PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E...
Transcript of PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOÃO ASSIS RODRIGUES
PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
VITÓRIA 2008
1
JOÃO ASSIS RODRIGUES
PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Regina Helena Silva Simões
VITÓRIA 2008
2
HOMENAGEM
A Émile Creutz (In Memorian), Professor
Emérito da Université Catholique de Louvain-
La-Neuve, Bélgica. Filósofo e educador popular
que partiu aos 71 anos. Obrigado por seus
conselhos e por seu acompanhamento, sempre
presentes, de grande mestre.
3
AGRADECIMENTOS
Ao terminar este trabalho, gostaria de exprimir minha profunda gratidão a todas as
pessoas que contribuíram para a realização desta tese, graças a seus apoios
esclarecidos e generosos,
- À Professora Regina Helena Silva Simões, minha orientadora, por ter
aceitado orientar esta tese e todos os desdobramentos de uma situação por si
mesma complexa e cheia de desafios, tratados com carinho e paciência
vindos do céu. A cada desafio, um conselho pertinente. Por sua dedicação e
disponibilidade em meio a tantos afazeres. Sua sapiência de mestre me
ensinou muito e me possibilitou a realização da tese. Exprimo aqui meu
profundo respeito e reconhecimento.
- À Professora Janete Magalhães Carvalho, orientadora de minha dissertação
de mestrado. Mais uma vez tive a honra de assistir às suas aulas e delas
participar, ouvir suas orientações e sugestões de leitura.
- Ao Professor João Batista Pereira Queiroz, amigo de longa data, pelos
caminhos da pedagogia da alternância. Por seu apoio, enorme disponibilidade
e conselhos pertinentes, que me permitiram avançar no trabalho.
- À Professora Maria Elisabeth Barros de Barros, pela disponibilidade e
amabilidade de seus conselhos, suas valiosas indicações de leitura,
particularmente relacionadas ao filósofo Michel Foucault.
- Ao Professor Carlos Eduardo Ferraço, pela qualidade de suas aulas, pelo
apoio incansável de grande amigo, pelos conselhos de grande mestre.
- Ao Professor Jadir de Morais Pessoa, pela disponibilidade e pronta
aceitação em compor o júri desta tese.
- Ao Professor Franco Cortesi, ex-professor e orientador da Universidade
Católica de Louvain-La-Neuve, Bélgica, por suas aulas sofisticadas e
interessantes, seu acompanhamento a um estrangeiro aprendente da língua
francesa, sua paciência e amabilidade que me possibilitaram superar as
dificuldades, progredir e concluir o trabalho sob sua orientação.
- Ao Professor Jean-Claude Gimonet, ex-diretor do Centro Nacional
4
Pedagógico das Casas Familiares Rurais, em Chaingy, na França, pelo
acolhimento, seus conselhos e sua mediação indispensáveis para os estudos
realizados na França.
- Ao Professor Gaston Pineau, por seu acompanhamento na longitude de
minha luta para realizar esta tese. Amigo nas horas difíceis e incansável
incentivador.
- Ao Professor Émile Creutz (in memoriam) por sua generosidade e seus
conselhos no início de meus estudos em Louvain-La-Neuve.
- A todos os colegas da linha de pesquisa Cultura, currículo e formação de
educadores, que, nas reuniões semanais, sempre me ajudavam a “amolar as
ferramentas de trabalho”. Ocasiões privilegiadas para discutir nossos projetos
de pesquisa e os respectivos avanços.
- Ao Senhor Aimé Caeckelbergh, presidente da SIMFR (Solidariedade
Internacional dos Movimentos Familiares para a Formação Rural), e à sua
equipe de trabalho, principalmente a Pedro Puig e Geraldo Verhelst, pelo
apoio e acompanhamento durante minha estadia na Bélgica.
- À CAPES, pelo auxílio financeiro no doutorado.
- À UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), que me incentivou por
meio do extinto PICDT – Programa Institucional de Capacitação Docente –, e
aos colegas de trabalho.
- Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, espaço de ricos
encontros de crescimento e aprofundamento, pela aceitação de meu projeto e
pelo apoio dos professores.
- À minha família Gilsa e os filhos Larissa, Leonardo e Luis Gustavo,
cúmplices em tudo, que me ajudaram a encontrar tempo e mobilizar as
energias necessárias à realização deste trabalho, aceitando serem, em certos
momentos, privados de minha presença.
- Finalmente a todas as outras instituições, pessoas, colegas e formadores:
RACEFFAES, Glorinha, Ângela, Brandão, Magides, Idalgiso, Flávio,
Chiquinho, Raquel, Vidal, Carlos Sossai, Gilda, Sérgio, Mário, Padre Firmino;
enfim, a todos que muito me ajudaram direta e indiretamente.
5
RESUMO
Este estudo, intitulado As práticas discursivas de reprodução e diferenciação na
pedagogia da alternância, analisa as práticas discursivas de um grupo de 13
monitores atuantes em 12 escolas que praticam o ensino em alternância no Espírito
Santo. Os Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) ou
Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) nasceram, em 1968, em Olivânia, município de
Anchieta/ES, e pouco a pouco se expandiram pelo Estado e pelo Brasil. Hoje o
conjunto dessas instituições totaliza 33 Centros no Espírito Santo e 275 no Brasil.
Neste estudo apresenta-se inicialmente a problemática da pesquisa e seu contexto,
seguido de um détour por meio do conceito de alternância, sua história no mundo e
o seu desenvolvimento no Brasil destacando a origem francesa dessa modalidade
de ensino e as diferentes tendências que foram se constituindo ao longo dos 40
anos de sua existência. O estudo das práticas discursivas dos educadores
(chamados de monitores) teve como principal ponto de apoio as entrevistas
realizadas junto a cada monitor que ao falar de sua prática, trazia referenciais de
problematização e análise de suas práticas.
As práticas discursivas dos monitores evidenciam uma pedagogia gerida e
conduzida por um coletivo constituído pelos monitores, estudantes, pais, instituições,
comunidades e organizações locais. O discurso dos monitores evidencia a
alternância enquanto uma modalidade pedagógica engajada no desenvolvimento
local, uma metodologia específica, um modo de organização e funcionamento
diferenciado inspirado em princípios da democracia. Um modo diferenciado de ser
educador e escola do/no campo. As escolas em alternância constituem um
movimento educativo articulado com outras dimensões com as quais a educação
interage para favorecer o domínio do poder e do saber, que possibilitam a autonomia
e a invenção de novos modos de existência.
Palavras chave: práticas discursivas, pedagogia da alternância, formação do
educador
6
RESUMÉ
Cette étude, intitulée les pratiques discursives de reproduction et différentiation dans
la pédagogie de l’alternance, analyse les pratiques discursives d’un groupe de 13
moniteurs agissant dans 12 écoles qui pratiquent l’enseignement en alternance à
l’État de l’Esprit Saint. Les Centres Éducatifs Familiaux de Formation par Alternance
(CEFFAs) ou Écoles Familiales Agricoles (EFAs) sont nées, en 1968, à Olivânia
municipe d’Anchieta, et peu à peu se sont multipliés en Espírito Santo et au Brésil.
Aujourd’hui l’ensemble de ces institutions forment actuellement 33 centres en
Espírito Santo et 275 au Brésil.
Initialement l’étude présente la problématique de la recherche et son contexte, suit
d’un détour par moyen du concept d’alternance son histoire dans le monde et son
développement au Brésil en mettant en relief l’origine française de cette modalité
d’enseignement et les différentes tendances constitués tout au long des 40 ans de
son existence. L’étude de la pratique discursive des éducateurs (appelés moniteurs)
ont eux comme point d’appui les entretiens faites auprès de chaque moniteur. Les
donnes portait des référentiels de problématisation et d’analyse de leur pratiques.
Les pratiques discursives des moniteurs mettent en relief une pédagogie gérée et
pilotée par un collectif constitués des moniteurs, étudiants, parents, institutions,
communautés et des organisations locales. Les discours des moniteurs démontre
l’alternance comme une modalité pédagogique engagée dans le développement
locale, avec une méthodologie spécifique, un mode d’organisation et de
fonctionnement différée inspirée des principes de la démocratie. Un nouveau mode
d’être éducateur, d’école dans la campagne, ce qui constitue un mouvement éducatif
articulé à d’autres dimensions avec lesquels l’éducation interagisse pour favoriser le
domaine du pouvoir et du savoir qui permettent l’autonomie et l’invention des
nouveaux modes d’existence.
Mots Clés: pratique discursive, pédagogie de l’alternance, formation de l’éducateur
7
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AAES – Associação dos Amigos do Espírito Santo - Itália - Brasil
AEC – Associação Escola Comunidade.
AECOFABA – Associação das Escolas das Comunidades e Famílias Agrícolas da
Bahia.
AEFACOT – Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro Oeste e
Tocantins.
AEFARO – Associação das Escolas Famílias Agrícolas de Rondônia.
AIMFR – Association Internationale des Mouvements Familiaux pour la Formation
Rurale.
AMEFA – Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas.
APEFA – Associação para a Promoção das Escolas Famílias Agrícolas da
Argentina.
ARCAFAR – Associação Regional das Casas Familiares Rurais.
ARCAFAR Norte e Nordeste – Associação Regional das Casas Familiares Rurais
das Regiões Norte e Nordeste.
ARCAFAR Sul – Associação Regional das Casas Familiares Rurais da Região Sul.
CEB – Câmara de Educação Básica.
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base.
CEA – Centro Educativo e/ou Formativo em Alternância.
CEE – Conselho Estadual de Educação.
CEFFA – Centros Familiares de Formação em Alternância.
CdFR – Casa da Família Rural
CFA – Centro de Formação de Aprendizes – França.
CFP – Centro de Formação Profissional – França.
CIER – Centro Integrado de Educação Rural.
CFR – Casa Familiar Rural.
CNAS – Conselho Nacional de Serviço Social.
CPT – Comissão Pastoral da Terra.
DAC – Departamento de Ação Comunitária.
DISOP – Développement International du Sud-est du Parana - Bélgica - Brasil.
ECORM – Escola Comunitária Rural Municipal.
8
EFA – Escola Família Agrícola.
EFA de EM e EP – Escola Família Agrícola de Ensino Médio e Educação
Profissional.
EPA – Escola Popular de Assentamento.
ETA – Escola Técnica Agrícola.
FAO – Food And Agricultural Organization (Órgão da Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação, com sede em Roma, Itália).
FIBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
FP – Folha de Pesquisa.
FUNACI – Fundação Padre Dante Civieiro.
INCAPER – Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural.
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
IREO – Instituto Rural de Educação e Orientação – França.
ISER – Instituto Superior de Estudos da Religião.
JAC – Juventude Agrícola Católica.
MEPES – Movimento de Educação Promocional do Estado do Espírito Santo.
MERCOSUL – Mercado Comum do Cone Sul.
MFR – Maison Familiale Rurale – França.
MFREO – Maison Familiale Rurale d’Éducation et d’Orientation.
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores.
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
ONGs – Organizações não Governamentais.
PA – Pedagogia da Alternância.
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.
PE – Plano de Estudo.
PF – Plano de Formação.
PPGE-UFES – Programa de Pós-Graduação em Educação em Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo.
PROJOVEM – Programa de Formação de Jovens Rurais.
PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar.
PT – Partido dos Trabalhadores.
RAEFAP – Rede de Associações Escolas Famílias Agrícola do Amapá.
RACEFFAES – Rede das Associações dos Centros Familiares de Formação por
9
Alternância do Espírito Santo.
REFAISA – Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semi-árido.
SIMFR – Solidarité Internationale des Mouvements Familiaux pour la Formation
Rurale – Bélgica.
SFR – Scuolas della Famiglia Rurale – Itália.
UEFAMA – União das Associações Escolas Famílias Agrícola do Maranhão.
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo.
UNEFAB – União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil.
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Órgão da Organização das Nações Unidas sediado em Paris - França).
UNMFRs – União Nacional das Maisons Familiales Rurales – França.
UNMFREO – Union Nationale des Maisons Familiales Rurales d’Éducation et
d’Orientation – França.
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 (Influência do movimento das EFA) .......................................................... 84 Quadro 2 (Influência do movimento das CFRs) ........................................................ 85 Quadro 3 - Monitores entrevistados por tipos de estabelecimentos, por nível de ensino e por faixa etária dos alunos ...................................................... 141 Quadro 4 – Distribuição dos estabelecimentos em alternância (Os CEAs) no Espírito Santo e seus respectivos agrupamentos ................................................... 144
Quadro 5 - Nível Qualificação ..................................................................................... 145 Quadro 6 - Experiência Profissional .......................................................................... 145 Quadro 7 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino fundamental) .... 147 Quadro 8 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino médio) ............... 148
Quadro 9 - Jornada dos estudantes em internato .................................................... 153 Quadro 10 - Jornada dos estudantes sem internato ................................................ 153
11
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 15 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O INTERESSE PELA EDUCAÇÃO EM ALTERNÂNCIA ............................................................................... 18 1.2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA: CAMINHOS PERCORRIDOS .................................................................................... 25 2 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA: A CONSTITUIÇÃO DE UM CAMPO ..................................................................................................... 28 2.1 EMERGÊNCIA DA PROBLEMÁTICA: A PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM ALTERNÂNCIA ........................ 28 2.1.1 A problemática da pesquisa ............................................................ 32 3 ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO............................................................... 44 3.1 O TERMO ALTERNÂNCIA E O SEU USO EM DIVERSAS CIÊNCIAS E EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ...................................... 44 3.2 AMBIGÜIDADE DA NOÇÃO ALTERNÂNCIA ....................................... 51 3.3 A ALTERNÂNCIA EDUCATIVA: UMA PEDAGOGIA COMPLEXA ...... 52 3.4 A ALTERNÂNCIA E SUAS DIFERENTES MODALIDADES DE ORGANIZAÇÃO .................................................................................... 55 3.5 FORMAS ASSUMIDAS PELO ENSINO EM ALTERNÂNCIA............... 59 3.5.1 A questão da Integração e a interface na pedagogia da alter-
nância.................................................................................................62 4 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL .......................................... 65 4.1 O SURGIMENTO DO ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO ESPÍRITO SANTO: AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS .................................. 65 4.1.1 A expansão da alternância no interior do Espírito Santo e no Brasil .................................................................................................. 75 4.2 AS “CASAS FAMILIARES RURAIS” (CFR): UMA NOVA REDE DE CEFFAS DEDICADA À FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL .................................................................................................. 80 5 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NOS CAMINHOS DA ALTERNÂNCIA ..... 86 5.1 AS PUBLICAÇÕES E OS TRABALHOS CIENTÍFICOS NA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS CEAS NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO .................................................................................................. 86 6 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO ...................................... 116 6.1 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO: O DESAFIO DA ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA COMO PEDAGOGIA EDIFICANTE ..... 116
12
7 O DISCURSO DOS MONITORES: DO CONTEXTO E DAS PRÁTICAS DOS CEAS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ............... 142 7.1 AS ESCOLAS EM ALTERNÂNCIA E SEUS AGRUPAMENTOS ......... 143 7.2 ESCOLARIDADE E EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL DOS MONITORES ......................................................................................... 145 7.2.1 Exigências, grau de formação oferecido e o público-alvo .......... 146 7.2.2 Infra-estrutura das escolas .............................................................. 149 7.2.3 O trabalho produtivo na escola ....................................................... 149 7.2.4 As condições socioeconômicas e culturais das famílias ............ 150 7.2.5 As escolas e suas jornadas com e sem internato ........................ 151 7.3 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS MONITORES ........................... 154 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 180 9 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 191
15
1 INTRODUÇÃO
Esta tese, inserida entre as dez produzidas no Brasil (de 1998 a 2008) sobre a
educação em alternância, pretende contribuir para as reflexões do ensino em
alternância e oferecer novos elementos de problematização, de discussão e de
informação que possam auxiliar na formação de monitores1, professores e, por
extensão, dos educadores preocupados com a educação do/no campo.
A primeira parte deste trabalho, que não chamamos de capítulo, constitui a parte
introdutória e tece considerações iniciais acerca da tese, em que explicamos nosso
interesse pela educação em alternância e os caminhos percorridos no
desenvolvimento da pesquisa.
O trabalho está dividido em 6 capítulos, da maneira como se descreve a seguir.
No capítulo I, O ensino em alternância: a constituição de um campo,
apresentamos a questão norteadora da pesquisa, situando logo no início a
constituição desse ensino como produção discursiva, explicitando os problemas e a
discussão das práticas discursivas dos monitores no ensino em alternância.
No capítulo II, Alternância e educação, expomos o conceito da alternância,
partindo de uma “arqueologia” do conceito e do modo pelo qual se constituiu em um
campo discursivo. Devido aos vários estudos no mundo e também no Brasil que
foram dando nomes a essas práticas discursivas, buscamos neste estudo conceitual
identificar pontos de convergência e de diferenciação no modo de conceber e
organizar as práticas de alternância. Isso porque constatamos que a alternância não
é um conceito único, sua origem etimológica não possui nenhuma ligação com a
educação. Ela é, portanto, um conceito aberto a reinvenções. As várias
sistematizações do conceito em educação demonstram diferentes visões políticas,
pedagógicas e filosóficas que subjazem às invenções da alternância tanto no Brasil
como noutras partes do mundo. Sendo assim, apresentamos, ao final do capítulo, os
conceitos de integração e de interface como pontos de partida para analisar a
prática discursiva dessa pedagogia em movimento. Enquanto os estudos teórico-
1 O nome monitores corresponde ao nome dos educadores que trabalham com a pedagogia da alternância objeto desta tese.
16
práticos franceses buscam, de certa forma, a unidade epistemológica e o
fortalecimento institucional da alternância, os estudos brasileiros estão mais voltados
para desenvolver nela o potencial instituinte.
No capítulo III, O ensino em alternância no Brasil, mostramos que alternância em
educação é uma produção discursiva de menos de um século, 70 anos na França,
40 anos no Brasil. Porém, nas últimas décadas, a educação em alternância
expandiu-se, recoloriu-se e se reconceituou. Hoje, a alternância em educação é um
discurso multiforme e complexo.
No capitulo IV, A produção científica nos caminhos da alternância, procuramos
reunir o que há no discurso que vem sendo sistematizado sobre a alternância,
principalmente nos últimos 10 anos, expresso nas várias publicações e trabalhos
científicos que constituem os estudos de referência sobre o assunto.
O capítulo V, Entre a repetição e a diferenciação, enriquece o referencial teórico,
que tratamos como algo abrangente e constituinte dos outros capítulos. Desse
modo, ao mesmo tempo em que formamos uma base para nossas análises no
capítulo VI, também estaremos, ao longo do trabalho, interagindo com toda uma
produção discursiva. Necessário se faz buscar um referencial que dê conta de
abordar a alternância em movimento de forma a possibilitá-la despir-se e
experimentar novas roupagens. Há, assim, um discurso de inventivo circulante entre
os monitores co-artífices no cotidiano. Nossa investigação empreenderá, mais
adiante, um olhar investigativo sobre “do quê” e “como” se produzem novos
desdobramentos.
Para o referencial teórico buscamos o aporte de vários autores co-autores da
produção discursiva. Destacamos, todavia, a contribuição do filósofo Michel
Foucault, que desenvolve as noções de formação e prática discursiva, inacabamento
da realidade, infinitude do movimento, liberdade como potencialidade humana,
produção de subjetividades, relações de poder e de saber, e relação entre teoria e
prática.
No capítulo VI, O discurso dos monitores: do contexto e das práticas dos CEAS no estado do Espírito Santo, apresentamos os dados e sua a análise.
17
Finalmente, buscamos neste trabalho analisar práticas discursivas no ensino em
alternância que produzem subjetividades; ou seja, a emergência do sujeito na/da
produção discursiva, a não dissociação entre teoria e prática, que na diferenciação
de culturas e de sujeitos produza alteridade. Em outros termos, práticas
reinventadas.
Destacamos que a pedagogia da alternância praticada nos diferentes Centros
Educativos e/ou Formativos em Alternância (CEAs) do Espírito Santo não é única.
Seu modo de organização e de funcionamento orienta-se por princípios de
autogestão e de co-gestão centradas na participação efetiva do coletivo. Refletem,
portanto, a particularidade de cada contexto socioeconômico, político e cultural, além
de expressarem a vontade de um coletivo de se mobilizar em torno de objetivos
comuns de educação e de desenvolvimento social local.
A pedagogia da alternância não é vista pelos educadores (monitores) como um
modelo a ser implantado, mas como uma pedagogia a experimentar e que se vai
movendo pelas mãos dos agentes locais.
Ressaltamos ainda que o relatório apresentado é um instrumento do presente, fruto
de várias mudanças e no dia seguinte a sua formalização, passível de novos
olhares. Esse processo constante de “vir a ser” não mais nos angustia; ao contrário,
tranqüiliza-nos. Isso quer dizer que podemos saber como começar um projeto de
tese, mas não sabemos, com certeza, como terminá-lo. As certezas nesse momento
são equívocos epistemológicos. As mudanças começam com as novas leituras e
discussões dentro e fora das aulas; os trabalhos em grupo; os seminários; os
congressos; os colóquios; etc.; tudo vai movendo-se no tabuleiro da formação. As
conversas com o orientador, no nosso caso, foram momentos privilegiados de
demolição daquilo que nos pareciam convicções. As reuniões de qualificação nos
convenceram de que é conhecendo as fragilidades que podemos melhorar e dar
mais consistência epistemológica ao trabalho acadêmico.
Portanto, este trabalho é fruto de várias transformações e de muitas contribuições; e
por isso não se configura como um trabalho solitário, pois o conhecimento é uma
síntese provisória.
18
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O INTERESSE PELA EDUCAÇÃO
EM ALTERNÂNCIA
Como professor da disciplina Prática de Ensino de Filosofia na Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES), em 1994 fomos convidados por um ex-professor da UFES
para participar como colaborador de um curso de formação inicial de monitores e
monitoras, numa parceria entre a UFES e o Centro de Formação e Reflexão das
Escolas Famílias Agrícolas do Espírito Santo2. Um projeto de parceria que
mobilizava vários professores da universidade.
Essa colaboração, aceita voluntariamente, muito nos inquietou, tendo em vista o fato
de estar assumindo a participação num projeto já em andamento e pela forma como
o processo se desenvolvia3. No Centro de Formação do MEPES, eu e meus colegas
da universidade “dávamos” aulas expositivas o dia inteiro para alunos-monitores, em
pleno exercício do ensino em alternância, sem que os conteúdos estivessem
vinculados às suas verdadeiras necessidades de formação. O descompasso entre o
que fazíamos e o que deveríamos fazer trazia conseqüências e gerava contradições
já percebidas pelos monitores em formação, com os quais se estabeleceu um
diálogo que nos trouxe duas interrogações:
1ª – Quais são as conseqüências desta maneira de proceder para o ensino em
alternância?
2ª – Ligada à primeira, foi-nos colocada pelos então alunos em sala de aula: “De que
nos servirá este conjunto de teorias e métodos gerais que vocês tentam nos ensinar
se na nossa prática pedagógica temos que trabalhar de maneira diferente?”
Essas questões, entre outras, colocaram-nos numa trajetória continuamente
contraditória. Como professor, não sabiamos fazer outra coisa a não ser procurar
estudos teóricos de experiências brasileiras em alternância para em seguida
“ensinar aos monitores”, atores do ensino, sem, contudo, conhecer suas verdadeiras
2 O Centro de Formação é, segundo Nosella, 1977, um organismo criado para formar operadores, principalmente monitores para atuarem nas EFAs. O CF pertence ao Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES. 3 Havia um Plano de Estudo que oferecia algumas pistas orientadoras para as disciplinas oferecidas. Todavia, essas orientações eram ignoradas pela maioria dos professores, que já traziam um plano de trabalho de fora. Não havia articulação entre os professores da UFES, nem entre os outros que participavam do curso.
19
necessidades de formação.
Assim, após uma inserção no contexto das EFAs, por meio do curso de formação
inicial de monitores, começamos em seguida a visitar as escolas no seu cotidiano,
encontrando com sujeitos do/no contexto. Procuramos contatar pessoas diretamente
envolvidas com essas escolas: monitores, alunos, ex-alunos, famílias e
administradores. Esses contatos nos permitiram conhecer um campo de práticas
discursivas – no sentido foucaultiano – ou seja, uma modalidade pedagógica, a
alternância. Além disso, possibilitou-nos identificar os diferentes sujeitos atuantes
em distintos níveis de ensino, uma metodologia de ensino, dispositivos específicos
de uma iniciativa pedagógica diferenciada e um campo educativo. Isso nos permitiu
dentro de um longo percurso de estudos “re-centrar” a abordagem do tema a partir
dos estudos foucaultianos. Essa perspectiva de interrogação e análise do objeto de
estudo nos levou a propor e desenvolver a pesquisa que resultou na presente tese.
Entre os diferentes sujeitos atuantes nas escolas que funcionam em regime de
alternância, constatamos o papel fundamental dos monitores no processo existencial
dessas instituições. Eis o motivo pelo qual nós os escolhemos como sujeitos de
nossa investigação. Gostaríamos, portanto, de analisar as práticas discursivas de
reprodução e diferenciação na pedagogia da alternância desenvolvida pelos
monitores que atuam nessa modalidade de ensino no Espírito Santo.
Estudos da alternância na Universidade Católica de Louvain e na Universidade
Federal do Espírito Santo.
Em agosto de 1997, tendo já cumprido as exigências burocráticas para ingresso em
uma universidade estrangeira, desembarcamos eu e minha família na Bélgica, na
cidade universitária da Universidade Católica de Louvain-La-Neuve (UCL), para
cursar doutorado em ciências da educação, mais especificamente no campo dos
estudos relacionados ao ensino em alternância.
Antes do ingresso no curso de doutorado, foi necessário realizarmos um programa
chamado Diploma de Estudos Aprofundados (DEA) e cumprir uma etapa obrigatória
de estudos preparatórios. A realização desse estudo culminou na realização de uma
dissertação defendida em 11 de janeiro de 1999, que enfocou o ensino em
alternância desenvolvido nas “Escolas Famílias Agrícolas” do Brasil.
20
Em novembro de 1999, ingressamos no programa de doutorado da Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da UCL. Para o desenvolvimento da tese,
delimitamos o estudo aprofundado das práticas pedagógicas em alternância
desenvolvida pelos educadores do meio rural no Estado do Espírito Santo.
Em 2001, tendo vencido as etapas do programa, tais como a aprovação do projeto,
o estudo de disciplinas obrigatórias, a realização da coleta de dados no Brasil e a
primeira qualificação, iniciamos a etapa de tratamento e análise dos dados.
Em virtude dos compromissos profissionais no Departamento de Didática e Prática
de Ensino (DDPE) da UFES, retomamos as atividades na universidade em setembro
de 2001, conforme os prazos estipulados no processo de afastamento.
Mantivemo-nos, todavia, regularmente matriculado no curso de doutorado da UCL
até novembro de 2003, quando, em conformidade com o regulamento, trancamos o
curso para regularizar a matrícula somente quando a tese estivesse concluída.
Para assinalar que esta pesquisa vem de uma longa trajetória precedida não apenas
pelo vaivém de percursos de curtas e longas distâncias e do âmbito acadêmico, mas
também por um longo período de busca do conhecimento, da experiência do outro, é
importante destacar a experiência de vivência e estudos na Europa. O período de
estada na Bélgica foi de dificuldades, descobertas e muitas buscas. As visitas a
diferentes experiências de formação em alternância na Espanha, Bélgica e
especialmente na França, foram enriquecedoras. Muitas foram as viagens e os
contatos com associações mantenedoras, organizações governamentais e não-
governamentais, diretores de centros de formação e de escolas, monitores,
formadores e educadores, instituições, empresas, parceiros externos e alunos. Além
disso, devem-se destacar a realização de cursos, a participação em seminários, as
viagens de estudos, as visitas a empresas, familiares ou não, e a diversos campos
de estágios. Também o contato com pesquisadores deu-nos uma contribuição
importante no sentido do conhecimento, de um ângulo mais amplo, dessas
experiências formativas para tratar do objeto de estudo em questão, ou seja, abordar
as experiências brasileiras com um olhar mais amplo. Isso sem dúvida, alargou
nossos conhecimentos teórico-práticos sobre o assunto.
Por razões exteriores à nossa vontade e empenho acadêmico, fomos encontrando
21
grandes dificuldades, tanto na comunicação com os orientadores quanto no próprio
processo de orientação, que estava em mãos distantes e inteiramente fora de
nossas expectativas. Depois de muita reflexão, percebemos que, para concluir o
doutorado nas condições impostas por Louvain precisaria de um período
complementar de afastamento e estadia na Bélgica (não mais permitido pela UFES).
Em face desse impasse de comunicação e do nosso interesse em avançar e concluir
uma formação que já culminava numa quase tese, decidimos, sob orientação e
acompanhamento da CAPES, solicitar no início de 2005, nossa transferência para o
Curso de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE – UFES.
Uma vez submetido aos critérios de admissão do programa de doutorado em
educação, fomos aceitos em 2006, para prosseguir e concluir a tese no referido
programa, dentro do qual regularizamos a matrícula e propomos o término da tese
em 2008, conforme cronograma acordado com a CAPES.
O ingresso no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Espírito Santo ocorreu, em princípio, no sentido de dar prosseguimento ao projeto
iniciado e concluir a tese. O regulamento do programa exigiu-nos a realização de um
bloco de disciplinas, a instituição de novo orientador e o engajamento na linha de
pesquisa intitulada “Currículo, cultura e formação do educador”. Essas exigências
provocaram mudanças profundas nos nossos estudos, graças aos novos horizontes.
Os aportes teórico-metodológicos vindos de novo contexto acadêmico e orientação
nos colocou em contato com as recentes tendências e correntes de pensamento em
educação. Os novos estudos de autores e de abordagens dos processos de
educação e formação nos levaram a efetuar uma releitura crítica e a problematizar
tudo o que havíamos escrito anteriormente; algo que nos fez realizar profundas
mudanças no que havíamos desenvolvido.
O desafio que se colocava consistia em dar conta da riqueza do campo de estudos,
sua complexidade, novas interrogações e novas abordagens dentro da qual o objeto
desta pesquisa se situava.
Definimos, portanto, o enfoque da pesquisa: as experiências de ensino em
alternância no/do meio rural, mais especificamente, em instituições situadas no
Estado do Espírito Santo, Brasil. O estudo investiga as práticas discursivas de
22
monitores, atuantes em Centros Educativos e/ou Formativos em Alternância (CEAs)
que desenvolvem uma modalidade educativa por alternância voltada para a
educação de crianças, adolescentes e jovens do campo.
A alternância constitui uma modalidade educativa que utiliza espaços e tempos com
lógicas de funcionamento diferentes, divididos entre o meio escolar (com monitores)
e o meio socioprofissional (com a família, a comunidade, o trabalho). O período de
permanência nos meios escolar e socioprofissional pode ser igual num e noutro
meio, ou menor ou maior em qualquer um dos dois. No período de permanência no
meio escolar, prevalece a lógica de aprendizagem do conhecimento geral, de caráter
mais teórico. Trata-se de atividades mais próximas das características escolares sob
o acompanhamento dos monitores. No meio extra-escolar prevalece a lógica da
aprendizagem da vida socioprofissional, com o acompanhamento de um tutor-
orientador, de um profissional ou de um mestre de estágio.
O ensino em alternância no Espírito Santo deu origem a um conjunto de
experiências educativas em expansão pelo Brasil dentro da chamada “pedagogia da
alternância,” sob diferentes denominações e em diferentes instituições. Nesta
pesquisa, utilizamos o nome Centros Educativos e/ou Formativos em Alternância
(CEAs)4 para denominar genericamente o conjunto das instituições educativas que,
de forma predominante, mas não exclusiva, se tornaram conhecidas no Espírito
Santo com o nome Escola Família Agrícola (EFA)5.
A primeira iniciativa concreta precedente a essa proposta de tese, conforme
mencionamos anteriormente, consistiu na realização de uma dissertação defendida
no Instituto de Formação de Adultos-FOPA, da Universidade Católica de Louvain-
UCL, intitulada Escolas Famílias Agrícolas: um modelo de desenvolvimento para o
4 Decidimos utilizar o nome Centro Educativo e/ou Formativo em Alternância (CEA), inspirado em materiais informativos da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB) e em documentos internacionais sobre o assunto. Com isso, pretendemos designar o conjunto das escolas ou centros de educação ou de formação em alternância EFAs, CEFFAs, CFRs, ECORMs e outras instituições situados no Estado do Espírito Santo e no Brasil. 5 No Espírito Santo, atualmente, há diferentes nomes atribuídos aos CEAs: as “Escolas Famílias Agrícolas” (EFAs), “Escolas Comunitárias Rurais Municipais” (ECORM), “Escolas Populares de Assentamento” (EPAs) e “Escolas Famílias Agrícolas autônomas” (EFAs). Constatamos, ainda, que entre as escolas ou Centros Educativos e/ou Formativos em Alternância que constituem os diferentes agrupamentos de escolas no Espírito Santo, as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) são as instituições mais numerosas e representam em torno de 70% do total dessas instituições no Estado. Atualmente, a maioria dos CEAs são afiliados à “União Nacional das Escolas Familiares Agrícolas do Brasil” (UNEFAB).
23
meio rural. Um estudo voltado às Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) no Brasil.
Essas instituições inspiraram-se em escolas do meio rural francesas criadas em
1935 no interior dos movimentos camponeses que procuravam novas alternativas
educativas para formar seus filhos para o trabalho no campo. Conhecidas na Europa
há mais de meio século com o nome de Maisons Familiales Rurales (MFR), essas
instituições desenvolveram uma modalidade particular de educação e de formação
em alternância voltada para o meio rural.
A análise dos dados obtidos por meio de um estudo exploratório, contato com os
monitores atuantes e de estudos documentais, permitiu-nos a descrição das
principais características das EFAs (CEAs) e seus dispositivos: uma modalidade
educativa fundada na alternância entre o meio de vivência escolar e o meio externo;
uma filosofia de educação em movimento dinâmico de integração às necessidades
dos atores; uma metodologia específica voltada para a apreensão dos elementos da
cultura local ou regional; uma escola emergente das forças sociais locais. Mediante
os elementos de integração ao meio, constatamos que as EFAs (CEAs) constituem
uma modalidade de formação alternativa para os trabalhadores camponeses no
Espírito Santo.
Atualmente, no Espírito Santo, encontra-se a maior concentração de
estabelecimentos de formação em alternância do Brasil, onde a fonte de origem, a
expansão e a diferenciação formam um contexto particular no qual as características
se assemelham e se diferenciam ao mesmo tempo. Segundo o relatório da União
Nacional das Escolas Familiares do Brasil (UNEFAB, 2007) e do Regional das
Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo
(RACEFFAES, 2007), o conjunto dessas escolas forma um total de 33 unidades
espalhadas pelo interior do Estado, todas no campo, formando um conjunto de
estabelecimentos com experiências diversas de ensino em alternância no campo.
Essas escolas foram criadas no final dos anos 1960, como uma alternativa de
educação voltada para os filhos e filhas de camponeses, e atendeu inicialmente os
jovens e adultos. Posteriormente o público passou a constituir-se de crianças,
adolescentes e jovens de diferentes contextos regionais. Obedecendo às diretrizes
do ensino básico brasileiro, essas escolas integram, com sua especificidade, o
sistema de instituições de ensino básico majoritariamente de caráter não-
24
governamental, atendendo a dois níveis: o pós-primário e o médio profissional6.
