Predestinação

download Predestinação

of 119

description

Dr. Cristofani - Sobre a Predestinação

Transcript of Predestinação

  • PredestinaoPredestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani

    Boa Nova Educacional

  • PREDESTINAO:

    PREDESTINADOS PARA SERMOS IMAGEM DE CRISTO

    JOS ROBERTO CRISTOFANI

    CAMPINAS

    1986

  • Palavra do Autor

    Este trabalho sobre Predestinao eu escrevi

    como exigncia para a concluso do meu curso

    de Teologia no SPS - Seminrio Presbiteriano do

    Sul da IPB em 1986. J faz tempo!

    Por isso, conservei a grafia, a metodologia da

    poca para registro histrico, pelo que voc leitor

    e leitora devem me perdoar, tambm aos erros

    aqui e acol, que porventura ainda persistem.

    Abordei o tema da Predestinao sob o ponto de

    vista histrico, teolgico e exegtico. Como todo

    calouro conclui o trabalho propondo um

    acrscimo Confisso de F de Westminster.

    Mas no se assuste, apenas o acrscimo do texto

    bblico que eu tratei aqui.

    Portanto, este e-book a recuperao de um

    texto, que reflete um tempo e um modo, j

    passados, de eu fazer teologia.

    Desejo uma boa leitura.

  • ndice

    Introduo |01

    Captulo I - Preliminares |05

    Captulo II - A Doutrina Na Histria Da Igreja |16

    Captulo III - A Doutrina |39

    Captulo IV - Argumento Teolgico |54

    Captulo V - Argumento Exegtico |68

    Concluso |105

    Bibliografia |108

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 1

    INTRODUO

    A razo principal, alm da exigncia constitucional, de

    termos escolhido a Doutrina da Predestinao como

    assunto base de nossa tese, foi a necessidade sentida

    em trazer um aspecto prtico desta maravilhosa

    doutrina.

    Mas como encontrar um aspecto prtico desta doutrina,

    algo que possa ter implicao para o dia a dia?

    Foi levantando esta questo que optamos por estudar

    somente umas das partes da Predestinao, isto , a

    Eleio. Aqui cabe lembrar que os telogos dividem a

    Predestinao em duas partes1 a saber: Eleio, que

    a Predestinao em relao aos homens que sero

    salvos e Reprovao, que a Predestinao em relao

    1 L. Berkhof, Manual de Doutrina Crist, pp. 84-85; H.B. Smith, System of Christian Theology, p. 505.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 2

    aos homens que foram deixados em seu estado de

    pecado.

    Ao tratarmos da Eleio, no temos em mente a

    pretenso de faz-lo exaustivamente, nem de fazer

    uma exposio completa de todos os seus aspectos,

    nem ainda uma apologia de tal doutrina, muito menos

    de esgotar o assunto. O que na verdade tentaremos

    fazer, ser abordar, dentro da Eleio, apenas um nico

    particular, isto , tratar apenas de um dos propsitos da

    Eleio.

    Por isso ns propomos a tese, baseada em Romanos

    8.29:

    O propsito de Deus na eleio

    conformar os escolhidos imagem

    de Cristo

    justamente no estudo desse aspecto que podemos

    encontrar uma aplicao prtica para o dia-a-dia, no

    que haja outras, mas a nossa proposta aqui encontr-

    la.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 3

    No decorrer do estudo de algumas questes certamente

    sero levantadas, questes que so verdadeiras teses e

    que certamente precisaro de outros trabalhos para

    esclarece-las. Assim, trabalharemos de maneira a

    tentar resolver a tese proposta.

    O roteiro que seguiremos ser o seguinte:

    No captulo primeiro, sob o ttulo Preliminares, faremos

    a dissertao histrica, mostrando como surgiu o

    documento confessional que adotamos como texto para

    o nosso assunto, isto , a confisso de f de

    Westminster.

    Trataremos dos antecedentes histricos da Assemblia

    de Westminster, da sua composio, seu funcionamento

    e seus resultados.

    No captulo segundo, cujo ttulo : A Doutrina da

    Predestinao na Histria da Igreja, tentaremos

    descobrir quando tal doutrina comeou a ser discutida,

    como foi primeiramente formulada e seu

    desenvolvimento na histria da Igreja em suas

    sucessivas etapas, que foram: Igreja Antiga, Medieval

    e Reformada.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 4

    No terceiro captulo focalizaremos, sob o ttulo: A

    Doutrina, como as Confisses de F definiram a

    doutrina e como os telogos a conceberam em seus

    compndios, tendo sempre em vista que estaremos

    com isso tratando ou no do propsito de Deus na

    Eleio.

    Com o ttulo de: Argumento Teolgico, que o nosso

    quarto captulo, faremos uma reviso na literatura

    teolgica a respeito da finalidade da Eleio e

    sistematizaremos textos bblicos que comprovam nossa

    tese, tudo do ponto de vista teolgico.

    Finalmente no quinto captulo, com o ttulo de:

    Argumento Exegtico, tentaremos comprovar nossa

    tese biblicamente.

    Procederemos uma exegese de Romanos 8.29 no

    mtodo gramtico-histrico, que nos possibilitar um

    embasamento eminentemente bblico a respeito da tese

    proposta.

    Portanto, passaremos imediatamente ao estudo.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 5

    CAPTULO I

    PRELIMINARES

    Tendo determinado o tema, os objetivos, e mtodos do

    nosso trabalho, passaremos a considerar a Confisso de

    F do ponto de vista histrico.

    Um dos smbolos de f adotado pela IPB a Confisso

    de f de Westminster e nesse captulo nosso desejo

    fazer um apanhado histrico da Assemblia que

    produziu os smbolos de f (Confisso de F, Catecismo

    Maior e Catecismo Menor), que foram adotados pela

    Igreja.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 6

    ANTECEDENTES HISTRICOS2

    Para temos uma viso panormica desta Assemblia

    necessrio considerar os antecedentes polticos e

    religiosos que levaram convocao da mesma.

    Polticos e religiosos, pois a Igreja Anglicana da

    Inglaterra era oficial e seu representante mximo era o

    Rei.

    Os primeiros passos em direo ao protestantismo, na

    Inglaterra, remontam ao reinado de Henrique VIII.

    Por essa poca o povo ingls estava sobrecarregado de

    taxas impostas pela Igreja Romana. O

    descontentamento era geral. Se se arvorasse a

    possibilidade de uma ruptura com tais imposies, seria

    bem-vinda pelo povo, principalmente pela comunidade

    mercantil que ascendia dominao de posses.

    O fator decisivo para desencadear uma onda de

    restries a Roma, foi a vida conjugal de Henrique VIII.

    2 E.E. Cairns, O Cristianismo Atravs dos Sculos, pp. 266-279; J.L. Gonzales, Uma Histria Ilustrada do Cristianismo, vol. 6, pp.121-135; R.H. Nichols, Histria da Igreja Crist, pp. 175-180; P. Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I, pp. 701-722.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 7

    Este queria separar-se de sua esposa para tentar gerar

    um herdeiro com Ana Boleyn.

    O pedido de anulao do seu casamento, foi anulado

    pelo papa Clemente VII, fato que levou o Rei da

    Inglaterra a declarar-se chefe da Igreja em seu reino, e

    conseguir que os clrigos, que nomeou, anulassem o

    seu casamento.

    A separao de Roma foi to somente de liderana, mas

    no teolgica, pois na Inglaterra a Igreja continuou,

    romana em teologia, fato notrio nos seis artigos de

    Henrique VIII3.

    Entretanto, por influncia de Ana, houve concesso aos

    protestantes. Outro fator importante que a Bblia

    estava disposio do povo em sua lngua verncula.

    Com Henrique fora de cena, pois a morte o havia

    alcanado, seu sucessor, Eduardo VI promoveu, sob a

    tutela do regente, reformas religiosas maiores que se

    pai. Entre as mudanas revogou os seis artigos.

    Agora a Inglaterra estava caminhando para sua

    3 H. Bettenson, Documentos da Igreja Crist, pp. 274-275.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 8

    reforma. Mas com Maria Tudor, sua sucessora, o

    catolicismo voltou a ter fora no reino, pois ela revogara

    as mudanas de Eduardo VI desencadeando uma

    grande perseguio aos protestantes que se exilaram

    em outros pases, como a Esccia, Sua, etc.

    O povo britnico no queria extremos religiosos, apesar

    de estar dividido em catlicos e protestantes. Assim

    com a ascenso de Elizabeth ao trono, fez com que o

    Parlamento aprovasse o Ato de Supremacia4 em 1559

    o qual lhe garantia o governo supremo do Reino.

    Outras mudanas foram conseguidas e reunidas

    formaram os 39 Artigos. bom lembrar que a

    Assemblia de Westminster teve como primeiro

    objetivo reformular estes artigos.

    Com a morte de Elizabeth em 1603, assumiu o reinado

    Tiago VI da Esccia que se tornou Tiago I em Inglaterra.

    Tiago, com uma pssima reputao, era homossexual,

    deu privilgios muitos de seus prediletos o que

    provocou o descontentamentos dos Puritanos, que

    4 H. Bettenson, op. cit.., pp. 275-276.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 9

    eram os exilados que haviam voltado ao reino e que

    traziam novas concepes, tanto polticas como

    religiosas em matria de governo eclesistico, e os

    Lords que iam tendo seus privilgios reduzidos. Ambos

    pertenciam ao Parlamento. Os primeiros tinham lugar

    na Cmara dos Comuns ou Baixa e os segundos na

    Cmara Alta.

    Outro fator que agravou o relacionamento do Rei com o

    povo foi sua vontade de manter a monarquia absoluta

    e sistema episcopal do Anglicanismo favorecia esta

    atitude real. Alm disso, por estar muito prximo do

    catolicismo, tanto em doutrina como em ritual, o

    Anglicanismo levantou os nimos dos Puritanos que

    queriam um governo eclesistico mais bblico,

    defendendo o Presbiterianismo, e tambm o nimo dos

    Independentes ou Congregacionais que criam na

    independncia de cada congregao.

