Predestinação
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PredestinaoPredestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani
Boa Nova Educacional
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PREDESTINAO:
PREDESTINADOS PARA SERMOS IMAGEM DE CRISTO
JOS ROBERTO CRISTOFANI
CAMPINAS
1986
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Palavra do Autor
Este trabalho sobre Predestinao eu escrevi
como exigncia para a concluso do meu curso
de Teologia no SPS - Seminrio Presbiteriano do
Sul da IPB em 1986. J faz tempo!
Por isso, conservei a grafia, a metodologia da
poca para registro histrico, pelo que voc leitor
e leitora devem me perdoar, tambm aos erros
aqui e acol, que porventura ainda persistem.
Abordei o tema da Predestinao sob o ponto de
vista histrico, teolgico e exegtico. Como todo
calouro conclui o trabalho propondo um
acrscimo Confisso de F de Westminster.
Mas no se assuste, apenas o acrscimo do texto
bblico que eu tratei aqui.
Portanto, este e-book a recuperao de um
texto, que reflete um tempo e um modo, j
passados, de eu fazer teologia.
Desejo uma boa leitura.
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ndice
Introduo |01
Captulo I - Preliminares |05
Captulo II - A Doutrina Na Histria Da Igreja |16
Captulo III - A Doutrina |39
Captulo IV - Argumento Teolgico |54
Captulo V - Argumento Exegtico |68
Concluso |105
Bibliografia |108
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 1
INTRODUO
A razo principal, alm da exigncia constitucional, de
termos escolhido a Doutrina da Predestinao como
assunto base de nossa tese, foi a necessidade sentida
em trazer um aspecto prtico desta maravilhosa
doutrina.
Mas como encontrar um aspecto prtico desta doutrina,
algo que possa ter implicao para o dia a dia?
Foi levantando esta questo que optamos por estudar
somente umas das partes da Predestinao, isto , a
Eleio. Aqui cabe lembrar que os telogos dividem a
Predestinao em duas partes1 a saber: Eleio, que
a Predestinao em relao aos homens que sero
salvos e Reprovao, que a Predestinao em relao
1 L. Berkhof, Manual de Doutrina Crist, pp. 84-85; H.B. Smith, System of Christian Theology, p. 505.
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aos homens que foram deixados em seu estado de
pecado.
Ao tratarmos da Eleio, no temos em mente a
pretenso de faz-lo exaustivamente, nem de fazer
uma exposio completa de todos os seus aspectos,
nem ainda uma apologia de tal doutrina, muito menos
de esgotar o assunto. O que na verdade tentaremos
fazer, ser abordar, dentro da Eleio, apenas um nico
particular, isto , tratar apenas de um dos propsitos da
Eleio.
Por isso ns propomos a tese, baseada em Romanos
8.29:
O propsito de Deus na eleio
conformar os escolhidos imagem
de Cristo
justamente no estudo desse aspecto que podemos
encontrar uma aplicao prtica para o dia-a-dia, no
que haja outras, mas a nossa proposta aqui encontr-
la.
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No decorrer do estudo de algumas questes certamente
sero levantadas, questes que so verdadeiras teses e
que certamente precisaro de outros trabalhos para
esclarece-las. Assim, trabalharemos de maneira a
tentar resolver a tese proposta.
O roteiro que seguiremos ser o seguinte:
No captulo primeiro, sob o ttulo Preliminares, faremos
a dissertao histrica, mostrando como surgiu o
documento confessional que adotamos como texto para
o nosso assunto, isto , a confisso de f de
Westminster.
Trataremos dos antecedentes histricos da Assemblia
de Westminster, da sua composio, seu funcionamento
e seus resultados.
No captulo segundo, cujo ttulo : A Doutrina da
Predestinao na Histria da Igreja, tentaremos
descobrir quando tal doutrina comeou a ser discutida,
como foi primeiramente formulada e seu
desenvolvimento na histria da Igreja em suas
sucessivas etapas, que foram: Igreja Antiga, Medieval
e Reformada.
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No terceiro captulo focalizaremos, sob o ttulo: A
Doutrina, como as Confisses de F definiram a
doutrina e como os telogos a conceberam em seus
compndios, tendo sempre em vista que estaremos
com isso tratando ou no do propsito de Deus na
Eleio.
Com o ttulo de: Argumento Teolgico, que o nosso
quarto captulo, faremos uma reviso na literatura
teolgica a respeito da finalidade da Eleio e
sistematizaremos textos bblicos que comprovam nossa
tese, tudo do ponto de vista teolgico.
Finalmente no quinto captulo, com o ttulo de:
Argumento Exegtico, tentaremos comprovar nossa
tese biblicamente.
Procederemos uma exegese de Romanos 8.29 no
mtodo gramtico-histrico, que nos possibilitar um
embasamento eminentemente bblico a respeito da tese
proposta.
Portanto, passaremos imediatamente ao estudo.
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CAPTULO I
PRELIMINARES
Tendo determinado o tema, os objetivos, e mtodos do
nosso trabalho, passaremos a considerar a Confisso de
F do ponto de vista histrico.
Um dos smbolos de f adotado pela IPB a Confisso
de f de Westminster e nesse captulo nosso desejo
fazer um apanhado histrico da Assemblia que
produziu os smbolos de f (Confisso de F, Catecismo
Maior e Catecismo Menor), que foram adotados pela
Igreja.
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ANTECEDENTES HISTRICOS2
Para temos uma viso panormica desta Assemblia
necessrio considerar os antecedentes polticos e
religiosos que levaram convocao da mesma.
Polticos e religiosos, pois a Igreja Anglicana da
Inglaterra era oficial e seu representante mximo era o
Rei.
Os primeiros passos em direo ao protestantismo, na
Inglaterra, remontam ao reinado de Henrique VIII.
Por essa poca o povo ingls estava sobrecarregado de
taxas impostas pela Igreja Romana. O
descontentamento era geral. Se se arvorasse a
possibilidade de uma ruptura com tais imposies, seria
bem-vinda pelo povo, principalmente pela comunidade
mercantil que ascendia dominao de posses.
O fator decisivo para desencadear uma onda de
restries a Roma, foi a vida conjugal de Henrique VIII.
2 E.E. Cairns, O Cristianismo Atravs dos Sculos, pp. 266-279; J.L. Gonzales, Uma Histria Ilustrada do Cristianismo, vol. 6, pp.121-135; R.H. Nichols, Histria da Igreja Crist, pp. 175-180; P. Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I, pp. 701-722.
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Este queria separar-se de sua esposa para tentar gerar
um herdeiro com Ana Boleyn.
O pedido de anulao do seu casamento, foi anulado
pelo papa Clemente VII, fato que levou o Rei da
Inglaterra a declarar-se chefe da Igreja em seu reino, e
conseguir que os clrigos, que nomeou, anulassem o
seu casamento.
A separao de Roma foi to somente de liderana, mas
no teolgica, pois na Inglaterra a Igreja continuou,
romana em teologia, fato notrio nos seis artigos de
Henrique VIII3.
Entretanto, por influncia de Ana, houve concesso aos
protestantes. Outro fator importante que a Bblia
estava disposio do povo em sua lngua verncula.
Com Henrique fora de cena, pois a morte o havia
alcanado, seu sucessor, Eduardo VI promoveu, sob a
tutela do regente, reformas religiosas maiores que se
pai. Entre as mudanas revogou os seis artigos.
Agora a Inglaterra estava caminhando para sua
3 H. Bettenson, Documentos da Igreja Crist, pp. 274-275.
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reforma. Mas com Maria Tudor, sua sucessora, o
catolicismo voltou a ter fora no reino, pois ela revogara
as mudanas de Eduardo VI desencadeando uma
grande perseguio aos protestantes que se exilaram
em outros pases, como a Esccia, Sua, etc.
O povo britnico no queria extremos religiosos, apesar
de estar dividido em catlicos e protestantes. Assim
com a ascenso de Elizabeth ao trono, fez com que o
Parlamento aprovasse o Ato de Supremacia4 em 1559
o qual lhe garantia o governo supremo do Reino.
Outras mudanas foram conseguidas e reunidas
formaram os 39 Artigos. bom lembrar que a
Assemblia de Westminster teve como primeiro
objetivo reformular estes artigos.
Com a morte de Elizabeth em 1603, assumiu o reinado
Tiago VI da Esccia que se tornou Tiago I em Inglaterra.
Tiago, com uma pssima reputao, era homossexual,
deu privilgios muitos de seus prediletos o que
provocou o descontentamentos dos Puritanos, que
4 H. Bettenson, op. cit.., pp. 275-276.
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eram os exilados que haviam voltado ao reino e que
traziam novas concepes, tanto polticas como
religiosas em matria de governo eclesistico, e os
Lords que iam tendo seus privilgios reduzidos. Ambos
pertenciam ao Parlamento. Os primeiros tinham lugar
na Cmara dos Comuns ou Baixa e os segundos na
Cmara Alta.
Outro fator que agravou o relacionamento do Rei com o
povo foi sua vontade de manter a monarquia absoluta
e sistema episcopal do Anglicanismo favorecia esta
atitude real. Alm disso, por estar muito prximo do
catolicismo, tanto em doutrina como em ritual, o
Anglicanismo levantou os nimos dos Puritanos que
queriam um governo eclesistico mais bblico,
defendendo o Presbiterianismo, e tambm o nimo dos
Independentes ou Congregacionais que criam na
independncia de cada congregao.