O modo de alternância dos CEAs organiza-se em torno de dois pólos: a escola e o
meio sociofamiliar ou socioprodutivo . Atualmente, a maioria dos CEAs se encontra
à margem dos benefícios das políticas educativas oficiais, segundo a UNEFAB
(2007). Essa modalidade de ensino em alternância, nascida durante o período da
ditadura militar, dentro de um meio social atingido por uma sucessão de crises
político-econômicas, consolidou-se como uma alternativa de educação ao sistema
de ensino formal no campo. Atualmente, o conjunto dos CEAs é formado, em sua
grande maioria, de instituições não-governamentais sem fins lucrativos, reunindo
associações locais e regionais, a maioria delas afiliadas, em nível nacional, à
UNEFAB, que se destaca como o principal organismo representante da grande
maioria dessas escolas, e nos últimos anos vem reivindicando um maior
reconhecimento e recursos públicos7. Esse reconhecimento é visto como um ponto
de significativa importância para essas escolas por duas razões:
a) exigir do Estado brasileiro o cumprimento de suas obrigações legais em relação à
educação básica8;
b) permitir o desenvolvimento da modalidade de ensino em alternância no meio
rural, sem que essas instituições tenham que obrigatoriamente se tornar propriedade
do Estado ou do município, de maneira que elas fiquem sob a responsabilidade das
associações locais e das organizações não-governamentais sem fins lucrativos.
Dentro do quadro de uma pesquisa da modalidade de ensino em alternância no
Brasil, pretende-se, a seguir, situar a problemática a partir das interrogações que
nos impulsionaram na constituição de nosso objeto de pesquisa.
6 Segundo a legislação brasileira (Lei de Diretrizes e Bases, 1996), “O ensino básico é um direito do cidadão e um dever do Estado brasileiro”. Ele corresponde ao ensino primário de primeira a quarta série, ao pós-primário de quinta a oitava série e ao ensino médio de caráter geral e profissional. 7 Segundo as reivindicações do conjunto das escolas rurais em alternância ratificadas pelo VI e VIII Congresso Internacional dos Centros Familiares de Formação em Alternância; o VI realizado na cidade de Guarapari, Espírito Santo, em 1996, e o VIII na cidade de Puerto Iguazú, na Argentina, em 2005. 8 O financiamento público de instituições educativas não governamentais é um tema polêmico no Brasil. Mesmo assim a UNEFAB parte do pressuposto de que o Estado brasileiro, na figura do município ou do Estado, deveria assumir financeiramente todos os CEFFAS do Brasil, mesmo não sendo eles escolas públicas.
25
1.2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA: CAMINHOS PERCORRIDOS
Tema e contexto. A pesquisa foi desenvolvida com monitores atuantes nas escolas
de ensino básico (fundamental, de 5ª a 8ª séries, e médio) que praticam o ensino em
alternância no interior do Estado do Espírito Santo. O tema definido para o nosso
estudo foi: As práticas discursivas de reprodução e diferenciação na pedagogia
da alternância no Espírito Santo.
Selecionamos um grupo de monitores atuantes nas 12 das 33 escolas de nível pós-
primário (fundamental) e médio existentes nas regiões norte e sul do Estado.
Objetivo da pesquisa. Analisar as práticas discursivas de reprodução e
diferenciação na pedagogia da alternância desenvolvida por monitores que atuam no
ensino em alternância no Espírito Santo.
A realização da entrevista. Para encontrar os monitores, primeiramente fizemos
contatos com os responsáveis de cada rede ou grupamento de escolas e,
simultaneamente, com os responsáveis dos estabelecimentos aos quais
apresentamos os critérios. Esse procedimento nos permitiu estabelecer contato com
os monitores e entrevistá-los no próprio local de trabalho. Nossa estratégia de
abordagem, explicada a cada um, consistiu numa conversa a ser gravada, partindo
de questões (abertas) voltadas às práticas pedagógicas em alternância que eles
desenvolviam nas escolas. No transcorrer da entrevista, eles podiam acrescentar e
também colocar suas questões, procurando não fugir ao tema central.
Em levantamento realizado no início de 2008, constatamos que, dos 15 sujeitos
entrevistados no final de 2001 – e havendo passado cerca de 6 anos da época em
que foram feitas as primeiras entrevistas – havia ainda 13 monitores em atuação,
sendo que a maioria deles nas mesmas escolas. Em face da necessidade de uma
atualização dos dados e tendo em vista o fato de que apenas dois dos monitores
não seriam mais encontrados, retornamos a eles no início de 2008, com tal objetivo
e também para acrescentar outras informações aos dados já obtidos anteriormente.
Definição dos sujeitos. Selecionamos 13 monitores pertencentes a 12
estabelecimentos, entre os quais 9 atuam em escolas que oferecem o nível de
ensino fundamental, 2 atuam em escolas que oferecem ensino médio, e apenas 1
26
atua em escola que oferece os dois níveis ao mesmo tempo. Nas diferentes escolas
selecionadas, escolhemos entrevistar um monitor por estabelecimento, salvo no
CEA que oferece os dois níveis de ensino. Estabelecemos critérios passíveis de nos
permitir a reunião de uma diversidade de atores, dentro de uma variedade de
instituições pertencentes a diferentes sistemas de gestão e operação da alternância.
Dessa maneira, estabelecemos os critérios que nos permitiram abordar os sujeitos
de nossa pesquisa.
Distribuição das entrevistas. No que concerne à distribuição das entrevistas,
constatamos que a maior parte dos sujeitos a serem entrevistados pertenciam ao
grupamento de escolas do MEPES, respeitando-se o critério de variedade de
contextos geográficos situados no norte e no sul do Estado. Assim, o critério
norteador da escolha dos sujeitos foi o de abranger diferentes realidades. Por isso,
escolhemos contextos que se diferenciam em termos de economia, modo de
organização escolar, cultura, história e localização geográfica.
Informações dos sujeitos. Na pesquisa, foram levadas em consideração as
informações relacionadas à situação contextual dos CEAs: localização geográfica,
situação socioeconômica e cultural dos habitantes, características do
estabelecimento, tipo de ensino e nível ofertado, estrutura e condições materiais das
escolas.
Em relação às características pessoais do monitor, foram levados em consideração:
origem, situação socioeconômica, sexo, idade, estado civil, experiência profissional,
função que exerce, disciplina ou disciplinas sob sua responsabilidade e seu nível de
escolaridade.
O ensino em alternância e a pesquisa de campo. Em relação ao modo de
funcionamento em alternância, foram levadas em consideração as seguintes
informações: objetivos, modo de funcionamento, metodologia e meios utilizados, os
monitores e seus papéis.
Para que pudéssemos desenvolver a pesquisa definitiva em campo, em 2008,
segundo as previsões de nosso projeto, formulamos as questões com base no
material recolhido durante as entrevistas dentro da etapa exploratória no ano 2001.
27
Após as informações recolhidas no momento anterior, ou seja, no momento da
nossa pesquisa exploratória (ano 2001), elaboramos um guia de entrevista com
questões centrais e secundárias. O guia pretendeu-se suficientemente sintético e
igualmente aberto a novas informações surgidas ao longo das entrevistas9.
Para a realização das entrevistas, foi adotado o mesmo procedimento do ano 2001,
na chamada pesquisa exploratória. Com base nas questões centrais, e sem perder
de vista as questões secundárias, fomos apresentando as questões sempre
deixando o entrevistado livre para se exprimir. Várias questões suscitadas pelas
respostas foram recolocadas no desenvolvimento da entrevista. Foi estabelecido um
tempo variável entre 60 e 90 minutos para a duração das entrevistas, sendo possível
sua gravação para uma posterior transcrição. No segundo encontro, realizado em
2008, as entrevistas não foram gravadas, mas escritas diretamente das falas dos
monitores.
9 Apresentamos as questões centrais utilizadas nas entrevistas com os monitores na última página do capítulo 1.
28
2 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA: A CONSTITUIÇÃO DE UM CAMPO
No Brasil, o ensino em alternância constitui um campo educativo em expansão e um
conceito em difusão na literatura pedagógica. O conceito de alternância encontra-se
inserido nas discussões sobre inovação pedagógica, modalidade de formação
profissional de adolescentes, jovens e adultos, inserção socioprofissional, e
integração entre o meio de vida escolar e o meio de vida socioprofissional.
Apesar de sua inscrição no mundo das discussões e práticas consideradas
progressistas, ensino em alternância é ainda um campo em constituição. No que
tange aos graus de escolaridade, a formação em alternância não conquistou além
do ensino básico, outros graus de ensino. No que concerne ao espaço geográfico,
as experiências educativas em alternância ainda continuam restritas ao meio rural,
não ganharam ainda outros espaços como as cidades, os sistemas de ensino, as
industrias e as empresas de serviços. A alternância é uma modalidade de ensino a
ser melhor conhecida e com muitas possibilidades de desenvolvimento noutros
espaços, noutros níveis e dimensões. Apesar dessas considerações e de acordo
com o objetivo de nosso estudo, faremos a seguir um levantamento da problemática
no qual colocaremos as questões básicas de nosso estudo. No capítulo 2, intitulado
“Alternância e Educação” apresentaremos a gênese do conceito para que se
conheçam sua etimologia e abrangência, e se entenda o seu movimento existencial.
2.1. EMERGÊNCIA DA PROBLEMÁTICA: A PRODUÇÃO DISCURSIVA
DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM ALTERNÂNCIA
As primeiras experiências educativas em alternância no Brasil começaram no final
da década de 1960, no Estado do Espírito Santo, e foram pouco a pouco se
expandindo ao longo dos anos 1970 até formar um total de 10 escolas em 1980.
Na década de 1980, o fim da ditadura militar (1964-1985) possibilitou um ambiente
propício para a criação de associações cooperativas e de instituições não-
governamentais de caráter associativo. Assim, com a instituição de governos
democráticos, novas formas de ação social foram criadas nos campos religioso,
político e educativo.
29
A multiplicação de associações camponesas tornou-se uma realidade no Espírito
Santo e também no restante do Brasil. As escolas em alternância se inserem nesse
contexto de lutas pela democratização da educação e por iniciativas de formação
que sejam alternativas ao modelo oferecido pelo Estado brasileiro.
A partir de 1985, a alternância ganha significativa importância como proposta
pedagógica voltada para pré-adolescentes, adolescentes, jovens e adultos do
campo, constituindo atualmente um campo de práticas pedagógicas em expansão
em diferentes regiões brasileiras.
Essas experiências educativas dos CEAs, conhecidas sob o nome de pedagogia da
alternância, emergem de um movimento social de caráter campesino, que se
organiza na busca de alternativas educativas que respondam às necessidades e aos
problemas vivenciados especialmente pela agricultura de base familiar, hoje
constituída na sua quase totalidade por pequenos agricultores e trabalhadores do
campo.
Um cruzamento dos dados de diferentes trabalhos sobre o tema – Silva (2000); Cruz
e Queiroz (2004); Nosella (2007), entre outras fontes – permite-nos afirmar que as
diferentes instituições em alternância atendem no Brasil cerca de 20.000 jovens
(MEC/SECAD2007), abrangendo milhares de famílias de agricultores em 6.000
comunidades rurais espalhadas por 800 municípios do Brasil.
Direta e indiretamente, o trabalho dessas escolas atinge mais de 100.000
camponeses, que, na sua grande maioria, são pequenos agricultores, meeiros,
assalariados agrícolas e assentados rurais10.
Nosso estudo preliminar nos leva a constatar a eclosão de um fenômeno educativo
de caráter alternativo do qual estão se apropriando as camadas populares e
marginalizadas pelas políticas públicas voltadas para o campo. Assim, pelas mãos
das famílias, de educadores diplomados ou não, de agentes sociais e de
associações cooperativas, pequenas organizações escolares centradas no modo
associativo são erigidas e geridas pelo bom senso educativo de seus protagonistas.
10 Segundo Silva (2000 p.89), somente no sistema das chamadas Escolas Famílias Agrícolas “ocorre o ingresso de 4.000 alunos (...)” e “apenas um pequeno percentual, em torno de 5%, são jovens oriundos de famílias de médios agricultores”. Segundo dados do (MEC/SECAD 2007), esses dados já estão defasados.
30
No interior dessas instituições criadas em contextos diferentes, constituem-se
diferentes tipos, modos de funcionamento e lógicas de relações socioeducativas.
Atualmente, segundo a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil
(UNEFAB 2007), o número de Centros Familiares de Formação por Alternância
(CEFFAs) compõe-se de 248 instituições, espalhadas por 22 dos 26 Estados da
Federação. Segundo a mesma fonte, esse número ultrapassará 300 instituições até
2010, pois há no momento 60 CEFFAs em fase de criação. Vários organismos
governamentais nas áreas de educação, ação social, agricultura e organismos não-
governamentais, como cooperativas, sindicatos, igrejas e associações
independentes, manifestam seu interesse em conhecer e/ou criar escolas com essa
modalidade de ensino.
A multiplicação de instituições educativas ou formativas no Brasil ocorre em
descompasso com a difusão dos trabalhos científicos que vêm sendo produzidos
dentro desse campo educativo. Esses fatores trazem em seu bojo uma problemática
que, segundo alguns autores, como Rodrigues (1999) e Queiroz (2004), não tem
sido suficientemente orientada pelos estudos tangenciadores, sobretudo no âmbito
das práticas pedagógicas.
Também o contato e a interlocução com outras experiências de ensino em
alternância, nos âmbitos local, nacional e, principalmente, internacional, mostram-se
ainda deficientes. Em decorrência disso, as práticas pedagógicas dos monitores-
educadores revelam-se fortemente influenciadas por um único pólo de pensamento,
ou autor, ou pelo senso comum pedagógico. Dessa forma, há um campo de empiria
e muitas interrogações sobre os seus pressupostos. Indaga-se sobre os
fundamentos e as práticas pedagógicas em alternância, sua metodologia e
diversidades de práticas pedagógicas dos monitores-educadores. Em suma, há uma
prática discursiva em alternância a investigar.
Inspiradas no modelo francês das Maisons Familiales Rurales (MFR), as
experiências educativas em alternância vêm-se desenvolvendo dentro de dois
movimentos e formam duas tendências majoritárias no ensino em alternância
31
brasileiro11. Desse modo, constata-se de um lado as Escolas Famílias Agrícolas
(EFA-CEA), e de outro as Casas Familiares Rurais (CFR)12. Para além das
especificidades e diferenças, Silva (2000) apresenta, em linhas gerais, os
fundamentos que sustentam os dois grandes movimentos.
Segundo a autora, eles têm a alternância como princípio norteador dos seus projetos
educativos. Tal princípio repousa sobre a combinação, no processo educativo, de
períodos de vivência no meio escolar e no meio sociofamiliar e produtivo. Alternam-
se, assim, duas lógicas de aprendizagem em meios e atividades diferentes: a
aprendizagem do trabalho no meio sociofamiliar e produtivo, e a teórica geral na
escola que, além das matérias consideradas básicas, propõe atividades
socioeducativas ligadas à aprendizagem da vida associativa e comunitária.
Outros princípios, como a participação das famílias como parceiras na educação e
na co-gestão da escola, e a perspectiva de desenvolvimento local, constituem os
três pilares sustentadores das práticas pedagógicas brasileiras em alternância.
Queiroz (2004) e Begnami (2007) apontam como fundamento, além das famílias
reunidas em uma associação, a alternância e o desenvolvimento do meio, um quarto
princípio norteador (um quarto pilar): a formação integral dos jovens.
Abordando a alternância como princípio pedagógico, Silva (2000 p. 16) salienta que:
Mais que uma característica de sucessões repetidas de seqüências, a alternância, enquanto princípio pedagógico, visa desenvolver na formação dos jovens situações em que o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo que o rodeia. Buscando articular universos considerados opostos ou insuficientemente interpenetrados – o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o abstrato e o concreto – a alternância coloca em relação diferentes parceiros com identidades, preocupações e lógicas também diferentes: de um lado, a lógica da escola e a lógica da transmissão de saberes e, de outro, a família e a lógica da pequena produção agrícola.
Ao apresentar uma dinâmica própria e uma proposta de articulação-interação entre
diferentes meios, dimensões e sujeitos, as experiências pedagógicas em alternância
portam uma problemática complexa relativa aos campos organizacional, pedagógico
e relacional.
11 Depois da França, o Brasil atualmente ocupa o 2° lugar entre as 43 nações que adotam como referência o modelo de alternância inspirado nas MFRs. 12 Dentro das duas grandes tendências, computamos atualmente 145 CEA do tipo EFA e 105 CEA do tipo CFR em funcionamento.
32
A gestão dessa complexidade da alternância coloca-se como uma problemática a
ser estudada e compreendida, pois essas experiências nasceram em um dado
contexto para responder a certos objetivos e se estruturaram por meio de um modo
particular de organização. Assim, uma modalidade predominante com características
tradicionais pode dar origem a formas mistas de ensino em alternância, assim como
uma nova modalidade com características novas pode emergir.
A necessidade de situar um modo de prática em relação a outras ou mesmo de
investigar uma nova faz parte da problemática desse estudo das práticas
discursivas.
Nessa perspectiva, o modo de organização e funcionamento, a abordagem
pedagógica, a consideração aos saberes, a metodologia utilizada e o tipo de
relações desenvolvidas entre o monitor e os diferentes sujeitos constituirão os
elementos centrais de nossa análise.
2.1.1 A problemática da pesquisa
A alternância como prática educativa não é uma novidade em educação
contemporânea. Para Geay (1999), o que é novo, porém, é a sua multiplicação
internacional a partir de 196013. Essa multiplicação de experiências educativas em
alternância, principalmente na Europa, não seguiu uma direção única nem
representa um crescimento espontâneo14.
Dentro do processo de expansão da alternância15, ocorreram erros ao se pensar em
modelos únicos e ideais e, em decorrência, a tentativa de transformá-los em
receituários.
Desse modo, a difusão de modelos tidos como ideais, implantados numa simples 13 A Fundação Union Nationale des Maisons Familiales Rurales d’Éducation et d’Orientation (UNMFREO) foi precursora na exportação do modelo de alternância francês principalmente para países francofônicos. 14 A Associação Internacional dos Movimentos Familiares para a Formação Rural (AIMFR), sediada em Paris-França, vem, desde a sua fundação, incentivando a criação de Associações e de redes de CEFFAs, adotando a filosofia e a pedagogia da alternância em todos os continentes. 15 No Brasil, a criação e expansão dos CEFFAs, chamados originalmente de Casa Familiar Rural (CFR), entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, tem a supervisão direta de representantes da Fundação UNMFREO da França.
33
lógica de transferência dos seus dispositivos, e a reapropriação crítica foram
gradativamente compondo um cenário múltiplo de práticas educativas em
alternância pelo mundo ainda pouco conhecido na literatura pedagógica brasileira16.
No Brasil, conforme Silva (2000), Queiroz (2004) e Jesus (2007), uma importante
expansão de experiências educativas em alternância vem ocorrendo no meio rural.
Isso também se constata no meio rural capixaba17. As razões dessa expansão de
diferentes CEAs com várias denominações e orientações políticas é uma tendência
em crescimento que ganhou complexidade nos últimos 20 anos – principalmente
daquelas abrigadas sob a sigla CEFFA, que reúne a grande maioria das instituições
educativas e ou formativas em alternância no Brasil18.
O discreto e, às vezes, explícito19 incentivo à criação de CEFFAs no Brasil20 faz
parte de uma política de expansão coordenada pelos grandes centros mundiais de
poder político-econômico. A alternância vem se destacando como uma pedagogia
que marca uma expressiva presença nas discussões da educação do/no campo.
Representada pelos CEFFAs e outras escolas, essas instituições não exercem um
papel neutro na lógica do capitalismo no campo (QUEIROZ, 1997).
No sistema do pequeno agro-negócio da produção familiar a organização de uma
cadeia produtiva multinacional inscreve-se numa lógica política estratégica do
capitalismo, principalmente de países vistos pela Europa e Estados Unidos como
estratégicos na produção de alimentos como: o Brasil, a Argentina e vários outros 16 Para maior aprofundamento acerca do movimento francês e internacional das Maisons Familiales Rurales. O livro de Nove-Josserarand. “ l’Etonnante histoire des Maisons Familiales Rurales » Editions France-Empire, 1987. e o livro de Andre Duffaure et al. « Soixante ans d’Histoire de créations en Maisons Familiale Rurale » 1937-1997 Editions Fondation UNMFREO, 1997. 17 A iniciação do ensino em alternância no Brasil ocorreu no Espírito Santo, no final dos anos 60, por iniciativa dos missionários jesuítas, sem a participação dos franceses. A experiência estendeu-se a vários municípios capixabas e expandiu-se para vários estados do Sudeste, Nordeste e Norte do Brasil. Conforme Zamberlan (1994) e Jesus (2007), o MEPES teve um papel decisivo na expansão, na formação de monitores e na difusão do modelo EFA pelo BRASIL. 18 A partir dos centros ou das escolas do tipo CFR e EFA que se tornaram CEFFA, outras iniciativas de educação em alternância foram surgindo tanto no Espírito Santo como no Brasil. 19 Referência aos seguintes documentos: manchetes de jornais, artigos e apostilas elaborados pelo Centro de Formação do MEPES apresentando as EFAs como modelo de ensino para os camponeses do Brasil, periodicamente publicados no jornal “A Gazeta”, em informativos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e em jornais de circulação nacional, com matérias assinadas pelo presidente da CNBB. 20 O MEPES foi criado em 1967 a partir da Associação dos Amigos do Estado do Espírito Santo. Fundada em Pádua na Itália, em 1964, com objetivos filantrópicos. Até os anos 80 o MEPES ampliou seu raio de ação social na área de saúde e de creches, apoiando-se na filantropia. Com a drástica diminuição da ajuda estrangeira, tornou-se dependente da ajuda do Estado, mantendo-se, todavia, como instituição com objetivos filantrópicos.
34
países das Américas. Assim, por detrás da criação de um CEFFA, no Espírito Santo,
em Rondônia, em El Salvador ou na Tunísia, há uma lógica maior que ultrapassa os
interesses locais e o simples acaso.
No âmbito da cooperação internacional, novas estratégias das políticas neoliberais,
a globalização e a internacionalização da economia, e a formação dos blocos
econômicos vêm configurando um novo cenário no capitalismo mundial. Criaram-se,
assim, as novas redes de Estados nacionais (União Européia, NAFTA, Mercosul,
G7), novas relações econômicas entre países ricos e pobres e, no plano Norte-Sul,
novas relações de cooperação e ajuda ao desenvolvimento, criação de diversos
fundos e de organismos, principalmente ONGs para a gestão desses recursos.
Isso contribuiu para a diversificação de formas de ação cooperativa e filantrópica e
para a multinacionalização das ações dos organismos de cooperação internacional.
Além disso, determinou a substituição dos modelos tradicionais de “ajuda” e
cooperação ancorados em países do Norte e a emergência de novos modelos de
“ajuda” mais poderosos, mais exigentes e também mais agressivos na oferta de
benefícios (novos patrocinadores vindos do Norte).
Nos documentos e na literatura mais recente acerca do auxílio aos CEFFAs, a
filantropia parece um conceito em crise21. O novo conceito de ajuda se transmutou
em cooperação e parceria22.
A questão ideológica perpassa os projetos e as metas a serem cumpridos,
estabelecidos pelos organismos de ajuda. Assim, cada organismo com sua
ideologia: econômica, política, religiosa, ambiental, todas traduzidas em fórmulas
para o desenvolvimento local, com consciência ecológica, democracia participativa,
entre outros.
21 Crise ou novos arranjos políticos?! A filantropia nas relações internacionais é criticada pelo professor Xavier Roegiers da Universidade Católica de Louvain. Ele questiona em seu livro Avaliação de sistemas de formação a existência de instituições “filantrópicas” que utilizam recursos públicos para fazer a filantropia. Segundo ele, são práticas muito questionáveis na sociedade contemporânea sobretudo aquelas que se mostram pouco transparentes e que frequentemente são ligadas a denominações religiosas. 22 Sediada em Bruxellas a Solidarité International des Mouvements Familiaux pour la Formation Rurale (SIMFR), tem um amplo histórico de ajuda às EFAs (CEFFAs) do Brasil, principalmente, mas não exclusivamente àquelas de ascendência católica. A SIMFR cresceu e expandiu suas ações durante os anos noventa, nos cinco continentes, tornando-se a principal agência de cooperação internacional das EFAs e associações regionais de vários Estados do Brasil.
35
O discurso da sustentabilidade e desenvolvimento com responsabilidade social é, na
maioria das vezes, articulado aos valores cristãos – entre eles, o fortalecimento da
família, da comunidade, das associações e de instituições cooperativas do tipo rede – com
grande apoio ao fortalecimento econômico da instituição, o que significa mais apoio
e chance de ajuda aos que souberam fortalecê-la com a ajuda recebida. Ou seja,
nesse meio o sucesso é premiado com mais ajuda e credibilidade. Mas, e o
fracasso? Aqueles que não souberem administrar com sucesso serão punidos com a
negativa de ajudas futuras. O desencorajamento de práticas “errantes”, como: a
gestão equivocada dos recursos provindos da ajuda, desobediência aos princípios,
ou aos termos da ajuda ou do também denominado “projeto de parceria”.
No caso de “ajudas” vindas de instituições de forte tradição católica, fatos como o
divórcio ou o descasamento dos monitores e monitoras, o caso de um educador ou
um grupo de membros demonstrar simpatia pelos princípios do marxismo,
manifestar apoio ao espiritismo ou aos movimentos de expressão e gênero, ou
mesmo apoiar a liberdade sexual ou declarar-se ateu, são combatidos com sanções
severas ou mesmo draconianas que podem culminar no desligamento e exclusão da
instituição ou de toda a rede beneficiária.
A investigação dessa problemática complexa nos leva a formular um conjunto de
questões que indagam os educadores (monitores) nela envolvidos. Enfocando a
alternância como campo discursivo, nosso estudo abordará o monitor e seu discurso
sobre a própria prática pedagógica no ensino em alternância.
Em que estratégias se movimentam para atuar dentro e fora da escola? Que
discurso ele produz da pedagogia da alternância: o contexto, o modo de
funcionamento dentro e fora da escola? O que dizem da metodologia e do processo
ensino-aprendizagem? De que modo produzem subjetividades? Como se
relacionam com os outros sujeitos? Que relações de poder-saber produzem com os
outros sujeitos parceiros? Que resistências produzem no cotidiano? De que modo
aborda as singularidades: os contextos, os sujeitos, os saberes, as situações
pedagógicas? Como avaliam suas práticas discursivas no ensino em alternância?
Na Europa, especialmente na França, os anos 1970 e 1980 foram particularmente
ricos em interrogações e discussões na gestação de idéias no campo da alternância.
36
Considerou-se estratégico o papel das universidades e de outras instituições
governamentais e não-governamentais envolvidas com a educação, que muito
contribuíram para a difusão, mas principalmente para a promoção de iniciativas de
estudos, produções acadêmicas e colóquios que impulsionaram as experiências
com reflexões e projetos inovadores. Assim, uma multiplicidade de publicações
(teses, monografias, livros, artigos, produções audiovisuais) evidencia não apenas a
emergência da alternância, mas contribui também para reconceituá-la como uma
pedagogia complexa. Graças a esses fatores, a alternância hoje vem se
consolidando como um campo educativo alternativo23.
Enquanto na Europa, sobretudo na França, constatam-se avanço e consolidação
maiores do ensino em alternância envolvendo a classe política, universidades, o
sistema de ensino oficial e o estabelecimento de instrumentos legislativos
específicos do ensino em alternância para todos os paises da União Européia, no
Brasil esse ensino vem percorrendo outra trajetória.
A modalidade em questão vem sendo tratada por parte dos organismos políticos
(nas esferas municipal, estadual e federal) e pelas estruturas públicas de ensino de
maneira tímida24. A valorização da alternância como modalidade de ensino
alternativo permanece pequena25. Todavia, o exame da crescente produção
bibliográfica indica que o envolvimento das universidades e das instituições de
ensino superior na produção de novos estudos sobre a alternância no Brasil,
elaborados em forma de monografias, dissertações e teses, tornou-se significativo
nos últimos 10 anos com a intensificação de estudos e trabalhos acadêmicos,
propiciando a criação de um novo cenário. No período de 2002 a 2007, constatamos
a produção da maior parte dos trabalhos acadêmicos que abordam diferentes temas
e experiências no ensino em alternância.
23 Entre as diferentes modalidades de alternância existentes na França, o movimento das Maisons Familiales Rurales constitui hoje um sistema educativo alternativo que acumula 70 anos de experiência. DUFFAURE et al. Soixante ans d’histoire de créations em Maison Familiale Rurale. Editions UNMFREO. Paris, 128 p, 1997. 24 Depois de anos de reivindicações dos movimentos de educação por alternância por meio das associações de caráter nacional, como UNEFAB e ARCAFAR Sul, Norte-Nordeste, um passo importante, segundo Zamboni (2006), foi dado em 15 de março de 2006, por meio do Parecer do CNE, seção 1, p.39 (publicada no DOU), reconhecendo o modo de funcionamento dos CEFFAs. 25 De fato, a questão que se coloca não é mais a do reconhecimento, mas sim de valorização, inclusive a financeira. É exatamente o que faz pensar o texto de Nosella (2007). Para ele o reconhecimento já está dado; o que falta agora são os recursos pontuais para a manutenção e permanência dessa modalidade de ensino.
37
A formação em alternância na Europa percorreu um longo e contraditório caminho
(SILVA, 2000). Segundo Gimonet (2006), somente em 1960 (passados 25 anos da
criação da primeira MFR), uma lei reconheceu a alternância como modalidade
pedagógica, possibilitando que os CEFFAs, a partir de então, adquirissem um direito
legal e a garantia de uma fonte segura de financiamento do Estado. “Uma segunda
lei, em 1984, reforçou esse reconhecimento e a ajuda do estado” (GIMONET, 1999,
p. 41).
A partir de meados dos anos 1960, a alternância na Europa começou a ganhar
considerável evidência por meio dos colóquios, debates, produções acadêmicas, de
numerosas publicações e da mobilização, em seu favor, de meios econômicos,
legislativos e políticos.
O processo de desenvolvimento das experiências educativas em alternância no
Brasil segue o seu próprio caminho. Com algumas semelhanças e muitas diferenças
da trajetória do movimento francês, os CEFFAs no Brasil vêm se mobilizando com
uma pauta de reivindicações26 em busca de seu reconhecimento por parte das
políticas públicas do ensino do campo.
Como as experiências humanas são moventes e o que hoje existe amanhã pode
não mais existir, a alternância no Brasil de hoje (2008) não pode mais ser vista com
os olhares dos críticos do final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Assim, os
termos “lacuna teórica” (SILVA e MACHADO, 2000) e “ausência de estudos
acadêmicos” (RODRIGUES, 1999), expressos na ausência de estudos que analisam
as diferentes experiências em alternância no Brasil, precisam ser revistos, pois o
cenário mudou e continua mudando com novos estudos e práticas.
Além das constatações anteriores sobre a trajetória do ensino em alternância na sua
origem francesa e no Brasil, é necessário destacar que enquanto na Europa,
sobretudo na França, a alternância foi se tornando um forte tema de debate, ela
também se foi diversificando em diferentes níveis de formação, ampliando o seu
campo de abrangência, de ação formativa e socioprofissional27. Esse movimento de
26 Conforme consta na agenda da UNEFAB 2006, “o que reivindicamos:” página 6 e 7. 27 Para se ter uma idéia, somente no sistema de formação das MFRs com 500 CEFFAs e dos seus mais de 60 IREOs, Institutos de Formação Superior em Alternância, são oferecidas alternativas de formação de nível médio e superior em mais de 150 cursos profissionalizantes, entre elas: viveirismo, botânica, fruticultura, viniculturismo, enfermagem, mecanização agrícola, técnicas agrícolas, pecuária
38
discussão e difusão da alternância, cujo início data dos anos 1960, conseguiu pouco
a pouco o envolvimento das instituições de ensino, pesquisa e extensão, como as
universidades, que foram paulatinamente chamadas a dar suas contribuições como
parceiras em seus respectivos papéis.
Os vários estudos, trabalhos, debates e iniciativas no seio dessas instituições muito
contribuíram para o desenvolvimento da alternância como modalidade educativa –
entre eles a fundação do Centro Nacional Pedagógico das MFRs, datado de 1966, a
criação da revista semestral da união nacional das MFRs da França, a publicação
das pesquisas da coleção ‘Mésonance’, da coleção “Alternance et Developpement”,
da editora L’Harmattan, os colóquios de Orléans 1968, de Rennes 1970, e as
parcerias com as universidades de Clermont-Ferrand, Tours, Rennes, Paris, entre
outras.
A formação em alternância foi gradativamente ganhando espaço e passou a ser
vista como aliada do desenvolvimento social, político e econômico. Esse aparente
prestígio, segundo Gimonet (2004), não foi obtido sem a superação de barreiras.
Muitos problemas e dificuldades ainda persistem. Ainda há um longo caminho a
percorrer.
Após a realização de um levantamento dos principais estudos sobre a formação em
alternância desenvolvidos na Europa, pode-se classificá-los e analisá-los dentro de
três grandes perspectivas: a econômica, a relacional e a pedagógica. Silva (2000)
identifica certas limitações de tais estudos.
Os que enfocam a perspectiva econômica supervalorizam as relações entre
formação e trabalho, ficando presos a uma lógica binária e reduzida da alternância.
A alternância torna-se submissa a uma espécie de lógica inexorável ditada pelo
mercado de trabalho. Nessa perspectiva, a alternância, via de regra, é reduzida a
uma resposta a problemas de emprego. A autora critica a orientação economicista
da alternância, pois ela escapa à verdadeira articulação formação-trabalho; o tipo de
relações estabelecidas encerra em si uma lógica formativa que se caracteriza como
um estrangulamento dos laços entre a teoria e a prática.
leiteira, agronomia, zootecnia, mecânica, comunicação, gastronomia, nutricionismo, veterinária, engenharias florestal, de alimentos, eletrônica, do meio ambiente, entre outras formações.
39
Na perspectiva relacional, Silva (2000) chama a atenção para uma polarização dos
estudos que privilegiam os aspectos interinstitucionais das relações. Geralmente os
estudos descrevem os sujeitos, onde estão seus papéis no meio escolar e no meio
produtivo. Todavia, um aspecto importante não tem sido suficientemente
desenvolvido: trata-se do modo pelo qual os diferentes atores concebem e
produzem a alternância.
Partindo de uma crítica às concepções da alternância como associação entre a
teoria relativa aos saberes teóricos e a prática relativa aos saberes ligados à ação,
diversos autores, como Malglaive (1993) e Voisin (1993), definem a alternância para
além da aplicação de cada saber em cada meio.
Ao contrário, é necessário introduzir uma dinâmica que permita uma interação entre
os dois saberes. Assim, um movimento constante de vaivém entre os diferentes
saberes permitiria um encontro fecundo em que os saberes da prática e da teoria se
enriqueceriam mutuamente. Para além da relação binária que simplesmente ratifica
o discurso da dicotomia entre teoria e prática, Gimonet (1998) atenta para a
complexidade da alternância que, além da interação entre teoria e prática, integra
também diferentes dimensões, formas, atores e experiências.
Na perspectiva pedagógica, segundo Silva (2000), a maioria dos trabalhos
privilegiam o estudo sobre as estratégias de ação e o papel dos diferentes parceiros
engajados numa formação em alternância. Nessa perspectiva de análise, a autora
destaca os estudos que distinguem três abordagens da alternância: a indutiva, a
dedutiva e a integrativa.
Gimonet (1994), Malglaive (1992) e Voisin (1993) indicam vários estudos que
reconhecem a dicotomia dos lugares de formação, bem como a existência de
diferentes modalidades de organização da alternância. Como conseqüência, tais
estudos estabelecem características que permitem a distinção de diferentes
modalidades de alternância.
Dentro da perspectiva pedagógica, Malglaive aponta uma carência de estudos que
abordem a problemática das relações entre as instituições participantes da
formação.
