PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS COM … PRÁTICAS PEDAGÓGICAS... · De acordo com as Diretrizes...
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS COM CRIANÇAS SURDAS NO
CONTEXTO DA CRECHE
Wilma Pastor de Andrade Sousa
Universidade Federal de Pernambuco
Resumo
O objetivo deste estudo é discutir as práticas pedagógicas propiciadoras da
inclusão da criança surda nas creches da rede municipal do Recife. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa, realizada nas seis Regiões Político-Administrativas–RPAs,
totalizando vinte e uma creches. Participaram deste estudo dezessete professoras, todas
do quadro efetivo de funcionários. Os dados foram coletados por meio de um questionário
contendo vinte questões, seis de caráter objetivas e catorze subjetivas. As questões foram
elaboradas com o intuito de descrever, principalmente, que práticas pedagógicas as
professoras consideram prioritárias para viabilizar a inclusão da criança surda na creche;
se elas se sentem preparadas para tal e se já tiveram dificuldade em trabalhar com crianças
surdas. Os resultados mostraram que 71% (setenta e um por cento), ou seja, a maioria
dos participantes, não têm experiência com estudantes surdos, apesar de 7, dos 17
participantes, lecionarem em creches há mais de 10 anos. Sendo assim, deparamo-nos
com uma realidade em que um número significativo de professores leciona na creche e
nunca teve contato com estudantes surdos em sala de aula. Constatou-se também que as
participantes voluntárias não têm conhecimento sobre como deve ser feita a inclusão da
criança surda na creche, bem como que não se sentem preparadas devido à falta de
formação continuada. Apesar de os dados indicarem que os professores não estão
preparados para fazer a inclusão de crianças surdas estes sabem que o estudante surdo
necessita de um acompanhamento diferenciado e que a principal dificuldade da pessoa
surda é a comunicação, já que tem uma língua diferente da comunidade ouvinte.
Palavras-chave: Inclusão. Creche. Crianças surdas.
Introdução
Este artigo tem como objetivo discutir as práticas pedagógicas propiciadoras da
inclusão da criança surda nas creches da rede municipal do Recife. Trata-se de uma
pesquisa que faz parte de um estudo maior intitulado: a inclusão do estudante surdo na
perspectiva dos professores da educação infantil da rede municipal do Recife-PE.
No Brasil, a Carta Magna de 1988 define a educação como um direito de todos e
estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um dos
princípios para o ensino. Entretanto, necessário se faz discutir em que medida esse direito
está sendo garantido e efetivado para a criança surda, e se as práticas pedagógicas estão
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sendo inclusivas desde a creche, já que, geralmente, é nesse ambiente que a criança inicia
a sua vida na educação infantil.
Segundo Sassaki (1997), para que haja a inclusão social, é preciso que também haja
uma transformação na sociedade de forma que venha garantir a inserção plena do sujeito.
Essa mudança apontada pelo autor (op. cit.) deve fazer parte também dos objetivos da
educação, já que ela é influenciada por um conjunto de aspectos da sociedade, logo,
necessita sofrer transformação para atender às necessidades das pessoas, sejam elas quais
forem.
Em se tratando da inclusão da criança surda no espaço da creche, outra reflexão
nos vem à tona: a qualidade da formação inicial do professor e a garantia de uma formação
continuada para atender a demanda social. Acreditamos que essas questões são relevantes,
pois o professor é o principal ator no cenário da inclusão escolar, uma vez que ele trabalha
diretamente com a criança em sala de aula. É na sala de aula que a inclusão educacional
se concretiza, não somente na inserção física nem na relação com o outro, mas, sobretudo,
na aceitação do outro na sua singularidade. Nessa direção, Lopes (2009, p. 12) defende
que “os professores são profissionais essenciais nos processos de mudanças das
sociedades”. Para tal, é fundamental que eles tenham uma formação consolidada em
práticas que possibilitem ações inclusivas.
