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C.D.U: 301.185.12(816.1=96) PRECONCEITO BRANCO, CONSCIENCIA NEGRA E RESISTENCIA A DISCRIMINACAo EM SÂO PAULO NOS ANOS 30* Daniel T. Linger (1) RESUMO Em 1931 na cidade de são Paulo fundou-se urna organização de protesto negro chamada Frente Negra Brasileira (FNB). Durante vários anos a FNB resistiu à dis crLm í naç ao através de uma segregação, com o obj etivo último de integrar socialmente a comunidade negra. Depois de 1937, porém, a FNB praticamente desapareceusemtr~ ços. Este ensaio pretende apresentar uma possível explicação de suas origens e do seu desaparecimento. Como explicar o nascer da FNB? Parece que a competição entre negros e imi grantes europeus em são Paulo provocou um tipo de discriminação que colocou os ne gros em padrões econômicos inferiores, em relação aos quais o movimento de protesto negro foi uma reação. Por que, então, a FNB de repente desmoronou? Das várias ex p Lí.c acoes já proferidas, talvez a mais elucidativa é a da Maria Isaura Pereira de Queiróz, que vê nas exigências do mercado de trabalho a causa nao só pelo cresc~ mento e desaparecimento do movimento, mas também pelos fenômenos ideológicos de preconceito branco e consciência negra. Na conclusão, apresenta-se uma explicação alternativa,que revisa o modelo de Queiróz, propcrcionando maior autonomia aos fatores ideológicos. Esta explic~ ção propõe que as mudanças sócio-econômicas em são Paulo interatuaram, por um l~ do, com um persistente preconceito de cor, e pelo outro, com a própria ideologia contraditória da FNB, para produzir tanto o crescimento súbito na organizaçao co mo a sua morte. 1 INTRODUÇÂO Durante as segunda e ter ceira décadas deste século, na c idade de são Paulo, algo novo surgia no Brasil pós-Abolição: organizaç6es de "homens de cor" dedicadas explicitamente à luta contra o que eles perceberam cQ mo um penetrante e persistente (*) Quero agradecer a Mário Rêgo pela paciência e diligência com que ele me ajudou expressar as idéias neste artigo na língua j.o rt.uguesa. Se ainda ficarem es curas, a responsabilidade é minha. (1) Departamento de Antropologia - Universidade da í.alifórnia, Jan Diego. 120 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1 120 - 134, jan./jun. 1988

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C.D.U: 301.185.12(816.1=96)

PRECONCEITO BRANCO, CONSCIENCIA NEGRA E RESISTENCIA A DISCRIMINACAoEM SÂO PAULO NOS ANOS 30*

Daniel T. Linger (1)

RESUMO

Em 1931 na cidade de são Paulo fundou-se urna organização de protesto negrochamada Frente Negra Brasileira (FNB). Durante vários anos a FNB resistiu à discrLm í naç ao através de uma segregação, com o obj etivo último de integrar socialmentea comunidade negra. Depois de 1937, porém, a FNB praticamente desapareceusemtr~ços. Este ensaio pretende apresentar uma possível explicação de suas origens e doseu desaparecimento.

Como explicar o nascer da FNB? Parece que a competição entre negros e imigrantes europeus em são Paulo provocou um tipo de discriminação que colocou os negros em padrões econômicos inferiores, em relação aos quais o movimento de protestonegro foi uma reação. Por que, então, a FNB de repente desmoronou? Das várias expLí.c aco es já proferidas, talvez a mais elucidativa é a da Maria Isaura Pereira deQueiróz, que vê nas exigências do mercado de trabalho a causa nao só pelo cresc~mento e desaparecimento do movimento, mas também pelos fenômenos ideológicos depreconceito branco e consciência negra.

Na conclusão, apresenta-se uma explicação alternativa,que revisa o modelode Queiróz, propcrcionando maior autonomia aos fatores ideológicos. Esta explic~ção propõe que as mudanças sócio-econômicas em são Paulo interatuaram, por um l~do, com um persistente preconceito de cor, e pelo outro, com a própria ideologiacontraditória da FNB, para produzir tanto o crescimento súbito na organizaçao como a sua morte.

1 INTRODUÇÂO

Durante as segunda e ter

ceira décadas deste século, na

c idade de são Paulo, algo novo

surgia no Brasil pós-Abolição:

organizaç6es de "homens de cor"

dedicadas explicitamente à luta

contra o que eles perceberam cQ

mo um penetrante e persistente

(*) Quero agradecer a Mário Rêgo pela paciência e diligência com que ele me ajudouexpressar as idéias neste artigo na língua j.o rt.uguesa . Se ainda ficarem escuras, a responsabilidade é minha.