    Tiago I havia dissolvido e convocado o Parlamento por

    diversas vezes, por ser este o rgo que aprovava a lei

    que regia os impostos. A convocaes e os imediatos

    dissolvimentos do Parlamento se processaram de

    acordo com a necessidade financeira do Reino que por

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 10

    aqueles dias era desesperadora. A Inglaterra estava

    beira da guerra civil.

    Carlos I foi o rei que assumiu, em 1625, aps a morte

    de seu pai. Casado com a irm de Lus XIII na Frana5

    Carlos I fez muitas concesses aos catlicos.

    Carlos cria na monarquia absoluta apoiada pelo

    episcopado como forma instituda divinamente e por

    isso lutou tentou obrigar o Parlamento subservincia,

    no conseguindo, governou de 1629 a 1640 sem ele.

    Sendo Rei tambm da Esccia, Carlos tentou impor um

    novo livro de orao comum Igreja da Esccia6. Isso

    provocou o zelo7 dos escoceses que atacaram e

    invadiram a Inglaterra e se ligaram aos Puritanos.

    Novamente o Parlamento convocado e dissolvido dias

    depois8, pois os Puritanos da Cmara Baixa no

    votariam fundos para o ataque aos escoceses at que

    fossem resolvidas as questes religiosas. Essa reunio

    5 J.L. Gonzales, Uma Histria Ilustrada do Cristianismo, vol. 8, pp. 50-75. 6 E.E. Cairns, op. cit.., p. 277. 7 J.L. Gonzales, op. cit.., vol. 8, p. 60. 8 E.D. Morris, Theology of the Westminster Symbols, p. 40.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 11

    ficou conhecida como Parlamento Curto de 1640.

    Com investida dos escoceses, as tropas do Rei recuaram

    e foi convocada uma nova reunio, que passou

    histria com o nome de Parlamento Longo.

    A situao na Inglaterra era confusa, tanto civil como

    religiosamente, pois como dissemos anteriormente,

    estavam inter-relacionadas por ser a Igreja oficial.

    Entre as decises que foram tomadas por esse

    Parlamento, estava a parte que nos interessa, isto , a

    convocao de uma Assemblia para orientar em

    matria religiosa. Esta se reuniu na Abadia de

    Westminster que teve lugar durante a efervescente

    guerra, isto , a guerra civil.

    COMPOSIO DA ASSEMBLIA9

    Para tal Assemblia foram convocados 121 ministros e

    30 leigos nomeados pelo Parlamento, contando tambm

    a presena de uma comisso escocesa, pois estes

    9 P. Schaff, op. cit.., pp. 731-740.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 12

    estavam no pas.

    E.D. Morris diz que esses ministros eram das mais

    diversas opinies a respeito de doutrinas religiosas e

    governa da Igreja10.

    Os Independentes tinham seis ou oito representantes e

    davam maior valor s congregaes com governo

    prprio, e igual nmero eram Erastianos que defendiam

    a supremacia do Estado sobre a Igreja.

    A maioria eram de Presbiterianos que haviam ganho

    proeminncia depois da organizao do primeiro

    Presbitrio.

    Da comitiva escocesa, primeiramente 5 ministros e 3

    leigos e posteriormente foram adicionados um ministro,

    trs ancies.

    Trs telogos, Cotton, Hooker e Davenport no

    puderam estar presentes.

    De acordo com Alexander F. Mitchell, citado por Morris,

    foram selecionados 16 leigos e 18 telogos que

    10 E.D. Morris, op. cit.., p. 42.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 13

    ocupariam vagas ocasionadas por morte ou ausncia.11

    Alm destes haviam tambm dois escribas a auxiliarem

    a redao dos documentos.

    Interessantemente, 11 leigos e 29 telogos no

    apareceram em nenhuma sesso da Assemblia. O

    moderador, nomeado pelo Parlamento, foi o Dr. William

    twisse, grande erudito da poca.

    FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLIA

    A Assemblia teve seu funcionamento por mais de cinco

    anos e meio, de Julho de 1643 a Fevereiro de 1649.

    Foram feitas em mdia 200 sesses por ano num total

    de 1163. Porm, nas reunies no apareceram todos.

    Na primeira convocao estiveram 69 e a mdia de

    membros reunidos era em torno de 70 a 80.

    O Parlamento havia determinado as regras para o

    funcionamento da Assemblia, e esta, em todas as

    ocasies as soube respeitar.

    11 E.D. Morris, op cit., p. 43.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 14

    Alm disso, registraram os dias de orao jejum e

    devocionais12 e discursos preferidos em ocasies como:

    o funeral de Twisse e outros que morreram durante a

    durao da Assemblia.

    O incio das sesses era marcado por oraes, algumas

    delas com durao de at duas horas. Era assegurada,

    em todas as discusses, a participao de todos com

    plena liberdade de expresso.

    Assim o funcionamento desta Assemblia obedeceu os

    padres estabelecidos pelo Parlamento e foi conduzido

    at o fim pelo alto carter de conscincia de cada

    indivduo que dela participou.

    OS RESULTADOS DA ASSEMBLIA

    Como o propsito primrio da Assemblia era rever os

    39 Artigos, as primeiras dez semanas foram dedicadas

    a esta finalidade13. Porm com a necessidade de criar

    uma uniformidade religiosa nos trs reinos, este

    12 P. Schaff, op. cit., pp. 751-752. 13 E.D. Morris, op. cit., p. 47.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 15

    trabalho foi abruptamente interrompido para no ser

    mais considerado.

    As questes que comearam a ser levantadas foram

    sobre a origem da Igreja, o modelo de adorao pblica

    o mtodo bblico de organizao eclesistica, a

    autoridade para a disciplina, entre outras.14

    Os documentos que resultaram desta Assemblia foram

    a Confisso de F, os dois Catecismos, o Diretrio de

    Culto Pblico, a Forma de governo da Igreja e

    Ordenao e um Saltrio, todos submetidos

    aprovao do Parlamento.

    Sem detalhar cada um deles, tomamos a Confisso de

    F, captulo III que trata dos Decretos de Deus onde

    est inserida a doutrina da Predestinao.

    Assim conclumos este breve histrico.

    14 P. Schaff, op. cit., p. 754.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 16

    CAPTULO II

    A DOUTRINA NA HISTRIA DA

    IGREJA

    Neste captulo, sob este ttulo, faremos uma excurso

    histria da Igreja, para estabelecermos o incio da

    formulao desta doutrina e seu desenvolvimento at

    sua forma atual.

    Como diviso dos perodos histricos da Igreja,

    utilizaremos a mais comumentemente aceita pelos

    historiadores eclesisticos, apesar de W. Moeller

    mostrar que h vrias posies quanto ao assunto,

    dando em sua obra as divises de Kraus, Rothe, Hasse,

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 17

    Kurtz, entre outros.15

    A diviso mais aceita a seguinte:16

    1. At 590 A.D. Igreja Antiga

    2. 590 at 1517 Igreja Medieval

    3. a partir de 1517 Igreja Reformada

    No so unnimes os autores, mas esto em termos de

    data, muito prximos nos respectivos perodos.

    Assim nossa abordagem ser dentro dos trs perodos

    que citamos acima. E em cada um deles verificaremos,

    como a Igreja se posicionou em relao a doutrina, ora

    estudada.

    1. A DOUTRINA NA IGREJA ANTIGA (at 590 A.D)

    At a poca de Agostinho a Predestinao no constituiu, na histria, um assunto importante de discusso17

    15 W. Moeller, History of the Christian Church A.D. 1-100, pp. 4-6. 16 G.P. Fisher, History of the Christian Church; W. Moeller, op. cit.; P.

    Schaff, History of the Christian Church, vols. II, III, IV; W. Walker, Histria da Igreja Crist; R. H. Nichols, Histria da Igreja Crist.

    17 L. Berkhof, Teologia Sistemtica, p. 128.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 18

    Com estas palavras Berkhof d um salto direto para

    Agostinho em matria da histria desta doutrina.

    Com Ele compartilha Boettner dizendo:

    ... a doutrina da Predestinao no foi feita, matria de especial estudo at quase o fim do sculo quarto.18

    Assim poderamos entrar diretamente em Agostinho.

    Mas h algumas referncias a um antecessor de

    Agostinho e dois contemporneos dele que so:

    Orgenes (185-251/4?), Ambrsio (340-397) e

    Jernimo (347-420). E Calvino quem a eles se

    refere.19

    ORGENES, AMBRSIO E JERNIMO

    Berkhof mostra que os Pais da Igreja no tiveram uma

    concepo muito clara da Predestinao e a atriburam

    quando a ela se referiram, prescincia de Deus.20 Isto

    18 L. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 365. 19 J. Calvino, Institucin de la Religin Cristiana, Livro III, cap. XXIII,

    8. 20 L. Berkhof, op. cit., p. 128.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 19

    , Deus predestinou porque previu f ou a falta dela nos

    homens.

    Calvino mostra que alguns sustentavam que Orgenes,

    Ambrsio e Jernimo, escreveram que:

    ...Deus distribui sua graa entre os homens segundo Ele sabe que cada um h de usar bem dela.21

    Portanto, isso confirmaria a posio de Berkhof em

    relao a opinio dos pais da Igreja. Cabe lembrar que

    esses alguns a quem Calvino se refere so os

    Pelagianos, pois foi Pelgio que invocou o testemunho

    desse Pais para firmar sua doutrina sobre a

    Predestinao condicional, germe do Arminianismo.

    Contudo, no podemos concluir categoricamente que

    eles referiram-se esta doutrina somente como

    prescincia. Pois pelo menos Ambrsio diz:

    ...sobre quem Ele teve misericrdia Ele tambm o chamou.

    e tambm:

    21 J. Calvino, idem, ibidem.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 20

    Se Ele tivera sido propenso, Ele teria feito devoto aos que no eram devotos.

    e ainda:

    Mas Deus chama esses a quem Ele faz digno e faz religiosos a quem Ele quer.22

    Portanto no seria justa a generalizao categrica de

    que os Pais da Igreja entenderam-se sempre como

    prescincia.

