Prea Paginas 25 Web

download Prea Paginas 25 Web

of 132

Transcript of Prea Paginas 25 Web

25DISTRIBUIO GRATUITA

Ano 9 | 2011 | Setembro Outubro Novembro Dezembro

f a c e

a

f a c e

Impresses do Oriente Interview com o Dr. Eloy de Souza

Por Manoel Dantas

5

Conhecedores das faculdades de observao do Dr. Eloy de Souza e dos intuitos de sua viagem ao estrangeiro, encarregamos o nosso colaborador Dr. Manoel Dantas de entrevistar o esforado representante do Rio Grande do Norte. S. Excia. burlou o plano do nosso companheiro de trabalho, pretendia fazer o interview clssico com todas as indiscries da arte, desde a pessoa at a habitao e os objetos, declarando que estava inteiramente ao nosso dispor, mas com a condio de ser respeitado o seu domiclio e subtrada a sua individualidade irreverncia da adjetivao costumeira. E foi assim, privado do prazer de dizer a S. Excia. as coisas amveis que sentimos, S. Excia. tem horror lisonja, mas, felizmente, no nos teria na conta de lisonjeiros que iniciamos a nossa palestra, formulando a seguinte pergunta:DANTAS Pode dar-nos suas impresses da viagem que fez ao estrangeiro? ELOY V. me pede impresses de minha viagem. O assunto tomaria muito tempo e

muito espao, sem proveito equivalente. Tudo quanto eu pudesse dizer dos pases da Europa que visitei, do ponto de vista social, poltico ao econmico, seria repetir o que j est escrito em todas as lnguas e vulgarizado por toda parte. Acho, entretanto, que seria curioso resumir para os seus leitores fatos que observei no Oriente e que at certo ponto nos interessam sob mais de um aspecto. DANTAS O que V. Excia. nos poderia dizer sobre o Egito? ELOY O Egito, tem-se repetido mil vezes, um presente do Nilo. Pode-se, entretanto dizer, sem fazer nenhuma injria ao rio sagrado, que o Egito de hoje um produto do esforo e da inteligncia do homem. Basta ponderar que o trabalho de algumas geraes permitiu fazer de um povo, que o mais vivo paradoxo poltico dos tempos atuais, um pas super povoado, com 12 milhes de habitantes numa superfcie de 29 mil quilmetros quadrados, isto , um tero mais do povoamento da Blgica e quase duas vezes o da Frana. DANTAS E sobre o estado de civilizao deste povo? ELOY O ocidental que vai ao Egito imagina encontrar ali uma populao semibrbara, inculta, explorada pelo ingls, vivendo para o ingls e pelo ingls. Ora, isto no positivamente verdadeiro. A influncia francesa ali maior do que a inglesa. O francs mais geralmente falado no Egito que qualquer outra lngua estrangeira, e a Frana mais querida dos egpcios que a Inglaterra. Isto tem sua explicao no fato dos ingleses dominadores serem menos acessveis ao elemento indgena do que conviria talvez aos interesses recprocos. Devo em todo caso acentuar que a dominao inglesa suave, a sua interveno restrita aos negcios meramente polticos, de tal sorte que Lord Cromer, o organizador do Egito atual, timbrou sempre em respeitar costumes e tradies locais, chegando a prejudicar o problema da instruo, receoso, porventura, de provocar atritos de ordem religiosa. Este fato chama tanto mais a ateno quando todos os estabelecimentos de instruo primria e secundria, exceo dos pertencentes ao Estado, em nmero muito reduzido, esto a cargo de misses

religiosas, sejam francesas, do credo catlico, sejam norte-americanas, protestantes ou metodistas. DANTAS E essas misses no perturbam o problema social do Egito? ELOY de justia assinalar a rara habilidade das misses catlicas, que vestem, alimentam e do a melhor instruo aos indgenas muulmanos, sem nenhuma aparncia de propaganda religiosa, fiando dos prprios conhecimentos ministrados a remodelao de espritos comprimidos pelas normas e pela moral de uma religio que j teve sua razo de ser. No assim entre as misses norte-americanas, que, mantendo um nmero de escolas em desproporo com o nmero de ministros, faz a sua propaganda de preferncia entre os adultos, visando principalmente fins comerciais. Segundo me informaram, os muulmanos convertidos f protestante recebem umas tantas vantagens, que retribuem preferindo o mercado norte-americano aos outros mercados concorrentes, ou fazendo a propaganda dos produtos americanos contra os produtos de outras procedncias. Conhecido o regime de capitulaes que ali vigora, em virtude do qual para dar uma definio acessvel a toda gente o estrangeiro vive no Egito sob o regime e a tutela do seu prprio pas, por intermdio dos seus representantes, perante os quais responde a influncia norteamericana, dada a proteo dispensada pelos Estados Unidos aos seus nacionais, inclusive os naturalizados, torna-se cada dia maior e obedece sempre a um fim de expanso econmica. DANTAS E quanto aos nossos interesses, h alguma coisa a fazer? ELOY Eu ia justamente acentuar que os nossos interesses vo ali muito descurados, apesar de termos com o povo egpcio pontos de contato bem mais aproximados do que talvez pensemos. Por exemplo. A mdia das condies do clima do Oriente em geral anloga s condies do clima e do solo do Brasil, sendo a parte norte do Egito e da bacia oriental do Mediterrneo correspondente parte meridional do Brasil; o Alto Egito, o Mar Vermelho e o Sudo correspondentes regio Nordeste. A formao tnica da populao cosmopolita do Oriente

Eloy de Souza no trao de Erasmo Xavier (Natal, 1904 Natal, 1930). Na pgina anterior, carto-postal de Eloy enviado de Paris a um amigo em Assu

Tudo quanto eu pudesse dizer dos pases da Europa que visitei, do ponto de vista social, poltico ao econmico, seria repetir o que j est escrito em todas as lnguas e vulgarizado por toda parte.

Ao lado dos caminhos de ferro, em concorrncia com os automveis, o viajante tem a cada passo a viso das caravanas de camelos e das tropas de jumentos, como nos tempos os mais remotos.

Eloy (montado no camelo esq.) com o gacho Francisco Mutie, funcionrio da Expanso Econmica que o ciceroneou na viagem ao Egito

A formao tnica da populao do Oriente anloga do Brasil. Raas, ocupaes e hbitos agrcolas parecidos, temperamento e carter meridional, no sentido europeu, isto , expansivos, imaginosos e imprevidentes.

No alto, esq., Eloy posa para fotgrafo desconhecido. Acima, em passeio pelas ruas do Rio de Janeiro

anloga da populao do Brasil. Raas, ocupaes e hbitos agrcolas parecidos, temperamento e carter meridional, no sentido europeu, isto , expansivos, imaginosos e imprevidentes. Dadas essas semelhanas tnicas e geogrficas, penso que, preferentemente ao asitico, ns tnhamos e temos no Oriente um excelente viveiro de trabalhadores, contanto que soubssemos escolher, entre os agrcolas, os mais prximos da nossa cultura, tendo em vista principalmente o feitio religioso. O problema tanto mais interessante quanto existem no Brasil cerca de 100 mil orientais, explorando o comrcio e ofcios mais ou menos subalternos, drenando os nossos capitais, talvez pelo motivo nico da nenhuma proteo com que o Brasil garante os orientais naturalizados brasileiros. Dado o regime de compresso em que eles vivem, principalmente os cristos, se a nossa poltica exterior lhes assegurasse, quando de retorno ao pas de origem, as garantias usuais do direito internacional privado, claro que encontraramos no Oriente, e nossa escolha, magnficos povoadores do solo. Essa falta de proteo d lugar ao seguinte absurdo: a Constituio garantindo os mesmos direitos civis aos nacionais e estrangeiros, dos polticos no lhes importa muito, com a excluso do servio militar obrigatrio e de outros encargos inerentes ao cidado brasileiro, o oriental tem toda vantagem em permanecer estrangeiro. E assim que estabelecemos um verdadeiro prmio pela no naturalizao. Penso que, do ponto de vista da nossa expanso comercial, o Oriente um magnfico mercado, entre outros produtos, para o nosso caf e o nosso mate. DANTAS Em que V. Excia. se baseia para esta opinio? ELOY Muito embora alheio aos processos mais idneos de propaganda do caf no estrangeiro, parece-me, de um modo geral, ser mais fcil aumentar a porcentagem de consumo de um produto qualquer do que criar consumo, muitas vezes num pas onde isso no fcil, ou mesmo impossvel, como a Rssia, o Japo e outros. O Oriente muulmano, com uma populao de 50 milhes de habitantes, tem no

caf e no mate um sucedneo natural das bebidas alcolicas que, como sabe, lhes so defesas pelo Alcoro. Acresce que os direitos sobre o caf so ali de 8%, refiro-me ao Egito, o que compensa um pouco as dificuldades de transporte e a carestia do frete. Malgrado essas dificuldades, o consumo do caf atingiu naquele pas, em 1908, a 9.519.591 quilos, dos quais 8.191.202 do Brasil, o que, para uma populao de 12 milhes de habitantes, d mais ou menos 800 gramas por cabea e por ano. Ora, se tomarmos para termo de comparao a Frana, onde o caf sofre a concorrncia do vinho, da cerveja e das bebidas alcolicas e onde, apesar disso, o consumo de trs quilos per capita e por ano, posso concluir, sem esforo, que uma propaganda to inteligentemente feita mas com maiores recursos que a do Emprio Brasileiro no Oriente, fundado por Mr. Nicolas Debann, elevaria facilmente o consumo do caf de uma porcentagem superior da Frana. No por demais assinalar que o consumo do caf no Egito triplicou em dez anos, muito embora sob a influncia de uma propaganda naturalmente fraca, mngua de recursos de toda ordem.

gem e se faz mais intensivamente que em qualquer pas da Europa. Convm acrescentar que, mesmo entre os mais atrasados fellahs, o cultivo dos campos feito racional e inteligentemente, obedecendo sempre a um processo de rotao (assolement) que permite o repouso conveniente das terras. assim que o trigo, o milho, a fava, a cana de acar e o bercim so cultivados alternadamente, segundo as estaes. ainda para notar que o fellah, apesar da sua ignorncia, compreendeu, desde tempos imemoriais, a necessidade de adubar as terras e de sulc-as o mais profundamente possvel, muito embora com o seu arado primitivo. DANTAS Dessas diversas culturas, qual a que mais lhe interessou? ELOY Naturalmente, a do algodoeiro, e de tal forma que no teria dvida alguma de pedir-lhe que, ao meu regresso do interior, desse-me novamente o prazer de sua visita para ento conversarmos mais longamente. Em todo caso, como expoente do nosso descaso por assuntos desta natureza, basta dizer-lhe que temos no Brasil uma indstria valorizada em 200 mil contos de ris, custa do consumidor barbaramente tributado, sem que at hoje tenhamos cuidado de melhorar a cultura do algodoeiro. Entretanto, sabe V. que possumos no norte do Brasil condies climatricas as mais favorveis para fazermos desta planta um dos primeiros fatores da nossa riqueza. Desde o seu plantio at o processo de descaroamento e embalagem, tudo est por fazer, malgrado o exemplo dos Estados Unidos e o do Egito, que vai pagando com o seu algodo, e exclusivamente com o seu algodo, os 138 milhes esterlinos emprestados pelo estrangeiro, causa das humilhaes porque passou em 1882, e esbanjados por Ismail Pach, em sua mania oriental de grandeza. Acho que um pas, como o nosso, que est onerado por uma dvida de 120 milhes esterlinos, tem o dever de, preferentemente a problemas polticos de ordem secundria, cuidar do desenvolvimento das suas riquezas, principalmente daquelas que exeram no estrangeiro a funo do ouro que no temos. DANTAS O que lhe chamou mais particularmente a ateno sobre os processos de irrigao?