(1) Departamento de Antropologia - Universidade da í.alifórnia, Jan Diego.

120 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1 120 - 134, jan./jun. 1988

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preconceito de cor1 brasileiroque, mesmo sendo sempre negadopor brancos e muitas vezes pormulatos e pretos também, pareceter desencadeado ·conseq~ência~psicológicas e sócio-econômicasdevastadoras para os descende!!.tes dos escravos (Bastide 1955a;Fernandes 1969, esp. Capítulos2 e 3) • Amelhor organizada, maiscombativa, e provavelmente maiseficaz dessas associações foi aFrente Negra Brasileira (FNB),

fundada em 1931. A FNBteve umsucesso extraordinário em inscrever sócios negros, e em 1936se declarou um partido políticocom ambições elei torais. Comot~dos os partidos políticos, foiproscri to quando Vargas decretouo Estado Novo no ano seguinte.Embora a Frente fosse logo depois reconstituída como a UniãoNegra Brasileira,essa reencarn~ção foi breve, desaparecendo emmaio de 1938,e embora o protestonegro se renovasse após a renúncia de Vargas em1945, ele nuncaalcançou o nível atingido ant~riormente. Desde o principio dosanos 50 até o fim dos anos 70não emergiu nenhum movimento

significativo de protesto negroem nenhuma parte do Brasil.

Aflorescência e colapsodeste movimento poli tico negro l~vanta algumas perguntas Lmpor t anteso Por que este movimento surgiu em São Paulo? E se as condiçoes em são Paulo eram parti.cularmente oportunas para seu desenvolvimento,por que ele faliu?Neste ensaio proponho desenhar ahistória da FNB,discutir algumasexplicações já oferecidas por seunascimento e morte, e sugerir umahipótese alternativa baseada nainteração entre certos fatoresideológicos e condições históricas especificas na cidade desão Paulo.

2 A FRENTE NEGRA BRASILEIRA

Já em 1915 podia-se e!lcontrar nas colunas de um jornalnegro paulista,O Menelik, os nQmes de uma variedade de clubesrecreacionais e associações culturais negras (Morse 1953:300).Parece que essas organizações n~gras eram rigorosamente cu1turais e beneficentes (Fernandes1955:201), e os jornais, 1iterá

1 "Preconceito de cor" é um jeito de falar de preconceito fundado geralmente emaparência física. Ver a distinção clássica feita por Oracy Nogueira entre tal"preconceito de marca" e "preconceito de origem" (1955).

Cad.P~sq. são Lu~s, 4 (1): 120 - 134, jan./jun. 1988 12~

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rios e educacionais (Moura 1982:

150). Mas, após 1925, a atividade

organizativa se intensificou, e

grupos e publicações, tanto os nQ

vos como os já existentes, dedi

caram-se cada vez mais para a me

ta de conscientizar, com o obj.§.

tivo úl timo de estimular a resis

tência à discriminação. Em1925,

O Clarim da Alvorada, que tinha

iniciado suas atividades um ano

atrás como um jornal literário,

começou a falar mais alto em de

fesa dos direitos dos negros br~

sileiros (Fernandes 1955:202) .

Do mesmo modo, o Centro cívico.

Palmares,uma biblioteca para n.§.

gros, tornou-se umcentro de luta

contra preconceitos.2 Essas mu

danças assinalaram, ou estimula

ram, umnovo espírito de ação di:

~reta. Bastide (1955:166) cita o

assalto ao escritório do jornal

i t.a Lí.ano Fanfulla - depois que

ele publicou um ataque contra ne

gros - como um exemplo desse no

vo "espírito de luta" 3 .

o despertar crescente da

comunidade negra durante o fim

dos anos 20 e o princípio dos 30

culminou na fundação da Frente

Negra Brasileira no dia 16 de s.§.

tembro del931,que reuniu todos

os grupos negros importantes(com

exceção do Clarim, cujos líderes

se opuseram ao modelo fascista

promovido por umdos fundadores da

Frente - Bastide 1955a:166).

o primeiro artigo do Es

tatuto da FNB proclama "a uniãopoli tica e social da Gente N.§.gra Nacional, para afirmaçãodos direi tos históricos damesma, em virtude da sua atividade material e moral nopassado e para reivindicaçãode seus direi tos sociais e PQlíticos, atuais, na Comunhãobrasileira" (citado em Ramos1938:125) .