    AGOSTINHO

    Este foi o grande nome da Igreja Antiga e tambm

    tratou da Predestinao. No incio sua idia sobre

    Predestinao era na base da prescincia, vejamos:

    Eu fui carregado sem meu raciocnio para o ponto, do provrbio: Deus no escolheu, portanto, as obras de qualquer um na prescincia de que Ele mesmo quer dar, mas escolheu a f, na prescincia, daquele que pretende chamar muitas pessoas que ele soube de antemo que acreditaria Nele

    22 Ambrose, on Luke, apud Agostinho, On the Gift of Perseverance, In: The Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, vol. V, p. 546.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 21

    para os quais Ele quer dar o Esprito Santo, portanto aqueles que fazendo boas obras, assim pode obter a vida eterna.23

    Este extrato faz parte do reconhecimento do seu erro

    sobre a graa de Deus. Erro do qual j havia se

    retratado (cf. Retractations, Livro I, cap. 23). A partir

    disso Agostinho d mostra, em vrias passagens, da

    sua atual posio, por exemplo, no Sermo L ele diz:

    Mas se ela graa, ela gratuitamente dada.24

    Outro exemplo, podemos encontrar no The Encheridion,

    onde ele trata deste assunto no captulo 98 sob o ttulo:

    Predestinao para a vida eterna totalmente livre da

    graa de Deus.25

    Vemos outra referncia Predestinao no On Patience

    onde, citando Romanos 11.5-6, mostra que a mesma

    graa que elegeu o apstolo, elege tambm os homens,

    vejamos:

    23 Agostinho, On the Predestination of the Saints, cap. 7, In: idem, vol. V, pp. 500-501.

    24 Idem, Sermons on New Testament Lessons, In: idem, vol. VI, p. 421. 25 Idem, The Enchiridion, cap. 98, In: idem, vol. III, p. 268.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 22

    Esta a eleio da graa, essa, eleio na qual a graa de Deus, os homens so eleitos da graa que foi feita antes de todos os bons mritos dos homens.26

    Ainda encontramos esta doutrina nos Tratados LXXXVI

    (cap. XV, 15,16) e LXXXVII (cap. XV, 17-19) sobre o

    Evangelho de Joo. Referindo-se ao verso 16 captulo

    XV Agostinho diz:

    Aqui certamente fato o vaidoso raciocnio daqueles que defendem a prescincia de Deus em oposio, Sua graa, e com esta viso declaram que ns somos chamados antes da fundao do mundo, por que Deus sabia de antemo que ns seramos bons, mas no que Ele mesmo nos faria bons.27

    E ainda mostra que a escolha somente pela graa:

    E assim estes homens foram eles mesmos tambm deste mundo, e, eles no podem ser por mais tempo dele foram chamados para fora dele, no atravs de seus mritos, nem pela natureza, que pela vontade livre tornou-se totalmente corrompida na fonte: mas

    26 Idem, On Patience, 17, In: idem, vol. III, p. 533. 27 Agostinho, Lectures or Tractates on the Gospel According of St. John,

    Trac. LXXXVI, In: idem, vol. VII, p. 353.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 23

    gratuitamente, isto , pela graa atual.28

    Poderamos localizar outras menes esta doutrina,

    ainda que essas referncias bastem para

    estabelecermos o pensamento de Agostinho com

    referncia a Predestinao.

    Entretanto, Agostinho foi muito longe. Ele escreveu dois

    longos tratados nos quais trata exaustivamente da

    doutrina. Estes tratados so: A TREATISE ON THE

    PREDESTINATION OF THE SAINTS29, com 43 captulos

    e A TREATISE ON THE GIFT OF PERSEVERENSE30, com

    68 captulos. Nesses tratados Agostinho desenvolve

    todos os aspectos da doutrina.

    Como sempre o desenvolvimento das doutrinas est

    ligado com controvrsias que surgiram devido a alguma

    posio que pareceu ser uma heresia.

    No foi diferente com a Predestinao. Esses escritos

    de Agostinho foram caracterizados como Escritos

    28 Idem, Ibidem, Trac. LXXXVII, In: idem, vol. VII, p. 355. 29 Idem, A Treatise on the Predestination of the Saints, In: idem, vol. V, pp.

    497-519. 30 Idem, A Treatise on the Gift of Perseverance, In: idem, vol. V, pp. 525-

    552.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 24

    antipelagianos, na grande controvrsia Pelagiana.

    Esses dois tratados foram de tal profundidade que

    nenhum outro escrito, at hoje, pode super-los nesta

    matria. O que surgiu depois foi apenas interpretaes

    de Agostinho.

    Portanto, pudemos ver como a doutrina evolui da

    simples prescincia, como pensavam alguns Pais da

    Igreja, para tomar a sua forma definitiva e global, de

    uma Predestinao incondicional com todas as suas

    conseqncias, naquele que foi o formulador e

    expositor desta doutrina: Agostinho.

    2. A DOUTRINA NA IGREJA MEDIEVAL (590 1517)

    A Igreja na Idade Mdia foi marcada pelo crescente

    paganismo e pelo desenvolvimento da salvao

    sacramental isto , salvao por meio dos sacramentos,

    que em ltima instncia seria a salvao pelas obras.

    At a eleio de Hildebrando como Papa, o qual tomou

    o nome de Gregrio VII, em 1073, a Igreja estava toda

    mergulhada no obscurantismo, tanto moral quanto

    teologicamente. E este Papa resolveu algumas

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 25

    mudanas na Igreja que j eram ansiadas pelo Papa

    precedentes. Foi tambm a poca da reforma na vida

    monstica, como a reforma Cisterciense ocorrida em

    Citeaux.

    Porm, ao ideais da Igreja no se restringiram somente

    a isso, mas alcanou tambm a rea teolgica e aqui

    que surge dois grandes vultos da teologia medieval:

    So Bernardo (1090 1153) e So Tomaz de Aquino

    (1125 1274).

    Houve outras grandes mentes neste perodo tais como;

    Anselmo de Canterbury (1033-1109), Abelardo (1079-

    1142).

    preciso lembrar tambm que j no nono sculo o

    monge Gottschalk31 (805-868?) foi aprisionado e

    condenado por pregar a doutrina da dupla da

    Predestinao. Foi protagonista de uma controvrsia a

    esse respeito com John Scotus Eriugena (800-880)32.

    Entretanto, para o nosso propsito ficaremos apenas

    com Bernardo e Aquino como representantes do

    31 L. Boettner, op. cit., p. 367. 32 V. Ferm (ed.), Encyclopedia of Religion, verb. Gottschalk e Eriugena

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 26

    pensamento medieval com respeito a essa doutrina.

    SO BERNARDO

    Para visualizarmos como Bernardo concebeu essa

    doutrina, verificaremos alguns excertos de suas obras.

    Vejamos o Sermo 78 da srie Sermes sobre

    Cantares cujo ttulo A Esposa, ou seja a Igreja dos

    eleitos, foi Predestinada por Deus antes de todos os

    sculos e prevenida por ele para que o buscasse e se

    convertesse a Ele33.

    O ttulo por si s j deixa antever a linha de

    argumentao de Bernardo, Porm, vejamos tais

    argumentos:

    ...h trs coisas que para si Deus reclama como autor...: a predestinao, a criao, a inspirao. A predestinao no tem comeado com a Igreja, nem ainda com o mundo, seno que desde toda eternidade e antes de todos os tempos. (...). Segundo a predestinao, a Igreja dos eleitos tem

    33 S. Bernardo, Sermones sobre los Cantares, In: Obras Completas de San Bernardo, vol. II, pp. 522-523.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 27

    estado sempre em Deus.34

    Citando Romanos, 8.29-30 no Sermo 4 No Domingo

    Primeiro de Novembro ele confessa o seguinte:

    Assim, meu princpio de que s a graa e no tenho coisa alguma que atribuir-me na predestinao ou vocao.35

    Numa carta a Tomaz, presbtero de Bevarley36,

    Bernardo mostra que a justificao fruto de

    predestinao. Noutro lugar Bernardo diz o seguinte,

    comentando I Joo 3.9:

    Esta semente celeste a eterna predestinao, pela

    qual Deus amou gratuitamente seus eleitos no seu filho

    antes da criao do mundo, contemplando os com seu

    olhar favorvel, a fim de faz-los dignos de ver os

    esplendor de sus glria e sua potncia e dar-lhes parte

    na herana daquele cuja imagem devia conform-

    los.37

    34 Idem, Ibidem, In: idem, vol. II, p. 525. 35 Idem, Sermones de Tiempo, In: idem, vol. I, p. 607. 36 Idem, Cartas n 107, In: idem, vol. II, pp. 1156-1163. 37 Idem, Sermones sobre los Cantares - Trs maneras de Contemplar a

    Dios, In: idem, vol. II, p. 155.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 28

    Em todas essas referncias podemos ver, como disse

    um comentador das obras de Bernardo, que:

    Tambm nesse ponto (predestinao) So Bernardo claramente agostiniano.38

    Contudo, no podemos ser radicais nesta afirmao

    levando-a ao ponto extremo, pois quando Bernardo

    trata da graa em relao ao livre arbtrio, que para ele

    a vontade humana, diz que:

    Neste sentido que o livre arbtrio consente em receber a graa de Deus) verdade dizer que o livre arbtrio coopera com a graa, que opera nossa salvao quando d seu consentimento, dizer, quando opera sua salvao, posto que consentir a graa e fazer sua salvao a mesma coisa.39

    O que, podemos entender do texto, no seu contexto,

    que a pregao da salvao pelas obras estava no seu

    auge e esta era a preocupao daqueles dias: Como

    reconciliar a graa com os mritos?

    38 Pedro de Ribadeneira, In: Obras Completas de San Bernardo, vol. I, pp. 85-87.

    39 Idem, Tratados, De la Gracia y Del Libre Albedrio, cap. I, In: idem, vol. II, p. 933.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 29

    Assim, podemos deduzir que Bernardo fruto de sua

    poca e no devemos desprezar sua ntida viso da

    doutrina da predestinao por causa da maneira que ela

    entendeu certos aspectos ou mesmo os aceitou.