DANTAS Sendo o Egito uma terra onde quase nunca chove, mas de uma uberdade excepcional, o que nos pode dizer sobre o cultivo dos campos e os processos de agricultura? ELOY A pergunta longa; mas, mesmo que pudesse ser resumida, sua resposta comportaria um livro. Tratando-se, porm, de um interview, escusar que diga mal e pouco. Exceo feita das grandes propriedades do Estado e de um nmero reduzido de grandes proprietrios, o solo do Egito est realmente muito subdividido, de tal sorte a se poder contar um proprietrio sobre dez habitantes rurais. A maior aspirao do fellah possuir alguns feddans de terreno (o feddah uma medida de superfcie igual a 42 ares). Segundo as estatsticas de Lord Cromer, a proporo de propriedades adquiridas por fellahs foi de 40% em dez anos. Por este motivo, a agricultura no Egito d a impresso de uma verdadeira jardina-

ELOY O Egito o pas dos contrastes. Ao lado dos caminhos de ferro, todos eles pertencentes ao Estado, de bitola larga e to confortveis como os melhores da Europa, em concorrncia com os carros e com os automveis, o viajante tem a cada passo a viso das caravanas de camelos e das tropas de jumentos, como nos tempos os mais remotos. Ao lado dos vapores luxuosos da Companhia Cook e outras, que fazem o servio de passageiros do Cairo a Khartum, passam, varejadas por indgenas seminus ou impelidas pelo Sueste, as mais primitivas embarcaes, com o mesmo tipo de quilha e de velas de quarenta sculos passados. No admira, pois, meu amigo, encontrarmos, simultaneamente com as grandes bombas a vapor jorrando sobre as vrzeas do Nilo, todo o arsenal com que os antigos irrigavam as mesmas terras. assim que, beira dos canais, vemos funcionando hoje o parafuso de Arquimedes tal como foi construdo pelo clebre gemetra de Siracusa, e o nataleh, e o chaduf, e o saquich, aparelhos para cuja descrio precisaria tempo e a pacincia que j lhe vai faltando. DANTAS Visitou as grandes barragens do Nilo? Qual a impresso que colheu delas? ELOY Visitei as barragens do Nilo, desde o delta at Assuan, e a minha impresso foi a de que o homem no pode o que no quer. Na barragem de Assuan contemplando a sua extenso de 1.860 metros, com uma altura mxima de 40 metros, compreendi bem o nada que representa a soluo que andamos a mendigar para o problema das secas do nordeste brasileiro em confronto com a obra colossal empreendida pelo governo ingls, num pas de sua ocupao, obedecendo simplesmente a um interesse financeiro, comeada em 1899 e terminada em 1902, tendo custado 3.237.000 libras egpcias, ou seja, cerca de 49 mil contos de ris da nossa moeda, ao cmbio atual. Os que fizeram oposio construo desta barragem, j pelo fato de Lord Cromer hav-la contratado independentemente de concorrncia pblica, j pelas desconfianas quanto sua estabilidade, esto hoje convencidos no somente das boas condies tcnicas da obra colossal

como das vantagens econmicas advindas de sua construo, que aumentou a riqueza pblica de 15 milhes de libras. DANTAS Qual a condio da gente do campo? ELOY Os fellahs habitam casas de uma s porta, cobertas ou no, construdas com adobe do prprio limo do Nilo, ordinariamente muito pequenas, com uma s entrada, e onde dormem na maior promiscuidade, somente no inverno, pessoas e animais. O teto das casas, quando elas o tem, serve de paiol para cereais e para os adubos e, geralmente, de poleiro para as galinhas e pombos. A propsito, convm mencionar que o Egito exporta por ano 59 milhes de ovos de galinha, representando um valor de 86 mil libras esterlinas. A condio do trabalhador agrcola no propriamente invejvel; ele trabalha de sol a sol, geralmente com uma simples tanga, por um salrio miservel. Basta dizer que h manejadores de chaduf que retiram dos canais, em 12 horas, at 30 mil litros dgua, muitas vezes pelo preo de 50 cntimos, ou seja 300 ris da nossa moeda. certo, porm, que a sobriedade do fellah no comparvel mesmo do japons, reduzindo-se sua alimentao a legumes e cereais. DANTAS O que me pode dizer sobre as mulheres do Egito? ELOY Para falar da mulher, precisaria falar da organizao social e do problema religioso no Egito. Ora, a nossa fadiga, sinceramente, j demasiado grande. E, dada a orientao da nossa entrevista, o assunto ficaria quase deslocado. Somente, de longe, vi a mulher egpcia; e ainda assim atravs do vu que lhe cobre metade do rosto. Terei perdido!...

Acho que um pas, como o nosso, tem o dever de cuidar do desenvolvimento das suas riquezas, principalmente daquelas que exeram no estrangeiro a funo do ouro que no temos.

O Dr. Eloy de Souza sorriu maliciosamente, dando a entender que, para tentaes e em desconto dos nossos pecados, bastam as ocidentais...

Manoel Dantas era brasileiro de Caic. Jornalista e fotgrafo amador, pronunciou, em 1909, a famosa conferncia Natal daqui a cinquenta anos, e foi quem primeiro traduziu e publicou no Brasil o Manifesto Futurista de Marinetti. Faleceu em 1924, em Natal. Eloy de Souza era brasileiro de Recife. Poltico e jornalista, viajou pela Europa e foi ao Egito conhecer solues para os problemas da seca. Em 1957, aps uma cirurgia em Campina Grande, fez questo de voltar a Natal, onde faleceu.

Eloy fotografado por Manoel Dantas

Um marco da histria do jornalismoPor Rejane Cardoso A 11 de agosto de 1911 o ento deputado federal Eloy de Souza, com 38 anos de idade, apresentou Cmara dos Deputados no Rio de Janeiro um amplo projeto de irrigao para o plantio de algodo no Nordeste. Em suas Memrias, Eloy narra que se inspirou na sua viagem ao Egito, por sugesto de Afrnio Peixoto, e em um raro livro de estudos, cujo ttulo no cita, mas lembra que encontrou na Livraria Quaresma, no Rio de Janeiro. Ali estavam os artigos de Andr Rebouas que os escreveu com a alma inteira de uma criatura verdadeiramente sensvel aos nossos sofrimentos. Ali tambm continha toda a discusso realizada pelo Instituto Politcnico Brasileiro reunido em outubro de 1877 sob a presidncia de Sua Alteza o Conde DEu. De um outro livro em francs e ingls sobre legislao, ficou a lio da Inglaterra, que socorreu a ndia na seca de

1877. E Eloy lembra o clamor dos ingleses, enquanto que o governo brasileiro inicialmente vedava aos jornais divulgarem no Rio de Janeiro as mesmas misrias, as mesmas dores, a mesma calamidade inenarrvel... O estudo das secas nos livros e jornais, as polmicas que travou sobre o assunto, levaram Eloy a viajar para estudar o problema nos pases onde ele existia ou havia existido. O projeto apresentado por Eloy h exatos cem anos, em 1911, somente se tornaria lei no governo de Epitcio Pessoa, a 25 de dezembro de 1919, criando o Fundo de Irrigao, tambm denominado Caixa das Secas. Depois de anos e transformaes, foi transformado no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Ainda nas suas Memrias, arremata Eloy sobre a repercusso em Natal, quando retornou meses depois: No preciso dizer que fui festivamente recebido e tive de fazer uma conferncia sobre o Egito, curiosidade provinciana da minha viagem. Ilustrei a palestra com fotografias ampliadas, documentao que produziu maior sucesso do que a minha pobre eloqncia. Das fotografias, resta apenas uma: Eloy diante das pirmides, ao lado do gacho

Francisco Mutie, funcionrio da Expanso Econmica que o ciceroneou no Egito. O Lord Cromer, tantas vezes citado por Eloy, era Sir Evelyn Cromer (1841-1917), cnsul geral britnico no Egito, de 1884 a 1907, e que tornou-se milionrio graas explorao de algodoais. O Egito era ento o maior produtor de algodo do mundo, matria-prima essencial, por sua vez, para a mais importante indstria inglesa a txtil. Esta entrevista, publicada na primeira pgina dA Repblica em 30 de maro de 1913, rene Manoel Dantas e Eloy de Souza. , certamente, um dos marcos da histria do jornalismo no Rio Grande do Norte. H quase um sculo.

Rejane Cardoso brasileira de Natal, jornalista e pesquisadora. Morou em Paris quando das revoltas do maio de 1968. Atualmente vive e trabalha em Natal.

13

o u t r a s

p a l a v r a s

NO CAMINHO CERTO

Enquete realizada em encontro de agentes de viagem de So Paulo, em novembro de 2011, apontou Natal como destino preferido da maioria dos participantes. Foi mais uma boa notcia, na sequncia de fatos positivos que apontam para a recuperao do turismo potiguar, e um sinal de que o Governo est no caminho certo o da reestruturao das polticas pblicas para expandir esse importante vetor de crescimento social e econmico. Voltamos a marcar presena constante em feiras e congressos no Brasil e no exterior. O destino RN voltou a ocupar presena forte na mdia, com material promocional e campanhas publicitrias. Recuperamos voos charters internacionais. Retomamos o trabalho articulado com o trade turstico, inclusive na qualificao de mo de obra, com a expanso do Hotel-Escola Barreira Roxa. Estamos concluindo projetos abandonados e iniciando obras (estradas, saneamento) para expandir o turismo em regies cujo potencial subaproveitado por falta de infraestrutura.

Direcionamos recursos para fortalecer festas religiosas e eventos culturais estratgicos para o nosso projeto de interiorizar a atividade e diversific-la na capital. Comandamos a articulao que garantiu a Copa do Mundo de 2014 em Natal e acelerou o projeto do Aeroporto de So Gonalo do Amarante, que, juntos, representam um novo ponto de inflexo no crescimento do turismo e da economia em geral. Com esse conjunto de aes, lanamos as bases para consolidar o Turismo como um dos eixos de desenvolvimento do Rio Grande do Norte, multiplicando a capacidade de gerar empregos e ajudando a melhorar os indicadores sociais do estado. assim que vamos fazer o turismo acontecer de verdade, agora e no futuro.

Rosalba Ciarlini Governadora do Rio Grande do Norte

A VIAGEM AO CONHECIMENTO ATRAVS DA LEITURA

Lanamos mais uma edio da revista Pre, que voltou a circular em 2011, encantando a todos pela qualidade literria e grfica. O tema deste nmero, alis, extremamente simblico: qual melhor viagem seno a leitura? Como gestora da poltica cultural do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, gratifica-me o trabalho que nos permitido desenvolver no apoio e fomento ao livro e leitura. Por isso, comeamos nossa gesto reorganizando a Grfica Manimbu. Mquinas e equipamentos cedidos pela FAPERN duplicaram a possibilidade de publicaes. A criao da Coleo Cultura Potiguar deu ordem e visibilidade poltica de publicaes do Governo que, de forma sistemtica e permanente durante todo este ano, apoiou, editou e lanou revistas, livros, catlogos, agendas, quadrinhos e cordis. Ao tempo que lanvamos os 38 ttulos de 2011, foi composta e instituda a Comisso Editorial da Coleo Cultura Potiguar. Lanamos o Edital Publicaes 2012, que segue em fluxo contnuo, pautando os investimentos do setor pblico tambm nesta rea com transparncia e senso de democratizao.