Tiago I havia dissolvido e convocado o Parlamento por
diversas vezes, por ser este o rgo que aprovava a lei
que regia os impostos. A convocaes e os imediatos
dissolvimentos do Parlamento se processaram de
acordo com a necessidade financeira do Reino que por
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aqueles dias era desesperadora. A Inglaterra estava
beira da guerra civil.
Carlos I foi o rei que assumiu, em 1625, aps a morte
de seu pai. Casado com a irm de Lus XIII na Frana5
Carlos I fez muitas concesses aos catlicos.
Carlos cria na monarquia absoluta apoiada pelo
episcopado como forma instituda divinamente e por
isso lutou tentou obrigar o Parlamento subservincia,
no conseguindo, governou de 1629 a 1640 sem ele.
Sendo Rei tambm da Esccia, Carlos tentou impor um
novo livro de orao comum Igreja da Esccia6. Isso
provocou o zelo7 dos escoceses que atacaram e
invadiram a Inglaterra e se ligaram aos Puritanos.
Novamente o Parlamento convocado e dissolvido dias
depois8, pois os Puritanos da Cmara Baixa no
votariam fundos para o ataque aos escoceses at que
fossem resolvidas as questes religiosas. Essa reunio
5 J.L. Gonzales, Uma Histria Ilustrada do Cristianismo, vol. 8, pp. 50-75. 6 E.E. Cairns, op. cit.., p. 277. 7 J.L. Gonzales, op. cit.., vol. 8, p. 60. 8 E.D. Morris, Theology of the Westminster Symbols, p. 40.
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ficou conhecida como Parlamento Curto de 1640.
Com investida dos escoceses, as tropas do Rei recuaram
e foi convocada uma nova reunio, que passou
histria com o nome de Parlamento Longo.
A situao na Inglaterra era confusa, tanto civil como
religiosamente, pois como dissemos anteriormente,
estavam inter-relacionadas por ser a Igreja oficial.
Entre as decises que foram tomadas por esse
Parlamento, estava a parte que nos interessa, isto , a
convocao de uma Assemblia para orientar em
matria religiosa. Esta se reuniu na Abadia de
Westminster que teve lugar durante a efervescente
guerra, isto , a guerra civil.
COMPOSIO DA ASSEMBLIA9
Para tal Assemblia foram convocados 121 ministros e
30 leigos nomeados pelo Parlamento, contando tambm
a presena de uma comisso escocesa, pois estes
9 P. Schaff, op. cit.., pp. 731-740.
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estavam no pas.
E.D. Morris diz que esses ministros eram das mais
diversas opinies a respeito de doutrinas religiosas e
governa da Igreja10.
Os Independentes tinham seis ou oito representantes e
davam maior valor s congregaes com governo
prprio, e igual nmero eram Erastianos que defendiam
a supremacia do Estado sobre a Igreja.
A maioria eram de Presbiterianos que haviam ganho
proeminncia depois da organizao do primeiro
Presbitrio.
Da comitiva escocesa, primeiramente 5 ministros e 3
leigos e posteriormente foram adicionados um ministro,
trs ancies.
Trs telogos, Cotton, Hooker e Davenport no
puderam estar presentes.
De acordo com Alexander F. Mitchell, citado por Morris,
foram selecionados 16 leigos e 18 telogos que
10 E.D. Morris, op. cit.., p. 42.
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ocupariam vagas ocasionadas por morte ou ausncia.11
Alm destes haviam tambm dois escribas a auxiliarem
a redao dos documentos.
Interessantemente, 11 leigos e 29 telogos no
apareceram em nenhuma sesso da Assemblia. O
moderador, nomeado pelo Parlamento, foi o Dr. William
twisse, grande erudito da poca.
FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLIA
A Assemblia teve seu funcionamento por mais de cinco
anos e meio, de Julho de 1643 a Fevereiro de 1649.
Foram feitas em mdia 200 sesses por ano num total
de 1163. Porm, nas reunies no apareceram todos.
Na primeira convocao estiveram 69 e a mdia de
membros reunidos era em torno de 70 a 80.
O Parlamento havia determinado as regras para o
funcionamento da Assemblia, e esta, em todas as
ocasies as soube respeitar.
11 E.D. Morris, op cit., p. 43.
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Alm disso, registraram os dias de orao jejum e
devocionais12 e discursos preferidos em ocasies como:
o funeral de Twisse e outros que morreram durante a
durao da Assemblia.
O incio das sesses era marcado por oraes, algumas
delas com durao de at duas horas. Era assegurada,
em todas as discusses, a participao de todos com
plena liberdade de expresso.
Assim o funcionamento desta Assemblia obedeceu os
padres estabelecidos pelo Parlamento e foi conduzido
at o fim pelo alto carter de conscincia de cada
indivduo que dela participou.
OS RESULTADOS DA ASSEMBLIA
Como o propsito primrio da Assemblia era rever os
39 Artigos, as primeiras dez semanas foram dedicadas
a esta finalidade13. Porm com a necessidade de criar
uma uniformidade religiosa nos trs reinos, este
12 P. Schaff, op. cit., pp. 751-752. 13 E.D. Morris, op. cit., p. 47.
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trabalho foi abruptamente interrompido para no ser
mais considerado.
As questes que comearam a ser levantadas foram
sobre a origem da Igreja, o modelo de adorao pblica
o mtodo bblico de organizao eclesistica, a
autoridade para a disciplina, entre outras.14
Os documentos que resultaram desta Assemblia foram
a Confisso de F, os dois Catecismos, o Diretrio de
Culto Pblico, a Forma de governo da Igreja e
Ordenao e um Saltrio, todos submetidos
aprovao do Parlamento.
Sem detalhar cada um deles, tomamos a Confisso de
F, captulo III que trata dos Decretos de Deus onde
est inserida a doutrina da Predestinao.
Assim conclumos este breve histrico.
14 P. Schaff, op. cit., p. 754.
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CAPTULO II
A DOUTRINA NA HISTRIA DA
IGREJA
Neste captulo, sob este ttulo, faremos uma excurso
histria da Igreja, para estabelecermos o incio da
formulao desta doutrina e seu desenvolvimento at
sua forma atual.
Como diviso dos perodos histricos da Igreja,
utilizaremos a mais comumentemente aceita pelos
historiadores eclesisticos, apesar de W. Moeller
mostrar que h vrias posies quanto ao assunto,
dando em sua obra as divises de Kraus, Rothe, Hasse,
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Kurtz, entre outros.15
A diviso mais aceita a seguinte:16
1. At 590 A.D. Igreja Antiga
2. 590 at 1517 Igreja Medieval
3. a partir de 1517 Igreja Reformada
No so unnimes os autores, mas esto em termos de
data, muito prximos nos respectivos perodos.
Assim nossa abordagem ser dentro dos trs perodos
que citamos acima. E em cada um deles verificaremos,
como a Igreja se posicionou em relao a doutrina, ora
estudada.
1. A DOUTRINA NA IGREJA ANTIGA (at 590 A.D)
At a poca de Agostinho a Predestinao no constituiu, na histria, um assunto importante de discusso17
15 W. Moeller, History of the Christian Church A.D. 1-100, pp. 4-6. 16 G.P. Fisher, History of the Christian Church; W. Moeller, op. cit.; P.
Schaff, History of the Christian Church, vols. II, III, IV; W. Walker, Histria da Igreja Crist; R. H. Nichols, Histria da Igreja Crist.
17 L. Berkhof, Teologia Sistemtica, p. 128.
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Com estas palavras Berkhof d um salto direto para
Agostinho em matria da histria desta doutrina.
Com Ele compartilha Boettner dizendo:
... a doutrina da Predestinao no foi feita, matria de especial estudo at quase o fim do sculo quarto.18
Assim poderamos entrar diretamente em Agostinho.
Mas h algumas referncias a um antecessor de
Agostinho e dois contemporneos dele que so:
Orgenes (185-251/4?), Ambrsio (340-397) e
Jernimo (347-420). E Calvino quem a eles se
refere.19
ORGENES, AMBRSIO E JERNIMO
Berkhof mostra que os Pais da Igreja no tiveram uma
concepo muito clara da Predestinao e a atriburam
quando a ela se referiram, prescincia de Deus.20 Isto
18 L. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p. 365. 19 J. Calvino, Institucin de la Religin Cristiana, Livro III, cap. XXIII,
8. 20 L. Berkhof, op. cit., p. 128.
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, Deus predestinou porque previu f ou a falta dela nos
homens.
Calvino mostra que alguns sustentavam que Orgenes,
Ambrsio e Jernimo, escreveram que:
...Deus distribui sua graa entre os homens segundo Ele sabe que cada um h de usar bem dela.21
Portanto, isso confirmaria a posio de Berkhof em
relao a opinio dos pais da Igreja. Cabe lembrar que
esses alguns a quem Calvino se refere so os
Pelagianos, pois foi Pelgio que invocou o testemunho
desse Pais para firmar sua doutrina sobre a
Predestinao condicional, germe do Arminianismo.
Contudo, no podemos concluir categoricamente que
eles referiram-se esta doutrina somente como
prescincia. Pois pelo menos Ambrsio diz:
...sobre quem Ele teve misericrdia Ele tambm o chamou.
e tambm:
21 J. Calvino, idem, ibidem.
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Se Ele tivera sido propenso, Ele teria feito devoto aos que no eram devotos.
e ainda:
Mas Deus chama esses a quem Ele faz digno e faz religiosos a quem Ele quer.22
Portanto no seria justa a generalizao categrica de
que os Pais da Igreja entenderam-se sempre como
prescincia.