    Portanto, na linha mestra do pensamento Bernardino,

    acerca desta doutrina, encontramos um telogo

    profundamente Agostiniano.

    SO TOMS DE AQUINO

    Toms de Aquino foi outro expoente dessa poca de

    mudanas. Em sua monumental Suma Teolgica

    encontramos uma questo a respeito da predestinao

    a qual nos restringiremos. Vejamos alguns trechos

    desta obra. Sobre a questo Se Deus predestina (art.

    1).

    Eu respondo: exato dizer que Deus predestina os homens. Ns temos mostrado que todas as coisas so governadas pela Divina providncia (Q. 22, Art.4), e que a providncia ordena as coisas para seu fim

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 30

    (Q.22, Art. 1 e 2).40

    Neste contexto ele coloca a predestinao como parte

    da providncia:

    ..., que a predestinao uma parte da providncia se considera na relao com seus objetos.41

    Na questo sobre Se a predestinao implica em

    alguma coisa no predestinado (Art.2):

    Eu respondo: predestinao no est em qualquer coisa no predestinado. Ela est exclusivamente aquele que predestina.42

    Sobre a questo da prescincia dos mritos para

    predestinar, Aquino trata no Art. 5 Se a prescincia dos

    mritos a causa da predestinao. Neste artigo ele

    mostra que os mritos no so a causa e sim o efeito

    da predestinao e podemos tomar uma frase sua pra

    confirmar o argumento:

    Ningum tem sido assim to tolo a ponto de dizer que os mritos so a causa do ato divino

    40 Tomas de Aquino, Of Predestination, in Nature and Grace, p. 102. 41 Idem, Ibidem, In: idem, p. 102. 42 Idem, Ibidem, In: idem, p. 104.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 31

    pelo qual Deus predestina.43

    Das outras questes44, podemos ver somente as

    respostas que lanaro mais alguma luz sobre o que

    pensava Aquino. Vejamos:

    Questo: Se Deus rejeita alguns homens (Art.3)

    Eu respondo: Deus rejeita alguns homens

    Questo: Se a predestinao certa (Art.6)

    Eu respondo: A predestinao obtm seus efeitos muito certamente e infalivelmente

    Questo: Se o nmero de predestinados certo (Art. 7)

    Eu respondo: o nmero de predestinados certo

    Assim podemos ver que Aquino segue a linha de

    Agostinho na sua formulao doutrinria a respeito da

    predestinao.

    Apesar disso Calvino v uma sutileza em Toms, no

    43 Idem, Ibidem, In: idem, pp. 108-109. 44 Idem, Ibidem, In: idem, pp. 105, 112, 114 e 115.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 32

    que diz respeito a prescincia dos mritos como causa

    da predestinao. Calvino faz-nos ver que tal sutileza

    uma contradio de termos, citando para isso uma

    obra de Aquino que no dispomos.45

    Porm, quero crer que Aquino vivia sob o ensino da

    graa cooperante dos escolsticos, isto , a faculdade

    que o homem tem para fazer o bem em cooperao

    ativa com a graa de Deus e por isso tenta harmonizar

    a graa com os mritos humanos.

    Este esforo claro em seu Tratado na Graa,

    questes 109-114.46 Esforo semelhante faz Bernardo.

    Antes de encerrar as consideraes no perodo

    Medieval, bom fazermos ao menos uma referncia a

    WYCLIFFE, (1320-1384), que alguns lhe atribuem o

    ttulo de Estrela da Manh da Reforma.

    Wycliffe foi uma voz que proclamou a predestinao.

    Diz Boettner:

    Wycliffe foi um reformador do tipo

    45 J. Calvino, Institucin de la Religin Cristiana, Livro III, cap, XXII, 9. 46 T. Aquino, Treatise on Grace Prima Secundae, In: Nature and Grace,

    pp. 137-156.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 33

    Calvinista, proclamando a absoluta soberania de Deus e a pr-ordenao de todas as coisas.47

    E ainda Herman Hausheer diz a seu respeito:

    Como seus grandes contemporneos ele mostrou um renovado interesse na Cidade de Deus de Agostinho, de quem a graa predestinativa permitiu a ele estabelecer uma nova concepo idealstica da Igreja e o exerccio de uma crtica penetrativa da doutrina sacramental.48

    Assim, temos em Wycliffe um outro expoente medieval

    da predestinao.

    Portanto, podemos concluir o perodo medieval

    entendendo que a doutrina de Agostinho sobre a

    predestinao foi mantida, apesar da doutrina

    sacramental da Igreja e da graa cooperante

    escolstica, terem posto Bernardo e Aquino em uma

    situao difcil ante a exigncia de querer harmonizar a

    graa com mritos ou livre arbtrio.

    47 L. Boettner, op. cit., p. 367. 48 V. Ferm, op. cit., p. 833.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 34

    3. A DOUTRINA NA IGREJA REFORMADA (a partir de

    1517)

    At o sculo XVI a Igreja esteve mergulhada no que

    conhecemos como A poca das trevas, tanto moral

    como teologicamente.

    Contudo, como vimos, no faltaram os homens que

    mantiveram a chama da fidelidade acesa, ainda que s

    vezes tenuamente.

    Agora chegamos ao que se denominou Reforma

    Protestante, que teve como estopim a afixao, por

    Lutero (1483-1546), da 95 teses na porta da Igreja do

    castelo de Wittemberg. Era 1517. Para se Ter uma

    noo do que foi a Reforma em termos da doutrina da

    predestinao, ouamos Boettner:

    A Reforma foi essencialmente um reavivamento do Agostianismo. (...). para ser lembrado que Lutero, o primeiro lder da Reforma, foi um monge Agostiniano e que foi nesta rigorosa teologia que ele formulou o seu grande princpio de justificao pela f. Lutero, Calvino, Zwinglio e todo os outros proeminentes reformadores deste perodo foram marcadamente predestinacionistas. (...). Melancton nos seus primeiros escritos

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 35

    designou o princpio da predestinao como o princpio fundamental do Cristianismo.49

    Neste excerto podemos ver que muitos se constituram

    naqueles que defendiam a predestinao. Entretanto

    ficaremos somente com seu maior expositor desta

    poca: Calvino (1509-164), cuja lucidez e profundidade

    produziu a grande obra da Igreja Crist a Instituio

    da Religio Crist.

    Posteriormente a predestinao viria a ser a marca

    registrada dos reformados ou calvinistas. Faremos

    apenas algumas consideraes nesta monumental obra

    de Calvino.

    Podemos afirmar, sem medo de errar, que Calvino foi

    um grande interprete de Agostinho em vrios pontos, e

    na predestinao de modo especial. Basta para

    comprovarmos isso, verificarmos que o testemunho de

    Agostinho invocado por mais de 30 vezes nos

    captulos XXI a XXIV do livro III, onde Calvino trata

    especificamente da predestinao.

    Seria por demais dispendiosa a tarefa de citar ou

    49 L. Boettner, op. cit., p. 367.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 36

    transcrever toda a abordagem que Calvino faz desta

    doutrina, por isso entendemos que em breve resumo do

    ensino de Calvino a respeito bastar para termos uma

    noo precisa de como ele desenvolveu e concebeu o

    pensamento de Agostinho. Para tanto usaremos as suas

    prprias palavras:

    Dizemos pois como a Escritura o demonstra com toda evidncia que Deus tem designado para sempre em seu eterno e imutvel conselho aqueles que quer que se salvem e tambm aqueles que quer que se condenem. Dizemos que este conselho, porque toca aos eleitos, se funda na misericrdia gratuita divina sem respeito algum a dignidade do homem; ao contrrio, que a entrada da vida est fechada para todos aqueles que Ele quis entregar condenao; e isto se faz for Seu secreto e incompreensvel juzo o qual, entretanto justo e irreprovvel.

    Assim mesmo ensinamos que a vocao dos eleitos

    um testemunho de sua eleio; e que a justificao

    outra marca e nota deles, at que entrem no gozo da

    glria, na qual consiste seu cumprimento. E assim como

    o Senhor marca aqueles que tem elegido, chamando-os

    e justificando-os; assim, pelo contrrio, ao excluir os

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 37

    rprobos do conhecimento do seu nome ou da

    santificao de seu Esprito, mostra com estes sinais

    qual ser seu fim e que juzo lhes est preparado.50

    Com esse resumo temos a posio do grande

    reformador de Genebra sobre tal doutrina. Doutrina que

    veio, como j dissemos, a tornar-se a marca registrada

    da Igreja Reformada. Mas logo surgiram oposies a

    ela.

    No tempo de Agostinho havia o pelagianismo. Agora era

    o arminianismo que se opunha doutrina.

    CONCLUINDO

    Podemos verificar de maneira bastante rpida o

    desenvolvimento desta doutrina atravs da histria da

    Igreja.

    O que podemos concluir que em Agostinho a

    predestinao tomou a forma que prevaleceria na

    posteridade. Nem a grande presso da doutrina

    sacramental da Igreja Medieval conseguiu sufocar ou

    50 J. Calvino, op. cit., Livro III, cap. XXI (final)

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 38

    deturpar tal doutrina. Bernardo, principalmente,

    manteve-se sempre muito perto de Agostinho e Tomaz

    de Aquino, apesar de algumas sutilezas, conservou-se

    na mesma linha Agostiniana.

    Com a reforma a quase esquecida predestinao voltou

    a ocupar o seu devido lugar dentro da teologia cristo.

    Porm, notamos que tal desenvolvimento na verdade

    no foi alcanado sem muitas disputas e controvrsias

    (Pelagianismo, Arminianismo). E tambm no evoluiu

    por si s, mas desenvolveu-se intimamente ligada a

    outras doutrinas, tais como: Graa, Livre arbtrio, F e

    outras.