O projeto arquitetnico e as plantas complementares para a restaurao da Biblioteca Cmara Cascudo foi concludo e aberta a licitao. A obra a ser entregue em 2012 da ordem de R$ 3 milhes e dar conta das instalaes fsicas, da modernizao e funcionalidade da nossa casa da vida. O Programa Agentes de Leitura, parceria entre os Governos Federal e Estadual, infelizmente cancelado no passado, foi resgatado. Lanado agora, em dezembro, vai incentivar a leitura em 40 municpios potiguares, principalmente junto populao beneficiria do Bolsa Famlia. Alm disso, o Sistema Estadual de Bibliotecas contar com recursos reservados e definidos pelo Fundo Estadual de Cultura, possibilitando aes de qualificao, requalificao, informatizao e formao de novos acervos. Conscientes de que a cidadania se conquista, tambm e principalmente, pela capacidade dos potiguares de ler e interpretar o mundo, seguimos trabalhando para facilitar este processo.Isaura Amlia de Souza Rosado Maia Secretaria Extraordinria de Cultura

o u t r a s

p a l a v r a s

MARES NUNCA DE ANTES NAVEGADOS

Uma revista temtica sobre Viagens sem a presena de Homero e Lus de Cames? perguntar o leitor sempre atento aos detalhes. Pois, no apenas de ausncias ilustres como as do poeta grego e do bardo lusitano que feita esta edio. A lista enorme e infinda como o retorno de Odisseu taca: onde est Henry Koster e suas Viagens ao Nordeste do Brasil, onde relata suas incurses pelas regies menos povoadas e mais incultas desse Pas, o que inclui a ento Capitania do Rio Grande, primeiras dcadas do sculo 19? Onde est o turista aprendiz Mrio de Andrade, que aqui esteve um sculo depois do ingls, desembarcando uma vez do Baependi e outra do trem da Great Western of Brasil (com s) Railway Company Limited, e que definiu Natal como pouso natural das asas europeias? Onde est Nsia Floresta Brasileira Augusta e seus Trs anos na Itlia seguidos de uma viagem Grcia? Onde est onde? onde? e onde? a Oropa, Frana e Bahia de Jayme Adour da Cmara? E o poeta Ferreira Itajub e seu anseio/ De ser asa emigrante e fugir pelos ares,/ Pelos longes do cu, atravs desses mares,/ Em busca do calor do sol de um clima alheio? Nem uma palavra sobre o italiano Franco Jasiello? Ou sobre

o caboverdiano Lus Romano? Cad pecado mortal um dos mais belos poemas sobre Veneza, o Rquiem para uma cidade que vai morrer afogada, descrita por Lus Carlos Guimares como um sonho de pedra edificado sobre a gua? E quede as fantsticas viagens imaginrias mundo afora do bardo da Rua So Joo Alex Nascimento que bem dizia A geometria tem mistrios: o mundo redondo mas seus habitantes so chatos? So muitos mares ainda por navegar. Ento, caros leitores, antes de embarcarem nesta viagem, que j se iniciou algumas pginas atrs, pela capa imagem icnica de um grande viajante que quase sempre no careceu sair de sua biblioteca para ver o mundo lembrem-se que essas edies da Pre no pretendem exaurir o tema, nem seguem uma cartilha pautada pelo melhor ou mais importante. Esqueam portanto as ausncias e aproveitem das presenas no menos ilustres dos passageiros que mui gentilmente colaboraram para lhes proporcionar uma das melhores viagens ao redor do mundo de que se tem notcia: a leitura.

Mrio Ivo Cavalcanti Editor

Governadora Rosalba Ciarlini Secretria Extraordinria de Cultura Isaura Amlia de Souza Rosado Maia Diretora da Fundao Jos Augusto Ivanira Ribeiro Machado Chefe de Gabinete Ana Neuma Teixeira Coordenadora de Promoo Cultural Danielle Brito Coordenador de Comunicao Mrio Ivo Dantas Cavalcanti Sub-coordenadora de Imprensa Sheyla de Azevedo Centro Educacional de Artes - CENA Cla Maria Galvo Bacurau Escola de Dana Wanie Rose de Medeiros Souza Escola de Artes Plsticas Wandeci de Oliveira Holanda | Jomar Jackson Nogueira do Nascimento Teatro Alberto Maranho Dione Maria Barros Caldas Xavier Teatro de Cultura Popular Chico Daniel Snia Maria Soares Santos Centro Cultural Adjuto Dias Robson Arajo Pires Pinacoteca Wandeci de Oliveira Holanda Coordenador dos Museus Hlio de Oliveira Memorial Cmara Cascudo Daliana Cascudo Roberti Leite Planejamento e Monitoramento de Projetos Sanclair Solon de Medeiros Coordenadora das Casas de Cultura Popular Joana Darc Xavier Coordenadora Programa Agentes de Leitura Andressa Lenuska Sousa de Macedo Pontos de Cultura Clenia Maria de Luna Freire Diretor Administrativo da OSRN e do Coral Canto do Povo Luis Antnio de Paiva Regente do Coral Canto do Povo Janilson Batista Regente do Coral Vozes Sinfnicas Pedro Ferreira da Costa Centro de Pesquisas Juvenal Lamartine Jos Tarcsio Rosas | Jos Albano da Silveira Lei Cmara Cascudo e Fundo Estadual de Cultura Silvana Macedo de Souza Biblioteca Pblica Cmara Cascudo Mrcio Rodrigues Farias Grfica Manimbu Maria Do Socorro Soares | Ester Alves Dos Santos Colaboraram nesta edio Afonso Martins Alberto Criscuolo Alex de Souza Angeles Laporta Anie Diharce Anna Maria Cascudo Barreto Antonio Nahud Jnior Caio Vitoriano Carlos de Souza Carlos Fialho Clotilde Tavares Digenes da Cunha Lima Flvio Rezende Francisco Ivan Igor Andrade Helder Macedo JL Laporta Joca Soares Leandro Menezes Luciana Ubarana Magnos Beserra Marcelo Buanain Marcelo Navarro Margot Ferreira Marina Soto Marinella Grosa Maurizlia Brito Nina Barbalho Petit das Virgens Priscila Porcino Raphael Bender Rejane Cardoso Renan Rgo Rodrigo Levino Rubn Figaredo Sayonara Pinheiro Silvio Santiago Sofia Porto Bauchwitz Solino Soraia Carlos Vidal Thiago Lajus Vera Dantas Yasmin Collier Wilder Neto Em memria de Cmara Cascudo Eloy de Souza Manoel Dantas Editoria e projeto editorial Mrio Ivo Cavalcanti Projeto grfico e diagramao Dimetrius de Carvalho Ferreira Reviso Silvio Santiago Capa Cmara Cascudo passeando de riquex em Moambique, frica, 1963. Pre Revista de Cultura Fundao Jos Augusto Secretaria Extraordinria de Cultura do RN Nmero 25 | Ano 9 Setembro - Outubro - Novembro - Dezembro

Agradecimentos a todos que colaboraram, especialmente a Daliana Cascudo Roberti Leite (Ludovicus Instituto Cmara Cascudo), Giovanni Srgio, Rejane Cardoso e Vicente Serejo.

Endereos blog www.secretariadeculturarn.blogspot.com site www.fja.rn.gov.br twitter @Fja_RN e @Revista_Prea telefone (84) 3232.5323 e-mail [email protected] artigos assinados so de responsabilidade dos autores e no refletem necessariamente a opinio da revista. proibida a reproduo total ou parcial de textos, fotos e ilustraes por qualquer meio sem prvia autorizao dos artistas ou do editor da revista. A Pre um espao aberto para novas e velhas ideias, tendncias artsticas e experimentos. Para colaborar, envie seu material por correio ou e-mail.

Impresso CCS Grfica Tiragem 2.000 exemplares Distribuio gratuita

n d i c e

face a face

Impresses do Oriente Interview com o Dr. Eloy de Souza outras palavras

Manoel Dantas

p. 4

No caminho certo

Rosalba Ciarlini

p. 14

outras palavras

A viagem ao conhecimento atravs da leitura

Isaura Rosado

p. 15

outras palavras passaporte retorno neerdelndia

Mares nunca de antes navegados chegadas e partidas

Mrio Ivo Cavalcanti

p. 16

JL Laporta

p. 19

Cascudo viajante

Anna Maria Cascudo Barreto

p. 20 p. 26

Viajando o Serto, 65 anos depois O Esprito da Linha

Clotilde Tavares

Roeloff Baro e sua viagem ao serto do Rio Grande em 1647 asas

Helder Macedo p. 36 p. 42

p. 32

Angeles Laporta

asa emigrante correio

Terra estrangeira

Silvio Santiago

Cmara de Ecos, Territrio dos Sonhos raconto passagem ensaio bagagem destinos

Rodrigo Levino e Marcelo Navarro Alberto Criscuolo Soraia Carlos Vidal Afonso Martins

p. 52

A resposta est na viagem Almanaque de viagens Lugares-incomuns A educao pela viagem

p. 62 p. 64 p. 74

p. 66

Rubn Figaredo Marinella Grosa

Ento, quando vocs partem?

p. 78 p. 82 p. 90

eppur si muove destinos destinos destinos destinos destinos destinos

A volta ao mundo lendo Verne Viagem ao Atol

Alex de Souza

Maurizlia de Brito Silva

p. 88

Cem dias em Boston Havana, mi amor!

Digenes da Cunha Lima

Dublin revisitada (James Joyces Dublin)

Francisco Ivan

p. 94

destinos

Sayonara Pinheiro

p. 98

Viver e morrer em Londres

Antonio Nahud Jnior

p. 100 p. 104

O romance que fui escrever em Madri

Carlos Fialho

Da Ponte do Guarapes Ponte Dom Lus destinos destinos

Petit das Virgens e Margot Ferreira Raphael Bender

p. 108

O outro lado do mundo

p. 112 p. 116

Varanasi, om destino incrvel

Flvio Rezende

secultrn,fja&cia secultrn,fja&cia secultrn,fja&cia

Um ano de realizaes Arte potiguar no mundo

p. 122 p. 126

Memrias, teatros, jias

Carlos de Souza Luciana Ubarana

p. 128 p. 130

eles passaro, eu passarinho

Eu tuto

instantes Marina Soto, Thiago Lajus, Leandro Menezes, Caio Vitoriano, Dimetrius Ferreira, Wilder Neto, Igor Andrade, Priscila Porcino e Yasmin Collier Instagrame-se p. 131 saideira

Aina Guimares Azevedo

p. 132

c h e g a d a s

e

p a r t i d a s

Por JL Laporta

JL Laporta espanhol de Madri, arquiteto e intuitivo visual. Atualmente vive e ainda trabalha em Madri.

p a s s a p o r t e

Cascudo Viajante

Por Anna Maria Cascudo Barreto | Fotos acervo Ludovicus Instituto Cmara Cascudo

Cascudo diante de um baob africano, 1963.

Passaporte de Cascudo para Portugal, Frana e Espanha, emitido em 23 de julho de 1947.

Escrever caminho dos alquimistas, transformando o segredo da vida em ritmos escritos. (Paulo Bonfim, O navegante)

Lus da Cmara Cascudo recriava seu universo entre vogais e consoantes. Procurava respostas em frases antigas. Pensamentos na rvore da fantasia. Renascia em papis e documentos. Transformava passado em futuro. Pesquisar, seu sortilgio. O livro, sua viagem. Rabiscava memria sobre o relgio das horas. No papel encontrava sua febre. Perguntei-lhe quais pases o inspiravam. Respondeu-me: Portugal e Espanha, as razes; Egito, Grcia, e pases africanos, os beros; pases rabes, as influncias. O territrio brasileiro, a realidade. Quando menina e adolescente seguia para Pernambuco nas frias e nos dias santos, com mame e papai. O mano Fernando Lus estudava na cidade do Recife e nosso crculo de amizades era enorme. Escritores, poetas, empresrios, mdicos, confraternizavam, trocando ideias e sonhos com meu pai. L, experimentei emoes e recordo fatos inesquecveis. Debruada na janela do Grande Hotel, recordo ter assistido a um desfile de maracatu. Estava com papai e Dorival Caymmi. Surpresa pelo total conhecimento das personagens, confusa pela troca afetuosa de acenos entre os desfilantes e seus apaixonados. Ainda naquele estado vizinho, relembro a coroao do Rei e da Rainha do Congo, na Igreja de Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos. Meu pai estava fascinado com o espet-