Nesse contexto, segundo a autora (op. cit.), a democratização do ensino é algo que
passa pela formação do professor e também pela sua valorização profissional. A formação
do professor de ensino infantil é nova na história de educação do nosso país. De acordo
com Cabral (2005), a educação infantil só ganhou maior importância depois da
promulgação da Constituição Federal de 1988 e da vigência da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional-LDBEN, Lei nº 9394/96. Desde então, a criança passou a ser
reconhecida como sujeito de direitos e a sua educação passou a ser considerada como
nível de ensino. Esses documentos fomentaram a discussão sobre formação docente para
a educação infantil e possibilitaram avanços significativos na discussão sobre a inclusão
da pessoa com deficiência, à medida que a educação passou a ser vista como direito do
cidadão e, portanto, dever do Estado.
Em decorrência da inserção da educação infantil na educação básica, conforme
menciona a Lei n.º 9.394/96 - Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDB), a
formação exigida para o profissional que atua com essa faixa etária passa a ser a mesma
daquele que trabalha nas primeiras séries do Ensino Fundamental: nível superior em curso
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de licenciatura, de graduação plena, admitindo-se, como formação mínima, a oferecida
em nível médio, na modalidade Normal. Com isso, essa Lei promoveu a integração da
educação infantil no âmbito da educação básica e, teoricamente, garante à sociedade a
atuação de profissionais qualificados para o trabalho nesse nível de ensino.
Concomitantemente ao reconhecimento da importância da educação infantil, a
educação inclusiva também vem ganhado espaço nos estudos acadêmicos. Nesse
contexto de reformulações educacionais, insere-se o processo de inclusão de alunos com
deficiência, e, com ele, diversas rupturas têm ocorrido nos antigos paradigmas
educacionais e na atuação profissional dos professores. O resultado dessas mudanças tem
provocado à busca de novas estratégias didático-metodológicas de ensino, as quais
resultam em práticas pedagógicas inclusivas.
Em relação à educação das pessoas surdas, a partir da homologação do Decreto
n.º 5.626/05, que regulamenta a Lei n.º 10.436/02, a Língua Brasileira de Sinais (Libras)
foi inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores
para o exercício do magistério (licenciaturas, normal de nível médio, normal superior,
pedagogia e educação especial), em nível médio e superior. Essa conquista favorece a
preparação, ainda que insuficiente, de profissionais que atuarão junto à pessoa surda, no
processo educacional em todos os níveis.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil -
DCNs (2010, p.12) a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral
de crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas, compreendendo os aspectos
físicos, emocionais, afetivos, cognitivos e sociais. Portanto, é de competência das creches
o atendimento às crianças de zero até três anos de idade.
Segundo Michelli e Fischer (2005), muitas instituições ainda têm uma visão
assistencialista, filantrópica e comunitária da creche e isso se faz presente também na
prática de alguns profissionais que atuam nesses espaços. Nessa direção, os Parâmetros
Curriculares Nacionais da Educação Infantil (1998) trazem alguns objetivos para a prática
docente no sentido de que as crianças desenvolvam várias capacidades, dentre elas
destacamos: a) desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais
independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações; b)
estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua
autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação
social.
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Para que essas capacidades sejam possíveis de serem desenvolvidas pelas crianças
– acreditamos – é necessário que elas sejam atendidas respeitando-se o grau de
desenvolvimento biopsicossocial e a diversidade social, cultural e linguística, como
garantia da promoção do seu desenvolvimento integral. Em virtude da privação sensorial
auditiva, a criança surda não tem as mesmas condições de desenvolvimento da língua oral
se comparada à criança ouvinte. Essa realidade a coloca, na maioria das vezes, com
dificuldade de construir uma imagem positiva de si quando não convive com um surdo
adulto. Segundo Bakhtin (1979, p 378), “Tomo consciência de mim, originalmente,
através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação
original da representação que terei de mim mesmo (...)”. Por isso, a importância de termos
na creche profissionais surdos adultos proficientes na língua de sinais, para que as
crianças surdas possam perceber-se enquanto sujeitos plenos.
Durante décadas a escola ignorou as peculiaridades dos alunos surdos, não
considerando que eles são sujeitos visuais, que percebem e compreendem o mundo
prioritariamente pelo canal da visão, conforme defende (SKLIAR, 1997). Com isso, a
escola, equivocadamente, utilizou-se das mesmas metodologias e estratégias de ensino
utilizadas para os estudantes ouvintes. Desconsiderando que as pessoas surdas são
diferentes linguisticamente e, como tal, elas devem ter acesso desde a educação infantil à
educação por meio de estratégias de ensino pautadas em metodologias visuais.
