projeto relativamente recente, uma dasrealizações concretas ocorridas em nossa instituição foi o Segundo Encontro Internacionalda Rede de Formação Docente da América Latina e do Caribe, aqui em San Pedro Sula,em setembro de 2004, evento que contribuiu para o desenvolvimento da comunidadeuniversitária que represento.

A curto e médio prazo, a UPNFM esperaria concretizar os intercâmbios de docentes,tanto a nível de pré-graduação como de pós-graduação, bolsas de pesquisa, planejamentoe implementação de projetos conjuntos em questões como a formação de professoresna América Latina, a formação inicial de docentes, a formação de formadores, aparticipação em espaços de reflexão sobre a qualidade da educação e a formaçãodocente, tanto em eventos presenciais como online. Assim, achamos que é importanteestabelecer vínculos a partir da Rede com diversos organismos através dos quais nós,estudantes e docentes que formamos esta Rede, possamos optar por bolsas emprogramas de formação docente implementados na região.

Qual poderia ser a melhor contribuição de sua instituição ao mecanismoda Rede KIPUS?

—Todas as instituições têm uma experiência valiosa que foram consolidando poucoa pouco; no entanto, de maneira particular, a UPNFM está pronta para trocar informaçõese conhecimentos gerados através das pesquisas que faz e publicações que edita.

Assim, estamos à disposição para oferecer nossas experiências dentro da ReformaEducativa que se implementa no país, onde a UPNFM está liderando o processo detransformação das escolas normais, para desenvolver um modelo integrado de formaçãoinicial, profissionalização e capacitação docente, através do qual, a partir deste ano, osfuturos docentes da educação básica obterão o grau acadêmico de licenciatura.

Outro projeto que a UPNFM executa é o dos Centros de Excelência, onde promoveo estudo de estratégias para a melhoria da leitura e da escritura; e também o Projeto deMelhoria da Educação Técnica das Matemáticas, assuntos de muito interesse para oseducadores da região.

Quanto à atenção às necessidades especiais, a UPNFM e seu Centro de Pesquisae Inovação têm uma experiência de mais de 15 anos, o que pode também interessar aoutros centros educacionais. Além disso, ampliamos a cobertura de atenção à diversidade,atendendo estudantes com necessidades especiais e de grupos étnicos (cuja línguamaterna não é o espanhol), nas diversas carreiras de pré-graduação.

Poderíamos também colocar à disposição da Rede a experiência que acumulamosna preparação de avaliadores externos; neste sentido, vejo a formulação de um projetoconjunto como uma contribuição de nossa parte, a curto prazo.

Não duvido da importância que tem a Rede para todos os educadores da região;estou muito otimista e acho que, através dela, consolidaremos uma estratégia decooperação horizontal.

Rede Docente para a América Latina e o Caribe

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educação para todos

O Educação para Todos (EPT), quadro doutrináriocentral da UNESCO, enfatiza a questão docente em várias desuas orientações. Confere especial importância ao desenvolverda chamada Meta 6 de Dakar.

A Meta de Dakar número 6, “melhorar todos os aspectosqualitativos da educação, garantindo os parâmetros maiselevados, para que todos consigam resultados de aprendizagemreconhecidos e mensuráveis, especialmente em leitura, escrita,aritmética e competências práticas essenciais”, considera aformação docente entre os pressupostos de seu sucesso: umaformação docente suficiente, pertinente e de qualidade. Tambémse preocupa com as condições de desempenho dosprofessores, afirmando que “melhorar a condição social, oânimo e a competência profissional dos docentes” é uma das12 estratégias para conseguir a EPT.

O Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe(PRELAC)* tem como uma de suas insígnias e contribuições principais cinco focosestratégicos. Focos que delimitam campos prioritários para estimular mudanças queaproximem os países do cumprimento dos objetivos do Educação Para Todos.

Embora os focos não abordem questões excludentes entre si, pois alguns cruzamtodas elas, o Foco 2 dedica-se com exclusividade à questão do fortalecimentodocente. Por sua importância como referencia e como carta de navegação para ospaíses da região, reproduzimos seu texto central.

Foco 2: Nos docentes e no fortalecimento de seu papel de protagonistasna mudança educacional, para que respondam às necessidades deaprendizagem dos alunos.

… Consiste em apoiar políticas públicas que reconheçam socialmente a funçãodocente e valorizem sua contribuição para a transformação dos sistemas educacionais.Essa necessidade surge do esgotamento que se observa do papel cumprido pelosdocentes na educação tradicional, associado principalmente à transmissão deinformação, à memorização de conteúdos, a uma escassa autonomia nos projetose na avaliação curriculares, a uma atitude passiva frente à mudança e à inovaçãoeducacional, e a um jeito de trabalhar de caráter mais individual do que cooperativo.