    Assim a expresso desta doutrina, podemos dizer, se

    manifesta atualmente, no Calvinismo, contudo

    afirmamos que na Idade Mdia foi manifestada no

    Bernardismo, na Igreja Antiga no Agostinianismo e

    finalmente expressa numa doutrina eminentemente

    Paulina, isto , uma doutrina profundamente bblica,

    que teve sua evoluo histrica como tentamos mostrar

    neste captulo.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 39

    CAPTULO III

    A DOUTRINA

    Uma vez estabelecido o desenvolvimento na histria

    desta doutrina tentaremos, agora, definir a doutrina da

    perspectiva das Confisses de F e dos Telogos.

    I. DEFINIO

    O que pretendemos olhar as definies e registra-las,

    tentando verificar os elementos bsicos que as

    compem, antes de entrarmos da discusso especfica

    da Tese. Lembrando que ser uma definio da doutrina

    e por isso bastante geral.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 40

    1. Nas Confisses

    As confisses de F, como expresso do que crem os

    grupos que a formula, podem nos dar uma viso

    panormica do pensamento deste grupo reformados

    acerca da predestinao.

    a. Confisso de Basilia Art. 1, Seo 3

    Ns confessamos, que Deus, antes de ter criado o mundo, elegeu todos aqueles a quem Ele quis dar, livremente, a herana da eterna bem-aventurana. Romanos 8.29,30, Efsios 1.4-6.51

    Esta Confisso considera a predestinao, do ponto de

    vista supralapsariano, isto , Deus elegeu os homens

    antes de cria-los. Mostra ainda o aspecto da livre graa

    de Deus, livremente, excluindo com isso qualquer

    condio de mrito humano. Finalmente, a Confisso de

    Basilia mostra os objetivos da predestinao, citando

    Romanos e Efsios, resumindo-os na expresso

    herana da eterna bem-aventurana.

    51 Peter Hall, The Harmony of Protestant Confessions, p.83

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 41

    b. Confisso da Blgica Art. 16

    Ns acreditamos que Deus (...) misericordioso e justo: misericordioso, porque livrando o homem e salvando da condenao e da morte aqueles que em Seu eterno conselho, de Sua livre bondade, Ele escolheu em Cristo Jesus nosso Senhor, sem nenhuma considerao de todas nossa obras, mas justo, deixando o restante em sua queda e perdio, onde eles mesmos se precipitaram.52

    Nesta Confisso vemos a base em que Deus trata o

    homem: misericrdia ou justia. Isso determina a dupla

    predestinao. enfatizando a culpa do homem que

    est na condio de condenao. Deus simplesmente o

    deixa nela, contemplando com Sua misericrdia aqueles

    a quem Ele quer, isto , a quem Sua livre vontade

    determina. Temos nessa Confisso o Senhor Jesus

    reconhecido como o meio por qual os homens so

    salvos. enfatizado que nada h no homem que merea

    de Deus alguma considerao.

    52 Idem, Ibidem, p.84

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 42

    c. Confisso da Frana Art. 12

    Ns cremos (...), Deus livra e preserva alguns homens, que, pelo seu eterno e imutvel conselho, de Sua bondade e misericrdia, sem nenhuma ateno para nossas obras, Ele escolheu em Jesus Cristo; e outros Ele deixou em sua corrupo e condenao, nos quais Ele assim manifesta Sua justia, condenando-os justamente (...).53

    Somente esta parte que se transcreveu do artigo nos

    suficiente para ver a posio da Confisso francesa face

    a predestinao.

    Novamente abordada a doutrina da predestinao

    incondicional, onde somente o conselho da vontade de

    Deus que conta, no se levando em conta nenhum

    mrito humano. A pessoa de Cristo tambm

    mencionada como Aquele em quem Deus elegeu os

    homens. Finamente a Confisso nos mostra que o

    Senhor Deus deixou alguns homens sua prpria sorte

    ou estado, manifestando assim a sua justia.

    53 Idem, ibidem, p.83

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 43

    d. Confisso da Esccia Art. 8- Da Eleio

    Pelo mesmo eterno Deus e Pai, que de mera graa elegeu-nos em Cristo Jesus Seu Filho, antes da fundao do mundo (...).54

    Na Confisso escocesa desenvolvido o tema, Em

    Cristo, isto , esse artigo nos mostra como se

    consumou a eleio no tempo. A idealidade de Jesus

    para ser mediador entre o homem e Deus. O poder que

    nos foi dado para crermos Nele. Sua divindade e

    humanidade, etc. Sempre se exalta o modo da eleio,

    isto , pela graa de Deus.

    e. Segunda Confisso Helvtica cap. 10 Da

    predestinao

    Deus desde o incio livremente, e de Sua mera graa, sem nenhuma considerao do homem, predestinou ou elegei os santos, que Ele salvar em Cristo,.55

    A Confisso Helvltica uma das que mais desenvolve

    54 Idem, ibidem, p.83 55 Idem, ibidem, p.81

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 44

    este assunto, seno a nica que d, praticamente,

    todos os detalhes. O incio constitui-se na base: A

    Graa, e o assunto desenvolvida dentro de uma

    seqncia ordenada, vejamos a causa da eleio, ela

    enfatiza que o meio Cristo e que o instrumento a f

    em Cristo.

    Continua desenvolvendo o tema, mostrando os fins (Ef

    1.4-6); a certeza de que existe um nmero limitado e

    certo de eleitos; a necessidade de ensinar a doutrina,

    etc.

    f. Confisses de Augsburg e da Saxnia

    A Confisso de Augsburg faz meno predestinao

    no Art. 20, sob o ttulo Da F:

    Aqui no necessrio a discusso da predestinao...56

    A Confisso da Saxnia em seu Art. 3 faz uma meno

    no mesmo sentido:

    56 Idem, ibidem, p.176

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 45

    E por que no arrependimento ns propomos conforto conscincia, ns no fazemos aqui acrscimo de questes da predestinao ou eleio.57

    Assim vemos que as duas Confisses admitem a

    doutrina, mas no a discutem.

    g. Confisso de Westminster cap.3, sees III

    a VIII58

    A Confisso de F de Westminster, tem sido o

    documento sobre o qual temos trabalhado. Portanto,

    importante pois expe em detalhes a doutrina.

    Seo III

    Pelo decreto de Deus e para a manifestao da Sua glria, alguns homens e alguns anjos so predestinados para a vida eterna e outros para a morte eterna.

    Nesta seo temos descrita a finalidade e os objetivos

    da predestinao. A finalidade, a glria de Deus; os

    57 Idem, Ibidem, pp.194-195. 58 Confisso de F e Catecismo Maior da IPB pp.8-10.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 46

    objetos, homens e anjos.

    A. A. Hodge comentando a Confisso de f diz o

    seguinte a respeito desta seo:

    O fim ltimo ou o motivo de Deus na eleio o louvor de sua gloriosa graa.59

    O telogo J. Macpherson escreve o seguinte:

    Como sua finalidade- Ele imutvel em si mesmo e com respeito a seus objetivos, perfeitamente definido.60

    Seo IV

    (...), so particular e imutvel designados; o seu nmero to certo e definido, que no pode ser aumentado nem diminudo.

    Esta seo ensina a imutabilidade do nmero dos

    eleitos. Este nmero no pode ser jamais alterado.

    Ouamos A. A. Hodge:

    Esta determinao imutvel.61

    59 A. A. Hodge, A Commentary on the Confession of Faith, p.103. 60 J. Macpherson, The Westminster Confession of Faith, p.48. 61 A. A. Hodge, A Commentary on the Confession of Faith p.103.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 47

    Seo V

    (...), ele escolheu de sua mera e livre graa e amor, e no por previso de f ou boas obras e perseverana nelas, ou qualquer outra coisa na criatura que isso o movesse, como condio ou causa.

    Podemos afirmar que a inteno desta seo mostrar

    que a condio ou a causa da eleio a livre graa de

    Deus e no os mritos dos homens ou a prescincia de

    Deus, prevendo a f dos homens.

    J. Macpherson diz que:

    A eleio em Cristo, e esta eleio toma lugar sem considerar nenhum mrito da parte do eleito, se de f ou de obras.62

    Seo VI

    (...), preordenou todos os meios conducentes a esse fim (...).

    Aqui temos a preodernao dos meios para levar a

    cabo a predestinao. Mostra-nos esta seo que por

    intermdio da f, operada pelo Esprito Santo, os meios

    62 J. Macpherson, op.cit., p.49

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 48

    que conduzem ao fim desejado por Deus.

    A prxima seo (VII) ns entendemos que uma,

    quase, repetio da seo III, com respeito aos

    rprobos, na verdade uma ampliao deste assunto.

    A Confisso de F encerra o assunto (seo VIII),

    mostrando o cuidado que devemos ter ao tratar esta

    doutrina e os resultados para os eleitos, isto :

    (...) motivo de louvor, reverncia e admirao de Deus, bem como de humildade, diligncia e abundante consolao.

    Atravs deste panorama das Confisses, fica claro que

    todas entendem a predestinao de uma forma mais ou

    menos uniforme. Os elementos dessas definies so

    mais ou menos desenvolvidos ou no dependendo da

    nfase que cada uma atribui particularmente. Nessas

    definies, nos possvel encontrar os seguintes

    elementos bsicos que fazem parte de todas ela, a

    saber:

    a. A eleio somente pela graa

    b. Os objetos da eleio so homens e anjos

    c. A dupla predestinao

    d. Os fins e os meios so preordenados

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 49

    e. Deus mostra-se misericordioso e justo

    Portanto, uma definio tentativa, das Confisses seria:

    A predestinao um ato livre de Deus que escolhe alguns homens para a vida eterna e deixa o restante para a sua prpria condenao. Nos primeiros mostra a Sua misericrdia, nos segundos a Sua justia. Ainda esse mesmo Deus, para o louvor de Sua glria, determina os meios pelos, afim de que o homem seja salvo.

    2. Nos Compndios

    Passaremos a ver agora como os telogos a definiram.