Além disso, a partir regulamentação do Decreto no. 5.626, de 22 de dezembro de
2005, ficou estabelecido o direito de o estudante surdo ter acesso a uma educação
bilíngue, na qual a Libras deve ser considerada a primeira língua (L1) e a língua
portuguesa, na modalidade escrita, a segunda (L2).
Para isso, o Decreto no. 5.626/05, no capítulo VI, artigo 22 inciso I, garante que
as instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a
inclusão de alunos surdos, através da organização de escolas e classes de educação
bilíngue, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental.
Acreditamos que a presença de um surdo adulto no espaço da creche,
provavelmente, proporcionará à criança surda um desenvolvimento para além da
aquisição da Libras sem atraso, já que viabilizará também o desenvolvimento do processo
de identificação com o seu semelhante. Com isto, as chances de a criança aceitar e se
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reconhecer enquanto sujeito completo, diferente linguisticamente e não deficiente,
desenvolvendo a autoestima positiva, seguramente serão bem maiores.
O destaque dado a importância da presença de um adulto surdo falante da Libras
sinaliza o quanto é imprescindível que as crianças surdas tenham o contato com a língua
de sinais e a cultura surda desde bebê, evitando, assim, um distanciamento dos padrões
do desenvolvimento psicomotor, socioafetivo, cognitivo e de linguagem. De acordo
Kober (2008), é imprescindível considerar o acesso à língua de sinais pela criança surda
o mais cedo possível, oferecendo a ela uma vivência estruturante com surdos usuários
dessa língua e com seus pares linguísticos. Chamamos aqui a atenção para outro ponto
importante, o contato da criança surda com os seus pares.
Outro aspecto essencial na consolidação da inclusão na creche diz respeito às
adaptações curriculares. Para isso, é fundamental que as práticas pedagógicas sejam
pautadas com base em adaptações curriculares a serem realizadas, sobretudo, no âmbito
da expressão corporal e da linguagem. Isso implica em o professor ter a sensibilidade de
empregar estratégias metodológicas facilitadoras que possibilitem a aprendizagem dos
alunos surdos, considerando o modo peculiar de aprendizagem desses sujeitos.
Como garantia de um currículo para a escola inclusiva, os Parâmetros Curriculares
Nacionais orientam ainda que as adaptações curriculares devem ser entendidas como
“estratégias e critérios de atuação dos docentes, as quais admitem decisões que
oportunizam adequar à ação educativa escolar às maneiras peculiares de aprendizagem
dos alunos” (BRASIL, 1998, p. 15).
Para Novaes (2010, p. 80), “Esquece-se de que oferecer o mesmo ‘espaço escolar’
para todas as crianças, ouvintes ou surdas, não significa igualdade de condições de acesso
aos saberes, e isto por uma simples razão: diferenciação de língua e cultura natural”. É
necessário entender que, em virtude de as crianças surdas possuírem uma língua de
natureza espaço-visual, a inclusão escolar que elas vivem é diferente da vivida pelas
demais crianças com deficiência. O material publicado pelo MEC, Educação Infantil:
Saberes e práticas da inclusão: dificuldade de comunicação e sinalização – Surdez
(2006) traz diversos esclarecimentos sobre as crianças surdas e, principalmente,
orientações sobre a educação de crianças com surdez na Educação Infantil, tanto em
creches quanto em pré-escolas:
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Assim como para as demais crianças, o ideal é que a criança surda, na
faixa etária do nascimento aos três anos, frequente creches e conte com a
presença de um professor para o ensino de língua portuguesa e de um
professor/instrutor surdo (para que ela tenha contato diário com a
Libras), além de outros profissionais. (BRASIL, 2006, p. 44 grifo nosso).
