Precatório e Emenda Constitucional 62

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FABIANO COSENTINO RODRIGUES A58IAG-8 PRECATÓRIOS E EMENDA CONSTITUCIONAL Nº62/2009 ALTERAÇÕES E INCONSTITUCIONALIDADE

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FABIANO COSENTINO RODRIGUES

A58IAG-8

PRECATÓRIOS E EMENDA CONSTITUCIONAL Nº62/2009

ALTERAÇÕES E INCONSTITUCIONALIDADE

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1. Introdução

A Fazenda Pública tem seus bens regidos por disciplina distinta daquela que trata dos bens particulares, pois seu patrimônio, em princípio afetado a uma finalidade pública, não pode ser livremente alienado ou onerado.

Além disso, como bem observa MARINONI e ARENHART1 “todos os pagamentos devidos pela Fazenda Pública devem limitar-se ao teto previsto nos orçamentos (ou créditos extraordinários adicionais) aprovados pelo Legislativo (art.167, II, da CF). Assim, os débitos da Fazenda Pública só poderão ser saldados se o montante devido para tanto estiver previamente incluído no orçamento do respectivo órgão”.

Em razão disso, a Constituição Federal dedica a regime especial para pagamento de condenações havidas pela Fazenda Pública Federal, Distrital, Estadual ou Municipal (art.100, da CF). O pagamento dos débitos do ente público pode ser realizado de duas formas, através de precatório ou mediante requisição de pequeno valor.

De acordo com Leonardo José Carneiro da Cunha2, o precatório surgiu com a Constituição Federal de 1934, sendo certo que antes de sua instituição a obtenção de crédito em face da Fazenda Pública ficava subordinada ao bel-prazer do Administrador e a muito esforço e conhecimento político do interessado.

Na Constituição Federal de 1988, a sistemática dos precatórios sofreu diversas alterações com as ECº20/1998, EC nº 30/2000 e EC nº 37/2002), até chegar ao modelo gerado pela EC nº 62/2009. Entre as justificativas apresentadas para a apresentação da proposta que resultou na EC nº 62 é o elevado estoque de precatórios estaduais e municipais, os quais possivelmente ultrapassam a barreira de R$100 bilhões de reais. Com as emendas constitucionais anteriores, o Poder Legislativo já tentou resolver esse problema. Com a promulgação da Constituição Federal vigente foi permitido o parcelamento da dívida em até 8 (oito) anos, com a possibilidade de imissão de títulos públicos para o pagamento dos débitos. Em seguida, diante do insucesso da medida, foi aprovado um novo parcelamento, desta vez em 10 (dez) anos, somente em relação aos precatórios de natureza não alimentar. Por último, por meio da Emenda Constitucional nº 37/2002, buscou-se beneficiar os pequenos credores com a figura da Obrigação de Pequeno Valor – OPV, de modo que esta permitiu o pagamento, no prazo de 90 (noventa) dias, de quantias judiciais até um determinado valor. Como essas tentativas não foram suficientes a EC nº 62 veio com a tarefa de reduzir significativamente a quantidade de precatórios existente no país.

Outra intenção da proposta que gerou a EC nº 62 é a instituição do regime especial de pagamentos em atraso, de modo que Estados Federados e Municípios, obrigatoriamente, deverão vincular uma parcela de suas receitas ao pagamento de precatórios, sob pena de sofrerem penalidades severas.

Segundo Márcio André Lopes Cavalcanti3, em seu site Dizer o Direito: “As modificações impostas pela EC 62/2009 dificultaram o recebimento dos precatórios pelos credores e tornaram ainda mais vantajosa a situação da Fazenda Pública. Por esta razão, a alteração ficou conhecida, jocosamente, como “Emenda do Calote.””.

1 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, V.03 – EXECUÇÃO. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.2 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética,2007.3 CAVALCANTI,Márcio André Lopes Cavalcanti. Entenda a decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade parcial da EC 62/2009. Disponível em 21/05/2014 em http://www.dizerodireito.com.br/2013/04/entenda-decisao-do-stf-que-declarou.html

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O Manual de Procedimentos Relativos aos Pagamentos de Precatórios e Requisições de Pequeno valor na Justiça Federal,4 define o precatório da seguinte forma: “É a requisição de pagamento de quantia certa a que for condenada a Fazenda Pública, cujo crédito deve ser incluído no orçamento das entidades de Direito Público, para pagamento ao longo do exercício seguinte”.