    Para isso tomaremos vrias definies. Comearemos

    com Agostinho:

    Algum homem se atrever a dizer que Deus no conheceu antes aqueles a quem Ele pretende designar para crer, ou quem ele quer dar para Seu Filho, dos quais Ele mostra que nenhum se perder? E certamente, se Ele conheceu antes estas coisas, como ele certamente conheceu antes na Sua bondade, donde Ele condescende em livra-los. Esta a

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 50

    predestinao dos santos- nada mais- ...63

    Esta definio de Agostinho no ampla e por isso no

    contm todos os elementos que ele menciona em seus

    dois tratados sobre a doutrina. Porm, tal definio nos

    faz ver que o princpio da graa de Deus domina toda a

    orla de discusso, sendo que Deus d a f aos eleitos,

    entregando-os responsabilidade, de seu Filho.

    Nesta linha, veremos como Calvino definiu a doutrina:

    Chamamos predestinao o eterno decreto de Deus, pelo qual tem determinado o que quer fazer de cada um dos homens. Porque Ele no os cria a todos com a mesma condio, seno que ordena uns para a vida eterna, e outros para a condenao perptua. Portanto, segundo o fim para qual o homem criado, dizemos que est predestinado vida ou morte.64

    Notamos que em relao a Agostinho, Calvino no tem

    uma preocupao com a prescincia que Agostinho teve

    ao tentar mostrar que apesar de Deus ter prescincia

    63 Aurlio Augustin, On the Gift of Perseverance, Chap. 35, In: Select Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, St. Augustin, Vol. V, p.539.

    64 J. Calvino, Institucin de la Religin Cristiana, L.III, cap. XXI, 5.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 51

    de tudo, no foi ela que determinou a eleio dos

    homens.

    Porm, a preocupao bsica de Calvino demonstrar

    em sua definio, que todos os homens so alvos dos

    decretos de Deus, seja para a salvao ou para a

    condenao.

    J o telogo Augustus Hopkins Strong, tem em sua

    definio a nfase na gratuidade de Deus, asseverando

    que no h mrito algum dos homens que possa mover

    Deus a contempla-los. Vejamos:

    Eleio aquele ato eterno de Deus pelo qual, em Seu soberano prazer e no por causa de mrito previstos neles (homens), Ele escolheu certo nmero dentre os homens pecadores, para serem recipientes da graa especial de Seu Esprito e deste modo faze-los, voluntariamente, participantes da salvao em Cristo.65

    Assim podemos verificar que em cada definio dada h

    uma nfase em certo elemento. Por exemplo, L. Berkhof

    enfatiza o aspecto do Conselho de Deus em relao

    65 A. H. Strong, Systematic Theology, vol. III, p.779.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 52

    aos homens.

    O conselho de Deus com respeito aos homens cados incluindo a soberana eleio de alguns e a justa reprovao do restante.66

    Em sua apreciao do captulo III da Confisso de f de

    Westminster, L. Boettner mostra como a predestinao

    est intimamente ligada ao conselho de Deus, fato

    correspondente a Berkhof, e como este conselho.

    Esta doutrina da predestinao representa o propsito de Deus como absoluto e incondicional, inteiramente independente da criao finita, e como origina do eterno conselho de Sua vontade.67

    Para contemplar as definies, transcreveremos,

    apenas mais uma de J. J. van Oosterzee:

    Quando ns falamos de predestinao, ns expressamos a confisso que todo crente, que salvo de acordo com a vontade de Deus que os chamou e os elegeu, como distintos dos incrdulos, para a vida eterna.68

    66 L. Berkhof, Teologia Sistemtica, p.128. 67 L. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p.13. 68 J. J. van Oosterzee, Christian Dogmatics p.448.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 53

    Creio que com essas vrias definies69 podemos ter

    uma idia dos elementos contidos nelas, os quais

    vamos tentar resumi-los:

    a. A eleio no tem em conta os mritos humanos

    b. A eleio tem por conta o decreto eterno e

    imutvel de Deus

    c. So eleitos em Cristo

    d. Os objetos da eleio so as criaturas racionais

    e. A dupla predestinao evidente

    Comparando com a relao da p.34, temos uma

    uniformidade quanto aos elementos. Porm, no temos

    explicitamente, se compararmos essas definies com

    as confisses de f, o elemento da finalidade ou os

    propsitos da eleio e isso nos remete para a discusso

    do tema deste trabalho, isto , O Propsito de Deus na

    Eleio, Conformar os Escolhidos Imagem de Cristo.

    69 Outras definies: H. B. Smith, System of Christian Theology, pp. 505-506; J.C. Crane, Systematic Theology, A Compilation, p.236.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 54

    CAPTULO IV

    ARGUMENTO TEOLGICO

    Dentro deste captulo pretendemos fazer a reviso da

    literatura e uma discusso teolgica dentro do campo

    de um nico aspecto da eleio, a saber: o elemento da

    finalidade ou propsito da eleio.

    A pergunta fundamental que fazemos : Qual o

    propsito de Deus na eleio do homem? Ser nico?

    Ser vrios?

    I. Confisso de F

    Comecemos pelo documento confessional que temos

    adotado para trabalhar, isto , a Confisso de

    Westminster. Alguns extratos nos servir para mostrar

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 55

    como a Confisso prope os propsitos, vejamos:

    para a manifestao da Sua glria (seo III)

    ...para o louvor de Sua gloriosa graa,... (seo V)

    ...destinou os eleitos para a glria,... (seo VI)

    ...para a glria de Seu soberano poder sobre as criaturas,..., para o louvor de Sua gloriosa justia... (seo VII)

    Podemos perceber que em trs sees (III, V e VII), o

    propsito da eleio a glria da pessoa de Deus. O

    propsito visto em relao ao autor da eleio. Em

    apenas uma seo (VI) a finalidade vista em relao

    ao homem, isto , em relao ao objeto da eleio. Para

    ns, nesse trabalho, esta a seo que nos d a

    primeira pista da finalidade da eleio do homem,

    quando diz:

    ...destinou os eleitos para a glria,...

    Nela podemos entender perfeitamente que a glria

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 56

    refere-se salvao.70 Assim temos um propsito de

    Deus na eleio do homem: a salvao. Mas ser que

    s este?

    II. Telogos

    A princpio podemos dizer que no, pois o telogo

    Berkhof v dois propsitos na eleio: a salvao e a

    glria de Deus.71 Verifiquemos outros estudiosos a esse

    respeito.

    Agostinho nos mostra que o propsito da eleio a

    santidade e que fomos eleitos, no por causa de sermos

    santos, mas na ordem de assim sermos. Ele argumenta,

    baseado em Efsios 1.3ss, que esta verdade est

    bastante clara. Ele diz:

    Portanto, Deus nos escolheu em Cristo entes da fundao do mundo, predestinando-nos para a adoo de filhos, no por que nos tornamos ns mesmos santos e imaculados, mas Ele nos escolheu e predestinou para

    70 cf. tambm, A. Hodge, A Commentary on the Confession of Faith p.104, H.B. Smith, System of Christian Theology, p.506

    71 L. Berkhof, Teologia Sistemtica, p.135.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 57

    assim sermos.72

    Assim temos em Agostinho mais um propsito que vem

    somar aos outros dois.

    So Bernardo73 nos mostra que os eleitos, foram

    escolhidos para serem conformes a imagem de Cristo.

    J Calvino tem a mesma opinio de Agostinho:

    No que segue, que foram eleitos para serem santos, claramente refuta o erro daqueles que dizem que a eleio procede da pureza, posto que claramente contradiz So Paulo, que diz que todo o bem e virtude que h nos homens, so efeito e fruto da eleio.74

    Notamos que Calvino, como interprete de Agostinho,

    adota a mesma posio que ele quanto ao propsito da

    eleio. Isso ele afirma mais categoricamente em outro

    lugar quando responde ao objees doutrina da

    predestinao75.

    72 Agustin, On the Predestination of the Saints, chap. 37, In: A Select Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, vol. V, p.516, tambm chap.35, p.515.

    73 Bernardo, Trs maneras de contemplar a Dios, Sermones sobre la Cantares, in Obras Completas de San Bernardo, v. II, p.155.

    74 J. Calvino, Op.cit, L.III, cap. XXII, 2. 75 Idem, Ibidem, L.III, cap.XXIII, 12.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 58

    O telogo Boettner76, tambm respondendo as objees

    formuladas contra a doutrina, prova que o homem foi

    eleito para uma vida de santidade (Efsios 1.4). E ainda

    aduz outros textos para mostrar a validade de sua tese

    (Romanos 8.29; II Tessalonicenses 2.13; Atos 13.48).

    Crane77 diz que o alvo da eleio apresentar os eleitos

    em santidade diante de Deus e faze-los co-herdeiros

    com Cristo da vida eterna, com todas as suas bnos.

    Ainda acrescenta que os homens so eleitos para o

    louvor da glria de Deus.

    Portanto, temos alguns propsitos da eleio do

    homem, enquanto objeto dela, relacionados pelos

    telogos como podemos sistematizar abaixo:

    a. para manifestar Sua glria

    b. para salvao do homem

    c. para tornar o homem santo

    d. para adota-los como filhos

    Esses propsitos ns podemos assim comentar: No

    primeiro Deus manifesta a Sua glria no exerccio de

    76 L. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, pp.274-5. 77 J. C. Crane, Systematic Theology, A Compilation, p.242.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 59

    Sua misericrdia, elegendo alguns, e Sua justia,

    reprovando outros. No segundo Deus mostra a Sua

    soberania, fazendo com que a salvao dependa

    exclusivamente de Sua livre vontade, no tendo em

    conta qualquer previso de mritos humanos. No

    terceiro Deus exige que o eleito seja santo, que viva

    em santidade, evitando assim a dissoluo, buscando

    constantemente uma vida como Deus exige (I Pedro

    1.15). No quarto, finalmente, Deus estabelece uma

    relao de paternidade, com os eleitos. Neta relao

    Deus o Pai misericordioso e os eleitos, os filhos

    amados em Cristo.