O fato de serem crianças surdas, não as exclui do processo educativo e nem os
objetivos da Educação Infantil serão diferentes, pois, como já mencionado anteriormente,
a única diferença entre elas é linguística e cultural. Esse documento esclarece ainda que
a socialização e o desenvolvimento das crianças com ou sem surdez é o principal objetivo
da Educação Infantil, inclusive nas creches. Com as crianças surdas, além das finalidades
apresentadas anteriormente, sinaliza-se outro objetivo:
(...) ela seja reconhecida e aceita por todos do ambiente escolar como
uma criança do grupo, embora precise de um tipo de relacionamento
específico, devido à sua forma de comunicação. Deverá haver
possibilidades de adaptações nas atividades que envolvam a audição e
a fala, procurando sempre, na medida do possível, que a criança não se
sinta diferente das demais, e que os outros não a rotulem como tal.
(BRASIL, 2006, p. 45).
Logo, ao adotar práticas inclusivistas em sua sala de aula, o professor estará
garantindo a efetivação de uma educação que garanta o desenvolvimento pleno, nos
aspectos físico, psicológico, intelectual e social das crianças, respeitando a diferenciação
de língua e cultura que existe entre elas.
Para este trabalho em tela, mapeamos as seis Regiões Político-Administrativas–
RPAs da cidade do Recife-PE, em um total de 21 creches. Participaram deste estudo 17
professoras que atuam nas turmas: Berçário (bebês de até 1 ano), Grupo I (crianças de 1
ano), Grupo II (crianças de 2 anos) e Grupo III (crianças de 3 anos), e 45 professoras que
atuam em pré-escolas, nos Grupos IV e V.
Visitamos 03 creches da RPA 1, 01 creche da RPA 2, 03 creches da RPA 3, 09
creches da RPA 4, 2 creches da RPA 5 e 3 creches da RPA 6, porém apenas os professores
de 10 creches contribuíram com a pesquisa. Dos 17 sujeitos participantes da pesquisa, 6
(seis) são de professores do Grupo III, 6 (seis) professores do Grupo II, 4 (quatro)
professores do Grupo I e 1 (um) professor do Berçário. No total, foram entregues às
creches 62 questionários, mas apenas 17 foram respondidos e devolvidos. Os requisitos
para a seleção dos participantes foram ser professor efetivo da rede municipal de Recife
e lecionar em creche.
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Os dados foram coletados por meio de um questionário contendo 20 questões, 06
de caráter objetivas e 14 subjetivas. Tais questões foram elaboradas com intuito de
descrever que práticas pedagógicas as professoras consideram prioritárias para viabilizar
a inclusão da criança surda na creche; se elas se sentem preparadas para tal e se já tiveram
dificuldade em trabalhar com crianças surdas.
A ideia inicial era aplicar o questionário e fazer a observação das práticas
pedagógicas, porém, não localizamos estudantes surdos nas creches visitadas. Desta
forma, tomamos conhecimento das práticas pedagógicas meio dos depoimentos das
voluntárias participantes nas repostas dadas nos questionários. Os dados analisados
seguiram a orientação de análise de conteúdo de Bardin (1979).
Resultados e discussão
Os dados revelam que todos os participantes deste estudo têm nível superior, seja
em Pedagogia ou outros cursos, logo, está sendo atendido o que preconiza a Lei n.º
9.394/96, sobre a formação mínima exigida para o profissional que atua com educação
infantil.
Outro destaque que damos é quanto ao número de professores que têm Pós-
Graduação. Neste estudo, 13 participantes têm especialização e 01 tem mestrado, o que
nos indica um interesse deles pelo aprofundamento de seus conhecimentos, além de uma
maior preparação acadêmica para lidar com as crianças desta etapa da educação infantil.
Esses dados também quebram a ideia de profissionalização mínima para professores da
educação infantil, uma vez que esse nível de ensino traz em seu processo histórico o
“rótulo” de exigir pouco estudo e pouca formação na área. Contrário a esse mito, sabemos
que a ideia é oposta: quanto mais formação e preparação o professor tem, melhor a
qualidade de ensino e de aprendizagem das crianças em qualquer nível de ensino,
principalmente na creche, dada a importância que tem na base educacional do sujeito que
se encontra em pleno desenvolvimento global.