Os Precatórios se assemelham com uma carta de sentença, com diferença de que sua função não é a de iniciar um procedimento judicial, devendo ser enviado à entidade condenada para a inclusão do valor necessário no orçamento. Cabe ao juízo da execução a elaboração do precatório e o seu encaminhamento ao Presidente do Tribunal (a que está sujeita a decisão exequenda), que repassará a requisição ao ente condenado para inclusão em orçamento. A atividade realizada pelo Presidente do Tribunal é meramente administrativa, limitando ao exame dos aspectos formais do precatório e ao controle de sua ordem cronológica, com aplicação de eventuais sanções decorrentes de sua violação.

Já a Requisição de pequeno valor, segundo o Manual de Procedimentos Relativos aos Pagamentos de Precatórios e Requisições de Pequeno valor na Justiça Federal5,

“Trata-se de requisição de pagamento de quantia certa a que for condenada a Fazenda Pública, que não se submete à sistemática de pagamento por precatório. Considera-se Requisição de Pequeno Valor (RPV) aquela relativa a crédito cujo valor atualizado, por beneficiário, seja igual ou inferior a:

I - sessenta salários-mínimos, se a devedora for a Fazenda Federal (art. 17, § 1o, da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001);

II - quarenta salários-mínimos, ou o valor estipulado pela legislação local, se a devedora for a Fazenda Estadual ou a Fazenda Distrital (art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT); e

III - trinta salários-mínimos, ou o valor estipulado pela legislação local, se a devedora for a Fazenda Municipal (art. 87 do ADCT).

2. Alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº62 de 2009

A Emenda Constitucional 62 de 09/12/2009 alterou o art. 100 da CF/88 e acrescentou o art. 97 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF/88 prevendo inúmeras mudanças no regime dos precatórios.

O art.100 da CF possuía originalmente seis parágrafos, com a mudança passou a ter dezesseis parágrafos, sendo que os oito primeiros alteraram os seis originalmente existentes. Já o art.97 do ADCT instituiu o regime especial para pagamento de precatórios pendentes de pagamento na data que entrou em vigor a referida emenda.

A primeira alteração ocorreu no caput do art.100 com a retirada da expressão “a exceção dos créditos de natureza alimentícia”. Os débitos de natureza alimentícia passaram a ser regulamentados no §1 do art.100, considerando de natureza alimentícia aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais

4 Conselho da Justiça Federal. Precatórios e requisições de pequeno valor - RPV / Conselho da JustiçaFederal; Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, coord. 2. ed. rev. e atual. – Brasília: CJF, 2005.5 Op. cit.

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débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo, que veremos a seguir. Os débitos de natureza alimentícia deixaram de ser o primeiro da lista, perdendo para os do § 2º.

O parágrafo segundo do art.100 dispões que: “Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”.

A nova redação impôs uma nova ordem de preferência no pagamento dos precatórios, colocando em primeiro lugar os tratados no § 2º do art.100. Outra observação importante a respeito deste parágrafo é a possibilidade de fracionamento do precatório, sendo pago preferencialmente até o limite do triplo do limite fixado em lei para o pagamento de obrigações de pequeno valor e o restante será pago na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. A possibilidade de fracionamento dos precatórios é vedado para os demais casos, conforme estipulado no §8º do art.100 da CF.

Sendo assim, com as alterações surgiram três ordens cronológicas distintas de precatórios: a primeira para débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 anos de idade ou sejam portadores de doença grave (CF, art. 100, § 2º); a segunda para os demais débitos de natureza alimentícia (CF, art. 100, § 1º); e a terceira para os débitos de natureza comum (CF, art. 100, caput).

Nos casos em que não for possível estabelecer a precedência cronológica entre 2 (dois) ou mais precatórios, aquele que for de menor valor será liquidado primeiro (§ 7º do art. 97 do ADCT).

O parágrafo terceiro sofreu alterações em sua redação, mas o seu teor permanece o mesmo.

No tocante as dívidas de pequeno valor, a atual redação do § 4º prevê a possibilidade de cada Fazenda Pública, por meio de lei própria, fixar valores distintos para Requisições de Pequeno Valor – RPV. Essa previsão já vinha no anterior § 5º, no entanto, com a nova redação, na parte final do dispositivo, foi acrescido um limite mínimo igual ao maior benefício previdenciário do regime geral de previdência social. Antes das alterações provocadas pela EC nº 62, o § 5º não estabelecia um patamar mínimo, mas apenas determinava que poderia ser fixada quantias segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. Observe que o § 12 do art. 97 do ADCT estabelece o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da entrada em vigor da emenda, para publicação da lei que fixar o valor das obrigações de pequeno valor. Caso esse procedimento não seja adotado por opção do Ente Público ou pela superveniência do decurso do prazo, será considerado o valor 40 (quarenta) salários mínimos para os Estados Federados e Distrito Federal, assim como 30 (trinta) salários mínimos para os Municípios.