culo e tomava notas numa caderneta, os olhos verdes midos de encantamento. Inesquecvel, tambm, a visita de Luiz Gonzaga e Z Dantas, e sua discusso musical. Igualmente, a presena vibrante de Ascenso Ferreira e seus versos. J casada com Camilo, ficamos presos durante o Carnaval na casa de Gilberto Freyre, com d. Madalena e seu filho Fernando. Enquanto isso, o frevo de Olinda invadia a cidade com seus acordes e sua animao. Papai afirmava que a Paraba e o Rio Grande do Norte eram um s. Amava passar pelo verde constante da cidade de Joo Pessoa, louvando sua histria. Nunca viajei com meus pais para o exterior, embora tenha sido uma andarilha internacional. Em 1947, papai foi convidado, como presidente e fundador da Sociedade Brasileira do Folclore, a integrar a delegao brasileira que participaria do Congresso Luso-Brasileiro de Folclore. Autor espiritual nas palavras de Francisco Fernandes Marinho em seu livro Cmara Cascudo em Portugal daquele primeiro e memorvel congresso, papai embarcou no paquete Santa Cruz e, depois de uma viagem de 16 dias por mar, percorreu, de comboio e de automvel, uma parte da Espanha e quase todo Portugal. Foram mais de trs meses ainda nas palavras de Francisco Marinho conhe-

cendo a cultura portuguesa, recolhendo elementos para os seus estudos, observando o riqussimo e variado folclore portugus, visitando amigos e estreitando os laos de amizade, distribuindo os seus trabalhos, publicando artigos em jornais, revistas, nos mais diversos rgos de comunicao das terras portuguesas, proferindo conferncias, concedendo entrevistas, conhecendo as mais variadas instituies, voltadas, sobretudo, para o campo da Etnografia, do Folclore, da Histria, da Arte. Se suas impresses sobre as terras de Espanha, areias de Portugal foram publicadas no Dirio de Natal, em setembro e outubro daquele ano, e suas andanas registradas e repercutidas no Brasil e na Europa, posso afirmar que, na poca, fui uma interlocutora e testemunha mesmo distncia privilegiada: dele recebi inmeros cartes postais e telefonemas. Lembro bem do seu encanto por Tenerife [Canrias, Espanha] e Vigo [Galcia, Espanha] (enviou-me fotos bailando jota galega e munhera, danas populares que o enfeitiaram), comentando o povo, as comidas, bebidas, limpeza, Ftima, Lisboa, Porto, Coimbra, os castelos, as cidades pequenas, a identificao com vrias raas, especialmente conosco, brasileiros. Seus comentrios lricos ainda ecoam musicalmente nos meus sonhos. Mantinha contatos com estudantes, pescadores, operrios, pequenos ne-

23

gociantes. Papai era assim. Igualava, no seu corao e na mente privilegiada, os momentos com seus colegas intelectuais fossem eles fillogos, socilogos, historiadores, filsofos, folcloristas queles passados no meio do povo. Em sua opinio, a importncia das ideias e pensamentos emitidos era idntica. Beiro honorrio na aldeia de Monsanto. Comendador de diversas ordens portuguesas. Silves, capital rabe, o encantou. Cidade sultana, jia do Oriente. Na Sociedade de Geografia de Lisboa, fez conferncia sobre literatura oral, definindo seu conceito, uma constante na psicologia coletiva. A imprensa europeia, falada e escrita refiro-me ao tempo de ento comentou: A impressionante erudio do eminente brasileiro provocou desusado interesse sobre as opinies do cientista e etngrafo. A Frana tambm era um dos seus amores. L esteve na companhia do amigo Assis Chateaubriand. O Uruguai o atraa e fascinava. Representou o Brasil e registrou diferenas essenciais entre os povos. Mas a frica sempre foi seu objetivo maior, procurando influncias recprocas, prolongamentos, interdependncias, contemporaneidade motivadora. Nos livros Histria da Alimentao no Brasil (So Paulo, Global, 4 edio, 2011) e Made in Africa (So Paulo, Global, 4 edio, 2002) mergulhamos at o infinito nas nossas primitivas influncias e constatamos: ns, brasileiros, representamos o somatrio das raas que nos formataram. Em todos os temas escolhidos pelo autor h uma nota de pesquisa direta e pessoal, comprovadora da exatido analisada. Cascudo viajou com a misso de estudar alimentao popular, na frica do Atlntico e do ndico. Foi um homem curioso pela normalidade africana, no ano de 1964. Apenas curioso? Pioneiro, com o cuidado de um sbio e o perfeccionismo de um astronauta, Cascudo elabora comparativo cultural sobre frica e Brasil, extenso como compndio medieval, moderno como o mundo virtual. Apaixonado pelo povo e suas manifestaes, ele demonstra como a herana africana permanece mais ntegra no territrio verde-amarelo e

na contemporaneidade. Cataloga a integrao com nossa me negra. Comenta diferenas e igualdades. Em Made in Africa, os dois continentes se abraam simbolicamente e constatamos que nunca se afastaram culturalmente. Bananas e pacovas; Iemanj e Quianda; a Rainha Jinga; o Lundu; maxila, tipia, rede e ini; anans e abacaxis, farofa e farfia; umbigada; Piranji e jimbo; o andar rebolado das mulheres; piro e fungi; Rosa Aluanda; beber fumo e beber ares. Dezenas de citaes e captulos de grande interesse etnogrfico, desfiados em texto legvel e amoroso. Porque Lus da Cmara Cascudo era um apaixonado pelo Brasil e sua origem. Anna Maria Cascudo Barreto brasileira de Natal, escritora e acadmica. Atualmente vive em Natal, onde preside o Ludovicus Instituto Cmara Cascudo (www.cascudo.org.br).

24

[em sentido horrio] Visita de Cascudo Ilha da Madeira, 1947; danando o vira em Portugal, 1947; numa feira africana, 1963; e com amigos na Adega Machado, em Lisboa, 1947

25

r e t o r n o

Viajando o Serto, 65 anos depoisPor Clotilde Tavares | Fotos Clotilde Tavares

Viajamos, da madrugada de 16 manh de 29 de maio, 1.307 quilmetros: 837 de automvel, 40 de auto-de-linha, 38 de trem, 30 de canoa, 2 de rebocador e 360 de hidro-avio. (Cmara Cascudo, Viajando o serto)

O ser humano aventureiro por natureza, e mesmo depois que fincou razes, construiu cidades e se estabeleceu, aquele desejo de desvendar o desconhecido fica sempre ali, latente, incomodando, at que um dia a gente perde a pacincia, pede uma licena do emprego, arruma o matulo e ganha a estrada. Eu mesma no gosto de viajar, mas uma tarde, em junho de 1998, lendo o livro Viajando o Serto, de Cmara Cascudo, fui tomada por um desejo to grande de fazer aquele trajeto que a minha vontade era levantar da poltrona onde estava lendo, ir para a rodoviria e entrar no primeiro nibus que encontrasse. Cascudo fez essa viagem em 1934, integrando a comitiva do Interventor Mrio Cmara, que o convidou por ser um escritor de renome, capaz de ver com os olhos voltados para o futuro, os grandes problemas artsticos e culturais do estado. A comitiva partiu em 16 de maio de 1934, de automvel, saindo de Natal em direo a Macaba, sua primeira parada. Depois de percorrer vrios municpios, cortando o estado inteiro de leste a oeste, voltou a Natal em 29 de maio, partindo de Areia Branca a bordo de um hidroavio da Condor. No total, percorreram 1.307 quilmetros, atravs de 17 municpios. Como resultado desta viagem Cascudo escreveu Viajando o Serto, editado no mesmo ano. Manoel Rodrigues refere que o livro um extraordinrio manancial de conhecimentos, sensibilidade e ternura

humana para com as coisas, a gente e a terra norte-rio-grandense. Vendo ento que no ano seguinte a aventura completaria 65 anos, comecei a planejar minha viagem e, na data exata em que Cascudo partiu, 16 de maio, parti eu, em 1999, voltando para Natal tambm em 29 de maio e seguindo o mesmo roteiro que ele seguiu. Pessoas fsicas e empresas privadas apoiaram o projeto, que teve ainda a calorosa recepo das prefeituras das cidades visitadas. Como diriam os aventureiros da Escola de Sagres, navegar preciso. preciso ver outros ares, outras terras, outras gentes, beber outras guas, provar novos sabores. E l fui eu em direo ao poente, percorrendo quase dois mil quilmetros, tirando retrato e produzindo um texto que um manancial de histrias e referncias, mas que ainda est indito. Nesse aude de impresses, lancei a tarrafa e a pescaria rendeu os flashes que aqui compartilho com voc, meu caro leitor.

E brinca de boi faz quanto tempo? Eu comecei em 60. O boi rodopia, seguido pelos rabequeiros, os brincantes entoam a cantiga com intervalo de tera: ... quando chegar numa casa/ premero peo licena/ tiro o chapu da cabea/ fao minha continncia... Dos rudes coraes, brota a ternura: ... menininha bonitinha/ trajadinha de azul... Entre uma cantiga e outra, a afirmao: Eita! Eu sou eu e jacar um bicho! E brincam, e danam, e cantam, e no me do a mnima, e no fazem nenhum daqueles elogios bestas que usam os brincantes da capital: Estamos aqui para homenagear a Doutora Fulana, do folclore... No, no tem nada disso. Esto brincando por prazer e no para me louvar. Coisa mais linda!

BRINCANTES EM SANTA CRUZAntonio Rodrigues da Silva, Antonio da Ladeira, Mestre de Boi. O sorriso desdentado mais contagiante do mundo. Um rebenque na mo, uns setenta de idade. O senhor o Mateus? No, sou o dono da fazenda.

TESOUROS DE CERRO CORVisito a fazenda Tup, de Srvulo Pereira, filho do patriarca Toms Pereira e de sua mulher Clotilde Santina. Ouo histrias de botijas e tesouros enterrados. Dizem que nessa casa foi arrancada recentemente

27

uma botija, uma bola de ouro pesadssima. O buraco onde cavaram ainda est l, para quem quiser ver. O Dr. Srvulo Pereira no tinha filhos. Quando construiu a maternidade que recebeu o nome de sua me, Clotilde Santina, prometeu que a primeira criana ali nascida herdaria todos os seus bens. Isso realmente aconteceu, e a menina, alm da herana, recebeu tambm o nome de Clotilde Santina. Presto uma reverncia muda a essa minha xar to bafejada pela sorte. E depois da visita Fazenda vou ao cemitrio para consultar as lpides e conferir as datas em que viveram e morreram estas figuras. mais fcil e rpido do que ir ao cartrio. L, descubro que o Dr. Srvulo Pereira no est no tmulo da famlia, mas numa cova ao lado. Seguindo costume antigo, ou honrando a sua disposio de trabalhador incansvel que nem na morte quis ficar deitado, pediu para ser enterrado de p.

sozinha, sentada dentro daquele carro, pensando bobagem.

A SNTESE DO SERTOEm Para, encontro a sntese do serto: a casinha de pau-a-pique escorada na parablica, e um caboquinho de uns nove anos de idade, um indiozinho cariri, barrigudinho, olhos puxados, com o controle remoto na mo, dominando as estaes, zapeando e ouvindo os canais falarem tudo que de lngua estrangeira. O arcaico e o da-hora, o paleoltico e o psmoderno, tudo junto e misturado, retrato do serto contemporneo. Na pousada, o jantar sertanejo. Arroz de leite, alvo, os pedaos amarelinhos de queijo apontando aqui e ali no meio do arroz. Carne assada, feijo macassar bem sequinho, sem muito caldo, e uma batata doce merecedora de um poema, enxutinha, uma delcia. Depois, suco de maracuj. Pedi doce, no tinha, mandaram comprar. Da a pouco entrou a dona com o pedao de doce espetado na ponta de uma faca. Fiquei me sentindo medieval, comendo com a faca, metendo a faca na boca e acrescentando s minhas experincias mais essa: o serto e a sua simplicidade, das pessoas e das coisas.