* O PRELAC foi aprovado pelos ministros daEducação da região na Primeira ReuniãoIntergovernamental, realizada em novembro de2002 em Havana (Cuba).

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O DOCENTE COMO PROTAGONISTAEPT E PRELAC

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Por outro lado, é preciso formar docentes com ânimo e competências novospara enfrentar os desafios da educação do século XXI no contexto atual das mudançaspolíticas, sociais, econômicas, culturais, tecnológicos, do mercado de trabalho e dasociedade do conhecimento e da informação. Para que os docentes disponham doentusiasmo e do compromisso requeridos para suas novas tarefas, é necessárioque se preste a devida atenção à saúde no trabalho e ao estado emocional em quese encontram. Da mesma maneira, deve-se considerar os docentes como sujeitose como elaboradores de propostas educacionais integradoras e não como merosexecutores delas; como profissionais reflexivos, autônomos, criativos e comprometidoscom a mudança educacional; com competências suficientes para desenvolver aaprendizagem informal e à distância; e para relacionar-se produtivamente com outrasmodalidades educacionais hoje desvinculadas da escola.

O docente deve ser formado nas competências requeridas para satisfazer asnecessidades de aprendizagem fundadas também nas emoções dos alunos. Adificuldade da tarefa docente está em exercer suas competências de conhecimentocognitivo e compreensão emocional junto a uma diversidade crescente de alunose para se desempenhar em diferentes opções, modalidades e contextos educacionais,para adaptar-se à permanente mudança do conhecimento, para utilizar criativamenteas vantagens das novas tecnologias e para trabalhar em redes e aprender dotrabalho colaborativo entre pares.

As políticas que apontem para uma modificação na profissionalização docentesupõem uma mudança de caráter sistêmico. Isto é, não se podem renovar as políticasdocentes se não se mudam as da escola. Trata-se de uma modificação recíproca,já que a mudança do papel docente pode ser considerada como uma conseqüênciada mudança integral da escola e, ao mesmo tempo, uma condição para mudá-la.A transformação das políticas públicas sobre a profissionalização docente supõe,portanto, uma mudança nas políticas de gestão, nos projetos curriculares, naadministração do sistema e nas políticas trabalhistas e de segurança social.

Esse foco estratégico se desenvolverá através de:

Projeto de políticas públicas que considerem mudar de maneira integral o papeldocente.Incentivos à criação de redes internacionais, regionais e nacionais de escolas,alunos e docentes.Capacitação de docentes, tanto em sua etapa de formação inicial como emserviço.Apoio e incentivos aos docentes que trabalham em situações de vulnerabilidadesocial.Desenvolvimento de ações orientadas a atrair homens à profissão docente.Criação de redes de apoio e de centros de recursos.Superação do modelo tradicional de fazer políticas públicas, que distingue entrequem as concebe e quem as executa.

EDUCAÇÃO PARA TODOS. 191

EPT E PRELAC

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que contribua para conseguir aprendizagens de maior qualidadepara todos.

Na Inovemos, adota-se uma perspectiva de desenvolvimentoprofissional onde o docente realiza um trabalho social quepromove oportunidades de aprendizagem para todos, e nãoé só um recurso para melhorar a qualidade educacional.

O Circuito de Desenvolvimento Profissional daRede Inovemos, assim como outros circuitos, abriga e difundeinovações, experiências educacionais, material bibliográfico,links de interesse e documentação sobre áreas específicas;e, através de sua estrutura interativa, permite o diálogo, aparticipação e o intercâmbio de reflexões e idéias.Esse circuito recolhe temáticas relacionadas com odesenvolvimento profissional dos docentes, diretores,orientadores escolares, tutores, especialistas e outrosprofissionais.

Ele inclui um amplo cadastro de experiências e inovaçõessistematizadas sobre formação inicial e contínua, carreiradocente, liderança e participação, avaliação do desempenho,sistemas de incentivos e apoio escolar. Também oferecemateriais de apoio e informação no âmbito das novastecnologias, alfabetização, gênero, exclusão social, valores eeducação para a vida, entre outros.

A Rede Inovemos, Rede Regional de InovaçõesEducacionais para a América Latina e o Caribe(http://innovemos.unesco.cl) é um espaço interativo e fórumpermanente de reflexão, produção, intercâmbio e difusão deconhecimentos e praticas sobre a inovação e a mudançaeducacionais, que contribui para melhorar a qualidade e aigualdade da educação em seus diferentes níveis educacionais,modalidades e programas.