AGOSTINHO
Este foi o grande nome da Igreja Antiga e tambm
tratou da Predestinao. No incio sua idia sobre
Predestinao era na base da prescincia, vejamos:
Eu fui carregado sem meu raciocnio para o ponto, do provrbio: Deus no escolheu, portanto, as obras de qualquer um na prescincia de que Ele mesmo quer dar, mas escolheu a f, na prescincia, daquele que pretende chamar muitas pessoas que ele soube de antemo que acreditaria Nele
22 Ambrose, on Luke, apud Agostinho, On the Gift of Perseverance, In: The Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, vol. V, p. 546.
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para os quais Ele quer dar o Esprito Santo, portanto aqueles que fazendo boas obras, assim pode obter a vida eterna.23
Este extrato faz parte do reconhecimento do seu erro
sobre a graa de Deus. Erro do qual j havia se
retratado (cf. Retractations, Livro I, cap. 23). A partir
disso Agostinho d mostra, em vrias passagens, da
sua atual posio, por exemplo, no Sermo L ele diz:
Mas se ela graa, ela gratuitamente dada.24
Outro exemplo, podemos encontrar no The Encheridion,
onde ele trata deste assunto no captulo 98 sob o ttulo:
Predestinao para a vida eterna totalmente livre da
graa de Deus.25
Vemos outra referncia Predestinao no On Patience
onde, citando Romanos 11.5-6, mostra que a mesma
graa que elegeu o apstolo, elege tambm os homens,
vejamos:
23 Agostinho, On the Predestination of the Saints, cap. 7, In: idem, vol. V, pp. 500-501.
24 Idem, Sermons on New Testament Lessons, In: idem, vol. VI, p. 421. 25 Idem, The Enchiridion, cap. 98, In: idem, vol. III, p. 268.
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Esta a eleio da graa, essa, eleio na qual a graa de Deus, os homens so eleitos da graa que foi feita antes de todos os bons mritos dos homens.26
Ainda encontramos esta doutrina nos Tratados LXXXVI
(cap. XV, 15,16) e LXXXVII (cap. XV, 17-19) sobre o
Evangelho de Joo. Referindo-se ao verso 16 captulo
XV Agostinho diz:
Aqui certamente fato o vaidoso raciocnio daqueles que defendem a prescincia de Deus em oposio, Sua graa, e com esta viso declaram que ns somos chamados antes da fundao do mundo, por que Deus sabia de antemo que ns seramos bons, mas no que Ele mesmo nos faria bons.27
E ainda mostra que a escolha somente pela graa:
E assim estes homens foram eles mesmos tambm deste mundo, e, eles no podem ser por mais tempo dele foram chamados para fora dele, no atravs de seus mritos, nem pela natureza, que pela vontade livre tornou-se totalmente corrompida na fonte: mas
26 Idem, On Patience, 17, In: idem, vol. III, p. 533. 27 Agostinho, Lectures or Tractates on the Gospel According of St. John,
Trac. LXXXVI, In: idem, vol. VII, p. 353.
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gratuitamente, isto , pela graa atual.28
Poderamos localizar outras menes esta doutrina,
ainda que essas referncias bastem para
estabelecermos o pensamento de Agostinho com
referncia a Predestinao.
Entretanto, Agostinho foi muito longe. Ele escreveu dois
longos tratados nos quais trata exaustivamente da
doutrina. Estes tratados so: A TREATISE ON THE
PREDESTINATION OF THE SAINTS29, com 43 captulos
e A TREATISE ON THE GIFT OF PERSEVERENSE30, com
68 captulos. Nesses tratados Agostinho desenvolve
todos os aspectos da doutrina.
Como sempre o desenvolvimento das doutrinas est
ligado com controvrsias que surgiram devido a alguma
posio que pareceu ser uma heresia.
No foi diferente com a Predestinao. Esses escritos
de Agostinho foram caracterizados como Escritos
28 Idem, Ibidem, Trac. LXXXVII, In: idem, vol. VII, p. 355. 29 Idem, A Treatise on the Predestination of the Saints, In: idem, vol. V, pp.
497-519. 30 Idem, A Treatise on the Gift of Perseverance, In: idem, vol. V, pp. 525-
552.
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antipelagianos, na grande controvrsia Pelagiana.
Esses dois tratados foram de tal profundidade que
nenhum outro escrito, at hoje, pode super-los nesta
matria. O que surgiu depois foi apenas interpretaes
de Agostinho.
Portanto, pudemos ver como a doutrina evolui da
simples prescincia, como pensavam alguns Pais da
Igreja, para tomar a sua forma definitiva e global, de
uma Predestinao incondicional com todas as suas
conseqncias, naquele que foi o formulador e
expositor desta doutrina: Agostinho.
2. A DOUTRINA NA IGREJA MEDIEVAL (590 1517)
A Igreja na Idade Mdia foi marcada pelo crescente
paganismo e pelo desenvolvimento da salvao
sacramental isto , salvao por meio dos sacramentos,
que em ltima instncia seria a salvao pelas obras.
At a eleio de Hildebrando como Papa, o qual tomou
o nome de Gregrio VII, em 1073, a Igreja estava toda
mergulhada no obscurantismo, tanto moral quanto
teologicamente. E este Papa resolveu algumas
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mudanas na Igreja que j eram ansiadas pelo Papa
precedentes. Foi tambm a poca da reforma na vida
monstica, como a reforma Cisterciense ocorrida em
Citeaux.
Porm, ao ideais da Igreja no se restringiram somente
a isso, mas alcanou tambm a rea teolgica e aqui
que surge dois grandes vultos da teologia medieval:
So Bernardo (1090 1153) e So Tomaz de Aquino
(1125 1274).
Houve outras grandes mentes neste perodo tais como;
Anselmo de Canterbury (1033-1109), Abelardo (1079-
1142).
preciso lembrar tambm que j no nono sculo o
monge Gottschalk31 (805-868?) foi aprisionado e
condenado por pregar a doutrina da dupla da
Predestinao. Foi protagonista de uma controvrsia a
esse respeito com John Scotus Eriugena (800-880)32.
Entretanto, para o nosso propsito ficaremos apenas
com Bernardo e Aquino como representantes do
31 L. Boettner, op. cit., p. 367. 32 V. Ferm (ed.), Encyclopedia of Religion, verb. Gottschalk e Eriugena
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pensamento medieval com respeito a essa doutrina.
SO BERNARDO
Para visualizarmos como Bernardo concebeu essa
doutrina, verificaremos alguns excertos de suas obras.
Vejamos o Sermo 78 da srie Sermes sobre
Cantares cujo ttulo A Esposa, ou seja a Igreja dos
eleitos, foi Predestinada por Deus antes de todos os
sculos e prevenida por ele para que o buscasse e se
convertesse a Ele33.
O ttulo por si s j deixa antever a linha de
argumentao de Bernardo, Porm, vejamos tais
argumentos:
...h trs coisas que para si Deus reclama como autor...: a predestinao, a criao, a inspirao. A predestinao no tem comeado com a Igreja, nem ainda com o mundo, seno que desde toda eternidade e antes de todos os tempos. (...). Segundo a predestinao, a Igreja dos eleitos tem
33 S. Bernardo, Sermones sobre los Cantares, In: Obras Completas de San Bernardo, vol. II, pp. 522-523.
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estado sempre em Deus.34
Citando Romanos, 8.29-30 no Sermo 4 No Domingo
Primeiro de Novembro ele confessa o seguinte:
Assim, meu princpio de que s a graa e no tenho coisa alguma que atribuir-me na predestinao ou vocao.35
Numa carta a Tomaz, presbtero de Bevarley36,
Bernardo mostra que a justificao fruto de
predestinao. Noutro lugar Bernardo diz o seguinte,
comentando I Joo 3.9:
Esta semente celeste a eterna predestinao, pela
qual Deus amou gratuitamente seus eleitos no seu filho
antes da criao do mundo, contemplando os com seu
olhar favorvel, a fim de faz-los dignos de ver os
esplendor de sus glria e sua potncia e dar-lhes parte
na herana daquele cuja imagem devia conform-
los.37
34 Idem, Ibidem, In: idem, vol. II, p. 525. 35 Idem, Sermones de Tiempo, In: idem, vol. I, p. 607. 36 Idem, Cartas n 107, In: idem, vol. II, pp. 1156-1163. 37 Idem, Sermones sobre los Cantares - Trs maneras de Contemplar a
Dios, In: idem, vol. II, p. 155.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 28
Em todas essas referncias podemos ver, como disse
um comentador das obras de Bernardo, que:
Tambm nesse ponto (predestinao) So Bernardo claramente agostiniano.38
Contudo, no podemos ser radicais nesta afirmao
levando-a ao ponto extremo, pois quando Bernardo
trata da graa em relao ao livre arbtrio, que para ele
a vontade humana, diz que:
Neste sentido que o livre arbtrio consente em receber a graa de Deus) verdade dizer que o livre arbtrio coopera com a graa, que opera nossa salvao quando d seu consentimento, dizer, quando opera sua salvao, posto que consentir a graa e fazer sua salvao a mesma coisa.39
O que, podemos entender do texto, no seu contexto,
que a pregao da salvao pelas obras estava no seu
auge e esta era a preocupao daqueles dias: Como
reconciliar a graa com os mritos?
38 Pedro de Ribadeneira, In: Obras Completas de San Bernardo, vol. I, pp. 85-87.
39 Idem, Tratados, De la Gracia y Del Libre Albedrio, cap. I, In: idem, vol. II, p. 933.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 29
Assim, podemos deduzir que Bernardo fruto de sua
poca e no devemos desprezar sua ntida viso da
doutrina da predestinao por causa da maneira que ela
entendeu certos aspectos ou mesmo os aceitou.