AS RVORES SAGRADAS DO PIATFazenda Curralinho, s margens da Lagoa do Piat. A poucos quilmetros de Assu, deixamos a BR e, entrando por uma estrada carrovel, chegamos Fazenda, onde nos impressiona a imponncia da casa grande, cercada por um grupo de cinco rvores imensas. Ao fundo, a lagoa, calma, translcida e sossegada. As cabras pastam e o nico rudo o do chocalho, e das nossas vozes. As rvores so baobs. Guardam, como sentinelas, as lembranas escondidas por trs das janelas fechadas da velha casa, hoje desabitada. Plantados h muito tempo, devem ter mais de vinte metros de altura e so precisos seis homens de mos dadas para abarcar seus troncos. Encontramos flores, pendentes dos ramos, que parecem feitas de veludo marrom, e frutos pelo cho. O cu nublado no favorece a luz exata para as fotos, e ficamos esperando uma ddiva do sol, que parece compreender e fora uma abertura por entre as nuvens. Glria da natureza, as rvores esplendem luz da tarde, capturadas pela cmera. As mos annimas que plantaram estes gigantes h mais de um sculo com certeza obedeciam a um impulso atvico de continuidade e preservao. O que se espera que permaneam ainda por muito tempo, para deleite e contemplao dos que ali chegarem.

ITAJ, O LAGO IMENSOTem um lugar onde o serto j virou mar. na Barragem Armando Ribeiro Gonalves, em Itaj, perto de Assu. Em cima da barragem vemos, de um lado, o lago imenso; do outro, o vale cultivado, com pequenas colees de gua, parecendo um colar de pedras preciosas no seu escrnio verde, refletindo o sol das quatro horas da tarde. Aquele mundo de gua no meio de uma natureza to spera nos d uma sensao de que algo impossvel aconteceu. O silncio enorme. Ouvese ao longe apenas o chocalho de uma cabra que pasta. Algumas vacas mastigando, duas pessoas numa canoa ao longe, e a presena tranquila da gua, gua, gua, tanta gua. O silncio, cheio de pensamentos, cortado apenas pelos passarinhos e no h nenhum rudo civilizado. Aproxima-se de mim um camaleo, que fica ali, me olhando. A tarde continua lenta, lentssima, demorando a passar. Os passarinhos cantam, o camaleo me olha, balana a cabea e depois parte, mas volta, e eu no sei se o mesmo camaleo ou se outro. No sei se o camaleo Jos, que veio primeiro e agora est de volta, ou se de l da casa dos camalees ele mandou um primo, o camaleo Joo, para olhar aquela mulher

RAINHA AFRICANA DO JATOBNa zona rural de Patu procuramos a comunidade de Jatob, onde dizem que tem uns descendentes de escravos. Perguntamos o caminho a um agricultor, imenso chapu de palha, bluso de pls-

28

tico. Ele passa a mo na testa, escora-se no cabo da enxada, cuba a gente dos ps cabea e se prepara para dar a informao. Tudo lento, calculado, no tempo dele. Encontramos a localidade, algumas poucas casas, um sossego s. Conhecemos Dona Maria da Silva, conhecida por Maurina, 59 anos, a pele perfeita de cetim negro, os olhos de deusa e o porte de rainha. Na sala humilde, senta-se na cadeira e nos recebe como se estivesse num trono, manda servir um caf, que vem em xcaras desiguais e sem pires, o melhor caf do mundo. E ela reinando, soberanando, e ignorando a cmera que no se cansa dela. Mas como cansar de uma mulher to linda, a mulher mais bonita da tapera do Jatob?

todas ligadas rede de esgoto e todas as crianas na escola, um exemplo raro de progresso contrastando com o curtume igualzinho aos da Idade Mdia, que visito nas margens do Umari. Os coureiros, metidos at a cintura dentro da gua, vestidos de calo e chapus na cabea, tiram o pelo do couro com facas amoladssimas. Grandes troncos na beira do rio servem de mesa. Depois de lavado e sem o pelo, o couro vai para dentro dos tanques cheio de gorda, feita de casca de angico e sal, onde fica por vinte e dois dias, sendo virado duas vezes ao dia. Se na cidade j sculo 20, no curtume o tempo sequer chegou na Revoluo Industrial.

A CASA SENHORIALPrximo a Carabas, eleva-se margem da estrada o majestoso casaro da Fazenda Sabe Muito, bero dos Fernandes Pimenta, guardando na sua imponncia silenciosa os ecos de um passado cheio de poder e grandeza. P direito de mais de dez metros de altura, paredes de sessenta e cinco centmetros, portas de um metro e vinte de largura, janeles imensos. Nos fundos, uma casa de farinha cujo tacho tem uns quatro metros de dimetro. Um dos donos, no sculo XIX, vez por outra expunha a grande quantidade de moedas que guardava em casa ao sol, em cima de esteiras, no terreiro da fazenda, para que o calor e o ar livre livrasse o ouro do mofo dos bas. A fazenda era ponto obrigatrio de reunies e de debates polticos. Dali se irradiou para toda a regio a chama povoadora e civilizatria daqueles sertes, por todo o sculo XIX.

A SERRA DA BARRIGUDAEm Alexandria, encontro o grupo escolar inaugurado h 65 anos por Mrio Cmara, na famosa viagem da qual participou Cascudo. Essa escola, que Cascudo diz ser a mais linda de toda a provncia, est l completamente conservada em sua arquitetura original, e funcionando. Conheo tambm o alfaiate Ceclio, elegante, fidalgo, representante de uma poca que no existe mais e que estava presente, sim, inaugurao do grupo escolar, em 1934. A Serra da Barriguda, diferente de todas as outras, compe a paisagem e guarda nos seus flancos a histria do homem que, aps cometer um crime, em fuga, tentou subir a pedra para se esconder nos seus altos. No meio da travessia, pendurado sobre o despenhadeiro, aterrorizado, quedou-se paralisado e gritou por socorro. Os que iam em sua perseguio o resgataram to morto de medo que, ao ser trazido presena da autoridade, esta o absolveu do delito e o libertou, achando que ele j havia sido castigado o suficiente.

MAIS CONTRASTESEm Lucrcia, ouo histrias de Lampio e visito a cruz dos heris, erguida onde o cangaceiro matou alguns locais em 1927. Visito o tmulo de Francisca Sofredora, jovem e graciosa dama da noite, cuja histria de sofrimento resgatou-a depois da morte e a elevou condio de milagreira. Chamada a Prola do Serto, a cidade me surpreende com suas casas

RECADOS PARA SANTANAA vida nas alturas uma convivncia suave com o ar fino, a nvoa das madrugadas e a viso da rica geografia do lugar. Em Luiz Gomes, os panoramas deslumbrantes contribuem para manter o esprito sempre cheio de alegria. Meu Deus, que

29

lugar lindo! A tradio da regio o trabalho com fios, as redes e o croch. As mulheres contam: L em casa trabalhava me e minhas irm, todo dia ns tirava uma quarta de fio cada uma. Me naquela roca, o engenho do fio, e eu mais as meninas era no fuso. Ns era uma pessoa que nunca vadiemo. Me soube criar ns... A simplicidade das histrias de vida e trabalho e a devoo ingnua, como a da mulher da pousada que, ao saber que estou indo visitar a igreja, manda um recado: Diga Senhora Santana que eu mandei lembrana. De volta da igreja, digo a ela: Criatura, a Senhora Santana disse que est tudo bem, que aquele negcio que voc est querendo pode ficar sossegada que vai dar certo. A ela se abraa comigo, toda emocionada, os olhos cheios de lgrimas, e sinto que sim, que a Senhora Santana falou mesmo pela minha boca, pouco merecedora de tal honra.

nunca usou culos. Acorda todo dia s quatro, ainda com escuro, para nadar no rio. E me conta histrias de cangaceiros, secas e romarias.

ESTRANHA GASTRONOMIAEncontro a populao de Apodi unida em torno de um projeto de restaurao da Igreja Matriz, depredada na dcada de 1960 pelo catolicismo burro, que no respeitou os altares e ornamentos do templo. Capitaneados pela advogada Dodora, os habitantes localizaram fotos antigas e esto restaurando por conta prpria os altares originais da bela Matriz. Deslumbrada com o Lagedo da Soledade, ouo histrias e, na pousada, assisto incrdula a uma tropa de rapazes, que desde a madrugada lidam no campo, quebrarem o jejum s sete e meia da manh com pratos imensos de buchada de bode. serto!

FINALMENTE, O SERTOA regio que a gente encontra quando d as costas para o litoral e sai no rumo contrrio a terra mais bonita que h para se ver. As esplndidas paisagens, a gente hospitaleira, a comida deliciosa, o pulsar poderoso da tradio, tudo isso me convence de que o Serto o que h de mais forte e real que existe neste nosso pas nordestino. A regio assim mesmo, sertozo, deserto, se estendendo e se desdobrando pelos vastos taboleiros, com as nascentes de gua doce e a madrugada fria das serras, com seus rudos e resmungos de bichos e gentes, tugindo e mugindo, relinchos e resfolegos, trinados e cacarejos, e o aboio ao longe. Depois, o silncio do pingo do meio-dia, o sol de tinir, e a atmosfera viva e vibrante, eltrica de tanto calor e luz. Serto, perigoso, vivo, belo, e do tamanho do mundo.

DONA LUIZAEm Jos da Penha, Dona Luiza est l, cochilando na rede, a filha diz que tem uma doutora de fora querendo conversar com ela. Dali a pouco ela sai do quarto toda pronta, toda arrumada, de coc amarrado, rosrio do meu padrinho no pescoo, caminhando sozinha e aprumada, sem chamar ningum para ajudar, senta-se na sala, fica me olhando. Peo para tirar o retrato dela, ela diz que no quer porque j est muito velha e muito feia. A eu digo: bom, s tiro se a senhora quiser. Ela fica assim, vai l e vem c, eu consigo que ela v para a varanda e fao a foto. Dona Luiza, 93 anos. Foi ao mdico pela primeira vez somente aos 72, porque levou um tiro: uma bala perdida a atingiu na coxa durante uma briga na rua. At os 90 anos tinha todos os dentes e

30

A VIAGEM DE CLOTILDE TA VARES, 65 ANOS DEPOIS DE CASCUDO, EM NMEROS4.597,20 reais gastos, atravs do apoio de 8 empresas e 9 prefeituras do interior 14 dias empregados 1.963 quilmetros percorridos 226 litros de gasolina consumidos 15 horas de entrevistas e depoimentos gravados 252 fotos batidas com uma cmera analgica 12 palestras proferidas pela escritora para um pblico total de 900 pessoas 1 palestra transmitida ao vivo pela rdio 3 entrevistas concedidas ao vivo para rdios comunitrias 14 refeies tpicas sertanejas desfrutadas (arroz de leite, batata doce, cuscuz, feijo macassar, paoca, carne assada e linguia)

ROTEIRO PERCORRIDODia 16/05 17/05 18/05 19/05 20/05 21/05 22/05 23/05 24/05 25/05 26/05 27/05 28/05 29/05 Hora 9h00 11h00 16h00 10h00 16h00 16h00 10h00 16h00 17h00 16h00 16h00 11h00 16h00 16h00 11h00 9h00 9h00 9h00 Origem Natal Macaba Santa Cruz Cerro Cor Assu Para Campo Grande Carabas Patu Lucrcia Alexandria Lus Gomes Jos da Penha Pau dos Ferros Ita Apodi Mossor Areia Branca Destino Macaba Santa Cruz Cerro Cor Assu Para Campo Grande Carabas Patu Lucrcia Alexandria Lus Gomes Jos da Penha Pau dos Ferros Ita Apodi Mossor Areia Branca Natal

Clotilde Tavares brasileira de Campina Grande e escritora. Atualmente vive e trabalha em Natal, de onde alimenta o blog umaseoutras.com.br.