Ao mesmo tempo,os objeti:

vos da organização eram explici t~

mente integracionistas :"Repelimostodos os patrícios que, err~dos ,queiram transportar parao Brasil o problema negro

ianque de luta de ódio contrao branco. Não é esse feitio onosso. Repilamos a concepção

norte-americana,fruto de me~talidade, no fundo anti-cri~tã, daquele povo. Não queremos

uma segregação de vida na

cional, senão uma afirmaçãonacional do Negro ,'la integração real e Lea l." (citado

em Fernandes 1055:196).

A nat.ur .:~a problemática

2 Esta transformação foi,ao que parece, incentivada por um mandado pelo chefe da p~lÍcia proibindo a entrada de homens de cor na r'''uda Civil (Bastide 1955a: 166).

3 Vale a pena notar que os movimentos po Lf t í I;CS .ieg zos em são Paulo surgiram nobairro de Bexiga - nessa altura um bairro predominantemente italiano - em vez deBarra Funda. o bairro com a maior porcentagem de negros (Bastide 1955a: 166).

122 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 120 - 134, jan./jun. 1988

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e' possivelmente contradit6ria

desses objetivos foi resolvida

ao apresentar-se a FNB corno urna

organização temporária. Seu le

ma era: separem-se agora para

se integrarem depois" (Fernandes

1969:203). Bastide (1955a:167)

resume o raciocínio assim: a FNB

promoveu "um racismo que seja

uma técnica para ultrapassar o

racismo" .4

"Separar para un í.r t' s í.qnj.

ficava, do ponto de vista da

Frente Negra, tanto açao como

educação. Membros da FNB foram

encoraj ados a rej ei tar insultos,

e exigir respeito nas suas inte

raçoes com os brancos. Isso im

plicava tanto urna pessoa se de

fender frente a urna situação de

descriminação corno urna ação co

letiva para romper tabus contra

a entrada em lugares informal

mente fechados aos negros (por

exemplo, certos parques). A FNB

também intervinha para cobrar

salários de membros injustamente

despedidos de empregos e para

assegurar a ausência de discri

minação no aluguel de im6veis

(Fernandes 1955:202).

Ao mesmo tempo, a Fren

te tentou cul ti var urna espéc ie

de consciência negra através do

seu jornal, AVoz da Raça, e por

meio dos representantes no cam

po. A idéia foi de arrancar o

veu que escondia o preconceito

de cor brasileiro - quer dizer,

de revelar as maneiras em que o

preconcei to de cor funcionava

no dia-a-dia de negros brasilei

ros. O objetivo era destruir o

que Fernandes chama de "dupla

perspectiva" (1955:205) a an

siedade de um negro,confrontado

por um branco que o rejeita,

quando sua experiência de dis

criminação e contraditada pelas

asserções do outro de que o "fr~

casso" do negro deriva não de

discriminação mas de alguma 'de,

ficiência pessoal (como falta

de educação ou .inada.p t a ç âo so

cial) Os membros da FNBcome

çavam a considerar a origem dos

seus problemas corno fora de si,

um ponto de vista provavelmente

com conseqüências psicológicas

4 Bastide (1955a:167) anota a este respeito uma ambiva1ência entre o orgulho decor e a aspiração de tornar-se um "negro branco".

Cad. ,Pesq. são Luis, 4 (1) 120 - 134, jan./Jun. 1988 12::t

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menos noclvas. Além disso,

a FNB tentou substituir a

imagem do "negro novo" pela do

"antigo preto, mais africano do

que ocidental, mais exótico do

que nacional ... " (Bastide 1955:

167). Es ta imagem era somen te

usada indiretamente para consumo

dos brancos; afinal de contas,

brancos não liam A Voz da Raça.Isto é, a imagem do negro mantida

pelos brancos seria refundida na

medida em que os negros as s í.nu,

lariam padrões de vida atribuí

dos aos brancos (Fernandes 1969:

216). Pois a Frente insistia em

tal assimilação - urna vida de fa

mília organizada, a ambição por

emprego estáve1,o desejo de po~

suir urna casa própria,etc. A Voz

da Raça, no seu entusiasmo por

essa idealizada mudança, até mos

trou propaganda por substâncias

para endireitar os cabelos e deu

conselhos sobre corno se assoar

corretamente (Bastide 1955a: 167).