40
Considerando os destaques, as limitações e as críticas feitas anteriormente pelos
estudos realizados sobre a alternância na Europa e no Brasil, além da sua opção em
desenvolver um estudo psicossociológico da alternância no Brasil, enfocando a
dimensão relacional dos atores, o trabalho de Silva (2000) destaca-se como um
estudo das experiências brasileiras em alternância até aquele momento. Não
obstante, cabe-nos fazer outros destaques.
Os estudos de Silva (2000) sobre as experiências de alternância na Europa
restringem-se aos materiais publicados em língua francesa. Considerando a
abrangência e as diferenças entre as experiências, a diversidade de línguas e
culturas no vasto continente europeu, somos da opinião de que os estudos
apresentados pela autora podem ser situados entre os principais já desenvolvidos
tomando como base a literatura francesa.
Para além da língua francesa há na Europa outros estudos importantes que tratam
da alternância. Nesse sentido, realizamos um levantamento não exaustivo na
França, Bélgica e Alemanha e constatamos a existência de numerosos estudos,
como artigos, monografias e teses sobre o assunto. Esses estudos estão publicados
em francês, espanhol, neerlandês, alemão, inglês e russo.
Embora não seja nosso propósito o de apresentar bibliografia exaustiva sobre a
alternância européia, mediante o levantamento realizado foi possível constatar a
existência de múltiplas alternâncias expressas em uma literatura vasta e multilíngüe.
Ainda sobre o estudo de Silva (2000), é válida uma importante observação: no que
tange aos principais estudos franceses, o estudo de Silva (2000) não incluiu as
contribuições de A. Geay (1994 e 1998) sobre a alternância pedagógica e suas
especificidades, e tampouco os estudos sobre a aprendizagem, a dimensão
pedagógica epistemológica e relacional de Georges Lerbet (1990, 1992, 1995). Os
trabalhos de Geay e, sobretudo, de Lerbet oferecem uma base importante aos
estudos sobre a alternância, suas múltiplas dimensões e sua complexidade.
No que se refere ao estudo das modalidades que enfocam o desenvolvimento da
alternância no mundo e especialmente na Europa, constatamos a emergência de
uma série de estudos acerca das diferentes modalidades organizacionais e
pedagógicas.
41
Os vários estudos descreviam, analisavam e propunham um modelo. Assim, um
“tipo ou modelo ideal” de alternância parecia ter sido finalmente encontrado. As
similaridades entre os diferentes autores evidenciam o encontro de elementos
consensuais entre os vários estudos. Assim, um levantamento desses estudos nos
permitiu identificar uma diversidade de modalidades cujas diferenças estão mais nas
expressões utilizadas que no modo de organização28.
Dentre os diferentes autores consultados, destacamos Gil Bourgeon (1984), que
propôs um estudo das diferentes modalidades de alternância, no qual caracteriza,
em linhas gerais, três parâmetros básicos: a experiência mais elementar,
denominada alternância justapositiva; um segundo tipo, denominado alternância
associativa; e o terceiro tipo, mais complexo, denominado alternância copulativa.
Esse estudo, chamado por alguns autores de “tipologia de Bourgeon”, tornou-se
referência como um dos principais estudos acerca das modalidades educativas e/ ou
formativas em alternância.
Na tentativa de apresentar a alternância integrativa, que o autor chama de
copulativa, como a modalidade não apenas mais complexa, mas também o nível
mais autêntico de alternância, Bourgeon (1984) procura esclarecer que sua
caracterização não é rígida, uma vez que os tipos não são estáticos. Por isso, na
perspectiva de Bourgeon uma modalidade pode evoluir para formas mais
complexas, chegando a uma alternância copulativa, assim como um retrocesso pode
também ocorrer.
Lerbet (1995) retoma as tipologias de Bourgeon (1984) e as readapta segundo a
abordagem dos sujeitos em formação. Para isso, parte das formas mais elementares
das modalidades e foca o estudo da relação entre a escola (lugar da formação
teórica) e o mundo socioprofissional (lugar da formação prática), além de preconizar
que a alternância jamais pode perder de vista a integração entre os dois mundos. O
sujeito em formação, para Lerbet, são jovens e adultos numa escola que se volta ao 28 O que GIROD L’AIN (1973) chama de alternância interna e difere da externa é próximo do que MALGLAIVE (1979) classifica de alternância falsa, alternância aproximada e alternância real. Em uma perspectiva similar, GIMONET (1984) apresenta modalidades as quais classifica de falsa, aproximativa e verdadeira. Outros autores na Bélgica, como MAROY (1996), distinguem a alternância socializante da alternância qualificante. Em vários outros estudos, os diversos autores classificam modalidades que chamam de alternâncias não eficazes, eficazes; não autênticas e autênticas. Enfim, nessa mesma lógica, vários outros estudos poderiam ser aqui mencionados.
42
mundo do trabalho e da inserção social.
Geay (1999) introduz em seu estudo o conceito de alternância como um processo de
interface entre a escola e o trabalho, a teoria e a prática. Aponta a alternância de
interface como o processo formativo que aspira uma alternância de integração
autêntica entre o mundo da teoria e da prática. Eis, portanto, as discussões que
orientam a modalidade educativa em alternância segundo os estudos aqui
abordados.
Depois de realizar um détour sobre as diferentes alternâncias pelo mundo,
pretendemos apontar algumas evidências relacionadas ao discurso da alternância
delineada até aqui.
Aprisionada aos binarismos teoria e prática, escola e trabalho, escola e mundo da
produção, meio escolar e meio social, a alternância estaria reduzida a uma
perspectiva simplista. Seu papel em educação consistiria em integrar as dicotomias
que a sociedade moderna e pós-moderna promoveu e realizar a interface ou a
copulação desses binarismos ou dicotomias. Seria então isso que se quer da
alternância? A eficácia da alternância estaria em integrar a escola às exigências de
emprego? A que modelo de sociedade serviria essa alternância? Por onde passaria
uma política de formação do indivíduo que tenha como objetivo outras dimensões da
vida social: ética, política, economia e cultura?
Se, para Gimonet (1998), a alternância é um conceito complexo que, além da
integração binária entre teoria e prática, integra também outras dimensões, formas,
atores e experiências. Qual o discurso, quais estratégias de reprodução e de
diferenciação se produzem? Como se desenvolve a educação em alternância no
Espírito Santo? Assim, para além das modalidades mundialmente difundidas e
resguardados os aspectos de expressiva organização de um sistema de formação
baseado na alternância em território europeu e sobretudo francês, queremos estudar
a alternância em território brasileiro e mais especificamente no contexto do Espírito
Santo – berço brasileiro dessas experiências, que completa 40 anos de existência.
Nesse processo, situamos como eixo de nossa problemática o estudo das práticas
discursivas de reprodução e de diferenciação na pedagogia da alternância
desenvolvida pelos educadores que atuam nos Centros Educativos e/ou Formativos
43
em Alternância (CEAs) do Espírito Santo.
Para o desenvolvimento de nossa investigação, formulamos um conjunto de
questões básicas sobre as práticas discursivas dos monitores no ensino em
alternância29: o contexto, o modo de funcionamento, a concepção da aprendizagem
e a metodologia de ensino, o papel do monitor e os papéis dos diferentes atores
(monitor, aluno, família) nela engajados, as diferentes relações entre o monitor e os
diferentes atores no interior do processo.
Serão também abordadas as resistências produzidas nas relações de poder e do
saber, bem como a maneira como analisam a alternância como modalidade
pedagógica. Este estudo tomou, portanto, como foco principal de investigação as
práticas discursivas dos monitores que desenvolvem a pedagogia da alternância no
Espírito Santo.
29 As questões de pesquisa foram assim colocadas aos professores: 1) Gostaria que você me falasse sobre o contexto, o modo de funcionamento (ou de organização) do espaço-tempo da alternância na escola onde você trabalha. 2) Gostaria que você me respondesse algumas questões relacionadas às suas características pessoais, entre as quais: situação familiar, idade, nível de escolaridade, etc. 3) Como você concebe a aprendizagem em alternância e que metodologia de aprendizagem você desenvolve? 4) Fale-me de seu papel, do papel do aluno e do papel das famílias no ensino em alternância. 5).Como é a sua relação com os outros professores, com o aluno e com as famílias? 6) Qual é o tipo de envolvimento das famílias na escola? 7) Que resistências você encontra nas diferentes relações, no exercício do seu trabalho? 8) Como você avalia a alternância como modelo pedagógico? Cf. também no capítulo sobre a metodologia.
44
3 ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO
Neste capítulo apresentamos a origem etimológica do termo alternância e seu uso
em diversas ciências. Todavia, a aplicação e a apropriação do termo em educação
têm a sua história estreitamente relacionada ao movimento de educação e formação
profissional de jovens e adultos por meio das Maisons Familiales Rurales (MFR)
francesas e seus desdobramentos para além da educação no espaço rural.
A educação em alternância tornou-se um conceito largamente utilizado em ciências
da educação, principalmente no continente europeu, extrapolando o âmbito da
educação camponesa. A alternância é vista por autores contemporâneos como uma
pedagogia complexa.
3.1 O TERMO ALTERNÂNCIA E O SEU USO EM DIVERSAS
CIÊNCIAS E EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Etimologicamente, o vocábulo alternância, constituído a partir de alternare, de
alternus30, sob a inspiração de Bescherelle (1845)31, substituiu ‘alternação’ e foi
introduzido na língua francesa por Le Fevre, no fim do século XIV32.
Atualmente, o termo alternância, de acordo com o Dicionário (Robert, 2007 p.47),
designa, em seu sentido geral, "a sucessão repetida no espaço ou tempo que faz
reaparecer alternadamente, numa ordem regular, os elementos de uma série"33.
Pode-se, assim, em Fisiologia utilizar o termo para explicar a troca de movimentos
de uma perna e outra (ao andar), um braço e outro (ao nadar), e em Meteorologia
para explicar a mudança das estações, do frio e calor, da noite e do dia, etc.
Em Geologia, alternância significa superposição das camadas de terreno
estratificadas. Em Arquitetura, diz-se alternância do sistema de ornamentação dos
pilares e colunas, de acordo com a repetição da mesma ordem de motivos 30 A palavra latina alternare provém de alter, que significa, originalmente, “o outro, tratando-se de dois sujeitos”. 31 BESCHERELLE (A) « Dictionnaire Universel de la Langue Française ». Paris, Garnier Frères, 1845, p. 143. 32 DOUZAT (A) et al in BOURGEON (G) 1979. Sociopedagogie de l`alternânce. Maurecourt, Mésonance, 1979, p. 196. 33 ROBERT (P) « Dictionnaire de la Langue Française» 1996 p. 64.
45
diferentes34.
Mais recentemente, em Medicina, a palavra alternância é utilizada para definir a
sucessão regular das pulsações normais e fracas do coração, em oposição a um
pulso regular.
Em agricultura, fala-se também de culturas alternantes35 como sinônimo de rotação
das colheitas que substitui o sistema de culturas permanentes. No campo da
política, podemos também falar da alternância dos partidos políticos na direção de
um governo36.
Em 2005, ao escrever um texto sobre a alternância e o ritmo, o professor Gaston
Pineau trabalhou o tema aplicado ao ato de respirar e inspirar como atividade vital
caracterizada pela alternância.
O termo alternância tem certamente cinco séculos de utilização na língua francesa e
é empregado num campo semântico bastante variado. Contudo, é difícil estabelecer
com precisão o primeiro emprego do termo, em educação.
Uma leitura de diferentes documentos da União Nacional das Casas Familiares
Rurais de Educação e de Orientação (UNMFREO) da França, segundo Bourgeon
(1979), permite-nos encontrar a origem da palavra aplicada às situações
pedagógicas. Parece que foi primeiramente pronunciada pelos pioneiros da
educação rural na França, bem antes da sua inscrição no campo e do registro
pedagógico.
De acordo com Chartier (1986), num contexto histórico singular e numa conjuntura
difícil, a formação em alternância era concebida e aplicada nos movimentos
campesinos franceses como uma alternativa viável para o desenvolvimento do
campo. A alternância instaurou-se como que por tateamento e data de meados de
1942 ou 1943 o aparecimento mais corrente do termo, utilizado nas situações
pedagógicas por André Duffaure, no movimento das Maisons Familiales Rurales
(MFR) da França. 34 LA CHARTE (M) in « Dictionnaire Universel de la Langue Française » 1854 vol. 1 p.195 35 O termo alternância pertence também aos domínios da Lingüística, da Física e da Engenharia. 36 BIKORINDAGARA, (R) estuda algumas condições de organização de uma alternância na formação inicial dos professores no Burundi. Tese de doutorado, Universidade Católica de Louvain-La-Neuve-Belgique, Novembro de 2002.
46
Vários autores citam as Maisons Familiales Rurales (MFR), na França, como as
primeiras instituições a instaurarem uma modalidade educativa ou formativa sob
forma de alternância. A prática de alternância nas MFRs permitia que os jovens do
meio rural prosseguissem na educação obrigatória e lhes fornecia conhecimentos
teóricos e práticos aplicados nas suas propriedades familiares. Nesse contexto, o
método alternativo consistia em alternar os tempos escolares e os de trabalho.
O substantivo alternância, de acordo com Geay (1998), aparece em 1936 numa
carta escrita por um padre, o Abade Granereau. Segundo Chartier (1986), a carta
fazia menção "à alternância de estadas perto do formador e as estadas na família"
como “fórmula nova para a formação mais profissional das elites campesinas"
(CHARTIER, 1986, p. 51).
Em 1946, de acordo com Geay, o termo retorna forte na carta de um movimento de
educação rural nas MFRs, do qual Granereau era um dos fundadores. As
características principais das MFRs residiam na alternância de estadas de uma
semana no centro de formação (MFR) e três semanas no meio familiar.
A formação em alternância desenvolvida principalmente no meio rural francês pode
ser interpretada, do ponto de vista histórico, segundo Geay (1998 p. 108), como a
aposta na prática de uma idéia "que não é inteiramente nova na formação
profissional. Está registrado no pensamento das luzes, que defendia uma aliança do
saber teórico e as ‘competências’ técnicas". Assim, a idéia de uma formação
profissional alternada não estava afastada dos debates e das experiências de
aprendizagem do século XX.
"As primeiras situações de formação profissional freqüentemente eram alternadas"37.
Contudo, é necessário recordar os limites internos dessas experiências
desenvolvidas no espírito da escola clássica, muito centrada no poder do mestre,
sem reflexão sobre a prática, sem progressão didática, sem direito ao erro na
"skholè"38.
De acordo com Bourgeon (1984), o vocábulo alternância retornou ao léxico das
37 CHARLOT et FIGEAT, 1985 citado por GEAY et all 1999 na Revue Française de Pédagogie, N° 128, julho-agosto-setembro 1999, p.107. 38 GUEDEZ 1994 in GEAY et all 1999 op. cit.
47
ciências da educação nas atas do Colóquio de Rennes (1973)39, reunidas e
publicadas por Girod de l'Ain (1974)40, mesmo já tendo sido vigorosa questão no
colóquio de Orléans, em 1970. Os anos 60 e 70 marcam a emergência do conceito.
A evolução do conceito procedente das discussões vai bem além da alternância
como alternativa educativa para os camponeses. Já se falava sobre isso nos
Colóquios de Amiens (1968) e Orléans (1970), ambos voltados para a discussão a
respeito da alternância em diferentes espaços, níveis de educação e formação
profissional. O Colóquio Nacional de Rennes (1973), por exemplo, enfocou a
alternância no ensino superior.
O fim dos anos 60 constituiu um período de insatisfação social marcado por
contestações estudantis (1968). Do mesmo modo, movimentos pela igualdade dos
direitos estouram na América do Norte e na Europa. No campo da educação e da
formação, numerosos artigos e livros põem em questão os sistemas educacionais e
os modelos tradicionais da educação, como: Illich (1970), Althusser (1970), Bourdieu
e Passeron (1970), Baudelot e Establet (1971), entre outros.
A insatisfação frente ao sistema educativo existente, fechado em seu formalismo
magistrocêntrico e criticado pela imprensa, pelos movimentos estudantis e por
diversas correntes de intelectuais, acaba por abrir caminho para se situar a
alternância na emergência de alternativas, sobretudo no campo da educação de
jovens e adultos, não apenas no meio rural.
A tentativa de construir um tipo de escola diferente dos modelos hegemônicos em
vigência abre uma porta para pôr em destaque experiências novas. As experiências
em alternância conquistavam espaço em ousadia pelas suas iniciativas e nas
discussões pedagógicas. Assim, a alternância ganha destaque na perspectiva da
educação permanente. Fala-se em alternância no ensino superior não apenas como
metodologia e situações específicas, mas como política educativa a ser expandida
na Europa. Segundo Geay (1998, p. 107):
O vestígio institucional visível desta manifestação da idéia de alternância se
39 O Colóquio Nacional de Rennes debateu o ensino superior em alternância. As atas desse Colóquio foram arquivadas e publicadas, por B. Girod de L’Ain, na Documentação Francesa, 1974. 40 Girod de l’Ain B «O Ensino Superior em Alternância» As atas do Colóquio Nacional de Rennes. A Documentação Francesa, Paris, 1974, 340 p.
48
encontrará na lei de 1971 sobre a formação permanente e o ensino técnico, com a criação dos Centros de Formação de Aprendizes (CFA) para colocar em prática uma pedagogia da alternância.
Durante os anos 1970, o crescimento da crise econômica, o problema do
desemprego e a marginalização dos jovens no sistema escolar traduziam a
necessidade de educar e formar diferentemente. A alternância era mencionada na
época como uma maneira diferente de formação, por exemplo, no âmbito da
inserção profissional, ou para os jovens em dificuldade para finalizar o sistema
escolar básico.
A alternância amplia o seu campo de ação numa nova forma de relação formação-
emprego. De acordo com Voisin (1993), podem-se agrupar 4 tipos diferentes de
formação em alternância: "a aprendizagem, a alternância sob estatuto escolar, a
inserção pela alternância e as ações de formação alternada destinadas aos jovens
comprometidos no crédito de formação individualizada" (VOISIN, 1993, p.17).
Inscrita numa perspectiva de desenvolvimento socioeconômico, a alternância,
segundo Draghi (1993), começa a desempenhar um papel decisivo na formação
profissional, para permitir a cada indivíduo a aquisição de competências
profissionais que respondam às novas exigências da economia.
Essa perspectiva da alternância é criticada por Merle (1993) porque se trata de uma
visão reducionista e economicista da alternância, que não recorre a outras
dimensões, como a pedagógica. Dessa maneira, o autor inscreve a noção de
alternância no campo mais amplo do projeto da formação permanente, considerando
a pessoa, o desenvolvimento do meio, e a inserção socioprofissional. Os dispositivos
propostos por Merle participam da noção voltada para a "igualdade de
oportunidades", expressão emprestada de Lerbet (1978), numa nova abordagem
entre teoria e prática.
No desenvolvimento de novas práticas pedagógicas em alternância em novos níveis,
perguntamo-nos sobre os limites e as possibilidades dessa formação em níveis
diversificados. Formar na escola ou na situação de trabalho recoloca a questão da
clássica dicotomia teoria-prática. A alternância situa-se na intersecção de duas
lógicas opostas: a lógica educativa (lógica escolar) e a lógica produtiva (lógica do
trabalho). O desafio da alternância residiria, por conseguinte, na articulação entre
49
essas duas lógicas em dois diferentes lugares que o sujeito em formação deveria
conduzir.
Falar de ensino e/ou formação em alternância como um sistema outro ou diferente,
como ressaltamos previamente, é reconhecer o papel do monitor ou educador no
ambiente socioprofissional, socioprodutivo e/ou na empresa. Fala-se de dois meios
com duas lógicas diferentes a serem postas em interação: a lógica escolar e a lógica
produtiva. Trata-se de uma evolução profunda das representações ligadas ao
conceito de ensino e aprendizagem.
A alternância recorre a uma modalidade pedagógica inteira com dispositivos
específicos, de acordo com Geay (1999), para aprender diferentemente numa outra
escola.
Com efeito, o papel principal e essencial dado à escola era separado
tradicionalmente do mundo do trabalho. O modelo cultural de ensino não permitia o
diálogo entre o mundo da produção e a escola. Assim, integrar um estágio em
empresa numa formação constitui um terreno propício ao desenvolvimento pessoal e
profissional da pessoa. Com efeito, nessa nova lógica de ensino-aprendizagem, o
aprendiz encontra-se na interface de duas lógicas. Ele é o agente que gere e dá
sentido aos desafios e às situações encontradas.
A alternância seria então um processo integrativo de lógicas diferentes, ou seja, a
arte de vincular movimentos opostos passíveis de serem articuladas pelo sujeito em
formação. O que significa que um dos movimentos deve reforçar o outro, e vice-
versa.
O desafio da alternância como nova prática discursiva seria o de questionar e
colocar em xeque as dicotomias anteriormente mencionadas e situar a escola na
dinâmica produtiva da sociedade. Nesse sentido, a pedagogia da alternância seria
concebida como uma pedagogia do/no trabalho. Assim entendidas, todas as
relações escolares e interescolares são relações de trabalho a serem tomadas de
maneira indissociável.
Trata-se de uma noção que supera as dicotomias presentes nas práticas discursivas
hegemônicas que colocam de um lado a educação e do outro o trabalho. Dessa
50
maneira, a pergunta feita a qualquer pessoa, se ela estuda ou trabalha, tornou-se
“natural” e muito difusa.
Se não bastasse esse processo ideológico de naturalização das coisas, a
mistificação do estudo como não-trabalho e do trabalho como não-estudo estendeu-
se a todo o fazer escolar. Daí o reforço da idéia de que o fazer escolar não é
trabalho e tudo o que acontece no mundo escolar não se parece em nada com o
mundo produtivo. Se o fazer escolar não é visto como sinônimo de trabalho, o que
fazem os agentes da produção do cotidiano escolar? Quem é o trabalhador da
educação na escola? A discussão da alternância para além das dicotomias abre-se
a outras noções.
A noção de alternância não é única e parece-nos necessário assinalar as suas
imprecisões, porque não existe definição clara, precisa e completa sobre esse
conceito. Girod de l’Ain (1982, p.219) qualifica a alternância como uma "idéia que
corre muito", "furet" (pequeno mamífero chamado furão).
Analisa, então, as mutações do conceito de alternância como furet da canção, corre
e reaparece de maneira inesperada. Não desejamos definir a alternância colocando-
a num conceito único. Cada um tem a sua maneira de defini-la e nenhuma das
definições pretende reduzir de forma estrita a alternância a um conjunto coerente e
preciso. O interesse de um rápido inventário reside no fato de essas definições
chamarem a atenção sobre a originalidade das práticas de alternância e propor
elementos que facilitam a análise e a compreensão desse sistema complexo. Com
efeito, Bercovitz (1982, p. 5) relata que:
[...] A alternância não existe, mas existem múltiplas variedades, voluntariamente construídas ou vividas, espontaneamente [...], a alternância está por toda a parte, dado que cada um aprende em qualquer momento, nos lugares mais diversos. A alternância é o relacionamento decorrente destas diversas aprendizagens.
Concebida dessa forma, a alternância é, segundo os autores citados, um conceito
em desenvolvimento permanente, em pleno movimento.
A originalidade, a novidade da organização da alternância em educação, reside na
introdução de um período de estágio durante a formação. Assim, o algoritmo
clássico, "aprende-se, só depois vai se exercer ou praticar, com a formação
51
concluída", é colocado em questão nesse modo de funcionamento e na abordagem
da alternância. Trata-se de uma maneira de aprender diferentemente, que parte do
experiencial sem dissociar teoria e prática e outras dicotomias.
Lerbet (1992, p.65) fala "[...] de uma formação em tempo integral com escolarização
parcial". É, de acordo com ele, "primeiro uma outra maneira de aprender que
privilegia a experiência vivida na construção do saber".
3.2 AMBIGÜIDADE DA NOÇÃO ALTERNÂNCIA
Na percepção corrente, o princípio das formações em alternância integra, numa
ação educativa, dois meios de aprendizagem: o escolar e o socioprodutivo. Certas
instituições de formação, com efeito, “descobriram” ou adotaram a formação em
alternância para aperfeiçoar a sua prática pedagógica, para resolver dificuldades ou
fracassos em seus dispositivos.
O risco, nessa ação, seria polarizar a ação educativa na escola ou justapor
conhecimentos teóricos e práticos. Para Chosson e Laforge (1993, p. 25), num artigo
dedicado à formação do aprendiz na agricultura,
[...] o formador deve evitar esta dicotomia simplista que consolida, no espírito do aprendiz, a separação clássica entre a escola teoricista, dissociada da vida, e a propriedade agrícola na qual é possível aprender efetivamente os resultados da profissão. Ora, o nosso princípio básico é completamente outro pois, todo o saber-fazer é suscetível de reflexão teórica, e vice-versa.
Os dispositivos de aprendizagem por alternância são freqüentemente apresentados
como práticas inovadoras, com um movimento cíclico que põe juntos elementos e
sentidos opostos, de forma que se tenta reconciliar o sujeito aprendiz e o sujeito que
produz. Com efeito, Lesne (1993, p. 56) menciona que:
Aquilo que deve ser buscado na noção usual de alternância é menos o caráter de sucessões repetidas de seqüências organizadas em séries que o desejo de ligar duas entidades tidas como separadas, opostas ou insuficientemente interpenetradas formação e trabalho, mundo da escola e mundo da vida, o abstrato e o concreto, a teoria e a prática, pensado e vivido, o disciplinar e não disciplinar. Como se de resto o primeiro termo destes pares encontrava-se na escola e o segundo fora desta.
É necessário, então, na alternância pedagógica ligar, articular essas diferentes
52
lógicas que, embora diferenciadas, possam também completar-se e enriquecer-se
mutuamente.
Para operacionalizar uma formação em alternância, faz-se necessário instaurar uma
inversão na lógica tradicional de aprendizagem. De acordo com Chaix (1993), citado
por Geay (1998), para que esses saberes sejam transmitidos e adquiridos para e
pelo trabalho, é necessário que o aluno seja agente decisivo da alternância. Isso
exige uma engenharia da alternância (Geay, 1998), ou seja, colocar em ação
diferentes agentes, numa engenharia educativa e de parceria41.
A alternância torna-se uma modalidade de educação plena amplamente aplicável,
como alternativa para fazer aprender diferentemente com todas as inteligências, pois
ela permite, sobretudo, aprender o que não se aprende na escola tradicional: os
saberes experienciais, os saberes de ação, competências fora do programa42.
A alternância centrada na formação global e integrada à qualificação profissional
permite superar a falsa oposição entre os seguintes pares: conhecimentos teóricos
na escola e os conhecimentos práticos na empresa; o mundo da escola e o mundo
da vida; o abstrato e o concreto; o pensado e o vivido; o disciplinar e o não-
disciplinar; a formação e a produção; o formal e o não-formal; o indutivo na escola e
o dedutivo no trabalho.
É como se o primeiro termo dessas dicotomias se encontrasse na escola e o
segundo fora dela. Assim, conceber a alternância educativa, em sentido amplo,
segundo Lesne (1993) e Geay (1998), é ligar o que a história pensou
separadamente, numa integração de lógicas diferenciadas, que se completam e se
fortalecem.
3.3 A ALTERNÂNCIA EDUCATIVA: UMA PEDAGOGIA COMPLEXA
Sobre a especificidade e as perspectivas da alternância, o debate continua aberto.
Assim, alguns autores, como Delahaye (1993) e Maubant (1997), afirmam que se 41 SCHNEIDER, J. (1999). Réussir la formation en alternance. Organizer le partenariat jeune-entreprise-organisme de formation. Paris: INSEP Editions 42 PINEAU G. (1989) A formação por experiência em auto-éco e co-formação. Éducation Permanente, n° 100/101, p.25.
53
trata de um vasto projeto ainda pouco explorado. Dessa maneira, segundo Geay
(1998), há aqueles que se interrogam sobre a especificidade da alternância. Assim,
seria ela: "um outro caminho de formação alternativo à escola? Um modo de gestão
do emprego e formação permanente? Uma solução à inserção dos jovens em
dificuldades de sair do sistema escolar tradicional?" (SCHWARTZ, 1981.67). "Uma
escola de uma nova oportunidade!?"43. Ou para além de uma formação de
suplência, um simples método ou procedimento para remediar as dificuldades
crescentes do sistema educativo clássico. Trata-se, de acordo com Gimonet (1998),
"da emergência de um novo modo educativo para sair da escola do século XX!"
(GIMONET, 1998 p, 2).
Do ponto de vista socioeconômico, Mônaco (1993) mostra, em um período de três
décadas (1960, 1970, 1980), a expansão da formação em alternância. A
Comunidade Européia considera esse tipo de formação uma modalidade a ser
implementada. Assim, nos anos 60, torna-se uma das saídas para a escolaridade
obrigatória, e a empresa torna-se um lugar complementar da escola.
Nos anos 70, a formação em alternância estende-se aos jovens à procura de
emprego, a formações curtas e ao reforço da parceria entre a escola e a empresa.
De acordo com Voisin (1993), impulsionado pelo problema do desemprego
crescente na Europa, coloca-se o desafio de melhorar o nível de qualificação dos
jovens.
No dia 18 de dezembro de 1979, o Conselho das Comunidades Européias (CCE)
adotou uma importante resolução na qual a alternância abrange um vasto leque de
situações de formação sob o denominador comum de pretender associar formação e
produção, aprendizagem e trabalho, numa pedagogia da alternância44.
De acordo com Maroy e Fusulier (1998), com a aceleração da crise econômica e a
concorrência de vários fatores econômicos, sociais e políticos, constata-se, no início
anos 80, uma posição forte e deliberadamente favorável à formação em
43 Frase retirada do jornal Le Soir pág. 19 (Bruxelas, Bélgica), 12 de maio de 2000, autor não identificado. 44 Cf. Resolução do Conselho das comunidades européias, de 18 de dezembro de 1979, relativa à formação em alternância, no “Journal Officiel” das Comunidades européias, n° CL/1, 3 de janeiro,1980.
54
alternância45. Naquele momento, a alternância foi chamada a responder aos
desafios postos pela emergência de um novo contexto social, político e econômico
que apresenta outras problemáticas em um mundo que vai se tornando cada vez
mais complexo.
Durante os anos 1980, de acordo com Mônaco (1993), a alternância foi colocada,
sob via de generalização, no conjunto da formação profissional, e a empresa
reconhecida como o agente inseparável nesse tipo de formação46.
Já nos anos 1990, a alternância na França “apresenta-se como uma escola de dupla
face: uma escola voltada para a formação (alternância qualificante e pedagogia
nova) e uma escola voltada para o emprego (alternância de inserção e de transição
profissional)” (GEAY, 1998, p. 109). A alternância torna-se um sistema complexo de
formação de adolescentes, jovens e adultos nos vários níveis: iniciais, pós-primários,
secundários, de formação curta e formação superior Schneider, 2000.
Ao completar 70 anos de existência e 40 anos no Brasil, a alternância em educação,
para os franceses, e pedagogia da alternância, para os brasileiros, vem se
consolidando como uma modalidade educativa considerada:
[...] uma pedagogia da complexidade [...] uma educação que considera a pessoa nas suas diferentes dimensões, na sua trajetória de vida, no seu meio ambiente; que considera a multiplicidade e a diversidade das fontes de saber e seus meios de difusão; que coloca o aprendiz mais como um produtor de seu saber e seus meios de difusão; que coloca o aprendiz mais como um produtor de seu saber do que como consumidor , como sujeito de sua formação que concede ao formador um estatuto e funções de acompanhador, de facilitador, de animador mais que de um professor que executa um programa (GIMONET, 2007, p. 56.)
45 MAROY, C et FUSULIER, B. (1998). Institucionalização e Marginalidade: o lugar da formação em alternância na comunidade francesa da Bélgica. In Crítica regional 26/27 Cadernos de Sociologia e de Economia regionais. Universidade Livre de Bruxelas, p. 77-120. 46 Uma importante ressalva: atualmente, somente nos dois sistemas de formação, as MFRs e os Centros de Formação de Aprendizes (CFA), na França, encontra-se uma grande variedade de formação de profissionais em alternância. Segundo Poplimont (2000), o conjunto das formações rurais e não-rurais ultrapassam, em sua globalidade, o número de 150 profissões.
55
3.4 A ALTERNÂNCIA E SUAS DIFERENTES MODALIDADES DE
ORGANIZAÇÃO
A investigação bibliográfica sobre as diferentes formas de alternância permite-nos
identificar múltiplas concepções e práticas referentes a ela. Com o objetivo de
mostrar as distinções de conceitos e de práticas, vamos esboçar um quadro que
reúne as principais modalidades de alternância no mundo e no Brasil e os seus
modos de organização. Assim, de acordo com diferentes autores, encontramos sete
classificações, entre as quais: a alternância interna e a externa, de Girod de l’Ain e
Y. Bernard; a alternância falsa, aproximada e real, de Malglaive; a alternância
dissociativa, associativa, integrada (UNEFAB, 2000); a alternância justaposição,
complementaridade e articulação, de Antoine et al; a alternância implícita, aleatória e
interativa, de Meirieu; a alternância justapositiva, associativa e copulativa, de
Bourgeon; e a alternância rítmica, inversabilidade e reversabilidade, de Lerbet.
Entre as diferentes classificações, o trabalho de Bourgeon tornou-se o mais
conhecido na literatura sobre o assunto. No final deste texto, apresentaremos,
sinteticamente, a classificação de Bougeon para, em seguida, chegarmos ao
discurso mais recente da alternância: as formas assumidas por esse tipo de ensino.
A) Alternância interna e externa: de acordo com Girod de l’Ain e Y. Bernard (1975,),
“A alternância externa visa a aumentar a população estudantil, a proporção de
adultos ou jovens que têm tido uma experiência de trabalho, quer dando às pessoas,
em exercício profissional, possibilidades de estudo por meio de cursos noturnos,
quer provocando um estímulo ao trabalho antes da entrada no ensino universitário.
É apenas um simples corte do dia para tornar compatíveis os estudos com o
trabalho, sem prever qualquer ligação entre uma atividade e a outra. “Em
contrapartida, a alternância interna consiste em colocar períodos de trabalho durante
os estudos. Trabalho e estudo continuam atividades desarticuladas” (1974, p. 234).
B) Alternância falsa, aproximada e real: Malglaive (1993), seguindo a mesma ordem
de idéias, definiu a falsa alternância como modo de organização que consiste em
prever estágios no percurso de formação. Nesse caso, as formações teórica e
prática são separadas e sem nenhuma conexão entre si.
56
A alternância aproximada: trata-se, de acordo com Malglaive, de um modo mais
elaborado, pois o modo de organização tenta vincular os dois tempos de formação
num conjunto mais coerente. A forma de organização considera o meio externo
como lugar de estágio onde os estudantes observam a realidade profissional para a
qual se preparam.
A alternância real: essa alternância visa à formação teórica e prática global para
permitir, ao sujeito aprendiz, elaborar o seu projeto pedagógico, executá-lo e refletir
sobre sua execução. Essa terceira natureza de alternância insere-se numa outra
lógica de interações e novas possibilidades de transformações do campo e dos
agentes. Aqui, a noção de projeto, freqüentemente ausente no ensino clássico, tem
a sua importância, permitindo uma abertura de sentidos e de possibilidades para os
aprendizes.
C) Alternância dissociativa, associativa, integrada ou integrativa (UNEFAB 1999):
nos documentos da UNEFAB, a alternância dissociativa é apresentada como um
modo de organização em que o trabalho e o estudo ocorrem em momentos
desvinculados da formação.
A alternância associativa: trabalho e estudo são momentos diferenciados. Com o
estudo, o trabalho possui algum valor formativo, por isso algumas atividades práticas
são inseridas no processo formativo. A relação entre estudo e trabalho não se
articula de modo a constituir integração.