    Entretanto, nesses propsitos, vemos, via de regra, que

    os telogos no mencionam, ou se mencionam no

    desenvolvem o pensamento de uma outra finalidade da

    eleio, isto , o propsito de Deus em conformar-nos

    imagem de Cristo.

    Portanto, tentaremos desenvolver este propsito dentro

    da perspectiva bblica.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 60

    III. TEXTOS BBLICOS

    Fazendo um apanhado bblico, temos alguns textos que

    corroboram com nossa Tese e que seria proveitoso

    darmos uma pequena sobre os mesmo.

    GNESIS 1.26,27

    Esse texto serve para mostrar com que imagem o

    homem foi criado.

    Podemos aduzir do texto a imagem que o pecado

    distorceu em ns a do prprio Deus. E essa imagem

    que Ele quer recuperar em ns. Para tanto nada melhor

    do que sermos conformados imagem de Cristo.

    Sabendo que imagem Deus quer nos conformar,

    analisaremos basicamente trs textos, a saber: II

    Corntios 3.18; Glatas 4.19 e Efsios 4.13.

    II CORNTIOS 3.18

    Comentando esse texto, Philip E. Hughes diz que:

    Este processo de transformao na imagem de Cristo nada mais que a restaurao da

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 61

    imagem de Deus que foi desfigurada na queda do homem.78

    E continua dizendo que a imagem de Cristo o selo do

    Esprito impresso no crente. Do mesmo ponto de vista

    compartilha Calvino, isto , de que a transformao

    um processo, pois diz, comentando esse texto:

    ...mas ns precisamos constantemente estar fazendo progresso do em ambos: conhecimento de Deus e na conformidade de Sua imagem...79

    Outro comentarista que participa desta opinio James

    Reid que mostra que:

    Paulo descreu o processo pelo qual esta transformao interior feita.80

    Temos visto que a opinio dos expositores concordam

    em que esta transformao seja um progresso, um

    processo ascendente, do qual todo crente participa.

    Ainda compartilham da mesma opinio: James

    78 P. E. Hughes, Commentary on the Second Epistle to the Second Epistle to the Corinthians, p.119

    79 J. Calvin, in loc 80 J. Reid, in loc, In: The Interpreters Bible, v.10

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 62

    Denney81, Alexander MacLaren82, entre outros.

    Isso posto, constatamos que o texto de II Corntios 3.18

    parece nos provar que a imagem a qual seremos

    conformados, alcanada de glria em glria, isto ,

    num processo de contnuo aperfeioamento, at

    finamente estarmos metamorfoseados (cf. v.18

    metamorfou,meqa e tambm Marcos 9.2), isto ,

    transformados na imagem de Cristo.

    GLATAS 4.19

    Neste texto aparece novamente uma palavra derivada

    de morfh/ que a forma verbal morfwqh/| traduzida por

    formado. O exegeta G. Hendriksen comentando essa

    palavra diz que:

    O verbo morfwqh/| aponta para uma mudana que se deseja, seja produzida na

    81 J. Denney, The Second Epistle to the Corinthians, in The Expositors Bible, p.142.

    82 A. MacLaren, II Corinthians, in Expositions of Holy Scripture, pp.315 e 321.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 63

    essncia interior.83

    Para ele uma mudana que vai se processando

    paulatinamente em todos os setores da vida do crente.

    O comentarista Ridderbos explica assim este verbo:

    Este propsito, alm disso, no para ser interpretado como um misterioso nascimento Cristo no crente, mas antes, na manifestao de sua vida. E esta vida que a forma de Cristo deve aparecer no sentido que a vida do crente deve ser governada por Cristo, totalmente, assim na absoluta dependncia da Sua justia como numa vida de acordo com seus mandamentos.84

    Como vemos no h nada de mistrio na expresso ser

    formado, seno que est claro que a prpria

    manifestao da vida de Cristo no crente, vida que

    revela a prpria imagem do Salvador.

    Traz ainda a idia de dependncia e obedincia,

    elemento fundamental neste processo de formao.

    Num trabalho exegtico bem mais profundo, Charles J.

    83 G. Hendriksen, Glatas Comentrio del Nuevo Testamento, p.184, nota 130.

    84 H. R. Ridderbos, The Epistle of Paul to Churches of Galatia, p.170.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 64

    Ellicott, tece o seguinte comentrio sobre esse texto:

    ...at o novo homem, Cristo em ns, receber, como eu no duvido, Sua completa e prpria forma; o significado bvia desta palavra parece mostrar que a metfora contnua...85

    Ele mostra claramente que a funo de Cristo em ns

    obedece a um processo interrupto, constante. Tirando

    sua concluso da prpria palavra graa.

    Finalmente, vemos que o exegeta J. B. Lightffot, captou

    bem a idia de Paulo, traduzindo o texto desta forma:

    at tu ter tomado a forma de Cristo.

    e comenta:

    Como o embrio se desenvolve para criana.86

    Com isso queremos mostrar que tambm nesse texto

    Paulo apresenta a idia de que Cristo deve ser formado

    em ns e que esta transformao um progresso

    85 C.J. Ellicott, A Critical and Grammatical Commentary on St Pauls Epistle to the Galatians, p.107.

    86 J.B. Lightfoot, Saint Pauls Epistle to the Galatians, p.178.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 65

    constante at que seja totalmente completada.

    EFSIOS 4.13

    Esse texto apesar de referir-se Igreja como um todo,

    no pode ser desprezado nas consideraes que temos

    tecido, pois ele fala, como os outros dois texto

    anteriores, daqueles que so crentes em Cristo.

    Comentando este versculo, Ellicott diz o seguinte:

    ...e como sugerido por este singular (varo perfeito) a idia da completa unidade da santa personalidade mais explanada na prximo clusula, qual eles (crentes) foram unidos e consumados.87

    Neste comentrio o autor mostra que h um objetivo, a

    unidade na santa personalidade de Cristo.

    Para Brooke Foss Westcott, a repetio da preposio

    eivj por trs vezes tem um profundo significado, ele diz:

    So Paulo distingue trs estgios ou aspectos do progresso cristo. O primeiro

    87 C.J. Ellicott, A Critical and Grammatical Commentary on St Pauls Epistle to the Ephesians, p.96

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 66

    intelectual, onde a f e o conhecimento combinam para criar uma unidade na alma, o objeto de ambos o filho de Deus. O segundo maturidade pessoal. O terceiro conformidade de cada membro com o padro de Cristo, no qual todos formam um povo homem.88.

    Esse comentarista faz um excelente comentrio desse

    verso, por isso ser de todo proveitoso ouvi-lo mais Ele

    continua comentando:

    A frase (e ao conhecimento do Filho de Deus) parece apontar para frente, para a perfeita humanidade em Cristo num ponto em que cada crente ser achado perfeito.89

    Westcott assevera que h um progresso ou estgios

    pelo qual todo crente vai passando at ser varo

    perfeito, at chegar medida da estatura completa de

    Cristo.

    Parecem concordar no mesmo sentido de crescimento

    ou progresso, os comentaristas: William Hendriksen90

    88 B.F. Westcott, On St. Pauls Epistle to the Ephesians, p.63 89 Idem, ibidem, p.63 90 W. Hendriksen, New Testament Commentary, Ephesians, p.200

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 67

    E. K. Simpson e F. F. Bruce91.

    Assim, podemos concluir dos argumentos acima

    expostos, que os cristos esto num contnuo progresso

    de metamorfose, isto , de transformao.

    Os trs textos que examinamos mostram,

    inequivocamente, que propsito de Deus que sejamos

    transformados de glria em glria na mesma imagem

    (do Senhor Jesus) II Corntios 3.18 que ...Cristo seja

    formado em ns Glatas 4.19 e que finalmente,

    sejamos aperfeioados at que todos cheguemos a

    unidade da f, e ao conhecimento do filho de Deus, a

    varo perfeito, medida da estatura completa de

    Cristo Efsios 4.13. E isso para que recuperemos a

    verdadeira imagem de Deus distorcida no den.

    Portanto, conclumos que o propsito de Deus na

    eleio conformar os escolhidos imagem de Cristo.

    91 E. K. Simpson and F. F. Bruce, Commentary on the Epistle to the Ephesians and Colossians, In: The New Commentary the NT, p.96.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 68

    CAPTULO V

    ARGUMENTO EXEGTICO

    Uma vez estabelecido o argumento teolgico de nossa

    tese, tentaremos agora comprova-la atravs do

    argumento exegtico. Para tanto procederemos uma

    anlise exegtica de Romanos 8.29 que o texto bsico

    sobre o qual estabelecemos nossa tese.

    Assim, utilizaremos os seguintes passos exegticos:

    I. Estudo contextual

    1. Contexto remoto

    2. Contexto prximo

    II. Estudo Textual

    1. Anlise gramatical

    2. Comentrios exegtico

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 69

    bom sabermos que um texto como esse pode levantar

    questes, alm da que formulamos na tese. Questes,

    talvez secundrias, mas que no podem ficar sem

    reposta.

    Formularemos as seguintes perguntas:

    a. Em que sentido Deus conheceu os eleitos?

    b. Como isso implica em t-los predestinados?

    c. A qual imagem Paulo se refere?

    d. Qual o significado de primognito?

    e. Por que entre muitos irmos?

    Estaremos focalizando de maneira especial o texto em

    relao a tese proposta como tema deste trabalho.

    I. Estudo Contextual

    Passaremos ao estudo contextual, que tem como

    objetivo verificar que o contexto em que aparece

    Romanos 8.29.

    1. Contexto Remoto

    No estudo do contexto remoto necessrio nos

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 70

    reportarmos ao Gnesis e por que no dizer prpria

    eternidade, pois o assunto tratado aqui, por Paulo, o

    da finalidade da eleio ou o seu propsito.

    Podemos dizer que esta finalidade, o sermos conforme

    a imagem de Cristo, est em Gnesis e a eleio

    propriamente dita est na eternidade. Mas vemos que

    por toda a Bblia existe sempre algo relacionado com

    esse texto ora considerado.

    Assim veremos, no s a eternidade como contexto

    remoto, mas tambm o Gnesis e toda a Bblia.