O §5º do art.100 da CF mantem a mesma ideia da antiga redação do §1º do artigo 100 antes das modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 62, ou seja, a obrigatoriedade de inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

O § 6º veio substituir o anterior § 2º, dispondo sobre a obrigatoriedade de consignação ao Poder Judiciário dos créditos abertos, devendo o Presidente do Tribunal determinar o pagamento integral e autorizar o sequestro quando requerido pelo credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de preferência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à

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satisfação do débito. A alteração deste parágrafo incluiu o termo “integral” no lugar de “segundo as possibilidades de depósito além de ser incluída a frase "ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito", para o caso de autorização de sequestro.

A redação anterior permitia o sequestro apenas nos casos de preterimento do credor, ou seja, na alteração da ordem cronológica de pagamento. Com as alterações é possível também o sequestro nos casos de não inclusão no orçamento de verba necessária à satisfação do débito.

O § 13 do artigo 97 do ADCT reforça este entendimento, pois o legislador estabeleceu que enquanto as Entidades Públicas devedoras estiverem realizando pagamentos de precatórios pelo regime especial, não poderão sofrer sequestro de valores. Ou seja, percebe-se facilmente que fora do regime especial será permitido o sequestro em face da Fazenda Pública.

O parágrafo 7º, substitui o antigo parágrafo 6º e dispõe sobre a responsabilidade por ato omissivo ou comissivo do Presidente do Tribunal, sendo acrescentado que este responderá também perante o Conselho Nacional de Justiça.

Já o parágrafo 8º substitui o anterior parágrafo 4º que veda a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento no §3º do art.100. Entretanto o §11 do art.97 do ADCT prevê, no regime especial, a possibilidade de desmembramento do precatório relativo a diversos credores, em litisconsórcio, não se aplicando ao caso a regra do §3º.

O parágrafo 9º do artigo 100 da CF trata do abatimento, no momento da expedição do precatório, a título de compensação, de quantia correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

Para cumprimento do disposto no § 9º acima abordado, antes da expedição dos precatórios, o respectivo Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora para, no prazo de 30 (trinta) dias, prestar informação sobre a existência de débitos para abatimento, conforme previsão do novo § 10 do artigo 100 da Constituição Federal.

O parágrafo 11º faculta ao credor a utilização de precatórios para a compra de imóveis públicos do respectivo ente federativo. Entretanto este dispositivo não é autoaplicável necessitando de lei da entidade federativa dispondo sobre a matéria.

No parágrafo 12º é estipulado que a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

No parágrafo 13º estabelece que o credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º, ou seja, não se aplica aos créditos de obrigações alimentícias a pessoas maiores de sessenta anos ou portadoras de doenças graves, nem aos de pequeno valor. Além disso, o parágrafo 14º estabelece que A cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora. O artigo 5º da EC nº 62, estabelece ainda que, todas as cessões de precatórios realizadas antes da promulgação da nova emenda ficam convalidadas, independentemente da concordância da Entidade Devedora.

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A EC nº 62/2009 também estabeleceu em seu §15º que sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar a esta Constituição Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações à receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação.

Por fim o §16º dispõe que a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente.

A emenda também inseriu o art. 97 no ADCT, sendo que o objetivo deste dispositivo é regular o regime especial de pagamentos de precatórios até a edição da lei complementar que se refere o parágrafo 15º do art.100 da CF.

Uma das formas de regular os precatórios, que se encontra estabelecida no §1§ do art.97 do ADCT é o pagamento pelo prazo de até 15 (quinze) anos, sendo que o percentual a ser depositado anualmente corresponderá ao saldo total dos precatórios devidos, acrescido do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança e de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, excluída a incidência de juros compensatórios, diminuindo as amortizações e dividido pelo número de anos restantes no regime especial de pagamento. Outra forma é a de vincular ao depósito, em conta especial criada para tal fim, de 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, sendo que esse percentual irá variar, conforme disposto nos incisos I e II do § 2º do artigo 97 do ADCT, para Estados, Distrito Federal e Municípios, observando as regiões do país em que se encontram.

3. Inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 62 de 2009

As alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 62/2009 geraram a propositura de 4 (quatro) Ações diretas de inconstitucionalidade, são elas: ADI 4357/DF – Conselho Federal da OAB e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); ADI 4425/DF – Confederação Nacional das Indústrias – CNI; ADI 4400/DF – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); e ADI 4372/DF – Associação dos Magistrados Estaduais (Anamages).