Alternância integrada ou integrativa47: nesse modo de organização, o trabalho e o
estudo são dois momentos interligados, porque em ambos os momentos se aprende
e se interage de forma orgânica. Os momentos são integrados pedagogicamente na
formação.
D) Alternância justaposição, complementaridade e articulação: os autores Antoine e
Al (1988) conceituam “alternância justaposição” como um modo de organização no
qual o tempo dos "ativos" é, simplesmente, compartilhado em períodos recortados
entre o trabalho e a formação, sem relação entre eles.
47 Calvó (1999), em artigo sobre a alternância no Brasil, afirma que prefere referir-se à alternância interativa destacando o verdadeiro vaivém entre colaboração, coabitação, co-ação e intervenções mútuas entre o meio socioprofissional e o escolar.
57
A alternância complementaridade: esse tipo de disposição da alternância tenta
organizar dois tempos de aprendizagem num processo contínuo de formação: o
primeiro tempo se desenrola na escola, o segundo na empresa. Os dois tempos
concorrem à aprendizagem do ofício, mas a relação entre eles é frágil.
A alternância articulação: trata-se da organização de um mesmo processo de
formação, de dois tempos diferentes da aprendizagem, um sobre o lugar de
formação, o outro na empresa. Essa organização prevê as modalidades precisas da
cooperação entre os dois lugares.
E) Alternância implícita, aleatória e interativa: de acordo com Meirieu (1992), a
alternância implícita é a do ‘deixar fazer’, não organizada. Ter êxito na escola é viver
em alternância. É necessário deixar que se vivam as situações naturais de
aprendizagem, que as pessoas tomem o que lhes é útil para a vida diária e, por
conseguinte, articulem, por elas mesmas, conhecimentos formais e necessidades
sociais.
A alternância aleatória, segundo o autor, é um tipo de alternância organizada em
torno de duas atividades, uma centrada na produção, e outra na formação, sem que
existam relações entre uma e outra.
A alternância interativa é definida como um ir e vir permanente entre observações,
obstáculos, aprendizagens e reinvestimentos.
Os jovens progridem toda vez que, sobre o terreno, descobrem obstáculos e articulam conhecimentos em torno destes obstáculos e quando, abordando conhecimentos em formação, percebe-se, com os jovens, que é precisamente pela prática que se aprende a lhes tratar. É neste movimento nos dois sentidos que a alternância funciona (MEIRIEU, 1992, p. 5).
F) Alternância justapositiva, associativa e copulativa: de acordo com Bourgeon
(1984, p. 35), a alternância justapositiva pode ser definida como "dois períodos de
atividades diferentes: um de trabalho, o outro de estudo, sem nenhuma ligação entre
elas". Trata-se de uma justaposição dos períodos de trabalho e de estudos cujos
espaços e tempos de aprendizagem são independentes uns dos outros.
A alternância associativa, mais elaborada que a precedente, é definida por Bourgeon
(1979, p. 36) como "uma associação por alternância de uma formação geral e uma
formação profissional". A formação tenta associar as atividades do meio de vida
58
escolar e as atividades do meio de vida externo. Essa forma de alternância
reconhece o papel do terreno, mas esse permanece, freqüentemente, como uma
simples adição de atividades. A integração harmoniosa dos diferentes meios de vida
continua precária.
A alternância copulativa é definida como a "compenetração efetiva dos meios de
vida socioprofissional escolar numa unidade de tempo formativo" (BOURGEON,
1979, p. 37). Nesse modo de alternância, não há somente uma sucessão de tempos
teóricos ou práticos organizados, mas um processo interativo que intervém,
permanentemente, nos dois pólos de atividades, em todos os níveis do campo
educacional. O controle das estratégias da situação de alternância é transferido aos
agentes e às redes de relações que se constituem.
G) Alternância rítmica, inversibilidade e alternância reversibilidade. De acordo com
Lerbet (1995, p. 146), “Quando um indivíduo vê as tarefas educativas em simples
contigüidade, desenvolve a alternância rítmica". Assim, pôr, lado a lado, fases de
trabalho e fases de cursos provoca uma repetição ritmada de tarefas sem nenhuma
relação entre elas.
Na alternância do tipo inversibilidade, o sujeito utiliza a sua experiência, a fim de
refletir sobre a resolução de problemas. Assim, para além da simples contigüidade
das atividades, Lerbet (1995, p. 146) afirma: "O processo de retroação invertido pela
simples troca substitutiva encontra-se dentro do sistema pessoal de um aprendiz
quando apóia-se [sic] sobre uma ação para resolver outra, mas sem,
necessariamente, casá-las cognitivamente", resultando numa justaposição das
atividades.
A alternância reversibilidade corresponde à possibilidade para um indivíduo “gerir
aquilo que vive sobre o terreno (lugar da prática) e em classe (lugar da formação)
extraindo de um mesmo registro de recursos” (LERBET, 1995 p. 147). Nesse
modelo, a alternância desenvolve autonomia na gestão da sua formação. Logo,
trata-se de uma alternância educativamente fértil, pois cada um dos estudantes
aborda o próprio progresso à sua maneira.
Em síntese, vários autores, dentre os quais se destacam Gimonet (1994), Lerbet
(1995) e Queiroz (2004), analisaram diferentes tipos de alternância sob diferentes
59
ângulos – pedagógico, cognitivo, relacional, entre outros. O foco comum das
diferentes análises é a identificação das características de um ensino em alternância
que realize verdadeira integração pedagógica, das diferentes dimensões. Uma
pedagogia da alternância que fortalece as relações entre os diferentes fazeres dos
diferentes meios e contribui com o efetivo sucesso da formação.
3.5 FORMAS ASSUMIDAS PELO ENSINO EM ALTERNÂNCIA
O professor Georges Lerbet (1987) sintetiza, de acordo com três modos de
organização, as características mais disseminadas das práticas de alternância no
mundo. Dessa forma, as características das alternâncias – externa, falsa,
dissociativa, justaposição, implícita e rítmica – são correlativas ao modelo de
alternância justapositiva de Bourgeon (1979), pois a sucessão de períodos e o
divórcio entre as atividades escolares e do meio de vida externo fazem a
desarticulação entre a teoria e prática.
A alternância justapositiva efetua uma justaposição dos períodos de atividades na
escola (estudos) e no meio socioprodutivo (trabalho), no qual os espaços e os
tempos de aprendizagem são independentes e sem relação entre si.
A modalidade de alternância justapositiva apresenta as seguintes características:
disjunção entre os dois meios, ou seja, a escola e meio externo são
justapostos;
os alunos seguem uma trajetória ritmada de um meio ao outro. Os diferentes
ritmos de atividades não são em função da alternância;
ausência de relações entre o organismo educativo e o meio externo;
as dimensões do ensino são compartimentadas;
a formação é voltada essencialmente para a obtenção do diploma.
Alternância associativa: para Lerbet (1987), as características das alternâncias
aproximada, complementaridade, aleatória e inversibilidade são correlativas ao
60
modo de organização da alternância associativa de Bourgeon, pois a simples
associação por adição entre as atividades teóricas no meio escolar e as práticas no
meio externo não permite uma verdadeira relação dinâmica das relações
alternantes. A alternância associativa traduz-se numa forma de organização na qual
os dois períodos de atividades vividos, em meio escolar e em meio externo,
efetuam-se de maneira conjugada, mas sem articulação entre si.
A modalidade da alternância associativa apresenta as características seguintes:
o organismo educativo ocupa o centro do dispositivo de formação. As
atividades práticas em meio externo são controladas pelos monitores;
as atividades práticas em meio externo não põem situações de trabalho
formadoras, geralmente o organismo educativo permanece numa lógica de ensino
escolarizante;
os alunos têm a tendência de supervalorizar e dicotomizar uma das
dimensões da formação, ou a teórica ou a prática;
as situações de aprendizagens práticas não são reais, não tendo em vista os
problemas in loco e os ritmos de produção;
o organismo educativo não leva em conta a eficácia pedagógica da formação,
mas sim a relevância burocrática no modo de organização da alternância;
a formação é orientada para a obtenção do diploma.
Alternância integrativa: as características das alternâncias real, articulação,
integrada e reversibilidade, segundo Lerbet (1987), estão próximas da alternância
copulativa de Bourgeon. Essa forma de alternância é considerada a mais avançada
e mais eficaz por tratar-se de um modo de organização que visa à formação global,
numa interação orgânica e fértil. A alternância integrativa é a compenetração efetiva
dos meios de vida socioprodutiva e escolar numa unidade de tempo formativo.
A modalidade da alternância integrativa apresenta as características seguintes:
os agentes escolares e os agentes externos constroem juntos o percurso
educativo e/ou formativo;
61
os estudantes conduzem os seus projetos de formação utilizando as
contribuições de um e outro lugar;
a lógica pedagógica é ancorada sobre o trabalho em equipe. As atividades
disciplinares dão lugar à interdisciplinaridade e às necessidades reais dos
estudantes;
as aprendizagens práticas são baseadas nas situações reais de grandeza e
realismo;
as aprendizagens integradas são centradas em conhecimentos teórico-
práticos a adquirir;
os agentes do meio externo e interno são implicados como parceiros
educativos;
os objetivos da escola são a eficácia da alternância. Ou seja, garantia de
qualidade e sucesso na aprendizagem.
A partir das características acima mencionadas, observa-se que a alternância
integrativa busca o exercício de uma modalidade de alternância que não justapõe,
nem busca a simples associação, mas a máxima integração entre os
tempos/lugares, os atores, as atividades, as dimensões teóricas e práticas em todos
os aspectos. Busca-se um modo de organização voltado para a formação global, a
interação orgânica e fértil em compenetração efetiva dos meios de vida
socioprodutiva e escolar numa unidade de tempo formativo. Em suma, o exercício
de uma alternância eficaz.
Contudo, não queremos dizer que é possível encontrar uma modalidade de alternância pura e perfeita. A interferência de outras características a tornam sempre
inacabada e em busca permanente da integração e da interface. A eficácia da alternância
faz parte de um trabalho como experiência em desenvolvimento permanente.
62
3.5.1 A questão da integração e a interface na pedagogia da alternância
Retomando a definição de Bourgeon (1979, p. 37), a alternância copulativa é a
"compenetração efetiva dos meios de vida socioprofissionais e escolar, numa
unidade de tempo formativo". Nesse modo de alternância, a instituição formativa
enquanto o instituído perde uma parte da sua potência de controle sobre os agentes
e sobre as redes de relações que se constituem. O controle da situação da
alternância está nas mãos dos agentes que a conduzem. Assim, justamente ao
tornar-se instituído, gera poucas informações, e seu poder é limitado diante das
regras de participação dos parceiros engajados.
A escola (instituição), ou o próprio sistema educativo, limita-se a organizar o tempo e
o espaço da formação (conteúdos, sessões, estadas e estágios) para definir os
objetivos e as estratégias a serem atingidas; mas torna-se frágil ao pretender impor
ou determinar as redes de relações dos sujeitos e suas estratégias de ação.
Contudo, tem poder sobre a avaliação somativa (emissão dos diplomas, prazos).
Para além desse papel, as estratégias de ação são implementadas sob a
responsabilidade dos próprios agentes.
Ao contrário das alternâncias justapositiva e associativa, na modalidade de
alternância copulativa concebe-se a interação orgânica e fértil entre a teoria e a
prática; a instituição formativa é gerida para e pelos próprios agentes no
funcionamento da mesma.
A copulação constitui a ligação mais elaborada entre duas atividades diferentes. No seu princípio, a alternância copulativa supõe uma estreita compenetração dos dois momentos ou os dois meios de atividades. Os conteúdos de um e de outro estão em permanente relação, completam-se e enriquecem-se mutuamente, favorecendo, para além do desenvolvimento do indivíduo, a sua integração a um meio ampliado. As relações alternantes são essencialmente dinâmicas (BOURGEON, 1979, p. 131).
Para ilustrar esse modelo, Bourgeon (1979) menciona vários exemplos, como "a
escola no campo" em Cuba, a experiência tanzaniana, o sistema cooperativo nos
Estados Unidos da América, e as Maisons Familiales Rurales na França.
Apresentamos, como exemplo dessa perspectiva, a experiência das Maisons
Familiales Rurales da França.
63
Chartier (1993), num artigo dedicado às MFRs, apresenta as linhas gerais de uma
alternância de acordo com o modelo integrativo. Assim, a pedagogia da alternância
levada a efeito pela fórmula das MFRs refere-se:
ao processo de aprendizagem que parte das situações vividas sobre o terreno
pelos estudantes; as contribuições da "escola" vêm então em resposta às
interrogações suscitadas por essa primeira fase;
aos instrumentos que ajudam os formadores na aplicação do método;
ao apoio associativo que dinamiza a ação dos diferentes parceiros da
formação.
No fim dos períodos passados na escola ou no centro de formação (Maison
Familiale ou no Instituto Superior Rural), os alunos elaboram, com a ajuda dos
formadores, um plano de investigação chamado plano de estudo. Esse instrumento
desenvolvido pelas MFRs
[...] constitui para cada aluno um apoio de estudo das atividades nas quais é implicado no seu meio de vida sócio-profissional, e facilita as discussões e as trocas com os adultos que estão ao seu lado. Esta investigação sobre um assunto preciso, em cada fase de alternância, dá lugar a um texto escrito e pessoal que o estudante traz quando retorna ao centro de formação. Este texto serve de apoio a uma entrevista com um formador, o aluno recebe assim uma ajuda personalizada que lhe permite melhorar a precisão e a forma da sua produção escrita. Os diferentes estudos realizados a cada seqüência de alternância constituem um trabalho personalizado que suscita a motivação nos jovens em formação (CHARTIER, 1993, p. 88).
De regresso à escola, os estudos efetuados por cada um ou cada uma são em
seguida postos em comum e, por conseguinte, situados no nível do grupo; esse
exercício provoca trocas, fontes de uma aprendizagem mútua. Provoca, igualmente,
interrogações, e é a partir dos questionamentos que se articulam os estudos
técnicos e gerais. Essa concepção da alternância, chamada integrativa por Chartier
(1993, p.89), não se refere, no entanto,
[...] a dispensar um ensino na escola e depois pedir aos alunos que apliquem este ensino sobre o terreno. Pelo contrário, o processo de aprendizagem do jovem parte das situações vividas, encontradas, observadas no seu meio de vida, estas situações tornam-se fontes de interrogação, de trocas, integram-se na investigação de conhecimentos novos. Há a tomada de consciência seguida de resolução dos problemas.
A aplicação dessa pedagogia supõe toda uma estrutura de animação. Refere-se a
64
todos os parceiros do interior e exterior da instituição: jovens, acompanhadores de estágio,
formadores, para que esses ajam em equipe a partir dos objetivos definidos.
Questionados, interpelados pelos alunos, os adultos sentem-se comprometidos. São provocados e desafiados a refletir sobre sua própria situação, onde a sua participação ativa depois de múltiplos encontros organizados nos centros de formação. Esta vida associativa intensa, conseqüência da alternância, é, em muitos casos, um fator de desenvolvimento local e da região ao redor. Ajuda cada um e a comunidade local a tomar consciência da sua situação e a agir na investigação de soluções (CHARTIER, 1993, p. 90).
A concepção da alternância, de acordo com a maneira preconizada pelas MFRs, aplica uma inversão na estratégia de aprendizagem tradicional. Parte-se do fazer, ou seja, é
dada a prioridade ao mundo da experiência, do vivido como o ponto de partida para a
produção do conhecimento. Sem desconsiderar o saber sistematizado como saber
produzido, o saber e o fazer articulam-se e fecundam-se numa nova abordagem pedagógica
da alternância. Essa forma de pensar supera a concepção de aprendizagem predominante
nas escolas que funcionam numa lógica que prioriza a teoria como ponto de partida
abstrato e dissociado da prática.
Engajado em situações desafiadoras de verdadeiro realismo [...] pode ir até o fim de uma tarefa cujo resultado aproxima-se com aquele dos adultos. Graças ao plano de estudo, o aluno exprime-se, progride no saber dizer e toma consciência da sua própria realidade vivida, ele compreende (CHARTIER, 1993, p.90).
Por último, segundo Chartier (1993), a alternância de tipo integrativa privilegia o desenvolvimento da pessoa pelo comprometimento, pela confrontação com a experiência
superadora. Criando uma função polêmica, no sentido nobre do termo, retorna cada um
para si mesmo e ajuda a ajustar seu próprio eu. Provoca um caminhar experiencial que
favorece a criatividade, a motivação e que é fonte de elaboração de projetos pessoais48.
48 A concepção de uma alternância integrativa ou copulativa encontra, em alguns autores, seus tipos correlativos de organização da alternância. Dessa maneira, Malglaive (1979), Antoine et al. (1988) e Meirieu (1995). Malglaive chama de Alternância Real um tipo de alternância na qual o objetivo é a formação global no nível teórico e prático. O aprendiz é colocado no centro do processo e deve refletir, construir e aplicar o desenvolvimento de seu projeto na formação. Antoine et al (1988) conceituam a Alternância Articulação: trata-se da organização de um mesmo processo de formação, de dois tempos diferentes de aprendizagem, um no local da formação e outro na empresa. Essa organização prevê as circunstâncias precisas da cooperação entre os dois pólos. Meirieu (1995) propõe a Alternância Interativa. Trata-se de um vaivém permanente entre observações, obstáculos, aprendizagens e reinvestimentos. Os jovens progridem toda vez que, sobre o terreno, descobrem-se obstáculos e articulam-se conhecimentos ao redor desses obstáculos, e quando, abordando conhecimentos em formação, percebe-se, com os jovens, que é precisamente pela prática que se aprende a tratá-los. É nesse processo, nos dois sentidos, que a alternância funciona. Essa tipologia formaliza os diferentes modos de organização da alternância e seus impactos formativos nos jovens.
65
4 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL
Como evidenciamos anteriormente, o ensino em alternância no Brasil nasceu dentro
de um contexto de crise social, econômica e política. A crise do setor rural se
inscreve nesse contexto. Conforme Ianni (1989), ela se agravou devido às políticas
de apoio, à industrialização dos grandes centros urbanos.
4.1 O SURGIMENTO DO ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO ESPÍRITO
SANTO: AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS
Apresentaremos, neste capítulo, a origem e a expansão do ensino em alternância no
meio rural no Estado do Espírito Santo e no Brasil. Sua gênese está diretamente
ligada ao movimento francês das Maisons Familiales Rurales (MFR). Dessa forma,
com base nas MFRs, dois modelos de alternância se difundem no meio rural
brasileiro: as “Escolas Famílias Agrícolas” (EFA) e as “Casas Familiares Rurais”
(CFR). Mostraremos, assim, uma síntese da gênese-contexto-origem, a expansão e
a situação atual de tais instituições, além da influência de cada modelo no ensino
rural brasileiro.
A primeira instituição escolar, ou centro formativo em alternância, foi criada em 1968,
no distrito de Olivânia, município de Anchieta, no litoral sul do Estado do Espírito
Santo. Essa primeira instituição foi denominada Escola Família Agrícola (EFA).
Inicialmente, a formação em alternância ocorria com intervalos de uma semana de
formação, em regime de internato na escola, e duas semanas no meio externo, com
trabalho, vivência e estudos na propriedade da família.
Ao longo de 40 anos, foram fundadas diversas outras escolas com o nome EFA ao
lado do nome da localidade ou da cidade mais próxima. Uma multiplicação dessas
escolas foi ocorrendo gradativamente tanto no Espírito Santo quanto em todo o País.
Hoje, estima-se a existência de 152 instituições sob influência direta do modelo EFA,
e 108 instituições, principalmente nos Estados da região sul, sob a influência das
CFR. Essas instituições somadas formam um total de 260 em todo o Brasil.
A partir dos centros ou escolas do tipo EFA, 3 outras instituições educativas e/ou
formativas foram influenciadas pelas EFAs: as “Escolas Comunitárias Rurais”
(ECOR), as “Escolas Técnicas Agrícolas” (ETA), de São Paulo, e as “Escolas
66
Populares de Assentamentos” (EPA). Atualmente, as EFAs estão presentes em
dezesseis Estados, organizadas em nível nacional em doze redes regionais que
formam associações filiadas à União Nacional das Escolas Famílias do Brasil
(UNEFAB).
As EFAs e os CFRs são escolas ou centros de formação que constituem-se
entidades não-governamentais sem fins lucrativos. São organizações calcadas no
modelo de gestão associativa local, de caráter coletivo, e integram o movimento
internacional denominado Associação Internacional dos Movimentos Familiares de
Formação Rural (AIMFR), com sede em Paris, França.
Duas outras instituições de formação, criadas no início dos anos 80 a partir das
associações formativas do tipo CFR (QUEIROZ, 2001), foram influenciadas pelas
CFR: as “Casas das Famílias Rurais” (CdFR) e o “Programa de Formação de Jovens
Empreendedores Rurais” (PROJOVEM Rural).
Fundado em 1968 no meio rural, há quatorze quilômetros da cidade de Anchieta, no
Espírito Santo, o primeiro centro formativo ou a primeira escola em alternância foi
denominada “Escola Família Agrícola” (EFA). Criou-se, então, a primeira instituição
educativa em alternância em toda a América.
Alguns meses mais tarde, outras duas instituições que seguiam o mesmo modelo e
sob a influência do mesmo organismo promotor foram criadas no sul do Espírito
Santo. Esse organismo se chamava “Movimento de Educação Promocional do
Espírito Santo” (MEPES)49, que reunia organizações católicas e outras organizações
civis compostas, sobretudo, por famílias de pequenos agricultores. Essas deram
suporte para as primeiras iniciativas não-governamentais de educação e de
formação em alternância rural no Brasil.
É necessário ressaltar o papel dos fundadores das primeiras instituições educativas
e formativas em alternância: os padres e missionários jesuítas, que sofreram
consideráveis riscos frente ao perigo de interdição de seus projetos e programas de
49 O MEPES é uma organização não-governamental (ONG), declarada como pessoa jurídica, sem fins lucrativos (com fins filantrópicos) e de utilidade pública; reconhecido pelo Conselho de Educação do Estado do Espírito; membro fundador da União Nacional das Escolas Famílias (UNEFAB) e da Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR) (NOSELLA, 1977 e AZEVEDO, 1999).
67
ação social, pois se vivia, segundo Ianni (1994), o período mais obscuro da história
contemporânea do Brasil: a ditadura militar.
O contexto de nascimento das EFAs, no fim dos anos 60, foi, portanto, o período de
vigência do regime de ditadura.
A ditadura militar, imposta no país com o golpe de estado de 1964 e pelos governos posteriores, reprime de forma implacável todos os movimentos sociais, seja no campo ou na cidade. O regime encarcera, tortura, sentencia, assassina operários, agricultores, líderes sindicais, pessoas engajadas na Igreja e em partidos de esquerda. Ao mesmo tempo encaminha projetos, planos macro-políticos, com o objetivo de inserção do Brasil no corrente desenvolvimento e expansão do capitalismo mundial (QUEIROZ, 2004, p. 33).
Nessa perspectiva, as primeiras escolas foram criadas e sobreviveram graças ao
apoio da Igreja Católica, que, frente ao regime político da época, reunia um razoável
número de padres e bispos que tiveram um papel considerado “subversivo da
ordem” pelo regime político. Não obstante, as preocupações educacionais da Igreja
católica estavam em sintonia com as orientações da Encíclica Pacem in Terris
(1963). Esse documento tinha como destaque as orientações pastorais visando à
prática social dos cristãos. Desse modo, as grandes questões, como a paz mundial,
a justiça, a liberdade, são colocadas em destaque.
A realização do II Concílio do Vaticano abriu novas possibilidades: mais abertura e
renovação da estrutura e do diálogo interno. A Igreja se preocupava mais com sua
própria inserção social. O Papa Paulo VI criticou, abertamente, o capitalismo e
defendeu o desenvolvimento dos povos na Encíclica Popularum Progressio (1965).
A realização da grande conferência dos bispos da América Latina, em Medellín, na
Colômbia, em 1968, e em Puebla, no México, em 1970, deu força aos setores
progressistas da Igreja Católica. O apoio e o suporte aos agrupamentos religiosos
chamados “Comunidades Eclesiais de Base” (CEBs) e ao novo relacionamento entre
a Igreja e os movimentos de organização social de caráter democrático abriram um
novo cenário nas relações entre a Igreja e os problemas sociais.
No seio da Igreja Católica nasceu uma nova abordagem do social, uma nova igreja,
segundo Boff (1982). Essa nova forma de viver a religião católica é chamada de
igreja progressista, em contraposição à Igreja Católica tradicional. Com efeito, a
Igreja Católica apoiava, discretamente, iniciativas de organizações educativas e/ou
68
formativas e de participação política das camadas marginalizadas da sociedade.
Segundo essa perspectiva e dentro desse contexto histórico, a atuação de um padre
italiano chamado Humberto Pietrogrande, como articulador entre a Igreja, as famílias
e o Estado, forneceu o suporte necessário à criação, ao funcionamento e à
sobrevivência das primeiras escolas em alternância, consideradas na época
progressistas e de potencial subversivo, dado o envolvimento delas com a
problemática social local.
Frente a uma situação de repressão, de censura e de incerteza política, é
necessário que se leia o Brasil na época como um país de grandes dimensões
territoriais, com um enorme contingente de sua população migrando para as grandes
cidades, e um crescente sistema de exclusão socioeconômica e cultural tanto no
campo quanto nas cidades. Nesse contexto sociopolítico, a criação de 21 escolas
rurais em alternância ao longo de 12 anos (1968 – 1980) não parece uma iniciativa
em si mesma capaz de fazer frente aos múltiplos problemas da população no meio
rural.
A ampliação de experiências educativas em alternância no Brasil é, porém,
considerada, nesse momento, “uma novidade muito positiva, pois o país vivia uma
experiência dolorosa provocada por um clima de repressão, censura e de
insegurança política. Vivia-se em plena ditadura” (NOSELLA, 1977, p.36). O autor
ressalta também outros aspectos que destacava a singularidade da experiência das
EFAs para a época. Nesse sentido, considera a experiência “intencionalmente
revolucionária [...] por ser crítica do sistema tradicional que praticamente excluía o
ensino voltado aos camponeses” (NOSELLA, 1977, p.120).
Considerando-se diversas lógicas, pode-se situar o início da alternância no Brasil
dentro de duas lógicas complementares: um movimento de resistência contra a
exclusão econômica e cultural dos camponeses de um lado e, de outro, uma lógica
pedagógica orientada para responder às necessidades de escolarização formal dos
jovens no meio rural.
Inicialmente, as instituições de educação em alternância no Espírito Santo se
direcionavam aos adolescentes e, sobretudo, aos jovens do campo em situação de
defasagem escolar, visando a formar os futuros agricultores. As escolas começaram
69
com características oriundas do bom senso de seus iniciadores, preocupados com
as dificuldades econômicas, culturais e com a situação de pobreza das famílias do
campo.
De acordo com Nosella (1978), os promotores tinham objetivos fortemente ligados à
doutrina social da Igreja Católica. Não tinham grandes ideais pedagógicos, mas,
frente à falta de escolas em sua região, obtiveram o apoio das famílias que queriam
uma escola para seus filhos e filhas, sem que precisassem mandá-los estudar na
cidade. Assim, com determinação missionária, o padre italiano e sua equipe de
colaboradores vindos da Itália, e com o apoio das famílias de pequenos agricultores
e pessoas ligadas à Igreja, deram início às primeiras instituições educacionais em
regime de alternância no campo.
Tomando como exemplo o modelo de alternância das escolas italianas, da região de
Treviso e Ancona, chamadas Scuola della Famiglia Rurale (SFR), que adaptaram a
metodologia das MFRs francesas para a situação italiana50, os promotores da
experiência educacional brasileira de alternância queriam iniciar uma escola voltada
para os problemas locais, como a falta de desenvolvimento aliada à pobreza, o baixo
grau de escolarização dos camponeses, entre outros. Dessa forma, para trabalhar
nas primeiras escolas, o corpo de educadores-formadores, chamados de monitores,
não era constituído por pessoas diplomadas. Os primeiros monitores eram
recrutados entre as pessoas das comunidades circunvizinhas, de maneira que,
inicialmente, não era necessário possuir formação pedagógica51.
Como ressaltamos anteriormente, as primeiras experiências das EFAs no Espírito
Santo, sob a nomenclatura “Escolas Famílias Agrícolas” (EFA), foram inspiradas
diretamente na experiência italiana das SFR e, indiretamente, nas MFRs francesas,
que tinham desenvolvido uma fórmula original de educação em alternância dos
camponeses. Essa fórmula, com instrumentos metodológicos específicos, segundo
Chartier (1986), tenta articular a formação escolar e o ambiente sociofamiliar e
50 Segundo Pessotti (1978, p.19), “A metodologia das MFRs foram adaptadas [sic] à realidade italiana, inicialmente pelo Centro de Educação e da Cooperação Agrícola Trevisiane, organismo de representação da classe dos agricultores e responsável pelo suporte e acompanhamento das primeiras “Scuolas della Famiglia Rurale” (SFR), na Itália. 51 Além da exigência de possuírem diploma de conclusão do ensino médio, a principal exigência colocada aos monitores já recrutados consistia na realização de uma formação inicial e continuada em regime de alternância oferecida pelo Centro de Formação do MEPES, criado com esse objetivo.
70
produtivo.
A fórmula de alternância das MFRs, traduzida por estagiários e padres vindos da
Itália, deu aos iniciadores da primeira instituição os fundamentos e diretrizes de
organização do dispositivo de ensino. Dessa maneira, princípios como a alternância
entre a escola e o meio sociofamiliar e produtivo, o internato, a vida em grupo na
escola, os instrumentos metodológicos, o modo de organização associativo de base
familiar, os princípios da pedagogia ativa, ancorada na experiência dos indivíduos, e
a preocupação em formar as pessoas locais foram inspirados nas MFRs francesas.
De fato, Pessotti (1991), em um artigo consagrado às EFA brasileiras, ressaltou as
relações entre a experiência francesa e a italiana. Segundo a autora, é da
experiência francesa que vem o modelo pedagógico de alternância, com todo o seu
dispositivo pedagógico. Da experiência italiana, vêm os objetivos, o modo de
organização interna e, sobretudo, a colocação da lógica produtiva no interior da
escola, com a introdução da propriedade agrícola da escola52. Nesse período, as
instituições de ensino eram destinadas aos jovens, sem limitação de idade.
Essas instituições acolhiam prioritariamente jovens em situação de abandono ou de
defasagem escolar, oriundos de famílias rurais locais ou de uma mesma região
geográfica no Estado do Espírito Santo.
O primeiro tipo de formação era de caráter supletivo, e a escola recebia jovens do
campo com idade a partir de 14 anos. Os alunos intercalavam uma semana no
centro de formação e duas semanas no ambiente familiar.
A fundação das primeiras instituições em alternância, como vimos, está diretamente
ligada à implantação das três primeiras Escolas Famílias Agrícolas do MEPES, na
região sul do Estado. O MEPES, por sua vez, foi inaugurado em 1967 graças à
Associazione degli Amici dello Stato Brasiliano dello Espírito Santo (Associação dos
Amigos do Estado do Espírito Santo – AES), criada em 1964, cuja sede está em
52 Trata-se de uma escola dentro da fazenda. As EFAs foram projetadas como escolas de duplo espaço educativo, associando a lógica educativa escolar (estudos teóricos em sala de aula) e a lógica do trabalho produtivo (trabalhos práticos na fazenda ou no sítio). Segundo tal modelo de funcionamento, cada EFA devia ter uma propriedade agrícola, considerada terreno de aplicação e de aprendizagem das ditas práticas. Cf Pessotti (AL), 1991, “A Escola Familiar e o Ensino de 1º grau” in. Revista do Centro Pedagógico UFES – Universo Pedagógico, Vitória, Vol. 4, nº 6, Janeiro/Junho, pág 43-48.
71
Pádua, na Itália. Destaca-se nesse momento a ação mediadora do padre Humberto
Pietrogrande, como articulador junto a seus compatriotas italianos, para a criação da
associação na Itália e pela criação do MEPES no Estado do Espírito Santo.
Após a criação das três primeiras escolas do MEPES, as EFAs foram, pouco a
pouco, difundindo-se pelo Estado graças, principalmente, a duas formas de ajuda,
ambas baseadas na solidariedade entre as pessoas. A primeira delas foi a das
famílias que adquiriam a propriedade da escola e iniciavam a construção das
instalações por meio de doações e trabalhos em mutirão. A segunda forma apoiava-
se na ajuda financeira italiana. Em 1972, já fundadas três escolas no sul do Espírito
Santo, as EFAs começaram sua expansão pelo norte do Estado.
Com o funcionamento em alternância, de quinze dias na escola e quinze dias na
família, e com a duração de dois anos, o programa foi reconhecido e regulamentado
em 1971 (lei 24/71) e equivalia ao nível do quinto e sexto ano do ensino
fundamental. Tratava-se de uma formação sem o objetivo de escolarizar os jovens
agricultores. Por isso, o certificado oferecido não era reconhecido pelo Estado. O
objetivo do programa era de oferecer, simplesmente, a iniciação profissional no setor
da agricultura e da criação de animais, sem preocupação com a escolarização
formal.53
A influência indireta dos princípios da pedagogia de Paulo Freire foi integrando,
pouco a pouco, os objetivos e a abordagem sociopedagógica em alternância das
EFAs. Entre esses objetivos, destacam-se certos princípios, como: a relação
interativa entre a teoria e a prática; a realidade vivencial abordada como ponto de
partida e de chegada da prática pedagógica; a problematização permanente da
experiência em seu contexto; as relações pessoais de proximidade com a base,
numa pedagogia fundada sobre o diálogo; o desenvolvimento da consciência crítica
nos indivíduos; e a liberdade, a igualdade e a dinâmica transformadora da educação
como fundamento de uma sociedade democrática54.
O professor Mânfio, do Instituto Paulo Freire, pesquisador da alternância, afirma que
53 No princípio, as escolas concordaram com uma formação de curta duração, mas as famílias estavam insatisfeitas com tal fórmula. Queriam uma formação mais longa e certificativa. 54 ZAMBERLAN 1997, “A Escola Familiar Agrícola e a Pedagogia de P. Freire”. Centro de Formação de Monitores, Piúma, ES, Brasil. Inédito, p. 1-18.
72
Freire inaugura uma “epistemologia da práxis humana” (MANFIO 2006 p. 51) e faz
da conscientização o “bisturi” de sua pedagogia. A partir do conceito de
conscientização, o autor destaca uma lista de semelhanças entre o legado de Freire
e a pedagogia da alternância (PA) dos CEFFAs.
Nesse sentido, a pedagogia da alternância no Brasil não nasceu ou vem se
desenvolvendo de costas para o pensamento de Freire, que também se erigiu fora
da academia ou do sistema oficial de ensino e fortemente ligado aos movimentos
sociais. Esse foi o caminho semelhante trilhado pela pedagogia da alternância.
Assim, tanto a conscientização quanto a PA voltam-se para a formação integral do
homem: responsável e transformador do seu meio.
Ambas se nutrem da utopia, da ética cristã, do engajamento político e da crença de
que fora da realidade não se aprende. O aprender está ligado ao experiencial;
aprende-se no fazer, e o pensar e o agir não são separados. A pedagogia de Freire
e a PA são pedagogias da mudança e se fundam na vivência da ética do
compromisso, muito além do devotamento ideológico.
Para Zamberlan (1997), o pensamento de Freire ajuda a contextualizar uma
pedagogia de base francesa, mas, numa realidade como a nossa, é preciso ter o
cuidado com a “simples importação de modelos únicos e universais” (RODRIGUES,
1999, p.34). A PA parte do contexto existencial do aluno, dos seus conhecimentos
adquiridos, dos seus saberes vivenciais.