Apesar da contradição

entre o objetivo da Frente, que

se pode descrever corno o desap~

recimento do negro como conse

qtência da sua integração co~

pleta dentro da sociedade brasi

leira, e os meios, que exigiam

urna retirada temporária detrás

de uma linha de cor,a FNB obvi~

mente tOCOJ algo dentro dos ne

qros de são Paulo. Dentro de po~

124

co tempo, tinha milhares de so

cios com urna poderosa diretoria

em são Paulo e vários grupos de

apo í,o no interior e em outr.os Es

tados (Fernandes 1969:211). Em

1936, corno já se mencionou, a

Frente se constituiu corno um pa.!:.

tido político. Dentro da FNB,

sustenta Fernandes, vicej avam s~

mentes de urna solidariedade nova,

potente,e baseada na cor (1955:

205) .

Por que, então, a Frente

Negra Brasileira se afundou qu~

se sem traços após 1937?

Urnapossível explicação,

evidentemente,é que a supresijão

sob o Estado Novo poderia ter ma

tado a FNB (Moura 1982:157). Po

rém a supressão,por exemploinão

acabou com os comunistas,ne~ as

táticas do regime contemporâneo

têm impedido a emergência de s i~

dicatos militantes ou a operação

dos partidos clandestinos, para

nao falar de um movimento negro

rejuvenescido. Por que - em ou

tras palavras - a Frente se des

moronou tão completamente, e por

que nenhuma coisa parecida sur

giu logo depois da queda da di

tadura de Vargas? De fato, a

maioria das discussões sobre a

morte da Frente Negra procura

causas além da repressão. Mas

antes de mergulhar nessas águas,

será útil voltar ao início e re

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 120 - 134, jan./jun. 1988

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fletir por que a Frente teria

emergido na cidade de são Paulo.

3 POR QUE sAo PAULO?

Umasíntese resumida dos

argumentos proferidos pelos que

têm examinado o problema da

origem da Frente Negra começaria

com a seguinte observação: em

são Paulo os desejos dos negros

por mobilidade social e econômica

foram em grande parte frustrados

pela competição de imigrantes

europeus, que foram preferidos

como trabalhadores industriais e

empregados do setor de serviços.

Ao mesmo tempo esta competição

gerou uma espécie paulista de

preconcei to de cor por parte des

ses brancos que se sentiam amea

çados pelas perspectivas de .in

trusão dos negros nas posiçôes

relativamente altas que os bran

cos ou já ocupavam ou tinham es

peranças de ocupar. Portanto, os

negros paulistas eram especial

mente receptivos a grupos, como

a FNB,que lhes proporcionaram re

cursos ps i.co Lór í.co s c or qani.z a

cionais para lhes ajudar a neu

tralizar os efei tos nocivos do

preconceito e da discriminação.

Quanto a isso, são Pàulo'

e freq13.entemente contrastada com

Salvador, onde esforços de org~

nizar uma filial da FNB fracas

saram pateticamente. 5 Numestudo

precoce, Pierson (1967, orig. 1942) 6

averiguou que na Bahia existia

pouco preconceito do tipo exis

tente nos Estados Unidos, quer

dizer, que nao existiam castas

baseadas em ,cor, so classes.Baianos brancos - segundo Pie~

son - jamais se sentiam ameaçados,

em termos de status, por negros

ou mestiços, e, portanto, senti

mentos de desconfiança, medo, re~

sentimento e inveja nunca foram

evocados. Em resumo, negros em

Sal vador e r arn tão concentrados

na camada mais baixa que nao

ameaçavam brancos, e, portanto,

o preconceito de cor - e organi

zações de protesto negro - nao

apareciam. Emsão Paulo,pelo co~

trário, Pierson vê o estabeleci

mento de organizações negras cQ

mo testemunho de tal preconcei to.

Para Pierson, então, organização

por parte dos negros depende de

preconcei to, que por sua parte

depende do grau de competição en

tre negros e brancos.

5 ~oje em dia existe um movimento negro em Salvador. ~ interessante perguntar:O que, exatamente, m"dou ne s -d dusa Cl a e para permitir, ou estimular, o crescimento deste movimento?

6 Ele resume o seu argumento no artigo de 1939.

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 120 - 134, jan./ju~. 1988 125

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Umproblema de s conce r t an

te na análise de Pierson e seu

uso ambíguo da palavra "precoQ

cei to ". Preconceito para ele é

uma predisposiCão psicológica

ou uma série de comportamentos?

Estes dois níveis são, sem dúvida,

ligados,mas não se equivalem. A

meu ver é preferível fazer a di~

tinção usual entre preconceito -

percepções e atitudes negativas

para com um determinado grupo -

e discriminacão,que se refere a

interações caracterizadas por r~

jeição de membros de um grupo

contra o qual se tem preconceito.

As minhas razoes para insistir

nesta distinção irão se escla

recer no desenrolar deste ensaio.