O STF não conheceu (julgou extintas sem apreciação do mérito) as ações propostas pela Anamages e pela Anamatra, por considerar que não havia pertinência temática (relação direta) entre o assunto tratado pela EC 62/2009 e os fins institucionais dessas entidades de classe.

Quanto à AMB, embora esta igualmente não detenha legitimação universal, o STF considerou que havia pertinência temática, pois uma das alegações na petição inicial da ADI da AMB era a de que a EC 62/09 violava o princípio da separação de Poderes, sendo a defesa do Judiciário nacional uma das finalidades desta associação. Ademais, entre as finalidades previstas no Estatuto da AMB está a defesa do Estado democrático e a preservação dos direitos e garantias individuais e coletivos.

As ações diretas de inconstitucionalidade nº s 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 foram chamadas para julgamento conjunto.

Inicialmente foi alegado a inconstitucionalidade formal da Emenda Constitucional nº 62, por inobservância de interstício dos turnos de votação.

Alega-se que a EC 62/09 padeceria de inconstitucionalidade formal, de vez que votada e aprovada, no Senado Federal, em duas sessões realizadas no mesmo dia 02 de dezembro de 2009, com menos de uma hora de intervalo entre ambas. Assim, teria ocorrido a ofensa ao interstício mínimo de cinco dias úteis exigido pelo art. 362 do Regimento Interno do próprio Senado Federal.

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A respeito da violação ao devido processo legislativo sustentado na ADI o STF não acatou a alegação de Inconstitucionalidade. Segundo o voto do Ministro Luiz Fux,:

“a exigência constitucional de dois turnos de votação existe para assegurar a reflexão profunda e a maturação das ideias antes da modificação de documento jurídico com vocação de perenidade (a CF). No entanto, a partir dessa finalidade abstrata, não é possível se extrair a exigência de que é imprescindível a existência de interstício mínimo entre os turnos. Em outras palavras, a CF/88 não exigiu um tempo mínimo entre as duas votações.

O constituinte, quando quis, exigiu expressamente intervalo mínimo, conforme se pode observar, em dois casos: para criação de lei orgânica municipal (art. 29, caput, da CF/88) e da Lei Orgânica do DF (art. 32, caput, CF/88). No caso de aprovação de EC, o Texto Constitucional não fez esta mesma exigência. Houve, portanto, um silêncio eloquente do texto constitucional”

Para o Ministro, a regra foi cumprida. As votações ocorreram em sessões distintas, visto que o Presidente do Senado, após a votação em primeiro turno, já no período da noite, encerrou a sessão legislativa, e em uma hora após a votação deu início a nova sessão legislativa.

Com relação ao Regimento Interno do Senado Federal que prevê o intervalo mínimo de cinco dias entre as votações o STF entendeu que a sua inobservância está sujeita apenas ao controle feiro pelo próprio Congresso Nacional e não do Poder Judiciário.

O caput e o parágrafo primeiro não sofreram declaração de inconstitucionalidade em seu texto.

No parágrafo 2º, foi considerada inconstitucional a expressão na data de expedição do precatório, que restringe o pagamento preferencial àqueles que já têm 60 anos completos quando da expedição do título judicial.

Seguindo o entendimento manifestado pelo relator no início do julgamento, isso significaria que um credor já com 80 anos poderia ficar sem preferência, enquanto outro com 60 anos recém completos poderia ser contemplado rapidamente. Segundo o voto do ministro Ricardo Lewandowski na sessão de hoje, excluir da preferência o sexagenário que completa a idade ao longo do processo ofende a isonomia e também a dignidade da pessoa humana e o princípio da proteção aos idosos, assegurado constitucionalmente.

As demais expressões constantes no §2º permanecem válidas o relator reconheceu que que “o pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009” – ADI 4425, de 14/06/2013 – Plenário – Relator Ministro Ayres Brito, Redator: Ministro Luiz Fux.

Os parágrafos 3º,4º,5º,6º,7º e 8º não sofreram qualquer declaração de inconstitucionalidade perante o STF.

Já os parágrafos 9º e 10 também foram declarados inconstitucionais, por maioria de votos, sob a alegação de ofensa ao princípio da isonomia.

Os dispositivos instituem a regra da compensação, no momento do pagamento dos precatórios, dos débitos que o credor privado tem com o poder público. A regra foi considerada inconstitucional porque acrescenta uma prerrogativa ao Estado de encontro de contas entre créditos

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e débitos que não é assegurada ao entre privado. Para o Supremo, este regime de compensação obrigatória trazido pelos §§ 9º e 10, ao estabelecer uma enorme superioridade processual à Fazenda Pública, viola a garantia do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da coisa julgada, da isonomia e afeta o princípio da separação dos Poderes.