Enfatiza a curiosidade, a indagação e a investigação num processo dialógico,
respeitando a capacidade do outro. Faz do coletivo o lócus do aprender em ação.
Nesse movimento, a educação é processo permanente de construção cultural e de
desenvolvimento comunitário. O desenvolvimento pessoal liga-se ao coletivo como
dimensão que passa pela autogestão responsável do projeto no âmbito pessoal e
coletivo, criando atores sociais comprometidos com a mudança do meio. Os dois
tempos da alternância unem-se num só, pois não se aprende primeiro para depois
praticar. Ora, essa visão da PA não se fortaleceu por acaso. Ela ganha em Freire
todo o seu significado emancipador:
Em ambos os casos – Conscientização e Alternância – não há receitas prontas a seguir, mas busca constante, pesquisa participante e contato pessoal direto com o objeto a ser trabalhado. Não se pensa pensamentos e
73
regras sem que estejam imbricados na realidade. Em Paulo Freire não há professores transmissores de saber. Isso ocorre na escola bancária; na alternância há monitores que aprendem junto com os jovens e sua família. (MANFIO, 1999, p.54)
No início de 1974, todas as EFAs foram autorizadas pelo Estado para funcionar
como formação reconhecida e legalizada, como cursos complementares (sob
modalidade supletiva), o que permitiu a conclusão do primeiro grau (de quinta a
oitava séries, por meio da lei 130/74). Tal autorização permitiu oferecer aos jovens o
certificado de conclusão de primeiro grau.
Em 1980, de acordo com Ramirez (1989), o MEPES tinha estabelecido uma rede de
dez EFAs em dez municípios do Espírito Santo. Desse total, duas escolas passaram
a oferecer formação em dois níveis: de quinta a oitava séries do ensino fundamental
e nível secundário – o último com a duração de três anos. O MEPES contava ainda
com um centro de formação de monitores para capacitar seu pessoal, seis centros
de ação comunitária e um hospital geral.
Segundo Pessotti (1991), uma importante mudança relativa aos objetivos e à
estrutura pedagógica deve ser ressaltada. Depois da aprovação da lei 136/88, as
escolas tiveram que fazer mudanças que diminuíram a importância da alternância de
inspiração francesa.
Os organismos promotores e os fundadores da alternância escolheram reforçar a
fórmula da escolarização via modalidade alternância: decidiram por um ensino em
alternância com maior independência do modelo francês e mais próximo do sistema
de ensino formal brasileiro.
Para Nosella (1977), aquela escola, antes guiada pelo bom senso de seus
fundadores, deveria seguir um outro caminho, mantendo a alternância entre a escola
e o meio de vida externo, e ser sustentada financeiramente pelo Estado, mas não
controlada por ele. Todavia, fragilizado pela falta de recursos do estrangeiro e pela
não garantia do repasse de recursos públicos para a manutenção de sua rede de
escolas, o MEPES se defronta com o seu maior problema: a ameaça de ver suas
escolas fecharem as portas.
Em função desses problemas, o MEPES decidiu orientar suas instituições dentro da
lógica de funcionamento das escolas do sistema de ensino formal. O MEPES,
74
permanecendo com o controle de sua rede de escolas, acreditou que essa nova
fórmula garantisse o repasse dos recursos públicos que faltavam e, também, obter o
reconhecimento da alternância como modalidade de educação alternativa55.
Como conseqüência direta da reestruturação das escolas do MEPES, as EFAs
tiveram que baixar a idade mínima de quatorze para dez anos para ingresso nas
escolas. Naquela época, a quase totalidade das EFAs já tinha adotado a alternância
de estadia de uma semana na escola e uma semana no meio socioprodutivo
familiar.
Segundo Pessotti (1991), o ensino em alternância, pressionado, devia, mais do que
nunca, seguir as normas do ensino fundamental do país no nível de quinta a oitava e
em regime seqüencial.
O ensino em alternância rural teve que aceitar as exigências impostas pela
legislação educacional. Em contrapartida, as EFAs obtiveram o mesmo estatuto das
escolas do sistema educacional de ensino do Estado, sendo autorizadas a oferecer
uma formação certificativa, mas sem a garantia do financiamento público.
O modelo de escola autorizado pelo Conselho Estadual de Educação do Espírito
Santo serviu imediatamente como o modelo a ser copiado pelas escolas em
alternância, já criadas, e por aquelas em fase de criação em outros Estados. Para as
EFAs, foi a fórmula encontrada para sair do sistema de formação supletiva
(PESSOTTI, 1991). Para as famílias, ficou a chance de verem suas crianças e
jovens inseridos na escolaridade formal.
De fato, a mudança do caráter dos cursos de quinta a oitava séries, de acordo com
os parâmetros da educação nacional, permitiu aos CEAs oferecerem estudos
equivalentes aos do nível de ensino fundamental e atribuir certificados de estudos
efetivamente reconhecidos.
É a partir desse momento (1988) que, de acordo com certos autores, como Concagh
(1989) e Pessotti (1991), constatou-se uma acelerada multiplicação das EFAs no
Brasil, principalmente na Bahia e em Minas Gerais.
55 QUEIROZ, 1998. O processo de Implantação da Escola Familiar Agrícola (EFA) de Goiás. Artigo publicado na revista da Universidade Federal de Goiás, p. 21.
75
De acordo com a análise de Pessotti (1991), a mudança do caráter de suplência
para o de seriado, colocou as EFAs em um estatuto de igualdade entre as
instituições do sistema de ensino nacional.
Tal mudança, seguindo as normas do ensino fundamental nacional, foi vista como
positiva pelos pais e pelo MEPES, que pôs em prática a expansão do ensino
secundário, seguindo as mesmas regras da estrutura escolar já existente em sua
rede de escolas de ensino fundamental. Assim, as escolas requerentes da mudança
para dois níveis de ensino poderiam oferecer um segundo nível de formação sem
mudar suas estruturas e o modo de funcionamento.
Até aqui ressaltamos o início da alternância no Brasil (as EFAs do MEPES no
Espírito Santo) e sua gradativa expansão no Estado do Espírito Santo. Ao longo dos
anos 1980, as EFAs submeteram-se a uma reestruturação pedagógica que
provocou, durante os anos 90, uma eclosão de inúmeras escolas para as quais o
modelo EFA do Espírito Santo tornou-se a fonte de inspiração.
Ao mesmo tempo, a expansão e a diferenciação no Estado fizeram surgir novas
escolas que mantêm um relativo vínculo com a alternância, sua abordagem
pedagógica, metodológica e relacional, o que nos levou a pesquisar, nessas
diferenciações, as práticas pedagógicas dos educadores.
Após esse pequeno inventário histórico da trajetória das EFAs no Espírito Santo,
pretendemos evidenciar, a seguir, a expansão e a diferenciação entre as escolas
rurais que foram criadas a partir do modelo EFA no Estado. Colocar-se-á em
evidência a introdução do ensino secundário no Espírito Santo e será apresentado
um quadro geral da expansão e distribuição das escolas de ensino em alternância
no Espírito Santo e no Brasil.
4.1.1 A expansão da alternância no interior do Espírito Santo e no
Brasil
No início dos anos 80, as experiências educativas em alternância das EFAs ligadas
ao MEPES já eram conhecidas pelas comunidades, associações e sindicatos de
76
camponeses, assim como das prefeituras de todo o Espírito Santo. Entre 1983 e
1984, algumas associações de agricultores e famílias preocupadas em oferecer uma
educação escolar para seus filhos e defrontadas com a escassez de escolas
regulares em suas regiões decidiram criar escolas cujo modo de funcionamento se
aproximasse das escolas do MEPES.
Nesse momento de levantamentos e conversações, o ensino por alternância das
Escolas Famílias Agrícolas, EFA, despontava como uma alternativa aos interesses
dos trabalhadores do campo. Depois das conversações iniciais com o MEPES e as
Igrejas cristãs e do apoio deles obtido, além da autorização do poder público em
esfera municipal, fundou-se a primeira escola não afiliada ao MEPES, que manteve
a sigla EFA e iniciou seu funcionamento em 1985, no município de Domingos
Martins.
Nos anos seguintes, outras foram criadas no norte e no sul do Estado. Ao contrário
das escolas da rede MEPES, as novas escolas em alternância que começaram a
surgir não visavam a formar uma nova rede, nem criar escolas pertencentes a um
sistema de ensino público. Cada instituição desse tipo teria um estatuto de
organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos. As EFAs autônomas56
tornam-se instituições que oferecem o ensino pós-primário em alternância em nível
médio.
É necessário assinalar a influência pedagógica do MEPES, que teve um papel
importante ao oferecer a formação inicial e/ou em serviço dos docentes, chamados
monitores, das novas escolas fora de sua rede. Assim, as escolas autônomas
mantiveram a mesma denominação de Escola Família Agrícola (EFA), resguardando
sua independência do MEPES. É assim que, segundo Zamberlan (1994), as
primeiras escolas autônomas, que não pertenciam ao MEPES, foram criadas em
diferentes regiões do Espírito Santo. Atualmente, as EFAs autônomas formam um
total de seis escolas. Em 2005, foi fundada a EFA de Barra de São Francisco,
dedicada à formação em nível de ensino médio. Criou-se, a partir de então, a
primeira escola secundária fora do MEPES.
Entre 1986 e 1987, as escolas de assentamentos, ligadas ao Movimento dos 56 A sigla EFA continua sendo a mais utilizada para denominar esse tipo de escolas não apenas no Espírito Santo
77
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), situados no norte do Estado, iniciaram as
discussões com as EFAs do MEPES existentes na região, visando à criação de
escolas pós-primárias com uma educação adaptada às necessidades educacionais
das escolas de assentamento. Nesse momento, o modo de funcionamento por
alternância das EFAs foi a base de inspiração para a criação dessas escolas.
A primeira foi criada em 1988, e várias outras (sob a tutela do MST) foram criadas
nos anos seguintes. As então chamadas Escolas Populares de Assentamento (EPA)
deram origem a um novo grupo de escolas inspiradas nas EFAs do MEPES. Sobre
isso, afirma Pizzeta (2000, p.147):
No nível administrativo as EPA são escolas públicas sustentadas financeiramente pelo Estado, pois não queremos perder de vista a função e a responsabilidade do Estado com a educação. Assim, as EPA têm um estatuto de escolas públicas mas, sob a responsabilidade administrativa e pedagógica do MST. Acredito que este último aspecto é determinante para distinguir as EPA das outras escolas que funcionam com a modalidade de alternância. Atualmente, existem oito escolas situadas no norte do ES.
De 1990 a 1992, no município de Jaguaré, foram criadas três escolas em
alternância, chamadas Escolas Comunitárias Rurais (ECOR)57. Sua criação deu-se
sob a inspiração das EFAs-MEPES. De acordo com Moreira (2000), a discussão que
antecedeu a criação dessas escolas e permaneceu durante esse processo reuniu
várias comunidades rurais do município, a Prefeitura de Jaguaré, a Paróquia
Católica e representantes do MEPES.
A discussão e o acordo com o MEPES foram decisivos porque a EFA já existente
decidiu atender a uma antiga demanda das comunidades da região: abrir mão do
ensino fundamental e passar a oferecer somente o ensino em alternância no nível
médio. Isso permitiria a integração e a continuidade dos estudos para os alunos das
escolas recém-criadas e das outras escolas da região que pretendessem continuar
seus estudos no nível secundário. As Escolas Comunitárias Rurais Municipais
(ECORM) deram origem a um novo grupo de escolas inspiradas nas EFAs. Sobre o
assunto, afirma Moreira (1998, p.20):
As ECOR são diferentes das EFA do MEPES pois, no nível administrativo, as escolas pertencem ao município de Jaguaré, e, além disso, são escolas sustentadas pelo poder público dirigidas por um conselho delegado que
57 CRUZ, 2004 utiliza em seu trabalho o nome ECORM – Escola Comunitária Rural Municipal. Segundo o autor, o novo nome substituiu ECOR, que denominava anteriormente as escolas comunitárias situadas no município de Jaguaré.
78
representa as comunidades circunvizinhas, a associação dos agricultores e o município.
Como ressaltamos, as EFAs ofereciam um curso de 4 anos equivalente ao ensino
pós-primário fundamental. Com a mesma preocupação de continuar a oferecer uma
formação complementar de mais um nível aos jovens vindos de suas próprias
escolas, o MEPES, com o apoio das famílias, decidiu ampliar o atendimento ao
ensino médio. Essa nova formação em regime seriado, de duração de três anos e
posteriormente com a duração de quatro anos, permitiu às escolas do MEPES
oferecer um novo nível de formação aos que queriam continuar seus estudos e obter
um diploma de técnico em agropecuária.
As primeiras EFAs de ensino médio profissionalizante, com habilitação de técnico
em agropecuária em alternância, foram criadas entre 1976 e 1980.
Ao longo dos anos 90, três outras EFAs que já ofereciam o ensino fundamental
decidiram ampliar o atendimento ao nível de ensino médio profissionalizante. Ao
final dos anos 90, as escolas que ofereciam uma formação em nível de ensino
médio formavam um total de seis escolas.
No ano de 2002, foi criada mais uma escola de ensino médio em Nova Venécia, no
povoado de Governador Bley, totalizando sete escolas de ensino médio
pertencentes ao MEPES. Em 2005, houve a criação da EFA de ensino médio em
Barra de São Francisco (que não é pertencente à rede MEPES). O número de
escolas de ensino médio profissionalizante no Espírito Santo passou a ser de oito
escolas na modalidade de ensino em alternância.
Como foi evidenciado anteriormente, o MEPES, por meio do seu centro de formação
de monitores, teve um papel decisivo na multiplicação das escolas inspiradas no
modelo EFA, dentro e fora do Espírito Santo (CRUZ, 2004 e JESUS, 2007).
Segundo Zamberlan (1994), isso se deu principalmente na Bahia, em Rondônia, no
Piauí e no Amapá.
Entre 1973 e 1987, o modelo EFA criado no Espírito Santo, sempre sob a tutela do
MEPES, iniciou a sua exportação para outros Estados. Foi pelo fim dos anos 70 e na
década de 80 que as EFAs começaram sua expansão para o interior do País,
inicialmente no Estado da Bahia e, posteriormente, em Minas Gerais e Maranhão.
79
De acordo com Concagh (1989) e Zamberlan (1994), contava-se, em 1980, um total
de 21 EFAs em todo o Brasil. É a partir dessa época que a experiência das EFAs
começa a suscitar o interesse de alguns estudos científicos58.
É necessário ressaltar que o modelo de ensino da vertente supletiva das EFAs do
MEPES durou até 1988. Na época, exigia-se que os alunos tivessem a idade mínima
de 14 anos para entrar no sistema de alternância. O tipo de formação oferecida
correspondia à conclusão do ensino fundamental, conforme a legislação educacional
brasileira. A partir de 1988, as escolas modificaram a duração do ensino,
transformando-o em um curso seriado com uma duração de quatro anos.
Segundo os estudos de Silva (2000) e Queiroz (2004), constata-se a eclosão das
EFAs em várias regiões do Brasil. Conforme Queiroz, tal expansão teve início a
partir da metade da década de 80 e depois da reestruturação das EFAs no Espírito
Santo, tomadas como exemplo para outros Estados.
Essa expansão progressiva nos outros Estados do Brasil motivou a criação de uma
rede nacional de escolas em alternância no País. Assim, a primeira federação das
escolas em alternância na América Latina foi fundada, no Brasil, em 1982, seguindo
os indicativos da Associação Internacional dos Movimentos Familiares para a
Formação Rural (AIMFR).
No dia 5 de abril de 1982, foi criada a União Nacional das Escolas Familiares do
Brasil (UNEFAB), com sede na cidade de Anchieta, no Espírito Santo59. Dez anos
mais tarde, a UNEFAB tornou-se a entidade mais representativa entre os Centros
Familiares de Formação em Alternância do Brasil (CEFFAs)60.
58 ZAMBERLAN se refere aos estudos realizados por NOSELLA, 1977, “Uma Nova Educação Para o Meio Rural”, Dissertação de Mestrado em filosofia da educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PESSOTTI, A.L. (1978), “A Escola da Família Agrícola: uma alternativa para o meio rural”; Dissertação de Mestrado em Educação, Fundação Getúlio Vargas. GIANORDOLI, R.L., (1980) “Nova perspectiva para a educação rural: pedagogia da alternância”, Dissertação de Mestrado em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1980. 59 No começo dos anos 90, de acordo com o relatório MEPES (1991), contava-se a existência de 38 CEAs semelhantes ao modelo EFA no Brasil, nos seguintes Estados: Bahia, Minas Gerais, Maranhão, Rondônia, Piauí e Amapá. Em 1996, no momento do Sexto Congresso Internacional da AIMFR, realizado em Guarapari, ES, contavam-se, de acordo com o jornal da UNEFAB, 75 CEAs no Brasil, em sua maioria afiliados à UNEFAB. 60 Jornal UNEFAB, ano XV, nº 15, Junho, 1996, p. 2.
80
A UNEFAB é definida hoje como uma organização não-governamental que se
dedica ao desenvolvimento sustentável do meio rural, por meio da formação e da
educação. Entidade sem fins lucrativos, é dirigida por seu próprio estatuto, aprovado
por seus membros associados, registrada como pessoa jurídica no Conselho
Nacional de Serviço Social (CNAS), e representa os interesses políticos, educativos
e promocionais dos CEFFAs no Brasil.
4.2 AS “CASAS FAMILIARES RURAIS” (CFR): UMA NOVA REDE DE
CEFFAS DEDICADA À FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL
As Casas Familiares Rurais são outro tipo de escola dedicada à alternância no
campo, inspiradas nas MFRs francesas e articuladas a elas . Começaram suas
atividades nos três Estados da região sul do Brasil, no final dos anos 80, e tiveram
uma importante expansão de seu modelo, tanto para o interior quanto para o exterior
da região sul.
Essa nova rede de CEFFAs situa-se, majoritariamente, nos três Estados da região
sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A sede situa-se hoje em
Curitiba, capital do Paraná.
No princípio dos anos 80, no quadro de colaboração Brasil-França, com o
acompanhamento direto da Union Nationale des Maisons Familiale Rurale
d’Education et Orientation (UNMFREO) de Paris, os franceses implantaram um tipo
de instituição que tinha em vista a implantação de uma alternativa de formação em
alternância no Brasil, semelhante à modalidade formativa das MFRs francesas.
A fórmula de alternância das MFRs francesas era diretamente aplicada nas CFRs
sob o acompanhamento da União Nacional das Maisons Familiales Rurales de
Educação e Orientação (UNMFREO), na figura dos formadores ligados ao sistema
das MFRs. Assim, os fundamentos e princípios, como a alternância entre a casa
familiar e o meio socioprodutivo, o internato, a vida em grupo na escola ou no centro
formativo, os instrumentos metodológicos, o modo de organização associativo de
base familiar, os princípios da pedagogia ativa ancorada na experiência dos
indivíduos e a preocupação de formar agentes locais eram inspirados nas MFRs.
81
As CFRs reúnem jovens trabalhadores no meio rural e jovens em situação de
exclusão escolar vindos de famílias camponesas locais ou de uma mesma região
geográfica. A formação oferecida é do tipo supletiva. Assim, as CFRs acolhem
rapazes e moças do campo, a partir dos 14 anos, que alternam entre uma semana
no centro de formação e duas semanas no meio socioprodutivo. Diferentemente das
escolas do tipo EFA, o enfoque formativo prioriza a formação ligada às atividades
externas.
No final dos anos 80, contavam-se alguns centros educacionais do tipo CFR61. Após
a criação dos primeiros centros, no Paraná, depois em Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, a expansão das CFRs prosseguiu, nos últimos anos, por outros Estados:
Ceará, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Pará e Roraima.
O crescimento rápido das CFR ao longo dos anos 90, diretamente apoiadas pelas
MFRs francesas, sob a tutela da UNMFREO, impulsionou uma progressiva
expansão para outras regiões do Brasil. Isso, de outra parte, motivou a criação da
Associação Regional das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR) do sul e a ARCAFAR
do norte e nordeste do Brasil.
De fato, as CFRs formam, em torno da ARCAFAR sul62, norte e nordeste, uma
associação de caráter regional, somando um total de 88 instituições distribuídas em
vários Estados. Constata-se, portanto, a coexistência de duas instituições, a
UNEFAB e a ARCAFAR, ambas com o mesmo propósito de expansão pelo Brasil.
Entre 1991 e 1996, a UNEFAB, organização das escolas que se aproximam do
modelo EFA, começou um trabalho de articulação e organização, em nível nacional,
dos CEFFAs, com os seguintes propósitos: formar e aperfeiçoar os monitores;
reconhecer a formação em alternância como uma alternativa educacional dos
camponeses; obter uma participação cada vez maior dos organismos do Estado e
dos municípios no apoio dos CEFFAs em todo o Brasil; e apoiar novas experiências
61 Nome dado à versão brasileira das MFRs francesas. 62 As CFR, hoje, são mais numerosas na região sul do Brasil, com 60 CFRs, constituindo uma das mais importantes redes de CEFFAs do Brasil.
82
e gestão de parceria com os poderes públicos regionais e locais63.
Os CEFFAs afiliados à UNEFAB encontram-se, hoje, organizados em nível regional
mediante instituições político-administrativas juridicamente constituídas, formando
um total de doze associações do tipo rede regional64. Contam-se, atualmente, 139
CEFFAs e 40 projetos de implantação. As doze redes regionais congregam os
CEFFAs distribuídos pelos 18 Estados da federação brasileira.
Nacionalmente, a maioria dos CEFFAs é articulada por intermédio da UNEFAB e,
em nível internacional, pela AIMFR, com sua sede mundial em Paris, na França.
É necessário ressaltar que o conjunto dos CEFFAs no Brasil forma diferentes redes
e sub-redes. Assim, em esfera nacional, encontra-se a UNEFAB em nível regional
espalhada em diversos Estados do Brasil está a ARCAFAR sul e norte/nordeste65.
No âmbito regional, encontram-se redes afiliadas ou não a seus regionais. Em suma,
as diferenças de orientação, de gestão e de ideologia formam uma complexa teia em
torno de realidades e culturas semelhantes e diferentes ao mesmo tempo. Dessa
forma, há redes como as CFRs que são afiliadas unicamente à associação
internacional (AIMFR). As escolas da rede EPA são instituições ligadas ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sem vínculo com a
UNEFAB. Existem ainda outras pertencentes a comunidades e/ou a municípios, com
63 Com a assessoria da SIMFR organização como já dissemos, sediada em Bruxelas, em 1998, a UNEFAB criou uma equipe pedagógica nacional que tem como papel o desenvolvimento dos instrumentos pedagógicos segundo os princípios metodológicos da formação em alternância, o estabelecimento de novos programas de formação inicial e ininterrupta dos monitores e a criação dos grupos de formação de monitores em nível regional. Essas são algumas das ações concretas que fazem parte do projeto de reforço institucional da UNEFAB. Fonte: Informativos 08-1999 e 09-2000 da UNEFAB. 64 1. Associação das Escolas Familiares Agrícolas da Bahia (AECOFABA). 2. Rede das Associações dos Centros Familiares de Formação por Alternância do Espírito Santo (RACEFFAES). 3. Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). 4. Associação das Escolas Familiares Agrícolas Rondônia. (AEFARO). 5. Associação Mineira das Escolas Familiares Agrícolas (AMEFA). 6. Rede das Escolas Familiares Agrícolas Integradas do Semi-Árido (REFAISA). 7. União das Associações das Escolas Familiares Agrícolas do Maranhão (UAEFAMA). 8. Fundação das Escolas Agrícolas do Piauí (FUNACI). 9. Associação das Escolas Familiares Agrícolas do Centro Oeste e Tocantins (AEFACOT). 10. Rede das Associações das EFAs do Amapá (RAEFAP). 11.Associação dos CEFFAs do Rio de Janeiro (ACEFARJ) 12.Associação das Escolas Familiares do Piauí (AEFAPI) 65 Seria mais coerente com seus objetivos ao invés de se chamar ARCAFAR mudar este nome para ANCAFAR. Associação Nacional das Casas Familiares Rurais. Já que o objetivo da ARCAFAR é também crescer em todas as regiões do Brasil.
83
um modo de organização local.
Como destacamos no capítulo IV, as discussões acerca da produção de um discurso
unificador que supere as divergências e considere os pontos de unidade da
pedagogia da alternância encontrou no nome CEFFA (Centro Educativo Familiar de
Formação em Alternância) uma tentativa de estabelecer um certo consenso na
relação entre as EFAs e os CFRs de todo o Brasil.
Os textos, documentos e relatórios que veiculam o nome CEFFA como denominador
de todas as escolas famílias ou casas familiares começaram a ser difundidos em
1998 através de congressos nacionais e internacionais, monografias, dissertações
de mestrado, teses entre outros materiais bibliográficos.
A partir do cruzamento de dados de monografias, teses, informações dos
organismos internacionais, como a Solidariedade Internacional dos Movimentos
Familiares de Formação Rural (SIMFR), em Bruxelas, a Associação Internacional
dos Movimentos Familiares para a Formação Rural (AIMFR), em Paris, e do material
informativo da UNEFAB, o número dos CEFFAs influenciados pelo modelo das EFAs
é de 152 instituições espalhadas por 18 Estados.
O número de CEFFAs influenciados pelo modelo das CFR é de 108 instituições
distribuídas por 9 Estados66. Juntando-se outras redes de escolas não afiliadas aos
CEFFAs, conta-se, atualmente, um total de 275 instituições educativas (CEAs) em
22 dos 27 Estados brasileiros67.
Para que se visualize o conjunto dessas instituições distribuídas pelo País,
apresentamos o quadro geral a seguir68.
66 Segundo dados da UNEFAB e da ARCAFAR, atualmente no Brasil há 60 CEFFAs em fase de criação. 67 Os dados que mais se aproximaram dos quadros aqui apresentados foram publicados no texto Mapeamento das Instituições que utilizam a Pedagogia da Alternância MEC/SECAD/CGEC, abril, 2007. O texto apresenta ao final um levantamento do número de matrículas por região no Brasil. 68 Obs.: O levantamento computou várias instituições educativas em alternância que não proclamam filiação à UNEFAB nem à ARCAFAR. Entre essas instituições estão: 7 projetos de formação no Estado de São Paulo, denominados PROJOVEM, e 8 escolas de assentamento no Estado do Espírito Santo, denominadas por Queiroz (2004) Escolas Populares de Assentamento (EPA).
84
Os Centros Educativos em Alternância (CEA) no Brasil (Quadros 1 e 2)
N° Estados 69 Diferentes Denominações
Abreviações dos Estados EFA ETA ECORM N° CEA
01 AP 05 05
02 AC 01 01
03 AM 01 01
04 BA 37 37
05 CE 02 02
06 ES 22 03 25
07 GO 04 04
08 MA 05 05
09 MT 01 01
10 MS 03 03
11 MG 18 18
12 PA 05 05
13 PI 21 21
14 RJ 03 03
15 RO 04 04
16 SP 04 04
17 SE 02 02
18 TO 03 03
TOTAL 145 04 03 152 Quadro 1 (Influência do movimento das EFA) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
69 Os Estados brasileiros e suas respectivas siglas: Acre (AC), Amazonas (AM), Amapá (AP), Amazonas (AM), Bahia (BA), Ceará (CE), Espírito Santo (ES), Goiás (GO), Maranhão (MA), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), Para (PA), Pernambuco (PE), Paraná (PR), Piauí (PI), Rio Grande do Sul (RS), Rio de Janeiro (RJ), Rondônia (RO), Sergipe (SE), São Paulo (SP), Santa Catarina (SC), Sergipe (SE), Tocantins (TO).
85
N° Estados Diferentes Denominações
Abreviações dos Estados CFR CdFR N° CEA
01 AM 01 01 02 BA 01 01 03 MA 25 25 04 PA 19 19 05 PE 01 01 06 PI 01 01 07 PR 33 33 08 RS 04 04 09 SC 23 23
TOTAL 105 03 108
Quadro 2 (Influência do movimento das CFRs) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
Conforme os quadros 1 e 2 demonstram, na sua diversidade de instituições, a
educação em alternância no Brasil é um fenômeno educacional e social que desde
os anos 90 se difunde de forma rápida, conforme demonstram Queiroz (2004),
Passador (2006) e Jesus (2007).
O Brasil tornou-se a segunda nação do mundo com o maior número de instituições
inspiradas, direta ou indiretamente, na alternância das MFRs. É preciso dizer que a
fórmula francesa de formação em alternância no meio rural conheceu uma grande
expansão no mundo. Chartier (1993) ressalta que tal expansão se deve ao
desenvolvimento dos dispositivos pedagógicos e à sua execução dentro de uma
“pedagogia da alternância”. Hoje, segundo os dados da UNEFAB-AIMFR (2007) 70,
existem no mundo 1.300 Centros Familiares de Formação em Alternância difundidos
em 43 países. 70 Os Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFA) se estenderam pelos cinco continentes em 43 países. Atualmente, existem na América Latina 498 CEFFAs situados nos seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Na Europa, há 532 em quatro países: Espanha, França, Itália e Portugal. Na África, 186 em 19 países, são eles: Argélia, Benin, Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Chade, Etiópia, Gabão, Ilhas Maurício, Madagascar, Mali, Marrocos, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (antigo Zaire), República do Congo, Ruanda, Senegal, Togo e Tunísia. Na Ásia: 8, situadas nas Filipinas e no Vietnã. Na Oceania, há 11 na Nova Caledônia e na Polinésia Francesa. Na América do Norte: dois situados no Canadá. Há, portanto, nos cinco continentes, um total de 1.300 CEFFAs, segundo informativo da UNEFAB e da AIMFR, 2007.
86
5 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NOS CAMINHOS DA ALTERNÂNCIA
Conforme mencionamos no capítulo 2, que versa da problematização das práticas
discursivas em alternância; constatamos um grande salto na produção bibliográfica,
apresentada sob forma de artigos, monografias, dissertações de mestrado e teses,
principalmente entre os anos de 2002 a 2007. Isso produziu um novo cenário nas
práticas discursivas em alternância na medida em que a reflexão de novos temas
também foi criando e enriquecendo a produção discursiva da alternância que se faz
no Espírito Santo e no Brasil.
Sem a pretensão de sermos exaustivos na apresentação da produção bibliográfica e
também reconhecendo que não poupamos esforços para reunir o máximo de
materiais, principalmente as dissertações de mestrado e teses, apresentamos a
seguir os vários estudos, mostrando a maneira como foram sucedendo-se ao longo
dos anos até 2007.
5.1 AS PUBLICAÇÕES E OS TRABALHOS CIENTÍFICOS NA
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS CEAS NO BRASIL E NO ESPÍRITO
SANTO
Ao completar 40 anos de existência em 14 de junho de 2008, o Centro Educativo
e/ou Formativo em Alternância – o primeiro CEA denominado na época de Escola
Família Agrícola (EFA) – foi a primeira instituição de educação ou formação em
alternância no meio rural do continente americano. Entretanto, a trajetória das
experiências sistematizadas é nova e emerge de forma mais vigorosa nos anos
recentes.
A produção teórica sobre as experiências educativas em alternância no Brasil
começou nove anos após o início da implantação do primeiro CEA ou da primeira
EFA. Considerando os recentes dados sobre o crescimento dessas instituições de
norte a sul do Brasil e, sabendo que elas abrangem quase todos os Estados,
principalmente o Espírito Santo, verificamos a maneira pela qual essas experiências
vêm sendo estudadas, sistematizadas e publicadas no meio acadêmico. E, ainda,
que contribuições têm trazido às práticas discursivas de educação em alternância.
87
O primeiro trabalho acadêmico acerca das experiências educativas em alternância
no Brasil foi a pesquisa de Nosella (1977). Apresentado sob a forma de dissertação
de mestrado em educação, defendido na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo-PUC/SP e intitulado “Uma nova educação para o meio rural: sistematização e
problematização da experiência pedagógica das Escolas da Família Agrícola (EFA)
do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES)”, esse estudo
teve o mérito de ser o primeiro sobre as experiências pedagógicas em alternância.
Os objetivos do trabalho de Nosella (1977) consistiram fundamentalmente em
caracterizar a metodologia, analisar os fundamentos históricos e mostrar às pessoas
de outros países elementos de conhecimento e de análise crítica sobre uma
experiência pedagógica original e inovadora implementada no Brasil (p.14-15).
O trabalho descreve e analisa as origens das primeiras experiências de formação
em alternância iniciadas na França (1935); assim como o contexto histórico,
econômico e social, e a expansão desse ensino pelo mundo. Ademais, apresenta a
trajetória de difusão do projeto “Maison Familiale Rurale” (MFR) na Itália, Espanha e
África para chegar à experiência brasileira por meio do MEPES.
Nosella (1997) analisa também as características da experiência brasileira, o plano
pedagógico do centro de formação dos monitores, e, finalmente, o caminho
percorrido e os problemas principais da experiência na época.
O autor constata e analisa os principais problemas levantados: intercâmbio ou
invasão cultural; o problema estrutural ou da participação; o impasse da expansão
da experiência; o dilema metodológico; o programa escolar oficial ou plano de
estudo; o futuro e o sentido do centro de formação (para difundir uma filosofia ou
ideologia de educação); a evasão dos monitores técnicos; a omissão ou o éthos
capitalista; e a questão da manutenção financeira e a ajuda internacional.
Nosella (1977) conclui seu trabalho destacando um aspecto geral no qual mostra
que os problemas estruturais particulares da organização MEPES e,
especificamente das EFAs, se inserem num contexto socioeconômico mais amplo da
sociedade brasileira. Destaca também os aspectos específicos que evidenciam a
singularidade da experiência pedagógica das EFAs: a positividade da experiência,
pois se trata de uma experiência inovadora “por ser crítica ao sistema tradicional de
88
ensino no campo e intencionalmente revolucionária” (p. 112).
A experiência possuía um problema comum a todos os modelos importados de
outros contextos sociais, nesse caso a França, uma vez que será implantado em
uma realidade socioeconômica diferente, em que o homem do campo é
menosprezado. Trata-se pois de uma especificidade da modalidade de ensino em
alternância por ser um modelo importado de um outro contexto social, a França, e
implantado em uma realidade socioeconômica em que o homem do campo é
menosprezado. Segundo Nosella (1977), o MEPES confrontou-se com um grave
problema, uma dupla missão: ele deveria, por um lado, consagrar-se (alcançar o
objetivo?) aos objetivos de formar os profissionais críticos para transformar a
agricultura e o campo; e, por outro, fazer o papel de integração dentro da lógica
capitalista adotada pela política oficial.
Essa contradição é ao mesmo tempo externa e interna ao MEPES e poderia
ameaçar o equilíbrio da instituição numa sociedade desejosa da mudança social.
Segundo o pesquisador, a única possibilidade de continuidade do trabalho das EFAs
no Brasil é a de manter sua ação na perspectiva das classes dominadas.
Como o primeiro trabalho sobre a experiência de formação em alternância praticada
por intermédio das EFAs, o estudo de Nosella (1977) abriu perspectivas para outros
trabalhos que se seguiram, como a dissertação de mestrado que Pessotti (1978)
defendeu na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, intitulada
“Problematização da experiência pedagógica das Escolas Familiares Agrícolas do
Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo MEPES”, que teve como
objetivos descrever a metodologia, o modo de funcionamento da proposta
pedagógica da EFA e os interesses das famílias pelo ensino em alternância.
Esse trabalho de dissertação permitiu a Pessotti (1978) chegar às seguintes
conclusões (1978, p. 149-152):
- o intercâmbio internacional entre a experiência brasileira e a Associação para a
Promoção das Escolas da Família Agrícola da Argentina (APEFA) sofreu influências
(mudanças?) consideráveis, como: a mudança do nome “Escola Família Rural” para
“Escola da Família Agrícola”; o plano de estudos tornou-se o instrumento mais
importante e substituiu o “caderno da propriedade”; a redução do período de estadia
89
em casa de duas para uma semana; e a manutenção do período da seção escolar
de duração de uma semana.