Se nos perguntamos se h~

via preconceito em são Paulo, a

resposta deve ser sim, e que era

muito severo. Tal preconceito é

discutido por Bastide (1955a,

1955b), Bastide e van den Berghe

(1957), e Fernandes (1955, 1969),

entre muitos outros. As concl u

sões de Bastide e van den Berghe

(1957) são especialmente persua

sivas. Fundam-se em dados obtidos

de 580 estudantes brancos de co

légios paulistas. Mais da metade

destes alunos brancos atribuíram

aos negros tais imagens negativas

como falta de higiene,fealdade,

aderência a superstições, falta

de moralidade, perversão sexual

e preguiça. Quase a metade achava

que negros eram menos inteligeQ

tes do que brancos. Ao comentar

estas percepções, Bastide e van

den Berghe observam: "As seme

lhanças com as imagens norte-

americanas são mais numerosas do

que as diferenças" (1957:691).7

Isto não quer dizer que os est~

dantes rejei taram o que Fernandes

chama de "o mito de democracia

racial": 92% deles aceitaram, em

teoria, a noção de que os negros

sejam iguais aos brancos. Ainda

assim,77% se opuseram à miscig~

naçao com pretos e 55% se opus~

ram à miscigenação com mulatos.

Em conclusão, os autores anotam

uma contradição na situação ra

cial no Brasil:

Por um lado, nós encontramos uma adesão ampla àsnormas democráticas, e poroutro lado, umgrau mui to a L tode imagens negativas/stereQtypy/,uma grande quantidadede segregação no nível pe~soa 1 íntimo, e uma endogamiapraticamente completa. Estaambivalência constitui umaverdadeira 'dilema brasilei

7 Tradução minha.

1'26 Cad~ Pesq. são Luís, 4 (1) 12O - 13 4, j an. / j un , 1988

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ra I, apesar de ser diferente-do I dilema americana I (1957:692) •

Bastide e van den Berghe

especulam que o preconceito de

cor em são Paulo e no Rio repr~

senta uma retirada de atitudes

liberais tradicionais (reinante

em lugares como Salvador) por ca~

sa da rápida urbanização e indu~

trialização no Sul. Infelizmente

não conheço nenhum estudo comp~

rável em Salvador da Bahia. O fato

de são Paulo ser "mais branco"

do que Salvador sugere talvez que

o preconceito na cidade nordes

tina possa ser menor, mas o as

sunto se complica rapidamente se

nós reconhecermos que a raiz do

preconcei to de cor é um sentimen

to nega ti vo sobre negri tude, qual

quer que seja a porcentagem de

sangue africano na pessoa que te

nha este sentimento. Sabe-se que

o mulato que quer subir na escala

social muitas vezes faz tudo p~

ra se distanciar de pretos (ver,

por exemplo, Willems 1949:404-5).

Em resumo, não é preciso ter bran

cos para ter preconceito.8

Em todo o caso, porem,

parece inegável que em são Paulo

tinha um grau elevado de preco~

cei to no pensamento branco junto

com um grau elevado de discrim!

nação na experiência negra. O pr~

blema é interpretar esta as soe i.aç âo , f: possível considerar tanto

o preconceito como a discrimina

ção como produtos da competição

entre brancos e negros: veja a

síntese de explicações resumidas

já citadas. Um ponto de vista

alternativo, que eu proponho na

conclusão deste artigo, é que o

próprio preconceito, mostrando-

se de várias maneiras como di s

criminação provocadora, induziu

os negros paulistas a se organ!

zarem. A discriminação, por sua

vez, teria sido detonada pela

competição no mercado de traba

lho interatuando com este preco~

ceito já existente.

Talvez a mais elucidati

va interpretação do primeiro g~

nero seja a de Maria Isaura Pe

reira de Queiróz. A sua hipótese

tem a vantagem de que também e~

plica porque a FNB desapareceu.

4 o QUE ~~TOU A FNB?

A explicação apresentada

8 Nem i preciso ter imigrantes. A evid~ncia de Bastide e van den Berghe desmentea Ldeí,ade que imigrantes tenham mais preconceito de cor do que brancos nascidosno Brasil (1957:693). Preconceito tambim não é claramente relacionado com elasse social (Bastide e van den Berghe 1957:693), como alegam Pierson (1967:341)e Hammond (1963:6).