31

n e e r d e l n d i a

a viagem su

em 1647 Grande Rio

Baro e oeloff R erto do ao s

Por Helder Macedo

No perodo que vai de 1633 a 1654, o territrio da Capitania do Rio Grande esteve sob domnio holands, gerenciado pela Companhia das ndias Ocidentais. A abundncia de gado, acar, farinha e peixe, alm da importncia da costa atlntica do Rio Grande, certamente foram motivos que levaram tomada desse territrio, dentro do plano mais geral de conquista das fontes produtoras do acar traado pelos batavos. Esse perodo visto, pela historiografia clssica norterriograndense, como um tempo de muita devastao, roubos, saques, mortes e violncia. Ressaltemos, a propsito, a construo de uma figura tida como aterradora e sanguinria nessa historiografia, a de Jacob Rabe, um truculento orientado, nas palavras de Lus da Cmara Cascudo. No mbito da capitania do Rio Grande, as experincias dos holandeses com os nativos, alm de garantirem pactos de aliana militar para propiciar sua estada mais prolongada abaixo do Equador, permitiram que os europeus conhecessem mais de perto outra alteridade, diferente dos potiguara encontrados ao longo da costa: a dos tarairiu, ndios que habitavam a vastido das reas sertanejas e que os cronistas holandeses chamavam de aliados infernais segundo a historiadora Cristina Pompa fundindo, numa s expresso, a cumplicidade de ordem militar e a percepo da sua natureza guerreira e violenta.

Poucos empregados da Companhia das ndias Ocidentais estiveram durante longo tempo junto desses ndios no serto, observando o seu comportamento e descrevendo, em anotaes que foram posteriormente publicadas, os seus costumes. So conhecidas as viagens sucessivas de Jacob Rabe, Roeloff Baro e Pieter Persijn, nas dcadas de 1640 e 1650 do sculo 17, em companhia das tribos lideradas pelo rei Jandu, na condio de intrpretes e emissrios das autoridades coloniais holandesas junto aos tarairiu. Jacob Rabe comps um relato informando a sua vivncia no serto do Rio Grande durante quatro anos, incluindo o registro da vida cotidiana dos tarairiu, que foi presenteado a Maurcio de Nassau. Infelizmente, o documento original no mais existe. Entretanto, conhecemos o texto escrito por Rabe atravs dos livros de Gaspar Barlus e de Jorge Marcgrave, que se apropriaram do relato nas suas obras sobre a Amrica holandesa. No fim da dcada de 1640, todavia, os pilares que sustentavam a presena holandesa nos trpicos comeam a apresentar sinais de fragilidade. Concorreram, para isto, o fim da Unio das Coroas Ibricas, com a restaurao do trono portugus (1640) e o incio do movimento de insubordinao dos luso-braslicos contra o monoplio da Companhia, lembrado, na historiografia, como Insurreio Pernambucana (1645). Nesse cenrio de convulses e alvoroos aconteceram os conhe-

cidos massacres de Cunha e Uruau, incitados sob o comando de Jacob Rabe que foi morto em uma emboscada em 1646. A notcia da morte de Rabe chegou at os ndios que seguiam o rei Jandu, os quais ameaaram veementemente romper sua aliana com os holandeses. Como a ameaa no se consumou e reconhecendo a boa vontade de Jandu, a Companhia das ndias Ocidentais nomeou Roeloff Baro para viajar ao serto e reafirmar o pacto com os tarairiu. A leitura do dirio da viagem de Roeloff Baro, tendo como parmetros a releitura da traduo feita pelo historiador Benjamin Teensma, nos leva a reconhecer espaos que a partir do sculo 18 seriam incorporados ao territrio da ribeira do Serid: a Serra de Santana, o rio Acau e o rio Picu. Sua primeira viagem oficial onde tratou das alianas com o rei Jandu se deu entre maio e julho de 1646, com o objetivo de tranquilizar os ndios que estavam enfurecidos desde o assassinato de Rabe. Conduziu para o serto, junto com essa difcil tarefa, vinho, cachaa e quinquilharias, como era de praxe. Tendo regressado ribeira do Cear-Mirim, onde morava, sua segunda viagem iniciou em 3 de abril de 1647. Nessa poca chovia forte, a ponto das terras do litoral e das adjacncias encontrarem-se embebidas pelo aguaceiro que caa e que se acumulava nos rios. O inverno incidia com fora total sobre a Capitania do Rio Grande e essa situao fez com que Roeloff Baro no

33

cumprisse imediatamente, como queria, a ordem recebida da Companhia das ndias Ocidentais de ir a Jandu e renegociar as alianas. A expedio era pequena numericamente, composta do prprio Baro, do ajudante polons Joo Strass, de um ndio potiguara e trs tapuias, acompanhados de quatro ces para garantir a caa necessria alimentao. Durante mais de quinze dias, o grupo tentou iniciar o itinerrio que levaria at os domnios do rei Jandu. Porm, o excessivo transbordamento das guas os reteve nas margens, quase sempre retornando ribeira do Cear-Mirim. Em 21 de abril, aos expedicionrios se juntaram mais dois potiguara que Baro tomou de uma aldeia nas proximidades de onde morava ocasio em que conseguiram cruzar o leito do Camaragibe, afluente do Potengi. Do outro lado do rio encontraram dez tapuias, recm-sados de uma travessia, a nado, do leito caudaloso do Potengi. Haviam sido enviados pelo rei Jandu com a funo de encurtar o tempo da viagem de Baro, dado serem hbeis conhecedores dos caminhos e dos atalhos para se transitar por entre os cajuzais. Em 23 de abril cruzaram o rio Potengi, perto de sua foz; um dia depois atravessaram o rio Pitimboa (atual Pitimbu); em 25 de abril passaram pelo Pirausie (atual Pirangi) e em 26 transpuseram o rio Monpabu (atual Trairi). Dirigiram-se para oeste e depois para norte, at atingir as cabeceiras do rio Monpabu, onde descansaram por alguns dias. Continuando na marcha em direo ao noroeste, o grupo alcanou, em 13 de maio, um afluente meridional do Potengi. Em 19 de maio o grupo chegou a um dos contrafortes da Serra de Macagu tambm chamada de Serra da Acau. Nos dias de hoje, essa elevao conhecida como Serra de Santana, em cujo territrio esto encravados os municpios de Cerro Cor, Lagoa Nova, Tenente Laurentino Cruz e Flornia. Em 22 de maio de 1647, a expedio de Baro desceu a Serra de Macagu, caminhando por entre pntanos e espinheiros, at encontrar, na tarde desse mesmo dia, quatro guerreiros tarairiu montados a cavalo, na desembocadura do rio Picu, espera dos viajantes. Os guerreiros montados conduziram Baro e seus companheiros at o acampamento do rei Jandu,

que ficava localizado s margens da Lagoa de Macagu. Ali encontraram apenas mulheres e crianas, j que os homens haviam partido em campanha de guerra h alguns dias. A 26 do mesmo ms, Jandu chegou ao acampamento com seus homens, dando as alvssaras a Baro e a seus liderados. O embaixador neerlands, por sua vez, entregou ao rgulo uma carta enviada pelo Conselho do Recife e anunciou que deixara com um seu subordinado um rol de presentes para selar a aliana entre os nativos e os holandeses. A chegada de Baro foi saudada com lutas na areia entre os rapazes tarairiu, aps um jantar com o rei Jandu a 27 do mesmo ms e com o correr a rvore, praticado no dia seguinte. Uma dessas corridas foi presenciada por Roeloff Baro quando os ndios comandados pelo rei Jandu iniciaram sua jornada anual rumo ao plat de Macagu, em 28 de maio daquele ano. Os homens correram pela plancie, em velocidade inigualvel, atrs de ratos capturados com antecedncia, conduzindo pesados troncos de rvores corrida que durou uma hora e da qual chegou a participar o ancio Jandu quando estavam a mais de uma lgua de distncia do rio Picu. Durante a gradativa subida da serra, os tarairiu correram a rvore diversas vezes. Atravs dessa prtica de correr com os troncos nas costas, os jovens ndios podiam demonstrar sua destreza, fora fsica e agilidade para as futuras companheiras, considerando que o deslocamento peridico da lagoa para a serra era marcado por dois ritos de passagem: o casamento coletivo e a admisso das crianas como guerreiras da tribo (o batismo, como aparece no relato). Ritos que tiveram lugar numa das chs da Serra de Macagu, no comeo do ms de julho, aps Baro ter vivenciado, durante mais de um ms, o cotidiano dos tarairiu. No batismo dos pequenos ndios, um feiticeiro em transe provocado pela ingesto de bebida preparada com sementes de ipepaconha torradas furava o lbio inferior e suas orelhas com um espeto de pau, alocando, nos furos, pedras brancas, seguindo-se a sua conduo para a sombra de uma ramada, onde receberam a bno do diabo. Mediante a releitura do dirio de Baro feita por Benjamin Teensma, possvel que o termo diabo designasse uma das divinda-

des reverenciadas pelos tarairiu, chamada de Taba, que ora se escondia dentro de um cabao cheio de caroos e pedrinhas, ora aparecia personificado em um ndio no meio dos demais. A apario de Taba dentro do cabao que simbolizava o poder espiritual de Jandu se dava quando os feiticeiros o invocavam, geralmente aps ingerirem a bebida de ipepaconha diluda em gua ou sorverem o fumo do tabaco. De dentro do cabao, o esprito Taba aconselhava os ndios acerca de assuntos das mais diversas naturezas e estabelecia vaticnios sobre as condies de sobrevivncia do grupo frente ao uso dos recursos naturais. Estava presente, tambm, quando as roas do plat eram abenoadas, nas solenidades de batismo das crianas e nos casamentos coletivos, ocasies presenciadas pelo emissrio da companhia. Roeloff Baro desempenhou, tambm, o papel de tradutor do mundo ocidentalneerlands para os nativos que caavam, pescavam e colhiam mel silvestre nos campos e montanhas do serto da Capitania do Rio Grande. Conheceu o diaa-dia dos tarairiu e alguns de seus ritos de passagem, compartilhou da maneira como os ndios se alimentavam e subiu a Serra de Macagu com eles. Mas as notcias que vinham do litoral no eram nada animadoras para os neerlandeses. A 7 de julho, Baro deixava a Serra de Macagu com destino ao litoral, onde se apresentou, uma semana depois, ao comandante interino do Forte Ceulen, Cornlio Bayaert. Em seguida, retornou a sua casa, na ribeira do Cear-Mirim, no vivendo muito depois disso para assistir a perda da hegemonia neerlandesa da sua colnia americana. Em agosto de 1648, Baro pediu demisso do servio militar e morreu meses depois, estando sepultado, provavelmente, em algum ponto da ribeira do Potengi, prximo costa. O relatrio dos acontecimentos dessa misso de Baro junto aos tarairiu foi levado ao Recife, sede da Companhia das ndias Ocidentais em territrio americano, onde foi consultado e traduzido para o francs pelo historiador Pierre Moureau, no restando nenhum indcio de existncia do original em holands. A publicao do relato de Baro se deu na Frana, em 1651, e em Amsterd, um ano aps, como anexo do livro Histria das ltimas

34

lutas no Brasil entre holandeses e portugueses, de Pierre Moureau. Pouco mais de cinco anos depois e face s constantes presses dos insurretos pernambucanos e situao poltica que se desenhava na Europa, os holandeses abandonaram as capitanias do norte, que foram restitudas ao domnio lusitano. Nesse nterim, os tarairiu chefiados pelo rei Jandu foram visitados por Pieter Persijn, que manifestara interesse convicto em buscar minerais pelo serto e posteriormente trocara cavalos selvagens capturados pelos ndios por machadinhas, facas e tesouras de ao. Aps o retorno dos holandeses Europa, as hostilidades entre os tarairiu e os colonos luso-braslicos se prolongariam dos anos 1660 do sculo 17 em diante, quando a monarquia catlica lusitana retomou o projeto de colonizao das suas possesses na Amrica. A vida dos tarairiu nunca mais seria a mesma.

Ilustrao anterior: ndio tapuia retratado pelo pintor holands Albert Eckhout. Nesta pgina, mapas do nordeste no sculo 17.

Helder Macedo brasileiro de Currais Novos, mas sempre morou em Carnaba dos Dantas, com breves incurses em Natal. Atualmente, vive no Vale do Rio Carnaba onde conclui pesquisa e doutorado em Histria junto Universidade Federal de Pernambuco.