- a utilização que na prática as EFAs, de certo modo, já faziam do plano de estudo
como ponto de partida dentro da estratégia de formação para a definição dos
conteúdos das disciplinas e do programa escolar e, ao mesmo tempo, para a
ligação, dentro do programa, dos conteúdos do currículo oficial do ensino nacional.
- a adoção da propriedade anexa à escola (propriedade demonstrativa) como parte
do espaço de ensino-aprendizagem era vista como uma inovação da experiência
brasileira.
- a aceitação por parte dos agricultores da proposta pedagógica das EFAs é mais
evidente na região Norte que na região Sul, o que é em grande parte devido a uma
melhor organização didática e ao processo de implantação e de administração que
seguem os princípios democráticos por meio da participação dos atores.
- a constatação da perda da identidade das escolas do MEPES com relação ao
modelo original (o modelo francês e italiano), aproximando-se do modelo de escola
convencional urbana (ginasial).
Ao final a autora destaca a proposta inicial, baseada numa metodologia específica, a
participação das famílias e a flexibilidade de seu programa escolar e do processo de
avaliação, que fazem dessa escola uma referência para o ensino pós-primário
adequado às regiões agrícolas tradicionais ou em transição, exploradas por uma
mão-de-obra familiar (PESSOTTI, 1978, p.152).
As críticas e as constatações de Pessotti (1978) são retomadas no estudo de
Giannordoli (1980), na dissertação de mestrado em educação defendida na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ, intitulada “Nova
perspectiva para a educação rural: pedagogia da alternância”. Esse trabalho
apresenta como objetivo geral a realização um estudo comparativo entre os
referenciais teóricos e metodológicos utilizados pelo MEPES com a prática
pedagógica de suas escolas. Os objetivos específicos trataram de analisar e
descrever os instrumentos metodológicos, o sistema de avaliação e o processo de
participação dos agentes envolvidos no processo.
90
Segundo o quadro teórico utilizado pelo MEPES e com a abordagem realizada, a
autora destaca os resultados de seu estudo:
- a aprovação e o reconhecimento por parte dos pais da importância da estrutura de
operação da EFA, principalmente no que diz respeito à utilização da mão-de-obra
composta de seus filhos durante o período de estadia com a família (ou durante as
férias).
- a “visita às famílias” não é realizada de maneira sistemática pela escola, o que
pode tornar-se um obstáculo para a execução de seus objetivos.
- o caderno da propriedade, hoje denominado “caderno da realidade”, estaria sendo
aplicado em desacordo com os princípios da metodologia original.
- a aquisição do procedimento de análise e de reflexão sobre a realidade deveria ser
uma das características do plano de estudos. Assim, o “caderno da realidade”
deveria tomar as questões e os problemas colocados como verdadeiros objetos de
reflexão e ultrapassar o simples nível de constatação.
- por conseqüência, nem o plano de estudos, nem o caderno da propriedade não
constituem um instrumento de motivação das classes na maioria das disciplinas,
com exceção dos estudos específicos ligados à agricultura.
- com relação aos “serões”, os outros instrumentos pedagógicos da alternância
(visitas e viagens de estudos, pequenos estágios, folha ou ficha de observação e a
propriedade demonstrativa, e também o sistema avaliativo) foram aplicados
conforme as prescrições do MEPES.
- com relação à aplicação do plano de estudos como o instrumento principal da
alternância, sua pesquisa colocou em destaque os equívocos de operacionalização
desse instrumento, ligados especialmente à falta de orientação dos monitores.
As recomendações formuladas por seu estudo colocam em evidência algumas
necessidades: melhoria do processo de formação dos formadores (monitores) das
EFAs; maior aprofundamento teórico do plano de estudos a fim de conhecer melhor
todas as suas etapas; formação continuada para os formadores; e maior
participação dos pais na gestão administrativa e financeira da escola para melhor
91
valorizar e aproveitar os conhecimentos práticos dos agricultores.
Durante os 10 anos que se seguiram após a publicação dos trabalhos – Nosella
(1977), Pessotti (1978) e Giannordolli (1980) – todos enfocando experiências
realizadas no Estado do Espírito Santo, praticamente não se publicaram novos
estudos sobre a alternância no Brasil. Durante esse período, o número de escolas
desse tipo em todo o país era de 18 unidades, dez delas situadas no Espírito Santo.
Em 1989, Concagh publicou um artigo na revista “Caderno de Pesquisa”, um estudo
intitulado “A Escola Família Agrícola no Espírito Santo”. Fruto de uma monografia
desenvolvida pela autora, o artigo analisa as EFAs como instituições educativas com
características específicas: a alternância; a utilização de uma metodologia ativa;
uma formação orientada para o desenvolvimento social e cultural do meio rural, com
o objetivo de contribuir para a diminuição do êxodo rural e de oferecer uma formação
para a cidadania baseada na participação dos alunos, das famílias e da comunidade
local. Esse modelo de escola, segundo a autora, apresenta resultados positivos
sobre os aspectos sociais, político e, sobretudo, educativo.
Em 1991, ao completar 23 anos de experiência, o Instituto Superior da Religião
(ISER) realizou um estudo com o objetivo de avaliar os vinte e três anos de
operação da instituição MEPES e seus três departamentos: o Departamento de
Escolas Famílias Agrícolas (DEFA), o Departamento de Ação Comunitária (DAC) e
os Centros Comunitários de Saúde (CCS).
Todavia, decidimos deixar de lado as ações dos departamentos DAC e CCS que
compõem a estrutura geral do MEPES e dar destaque, em nossa análise, às ações
do DEFA, pois esse departamento tornou-se o mais importante para o campo de
ação e de interesse do MEPES na exportação de seu modelo para o país.
Assim, para o ISER, a ação do MEPES ao longo desses anos foi marcada por “uma
concepção de desenvolvimento e promoção humana que variou ao longo de sua
trajetória; uma proposta pastoral humanista e libertadora; e a valorização da
educação nas suas dimensões técnica e conscientizadora” (1991, p.2). Segundo o
ISER, esses aspectos são evidenciados na crítica da expansão capitalista no meio
rural, isso porque o MEPES foi “contra o modelo hegemônico de agricultura
industrial que transforma o trabalho do camponês em mão-de-obra assalariada”.
92
(1991, p.4)
“O MEPES valoriza a produção agrícola baseada na mão-de-obra familiar” (1991,
p.2), e seu trabalho se apóia em elementos de uma educação popular inspirada na
Teologia da Libertação, colocando em discussão o papel da política da educação
por meio das categorias da conscientização, alienação e libertação.
Em um breve balanço sobre as mudanças econômicas e sociais entre os anos 60 e
80, o estudo constatou um grande esvaziamento do meio rural capixaba, de 68,1%
da população economicamente ativa em 1960 para 34,8%, em 198071; a maior
porcentagem de evasão ou êxodo rural no Brasil. No mesmo período, houve a
redução de 2/3 de suas reservas de florestas nativas e uma concentração
expressiva das terras nas mãos de grandes fazendeiros, com a redução da mão-de-
obra familiar.
Por outro lado, o mesmo estudo constatou, também por meio de uma pesquisa
avaliativa, que 61% dos ex-alunos das EFAs passaram a integrar o efetivo de novos
agricultores, desenvolvendo atividades de assistência técnica para os agricultores
como monitores dos CEFFAs. Constatou-se, ainda, que um expressivo número de
ex-alunos tornou-se lideranças comunitárias, sindicais e também participantes nos
movimentos sociais de suas regiões.
Pelo lado da exclusão dos camponeses, esses fatores poderiam, segundo ISER,
sugerir uma avaliação negativa da performance do movimento no Espírito Santo.
Todavia, o estudo argumenta que, ao contrário, nesse caso, é preciso avaliar a
instituição MEPES a partir mesmo de sua trajetória e não da trajetória da sociedade
global.
A pertinência da performance do MEPES está no estabelecimento de uma rede de
ações locais e regionais em que o efeito não pode ser medido por indicadores
macrossociais. Então a eficácia de um movimento ou de uma instituição como o
MEPES pode ser constatada no fato de pôr em operação uma lógica contra a
concepção dominante de desenvolvimento homogeneizador. Por meio de suas
ações, ele contribui para fortalecer um campo de diversidades no qual os novos
sentidos e os novos projetos alternativos podem ser produzidos. 71 Constatações também ratificadas pelos estudos de Pizzetta, (1999) e Jesus (2007).
93
Apesar de algumas críticas sobre a estrutura de poder “não participativo” dentro da
estrutura do MEPES, a conclusão da pesquisa feita pelo Instituto Superior da
Religião optou por destacar como aspectos positivos do trabalho do MEPES os
seguintes pontos: sua performance; as ações; o apoio às iniciativas dos agricultores
familiares; a visão anticapitalista e a concepção de desenvolvimento anti-
hegemônicos. Esse parecer consagrou-se como a primeira a avaliação positiva do
percurso histórico das EFAs no Espírito Santo.
No mesmo ano, Pessotti (1991) publicou um artigo intitulado “A escola família e o
ensino rural de primeiro grau (pós-primário)”, no qual faz um estudo do processo de
transição do regime de suplência para o regime seriado e analisa o processo de
adaptação das EFAs às exigências da legislação educacional do Estado. O autor
constata ainda que ação das EFAs no Brasil e faz uma advertência quanto ao risco
de uma expansão dessas escolas pelo país sem a definição de critérios e de
condições concretas de sobrevivência para elas.
Ainda em 1991, Pinto (1991)72 analisa, em um estudo do ponto de vista global, a
educação rural no Brasil e afirma que a educação rural no Brasil é sempre uma
“mentira” à medida que ignora os processos socioculturais e econômicos, a
linguagem particular, a importância da vida rural e os ciclos de trabalho agrícola. O
que se faz realmente, afirma o autor, é uma camuflagem do rural em favor do
urbano, o que favorece o abandono do campo pelos jovens. Pinto (1991) diz que a
pedagogia é fortemente baseada na transmissão do saber e do saber-fazer, sempre
centrados no monitor ou no técnico. O aluno e seu universo de conhecimentos, de
valores, sua linguagem, suas relações de produção e seu universo cultural e político
não são levados em consideração no processo de educação e de formação.
Contudo, apesar das críticas, Pinto (1991) emite um julgamento ponderado sobre as
EFAs. Segundo o qual, é preciso assinalar que há no interior dessas instituições um
esforço de integração entre a educação rural escolar e a educação agrícola; assim,
o trabalho desenvolvido por elas é importante. Todavia, ressalta que é necessário
ainda melhorar em quantidade e em qualidade; ultrapassando a simples associação,
sem uma real integração, do ensino escolar e da aprendizagem de algumas técnicas
agrícolas. O ensino no meio rural deve levar em consideração o universo do aluno 72 CF. Pinto (J.B.) “Educação agrícola: uma prática educativa transformadora?”, 1992, mimeo. 19p.
94
na sua globalidade: “os saberes e os saberes fazeres, a linguagem, a comunicação,
as matemáticas, as experiências, crenças, e estudos sociais”.73 Esse conjunto de
conhecimentos deve fazer a ligação dialética entre o rural e o agrícola, a cultura e o
saber do campo. Pois é desse modo que o ensino rural poderá obter seu verdadeiro
lugar, uma escola rural realmente ligada de forma crítica ao agropastoril pela cultura
do universo rural.
Em relação ao contexto do Brasil, é nos primeiros anos da década de 90 que se
inicia um período de significativa expansão das EFAs. Foi nesse período, que
surgiram algumas escolas públicas mantidas por prefeituras que utilizavam a
pedagogia da alternância inspiradas no modelo EFA do MEPES no Espírito Santo.
O crescimento das EFAs no território nacional motivou Alves, em 1994, a
empreender um estudo comparativo entre o que se fazia nas EFAs do Espírito Santo
e o que era desenvolvido nas EFAs do município de Muriaé, Minas Gerais (MG).
Alves (1994) defendeu a dissertação de mestrado em Extensão Rural na
Universidade Federal de Viçosa, MG, intitulada “Análise de uma Escola Família
Agrícola como proposta pedagógica para o meio rural”.
Esse estudo de caráter avaliativo, a exemplo da pesquisa realizada por Gianordoli
(1980), teve como objetivo de verificar a coerência da proposta pedagógica para o
meio rural da EFA da fazenda Novo Horizonte, localizada no distrito de Pirapanema,
no município de Muriaé, em Minas Gerais. Essa instituição possuía a característica
de uma escola pública mantida pela prefeitura de Muriaé em parceria com a
comunidade.
A pesquisa de Alves (1994) atestou que por se tratar de uma escola municipal, e, em
conseqüência disso, exposta às demandas políticas em favor das administrações
que se alternam de quatro em quatro anos no poder. A escola não se aproxima do
modelo em alternância do MEPES; ou seja, não utiliza os instrumentos da
metodologia, como os planos de estudos; viagens e visitas de estudos; visitas às
famílias etc. Dessa maneira, a instituição não conseguiu reduzir os índices de
repetência e de evasão. As atividades de planificação dos programas e as decisões
da organização escolar foram feitas por burocratas (técnicos) exteriores à escola.
73 CF. Id, ibid, 1992, p. 15
95
Como contribuição teórica da pesquisa, a autora destaca a necessária compreensão
sobre a qual o monitor do meio rural deveria erigir suas concepções: fazer a ligação
integrada entre a teoria e a prática; articular o conhecimento historicamente
sistematizado construído pelos homens; e compreender a realidade do mundo do
trabalho no meio rural. Isso significa dizer que o meio deve ser o ponto de partida e
de chegada, de maneira que sempre se tentem compreender as complexas relações
no interior da sociedade (ALVES, 1994, p.96-97).
Aqui vale destacar que os estudos de Nosella (1977), Pessotti (1978) e Gianordoli
(1980) apontavam alguns pontos críticos resultantes das pesquisas realizadas nas
EFAs do Espírito Santo, entre eles, o distanciamento de alguns princípios teóricos e
metodológicos da pedagogia da Alternância e seus efeitos negativos nas práticas
pedagógicas. Nesse sentido, o estudo de Alves (1994) não ultrapassa a simples
constatação, isto é, a autora apresenta um estudo muito mais descritivo e poderia ter
ir além e realizado um estudo mais crítico, já que as circunstancias lhe
possibilitavam, levando em conta os resultados de outras pesquisas realizadas.
Foi somente em 1995, que se publicou o primeiro livro do Brasil inteiramente
dedicado à formação em alternância, de autoria de Pessotti (1995), intitulado “O
ensino médio no meio rural: as contradições da formação em alternância”. Partindo
do contexto de uma escola de ensino médio do Espírito Santo e retomando alguns
problemas já levantados em sua dissertação de mestrado (PESSOTTI, 1978), a
autora procura demonstrar em seu livro algumas contradições da formação em
alternância observadas na escola pesquisada, que oferecia o curso de formação do
técnico em agropecuária no ensino médio agrícola.
A pesquisa foi feita na EFA de Olivânia, no município de Anchieta.
Fundamentalmente, Pessotti (1995) questiona vários aspectos da alternância,
expressos nos instrumentos pedagógicos e na estrutura administrativa. Exceto a
vida coletiva dos alunos, os outros instrumentos metodológicos, de acordo com a
autora, são inoportunos para o ensino médio em alternância.
Entre os fatores que a levam a essa conclusão estão a origem geográfica dos alunos
(certos alunos moravam a uma distância de 220 km da escola); um número elevado
de alunos residentes no meio urbano, 21% no ano da pesquisa; a instabilidade
96
profissional dos formadores, o que tornaria impossível o processo pedagógico e
profissional; os momentos que deveriam ser formativos e educativos, como os
serões, não eram aproveitados como momentos de formação.
Em seguida, Pessotti (19995) questiona o distanciamento das EFAs de ensino
médio de sua experiência inspiradora, as Maisons Familiales francesas. As EFAs
priorizaram uma lógica de escolarização com resultados medíocres e sem a
verdadeira alternância. Nesse caso, toda a filosofia da pedagogia da alternância está
próxima da demagogia e conseqüentemente do fracasso institucional. Em sua
conclusão, Pessotti recomenda uma revisão do modelo de formação secundária
profissional, retomando os princípios inspirados nas Maisons Familiales francesas.
No período de 5 a 9 de agosto de 1996, ocorreu na cidade de Guarapari, Espírito
Santo, o “VI Congresso Internacional das Escolas Famílias Agrícolas”, sob o tema
“Formação: garantia para o mundo rural do futuro”. O resultado das discussões do
congresso foi publicado na chamada “Carta de Guarapari”. O documento defende as
EFAs e os também chamados Centros Familiares de Formação em Alternância
(CEFFAs), ressaltando a qualidade do serviço prestado por eles. Destaca a
qualidade do ensino dessas instituições para a população do meio rural. Além disso,
conclama, em caráter de urgência, o apoio governamental em todos os níveis e o
reconhecimento da formação em alternância oferecida pelos CEFFAs como
integrantes do sistema educacional oficial, tanto pedagógica quanto financeiramente.
Em 1997, Queiroz defende a quinta dissertação de mestrado desenvolvida sobre os
CEAs no Brasil, “Análise e implementação da Escola Família Agrícola do Estado de
Goiás”, pela Universidade Federal de Goiás. Por meio de um estudo específico de
caráter longitudinal sobre o processo de implantação da primeira EFA no Estado de
Goiás, numa região de assentamentos rurais marcada por conflitos entre a pequena
propriedade e o latifúndio. Um dos objetivos do autor é compreender a lógica
inerente aos projetos e programas de educação historicamente utilizados no ensino
rural no Brasil e a sua inserção no processo de expansão do capitalismo no
campesinato brasileiro. Outro objetivo é de destacar as implicações dessa lógica na
proposta pedagógica do sistema das EFAs e das Casas Familiares Rurais (CFR) em
relação à escola escolhida como objeto de sua investigação.
97
Inicialmente, por meio de um estudo histórico, Queiroz (1997) analisa os programas
educativos e coloca em evidência o jogo de interesses dos investimentos
internacionais no meio rural. Ele afirma que tais programas não podem ser
compreendidos de maneira isolada, sim dentro de uma visão mais abrangente de
totalidade, “esta é articulada à perspectiva de integração do Brasil e os outros países
da América Latina na sociedade capitalista de mercado” (QUEIROZ, 1997, p. 37).
Nesse jogo não há a preocupação de melhorar as condições de vida da população,
porque os programas pedagógicos não adotaram outras medidas consideráveis
como “a propriedade da terra; o acesso não discriminado ao crédito e a informação;
a reestruturação dos sistemas de comercialização; a possibilidade de participação
efetiva dos atores envolvidos nas decisões políticas e na administração geral”
(QUEIROZ, 1997, p. 37). Tudo isso leva a um processo de proletarização e
empobrecimento geral do meio rural e a uma baixa qualidade da educação para
esse meio.
Ao fazer uma análise da implantação e expansão das EFAs do MEPES no meio
rural, e, tendo em conta não apenas questões levantadas por Nosella (1977), assim
como avaliação realizada pelo ISER, o autor conclui que as experiências do modelo
EFA difundido pelo MEPES não incomodaram, nem ameaçaram as estruturas
capitalistas e, por conseguinte, jamais representaram um perigo para os
governantes autoritários da ditadura militar da década de 60 e 70 (QUEIROZ, 1997,
p.68).
Destaca, ainda, que, mesmo com os objetivos, a pedagogia e a metodologia
diferentes da educação escolar corrente no Brasil, com o aumento e expansão
desse tipo de instituição, sobretudo na década de 80 e 90 no país, as EFAs não
conseguiram contribuir para a modificação da realidade rural brasileira, nem para a
subversão da cadeia de expansão do capitalismo no meio rural.
Esse processo, segundo Queiroz (1997), não se fez presente na EFA de Goiás,
porque essa nasceu de um movimento mais amplo ligado aos princípios
pedagógicos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST) e
a toda a luta deste movimento pela reforma agrária, pela agricultura familiar contra a
desumanização do capitalismo. Em seu estudo histórico situando as EFAs, Queiroz
98
(1997) foi o único a fazer uma crítica aberta e contundente da relação entre a
proposta político-pedagógica das EFAs e o modelo político-econômico vigente.
Enquanto as EFAs expandem-se por vários estados do Brasil, os estudos
acadêmicos ainda são raros. Constatamos, de outro lado, uma novidade, a defesa
da primeira tese na área do ensino em alternância. Assim, em 1998, Azevedo,
defendeu a primeira tese de doutorado em educação em alternância do Brasil, na
Universidade Estadual Paulista (UNESP), intitulada “A formação de técnicos
agropecuários em alternância no Estado de São Paulo: uma proposta educacional
inovadora”.
Em linhas gerais, o estudo analisa a agricultura familiar no conjunto da sociedade e
no contexto capitalista de produção. A propriedade familiar é grande consumidora de
máquinas, equipamentos e insumos, e destaca-se como a principal empregadora de
mão-de-obra no setor rural. Aponta, também, o importante papel da agricultura
familiar no Brasil e suas dificuldades em se adequar aos princípios de eficiência,
competitividade, produtividade e qualidade para se inserir na economia de mercado.
Azevedo (1998) apresenta a pedagogia da alternância como uma proposta de
educação tecnológica inovadora, que se credencia para formar os filhos dos
agricultores familiares pelo modo de organizar o currículo escolar embasado na
realidade do aluno, envolvendo a participação das famílias na gestão da escola.
Além disso, possibilita ao aluno alternar períodos de estadia na escola em regime de
internato em igual ou maior período de permanência com sua família, não o
desvinculando, assim, de seu meio. Ao executar projetos socioprodutivos orientados,
a pedagogia da alternância oferece condições ao aluno de estudar na escola e viver
fora dela. Em outras palavras, o jovem continua a auxiliar os pais nas atividades de
produção da existência familiar que desenvolvem sem que tenha que deixar de
estudar. O ensino escolar não é descontextualizado da vida social do aluno.
Ao completar, em 1998, 30 anos de fundação, com um número de instituições
superior a 100 escolas, sob influência do modelo EFA, e outras 50 Casas Familiares
Rurais (CFR), sob influência do modelo das Maisons Familiales Rurales expandindo-
se nas várias regiões do Brasil, a educação em alternância não deve mais ser vista
sob o aspecto de crescimento residual em suas escolas ou centros formativos.
99
Com a primeira tese sobre o tema, dois livros, 6 ou mais dissertações de mestrado e
numerosas monografias em diferentes programas universitários, o ensino em
alternância continua em plena expansão no meio rural brasileiro. Isso permite
constatarmos o desenvolvimento de um campo de práticas discursivas que busca
consolidar-se no Espírito Santo e no Brasil. A União Nacional das Escolas Famílias
Agrícolas do Brasil (UNEFAB), que até então existia apenas juridicamente e
“permanecia guardada ou confinada dentro do escritório do MEPES em Anchieta”74,
começa a erigir-se e traçar seu caminho de ação. Com o apoio da Association
Internationale des Mouvements Familiaux pour la Formation Rurale (AIMFR) e a
ajuda financeira e assessoria da Solidarité Internationale des Mouvements Familiaux
pour la Formation Rurale (SIMFR), a UNEFAB se emancipa do MEPES e cria o seu
espaço político de ação: uma estrutura de ação nacional; criação da equipe
pedagógica nacional; criação de associações regionais e fortalecimento daquelas já
existentes; apoio a vários projetos de formação inicial e continuada de monitores; de
dirigentes de associações; e de intercâmbios internacionais.
As experiências francesas, espanholas, portuguesas, belgas e italianas dos anos 90
começam a ser conhecidas de perto por grupos de agricultores, de monitores, de
pesquisadores, de alunos e de pais de famílias. Vários programas de intercâmbio
entre o Brasil e os referidos países, principalmente a França, são intensificados.
Para se ter uma idéia, no ano 2000 a UNEFAB já era uma instituição reconhecida
entre as organizações representativas da luta dos movimentos de educação dos
camponeses do Brasil.
Quanto à produção acadêmica até aqui examinada, destacam-se dois trabalhos no
que se refere aos seus posicionamentos relacionados à educação em alternância: o
livro de Pessoti (1995) e a dissertação de mestrado de Queiroz (1997). O primeiro
efetua uma crítica à pedagogia da alternância ao apontar algumas contradições e
desvios de suas origens francesas. O segundo faz uma crítica sociológica situando
as EFAs e seu papel na conjuntura política e no cenário do capitalismo brasileiro.
Os demais trabalhos sistematizados destacam a pedagogia da alternância como
74 Jornal da UNEFAB. Frase pronunciada pelo então presidente da UNEFAB como crítica ao período de 1982 a 1996. Foram quatorze anos em que a UNEFAB permaneceu, segundo ele, “confinada”, existindo apenas juridicamente e não concretamente. Registro do Jornal trimestral, mês de abril, maio e junho de 2000.
100
importante iniciativa de educação do campo em contraposição às práticas
pedagógicas dominantes no meio rural, e também os elementos da sua metodologia
diferenciada; a importância do envolvimento da família em todo o processo
educativo e a emergência de uma escola que surge das forças sociais que se
inscreve dentre os movimentos sociais que procuram integrar os processos
educativos aos processos de luta contra a exclusão social, a falta de
desenvolvimento e a emancipação social e a transformação do campo.
Os novos escritos da alternância, transitando quase exclusivamente no meio
acadêmico, denotam uma produção discursiva restrita, longe de chegar aos debates,
de ganhar os palcos de discussões da educação no Brasil. A alternância que cresce
no Brasil carece não apenas de estudos sobre a aprendizagem, sobre seu lugar e
seu papel nas políticas educacionais do campo, sobre a educação e qualificação
profissional; mas também sobre a formação do monitor, o educador da alternância.
O debate desses temas, alguns deles já evocados por Nosella (2007), questiona
aspectos pendentes de uma experiência de 30 anos de movimento que, à medida
que caminha, vai abrindo novos horizontes prático-discursivos.
Prosseguimos nosso registro dos novos estudos que se foram sistematizando e
suas contribuições para a constituição de uma prática discursiva na educação em
alternância e o modo pelo qual tentamos acompanhar o seu movimento.
O Primeiro “Seminário Internacional de Salvador”, realizado no período de 3 a 5 de
novembro de 1999, com o tema “Pedagogia da alternância – alternância e
desenvolvimento”, reuniu representantes de diversos segmentos organizados da
sociedade, como várias universidades, institutos de pesquisas e extensão rural e
organizações não-governamentais nacionais e internacionais.
A presença de monitores, coordenadores e dirigentes de CEFFAs oportunizou um
diálogo entre as experiências de alternância brasileiras e de outros países,
principalmente a França. Os textos dos palestrantes franceses foram traduzidos e
publicados pela UNEFAB no livro “Pedagogia da alternância – alternância e
desenvolvimento”75, entre os quais destacam-se:
75 Pedagogia da alternância – alternância e desenvolvimento. Brasília, Editora Dupligráfica 1999.
101
O primeiro texto que conta a origem, descreve os princípios e o desenvolvimento
das MFRs na França e qualifica a disseminação do movimento das MFRs no mundo
como uma ousadia. O segundo artigo desenvolve uma análise comparativa entre os
princípios da pedagogia de Freire com a pedagogia da alternância. O terceiro artigo
apresenta a pedagogia da alternância como uma pedagogia experiencial porque
nasce da escola da experiência. O quarto artigo aborda a noção de desenvolvimento
na pedagogia da alternância destacando-a como uma pedagogia do
desenvolvimento, que não perde de vista o humano, o cultural e o ambiental. O
quinto artigo abordando a questão da alternância e a trandisciplinaridade apresenta
um desafio ao exercício da complexidade da alternância, apontando caminhos de
uma pedagogia da escola do futuro. Os dois últimos artigos apresentam a
alternância como uma pedagogia da parceria entre a escola, a família e o meio
socioprofissional; e o último enfoca o monitor como um profissional da educação em
uma função diferenciada do professor da escola clássica, que exige uma formação
inicial específica e um processo de formação continuada.
Ainda em 1999, Rodrigues desenvolve um estudo escrito originariamente em francês
(Dissertação de estudos aprofundados), intitulado “Escolas Famílias Agrícolas: um
modelo de desenvolvimento do meio rura”, que se centra nas Escolas Famílias
Agrícolas (EFA) como instituições que desenvolveram um modelo específico de
educação e de formação em alternância adaptada ao meio rural brasileiro. Destaca
que o modelo das EFAs nasceu na França a partir dos anos trinta, expandiu-se pelo
mundo e também no Brasil, computando em 1998 um total de 100 EFAs, distribuídas
em 19 Estados.
Partindo do questionamento do modelo e com uma base de análise centrada no
estudo de uma literatura específica composta de teses, artigos e monografias,
Rodrigues (1999) desenvolve um trabalho descritivo e interpretativo acerca das
EFAs no Brasil. Mediante uma postura investigatória de natureza qualitativa, realiza
uma análise da instituição EFA: sua origem, sua expansão pelo mundo e no Brasil,
seus objetivos, meios, sua estrutura e sua organização, seus atores, seu campo de
formação e seus componentes indispensáveis.
A análise e a interpretação dos dados apresentam os pontos de originalidade das
EFAs: um modelo fundado sobre a alternância entre a escola e a vida, uma filosofia
102
de educação em movimento constante de integração com as necessidades dos
atores, uma metodologia específica e seus princípios a serem reapropriados
segundo a cultura do local em que será implantada. Enfim, uma escola emergida
das forças sociais locais.
A dissertação (Mestrado em Educação) de Moreira (2000), defendida na
Universidade Federal do Espírito Santo, “Formação e práxis dos professores em
escolas comunitárias rurais: por uma pedagogia da alternância”, foi o quarto trabalho
em nível de mestrado desenvolvido sobre os CEAs no Estado do Espírito Santo e o
primeiro desenvolvido no PPGE-UFES.
Esse trabalho apresenta uma análise das dimensões da cultura e do imaginário
social manifestadas na comunidade escolar, intervenientes na práxis pedagógica
dos formadores em alternância das Escolas Comunitárias Rurais (ECOR) do
município de Jaguaré, no Espírito Santo – essas escolas são inspiradas nas EFAs
do MEPES.
Com base na teoria do imaginário social e dentro de uma abordagem sociohistórica,
a pesquisa de Moreira (2000) teve como objetivos realizar uma análise social,
política e pedagógica da comunidade escolar e suas relações com os princípios
teóricos e metodológicos da pedagogia da alternância; verificar, no projeto político-
pedagógico das Escolas Comunitárias Rurais, a práxis de seus atores, os valores
éticos universais (instituído e instituinte) em relação à política, à religião e à
educação; identificar as concepções da comunidade sobre a cultura e a educação
para o meio rural; e extrair dessa trajetória as implicações para a formação de
educadores para o meio rural. Os dados foram colhidos em duas das três ECORs
das microrregiões do município de Jaguaré.
O trabalho parte do imaginário social instituído e instituinte, para mostrar que a
sociedade brasileira atribuiu ao homem rural um caráter marginal no processo de
desenvolvimento histórico e social.
O autor verifica também que o homem do meio rural resiste ao processo da
degradação dos valores tradicionais na sociedade capitalista, o que não é próprio de
uma forma de atraso sociocultural, mas antes de tudo uma forma recriada de
coabitar com esse sistema.
103
Para analisar o processo educacional nesse meio, Moreira (2000) utiliza como
categorias centrais a identidade cultural e a alteridade para expressar a necessidade
de considerar os valores culturais próprios ao homem do meio rural, tomando como
base os conhecimentos, segundo o caráter da ética universal, tendo em vista que
essas categorias devem ser apropriadas pelo processo de formação de formadores
para o meio rural.
Com essa pesquisa o autor espera contribuir para o levantamento de questões que
possam repensar os pressupostos pedagógicos da alternância praticada nas
ECORM, no que diz respeito aos conteúdos escolares e ao conhecimento da
realidade. Moreira (2000) diz ainda que a pedagogia da alternância, por se
aprofundar de maneira crítica nas questões políticas, religiosas e culturais,
aproxima-se do universo das necessidades dos pais e dos alunos.
Quanto ao processo de formação de educadores, segundo o autor, esse se realiza
parcialmente por meio de instrumentos metodológicos específicos da pedagogia da
alternância. Moreira (2000) finaliza seu estudo sugerindo igualmente um processo
de alternância na formação dos formadores e retoma Santos (1999) quanto aos
espaços tempos de formação.
Enfocando o ensino em alternância pelo ângulo da extensão rural, Machado (2000)
defende a dissertação de Mestrado em Educação na Universidade Estadual de
Ponta Grossa no Paraná, “A pedagogia da alternância como modalidade de
educação: alguns desafios para a extensão rural”. Esse trabalho aborda as duas
grandes redes do ensino em alternância no Brasil, as EFAs e as CFRs; e indaga a
pedagogia da alternância e sua adequação como via apropriada de inserção do
indivíduo, cidadão na realidade.
O estudo Machado (2000) contempla a realidade histórica na sua globalidade e seu
movimento dinâmico, considerando a inter-relação entre o todo e suas partes e as
partes com o todo. Para a realização do estudo utiliza a pesquisa exploratória,
envolvendo procedimentos estatísticos descritivos, tendo como população-alvo da
pesquisa os alunos egressos de 1998 e 1999 que concluíram o ensino médio da
Escola Família Agrícola de Olivânia/ES e da Casa Familiar Rural de Barracão/PR,
perfazendo um total de 33 alunos entrevistados.
104
O estudo de Machado (2000) apresenta resultados que permitem concluir que a
pedagogia da alternância tornou-se uma alternativa viável para promover a
transformação do meio rural. Ao mesmo tempo, mostra-se como uma modalidade
educacional para a extensão rural adequar-se aos novos conflitos emergentes neste
início de milênio, isso quando a metodologia pedagógica da alternância e seus
elementos constituintes conseguem romper as barreiras provenientes da diversidade
cultural.
Também no ano de 2000, Silva defende, na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, a segunda tese de doutorado no campo da alternância, intitulada “As
representações sociais da relação educativa escola-família no universo das
experiências brasileiras de formação em alternância”.
A autora situa seu trabalho na problemática de aproximação do meio escolar e
familiar no universo das experiências brasileiras de educação em alternância. O
estudo busca compreender a relação educativa entre a escola, a família e os
diferentes parceiros envolvidos nas experiências educativas, com o objetivo de
identificar as representações sociais que alunos, pais e educadores da EFA e da
CFR construíram sobre a alternância, seus respectivos papéis no processo de
formação, assim como o papel dos outros atores e as relações existentes entre eles.
A comparação entre essas representações permite evidenciar as convergências e
divergências presentes no interior de cada experiência analisada e apreender, no
seu conjunto, a natureza da relação educativa escola-família e os tipos de
alternância que vêm sendo implementadas.
Silva (2000) busca na tese compreender a natureza simbólica das diversas práticas
educativas das EFAs de Minas Gerais. O objetivo é identificar e analisar as
representações sociais dos monitores das Escolas Famílias e que, compartilhadas,
concorrem para a construção da identidade do movimento em Minas Gerais. Isso foi
feito com a utilização de uma metodologia de abordagem qualitativa por tratar-se de
um estudo que buscou explorar aspectos simbólicos das práticas educativas.
A produção de vários estudos de mestrado e da segunda tese de doutorado entre
1998 e 2002 mostra que as diversas escolas que trabalham com a pedagogia da
alternância no Brasil vêm se tornando objeto de investigação. Sinaliza também um
105
período de significativa produção científica que se intensificará na primeira década
do ano 2000.