Portanto, na linha mestra do pensamento Bernardino,
acerca desta doutrina, encontramos um telogo
profundamente Agostiniano.
SO TOMS DE AQUINO
Toms de Aquino foi outro expoente dessa poca de
mudanas. Em sua monumental Suma Teolgica
encontramos uma questo a respeito da predestinao
a qual nos restringiremos. Vejamos alguns trechos
desta obra. Sobre a questo Se Deus predestina (art.
1).
Eu respondo: exato dizer que Deus predestina os homens. Ns temos mostrado que todas as coisas so governadas pela Divina providncia (Q. 22, Art.4), e que a providncia ordena as coisas para seu fim
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 30
(Q.22, Art. 1 e 2).40
Neste contexto ele coloca a predestinao como parte
da providncia:
..., que a predestinao uma parte da providncia se considera na relao com seus objetos.41
Na questo sobre Se a predestinao implica em
alguma coisa no predestinado (Art.2):
Eu respondo: predestinao no est em qualquer coisa no predestinado. Ela est exclusivamente aquele que predestina.42
Sobre a questo da prescincia dos mritos para
predestinar, Aquino trata no Art. 5 Se a prescincia dos
mritos a causa da predestinao. Neste artigo ele
mostra que os mritos no so a causa e sim o efeito
da predestinao e podemos tomar uma frase sua pra
confirmar o argumento:
Ningum tem sido assim to tolo a ponto de dizer que os mritos so a causa do ato divino
40 Tomas de Aquino, Of Predestination, in Nature and Grace, p. 102. 41 Idem, Ibidem, In: idem, p. 102. 42 Idem, Ibidem, In: idem, p. 104.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 31
pelo qual Deus predestina.43
Das outras questes44, podemos ver somente as
respostas que lanaro mais alguma luz sobre o que
pensava Aquino. Vejamos:
Questo: Se Deus rejeita alguns homens (Art.3)
Eu respondo: Deus rejeita alguns homens
Questo: Se a predestinao certa (Art.6)
Eu respondo: A predestinao obtm seus efeitos muito certamente e infalivelmente
Questo: Se o nmero de predestinados certo (Art. 7)
Eu respondo: o nmero de predestinados certo
Assim podemos ver que Aquino segue a linha de
Agostinho na sua formulao doutrinria a respeito da
predestinao.
Apesar disso Calvino v uma sutileza em Toms, no
43 Idem, Ibidem, In: idem, pp. 108-109. 44 Idem, Ibidem, In: idem, pp. 105, 112, 114 e 115.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 32
que diz respeito a prescincia dos mritos como causa
da predestinao. Calvino faz-nos ver que tal sutileza
uma contradio de termos, citando para isso uma
obra de Aquino que no dispomos.45
Porm, quero crer que Aquino vivia sob o ensino da
graa cooperante dos escolsticos, isto , a faculdade
que o homem tem para fazer o bem em cooperao
ativa com a graa de Deus e por isso tenta harmonizar
a graa com os mritos humanos.
Este esforo claro em seu Tratado na Graa,
questes 109-114.46 Esforo semelhante faz Bernardo.
Antes de encerrar as consideraes no perodo
Medieval, bom fazermos ao menos uma referncia a
WYCLIFFE, (1320-1384), que alguns lhe atribuem o
ttulo de Estrela da Manh da Reforma.
Wycliffe foi uma voz que proclamou a predestinao.
Diz Boettner:
Wycliffe foi um reformador do tipo
45 J. Calvino, Institucin de la Religin Cristiana, Livro III, cap, XXII, 9. 46 T. Aquino, Treatise on Grace Prima Secundae, In: Nature and Grace,
pp. 137-156.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 33
Calvinista, proclamando a absoluta soberania de Deus e a pr-ordenao de todas as coisas.47
E ainda Herman Hausheer diz a seu respeito:
Como seus grandes contemporneos ele mostrou um renovado interesse na Cidade de Deus de Agostinho, de quem a graa predestinativa permitiu a ele estabelecer uma nova concepo idealstica da Igreja e o exerccio de uma crtica penetrativa da doutrina sacramental.48
Assim, temos em Wycliffe um outro expoente medieval
da predestinao.
Portanto, podemos concluir o perodo medieval
entendendo que a doutrina de Agostinho sobre a
predestinao foi mantida, apesar da doutrina
sacramental da Igreja e da graa cooperante
escolstica, terem posto Bernardo e Aquino em uma
situao difcil ante a exigncia de querer harmonizar a
graa com mritos ou livre arbtrio.
47 L. Boettner, op. cit., p. 367. 48 V. Ferm, op. cit., p. 833.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 34
3. A DOUTRINA NA IGREJA REFORMADA (a partir de
1517)
At o sculo XVI a Igreja esteve mergulhada no que
conhecemos como A poca das trevas, tanto moral
como teologicamente.
Contudo, como vimos, no faltaram os homens que
mantiveram a chama da fidelidade acesa, ainda que s
vezes tenuamente.
Agora chegamos ao que se denominou Reforma
Protestante, que teve como estopim a afixao, por
Lutero (1483-1546), da 95 teses na porta da Igreja do
castelo de Wittemberg. Era 1517. Para se Ter uma
noo do que foi a Reforma em termos da doutrina da
predestinao, ouamos Boettner:
A Reforma foi essencialmente um reavivamento do Agostianismo. (...). para ser lembrado que Lutero, o primeiro lder da Reforma, foi um monge Agostiniano e que foi nesta rigorosa teologia que ele formulou o seu grande princpio de justificao pela f. Lutero, Calvino, Zwinglio e todo os outros proeminentes reformadores deste perodo foram marcadamente predestinacionistas. (...). Melancton nos seus primeiros escritos
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 35
designou o princpio da predestinao como o princpio fundamental do Cristianismo.49
Neste excerto podemos ver que muitos se constituram
naqueles que defendiam a predestinao. Entretanto
ficaremos somente com seu maior expositor desta
poca: Calvino (1509-164), cuja lucidez e profundidade
produziu a grande obra da Igreja Crist a Instituio
da Religio Crist.
Posteriormente a predestinao viria a ser a marca
registrada dos reformados ou calvinistas. Faremos
apenas algumas consideraes nesta monumental obra
de Calvino.
Podemos afirmar, sem medo de errar, que Calvino foi
um grande interprete de Agostinho em vrios pontos, e
na predestinao de modo especial. Basta para
comprovarmos isso, verificarmos que o testemunho de
Agostinho invocado por mais de 30 vezes nos
captulos XXI a XXIV do livro III, onde Calvino trata
especificamente da predestinao.
Seria por demais dispendiosa a tarefa de citar ou
49 L. Boettner, op. cit., p. 367.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 36
transcrever toda a abordagem que Calvino faz desta
doutrina, por isso entendemos que em breve resumo do
ensino de Calvino a respeito bastar para termos uma
noo precisa de como ele desenvolveu e concebeu o
pensamento de Agostinho. Para tanto usaremos as suas
prprias palavras:
Dizemos pois como a Escritura o demonstra com toda evidncia que Deus tem designado para sempre em seu eterno e imutvel conselho aqueles que quer que se salvem e tambm aqueles que quer que se condenem. Dizemos que este conselho, porque toca aos eleitos, se funda na misericrdia gratuita divina sem respeito algum a dignidade do homem; ao contrrio, que a entrada da vida est fechada para todos aqueles que Ele quis entregar condenao; e isto se faz for Seu secreto e incompreensvel juzo o qual, entretanto justo e irreprovvel.
Assim mesmo ensinamos que a vocao dos eleitos
um testemunho de sua eleio; e que a justificao
outra marca e nota deles, at que entrem no gozo da
glria, na qual consiste seu cumprimento. E assim como
o Senhor marca aqueles que tem elegido, chamando-os
e justificando-os; assim, pelo contrrio, ao excluir os
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 37
rprobos do conhecimento do seu nome ou da
santificao de seu Esprito, mostra com estes sinais
qual ser seu fim e que juzo lhes est preparado.50
Com esse resumo temos a posio do grande
reformador de Genebra sobre tal doutrina. Doutrina que
veio, como j dissemos, a tornar-se a marca registrada
da Igreja Reformada. Mas logo surgiram oposies a
ela.
No tempo de Agostinho havia o pelagianismo. Agora era
o arminianismo que se opunha doutrina.
CONCLUINDO
Podemos verificar de maneira bastante rpida o
desenvolvimento desta doutrina atravs da histria da
Igreja.
O que podemos concluir que em Agostinho a
predestinao tomou a forma que prevaleceria na
posteridade. Nem a grande presso da doutrina
sacramental da Igreja Medieval conseguiu sufocar ou
50 J. Calvino, op. cit., Livro III, cap. XXI (final)
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 38
deturpar tal doutrina. Bernardo, principalmente,
manteve-se sempre muito perto de Agostinho e Tomaz
de Aquino, apesar de algumas sutilezas, conservou-se
na mesma linha Agostiniana.
Com a reforma a quase esquecida predestinao voltou
a ocupar o seu devido lugar dentro da teologia cristo.
Porm, notamos que tal desenvolvimento na verdade
no foi alcanado sem muitas disputas e controvrsias
(Pelagianismo, Arminianismo). E tambm no evoluiu
por si s, mas desenvolveu-se intimamente ligada a
outras doutrinas, tais como: Graa, Livre arbtrio, F e
outras.