Em relação à participação dos professores em cursos, palestras e/ou seminários para o
trabalho com estudantes surdos, é importante destacar que, dentre os 17, apenas 07
participaram. Os professores que mais participaram dessas formações continuadas foram
os dos Grupos II e III. Portanto, esses professores provavelmente têm um conhecimento
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melhor para trabalhar com crianças surdas, comparados aos professores do Grupo I e do
Berçário. Acreditamos que o acesso à educação dessas crianças (Grupo I e Berçário) fica
comprometido, já que a educação de surdos exige uma especificidade devido à diferença
linguística e cultural.
Outro aspecto em relação a esse resultado é o fato de mais de 90% (noventa por
cento) das crianças surdas serem filhas de pais ouvintes, logo, a creche se apresenta como
o ambiente que vai facilitar a aquisição da língua de sinais pela criança surda, isso
evidencia mais uma preocupação na efetivação da inclusão do estudante surdo, caso o
professor ouvinte não seja bilíngue.
Esse resultado também nos leva a alguns questionamentos, tais como: será que
esses cursos, palestras e/ou seminários não estão sendo oferecidos pela Prefeitura? Se
estiverem sendo oferecidos, por que os professores não têm interesse em participar? Isso
nos preocupa quanto à efetivação das políticas de inclusão do aluno surdo desde a
educação infantil, conforme consta no Decreto 5626/05, já que esse documento garante
que a primeira língua da pessoa surda seja a Libras.
Quanto às práticas pedagógicas, ao serem questionadas sobre o que consideram
prioritário na inclusão do aluno surdo na creche, todas as 17 participantes elencaram, no
mínimo, 2 aspectos que consideram prioritários para que a escola promova a inclusão de
estudantes surdos no espaço da creche. Neste sentido, 82% (oitenta e dois por cento) dos
aspectos elencados pelos professores dão destaque à formação tanto do docente, quanto
dos profissionais que trabalham na escola. Esses dados revelam uma conscientização por
parte das participantes para o fato de que a responsabilidade da inclusão não é apenas do
professor, mas de toda a comunidade escolar. Elas também apontaram a necessidade da
inserção da Libras no currículo da escola. Isso mostra que elas sabem da importância do
contato com a Libras desde cedo. Entretanto, não houve referência a atividades com base
em estratégias visuais, nem a importância da presença de pessoas surdas adultas.
Constatamos que 71% (setenta e um por cento), ou seja, a maioria dos
participantes, não têm experiência com estudantes surdos, apesar de 7, dos 17
participantes, lecionarem em creches há mais de 10 anos. Sendo assim, deparamo-nos
com uma realidade em que um número significativo de professores leciona na creche e
nunca teve contato com estudantes surdos em sala de aula.
Sendo assim, é importante destacar que 50% (cinquenta por cento) dos professores
que atuam no Grupo III das creches relataram não possuir dificuldade para trabalhar com
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estudantes surdos, enquanto 25% (vinte e cinco por cento) dos professores que atuam no
Grupo I declararam possuir essa dificuldade. Neste sentido, retomamos os resultados em
relação à participação dos professores dos Grupos II e III em cursos preparatórios,
palestras e/ou seminários na área de educação de surdos é significativamente maior do
que a participação dos professores dos Berçário e Grupo I, confirmando a nossa hipótese
de que os professores dos Grupo II e III possuem um conhecimento maior para trabalhar
com crianças surdas, se comparados aos professores dos Grupo I e Berçário. Os
professores, em sua maioria, entendem que a Libras é uma língua e é necessário o
conhecimento desta para manter uma comunicação eficiente com os estudantes surdos,
corroborando com o pensamento de Goldfeld (1997) quando a autora comenta que o
ambiente linguístico deve ser o mais adequado possível à criança surda, para facilitar a
aquisição da língua de sinais e evitar o atraso da linguagem e todas as suas consequências,
em nível de percepção, generalização, formação de conceitos, atenção e memória.
Os dados indicam que os professores não estão preparados para fazer a inclusão
de crianças surdas, entretanto, apesar da falta de formação continuada, os professores
sabem que o estudante surdo necessita de um acompanhamento diferenciado e que a
principal dificuldade da pessoa surda é a comunicação, já que tem uma língua diferente
da comunidade ouvinte.