O segundo Seminário Internacional, “Pedagogia da alternância: formação em
alternância e desenvolvimento sustentável”, realizado em Brasília, de 12 a 14 de
novembro de 2002, reforçou o debate em torno da relação entre a formação em
alternância e o desenvolvimento. No transcorrer do seminário, vários autores
trataram da estreita relação entre a formação em alternância e o desenvolvimento
sustentável e humano. Dentro da temática foram abordados, por vários
especialistas, os aspectos da parceria entre a formação em alternância e a
universidade, bem como o caminho que vem sendo percorrido no relacionamento
entre os CEFFAs e as universidades na França, no Canadá, em Portugal e no Brasil.
As diferentes falas dos palestrantes estão reunidas no relatório “Pedagogia da
Alternância: formação em alternância e desenvolvimento sustentável”76.
Na esteira das discussões empreendidas acerca da educação em alternância e o
desenvolvimento Caliari defendeu, em 2002, pela Universidade Federal de Lavras, a
dissertação de mestrado “Pedagogia da alternância e desenvolvimento local”. Com
base na interrogação: o que é desenvolvimento local? Caliari (2002) procura discutir
e identificar os indicadores do desenvolvimento local por meio dos atores locais
envolvidos no trabalho da Escola Comunitária Rural Municipal de Giral, no Espírito
Santo, e sua relação com a incorporação do conhecimento por meio da educação
rural.
De acordo com o autor, entre as inúmeras possibilidades para compreender o
desenvolvimento local e a ação dos diversos atores sociais envolvidos no processo,
o trabalho alicerça-se primeiramente na análise da função desempenhada pela
educação rural, pois essa educação deve proporcionar um conhecimento e
condições para transformar os envolvidos em pessoas atuantes nas ações de
desenvolvimento local.
A análise de Caliari (2002) acerca da adoção da pedagogia da alternância é de que
ela vem contribuindo para o desenvolvimento local na medida em que proporciona
às famílias um trabalho educativo centrado nas respostas às suas necessidades.
76 Relatório editado pela UNEFAB, 2002.
106
Ao trabalhar os elementos da realidade vivida pelo educando, de sua comunidade,
por adotar instrumentos de intervenção na realidade, incentivando a participação e o
engajamento na participação popular e por engendrar práticas agrícolas voltadas
para uma relação equilibrada entre o homem e a natureza, constitui-se como uma
educação rural transformadora nas questões da agricultura familiar e nas condições
dessa realidade.
Em 2003, Passador defendeu tese em educação, na Universidade de São Paulo,
enfocando o ensino em alternância das CFRs, cujo título é “O projeto escola do
campo (1990-2002) do Estado do Paraná: capital social, redes e agricultura familiar
nas políticas públicas”. Partindo de um estudo de enfoque sociológico da educação
por alternância, a autora desenvolve o seu estudo apresentando três referências
para se pensar a educação rural no Brasil: globalização, capital social e redes.
Passador (2003) apresenta a gênese das Maisons Familiales Rurales ou Casas
Familiares Rurais no pós-guerra na França e, no interior desse movimento
educativo, o desenvolvimento da pedagogia da alternância, seus componentes e
suas especificidades de uma educação gestada e voltada para o desenvolvimento
do campo. Apresenta uma reflexão fundada na necessidade de mudança do meio
rural (ABRAMOVAY, 1999; GRAZIANO 2001; VEIGA 2000; GRZYBOWSKI, 2000;
MARTINS; 1998, entre outros), por meio de iniciativas diferentes daquelas que
geraram a exclusão, para que se construa um novo rural. O estudo analisa o alcance
das CFRs, o projeto Escola do Campo, suas tensões e desajustes na relação com a
escola. Nessa linha, analisa os municípios de Chopinzinho e Candói no Paraná. A
autora conclui seu trabalho enfocando a pedagogia da alternância como referencial
de permanência e as suas condições de possibilidade na educação do campo.
Na sucessão de produções acadêmicas fortemente voltadas para a discussão da
relação entre educação em alternância e desenvolvimento sustentável, um conjunto
de produções acadêmicas, em nível de mestrado, foi realizado dentro do curso
“Formação e desenvolvimento sustentável”, que reunia monitores atuantes em
diferentes regiões e redes de ensino em alternância no Brasil. O curso foi promovido
pela parceria entre duas universidades estrangeiras e a UNEFAB: a Universidade
Nova de Lisboa, de Portugal, e a Universidade François Rabelais de Tours, da
França.
107
As dissertações produzidas e defendidas (totalizaram 17), todas escritas em
português, resultaram num importante acervo de estudos acerca das diferentes
experiências brasileiras em alternância por meio dos CEFFAs. Os temas
desenvolvimento local, participação da família, formação em alternância, parceria,
desenvolvimento pessoal, social e ambiental formaram as palavras-chave dos vários
temas das dissertações produzidas, principalmente dentro da abordagem qualitativa.
Em 2004, Pineau publicou em francês e em português o livro “Temporalidades na
formação: rumo a novos sincronizadores”. Esse livro foi dedicado ao curso de
mestrado luso-franco-brasileiro do qual Gaston Pineau foi um dos coordenadores.
Em “Temporalidades na formação”, Pineau (2004) aborda o tema da relação do
tempo em suas diversas modalidades com a formação permanente, denominada por
ele cronosformação, que seria a eclosão do tempo em múltiplas temporalidades,
centrada na formação como função de evolução humana.
Nesse caso, a cronosformação exige uma nova abordagem que tenha em conta
novos sincronizadores, como o cotidiano, a alternância, o retorno narrativo sobre a
vida. Pineau (2004) mostra, ainda, a possibilidade de uma formação permanente,
que é absolutamente pessoal e intransferível, uma formação que não é nem
uniforme nem telecomandada, mas depende da própria pessoa e de sua relação
consigo mesma, com o outro e com o meio que a circunda.
Com o tema “A construção das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil, ensino médio e
educação profissional”, Queiroz defendeu em 2004, na Universidade de Brasília,
mais uma tese de doutorado. O autor efetuou uma análise sociohistórica do
surgimento e desenvolvimento das EFAs de ensino médio e educação profissional,
no final dos anos 60.
O ensino médio e a educação profissional (EM e EP) foram inaugurados em 1976,
na EFA de Olivânia, em Anchieta, Espírito Santo. Outras duas escolas foram criadas
na década de 80. Queiroz (2004) destaca, ainda, um significativo crescimento das
EFAs de EM e EP entre 1991 e 2002, chegando a um total de 18 escolas, que
formaram 88 turmas e expediram 1977 diplomas de técnicos em agropecuária.
O autor apresenta ainda uma contextualização da agricultura familiar e da educação
no Brasil, o movimento por uma educação do campo, situando nesse contexto a
108
implantação da pedagogia da alternância no Brasil. Destaca em sua pesquisa o
surgimento dos CEFFAs e sua inspiração nas experiências francesas e italianas.
Apresenta também o surgimento das Casas Familiares Rurais Francesas junto ao
quadro de organização internacional dessas instituições, além de recorre a alguns
estudos sobre a alternância na formação e às contribuições de autores, como Freire,
sobre a educação problematizadora, Gramsci e a escola unitária, e Pistrak, sobre a
escola do trabalho.
Ao concluir seu estudo, Queiroz (2004) afirma que as EFAs de EM e EP são escolas
vivas em construção, voltadas para uma formação unitária, integrada de jovens
agricultores dentro de uma alternância que contribui para o fortalecimento e o
desenvolvimento da agricultura familiar e da educação do campo, voltada para a luta
contra o latifúndio, o poder e o saber no Brasil. Enfim, um instrumento da
democracia e da cidadania.
Em nosso levantamento dos estudos constatamos que em 2004, foram produzidas
pelo PPGE-UFES duas novas dissertações de mestrado abordando a formação em
alternância. Na primeira, “Escola Família Agrícola: uma escola movimento”,
Magalhães (2004), analisa a proposta educacional das EFAs e a maneira como o
trabalho efetuado por essas escolas produzem o interesse e a valorização da
educação e do espaço rural. Apresenta dados sobre a educação no meio rural
brasileiro e suas principais considerações quanto à necessidade de se pensar uma
política de educação rural com suas especificidades. Magalhães (2004) analisa a
prática educativa das EFAs e os processos de socialização engendrados por ela,
bem como identifica contribuições dessa prática para uma política de educação do
campo.
A segunda dissertação foi a de Cruz, intitulada “Pedagogia da alternância:
ressignificando a relação pais – monitores no cotidiano da escola comunitária rural
municipal de Jaguaré”. Cruz (2004) enfoca o papel social, político e pedagógico dos
pequenos agricultores, pais e mães de alunos na formação continuada dos
monitores da Escola Comunitária Rural Municipal de Jaguaré, ES, enfatiza os
saberes-fazeres nas suas relações sociais, na orientação e no acompanhamento do
filho na família e nas formas de envolvimento na escola em nível individual e
coletivo.
109
Também em 2004, Chaves defendeu tese de doutorado em educação na Faculdade
de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista de Marília, “Educação e
desenvolvimento social: uma análise de sua relação em três experiências de
pedagogia da alternância”.
Chaves (2004) desenvolve um estudo de três casos para se analisar como se dá a
relação entre educação e desenvolvimento social no ensino médio profissionalizante
de Escolas Famílias Agrícolas inseridas em áreas rurais brasileiras distintas.
Segundo a autora, a proposta pedagógica dessas escolas se desenvolveu com base
na pedagogia da alternância, teoria originada na França e presente no Brasil há
mais de 35 anos.
Por ter em seus princípios conceitos semelhantes aos abordados pelos parâmetros
curriculares nacionais, essa semelhança é um indício de que essa pedagogia é atual
e está em consonância com os desafios encontrados hoje pelo ensino médio
brasileiro. Utilizando os referenciais teóricos da pedagogia da alternância e seus
autores, além de referenciais de desenvolvimento rural, social e humano, Chaves
(2004) busca definir quais os indicadores que podem ser utilizados para avaliar a
efetividade da utilização dos instrumentos pedagógicos da alternância para
desencadear processos de desenvolvimento pessoal e local.
A pesquisa de Chaves (2004) verificou que os instrumentos da pedagogia se
mostram extremamente eficientes para estabelecer uma relação integrada entre a
escola e o meio social em que está inserida, ainda que a compreensão limitada do
referencial teórico sobre o qual deveriam sustentar-se as ações pedagógicas indique
um impacto menor do que possibilita seu potencial transformador.
Houve mudanças significativas em todos os elementos considerados essenciais ao
bem-estar social – capital social, humano, físico, econômico e ambiental – e
demonstrou-se que a proposta pedagógica consegue intervir diretamente sobre a
maioria dos aspectos essenciais à implantação de uma estratégia de
desenvolvimento rural apoiada no empreendedorismo e voltada para a economia
familiar.
A pedagogia da alternância possibilita ainda que jovens do meio rural dêem
continuidade à sua educação, ofertando-lhes as condições para que o façam sem
110
romper os laços familiares e sua relação com o trabalho familiar, criando condições
para que fortaleçam a economia rural com a fixação, no meio, do capital humano
que representam.
No período de 4 a 6 de maio de 2005, realizou-se em Puerto Iguazu, na Argentina, o
VIII Congresso Internacional dos CEFFAs com o tema “Família, Alternância e
Desenvolvimento, Promoção Pessoal e Coletiva: chave para o desenvolvimento rural
sustentável”.
O Congresso gerou um importante documento, “A Carta de Iguaçu”, que ratifica os
esforços de fortalecimento do movimento dos CEFFAs existentes pelo mundo;
retoma em linhas gerais os princípios que norteiam as associações e o modo de
funcionamento dos CEFFAs que têm sua base na alternância e na promoção
integral do homem; e tece um conjunto de considerações, apresentando as
reivindicações do movimento para os próximos anos77.
Em setembro de 2005, a UNEFAB lançou o primeiro número da Revista da
Formação por Alternância. A revista de publicação semestral traz em sua edição
cinco artigos. O primeiro artigo trata do ensino em alternância e a formação dos
indivíduos na pré-adolescência e adolescência, o segundo artigo aborda a
orientação profissional dada a esse público nos CEFFAs. O terceiro e o quinto
artigos enfocam a alternância como formação que se desenvolve por projetos.
A partir de uma análise de caráter mais pedagógico e da insistência num tema de
natureza didática o quarto e penúltimo artigo realiza um estudo da avaliação
formativa e seus impactos no acompanhamento do ensino-aprendizagem em
alternância, destaca a importância da avaliação formativa na educação em
alternância.
Em julho e dezembro de 2006, publicaram-se respectivamente os números dois e
três da revista da UNEFAB, contendo cinco artigos em cada número. No primeiro
77 Dentre as reivindicações contidas no Documento Final estão: a criação de políticas públicas que valorize e respeite o papel da família, o reconhecimento do monitor como profissional da educação em alternância, o reconhecimento das associações como ONGs parceiras educativas, da pedagogia da alternância e seus instrumentos, apoiar políticas públicas de empreendededorismo dos jovens egressos dos CEFFAs e seus projetos profissionais, apoio aos CEFFAs como instituições promotoras do desenvolvimento local, incentivar projetos de formação em alternância no ensino superior universitário, e não universitário, etc.
111
número os artigos abordados relacionam-se ao tema “Modalidades, representações
e práticas de alternância na formação de jovens agricultores”, e defende a
perspectiva de integração do meio escolar e familiar/produtivo como ponto de
unidade nas diferentes modalidades de alternâncias existentes no conjunto dos
CEFFAs.
Já os artigos segundo, terceiro e quarto trataram da “Pedagogia da alternância como
sistema educativo”, sua história, sua organização nacional e internacional. Aponta a
definição e os princípios comuns dos CEFFAs no mundo e particularmente no Brasil.
Os artigos terceiro e quarto retomam a questão do desenvolvimento local segundo a
filosofia dos CEFFAs e a dimensão humanista e anti-economicista de
desenvolvimento sustentável trazendo a idéia da pedagogia da alternância como
proposta genuína de educação do campo.
O quinto artigo, intitulado “Impactos da alternância contados pelos sujeitos dos
CEFFAs”, aponta, por meio de relato de experiências, que um dos aspectos
diferenciados na formação dos jovens agricultores familiares em alternância é a
experiência de vida coletiva, de trabalho em grupo, e das discussões abertas que se
travam interna e externamente nos CEFFAs, o que garante uma qualidade de vida e
um ambiente que facilita as aprendizagens.
Os artigos do terceiro número da Revista da UNEFAB (Ano 2 nº 3/2006) constituem
cinco trabalhos dedicados à participação dos agricultores na construção gestão e no
fortalecimento dos CEFFAs. Ao destacar a participação da família, das associações
e da comunidade, a pedagogia da alternância evidencia-se através de práticas
educativas e ou formativas de muitas mãos numa efetiva sociopedagogia que se
fortalece no e pelo coletivo
Em julho de 2007, publicou-se o quarto número da revista da UNEFAB, com cinco
artigos abordando a formação e a função do monitor. Os diversos artigos analisam a
formação e a dimensão da militância no trabalho do educador e suas implicações
sócio político pedagógicas. Os diferentes artigos abordam o tema da formação e a
prática pedagógica-política do monitor e evidenciam o exercício da pedagogia da
alternância como uma opção política progressista, renovadora e revolucionária em
favor de uma educação transformadora do campo e das relações campo-cidade,
112
possibilitando o desenvolvimento de uma cultura democrática.
Em 2007, Gimonet publicou um livro direcionado aos CEFFAs, imediatamente
traduzido para o português. O livro “Praticar e compreender a pedagogia da
alternância dos CEFFAs” traz uma discussão recorrente no discurso de Gimomet,
que atribui ao construtivismo piagetiano o fundamento máximo da aprendizagem por
alternância.
Depois de introduzir alguns conceitos importantes que fundamentam a pedagogia da
alternância e acentuar alguns aspectos históricos, Gimonet (2007) desenvolve sua
obra em duas partes: a primeira enfoca os aspectos relacionados ao praticar dessa
pedagogia, a origem da alternância que se tornou pedagogia, os instrumentos e os
modos de organização e gestão da formação e das relações; a segunda aborda os
aspetos relacionados à compreensão dessa pedagogia. Além disso, relaciona
educação e alternância no horizonte educativo, seus componentes, o modo da
aprendizagem e algumas reflexões na perspectiva do monitor, que vive e pratica a
formação em alternância (uma prática complexa).
Gimonet (2007) conclui sua obra tecendo alguns indicativos de análise do ontem, do
hoje e do amanhã. Para o autor, uma tríade articulada que se abre ao amanhã que
já começa no hoje (era planetária) um caminho-método para o amanhã.
A quarta dissertação de mestrado produzida no PPGE-UFES ocorreu no final do ano
de 2007, inscrevendo a UFES de maneira definitiva entre os principais centros de
estudos e produção de conhecimento acerca da alternância no Brasil. O trabalho, de
Jesus, “Saberes e formação dos professores na pedagogia da alternância”, foi
desenvolvido na mais antiga de todas as EFAs do Brasil investigou como são
construídos os saberes dos monitores das Escolas Famílias Agrícolas do Movimento
de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) e apresenta um panorama da
Educação do Campo a partir da República até os dias atuais, a experiência das
EFAs e suas especificidades metodológicas, o que possibilita a contextualização de
suas práticas. Também apresenta os modos de realização da formação inicial em
serviço e indaga que saberes são privilegiados, que dinâmica é utilizada e quais são
as impressões dos sujeitos sobre esse processo.
O referencial teórico do trabalho de Jesus (2007) tem como principal contribuição as
113
discussões de Tardif (2000, 2002) e Gauthier (1998) sobre saberes docentes. As
entrevistas, os questionários, as observações e os diálogos realizados forneceram
uma riqueza de depoimentos que refletiram satisfação quanto ao trabalho
engendrado pelos monitores: um compromisso com uma educação que transcende
a escolarização e que objetiva a promoção do homem do campo.
Os resultados obtidos são reconhecidos na pesquisa como parciais, inacabados e
passíveis de revisão, mas significativos no sentido de entender que o monitor da
EFA possui uma gama diversificada de saberes a serem valorizados no processo de
formação dos monitores (educadores) dos CEFFAs do MEPES.
De forma sintética, podemos observar que os estudos realizados até aqui
apresentam a pedagogia da alternância como uma importante iniciativa de educação
do campo em contraposição às práticas pedagógicas ainda dominantes no meio
rural brasileiro.
A escola da alternância no Brasil tem-se constituído um importante aliado dos
movimentos sociais que lutam por uma educação do campo que vise não apenas ao
desenvolvimento econômico, mas também humano, político e cultural. No lugar de
uma escola que se enamora com o campo, busca-se uma escola do campo
efetivamente integrada e dirigida pelos agricultores.
A metodologia diferenciada e os instrumentos que constituem o corpus da
pedagogia da alternância não são apresentados como cópias dos franceses, mas
como reapropriação, introdução e recontextualização desses instrumentos. O
envolvimento da família em todas as dimensões da pedagogia da alternância
continua um elemento original e clássico na pedagogia da alternância.
Há que se pensar, todavia, no modo pelo qual a produção do conhecimento vem
sendo elaborada. Hoje, a maioria dos estudos, ao contrário daqueles dos primeiros
anos, é majoritariamente produzida por pessoas que trabalham cotidianamente pela
pedagogia da alternância, uma inversão positiva para o movimento educativo. Isso
não quer dizer que o acesso aos estudos está garantido aos monitores, pais e
alunos. Esse é um desafio que se coloca no momento.
É preciso quebrar o círculo vicioso que impede a circulação de toda uma produção
114
ainda circunscrita ao meio acadêmico. Como então estreitar os laços entre a
produção-sistematização do conhecimento e o seu principal público que são os
monitores e os educadores diretos e indiretos do campo?
O estudo de Jesus (2007) mostrou um rápido levantamento das discussões do
ensino em alternância que vêm se inserindo no âmbito mais amplo das discussões
da educação do campo, ou da educação do meio rural, apontando, como Silva
(2006), a pedagogia da alternância nos grupos de trabalho da Anped nos últimos
três anos.
A alternância em educação continua a crescer, algo que se constata nos estudos de
Moreira e Silva (2000), Cruz (2004), Jesus (2007), entre outros citados neste
relatório. Os estudos sobre o modo de organização, metodologia de ensino e teoria
da aprendizagem apresentados por Gimonet, que pouco conhece os estudos
brasileiros e continua escrevendo aos brasileiros materiais de orientação
bibliográfica exclusivamente francesa e ainda eivada do construtivismo dos anos
oitenta. Ora, os estudos de Machado (1999), Moreira (2000) e Magalhães (2004)
questionam o referencial piagetiano, inclusive a constituição do construtivismo como
paradigma.
As concepções de monitor, aprendizagem, desenvolvimento, gestão, metodologia de
ensino, relação pedagógica e de relações com o meio extra-escolar são plurais e em
movimento constante. Os estudos de Nosella (1977) já alertavam sobre o estatuto
profissional do monitor. Outros estudos que o sucederam, como os de Gimonet
(1999 e 2005) e de Jesus (2007), evidenciam que não há uma concepção única de
monitor, formador e educador, de aprendizagem, de desenvolvimento dos
instrumentos pedagógicos.
Enfim, não há conceitos e orientações únicos. A pluralidade constitui as
diferenciações das práticas discursivas na pedagogia da alternância no Brasil e no
Espírito Santo. Assim, o movimento, à medida que caminha, vai abrindo novos
horizontes prático-discursivos.
Os mais de 30 anos de produção acadêmica na qual este trabalho se inscreve
seguem apontando a necessidade de novos estudos e suas contribuições para a
construção diferenciada da pedagogia da alternância e seus desdobramentos no
115
Brasil e no Espírito Santo.
Nosso estudo chama Foucault para inaugurar e enriquecer uma prática discursiva
com um novo olhar entre as veredas do sempre possível olhar do/no movimento. O
capítulo 6, a seguir, desenvolverá alguns desses aspetos.
116
6 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO
6.1 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO: O DESAFIO DA
ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA COMO PEDAGOGIA EDIFICANTE
A abordagem da pedagogia da alternância sob a perspectiva de uma pedagogia
edificante nos remete principalmente aos estudos de Michel Foucault, para quem
uma filosofia edificante tem sua base na crítica aos que se preocupam com ‘as
verdades objetivas’, ‘respostas claras’ e ‘portos seguros’. Trata-se, portanto, de
edificar uma prática a partir do mundo, sem apriorismos.
Longe de apresentar uma teoria do conhecimento, mas sim um projeto de pesquisa
permanente no qual a resposta é sempre provisória, inacabada e sem ancoradouros
definitivos, Foucault oferece um discurso que, distante de querer proporcionar
respostas, sugere inquietudes e acaba por nos deixar em um terreno insólito e
desconcertante. Seu interesse "são as condições da experiência real, e não as de
toda experiência possível” (DELEUZE, 1988, p.69).
O desconcerto da crítica foucaultiana leva-nos a um novo modo de filosofar que
derruba as essências, os aprioris, a terra prometida. Assim, nosso desejo de um
mundo melhor consiste em inventá-lo, “já sabendo que conforme vamos nos
deslocando para ele, ele vai mudando de lugar. À medida que nos movemos para o
horizonte, novos horizontes vão surgindo, num processo infinito” (VEIGA-NETO,
2005, p.31).
Para quem procura o fundamento, a origem das coisas, a filosofia de Foucault
desloca conceitos, altera territórios e o mapa dos saberes; "ocupa-se, sim, em
descobrir como as tramas históricas constituem os sujeitos singulares, sem
interpretá-los como encarnações de um sujeito transcendental" (VEIGA-NETO,1995,
p.18). Ela nos leva a indagar-nos sobre como nos produzimos concretamente como
sujeitos de nosso agir, de nossos desejos, de nossas lutas.
É neste emaranhado que o funcionamento capitalista esforça-se pela constituição de uma subjetividade submetida. Como já vimos, é aqui também, neste emaranhado, que as experiências de resistência ao submetimento aparecem como discursividade não-científica, anormal,
117
caricata ou indócil. Estes espaços de negação política do poder disciplinar é que fornecem um contra-ponto a partir do qual se pode finalmente, então, obter-se tanto a visibilidade das disciplinas como estratégias atuantes na formação de subjetividade dócil – tarefa fundamental para a eficiência capitalista -, quanto a visibilidade dos rompimentos dessa eficácia, os pontos de resistência e ruptura da padronagem antecipada e não seguida. De qualquer forma a disciplina em Foucault deixa de ser percebida apenas como negatividade, proibição e interdição, para ser pensada ampliada, positiva, profícua. (Marcondes 2008, p. 80-81). Mas acho que isso chama menos a atenção, a idade clássica também inventou técnicas de poder tais, que o poder não age por arrecadação, mas por produção e maximização da produção. Um poder que não age por exclusão, mas sim por inclusão densa e analítica dos elementos. Um poder que não age pala separação em grandes massas confusas, mas por distribuição de acordo com individualidades diferenciais. Um poder que não é ligado ao desconhecimento, mas ao contrário a toda uma série de mecanismos que asseguram a formação, o investimento, a acumulação, o crescimento do saber (Foucault, 2001, p.60).
Partimos da perspectiva que defende o discurso como produção, não existindo fora
dele um ponto estático para qualquer fundamento totalizante. Assim, destacamos a
forma relacional da abordagem em nosso trabalho. Com isso, temos outra forma de
considerar o que chamamos de objetividade; isto é, o real não pode ser entendido
como um ponto fixo preexistente às subjetividades. A objetividade aqui ganha outro
sentido diferente daquele dado pela tradição epistemológica.
Se a tradição epistemológica ensina que o conhecimento inscreve-se num território,
numa lógica objetivada, e possui critérios de universalidade, de outro lado a escola
tradicional ensina que a teoria e a prática são entidades diferentes, com dinâmicas
próprias e um estatuto de superioridade da teoria. Com Foucault, não há relação
entre a teoria e a prática, pois as duas são a mesma coisa e, portanto, unidade
indissociável.
O conceito de prática discursiva talvez possa ser mais bem entendido nas palavras
de Foucault, pois no seu projeto arqueológico a noção de prática discursiva
relaciona-se diretamente com os conceitos de formação discursiva e enunciado. O
próprio Foucault (1995, p. 136) propõe uma definição do que chama “prática
discursiva”:
Não podemos confundi-la com a operação expressiva pela qual o indivíduo formula uma idéia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada em um sistema de inferência; nem com a ‘competência’ de um sujeito falante, quando constrói frases gramaticais; é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa.
118
Um discurso é mais do que um encadeamento de palavras. Embora seja feito de
signos, ele não significa apenas o uso concatenado desses para designar uma
coisa. Mais que isso, ele é a configuração de um regime dos objetos, a positivação
de uma invenção como existência. Os objetos são, portanto, construídos pelos
discursos, que se evidenciam por meio das práticas discursivas, e essas são
apanhadas, visualizáveis pelos enunciados discursivos.
Considerando, pois as dinâmicas de poder e o modo pelo qual construímos as
relações sociais, que tais dinâmicas perpassam nossas relações em todos os
lugares a todo o momento.
Nas sociedades modernas, os poderes se exercem através e a partir do próprio jogo da heterogeneidade entre um direito público da soberania e o mecanismo polimorfo das disciplinas. [...] Na realidade as disciplinas têm o seu discurso, Elas são criadoras de aparelhos de as ver e de múltiplos domínios do conhecimento. São extraordinariamente inventivas ao nível dos aparelhos que produzem saber e conhecimento. As disciplinas veicularão um discurso da regra, não da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra ‘natural’, quer dizer, da norma, definirão um código que não será o da lei, mas o da normalização, referir-se-ão a um horizonte teórico que não pode ser de alguma maneira alguma o do edifício do direito mas do domínio das ciências humanas; a sua jurisprudência será a de um saber clínico. [...] O processo que possibilitou fundamentalmente o discurso das ciências humanas foi a justaposição, o confronto de duas linhas, de dois mecanismos, de dois tipos de discursos absolutamente heterogêneos: de um lado, a organização do direito em torno da soberania, e de outro, o mecanismo das coerções exercidas pelas disciplinas. Que em nossos dias o poder se exerça simultaneamente através deste direito e destas técnicas; que estas técnicas e estes discursos criados pelas disciplinas invadam o direito; que os procedimentos de normalização colonizem cada vez mais os da lei, tudo isso pode explicar o funcionamento global daquilo que gostaria de chamar sociedade de normalização. [...] Na luta contra o poder disciplinar, não é em direção ao velho direito da soberania que se deve marchar, mas na direção de um novo direito antidisciplinar e, ao mesmo tempo, libertado do princípio de soberania (FOUCAULT, 1984, p. 189-90).
A modalidade de ensino em alternância destaca-se como produção discursiva com
sua especificidade no campo das ciências da educação. O estudo das práticas
discursivas dos monitores nos permitirá analisar as formas assumidas pelas
experiências, as singularidades e o contexto de mutabilidade. Ao investigarmos uma
realidade em acontecimento, as formas assumidas pertencem a uma determinada
formação discursiva dentro de uma realidade culturalmente situada.
Entende-se que pensar é um ato contínuo e desafiador, levando cada vez mais a
novos desdobramentos, pois pensar é sempre criar pensamento. Nesse
desdobramento, pode-se buscar o entendimento de como os monitores pensam
119
suas práticas e seus novos desdobramentos.
Ao falarmos da relação discurso e prática discursiva, pensamos na materialidade a
que leva a reflexão das práticas discursivas ao nos dirigirmos ao mundo das práticas
sociais, que, por sua vez, são desenvolvidas por sujeitos no exercício cotidiano de
seu trabalho, num movimento em que o modo de funcionamento da alternância não
está todo ele aprioristicamente definido. Assim, o papel do monitor, por um lado, tem
sua especificidade e, por outro, é permeado de incertezas e desafios de uma prática
em desenvolvimento.
Consideramos, conseqüentemente, que as práticas dos formadores em alternância e
suas falas foram tratadas como emergindo do contexto de sua produção e, ao
mesmo tempo, reportando-se a ele. As falas estão na produção mesma dos
monitores, ou seja, na vida social em que atuam, e não isoladas. Sendo assim, e
considerando que cada texto discursivo em Foucault é um monumento que ocupa
um espaço, empurrando e puxando para os lados os outros textos, a questão é
mostrar o que e quanto é movimentado em cada caso, e como isto ou aquilo
aparece.
O termo discurso é usado aqui como definidor de ações e eventos que adquirem
plausibilidade, racionalidade ou justificação num dado momento (GORE, 1994). Ele
está com seu foco voltado "muito mais no conteúdo e no contexto, da linguagem [...]
no contexto de relações de poder específicas, historicamente constituídas, e
invocando noções particulares de verdade" (GORE, 2002, p.9) e não para a
estrutura da linguagem, função essa dos lingüistas estruturalistas.
Sendo composto de multiplicidades e não de uma única exterioridade, o sujeito
foucaultiano possui um caráter dinâmico. Assim, o filósofo derruba não só as
tradições idealistas de linguagem (FISCHER, 1995), mas também as concepções
que vêem o sujeito como absolutamente dominado por algum outro que o constitui
de fora, posicionado em diferentes situações enunciativas.
O ensino em alternância tem sido entendido como uma modalidade educativa que
parte do contexto sociopolítico e econômico e visa a contribuir para desenvolvê-lo e
transformá-lo. Dependendo do contexto em que se insere uma formação em
alternância, podemos atribuir-lhe várias funções.
120
Analisando a alternância na França, Duffaure (1984), Chartier (1986) e Geay (1998)
constataram que, numa sociedade industrializada como a França dos anos 80, o
ensino em alternância assumiu duas funções prioritárias, que são: uma econômica,
de adaptação, cuja finalidade era primeiro a inserção e o emprego, e uma
pedagógica, cuja finalidade é a formação e a qualificação (GEAY, 1998).
Pelo mundo afora há um amplo espectro no qual se pode situar o uso da modalidade
educativa alternância para responder a diferentes demandas educativas: uma
modalidade de educação de jovens e adultos; as situações de ausência de outras
iniciativas educativas (como foi o caso da alternância na França, nos anos 30 e 40
(CHARTIER, 1986)); a defasagem escolar; os problemas de desenvolvimento e
inserção socioprofissional regional e local; e uma alternativa ao sistema de ensino
comum em qualquer nível (GEAY, 1998).
No campo da discussão pedagógica, a questão central da alternância como
dispositivo pedagógico, com sua metodologia e seus princípios, consiste
basicamente em desenvolver uma alternância de superação das diferentes
dicotomias e realizar uma integração efetiva e autêntica em sentido amplo entre os
dois meios.
O que não se pode é pensar que uma pedagogia “não estaria encharcada” ou
poderia “ficar fora” dos processos de decisões de um sistema de poder (político-
econômico) e, portanto, a função e o papel a desempenhar. Eis a não neutralidade
pedagógica de uma prática, de um indivíduo e de uma rede de escolas. Isso nos
remete a pensar a história da alternância, que se tornou mais tarde uma modalidade
pedagógica com o desenvolvimento de instrumentos e de uma metodologia que dão
a ela um caráter de especificidade. Isso evidencia que a decisão de criar o primeiro
CEFFA nos anos 30 na França – no seio dos movimentos sociais da época –
liderada pelo abade Graneréau, e a criação do primeiro CEFFA no fim dos anos 60,
no Estado do Espírito Santo, liderada pelo padre Pietrogrande, à frente do MEPES,
tem um caráter político no contexto do nascimento e implantação da pedagogia da
alternância tanto na França quanto no Brasil. Dessa forma, as iniciativas visavam a
fazer frente ao estado de abandono e opressão dos camponeses nesses países
(CHARTIER, 1978; CALIARI, 2002; CRUZ, 2004).
121
A educação em alternância em qualquer outro lugar do mundo, ontem e hoje, traz
arraigada em si a dimensão política e a permanente indagação acerca de sua
prática discursiva, dos desafios de responder e de criar objetivos e novos sentidos,
de produzir e de socializar conhecimentos, de articular, de organizar, de interagir, de
integrar e de gerar resistências e re-existências. Esses desdobramentos não se
resumem à dimensão pedagógica.
Essa não-dicotomização do pedagógico e do político está articulada no sentido das
práticas pedagógicas. Nesse sentido, em que pese a existência de definições a priori
de alternância “autêntica”, ”eficaz”, “verdadeira”, “falsa ou fracassada” etc., é no
movimento existencial que ela se faz. Ela se torna no acontecimento. Nesse
movimento político de existir, ela também resiste. Isso quer dizer que não há
pedagogia da alternância que não esteja exercendo, para além do pedagógico, um
papel político dentro da correlação de forças que movem a sociedade humana.
Nesse movimento, vemos em Foucault (1980, p. 91) a indissociabilidade da relação
entre resistência e poder.
[...] lá onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder. Deve-se afirmar que estamos necessariamente ‘no’ poder, que dele não ‘escapa’, que não existe, relativamente a ele, exterior absoluto, por estarmos inelutavelmente submetidos à lei? [...] Isso equivaleria a desconhecer o caráter estritamente relacional das correlações de poder. Elas não podem existir senão em função de uma multiplicidade de pontos de resistência que representam, nas relações de poder, o papel de adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite a preensão. Estes pontos de resistência estão presentes em toda a rede de poder. Portanto, não existe, com respeito ao poder, um lugar da grande Recusa-alma da revolta, foco de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis, necessários, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício; por definição, podem existir a não ser no campo estratégico das relações de poder.
Na França há um velho bordão que é incansavelmente repetido pelos promotores da
educação em alternância: a expressão “réussir autrement”. Em português réussir
está ligado a sucesso, a vencer, e autrement a fazer de outra maneira. Assim, a
escola da alternância, apresentada como a escola onde se vence de outra maneira,
tornou-se uma marca das MFRs.
Nos tempos de maior preconceito do ensino em alternância, a expressão “réussir
122
autrement” era de resistência ao sistema hegemônico de educação, pois desafiava
os desconfiados, os duvidosos, entre outros a experimentarem e também a
conhecer outro modo de se formar. Nesse caso, é impossível dissociar o duplo
sentido da resistência, que também é re-existência.