Assim a expresso desta doutrina, podemos dizer, se
manifesta atualmente, no Calvinismo, contudo
afirmamos que na Idade Mdia foi manifestada no
Bernardismo, na Igreja Antiga no Agostinianismo e
finalmente expressa numa doutrina eminentemente
Paulina, isto , uma doutrina profundamente bblica,
que teve sua evoluo histrica como tentamos mostrar
neste captulo.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 39
CAPTULO III
A DOUTRINA
Uma vez estabelecido o desenvolvimento na histria
desta doutrina tentaremos, agora, definir a doutrina da
perspectiva das Confisses de F e dos Telogos.
I. DEFINIO
O que pretendemos olhar as definies e registra-las,
tentando verificar os elementos bsicos que as
compem, antes de entrarmos da discusso especfica
da Tese. Lembrando que ser uma definio da doutrina
e por isso bastante geral.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 40
1. Nas Confisses
As confisses de F, como expresso do que crem os
grupos que a formula, podem nos dar uma viso
panormica do pensamento deste grupo reformados
acerca da predestinao.
a. Confisso de Basilia Art. 1, Seo 3
Ns confessamos, que Deus, antes de ter criado o mundo, elegeu todos aqueles a quem Ele quis dar, livremente, a herana da eterna bem-aventurana. Romanos 8.29,30, Efsios 1.4-6.51
Esta Confisso considera a predestinao, do ponto de
vista supralapsariano, isto , Deus elegeu os homens
antes de cria-los. Mostra ainda o aspecto da livre graa
de Deus, livremente, excluindo com isso qualquer
condio de mrito humano. Finalmente, a Confisso de
Basilia mostra os objetivos da predestinao, citando
Romanos e Efsios, resumindo-os na expresso
herana da eterna bem-aventurana.
51 Peter Hall, The Harmony of Protestant Confessions, p.83
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 41
b. Confisso da Blgica Art. 16
Ns acreditamos que Deus (...) misericordioso e justo: misericordioso, porque livrando o homem e salvando da condenao e da morte aqueles que em Seu eterno conselho, de Sua livre bondade, Ele escolheu em Cristo Jesus nosso Senhor, sem nenhuma considerao de todas nossa obras, mas justo, deixando o restante em sua queda e perdio, onde eles mesmos se precipitaram.52
Nesta Confisso vemos a base em que Deus trata o
homem: misericrdia ou justia. Isso determina a dupla
predestinao. enfatizando a culpa do homem que
est na condio de condenao. Deus simplesmente o
deixa nela, contemplando com Sua misericrdia aqueles
a quem Ele quer, isto , a quem Sua livre vontade
determina. Temos nessa Confisso o Senhor Jesus
reconhecido como o meio por qual os homens so
salvos. enfatizado que nada h no homem que merea
de Deus alguma considerao.
52 Idem, Ibidem, p.84
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 42
c. Confisso da Frana Art. 12
Ns cremos (...), Deus livra e preserva alguns homens, que, pelo seu eterno e imutvel conselho, de Sua bondade e misericrdia, sem nenhuma ateno para nossas obras, Ele escolheu em Jesus Cristo; e outros Ele deixou em sua corrupo e condenao, nos quais Ele assim manifesta Sua justia, condenando-os justamente (...).53
Somente esta parte que se transcreveu do artigo nos
suficiente para ver a posio da Confisso francesa face
a predestinao.
Novamente abordada a doutrina da predestinao
incondicional, onde somente o conselho da vontade de
Deus que conta, no se levando em conta nenhum
mrito humano. A pessoa de Cristo tambm
mencionada como Aquele em quem Deus elegeu os
homens. Finamente a Confisso nos mostra que o
Senhor Deus deixou alguns homens sua prpria sorte
ou estado, manifestando assim a sua justia.
53 Idem, ibidem, p.83
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 43
d. Confisso da Esccia Art. 8- Da Eleio
Pelo mesmo eterno Deus e Pai, que de mera graa elegeu-nos em Cristo Jesus Seu Filho, antes da fundao do mundo (...).54
Na Confisso escocesa desenvolvido o tema, Em
Cristo, isto , esse artigo nos mostra como se
consumou a eleio no tempo. A idealidade de Jesus
para ser mediador entre o homem e Deus. O poder que
nos foi dado para crermos Nele. Sua divindade e
humanidade, etc. Sempre se exalta o modo da eleio,
isto , pela graa de Deus.
e. Segunda Confisso Helvtica cap. 10 Da
predestinao
Deus desde o incio livremente, e de Sua mera graa, sem nenhuma considerao do homem, predestinou ou elegei os santos, que Ele salvar em Cristo,.55
A Confisso Helvltica uma das que mais desenvolve
54 Idem, ibidem, p.83 55 Idem, ibidem, p.81
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 44
este assunto, seno a nica que d, praticamente,
todos os detalhes. O incio constitui-se na base: A
Graa, e o assunto desenvolvida dentro de uma
seqncia ordenada, vejamos a causa da eleio, ela
enfatiza que o meio Cristo e que o instrumento a f
em Cristo.
Continua desenvolvendo o tema, mostrando os fins (Ef
1.4-6); a certeza de que existe um nmero limitado e
certo de eleitos; a necessidade de ensinar a doutrina,
etc.
f. Confisses de Augsburg e da Saxnia
A Confisso de Augsburg faz meno predestinao
no Art. 20, sob o ttulo Da F:
Aqui no necessrio a discusso da predestinao...56
A Confisso da Saxnia em seu Art. 3 faz uma meno
no mesmo sentido:
56 Idem, ibidem, p.176
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 45
E por que no arrependimento ns propomos conforto conscincia, ns no fazemos aqui acrscimo de questes da predestinao ou eleio.57
Assim vemos que as duas Confisses admitem a
doutrina, mas no a discutem.
g. Confisso de Westminster cap.3, sees III
a VIII58
A Confisso de F de Westminster, tem sido o
documento sobre o qual temos trabalhado. Portanto,
importante pois expe em detalhes a doutrina.
Seo III
Pelo decreto de Deus e para a manifestao da Sua glria, alguns homens e alguns anjos so predestinados para a vida eterna e outros para a morte eterna.
Nesta seo temos descrita a finalidade e os objetivos
da predestinao. A finalidade, a glria de Deus; os
57 Idem, Ibidem, pp.194-195. 58 Confisso de F e Catecismo Maior da IPB pp.8-10.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 46
objetos, homens e anjos.
A. A. Hodge comentando a Confisso de f diz o
seguinte a respeito desta seo:
O fim ltimo ou o motivo de Deus na eleio o louvor de sua gloriosa graa.59
O telogo J. Macpherson escreve o seguinte:
Como sua finalidade- Ele imutvel em si mesmo e com respeito a seus objetivos, perfeitamente definido.60
Seo IV
(...), so particular e imutvel designados; o seu nmero to certo e definido, que no pode ser aumentado nem diminudo.
Esta seo ensina a imutabilidade do nmero dos
eleitos. Este nmero no pode ser jamais alterado.
Ouamos A. A. Hodge:
Esta determinao imutvel.61
59 A. A. Hodge, A Commentary on the Confession of Faith, p.103. 60 J. Macpherson, The Westminster Confession of Faith, p.48. 61 A. A. Hodge, A Commentary on the Confession of Faith p.103.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 47
Seo V
(...), ele escolheu de sua mera e livre graa e amor, e no por previso de f ou boas obras e perseverana nelas, ou qualquer outra coisa na criatura que isso o movesse, como condio ou causa.
Podemos afirmar que a inteno desta seo mostrar
que a condio ou a causa da eleio a livre graa de
Deus e no os mritos dos homens ou a prescincia de
Deus, prevendo a f dos homens.
J. Macpherson diz que:
A eleio em Cristo, e esta eleio toma lugar sem considerar nenhum mrito da parte do eleito, se de f ou de obras.62
Seo VI
(...), preordenou todos os meios conducentes a esse fim (...).
Aqui temos a preodernao dos meios para levar a
cabo a predestinao. Mostra-nos esta seo que por
intermdio da f, operada pelo Esprito Santo, os meios
62 J. Macpherson, op.cit., p.49
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 48
que conduzem ao fim desejado por Deus.
A prxima seo (VII) ns entendemos que uma,
quase, repetio da seo III, com respeito aos
rprobos, na verdade uma ampliao deste assunto.
A Confisso de F encerra o assunto (seo VIII),
mostrando o cuidado que devemos ter ao tratar esta
doutrina e os resultados para os eleitos, isto :
(...) motivo de louvor, reverncia e admirao de Deus, bem como de humildade, diligncia e abundante consolao.
Atravs deste panorama das Confisses, fica claro que
todas entendem a predestinao de uma forma mais ou
menos uniforme. Os elementos dessas definies so
mais ou menos desenvolvidos ou no dependendo da
nfase que cada uma atribui particularmente. Nessas
definies, nos possvel encontrar os seguintes
elementos bsicos que fazem parte de todas ela, a
saber:
a. A eleio somente pela graa
b. Os objetos da eleio so homens e anjos
c. A dupla predestinao
d. Os fins e os meios so preordenados
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 49
e. Deus mostra-se misericordioso e justo
Portanto, uma definio tentativa, das Confisses seria:
A predestinao um ato livre de Deus que escolhe alguns homens para a vida eterna e deixa o restante para a sua prpria condenao. Nos primeiros mostra a Sua misericrdia, nos segundos a Sua justia. Ainda esse mesmo Deus, para o louvor de Sua glria, determina os meios pelos, afim de que o homem seja salvo.
2. Nos Compndios
Passaremos a ver agora como os telogos a definiram.