Relembrando Novaes (2010), os professores estão cientes que não é simplesmente
colocar um estudante surdo em sala de aula, na convivência com os estudantes ouvintes.
A maior barreira apresentada pelas participantes desta pesquisa para que a inclusão seja
feita está na formação profissional que, segundo elas, ainda se apresenta insuficiente para
atender as crianças com deficiência. Porém, esta não é a única causa para falta de preparo
dos docentes, uma vez que alguns dos sujeitos não se sentem preparados para fazer esta
inclusão devido a falta de conhecimento também da Libras, pois é travada uma barreira
comunicacional que dificulta a realização de um trabalho mais efetivo com o aluno surdo.
A língua, além de facilitar o processo de aprendizagem, dá autonomia e poder ao sujeito.
Com isso, esses participantes mostraram que têm clareza da necessidade de estabelecer
uma comunicação efetiva com o aluno surdo, para que ele seja de fato incluído no
processo educacional.
Esse resultado nos aponta para uma necessidade urgente de formação continuada para que
o trabalho do professor seja realizado de forma satisfatória, suprindo as necessidades
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educacionais dos estudantes surdos. Além disso, o ensino da língua de sinais também
deve ser oferecido aos professores para que estes possam se sentir capazes para se
comunicar com a criança surda, mediando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.
Considerações finais
Apesar dos significativos avanços na educação de pessoas surdas nos últimos
anos, verificamos que ainda falta muito para a efetivação do direito a uma educação de
qualidade para a criança surda desde a educação infantil. Um dado que nos chamou a
atenção foi o fato de apenas 07, dos 17 sujeitos terem feito cursos, palestras e/ou
seminários destinados à educação de surdos. Acreditamos que isso tem uma implicação
direta nas práticas pedagógicas quando se pensa em estratégias metodológicas
educacionais.
De acordo com os resultados deste estudo, por não haverem participado de
capacitações na área de educação de surdos, além de não saberem Libras, apesar da
formação superior e de estarem formados e lecionarem há mais de 10 anos, muitos
professores ainda não se sentem preparados para fazer a inclusão de estudantes surdos em
sala de aula, pois entendem que é necessária uma maior preparação acadêmica para lidar
com eles, uma vez que os professores geralmente relatam a falta de formação específica.
Embora os professores participantes deste estudo não se considerem preparados
para fazer a inclusão de estudantes surdos, eles entendem que escola inclusiva é aquela
que prepara o espaço e os profissionais, ou seja, eles entendem que na perspectiva
inclusivista não é o sujeito que se adapta à escola, mas é esta que deve se preparar para
receber todos, proporcionando uma imersão total no que se refere à educação.
Para alguns professores, a prioridade para que aconteça a inclusão de crianças surdas na
educação infantil está na preparação tanto deles, quanto de todos os profissionais que
trabalham na instituição. Eles têm a consciência de que para uma escola ser realmente
inclusiva, as ações inclusivistas não devem se deter à sala de aula, já que alguns enfatizam
que o conhecimento da Libras é fundamental para o trabalho junto ao estudante surdo.
Observamos também que, embora muitos dos sujeitos participantes não tiveram
formação continuada para trabalhar com alunos surdos, eles têm a compreensão do
princípio da inclusão, inserir todos e eliminar as barreiras da aprendizagem. Entretanto,
em se tratando do que eles priorizam na inclusão do aluno surdo na creche, não houve
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menção a figura do adulto surdo ou de um professor bilíngue, o que consideramos
fundamental para viabilizar a inclusão da criança surda, sobretudo no espaço da creche
Além disso, o fato de nenhuma participante fazer referência a alguma estratégia de ensino
pautada em recursos visuais, mostra-nos a falta de conhecimento acerca de como a pessoa
surda aprende, já que se trata de um sujeito visual.
Por fim, constatamos que a falta de formação específica ou mesmo continuada dos
professores é um dos maiores problemas enfrentados para o desenvolvimento de
estratégias pedagógicas inclusivas. Sem o conhecimento necessário sobre como essas
crianças compreendem o mundo, quais as metodologias específicas e quais as estratégias
pedagógicas que consideram a diferença linguística, fica difícil avançar na educação
desses sujeitos.
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