O parágrafo 11º não foi atacado pelo STF.

Foi declarado inconstitucional as expressões utilizadas no parágrafo 12º do art.100: “índice de remuneração básica da caderneta de poupança” e “independente de sua natureza”.

A expressão que estabelece o índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos precatórios, foi declarada inconstitucional por ficar entendido que ele não é suficiente para recompor as perdas inflacionárias. O ministro Março Aurélio, em seu voto, destacou a constitucionalidade de outro trecho do parágrafo, que institui a regra segundo a qual a taxa de remuneração adotada deve ser a mesma para todos os tipos de precatórios, independentemente da natureza precatórios alimentares ou de origem tributária, uma vez que o princípio isonômico não comportaria um tratamento diferenciado de taxas para cada caso.

O STF também declarou a inconstitucionalidade da expressão “independentemente de sua natureza”, presente no § 12 do art. 100 da CF, com o objetivo de deixar claro que, para os precatórios de natureza tributária se aplicam os mesmos juros de mora incidentes sobre o crédito tributário.

Assim, para o STF, aos precatórios de natureza tributária devem ser aplicados os mesmos juros de mora que incidem sobre todo e qualquer crédito tributário.

O parágrafo 15º foi declarado integralmente inconstitucional. De acordo com Márcio André Lopes Cavalcanti6 o “grande problema e a vergonha deste país no que tange aos precatórios diz respeito aos Estados e Municípios. Existem Estados e Municípios que não pagam precatórios vencidos há mais de 20 anos. Tais dívidas se acumulam a cada dia e, se alguns Estados fossem obrigados a pagar tudo o que devem de precatórios, isso seria muito superior ao orçamento anual. Na União e suas entidades a situação não é tão deficitária e os precatórios não apresentam este quadro absurdo de atraso”. O § 15 ao art. 100, possibilitava que o legislador infraconstitucional poderia criar um regime especial para pagamento de precatórios de Estados/DF e dos Municípios, estabelecendo uma vinculação entre a forma e prazo de pagamentos com a receita corrente líquida desses entes. Ainda segundo Marcio André, o objetivo era que este regime especial previsse uma forma dos Estados/DF e Municípios irem reduzindo esta dívida de precatórios sem que o orçamento dos entes ficasse inviabilizado.

A decisão reconheceu ainda a inconstitucionalidade do Art. 97 da ADCT, bem como todos seus parágrafos que previa uma série de vantagens aos Estados e Municípios, sendo permitido que tais entes realizem uma espécie de “leilão de precatórios” no qual os credores de precatórios competem entre si oferecendo deságios (“descontos”) em relação aos valores que têm para receber. Aqueles que oferecem maiores descontos irão receber antes do que os demais. Assim, o regime especial excepcionou a regra do art. 100 da CF/88 de que os precatórios deveriam ser pagos na ordem cronológica de apresentação. Logo, se alguém estivesse esperando há 20 anos, por exemplo, para receber seu precatório, já seria afetado por este novo regime e, para aumentar suas chances de conseguir “logo” seu crédito, deveria conceder um bom “desconto” ao ente público.

Leonardo da Cunha, citado por Marcio André, afirmou, com razão, que a EC n° 62/09 previu uma espécie de “moratória” ou “concordata” para os Estados/DF e Municípios (DIDIER

6 op. cit.7

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JR., Fredie; et. al. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 764). Daí a alcunha dada, de forma justa, por sinal, de “emenda do calote”.

O STF concluiu que a EC n° 62/09, ao prever este “calote”, feriu os valores do Estado de Direito, do devido processo legal, do livre e eficaz acesso ao Poder Judiciário e da razoável duração do processo. Além disso, mencionou-se a violação ao princípio da moralidade administrativa, da impessoalidade e da igualdade.

Afirmou-se que, para a maioria dos entes federados, não falta dinheiro para o adimplemento dos precatórios, mas sim compromisso dos governantes quanto ao cumprimento de decisões judiciais. Nesse contexto, observou-se que o pagamento de precatórios não se contraporia, de forma inconciliável, à prestação de serviços públicos. Além disso, arrematou-se que configuraria atentado à razoabilidade e à proporcionalidade impor aos credores a sobrecarga de novo alongamento temporal dos créditos que têm para receber.

Durante os debates do julgamento das Ações direitas de inconstitucionalidade surgiu a discussão se a decisão deveria ter seus efeitos modulados, sendo que os Ministros decidiram que esse efeito seria discutido posteriormente, se provocados. Essa provocação foi realizada por alguns Estados que ingressaram no processo como amicus curiae.

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