Para isso tomaremos vrias definies. Comearemos
com Agostinho:
Algum homem se atrever a dizer que Deus no conheceu antes aqueles a quem Ele pretende designar para crer, ou quem ele quer dar para Seu Filho, dos quais Ele mostra que nenhum se perder? E certamente, se Ele conheceu antes estas coisas, como ele certamente conheceu antes na Sua bondade, donde Ele condescende em livra-los. Esta a
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 50
predestinao dos santos- nada mais- ...63
Esta definio de Agostinho no ampla e por isso no
contm todos os elementos que ele menciona em seus
dois tratados sobre a doutrina. Porm, tal definio nos
faz ver que o princpio da graa de Deus domina toda a
orla de discusso, sendo que Deus d a f aos eleitos,
entregando-os responsabilidade, de seu Filho.
Nesta linha, veremos como Calvino definiu a doutrina:
Chamamos predestinao o eterno decreto de Deus, pelo qual tem determinado o que quer fazer de cada um dos homens. Porque Ele no os cria a todos com a mesma condio, seno que ordena uns para a vida eterna, e outros para a condenao perptua. Portanto, segundo o fim para qual o homem criado, dizemos que est predestinado vida ou morte.64
Notamos que em relao a Agostinho, Calvino no tem
uma preocupao com a prescincia que Agostinho teve
ao tentar mostrar que apesar de Deus ter prescincia
63 Aurlio Augustin, On the Gift of Perseverance, Chap. 35, In: Select Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, St. Augustin, Vol. V, p.539.
64 J. Calvino, Institucin de la Religin Cristiana, L.III, cap. XXI, 5.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 51
de tudo, no foi ela que determinou a eleio dos
homens.
Porm, a preocupao bsica de Calvino demonstrar
em sua definio, que todos os homens so alvos dos
decretos de Deus, seja para a salvao ou para a
condenao.
J o telogo Augustus Hopkins Strong, tem em sua
definio a nfase na gratuidade de Deus, asseverando
que no h mrito algum dos homens que possa mover
Deus a contempla-los. Vejamos:
Eleio aquele ato eterno de Deus pelo qual, em Seu soberano prazer e no por causa de mrito previstos neles (homens), Ele escolheu certo nmero dentre os homens pecadores, para serem recipientes da graa especial de Seu Esprito e deste modo faze-los, voluntariamente, participantes da salvao em Cristo.65
Assim podemos verificar que em cada definio dada h
uma nfase em certo elemento. Por exemplo, L. Berkhof
enfatiza o aspecto do Conselho de Deus em relao
65 A. H. Strong, Systematic Theology, vol. III, p.779.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 52
aos homens.
O conselho de Deus com respeito aos homens cados incluindo a soberana eleio de alguns e a justa reprovao do restante.66
Em sua apreciao do captulo III da Confisso de f de
Westminster, L. Boettner mostra como a predestinao
est intimamente ligada ao conselho de Deus, fato
correspondente a Berkhof, e como este conselho.
Esta doutrina da predestinao representa o propsito de Deus como absoluto e incondicional, inteiramente independente da criao finita, e como origina do eterno conselho de Sua vontade.67
Para contemplar as definies, transcreveremos,
apenas mais uma de J. J. van Oosterzee:
Quando ns falamos de predestinao, ns expressamos a confisso que todo crente, que salvo de acordo com a vontade de Deus que os chamou e os elegeu, como distintos dos incrdulos, para a vida eterna.68
66 L. Berkhof, Teologia Sistemtica, p.128. 67 L. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, p.13. 68 J. J. van Oosterzee, Christian Dogmatics p.448.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 53
Creio que com essas vrias definies69 podemos ter
uma idia dos elementos contidos nelas, os quais
vamos tentar resumi-los:
a. A eleio no tem em conta os mritos humanos
b. A eleio tem por conta o decreto eterno e
imutvel de Deus
c. So eleitos em Cristo
d. Os objetos da eleio so as criaturas racionais
e. A dupla predestinao evidente
Comparando com a relao da p.34, temos uma
uniformidade quanto aos elementos. Porm, no temos
explicitamente, se compararmos essas definies com
as confisses de f, o elemento da finalidade ou os
propsitos da eleio e isso nos remete para a discusso
do tema deste trabalho, isto , O Propsito de Deus na
Eleio, Conformar os Escolhidos Imagem de Cristo.
69 Outras definies: H. B. Smith, System of Christian Theology, pp. 505-506; J.C. Crane, Systematic Theology, A Compilation, p.236.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 54
CAPTULO IV
ARGUMENTO TEOLGICO
Dentro deste captulo pretendemos fazer a reviso da
literatura e uma discusso teolgica dentro do campo
de um nico aspecto da eleio, a saber: o elemento da
finalidade ou propsito da eleio.
A pergunta fundamental que fazemos : Qual o
propsito de Deus na eleio do homem? Ser nico?
Ser vrios?
I. Confisso de F
Comecemos pelo documento confessional que temos
adotado para trabalhar, isto , a Confisso de
Westminster. Alguns extratos nos servir para mostrar
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 55
como a Confisso prope os propsitos, vejamos:
para a manifestao da Sua glria (seo III)
...para o louvor de Sua gloriosa graa,... (seo V)
...destinou os eleitos para a glria,... (seo VI)
...para a glria de Seu soberano poder sobre as criaturas,..., para o louvor de Sua gloriosa justia... (seo VII)
Podemos perceber que em trs sees (III, V e VII), o
propsito da eleio a glria da pessoa de Deus. O
propsito visto em relao ao autor da eleio. Em
apenas uma seo (VI) a finalidade vista em relao
ao homem, isto , em relao ao objeto da eleio. Para
ns, nesse trabalho, esta a seo que nos d a
primeira pista da finalidade da eleio do homem,
quando diz:
...destinou os eleitos para a glria,...
Nela podemos entender perfeitamente que a glria
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 56
refere-se salvao.70 Assim temos um propsito de
Deus na eleio do homem: a salvao. Mas ser que
s este?
II. Telogos
A princpio podemos dizer que no, pois o telogo
Berkhof v dois propsitos na eleio: a salvao e a
glria de Deus.71 Verifiquemos outros estudiosos a esse
respeito.
Agostinho nos mostra que o propsito da eleio a
santidade e que fomos eleitos, no por causa de sermos
santos, mas na ordem de assim sermos. Ele argumenta,
baseado em Efsios 1.3ss, que esta verdade est
bastante clara. Ele diz:
Portanto, Deus nos escolheu em Cristo entes da fundao do mundo, predestinando-nos para a adoo de filhos, no por que nos tornamos ns mesmos santos e imaculados, mas Ele nos escolheu e predestinou para
70 cf. tambm, A. Hodge, A Commentary on the Confession of Faith p.104, H.B. Smith, System of Christian Theology, p.506
71 L. Berkhof, Teologia Sistemtica, p.135.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 57
assim sermos.72
Assim temos em Agostinho mais um propsito que vem
somar aos outros dois.
So Bernardo73 nos mostra que os eleitos, foram
escolhidos para serem conformes a imagem de Cristo.
J Calvino tem a mesma opinio de Agostinho:
No que segue, que foram eleitos para serem santos, claramente refuta o erro daqueles que dizem que a eleio procede da pureza, posto que claramente contradiz So Paulo, que diz que todo o bem e virtude que h nos homens, so efeito e fruto da eleio.74
Notamos que Calvino, como interprete de Agostinho,
adota a mesma posio que ele quanto ao propsito da
eleio. Isso ele afirma mais categoricamente em outro
lugar quando responde ao objees doutrina da
predestinao75.
72 Agustin, On the Predestination of the Saints, chap. 37, In: A Select Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, vol. V, p.516, tambm chap.35, p.515.
73 Bernardo, Trs maneras de contemplar a Dios, Sermones sobre la Cantares, in Obras Completas de San Bernardo, v. II, p.155.
74 J. Calvino, Op.cit, L.III, cap. XXII, 2. 75 Idem, Ibidem, L.III, cap.XXIII, 12.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 58
O telogo Boettner76, tambm respondendo as objees
formuladas contra a doutrina, prova que o homem foi
eleito para uma vida de santidade (Efsios 1.4). E ainda
aduz outros textos para mostrar a validade de sua tese
(Romanos 8.29; II Tessalonicenses 2.13; Atos 13.48).
Crane77 diz que o alvo da eleio apresentar os eleitos
em santidade diante de Deus e faze-los co-herdeiros
com Cristo da vida eterna, com todas as suas bnos.
Ainda acrescenta que os homens so eleitos para o
louvor da glria de Deus.
Portanto, temos alguns propsitos da eleio do
homem, enquanto objeto dela, relacionados pelos
telogos como podemos sistematizar abaixo:
a. para manifestar Sua glria
b. para salvao do homem
c. para tornar o homem santo
d. para adota-los como filhos
Esses propsitos ns podemos assim comentar: No
primeiro Deus manifesta a Sua glria no exerccio de
76 L. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, pp.274-5. 77 J. C. Crane, Systematic Theology, A Compilation, p.242.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 59
Sua misericrdia, elegendo alguns, e Sua justia,
reprovando outros. No segundo Deus mostra a Sua
soberania, fazendo com que a salvao dependa
exclusivamente de Sua livre vontade, no tendo em
conta qualquer previso de mritos humanos. No
terceiro Deus exige que o eleito seja santo, que viva
em santidade, evitando assim a dissoluo, buscando
constantemente uma vida como Deus exige (I Pedro
1.15). No quarto, finalmente, Deus estabelece uma
relao de paternidade, com os eleitos. Neta relao
Deus o Pai misericordioso e os eleitos, os filhos
amados em Cristo.
Entretanto, nesses propsitos, vemos, via de regra, que
os telogos no mencionam, ou se mencionam no
desenvolvem o pensamento de uma outra finalidade da
eleio, isto , o propsito de Deus em conformar-nos
imagem de Cristo.