Cad. Pesq. são Luís, 4(1) 120 - 134, jan./jun. 1988 127

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por Queiróz difere das outras

porque implicitamente rejeita a

noção de que o movimento negro

em são Paulo foi esmagado por

Vargas (cf.Moura 1982:157) e ao

mesmo tempo evita nos apresentar

com um espectro de possíveis ca~

sas percorrendo do faccionalismo

à falha ideológica, à falta de

uma base psicológica e material

dentro da comunidade negra (Fer

nandes 1969:220-231). Eu não de

sejaria alegar que tal tipo de

análise mul ticausal sej a errado.

Mas Queiróz, ao reduzir radical

mente o número de variáveis ex

plicativas, enfoca justamente

aquelas que refletem os aspectos

cruciais do problema e que mer~

cem um exame um pouco mais de

tido.

Para Queiróz, tanto o nas

cimento como a morte da FNB se

ligam com a mesma causa básica:

exigências do mercado de traba

lho. Depois da Abolição, surgiram

certas possibilidades, mesmo p~

ra ex-escravos, para melhoramento

econômico nos centros urbanos do

Sul, particularmente em são Paulo.

Ascendência social foi consegui

da através de adaptação indi vi

dual e conformismo, reduzindo-se

então as possibilidades de pr~

testo coletivo por causa da di

visão provocada pelo afastamento

de indivíduos bem-sucedidos. Es

128

ses "mulatos~ ao subir, tentaram

evitar qualquer identificação

com os seus "irmãos de cor:", po!:.

que esta seria fatal para a es

tratégia que eles tinham esco

lhido. Coma aceleração da indus

trialização porém,as pessoas de

cor se encaravam com uma situação

curiosa e inquietante: oportuni

dades de emprego estavam se am

pliando rapidamente, mas esses

empregos eram fechados aos ne

gros. Tinha se concretizado um

limite. Imigrantes tinham en

trado,e estavam entrando,em são

Paulo, em grandes quantidades, e

estes imigrantes estavam canse

guindo os melhores empregos. O

resu1 tado foi que organizações

políticas negras se tornavam ca

da vez mais proeminentes, en

quanto os negros começavam a se~

tir necessidade de lutar contra

as barreiras erguidas pelos bra~

coso

Antes de 1940 porem, a

imigração da Europa tinha come

çado a diminuir. Isto significou

que os trabalhadores potenciais

de "melhores qualificações" - os

europeus recém-chegados esta

vam se tornando escassos. Mas a

industrialização estava se ace

lerando. Para preencher as novas

posições os patrões tinham que

utilizar os trabalhadores pote~

ciais de "segunda qualidade"

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 12O - 134, j an. I j un. 1988

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esses homens de cor que eram r~sidentes na cidade há muito tempo e que tinham adquirido um ce.E.to grau de educaçio e treinameQto. Os novos imigrantes agorainundando são Pa u Lo riâo eram maisestrangeiros, mas caboclos doNordeste, a maioria dos quaisanalfabetos e desacostumados àsexigências da vida urbana,e portanto considerados inferioresaos homens de cor urbanizados.

O resultado, segundoQueiróz, foi que devido a pressaoeconômica os negros começaram apenetrar nos empregos industriais e do setor de serviços.Essa atenuação do limite econômico militava contra a perpetu~

ç âo da "consciência étnica agre..§.siva" que caracterizou a comun.:h.dade negra durante uma boa parteda década dos 30.

A análise de Queiróz aconduz a duas observaçôes priQcipais. A primeira toca no pr~conceito branco:

Agem, pois, os preconce..:h.tos como rac í.ona Lí zaç âo daabertura ou do fechamento domercado de trabalho da saciedade global, em cada uma desuas camadas i mas as causasda abertura e do f eche..no nt.o

nao se encontram na existência ou não de preconceitos,e sim no interior da própriasociedade global como tal

que, historicamente formadade.brancos e negros, estesocupando historicamente umnível inferior, caracteriz~da economicamente como umasociedade capitalista,deseQvolve para ambos as possibilidades de ascensão sócio-econômica, conforme as nece..§.sidades internas do seu mercado de trabalho (1978:259).

A segunda observaçiotrata da consciência negra:

A análise da evolução daposiçio sócio-econômica dosnegros na sociedade global,formada pela cidade de sioPaulo, mostra que a consciência étnica, representadapelo aparecimento das associaçôes voluntárias,é sutile móveliem estreita relaçãocom o desenvolvimento sócio-econômico, ameniza-se ou e~pande-se segundo haj a facilidade ou riâo para os negrosascenderem (1978:256).