35

a s a s

O EspritoPor Angeles Laporta | Traduo do espanhol por Mrio Ivo Cavalcanti

da LinhaJai refait tous ls calculs... notre ide est irralisable. Il ne nous reste quune chose faire: La raliser! (Pierre-Georges Latcore)

A cidade de Toulouse decidiu fazer de 2011 O ano de Saint-Exupry, homenagem, honraria concedida no apenas ao escritor, mas ao piloto e humanista, uma figura lendria entre os muitos aviadores que, como ele, permitiram que a cidade francesa se tornasse a capital europeia da aeronutica. Com o patrocnio do governo francs e espanhol, foi montada uma grande exposio durante os meses de julho, agosto e setembro, recordando as lembranas daqueles homens solitrios, mas parceiros na vida e na morte. Ao resgatar a memria do abandono das estantes e evocar os nomes das cidades estrangeiras por onde se aventuraram os pioneiros da aviao, surge, repetidamente, entre nomes por vezes estranhos e exticos, um destino: Natal. Natal, cuja importncia ultrapassou fronteiras sem alar sua sombra do cho, aparece frequentemente nos registros dos jornais, nos telegramas enviados por estes homens ousados, anunciando suas chegadas e partidas, seus pousos e decolagens, em cartas escritas mo num quarto da Vila Barros, nas anotaes e rascunhos de rotas, nos esboos tnues de mapas e, em todas essas situaes, legando ao presente os detalhes das aventuras de quem uma vez viu, soube, e escreveu sobre um tempo de promessas e audcia area, primeiras dcadas do sculo 20.

Na pgina anterior, foto autografada de Exupry e cartaz da Aeropostale. Nesta pgina, esq. mapa da Aeropostale; acima, mapa com assinatura de Mermoz

Na coleta desses papis e documentos, expostos, dispostos em leque sobre mesas e painis, o nome de Natal cresce, e se agiganta. Um nome gravado e espalhado em diferentes lnguas, desde o territrio francs at s antpodas do continente europeu. Um nome que se mistura aos fatos histricos que a memria comum transformou em mitos e lendas protagonizados por esses aventureiros indmitos das novas e pioneiras rotas areas que cruzaram trs continentes Europa, frica, Amrica. Um nome que se repete em documentos pessoais e oficiais, em pginas gloriosas de livros de fico e de histria, em fotografias gastas que de to pequenas tornam-se grandes quase como um sonho, evocando no apenas conquistas de voos impossveis, mas os silncios, as noites, os horizontes, a solido dos visionrios.

O IRREALIZVELA histria da aviao est cheia de homens que, em nome dos seus pases ou das suas prprias loucuras , pela razo ou viso puramente comercial, chegaram e partiram de Natal. Pierre-Georges Latcore era um desses homens, um francs para quem no era suficiente criar uma nova rota area e para quem o mundo no podia ter limites no espao e no tempo. Com a ecloso da Primeira Grande Guerra, Latcore des-

tinado artilharia, mas no participa das batalhas por problemas oculares. Seu comandante lhe confia a produo de obuses, j que havia herdado do pai uma fbrica que construa vages de trem. Ambicioso, a Pierre-Georges no lhe basta esse grande contrato e d incio a um projeto para trabalhar, enfim, com sua grande paixo: a aviao. Assim, em 1917 contratado para construir mil avies de guerra (800 deles entregues antes do armistcio, em novembro de 1918) e constri em menos de sete meses um galpo-fbrica com uma pista de pouso prpria. durante um de seus voos que imagina uma rota que parte do seu pas, passa pelas colnias francesas na frica e liga os dois continentes com a Amrica do Sul, para dar suporte ao correio europeu. Ele desenvolve o projeto e o entrega ao governo francs em setembro de 1918. Dois meses depois nasce oficialmente a Socit des Lignes Latcore. Em maro de 1919, driblando a feroz oposio dos governos da Alemanha (a quem aps a guerra somente restava uma tentativa de expanso at a Amrica) e da Espanha (que colocava empecilhos a quem desejasse sobrevoar seus territrios continentais e insulares), voa desde Toulouse, fazendo trs paradas em territrio espanhol, e aterrissando por fim em Rabat, no Marrocos, onde entrega ao marechal Lyautey, que o aguardava, o jornal Le Temps, comprado naquela mesma

manh em Toulouse, e, mulher deste, um buqu de violetas frescas, colhidas no dia anterior. Com o apoio do marechal, ento governador militar do Marrocos, funda as Lignes Ariennes Latcore. A Linha, como ficou conhecida a companhia, logo comea a ser respeitada por cumprir rigorosamente os prazos de entrega do correio, graas aos esforos de sua equipe de pilotos, que enfrenta a cada viagem os mais difceis percalos no norte africano do mau tempo e acidentes, at sequestros e mortes. Em 1922, aos 39 anos de idade, Pierre-Georges Latcore retoma seu antigo projeto para expandir a rota e desenvolver os servios postais, e faz, e refaz, uma e outra vez, os clculos para chegar Amrica do Sul a partir da frica. aqui que o nome de Natal se repete uma e outra vez nas folhas originais. Destes clculos e revises, resta a frase memorvel de Latcore: Eu tenho refeito todos os clculos... nossa ideia impossvel de ser realizada. O que s nos resta uma coisa a fazer: realiz-la!

ARTISTAS DE CIRCOLatcore comea a procurar investidores e viaja ao Rio de Janeiro em dezembro de 1926, onde encontra outro francs, um banqueiro que vive, investe e constri no Brasil: Marcel BouillouxLafont - j financiador, construtor e administrador dos portos da Bahia e do Rio

37

e fundador da SUDAM (Sud Amricaine de Travaux Publics) e da Companhia Brazileira de Immoveis e Construces. O encontro com Bouilloux-Lafont demonstra ser decisivo. Para ter sucesso em seu projeto, Latcore renuncia a 93% das aes da companhia em favor do scio, e, embora os avies mantenham o nome Lat, a nova companhia de correio postal batizada, em 1927, como Compagnie Generale Aropostale, que logo passa a ser conhecida simplesmente como Aropostale. O esprito obstinado de Pierre-Georges Latcore provavelmente deve ter influenciado Didier Daurat, seu brao-direito, piloto e chefe de operaes. Admirado e odiado pelos seus colegas, para Daurat era inaceitvel que um piloto no conhecesse profundamente o avio que pilotava e aqueles que fraquejavam diante da morte de um colega eram demitidos sumariamente. Inflexvel quanto pontualidade, foi o responsvel direto pela contratao dos trs pilotos mais conhecidos da histria da aeronutica: Antoine de Saint-Exupry, Henri Guillaumet e Jean Mermoz. Ficou famoso o episdio da contratao do heri Mermoz que, procurando mostrar suas habilidades como piloto, exibiu-se numa srie de acrobacias. Daurat apenas lhe disse, antes de mand-lo, como punio e aviso, limpar os motores dos avies: Je nai pas besoin dartistes de cirque mais de conducteurs dautobus. Nenhum dos pilotos, claro, era, nem queria ser, artista de circo, e muito menos meros motoristas de nibus. Mas amavam a aviao, e submeteram-se s regras da companhia, incorporando em suas expedies o esprito da Linha onde o ltimo obstculo no pode existir quase como uma fonte moral e diria para a sua sobrevivncia. Intrpidos, desafiando todos os perigos, apoiados apenas por uma ainda primria mecnica aeronutica, a inclemncia do mau tempo, os frequentes acidentes e as mortes, todos os pilotos pareciam comungar com Mermoz que deixou registrado dois recordes na histria da aviao entre Saint-Louis, no Senegal, e Natal e costumava dizer: Laccident, pour nous, ce serait de mourir dans un lit.

O acidente, para esses pilotos, seria morrer numa cama. Por isso, voavam. E escreviam, e publicavam, e tiravam fotografias das terras que sobrevoavam, como alvos ntimos para as suas anotaes no silncio solitrio dos voos assim descreve Mermoz sua chegada a Natal em 12 de maio de 1930: Uma hora depois de passar pela ilha de Noronha, Gimi estabeleceu a posio de Natal, o objetivo! Diante de mim, acima do horizonte, desenha-se lentamente um rochedo. A vista da terra, depois de ter cruzado o oceano, deslumbra-me. Foi um minuto emocionante, o grande minuto de nossa travessia. Eu lancei um grito e Dabry e Gimi acorreram. No abri a boca. Dabry grita: Saint-Roques! Com um mesmo enlevo, estreitamente solidrios, ns sentimos a fora da nossa colaborao e provamos da mesma embriaguez, a da vitria. Natal estava abaixo de ns; eu embiquei [o avio] em direo base da AROPOSTALE instalada no Rio Potengi. Descrevi uma larga curva, fiz um reconhecimento do terreno; o aparelho passa perto das barcaas, reaproximouse do rio e a amerrissagem foi fcil. Em 21 horas e 15 minutos, nosso avio trouxe de Saint-Louis a Natal as cartas que tinham sido transportadas antes, de Toulouse a Saint-Louis em 24 horas, por Beauregard, Emler e Guerrero. Quarenta e cinco minutos aps o nosso desembarque, Vanier deixou Natal, transportando o correio para o Rio de Janeiro. Reine as levou para Buenos Aires e Guillaumet fez o ltimo percurso at Santiago do Chile. A primeira travessia area postal do Atlntico Sul tinha sido realizada, de Toulouse a Santiago do Chile 13.400 quilmetros em 108 horas e 40 minutos, das quais 20 horas e 40 minutos passadas em escalas. E Saint-Exupry que, sim, esteve em Natal, e talvez tenha sido quem mais e melhor escreveu sobre as experincias, as viagens, os lugares onde esteve, os pilotos, os homens retratando em Voo noturno a dura relao entre o chefe dos pilotos (inspirado claramente em Daurat, a quem o livro dedicado) e seu subordinado Fabien (inspirado em Guillaumet): Arranco-o ao medo. No ele que eu ataco, mas, sim, atravs dele, aquela resistncia que paralisa os homens perante o

desconhecido. Se lhe dou ouvidos, se o lastimo, se tomo a srio a sua aventura, ele vai se imaginar de volta de uma terra misteriosa e precisamente o mistrio que ele teme. preciso que haja homens que tenham descido a esse poo sombrio e que, ao voltar superfcie declarem que no viram nada. preciso que este homem se embrenhe na profundidade da noite, nas trevas espessas, sem nem sequer o auxlio da pequena lmpada de mineiro, que apenas ilumina as mos ou a asa, mas que cria um estreito fosso entre si e o desconhecido.

LTIMO VOOOde e elegia a si mesmo, aos trs pilotos, que provavelmente nunca esqueceram que um dia, quem sabe beberam suco de caju, chuparam mangas, comeram raivas e galinhas cabidelas, foram recebidos pela banda da cidade e pelas autoridades em fila, suportando as horas de espera, e que falaram as lnguas estranhas do porto, das ruas, das camas de lenis nem sempre alvos, que voaram sobre as dunas e o rio, que ainda mortos so afastados da terra, ignorados pela terra, esquecidos pela terra, e que jazem, Antoine, Henri e Jean, nas guas profundas, entre os murmrios das lembranas. Saint-Exupry, de novo: Eu dizia para comigo: Estou disposto a ser um viajante, no quero ser um emigrante. Aprendi na minha terra tantas coisas que so inteis em outro lugar. Vinte e cinco pases europeus, africanos e sulamericanos utilizaram os servios da Aropostale, 32 milhes de cartas foram transportadas, 3,5 milhes de quilmetros voados, 300 voos completados, 72 pilotos, 200 mecnicos, 50 operadores de rdio, 200 avies, 10 hidroavies. A Aropostale no sumiu como Henri Guillaumet no desapareceu para sempre nas guas do Mediterrneo. Est a a Air France. A Latcore no sumiu como Jean Mermoz no foi esquecido em algum ponto do Atlntico. o atual Le Groupe Latcore, um dos maiores fabricantes europeus de peas para a indstria aeronutica, com parcerias importantes com Airbus, Boeing, Bombardier, Dassault Aviation e a brasileira Embraer. Antoine de Saint-Exupry no sumiu sem

38

deixar rastro entre o cu e o Mediterrneo. Apenas O pequeno prncipe j teve mais de 130 milhes de cpias vendidas e foi traduzido em 257 lnguas e dialetos em todo o mundo. E se lhes conto todos esses detalhes porque como escreveu Saint-Ex em sua obra mais famosa les grandes personnes adoram os nmeros. Mais, bien sr, nous qui comprenons la vie, nous nous moquons bien des numros! (Mas ns, ns que compreendemos a vida, ns no ligamos aos nmeros!).