Portanto, tentaremos desenvolver este propsito dentro
da perspectiva bblica.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 60
III. TEXTOS BBLICOS
Fazendo um apanhado bblico, temos alguns textos que
corroboram com nossa Tese e que seria proveitoso
darmos uma pequena sobre os mesmo.
GNESIS 1.26,27
Esse texto serve para mostrar com que imagem o
homem foi criado.
Podemos aduzir do texto a imagem que o pecado
distorceu em ns a do prprio Deus. E essa imagem
que Ele quer recuperar em ns. Para tanto nada melhor
do que sermos conformados imagem de Cristo.
Sabendo que imagem Deus quer nos conformar,
analisaremos basicamente trs textos, a saber: II
Corntios 3.18; Glatas 4.19 e Efsios 4.13.
II CORNTIOS 3.18
Comentando esse texto, Philip E. Hughes diz que:
Este processo de transformao na imagem de Cristo nada mais que a restaurao da
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 61
imagem de Deus que foi desfigurada na queda do homem.78
E continua dizendo que a imagem de Cristo o selo do
Esprito impresso no crente. Do mesmo ponto de vista
compartilha Calvino, isto , de que a transformao
um processo, pois diz, comentando esse texto:
...mas ns precisamos constantemente estar fazendo progresso do em ambos: conhecimento de Deus e na conformidade de Sua imagem...79
Outro comentarista que participa desta opinio James
Reid que mostra que:
Paulo descreu o processo pelo qual esta transformao interior feita.80
Temos visto que a opinio dos expositores concordam
em que esta transformao seja um progresso, um
processo ascendente, do qual todo crente participa.
Ainda compartilham da mesma opinio: James
78 P. E. Hughes, Commentary on the Second Epistle to the Second Epistle to the Corinthians, p.119
79 J. Calvin, in loc 80 J. Reid, in loc, In: The Interpreters Bible, v.10
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 62
Denney81, Alexander MacLaren82, entre outros.
Isso posto, constatamos que o texto de II Corntios 3.18
parece nos provar que a imagem a qual seremos
conformados, alcanada de glria em glria, isto ,
num processo de contnuo aperfeioamento, at
finamente estarmos metamorfoseados (cf. v.18
metamorfou,meqa e tambm Marcos 9.2), isto ,
transformados na imagem de Cristo.
GLATAS 4.19
Neste texto aparece novamente uma palavra derivada
de morfh/ que a forma verbal morfwqh/| traduzida por
formado. O exegeta G. Hendriksen comentando essa
palavra diz que:
O verbo morfwqh/| aponta para uma mudana que se deseja, seja produzida na
81 J. Denney, The Second Epistle to the Corinthians, in The Expositors Bible, p.142.
82 A. MacLaren, II Corinthians, in Expositions of Holy Scripture, pp.315 e 321.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 63
essncia interior.83
Para ele uma mudana que vai se processando
paulatinamente em todos os setores da vida do crente.
O comentarista Ridderbos explica assim este verbo:
Este propsito, alm disso, no para ser interpretado como um misterioso nascimento Cristo no crente, mas antes, na manifestao de sua vida. E esta vida que a forma de Cristo deve aparecer no sentido que a vida do crente deve ser governada por Cristo, totalmente, assim na absoluta dependncia da Sua justia como numa vida de acordo com seus mandamentos.84
Como vemos no h nada de mistrio na expresso ser
formado, seno que est claro que a prpria
manifestao da vida de Cristo no crente, vida que
revela a prpria imagem do Salvador.
Traz ainda a idia de dependncia e obedincia,
elemento fundamental neste processo de formao.
Num trabalho exegtico bem mais profundo, Charles J.
83 G. Hendriksen, Glatas Comentrio del Nuevo Testamento, p.184, nota 130.
84 H. R. Ridderbos, The Epistle of Paul to Churches of Galatia, p.170.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 64
Ellicott, tece o seguinte comentrio sobre esse texto:
...at o novo homem, Cristo em ns, receber, como eu no duvido, Sua completa e prpria forma; o significado bvia desta palavra parece mostrar que a metfora contnua...85
Ele mostra claramente que a funo de Cristo em ns
obedece a um processo interrupto, constante. Tirando
sua concluso da prpria palavra graa.
Finalmente, vemos que o exegeta J. B. Lightffot, captou
bem a idia de Paulo, traduzindo o texto desta forma:
at tu ter tomado a forma de Cristo.
e comenta:
Como o embrio se desenvolve para criana.86
Com isso queremos mostrar que tambm nesse texto
Paulo apresenta a idia de que Cristo deve ser formado
em ns e que esta transformao um progresso
85 C.J. Ellicott, A Critical and Grammatical Commentary on St Pauls Epistle to the Galatians, p.107.
86 J.B. Lightfoot, Saint Pauls Epistle to the Galatians, p.178.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 65
constante at que seja totalmente completada.
EFSIOS 4.13
Esse texto apesar de referir-se Igreja como um todo,
no pode ser desprezado nas consideraes que temos
tecido, pois ele fala, como os outros dois texto
anteriores, daqueles que so crentes em Cristo.
Comentando este versculo, Ellicott diz o seguinte:
...e como sugerido por este singular (varo perfeito) a idia da completa unidade da santa personalidade mais explanada na prximo clusula, qual eles (crentes) foram unidos e consumados.87
Neste comentrio o autor mostra que h um objetivo, a
unidade na santa personalidade de Cristo.
Para Brooke Foss Westcott, a repetio da preposio
eivj por trs vezes tem um profundo significado, ele diz:
So Paulo distingue trs estgios ou aspectos do progresso cristo. O primeiro
87 C.J. Ellicott, A Critical and Grammatical Commentary on St Pauls Epistle to the Ephesians, p.96
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 66
intelectual, onde a f e o conhecimento combinam para criar uma unidade na alma, o objeto de ambos o filho de Deus. O segundo maturidade pessoal. O terceiro conformidade de cada membro com o padro de Cristo, no qual todos formam um povo homem.88.
Esse comentarista faz um excelente comentrio desse
verso, por isso ser de todo proveitoso ouvi-lo mais Ele
continua comentando:
A frase (e ao conhecimento do Filho de Deus) parece apontar para frente, para a perfeita humanidade em Cristo num ponto em que cada crente ser achado perfeito.89
Westcott assevera que h um progresso ou estgios
pelo qual todo crente vai passando at ser varo
perfeito, at chegar medida da estatura completa de
Cristo.
Parecem concordar no mesmo sentido de crescimento
ou progresso, os comentaristas: William Hendriksen90
88 B.F. Westcott, On St. Pauls Epistle to the Ephesians, p.63 89 Idem, ibidem, p.63 90 W. Hendriksen, New Testament Commentary, Ephesians, p.200
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 67
E. K. Simpson e F. F. Bruce91.
Assim, podemos concluir dos argumentos acima
expostos, que os cristos esto num contnuo progresso
de metamorfose, isto , de transformao.
Os trs textos que examinamos mostram,
inequivocamente, que propsito de Deus que sejamos
transformados de glria em glria na mesma imagem
(do Senhor Jesus) II Corntios 3.18 que ...Cristo seja
formado em ns Glatas 4.19 e que finalmente,
sejamos aperfeioados at que todos cheguemos a
unidade da f, e ao conhecimento do filho de Deus, a
varo perfeito, medida da estatura completa de
Cristo Efsios 4.13. E isso para que recuperemos a
verdadeira imagem de Deus distorcida no den.
Portanto, conclumos que o propsito de Deus na
eleio conformar os escolhidos imagem de Cristo.
91 E. K. Simpson and F. F. Bruce, Commentary on the Epistle to the Ephesians and Colossians, In: The New Commentary the NT, p.96.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 68
CAPTULO V
ARGUMENTO EXEGTICO
Uma vez estabelecido o argumento teolgico de nossa
tese, tentaremos agora comprova-la atravs do
argumento exegtico. Para tanto procederemos uma
anlise exegtica de Romanos 8.29 que o texto bsico
sobre o qual estabelecemos nossa tese.
Assim, utilizaremos os seguintes passos exegticos:
I. Estudo contextual
1. Contexto remoto
2. Contexto prximo
II. Estudo Textual
1. Anlise gramatical
2. Comentrios exegtico
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 69
bom sabermos que um texto como esse pode levantar
questes, alm da que formulamos na tese. Questes,
talvez secundrias, mas que no podem ficar sem
reposta.
Formularemos as seguintes perguntas:
a. Em que sentido Deus conheceu os eleitos?
b. Como isso implica em t-los predestinados?
c. A qual imagem Paulo se refere?
d. Qual o significado de primognito?
e. Por que entre muitos irmos?
Estaremos focalizando de maneira especial o texto em
relao a tese proposta como tema deste trabalho.
I. Estudo Contextual
Passaremos ao estudo contextual, que tem como
objetivo verificar que o contexto em que aparece
Romanos 8.29.
1. Contexto Remoto
No estudo do contexto remoto necessrio nos
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 70
reportarmos ao Gnesis e por que no dizer prpria
eternidade, pois o assunto tratado aqui, por Paulo, o
da finalidade da eleio ou o seu propsito.
Podemos dizer que esta finalidade, o sermos conforme
a imagem de Cristo, est em Gnesis e a eleio
propriamente dita est na eternidade. Mas vemos que
por toda a Bblia existe sempre algo relacionado com
esse texto ora considerado.
Assim veremos, no s a eternidade como contexto
remoto, mas tambm o Gnesis e toda a Bblia.