Ao que parece, esta analise dá uma explicaçio dinãmicanão só pela carreira histórica daFNB como também pelos fenômenosde preconceito e consciência negra. A meu ver, porém,é possívelque a exp Lí.ca câo fecha certasperspectivas ilustrativas, per..§.pecti vas que s âo recuperáveis senos nao insistirmos em uma relaçao tão estreita entre ideologiae condiçôes econômicas. A seguirdiscutiremos uma alte-cnativa à

Cad. Pesq. sio Luís, 4 (1) 12O -. 134, j an . / j un. 1988 129

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explicação de Queiróz.

5 . UMA INTERPRETACAo ALTE~NATIVA

Na análise de Queiróz,ideologias são atadas a fatoreseconômicos, pois preconceito decor e uma "racionalização daabertura ou do fechamento do mercado de trabalho ",e consciêncianegra fica "em estreita relaçãocom o desenvolvimento sócio-económico". Quero sugerir aqui umainterpretação alternativa, quedá às ideologias uma posição maisindependente. Esta alternativaolha para a interacão dos fatoresideológicos e econômicos paraexplicar o crescimento e o desaparecimento do movimento de pr~testo negro em são Paulo. Ao explicar os mesmos dados, a h i pó

tese abaixo elaborada toma umaperspectiva diferente sobre a natureza do problema enfrentadopor rtegros brasileiros e, cons~qüentemente, sobre possíveis maneiras de vencê-lo.

Esta hipótese alternativa e a seguinte: que as mudançaseconômicas em são Paulo duranteos anos 30 interatuaram, por umlado, com um preconceito de corforte e persistente,dando assimao princípio um estímulo externoao movimento negro e depois can

celando esse estímulo; e por o~tro lado, com uma ideologia contradi tória da própria FNB quetambém era vulnerável a essas mudanças no ambiente econômico desão Paulo.

Nós chegamos à alternativa por via de uma anomalia nocomportamento de uma ideologia:o preconceito de cor. Se preco~ceito fosse uma racionalizaçãodas exigências do mercado de tr~balho,esperaríamos que variariasegundo estas exigências. Especificamente suporíamos que o pr~concei to de cor teria sido maiordurante os anos 30, quando os negros estavam sendo excluídos deempregos na competição com osimigrantes,do que depois,quandoa situação dos negros em sãoPaulo era muito mais favorável.

Os dados que temos -,osdo estudo de 1957 de Bastide evan den Berghe - pôem este cenario em dúvida. Estes dados, comojá vimos, mostram que durante osanos 50 - vinte anos apo s o p~ríodo do limite - o preconceitode cor era bem vivo em são Pau10. Em outras palavras, preco~cei to não precisa de uma exag~rada competição económica parase alimentar. :t; possível (nósnão temos bons dados) que o pr~conceito fosse ainda mais agudo

130 -Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 120 - 134, jan./jun. 1988

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durante os anos 30, mas em virtude

da severidadé do preconcei to des

coberto por Bastide e van den

Berghe, e difícil imaginar que

pudesse ter sido tanta diferença.

Ao contrário, parece provável

que um alto grau de preconceito

de cor oaracterizou são Paulo

desde (pelo menos) os anos 30 até

(pelo menos) o fim dos anos 50.

Isto sugeriria uma revi

são da explicação de Queiróz. Em

vez de ver preconceito s i.mpLes

mente como uma racionalização por

exclusão,poder-se-ia considerar

preconcei to de cor como uma as

sunção cultural (pelo menos pa~

cialmente) independente: ser n~

gro é ser ruim. De fato, para este

estrangeiro ,mesmo sendo dum país

com terríveis problemas raciais r

a evidência dessa suposição na

cul tura br a s i Lei r a é Lmpr e s s i o

nante,seja por exemplo na noção

das vantagens de "branqueamento"

(Skidmore,1974), seja nas conceE

çôe s de beleza, sej a na Li.nqu a

gem da rua, seja nos elogios da

miscigenação oue ao louvar as

virtudes do afro-brasileiro tal

vez tendam a destacar aspectos

passivos e submissivos do negro

e da negra. Isso não e o lugar

para entrar no labirinto do pr~

conceito de cor brasileiro. Mas

se podermos admi tir, pr ov i sor i a

mente,a existência no Brasil de

um preconceito de cor que nao

cresce nem diminui muito com a

intensidade da competição econo

mica, podemos reinterpretar eL

gumas das conclusões de Queiróz.