CORPOS NO ENCONTRADOS7 de dezembro de 1936. Dois dias antes de completar 35 anos, Jean Mermoz desaparece num vo sobre o Atlntico. Havia partido de Dakar com destino a Natal. O corpo nunca foi encontrado. Mes vols e Dfricheur du ciel so publicados postumamente. 27 de novembro de 1940. Henri Guillaumet, voando para Beirute, abatido sobre o Mediterrneo por um caa italiano. O corpo nunca foi encontrado. Jean-Jacques Annaud fez um filme em sua homenagem: Les ailes du courage. 31 de julho de 1944. Um dia antes do desembarque aliado na Provena, o Dia D, num vo de reconhecimento e observao fotogrfica rumo Crsega, Antoine de Saint-Exupry desaparece nas guas do Mediterrneo e no mistrio. O corpo nunca foi encontrado. Em 1998, um pescador de Marselha acha em sua rede de pesca a pulseira de identificao do piloto. Dois anos mais tarde, algumas peas do seu avio so encontradas. Em 2008, Horst Ripper, um ex-piloto alemo da Luftwaffe, revela ter derrubado o avio de Saint-Ex. Saint-Exupry publicou em vida Laviateur, Courrier sud, Vol de nuit, Terre des homes, Pilote de guerre, Le Petit Prince, Lettre un otage. Postumamente foram publicados Citadelle, Lettres une jeune fille, Lettres de jeunesse 19231931, Carnets, Lettres sa mre, Un sens la vie, crits de guerre 19391944, Manon, danseuse, Lettres linconnue.

No sentido horrio, hidroavio quadrimotor "La Croix du Sud", de Jean Mermoz, em sua ltima travessia do Atlntico; cartazes publicitrios da Aeropostale; anotaes de Latcore sobre travessia do Atlntico, Dakar-Natal

39

No sentido horrio, Amelia Earhart e Fred Noonan posam ao lado de autoridades natalenses antes de partirem para a frica; telegrama e documento sobre escala que fez em Natal na sua viagem de volta ao mundo; Amelia Earhart diante do seu avio em Natal; vista area do litoral potiguar fotografado por Amelia Earhart

40

O LTIMO VOO: EVERYTHING IS GOING FINEAmelia permanece alta, loira, esguia, ar de garon manqu, sem exageros, sorrindo timidamente para os fotgrafos que estamparo seu retrato nos anncios publicitrios da poca. Numa poca onde j bastante ousado para uma mulher vestir calas, ela no apenas as veste, como endossa botas e macaco, capa e jaqueta de couro e grandes culos de aviador. Amelia piloto. E como precisa de dinheiro para bancar suas viagens, costura suas prprias roupas porque so fundamentais para suportar as baixas temperaturas e as inclemncias do tempo, numa poca em que a maioria dos avies tm cabines abertas. Por isso pelo dinheiro, pela aventura , criou uma linha de malas de viagem e roupas esportivas com seu nome, inspirada em sua prpria imagem. A poca de Amelia Earhart (1897-1937) o ontem, o eterno. a era dos desafios, da fortaleza de carter e da superao de grandes distncias e Amelia a primeira mulher a cruzar o Oceano Atlntico, acompanhada (em 1928); sozinha (em 1932); e, mais uma vez sozinha, a cruzar o Pacfico (em 1935). a poca de Charles Lindbergh (que tambm esteve em Natal, em dezembro de 1933), o famoso aviador, que a imprensa chama Lucky Lindy. Amelia rejeita ser chamada Lady Lindy. Suas faanhas so prprias, seus desafios so ntimos. A primeira vez que sobe em um avio para um rpido passeio, em 1920, reconhece que a sua vida mudou: I knew I had to fly. A mulher que sabia ter nascido para voar bate sucessivos recordes; funda a The NinetyNines, a primeira organizao internacional de mulheres pilotos, 99 membros; escreve livros e artigos e dirios de voo; aceita ser editora associada da Cosmopolitan; aceita ser uma celebridade. Porque deseja que mais e mais mulheres sejam pilotos como ela. Em 1937, decide circunavegar o mundo, e parte, acompanhada do navegador Fred Noonan, da Califrnia, passando pelo Caribe, chegando a San Juan e da at a Guiana Holandesa. Ainda no tem certeza se prosseguir o voo at a frica desde Fortaleza ou de Natal. Fortaleza est umas poucas milhas a menos do continente africano, mas Amelia decide por Natal, pela infraestrutura e pela reputao da cidade graas aos voos da Aropostale. Em Fortaleza, enquanto reparam seu avio, ela escreve, no papel de carta do Hotel Excelsior, com lpis grafite, sua rota e o plano de voo a partir da capital potiguar. Acompanhando a expectativa mundial, as autoridades brasileiras e a sociedade natalense da poca a esperam. Amelia sabe que o voo de Natal at a frica ser o trecho mais longo de toda a expedio. No dia 7 de junho de 1937, s 3h13, decola de Natal com uma chuva fina por companhia. Quatro horas mais tarde, ela avisa por rdio: Everything is going fine. Para as 1.900 milhas que separam Natal de Saint-Louis mantm o recorde estabelecido por outro piloto, a primeira mulher piloto da Frana e da Aropostale: Marie-Louise Maryse Basti, que tinha sido incentivada antes por Jean Mermoz a bater o recorde. Seguindo viagem, parte do Senegal e cruza o continente africano, realizando o primeiro voo da frica ndia e prossegue at a sia, enfrentando mones, avarias mecnicas e doenas. Amelia Earhart e Fred Noonan desaparecem prximo Ilha Howland, no Pacfico Sul, em 2 de julho de 1937 uma das ltimas etapas de sua travessia. O seu desaparecimento continua coberto pelo vu do tempo, do mito, do mistrio.

PARA SABER MAIS:Histria da aviao no Rio Grande do Norte, Paulo Viveiros Natal, RN: EDUFRN, 2008. Epopia nos ares, Pery Lamartine Natal, RN: Fundao Jos Augusto, 1995. Saint-Exupry na America do Sul, Pery Lamartine Natal, RN: Sebo Vermelho, 2008. No caminho do avio: notas de reportagem area (1922-1933), Lus da Cmara Cascudo Natal, RN: EDUFRN, 2007.

Angeles Laporta espanhola de Madri, embora sinta-se muito mais natalense. Formada em Administrao e Jornalismo, atualmente vive e trabalha em Madri e frequentemente em outras cidades europeias e africanas.

41

a s a

e m i g r a n t e

Terra Estrangeira

Por Silvio Santiago

Antes mesmo da instituio do sistema de Capitanias Hereditrias e da doao da Capitania do Rio Grande a Joo de Barros, no incio do sculo 16, este pedao do litoral brasileiro j recebia a visita de portugueses, espanhis e franceses, graas a sua privilegiada posio geogrfica. Um sculo depois vieram os holandeses, que dominaram a terra durante duas dcadas, e, da em diante especialmente a partir do sculo 19 foi um suceder-se de nacionalidades que, mesmo de modo mais ou menos incipiente, contriburam para engrossar o caldo migratrio: ingleses, norte-americanos, canadenses, italianos, chilenos, espanhis, japoneses. (Em sua Histria da cidade do Natal, Cmara Cascudo cita at um dinamarqus Phelippe Leinhardt, que implantou o sistema de abastecimento de gua encanada em Natal, em 1882 e dois dlmatas Nicolau Bigois e Mateus Petrovich, comerciantes entre os muitos estrangeiros que vieram viver e morrer nesta cidade e em servio de sua grandeza.) Se at meados do sculo passado os viajantes estrangeiros foram atrados pelas riquezas naturais, pelas oportunidades de negcio e pela posio geograficamente estratgica desta esquina do continente sul-americano, nas ltimas dcadas intensificou-se a vinda de imigrantes que fixam residncia e investem em diversas cidades do Rio Grande do Norte pelos mesmos motivos e mais alguns, mas com um conhecimento prvio inicial graas, principalmente, indstria do Turismo. Segundo dados da Polcia Federal, vivem hoje no estado 8.040 estrangeiros, dentre

permanentes, temporrios, provisrios e refugiados. A maioria tem passaporte europeu e mora principalmente em Natal e na praia da Pipa, localizada a 85 km ao sul da capital potiguar. Muitos, alm de atividades econmicas e acadmicas, tambm se dedicam arte e cultura.

ILHA DO FAIAL RNFoi uma dessas razes que fez a lusitana Conceio Flores seguir a rota de seus antepassados, que h mais de cinco sculos aportaram ao sul do Novo Mundo descobrindo o Brasil, e fixar residncia em Natal. Nascida na ilha do Faial, no arquiplago dos Aores, a professora de literatura da Universidade Potiguar (UnP) a nica emigrante de sua famlia. Ela chegou cidade h 28 anos acompanhando o seu marido, o tambm portugus Jorge Manuel, que j havia morado no pas at a adolescncia. Aqui, ela graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), instituio que publicou a sua dissertao de mestrado, Do mito ao romance: uma leitura do Evangelho segun-

43

do Saramago, sobre o livro O Evangelho segundo Jesus Cristo, do seu compatriota Jos Saramago. Flores tambm publicou, atravs da Lei Cmara Cascudo de Incentivo Cultura, o livro As aventuras de Teresa Margarida da Silva e Orta em terras de Portugal e Brasil, resultado de sua tese de doutorado sobre a luso-brasileira nascida em So Paulo, em 1711, que foi a primeira romancista de lngua portuguesa. Moradora do bairro do Tirol, Flores extensiva ao enumerar o que a faz gostar tanto de Natal, onde seus dois netos, Joo Pedro, de 12 anos, e Guilherme Jorge, de 9, nasceram e vivem: Como aoriana, o mar fundamental na minha vida, e no h banho de mar que se iguale ao das guas mornas das nossas praias. O nosso cu azul de cada dia, o clima ameno e a gente hospitaleira fazem desta cidade a minha verdadeira casa. Em Portugal, j sou uma brasileira que fala muito bem portugus, diverte-se. Atualmente, ela pesquisa a literatura potiguar, tendo como marco zero a autora oitocentista Nsia Floresta at chegar aos contemporneos.

artistas visuais e msicos , ele tambm atuou executando sua obra ao vivo. Outra pea musical composta por Lohss para os palcos, inspirada na obra do filsofo existencialista francs Jean-Paul Sartre, foi para o ainda indito bal Entre quatro paredes. Ortopedista de formao, Lohss comeou a estudar piano ainda criana. Alis, foi a msica que o trouxe ao Brasil, onde casou e tornou-se pai da potiguar Amlia, de 5 anos. Para ele, que teve em sua formao musical o erudito e o jazz, a msica brasileira imensamente rica. Como influncias em suas composies, ele cita grandes nomes da bossa nova e da MPB nacional como Caetano Veloso, que eu adoro, Gilberto Gil e Marisa Monte e tambm local como os parceiros Carlos Zens, com o qual comps O Trovo e o Passarinho para o festival MPBeco; Mazinho Viana, do qual est produzindo o lbum de estreia; e Esso Alencar, do qual participou do projeto-espetculo lricomusical Alma de poeta; alm do cordelista, xilgrafo e compositor mossoroense Antnio Francisco. Em sua casa, onde sempre recebe amigos e parceiros, Lohss montou um estdio de gravao. Para ele, morar em Pium absolutamente inspirador. Existe uma dinmica cultural muito grande aqui. De fato, muitos artistas, escritores e poetas moram no Vale do Pium, localizado a poucos quilmetros do centro de Natal. So tantos que l j foram criados vrios coletivos de poetas, como o j citado Sol Negro, e musicais, como o Schn (que em alemo significa lindo) e o Sotaque, formado apenas por estrangeiros Lohss integrante dos dois.

h um ano e meio reside em P