    O apstolo diz que Deus conheceu alguns de antemo

    e tambm os predestinou. Essa afirmao nos leva

    eternidade, onde o Senhor, por Sua livre e soberana

    vontade olhou com favor para alguns homens,

    tornando-os objetos de Seu precioso amor seletivo.

    Vemos que o ato divino ocorreu antes da fundao do

    mundo (Efsios 1.4) e que se processou na histria

    desde a criao.

    Avanando para o registro bblico veterotestamentrio

    podemos vislumbrar, em muitas passagens, a

    efetivao do ocorrido na eternidade. Assim vemos

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 71

    Deus revelando ao homem o Seu soberano plano (cf.

    Osias 13.5; Ams 3.2).

    Ao atravessarmos o perodo inter-bblico deparamo-nos

    com o Messias, Aquele que veio revelar completamente,

    a vontade de Deus aos homens e manifestar todos os

    desgnios do Pai.

    Encontramos em vrias declarao do Mestre referncia

    claras a este ato predestinador de Deus (cf. Joo 10.29;

    17.6, 9 e 20).

    Lucas registra em Atos 13.48 um sermo de Paulo em

    que ele faz referncia a esta doutrina. Da em diante

    podemos ver essa doutrina receber de Paulo uma

    grande ateno.

    Em suas cartas, Paulo trata deste maravilhoso ensino

    de maneira a dar uma detalhada explanao do mesmo:

    Efsios 1.3ss; II Tessalonicenses 2.13; Romanos 8.29-

    30; 9.11; 11.7 e outras passagens.

    Mas o apstolo no para ai, ele vai ao cerne da questo

    que a finalidade da eleio: sermos conforme a

    imagem de Cristo. Isso nos arremessa de volta ao

    Gnesis onde o homem foi criado imagem de Deus,

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 72

    mas com o pecado essa imagem deformada. Contudo,

    o propsito de Deus no foi frustrado e para cumpri-lo

    integralmente manda Jesus para realizar uma

    transformao na imagem deformada, recriando-a.

    Assim vemos que Paulo escreve este verso, dentro de

    um contexto remoto que est na prpria eternidade e

    nas Escrituras do Velho Testamento. Ele o escreve

    dentro de circunstncias especiais que sero o assunto

    que trataremos a seguir.

    2. Contexto Prximo

    O contexto prximo desse texto nos traz ao captulo um

    da carta aos Romanos, onde Paulo comea uma

    exposio da f x obras para seus destinatrios. O

    apstolo vem mostrando a culpa de todos os homens

    diante de Deus, por causa dos atos que praticam e nisso

    no h grego nem judeu.

    Nos prximos captulos ele mostra que aqueles que

    repousam na lei no podem cumpri-la integramente e

    por isso so passveis do justo juzo de Deus. Mas

    mostra tambm que a Lei no m pelo fato de que os

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 73

    homens no conseguem cumpri-la. Assim, no h

    justo, nem se quer um 3.10, pois no regime da Lei

    ningum foi justificado e sim pela f e isso demonstra

    citando o exemplo de Abrao que foi justificado pela f.

    Paulo progride na sua exposio, chegando ao Senhor

    Jesus, mostrando a doloroso condio do homem, isto

    , mostrando que todos os homens eram inimigos de

    Deus por natureza, pois em um s todos pecaram e

    morreram. Mas em contrapartida em Cristo, esses a que

    Deus conheceu de antemo, vieram ou viro a ser

    reconciliados com Deus.

    O grande problema deste contexto o da Lei como

    escravizadora do homem, aquela que tem o poder de

    trazer tona o pecado, aquela que revive a miservel

    condio pecaminosa do homem, homem este que no

    tem domnio para no pecar, pois sua natureza o obriga.

    Assim neste clima de desolao em que o homem

    impotente para a justia e que sua condio primria

    de uma vida totalmente alheia a Deus, em meio a um

    panorama to lamentvel que Paulo comea o captulo

    oito dizendo: nenhuma condenao h para os que

    esto em Cristo Jesus e nessa relao, a natureza

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 74

    carnal do homem mortificada em Cristo pelo Esprito

    e o homem se torna co-herdeiro com Cristo, tanto de

    Seu sofrimento como de Sua glria.

    O sofrimento da vida presente mostrado, como algo

    insignificante para aqueles a que Deus amou e no meio

    do sofrimento os predestinados no devem esmorecer.

    Aqui surge o texto como o incio de uma nota de triunfo.

    Paulo notifica aos irmos que a salvao ultrapassa o

    regime da Lei para ser graa e este no depende deles

    e sim de Deus que os chamou para a sua salvao.

    Salvao esta que no possvel perder, pois ela est

    firmada no eterno amor seletivo de Deus.

    Este canto triunfal do apstolo vem dar a segurana

    para os eleitos prosseguirem na luta, pois a causa, isto

    , a escolha reside em Deus.

    Este texto est inserido nesse contexto de forma, ao

    nosso ver, a dar continuidade ao pensamento que o

    autor vem desenvolvendo, que mostrar que apesar do

    pecado e da Lei, os homens podem ser salvos por meio

    de Jesus, pois Deus escolheu um nmero dele para

    determinado fim, isto , para serem conformes a

    imagem de Seu Filho.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 75

    Servindo esse texto de elo entre os versos 25 e 31,

    onde Paulo passa da expectativa para a certeza da

    remisso final.

    Concluindo, podemos dizer que esse texto, dentro

    desse contexto a sublime revelao daquilo que os

    homens foram incapazes de realizar: a prpria

    salvao.

    II. Estudo Textual

    Com esse passo exegtico, analisaremos cada palavra

    gramaticalmente para tentarmos estabelecer uma

    traduo base para trabalharmos. Ainda dentro deste

    tpico faremos um comentrio exegtico, onde

    procuraremos resolver as questes levantadas e

    comprovar nossa Tese.

    1. Anlise Gramatical

    o[ti: Conjuno. Trad. PORQUE

    ou]j: Pronome relativo, masculino, plural, acusativo, de

    o[j: Que. Trad. AQUELES

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 76

    proe,gnw: Verbo, 3 pessoa, singular, 1o aoristo,

    indicativo, ativo, de proginw,skw, Conheo antes, Sei de

    antemo. Trad. CONHECEU ANTES

    kai.: Conjuno com sentido aditivo, Trad. TAMBM

    prow,risen: Verbo, 3 pessoa, singular, 1o aoristo,

    indicativo, aditivo, de proori,zw, Predetermino,

    Predestino. Trad. PREDESTINOU

    summo,rfouj: Substantivo, masculino, plural, acusativo

    de su,mmorfoj, Conforme, Participante da forma de.

    Trad. PARA SEREM CONFORME

    th/j: Artigo definido, masculino, singular, genitivo, de h,`

    A. Trad. A

    eivko,noj: Substantivo, feminino, singular, genitivo, de

    eivkw,n: Imagem, Semelhana. Trad. IMAGEM DE

    tou/: Artigo definido, masculino, singular, genitivo, de o`,

    O Trad. O

    ui`ou/: Substantivo, masculino, singular, genitivo, de

    ui`o,j: Filho. Trad. FILHO DE

    auvtou/:Pronome pessoal da 3

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 77

    pessoa,masculino,singular genitivo,de auvto,j, Seu. Trad.

    SEU

    eivj: Preposio com o acusativo. Trad. PARA

    to.: Artigo defino, neutro, singular, nominativo, de to,, A

    ou O. Trad. O

    ei=nai: Verbo, definitivo, presente, ativo, de eivmi,, Eu

    sou. Trad. SEJA

    auvto.n: Pronome pessoal da 3a pessoa, masculino,

    singular, acusativo, de auvto,j, Seu. Trad. ELE

    prwto,tokon: Substantivo, masculino, singular,

    acusativo, de prwto,tokoj, Um nascido primeiro,

    Primognito. Trad. PRIMOGNITO

    evn: Preposio com o locativo. Trad. ENTRE

    polloi/j: Adjetivo, masculino, plural, dativo, de polu,j,

    Muito. Trad. DE MUITOS

    avdelfoi/j: Substantivo, masculino, plural, locativo, de

    avdelfo,j, Irmo. Trad. IRMOS

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 78

    TRADUO-BASE

    Porque aqueles (que) conheceu antes, tambm predestinou para serem conforme a imagem do Seu Filho, para (que) Ele seja o primognito entre muitos irmos.

    Isto posto, passaremos para o comentrio exegtico,

    que o nosso prximo tpico.

    2. COMENTRIO EXEGTICO

    Nesta parte estudaremos cada palavra separadamente

    e depois toda a expresso, dando algumas opinies de

    autores e vendo sua aplicao.

    o[ti ou]j proe,gnw

    o[ti Esta conjuno traduzimos por Porque como

    referem William Sanday e Arthur C. Headkam92, pois

    est expressando cousa, isto , est introduzindo uma

    declarao indireta formada pela conjuno o[ti + o

    92 W. Sanday e A. C. Headlan, The International Critical Commentary, p.217.

  • Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo

    Jos Roberto Cristofani 79

    indicativo. Assim o apstolo declara o propsito de Deus

    na eleio do homem.

    ou]j Temos um pronome relativo referindo-se a

    Aqueles eleitos de Deus. Cremos ser esta palavra,

    restritiva, isto , que restringe o propsito de Deus

    somente queles que fazem parte do nmero dos

    Eleitos. Com o estudo da expresso toda talvez

    possamos lanar mais luz sobre este aspecto.

    proe,gnw Este verbo um composto por preposio pro,

    mais o verbo ginw,skw significando saber de antemo,

    conhecer antes.

    oportuno lembrar que este verbo est usado no

    tempo aoristo, implicando isso, que a ao do verbo

    pontilear, isto , a qualidade de ao vista como

    momentnea, como um ponto indefinido quanto ao

    tempo.

    O modo indicativo no qual est o verbo, demonstra que

    esta declarao definitiva e sendo um aoristo

    constativo a ao contemplada como um todo sem

    indicar o incio oi o fim da ao.

    Tudo isso imp