o estímulo externo ao

protesto negro em são Paulo PQ

demos interpretar como uma inte

raçao entre condições sócio-ecQ

nômicas - imigração europela e

industrialização - e o p r ecoric e i

to de cor, que juntos produziram

discriminação contra os negros

no mercado de trabalho. Antes do

fim da década dos 30, porem, a

imigração branca estava terminan

do, deixando os negros a competir

com os nordestinos recém - che

gados. O nordestino analfabeto,

além de ser talvez pouco prep~

rado pelo emprego industrial, no

Sul também sem dúvida teria so

frido ne preconceito e discrimi

nação, pois nesta competição o

negro saiu ~ frente, vencendo a

discriminação (e portanto ac aba n

do COIU um .i mpo r t.an t.e c s t Irnu Lo p~

ra organizaçfio)mas não o precon

ceito, que permaneceu. 9---------------

9 Quero àestacar que esta ana l.í s e 8 espe cu l a t í va : é uma possível Lnt e r pr e t ac ao dosfatos. Mesmo com dados bons ~ mIlitas vezes dificil,por exemp].o)deter~i~ar,nurnaàecisão de negar emprego a al.gu em, o pese das qua.l xf í.caço es da peS~.02 e o pes odo preconceito. Nc caso sob consideração aqui - o mercado de t r ab a l r.c ,·r: S2.íé' Pau l.o

nos anos 30 - é d í.f Ic í l, mesmo fazer muito maí.s do que con j ec tur a-

Cad. Pesq. S~o Iillis, 4 (1) 120 - 134, jan.!ju~. 1988 131

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A explicação de Queiróz

implica que a solução do problema

de preconceito seria uma economia

suficientemente vigorosa ou bem

organizada para permitir a asce~

dência de negros emmassa. Porém,

se ao contrário, preconceito de

cor e profundamente entrinchei

rado, aquela economia pode acabar

com um tipo de discriminação(quer dizer, em emprego) mas não

com o preconceito, que ficaria c~

mo uma ameaça de possí veis demi~

sões ou exclusões no futuro, c~

so a economia afrouxasse, e como

uma fonte de outros tipos de d~

gradações discriminatórias (por

exemplo, insultos ou restrições

de vários tipos) que poderiam ca~

sar profundas feridas p s i.co Ló

g icas. Fernandes (1979) nota, por

exemplo, que negros, nas suas i~

terações com brancos, nunca são

permi tidos a se comportar numa ma

neira confrontati va, embora bra~cos possam adotar essa postura

com negros. A obra de Fernandes

durante sua longa carreira é um

convi te a confrontar diretamenteO problema de preconcei to de cor,

porque senão este continuará aprecipitar relações destrutivasentre indivíduos, uma suposiçãotambém compartida pela Frente N~gra no seu aspecto de uma or-qan i.

zação separatista.

Porém - e isto nos traz

a uma conjectura final - a Fren

te Negra tinha um outro rosto ta~

bém,o de uma organização integr.~cionista. Pode ser que o colapso

da Frente Negra,além de ser pr~

cipitado em parte pelo enfraqu~

cimento da discriminação em em

prego, tinha também algo a ver

com uma debilidade interna ideo

lógica? Ou seja,pode ser que as

mudanças favoráveis no mercado

de trabalho, além de "neutralizar"

o preconceito em são Paulo, ao

mesmo tempo desestimulou a soli

dariedade negra por causa de uma

fragilidade ideológica dentro da

própria FNB? Parece possível. A

arma ideológica da FNB era uma

espada de dois gumes. Ofereceu

separação e prometeu integração.

Nós poderíamos desejar saber por

que um negro que j a "ernb r anque

ceu", presumivelmente ao melhorar

sua condição econõmica,continu~

ria ter a vontade de ficar numa

organização que promete o tipo

de sucesso que ele já alcançou e

representa o ambiente de que ele

está tentando fugir. A ideologia

da FNB,emresumo, parece estimular

defecção em determinadas c i r cuns

tâncias.10 Não causa muita sur

10 Queiróz sustenta que "a consciência êtnica ... ameniza-se ou expande-se segundo h~ja facilidade ou n~o para os negros ascenderem"(1978:256~ Isto parece cor!etono caso da FNB - mas riao ê evidente para mimque possamos fazer gen er a Li.z aço es .Eu sugiro neste artigo que a ideologia da FNB encorajou um tipo de conscienciaque foi muito vulnerável à auto-cancelaç~o. Será possível que esta armadilhaideológica da FNB pode ser evitada?

132 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 120 - 134, jan./jun. 1988

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presa, então, que a Frente Negra

Brasileira, apesar do seu subs

tancial e inegável sucesso, foi

tão frágil que desmoronou logo

que o limite econõmico discrimi

natório foi atenuado.

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134

ENDEREÇO DO AUTOR

DANIEL T. LINGERDepartamento de AntropologiaUniversidade da Califórnia,San Diego.

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 120 - 134, jan./jun. 1988