O apstolo diz que Deus conheceu alguns de antemo
e tambm os predestinou. Essa afirmao nos leva
eternidade, onde o Senhor, por Sua livre e soberana
vontade olhou com favor para alguns homens,
tornando-os objetos de Seu precioso amor seletivo.
Vemos que o ato divino ocorreu antes da fundao do
mundo (Efsios 1.4) e que se processou na histria
desde a criao.
Avanando para o registro bblico veterotestamentrio
podemos vislumbrar, em muitas passagens, a
efetivao do ocorrido na eternidade. Assim vemos
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 71
Deus revelando ao homem o Seu soberano plano (cf.
Osias 13.5; Ams 3.2).
Ao atravessarmos o perodo inter-bblico deparamo-nos
com o Messias, Aquele que veio revelar completamente,
a vontade de Deus aos homens e manifestar todos os
desgnios do Pai.
Encontramos em vrias declarao do Mestre referncia
claras a este ato predestinador de Deus (cf. Joo 10.29;
17.6, 9 e 20).
Lucas registra em Atos 13.48 um sermo de Paulo em
que ele faz referncia a esta doutrina. Da em diante
podemos ver essa doutrina receber de Paulo uma
grande ateno.
Em suas cartas, Paulo trata deste maravilhoso ensino
de maneira a dar uma detalhada explanao do mesmo:
Efsios 1.3ss; II Tessalonicenses 2.13; Romanos 8.29-
30; 9.11; 11.7 e outras passagens.
Mas o apstolo no para ai, ele vai ao cerne da questo
que a finalidade da eleio: sermos conforme a
imagem de Cristo. Isso nos arremessa de volta ao
Gnesis onde o homem foi criado imagem de Deus,
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 72
mas com o pecado essa imagem deformada. Contudo,
o propsito de Deus no foi frustrado e para cumpri-lo
integralmente manda Jesus para realizar uma
transformao na imagem deformada, recriando-a.
Assim vemos que Paulo escreve este verso, dentro de
um contexto remoto que est na prpria eternidade e
nas Escrituras do Velho Testamento. Ele o escreve
dentro de circunstncias especiais que sero o assunto
que trataremos a seguir.
2. Contexto Prximo
O contexto prximo desse texto nos traz ao captulo um
da carta aos Romanos, onde Paulo comea uma
exposio da f x obras para seus destinatrios. O
apstolo vem mostrando a culpa de todos os homens
diante de Deus, por causa dos atos que praticam e nisso
no h grego nem judeu.
Nos prximos captulos ele mostra que aqueles que
repousam na lei no podem cumpri-la integramente e
por isso so passveis do justo juzo de Deus. Mas
mostra tambm que a Lei no m pelo fato de que os
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 73
homens no conseguem cumpri-la. Assim, no h
justo, nem se quer um 3.10, pois no regime da Lei
ningum foi justificado e sim pela f e isso demonstra
citando o exemplo de Abrao que foi justificado pela f.
Paulo progride na sua exposio, chegando ao Senhor
Jesus, mostrando a doloroso condio do homem, isto
, mostrando que todos os homens eram inimigos de
Deus por natureza, pois em um s todos pecaram e
morreram. Mas em contrapartida em Cristo, esses a que
Deus conheceu de antemo, vieram ou viro a ser
reconciliados com Deus.
O grande problema deste contexto o da Lei como
escravizadora do homem, aquela que tem o poder de
trazer tona o pecado, aquela que revive a miservel
condio pecaminosa do homem, homem este que no
tem domnio para no pecar, pois sua natureza o obriga.
Assim neste clima de desolao em que o homem
impotente para a justia e que sua condio primria
de uma vida totalmente alheia a Deus, em meio a um
panorama to lamentvel que Paulo comea o captulo
oito dizendo: nenhuma condenao h para os que
esto em Cristo Jesus e nessa relao, a natureza
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 74
carnal do homem mortificada em Cristo pelo Esprito
e o homem se torna co-herdeiro com Cristo, tanto de
Seu sofrimento como de Sua glria.
O sofrimento da vida presente mostrado, como algo
insignificante para aqueles a que Deus amou e no meio
do sofrimento os predestinados no devem esmorecer.
Aqui surge o texto como o incio de uma nota de triunfo.
Paulo notifica aos irmos que a salvao ultrapassa o
regime da Lei para ser graa e este no depende deles
e sim de Deus que os chamou para a sua salvao.
Salvao esta que no possvel perder, pois ela est
firmada no eterno amor seletivo de Deus.
Este canto triunfal do apstolo vem dar a segurana
para os eleitos prosseguirem na luta, pois a causa, isto
, a escolha reside em Deus.
Este texto est inserido nesse contexto de forma, ao
nosso ver, a dar continuidade ao pensamento que o
autor vem desenvolvendo, que mostrar que apesar do
pecado e da Lei, os homens podem ser salvos por meio
de Jesus, pois Deus escolheu um nmero dele para
determinado fim, isto , para serem conformes a
imagem de Seu Filho.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 75
Servindo esse texto de elo entre os versos 25 e 31,
onde Paulo passa da expectativa para a certeza da
remisso final.
Concluindo, podemos dizer que esse texto, dentro
desse contexto a sublime revelao daquilo que os
homens foram incapazes de realizar: a prpria
salvao.
II. Estudo Textual
Com esse passo exegtico, analisaremos cada palavra
gramaticalmente para tentarmos estabelecer uma
traduo base para trabalharmos. Ainda dentro deste
tpico faremos um comentrio exegtico, onde
procuraremos resolver as questes levantadas e
comprovar nossa Tese.
1. Anlise Gramatical
o[ti: Conjuno. Trad. PORQUE
ou]j: Pronome relativo, masculino, plural, acusativo, de
o[j: Que. Trad. AQUELES
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 76
proe,gnw: Verbo, 3 pessoa, singular, 1o aoristo,
indicativo, ativo, de proginw,skw, Conheo antes, Sei de
antemo. Trad. CONHECEU ANTES
kai.: Conjuno com sentido aditivo, Trad. TAMBM
prow,risen: Verbo, 3 pessoa, singular, 1o aoristo,
indicativo, aditivo, de proori,zw, Predetermino,
Predestino. Trad. PREDESTINOU
summo,rfouj: Substantivo, masculino, plural, acusativo
de su,mmorfoj, Conforme, Participante da forma de.
Trad. PARA SEREM CONFORME
th/j: Artigo definido, masculino, singular, genitivo, de h,`
A. Trad. A
eivko,noj: Substantivo, feminino, singular, genitivo, de
eivkw,n: Imagem, Semelhana. Trad. IMAGEM DE
tou/: Artigo definido, masculino, singular, genitivo, de o`,
O Trad. O
ui`ou/: Substantivo, masculino, singular, genitivo, de
ui`o,j: Filho. Trad. FILHO DE
auvtou/:Pronome pessoal da 3
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 77
pessoa,masculino,singular genitivo,de auvto,j, Seu. Trad.
SEU
eivj: Preposio com o acusativo. Trad. PARA
to.: Artigo defino, neutro, singular, nominativo, de to,, A
ou O. Trad. O
ei=nai: Verbo, definitivo, presente, ativo, de eivmi,, Eu
sou. Trad. SEJA
auvto.n: Pronome pessoal da 3a pessoa, masculino,
singular, acusativo, de auvto,j, Seu. Trad. ELE
prwto,tokon: Substantivo, masculino, singular,
acusativo, de prwto,tokoj, Um nascido primeiro,
Primognito. Trad. PRIMOGNITO
evn: Preposio com o locativo. Trad. ENTRE
polloi/j: Adjetivo, masculino, plural, dativo, de polu,j,
Muito. Trad. DE MUITOS
avdelfoi/j: Substantivo, masculino, plural, locativo, de
avdelfo,j, Irmo. Trad. IRMOS
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 78
TRADUO-BASE
Porque aqueles (que) conheceu antes, tambm predestinou para serem conforme a imagem do Seu Filho, para (que) Ele seja o primognito entre muitos irmos.
Isto posto, passaremos para o comentrio exegtico,
que o nosso prximo tpico.
2. COMENTRIO EXEGTICO
Nesta parte estudaremos cada palavra separadamente
e depois toda a expresso, dando algumas opinies de
autores e vendo sua aplicao.
o[ti ou]j proe,gnw
o[ti Esta conjuno traduzimos por Porque como
referem William Sanday e Arthur C. Headkam92, pois
est expressando cousa, isto , est introduzindo uma
declarao indireta formada pela conjuno o[ti + o
92 W. Sanday e A. C. Headlan, The International Critical Commentary, p.217.
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Predestinao: Predestinados para sermos imagem de Cristo
Jos Roberto Cristofani 79
indicativo. Assim o apstolo declara o propsito de Deus
na eleio do homem.
ou]j Temos um pronome relativo referindo-se a
Aqueles eleitos de Deus. Cremos ser esta palavra,
restritiva, isto , que restringe o propsito de Deus
somente queles que fazem parte do nmero dos
Eleitos. Com o estudo da expresso toda talvez
possamos lanar mais luz sobre este aspecto.
proe,gnw Este verbo um composto por preposio pro,
mais o verbo ginw,skw significando saber de antemo,
conhecer antes.
oportuno lembrar que este verbo est usado no
tempo aoristo, implicando isso, que a ao do verbo
pontilear, isto , a qualidade de ao vista como
momentnea, como um ponto indefinido quanto ao
tempo.
O modo indicativo no qual est o verbo, demonstra que
esta declarao definitiva e sendo um aoristo
constativo a ao contemplada como um todo sem
indicar o incio oi o fim da ao.
Tudo isso imp