A Rede Inovemos, criada em 2001 e coordenada pelaOREALC/UNESCO Santiago, com financiamento do governoespanhol, é constituída por 15 países: Argentina, Bolívia, Brasil,Colômbia, Chile, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, México,Panamá, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.A Inovemos se organiza como uma rede regional de redesnacionais integradas por instituições de natureza diferente;escolas e programas educacionais não formais, centros depesquisa e promoção educacional, ministérios da Educaçãoe universidades. Os paises-membros agrupam-se em tornode seis circuitos temáticos que funcionam no interior da rede:Desenvolvimento Institucional, Desenvolvimento Curricular,Desenvolvimento Profissional, Educação e trabalho, Diversidadee Igualdade, e Democracia e Cidadania.

Ela contribui para a transformação de concepções e práticaseducacionais, gerando conhecimento a partir da e para aprática, desenvolvendo uma cultura inovadora nos docentese sua capacidade de analisar criticamente sua prática. Nessesentido, um princípio fundamental da Rede Inovemos é aarticulação entre inovação, pesquisa, formação docente epolíticas educacionais.

Hoje em dia, as reformas educacionais, as teorias sobrea aprendizagem e o ensino, os avanços tecnológicos e acrescente diversidade dos alunos propõem novos desafiosaos docentes e tornam mais complexo sua atividade. Osdocentes e outros profissionais da educação precisam contarcom informação significativa para a tomada de decisõeseducacionais e, nesse sentido, a Inovemos constitui um apoioimportante. Com efeito, um dos principais papéis da Rede édesenvolver processos de pesquisa e avaliação das inovações,para ir consolidando um corpo de conhecimentos sobre ateoria e a prática das inovações e a mudança educacional

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CIRCUITO DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

REDE INOVEMOS

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Quem são os professores?CARREIRAS E INCENTIVOS DOCENTES NA AMÉRICA LATINA

Autor: Juan Carlos Navarro (editor). Publicado pelo BID, 2002

O livro investiga as possibilidades de melhorar a qualidadedo ensino e o papel dos docentes, a partir de uma perspectivaimportante: os incentivos. Explora o conhecimento existentesobre docentes e o tipo de incentivos que existem em diversospaíses, e seus impactos na qualidade das aprendizagens.

Professores na América Latina:NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE SUA FORMAÇÃO E DESEMPENHO

Autores: Juan Carlos Tedesco, Emilio Tenti, Inés Aguerrondo,Denise Vaillant, Beatrice Ávalos, Guiomar Namo de Mello eoutros. Publicado por PREAL e BID.

Conscientes da deterioração sofrida pela profissão docentee dos recursos destinados a aperfeiçoar sua formação iniciale em serviço, os texto – discutidos em seminários – abrem umaampla discussão sobre os avanços alcançados e as inovaçõesintroduzidas. Os temas centrais são: avaliação da práticaprofissional do docente; formação inicial e aperfeiçoamentodos professores; qualidade dos professores; incentivos einovações.

ENCONTROS

II Encontro Internacional da Rede de FormaçãoDocente da América Latina e do Caribe (agora KIPUS).Tema: “O desafio de formar os melhores professores”.Organizado pela Universidade Francisco Morazán, deHonduras, pela OREALC/UNESCO, pelo Instituto Internacionalpara a Educação Superior na América Latina e no Caribe daUNESCO e pelo programa PROEDUCA/GTZ-Peru. Setembrode 2004.

O evento congregou 42 instituições de 15 países. O debateconcentrou-se em formação docente, profissionalização, perfilde formadores e avaliação de instituições formadoras.

Primeiro Encontro sobre Formação de Professores,Profissão e Trabalho Docente

Realizado em Bogotá em abril de 2004, dentro do FórumLatino-Americano de Políticas Educacionais (FLAPE), cujacoordenação na Colômbia está a cargo da UniversidadePedagógica Nacional.

Os temas centrais foram: política educacional e formaçãode professores, normas sobre profissão e condições de trabalho,atores sociais e formação, indicadores para monitoramento eavaliação.

PUBLICAÇÕES

Formação docente: uma contribuição ao debate.A EXPERIÊNCIA DE ALGUNS PAÍSES

Autores: Errol Miller, Beatrice Ávalos, Eleonora Villegas-Reimers,Teresa Mauri Majós, Georges Soussan, Bob Moon, Dr. DroriDaniel. Publicado pela UNESCO Santiago.

Conjunto de trabalhos vinculados à formação inicial e emserviço em diferentes países, que, apesar de provir de contextosmuito diferentes, têm a mesma preocupação com a busca deuma formação docente adequada à realidade de nossos dias,países e estudantes.

O texto visa a abrir a reflexão e vislumbrar novos caminhos,que permitam aos docentes tornar-se verdadeiros protagonistasdas mudanças educacionais. Este livro pode ser baixado em:http://www.unesco.cl/medios/biblioteca/documentos/formacion_docente_un_aporte_discusion.pdf

RESENHAS

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