[...] Esta resistência de que falo não é uma substância. Não é anterior ao poder que ela enfrenta. Ela é co-extensiva a ele e absolutamente contemporânea. [...] Para resistir, é preciso que a resistência seja igual ao poder. Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Que, como ele, venha de ‘baixo’ e se distribua estrategicamente. [...] Não coloco uma substância de resistência face a uma substância de poder. Digo simplesmente: a partir do momento que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa (FOUCAULT, 1984, p. 241).
Tentando pensar a pedagogia da alternância na sua implementação e seus
instrumentos, Chartier (1995) e Gimonet (1999) destacam a importância de seu
modo de organização. Para esses estudiosos, a integração e a interface entre os
dois meios está no modo de organização em que os componentes se articulam num
conjunto de estratégias: a pessoa do educando como o centro do processo
formativo; a existência de um projeto educativo; a colocação em ação de uma
pedagogia que priorize a experiência como ponto de partida e de chegada do
processo educativo; a mobilização dos parceiros como colaboradores na formação;
uma didática específica que priorize a produção mais que a socialização dos
saberes; um contexto educativo favorável; uma concepção específica de educador
que ultrapasse o papel deste de centralizador e doador do conhecimento, guardião
do programa oficial, ou seja, que supere o papel clássico do professor da escola
tradicional78.
Sendo assim, a alternância deve ser erigida de acordo com uma lógica integrativa na
qual a organização dos espaços, dos ritmos, dos tempos entre o meio escolar e o
meio socioprofissional visa à integração real das estratégias e dos agentes nela
envolvidos.
A alternância é, nesse caso, uma formação que integra permanentemente diferentes
atividades desenvolvidas em realidades distintas. O processo de ensino se
78 Para Gimonet (1999) e Begnami (2006), ser monitor é exercer um papel que ultrapassa o do professor preconizado pela pedagogia tradicional. Além de formador, deve ser um agente social comprometido com uma lógica de formação e promoção das pessoas e do meio onde elas vivem.
123
concretiza por meio de uma compenetração efetiva desses meios numa unidade da
formação, ou seja, uma continuidade da formação numa descontinuidade de ritmos
na chamada alternância pedagógica. Assim, a distribuição do tempo entre as
atividades escolares e socioprofissionais organiza-se em função da integração dos
diferentes meios de atividades e desempenha uma importante função pedagógica.
Por isso as diferentes estadas na escola, no meio socioprofissional e os ritmos são
desenvolvidos em função da alternância pedagógica.
A questão dos estágios, seus tipos e suas funções, na alternância pedagógica
remete-nos a um dos aspectos essenciais que, segundo Lerbet (1995), evidencia o
diferencial da pedagogia da alternância de outras modalidades pedagógicas.
O estágio em formação expressa a alternância como pedagogia do/no trabalho.
Porém, para que o estágio-trabalho seja fonte de desenvolvimento do indivíduo,
certas condições, como o engajamento, a responsabilização e a parceria devem
estar presentes no espaço de estágio-trabalho. Esse realismo se faz necessário
para que as atividades não tenham apenas o caráter predominantemente plástico e
simulativo. Dessa forma, o trabalho com o adolescente, jovem ou adulto tem um
sentido diretamente ligado à sensibilização. Comprometer-se num estágio permite
ao aprendiz descobrir o meio, tomar consciência das situações vividas, poder alterá-
la e imprimir a sua marca, assumindo responsabilidades. "A análise da situação
vivida vai mais adiante, contribui para a superação da situação na qual cada um se
encontra. Permite recolocações em situações realistas" (DUFFAURE, 1974, p. 6).
O conceito de liberdade é imanente às relações de poder. Nesse sentido, poder e
liberdade coexistem. A liberdade não é uma condição preexistente ao poder. Ela
está inserida e constitui-se nos modos de ação.
Quando definimos o exercício de poder como um modo de ação sobre a ação dos outros, quando as caracterizamos pelo ‘governo’ dos homens uns sobre os outros – nos sentidos mais extensos da palavra, incluímos um elemento importante: a liberdade. O poder só se exerce sobre ‘sujeitos livres’, e enquanto ‘livres’ – entendendo-se por isso, sujeitos individuais ou coletivos que tem diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer. Não há relações de poder onde as determinações são saturadas – a escravidão não é uma relação de poder, pois o homem está acorrentado (trata-se, então, de uma relação física de coação). [...] Não há, portanto, um confronto entre poder e liberdade, numa relação de exclusão (onde o poder exerce, a liberdade desaparece); mais um jogo muito mais complexo. Nesse jogo, a liberdade aparecerá como condição de existência do poder [...];
124
porém, ela aparece também com aquilo que só poderá se opor a um exercício de poder que tende, enfim, a determiná-la inteiramente. A relação de poder e insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas. [...] no centro da relação de poder, ‘provocando-a’. Incessantemente, encontra-se a recalcitrância do querer e a intransigência da liberdade. (FOUCAULT, apud DREYFUS, RABINOW, 1995. p. 244).
A concepção de educação, de alternância, de relação pedagógica e do estágio como
uma iniciação ao trabalho no processo educativo não é apenas o diferencial da
pedagogia da alternância, mas também outro modo de conceber a escola não
apenas intramuros. A alternância coloca em questão a relação entre a escola e a
sociedade, a escola e o meio socioprodutivo e socioprofissional. Trata-se da escola
desmistificada como único lugar de formação e preparação do profissional, de uma
afirmação do papel político de uma modalidade de formação. Por que não dizer uma
outra escola, criada e gerida pelos protagonistas do meio social onde está inserida.
O processo educativo precisa ser visto como processo de subjetivação que se
potencializa no processo do trabalhar, que também é revestido da invenção. A
formação em situação de trabalho deve ser concebida no plano da imanência e do
coletivo. “A formação em situação, tal como o trabalho situado, nos convoca a
habitar este plano de experimentação, plano onde pensar e fazer, aprender,
trabalhar, viver não se dissociam. Plano, insistimos, coletivo” (BENEVIDES DE
BARROS; BARROS, 2006, p. 5). As autoras destacam, ainda, que a formação do/no
trabalho não é repetição dócil, ao contrário, é processo de co-engendramento de
trabalhadores e mundo do trabalho.
Viver no prescrito é invivível, os humanos nunca se limitam à mera execução, o que quer dizer que se trabalha como o que está disponível, catalogado, mas principalmente com o que vai se transformando no processo de trabalhar. Da mesma maneira, não há predeterminações absolutas dos processos formativos. Eles vão se engendrando, principalmente, nas relações com o outro nas situações de trabalho. É no fiar junto que as formas de ser trabalhador e os mundos do trabalho vão se constituindo (BENEVIDES DE BARROS; BARROS, 2006, p. 4).
O distanciamento realizado pelo estagiário o conduz a melhor dominar sua situação,
libertar sua personalidade. O estágio é, nesse sentido, um elemento chave na
formação em alternância e está intimamente articulado a processos de subjetivação.
É pela prática da alternância que se desenvolve na escola não se circunscreve
apenas ao espaço intramuros que o sujeito aprendiz vai refletir sobre as situações
que vivência. Essa pedagogia facilita a transformação das ações em pensamentos.
Freire (1975, p. 109) define a sensibilização como “a percepção das coisas e fatos
125
como existem concretamente nas suas relações lógicas e circunstanciais".
Essa sensibilização conduz à ação porque "para qualquer compreensão de algo,
corresponde, cedo ou tarde, uma ação." Quando um problema é percebido e
compreendido e os dados da resposta são aceitos, o homem age. “A natureza da
ação corresponde à natureza da compreensão” (FREIRE, 1975, p.110). Esse vaivém
entre os dois lugares de formação concorre para o desenvolvimento intelectual do
sujeito que, porque tomar distância no que diz respeito ao mundo que o cerca, se
torna capaz de recolocar questões, opiniões pessoais, inovações e de contribuir
para desenvolver a sua autonomia.
Essa concepção de educação que problematiza o mundo contribui para a produção
de subjetividades numa pedagogia da autonomia, que se desenvolve pelo modo de
participação no processo de gerir e co-gerir a vida, a processos de autonomização
dos homens.
A escola da alternância pedagógica é, nesse contexto, integrada aos agentes
externos (empresas, famílias, tutores). Os estágios têm objetivos de aprendizagens
teórico-práticas efetivamente integrados às necessidades dos agentes em causa. Os
objetivos e os saberes-fazeres da escola e do meio socioprodutivo são inseridos no
projeto do aprendiz e baseados em situações reais.
Desta forma, a adoção de uma estratégia que considera o estudante como sujeito do
processo formativo desenvolve-se através do tipo de abordagem e na relação
pedagógica. O sujeito, para Foucault, não é um dado a priori. O sujeito se faz no
presente e em processo, de maneira que a pessoa em formação já é, desde o início,
considerada nas suas potencialidades como capaz de produzir e gerir o seu projeto
de aprendizagem. Para isso deve ter uma noção clara da importância dos seus
conhecimentos anteriores e das suas representações.
Enfim, uma desmistificação do saber "erigido como um fim em si para o incentivo
das qualidades de empreender, da iniciativa pessoal à criatividade" (CLÉNET, 1998,
p. 17). Nesse caso, a lógica de aprendizagem é outra: uma lógica integrativa dos
processos indutivos e dedutivos.
O aprendiz desenvolve-se relacionando seus conhecimentos anteriores às suas
126
experiências vividas para elaborar conhecimentos novos em interação com os
parceiros internos e externos à escola. Nesse sentido, a pedagogia da alternância
não apenas supera o mito de que o saber sistematizado é a única fonte válida do
saber, mas valoriza e ressignifica os saberes das experiências. A escola é lugar de
luta, de colocar todos os saberes em diálogo crítico e inventivo.
Como espaço aberto a novas formas de trabalho, de invenção e não de um espaço
de reprodução de sociedades fechadas em espaços ritos que legitimam o discurso
das elites o CEA forma sujeitos autores do discurso, de considerar o espaço
educativo.
[...] cuidando de sua hierarquização, com conseqüente seleção dos que podem obter, produzir e legitimar a produção discursiva. As exigências e rituais a que se deve submeter o individuo para estar qualificado a discursar em medicina, matemática, economia, sociologia ou arte, por exemplo, tornam muito claro que não se pretende que qualquer um a qualquer hora ou por qualquer motivo possa discursar sobre saberes e ciências, mesmo que seja para criticá-los. Obviamente tais exigências configuram como inevitável uma dedicação do indivíduo ao discurso que será introduzido: deve aprender a falar as palavras do discurso em que será introduzido: deve aprender a falar as palavras do discurso, a ensinar seus gestos, a dar-lhe continuidade de pensamento e pesquisa; em outras palavras, o individuo deve se tornar sujeito daquele discurso. Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo individuo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que são marcadas pela distância, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo um sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que trazem consigo. Bem sei que é muito abstrato separar, como acabo de fazer, os rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais. A maior parte do tempo, eles se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Digamos em uma palavra que são esses os grandes procedimentos de sujeição dos discursos. O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão uma constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma apropriação do discurso com seus poderes e saberes? (FOUCAULT, 2004, p. 43-44).
Apoiar-se sobre a experiência vivencial é um dos desafios da abordagem
pedagógica da formação por alternância. Nesse tipo de ensino, a relação com o
saber é focalizada sobre o problema. Assim, o método educativo é centrado na
relação educador/educando em processo contínuo, de forma que o estatuto do
problema é diferente do estatuto normativo, pois se apóia no movimento, na
indagação e não na resposta.
127
O problema, por sua vez, é incitante e desafiante de resposta. As atividades em
desenvolvimento e os desafios da formação vão dar sentidos às aprendizagens e
permitir a re-colocação de novos problemas. A pedagogia problematizadora no
sentido freireano se articula com os processos de autodeterminação e com a ação
concreta no sentido de transformar a realidade.
A literatura pedagógica predominante parece mais interessar-se pela resolução que
pela construção de problemas. No entanto, na pedagogia da alternância, as práticas
educativas têm objetivos autoformativos que consistem em criar as condições
necessárias para a produção dos conhecimentos pelos aprendizes. Esses
conhecimentos tornam-se materiais de construção, que fundem o questionamento
da pessoa e incitam-na a mobilizar processos de resolução e de criação de novos
problemas. De acordo com Gérard (1994, p.107), "se dos problemas nasce a
experiência, podem ser resolvidos por ela. A experimentação é, de alguma forma, o
regresso à ação".
Problematizar as situações nas aprendizagens práticas estimula resolver os
problemas práticos de um domínio de atividade. Assim, é necessário "fazer ao
contrário" (MALGLAIVE, 1975, p. 67) em relação ao modelo de transmissão da
pedagogia clássica, na qual o problema é uma dádiva e não um objeto de
investigação e de reinvenção. Conceber a pedagogia da alternância na perspectiva
da reinvenção remete-nos a uma filosofia da educação em que o processo de
aprendizagem é concebido como recognição e aprendizagem inventiva.
Segundo Kastrup (1999), na aprendizagem inventiva o problema também é uma
invenção. No campo da invenção não há receitas prontas, nem métodos únicos,
nada é definitivo. Nada está aprioristicamente garantido. A autora acrescenta:
A cognição inventiva não é o mesmo que cognição espontânea. Embora a invenção não seja privilégio de grandes artistas ou cientistas, mas seja distribuída por todos e por cada um, ela depende de cultivo. A invenção não vai por si, mas envolve repetição. Começando por mobilizar uma intenção consciente, torna-se aos poucos inintencional. O aprendizado jamais é concluído e sempre abre para um novo aprendizado. Ele é contínuo e permanente, não se fechando numa solução e não se totalizando em sua atualização, precisando por isso ser sempre reativado [...]. Aprender é, então, fazer a cognição diferenciar-se permanentemente de si mesma, engendrando, a partir daí, novos mundos. A política da invenção é, assim, uma política de abertura da atenção às experiências não recognitivas e ao devir. O desafio de implementação dessa política é conceber práticas que viabilizem o desencadeamento de processos de problematização.
128
(KASTRUP apud MARCONDES, 2008, p.372).
Destacamos aqui outra lógica diferente daquela preestabelecida num referencial de
programa. Esse caminho pedagógico implica a transgressão do papel tradicional do
professor como aquele que garante a aprendizagem e que a torna viável – como se
a priori soubesse de tudo o que vai acontecer. Nesse sentido, o educador entra na
roda dialógica dos sujeitos que inventam e se inventam.
Para Freire (1982, p. 87), “problematizar é abrir-se para o diálogo crítico com uma
situação problema a fim de se apropriar e construir um novo ponto de vista
pertinente e encontrar uma solução significativa”. O diálogo crítico é a chave capaz
de motivar o sujeito a autoconduzir-se, fazendo emergir, de sua ‘sensibilidade’ e de
seu ‘meio de vida’, as situações complexas que o interrogam e o comprometem
naturalmente, numa dinâmica heurística de resolução dessas situações que se
fazem ‘problema’.
Assim, o campo experiencial torna-se o meio para construir e problematizar de forma
concreta e realista. A experiência pode ajudar os sujeitos aprendizes a problematizar
e recriar o conceito, e não apenas acendê-lo.
Nesse sentido, torna-se importante ressaltar o papel do monitor como mediador de
situações que possibilitem que os sujeitos se afirmem. A sala de aula deve ser vista
como um coletivo criador de caminhos. Estamos numa aprendizagem circular na
qual é impossível hierarquizar.
Por conseguinte, apoiar-se sobre o experiencial é um dos desafios essenciais da
formação por alternância. Frente a esse desafio, o monitor adota o papel de acompanhador. Seu modo de intervenção é cauteloso e prudente, pois não visa a
tomar espaço, mas à interface entre as atividades da vida escolar e as da vida extra-
escolar dos alunos, numa perspectiva de produção do saber pelo aprendiz. Trata-se
de um processo de integração circular entre os diferentes sujeitos produtores de
saberes.
A aplicação dos instrumentos pedagógicos constitui o dispositivo pedagógico
adaptado à alternância. Em torno do plano de formação articula-se um conjunto de
ferramentas, quais sejam: plano de estudo ou de pesquisa; colocação em comum ou
partilha das experiências vividas na escola; caderno da realidade; colaborações
129
externa; estágio; atividades de retorno; visitas e viagens de estudos; serões de
estudo; visitas às famílias e comunidades; caderno de acompanhamento; projeto
profissional; as fichas de pesquisa; cadernos ou fichas didáticas.
Esses instrumentos ou ferramentas desenvolvidos para pedagogizar a alternância,
fazendo dela um dispositivo de aprendizagem a partir do qual a articulação de seus
instrumentos possibilita uma alternância de integração entre os saberes-fazeres dos
diferentes meios, permite uma formação geral e profissional, vinculando períodos na
escola e no meio externo. Trata-se de vivenciar outra maneira de aprender, na qual
a lógica do programa cede o seu lugar à lógica de produção e de resposta às
necessidades educativas e/ou formativas dos estudantes.
De acordo com Legroux (1997), a dinamização da alternância passa pela
diversidade de fontes utilizadas no ensino, dando-se primazia às experiências
vividas, às histórias de vida do aprendiz: o programa oficial não é abandonado, ele
integra um conjunto de fontes bibliográficas variadas e também procedentes do meio
de vida do aprendiz. Nesse caso, os materiais preparados pelos monitores somam-
se às contribuições dos estudantes. Esse processo coletivo do processo de ensino-
aprendizagem destaca-se como um elemento potencializador da alternância como
pedagogia do/no coletivo.
Os recursos didáticos nessa lógica educativa tornam-se específicos e variados e
permitem a relação de integração entre os diferentes meios, tais como: relatos das
pessoas da comunidade, da família; o saber oral; os recursos do meio vivido, das
diferentes fontes bibliográficas; as fichas pedagógicas; os trabalhos monográficos
preparados pelos alunos; as estratégias de trabalho em equipe; os mapas; os
intercâmbios de experiências em grupos; os recursos audiovisuais.
Para Gimonet (2005), o funcionamento da instituição formativa em alternância
apresenta muitas diferenças da instituição de ensino ou da formação tradicional.
Com efeito, os conteúdos não são determinados pela existência de uma ou de outra
disciplina, mas pelas exigências advindas do contexto de vida ativa dos estudantes.
A lógica das necessidades é bem diferente da lógica dos programas. A organização
das atividades educativas seguirá as necessidades procedentes do meio
socioprodutivo dos estudantes. São as necessidades e as respostas a elas que vão
130
determinar a base das aprendizagens a serem realizadas. Trata-se, portanto, de
caminhos educativos pluridisciplinares que implicam relações estreitas entre os
meios de formação escolares e os meios de vida socioprodutivos. A equipe
pedagógica é necessariamente heterogênea e multidisciplinar.
De acordo com a lógica de aprendizagem que parte da ação, o saber não-formal, ou
“experiencial”, ou o saber da vida, tem lugar central como ponto de partida. O saber
formal ou sistemático, por sua vez, tem um lugar importante, mas não dispõe de
nenhum lugar de superioridade. Para a alternância de interação, é a relação crítica
entre os saberes que permite a invenção, a reapropriação crítica e a produção de
novos conhecimentos.
Na alternância integrativa, a primazia dada aos processos de aprendizagens
indutivos atribui ao saber assistemático (vindo da experiência vivencial) um lugar de
destaque na abordagem pedagógica. Esse saber (vivencial) é considerado um ponto
de partida indispensável ao trabalho pedagógico, porque é a partir dele e superando-
o que o aluno produz novos conhecimentos.
O processo de integração remete a um novo modo de articulação dos saberes. Se
na formação por alternância o meio escolar e o meio socioprodutivo79 completam-se
os conteúdos e os métodos são diferentes da escola clássica, e o elemento de
intencionalidade que os une é um objetivo comum: a educação do estudante. Esse
não é um processo de foco único e exclusivo no aprendiz, pois, segundo Passador
(2003), os agentes externos também aprendem e se beneficiam: a família, a
comunidade, as instituições produtivas de bens ou serviços.
A fim de perceber a complementaridade de cada um, faz-se necessário destacar a
alternância como uma pedagogia da viagem de contínuo vaivém entre vários lugares
e dimensões, buscando superar as dicotomias eu-outro, escola-trabalho, teoria-
prática, homem-mundo, dimensões que se constituem no concreto da experiência
numa direção ético-política que opõe “O homem” a “um homem”, “O mundo” a “um
79 As expressões “meio socioprodutivo” ou “meio produtivo” nos permitem tomar o conceito de ‘empresa’ no sentido abrangente do termo, tal como se encontra em Tilman et al. (1988). Segundo esse autor, o termo ‘empresa’ não deve ser tomado no sentido estreito de empresa industrial (ou usina). Remete, ao contrário, à multiplicidade, seja de bens ou de serviços, privados ou públicos, de grande ou pequena dimensão.
131
mundo”, “A verdade” a “uma verdade”, buscando resistir a esses (as): homens,
mundos e verdades idealizados pelo discurso iluminista e legitimados por certas
concepções que não aceitam a realidade como inacabamento, a vida como
movimento de produção de novos sujeitos e novas práticas, de normas e não de
assujeitamento a elas.
Estamos falando de um humanismo no qual a existência humana é reinventada num
trabalho constante de produção de outros modos de vida, de novas práticas em
educação que se articulam à idéia de cuidar. Isso remete-nos à ética do cuidado em
Foucault.
O cuidado de si visa o bem dos outros, é preciso administrar bem o espaço de poder presente em qualquer relação, administrá-lo no sentido da não dominação, não se trata de uma forma de amor a si mesmo, uma forma de egoísmo ou de interesse individual ou de qualquer forma de ensimesmamento. Para Foucault (apud VEIGA-NETO, 2004), o cuidado de si é o conhecimento de si, mas também e, principalmente, o conhecimento de certas regras de conduta ou de princípios que regulam a relação entre os humanos. Essa ética é uma possibilidade de implementarmos práticas de cuidado que ao relativizarem o poder disciplinar, as estratégias de dominação, possibilitando que princípios como convivência, diálogo, co-responsabilidade, multiplicidade, pluralismo, alteridade, diferença, não permaneçam na retórica, viabilizem o questionamento da atividade de cuidar e, desse modo, contribui para que os humanos não se destruam. Uma ética do cuidado que ao nos forçar a perguntar o que estamos fazendo de nós mesmos, como nos indicou Foucault, ao problematizarmos o que somos, quem é o outro, como vivemos, possam nos abrir ao perigo, às infidelidades do meio (CANGUILHEM, 2000), às variabilidades do viver, ou seja, à possibilidade de experimentação, de criação, de produção de sujeitos solidários e cooperativos. Criar, assim, uma atividade do cuidado, que reconheça o outro em sua alteridade. O cuidar exige essa abertura ao outro e se tomamos o cuidado como atividade de trabalho ele passa a ter uma dimensão real que nos remete a um inacabamento não só conceitual, mas, principalmente, subjetivo e dos seus modos de operar no curso da ação de cuidar. O cuidado nos remete sempre a uma dimensão do “comum”, do construído junto com o outro, é sempre uma construção coletiva. Cuidado, portanto, como obra e processo, sempre aberta a novas composições onde a plasticidade da vida torna-se aliada da invenção de novos modos de existência. (MARCONDES, 2008, p.167)
A lógica educativa da alternância deve ser concebida como aquela que supera a da
oposição binária ou trinária, articulando as múltiplas dimensões em que as
diferenças se completam e se fecundam em permanente interação. Portanto, o
modo de articulação visa à integração efetiva e permanente entre os diferentes
meios, pessoas, ritmos e atividades.
A alternância integrativa é concebida como uma pedagogia do projeto construído
132
para e pelos diferentes agentes, tendo sua base no “plano de formação” erigido a
partir de um diagnóstico participativo amplo da realidade dos educandos e do
desenvolvimento pessoal de cada um. Segundo Begnami (2006, p. 35), o “plano de
formação” contém:
a) finalidades e objetivos discutidos e definidos pala associação com base no contexto. b) temas dos “planos de estudo” baseados na realidade apontada por diagnósticos participativos. c) conteúdos curriculares formais do ensino da base nacional comum e da educação profissional trabalhados a partir dos temas da realidade e de forma interdisciplinar.
O projeto do alternante em formação é articulado ao “plano de formação”, que é o
elemento que dá sentido ao processo formativo do educando, permitindo-lhe agir e
orientar o seu projeto de vida profissional.
Cada um dos parceiros tem as suas responsabilidades no modo de condução da
instituição, onde as responsabilidades da gestão são compartilhadas. A interface no
sistema das decisões ressalta o lugar central do aluno, o que faz com que o
aprendiz seja o condutor principal de seu projeto. A especificidade dos papéis da
escola e do meio socioprodutivo, opostos, mas complementares, mostra a
necessidade de articulá-los. A dificuldade reside na articulação dessas diferentes
lógicas. Para o aprendiz, trata-se de passar de um ambiente, um espaço de vida,
para ir ao outro, relacionando as diferentes situações, o que implica assumir um
contínuo trabalho de vaivém, ou seja, de chegar a libertar-se da situação anterior, a
fim de apreender outra.
Um dos pontos fortes da formação por alternância reside no fato de que essa faz
viver atividades em descontinuidade. Ou seja, uma continuidade de formação numa
descontinuidade de atividades (LERBET, 1990). Essa ruptura obriga o aprendiz a
fazer interações, a ligar dimensões diferentes, embora complementares, a viver uma
situação de diferenças (GÉRARD, 1994). Durante o período no meio socioprodutivo,
o aluno alternante deve apropriar-se de valores, normas, uma maneira de ser,
capacidades e competências ligados ao tipo de atividade do mundo
socioprofissional.
A política da parceria representa uma estratégia da alternância como pedagogia do
coletivo. O trabalho de parceria na escola em alternância reúne um conjunto de co-
formadores que interage nos diversos espaços e tempos que se alternam entre a
133
escola e o meio socioprofissional. Destaca-se, nessa estratégia, o papel dos
monitores como agentes estratégicos, como articuladores e mediadores que
mobilizam os parceiros em torno do projeto educativo do alternante. Trata-se de um
papel de grande importância, pois exige uma estrutura de co-gestão a ser colocada
em ação. Assim, ao lado dos formadores de matérias ditas "escolares" intervêm
outros que pertencem ao meio socioprodutivo e cuja tarefa é acompanhar os
estudantes no meio socioprofissional, compartilhar suas experiências e transmitir-
lhes diversos conhecimentos técnicos que os formadores da escola não conhecem
como eles, por experiência.
Essas intervenções podem contribuir para a preparação dos períodos de estágio
fora do centro de formação. O desafio que se coloca ao monitor e também ao aluno,
nesse caso, consiste em coordenar essas diferentes intervenções. Percebe-se,
então, que o processo de gestão das relações interescolares não é uma tarefa única
e exclusiva do monitor, pois o aluno também é co-gestor do processo.
O educador da alternância, chamado de monitor, mais do que um professor, na
escola tem um papel complexo e ativo. Segundo Gimonet (1998, p. 65), uma função
global e papéis múltiplos, numa sociopedagogia participativa,
[...] de gestão das relações entre atores e entre campos de saberes, o que exige que saiba levar em conta e ler o terreno profissional e a cultura de um território, que saiba criar ligação, de acompanhamento de percursos sempre singulares e alternantes, de ensino dentro de seus campos disciplinares; de animação dos grupos; de individualização das ações; de acompanhamento educativo.
Para o exercício de um papel complexo, o educador deve realizar uma formação
pedagógica com conhecimentos específicos para trabalhar com a alternância;
conhecer a realidade socioprofissional do estudante; desenvolver no processo, a
capacidade de trabalhar em equipe; e comprometer-se com a proposta de trabalho
em alternância (BEGNAMI, 2007)80.
O papel do aprendiz na educação em alternância é, por sua própria natureza 80 Begnami acrescenta que o monitor precisa ainda: a) ter domínio de sua área de conhecimento; b) desenvolver a capacidade comunicativa, relacional para a lida com as diversidades culturais, econômicas e políticas para desenvolver ações e articulá-las ao processo de formação; c) engajar-se no projeto da pedagogia da alternância para tornar-se educador e agente social, comprometendo-se com uma lógica de educação e promoção das pessoas e do meio onde elas vivem.
134
pedagógica, fundamental como agente principal de sua aprendizagem, em uma
relação de parceria, participa de todas as atividades individuais e coletivas da
escola. Deve, também, construir e dirigir seu projeto pessoal, articulado ao projeto
institucional e às atividades desenvolvidas no meio socioprodutivo.
Dessa maneira, os desafios postos aos sujeitos estudantes constituem-se em
efetuar um trabalho de articulação, de relacionar permanentemente esses dois
mundos em tensão, que ao mesmo tempo se opõem e se completam. Referimo-nos,
então, ao papel da alternância como pedagogia de passagem entre mundos,
articulando as ligações necessárias. Isso supõe, da parte do aluno, que ele seja
reconhecido como agente principal do seu percurso.
Nesse contexto, a família tem um papel ativo, independente e integrado na co-
formação escolar. Os pais têm um papel fundamental como parceiros na construção,
na execução e no acompanhamento do projeto educativo da escola, do projeto
educativo (pessoal) do filho, ou da filha ou dos seus filhos (as) estudantes. Assim, os
pais exercem uma função essencial nas decisões tomadas nos CEAs. As famílias,
reunidas na associação de pais e representadas no Conselho de Administração do
CEA, compartilham a gestão em todos os níveis: administrativo, pedagógico e
político da instituição.
É assim que a pedagogia da alternância caracteriza-se como uma pedagogia do
alter, do latim: outro, inconcebível sem a relação de encontro e interação. Uma
sociopedagogia cuja relação se fortalece na alteridade.
A relação com o outro não pode estar pautada na reafirmação do que vemos do nosso próprio ponto de vista, mas na consideração de que nosso ponto de vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial tão válido como o do outro, ainda que o dele nos pareça menos desejável. Indicam, assim, a importância de construir práticas que incluam um domínio experiencial em que o outro também tenha lugar e no qual possamos, com ele, construir um mundo (BENEVIDES DE BARROS e BARROS, 2007, p. 7).
Destacar os diferentes papéis dos diferentes atores (monitor, aluno, família,
comunidade, instituições, empresa, sindicato, pessoas, recursos, etc.) resgata o
processo de envolvimento pedagógico-político de auto-organização e de co-gestão
da pedagogia da alternância. Trata-se de mover-se dentro de um paradigma de
condução política que inclui a variabilidade e não dissocia formação e trabalho.
135
Nesse caso, busca-se o que Benevides de Barros e Barros (2007) chamam de “co-
gestão”.
Ao opor o paradigma técnico-burocrático ao paradigma da co-gestão, as autoras
afirmam que o paradigma técnico-burocrático tem sua base no centralismo, na
burocracia, na fragmentação, no poder autocrático e no assujeitamento. O
paradigma da co-gestão tem sua base na descentralização, articulação e integração,
no trabalho em equipe, valorização do conhecimento, da relação, do sujeito, da
autonomia, responsabilização e comprometimento, entre outras características.
Nesse modo de gerir pressupõe-se o co-engendramento.
A gestão não é mais identificada apenas a um cargo ou a um lugar (o lugar do gestor/diretor/coordenador), mas ao processo mesmo de pensar/decidir/executar/avaliar o trabalho, que é prerrogativa de qualquer trabalhador. [...] A gestão é conhecimento técnico, mas também interação de regimes do conhecer, onde o inter, o entre vem paradoxalmente primeiro indicando um plano do coletivo, um trabalhar coletivo que antecede os trabalhadores. Se a gestão é função do gerir, melhor seria então dizer co-gerir, pois se trata de co-engendramento do processo de trabalhar e de subjetivar. Diferentemente do sistema comunicacional top-down. Típico do paradigma técnico-burocrático, a comunicação se dá em rede, sistema de múltiplas conexões, em várias direções, aliançadas na inseparabilidade entre as dimensões do trabalhar aumentando a capacidade de criar e transformar – mais autonomia em cada processo de trabalho e, entre os trabalhadores, aumento das instâncias negociantes. Sujeitos em equipe alteram o rumo reversível (e não irreversível, como antes apontado) de seu isolamento, de um processo fragmentado, individualizado, marcado pela competição e quebra das alianças coletivas. Sujeitos com maior autonomia, co-responsáveis, comprometidos porque expressão de um coletivo do trabalhar que neles se atualiza. Trata-se, portanto, de considerar a equipe como estratégia privilegiada para a constituição desse outro paradigma. (BENEVIDES DE BARROS e BARROS, 2007, p. 18).
Essa relação implica uma integração dos diferentes agentes internos e externos.
Nesse caso, o aluno e o monitor não são únicos, mas se inserem numa relação
plural. A aprendizagem por alternância é de parceria; assim, é necessário que a
comunidade local inteira, com os seus mecanismos associativos (sindicatos,
associações, famílias, grupos cooperativos) participe como pessoas ou organismos-
recursos para ajudar os jovens em suas aprendizagens. Nessa linha de
pensamento, Clénet (1998, p. 18) ao estudar a parceria e a formação em alternância
apresenta algumas considerações:
-a pedagogia que consiste em ensinar o aluno tornou-se insuficiente. Este pode ser capaz de conduzir as suas próprias aprendizagens;
136
-a consideração, pela própria pessoa, na sua globalidade é mais que necessária, é primordial; -o desenvolvimento das qualidades pessoais passa pela aquisição de um saber erigido não como um fim em si; -a comunidade local deve ser aliada na busca de soluções dos problemas de formação dos jovens; -os jovens devem ter a responsabilidade na escolha pelas buscas de suas orientações.
A alternância integrativa é essencialmente de parceria. O sistema é aberto à
multiplicidade de agentes reunidos em torno do projeto construído para e pelos
parceiros, que formam um conjunto constituído pelo monitor; o adolescente ou o
jovem estudante; a família; as lideranças; os profissionais do meio; e os
acompanhadores de estágio.
O processo de parceria na formação em alternância consiste no reconhecimento do
outro, ou dos outros, como pares, e no respeito às suas identidades e diferenças.
Segundo Schneider (2002), esse reconhecimento não supõe a semelhança, nem a
dissimulação ou mesmo a recusa da diferença. Ao contrário, é preciso colocá-las em
negociação dos conflitos de interesses, das divergências.
O projeto de formação de parceria consiste na construção de uma plataforma
comum na qual cada um pode dar sua contribuição dentro de suas especificidades e
de suas diferenças. Evidentemente, as relações de poder sempre presentes devem
encontrar um ponto de equilíbrio para viabilizar ações conjuntas de vários sujeitos de
diferentes instituições, sem desenvolver relações de dominação de um sobre o
outro. É nisso que consiste a riqueza do trabalho e também o desafio da parceria na
formação em alternância.
[...] relações de poder são móveis, ou seja, podem se modificar, não são dadas de uma vez por todas. [...] essas relações de poder são, portanto, móveis, reversíveis e instáveis. Certamente é preciso enfatizar também que só é possível haver relações de poder quando os sujeitos forem livres. Para que haja relações de poder é preciso que haja sempre, pelo menos dois lados, pelo menos uma certa forma de liberdade. Mesmo quando a relação de poder é completamente desequilibrada, quando verdadeiramente se pode dizer que um tem todo o poder sobre o outro, um poder só se exerce sobre o outro a medida que ainda reste a esse último a possibilidade de se matar, de pular pela janela ou de matar o outro. Isso significa que, nas relações de poder, há necessariamente a possibilidade de resistência, pois se não houvesse essa possibilidade de resistência – de resistência violenta, de fuga, de subterfúgios, de estratégias que invertam a situação -, não haveria de forma alguma relações de poder. Sendo essa a forma geral, recuso-me a responder a questão que as vezes me propõe: “ora, se o poder está por todo o lado, então não há liberdade.” Respondo: se há relações de poder em todo o lado social, é porque há liberdade em todo o lado. (FOUCAULT, 2004, p. 277).
137
[...] O poder, no fundo, é menos na ordem do afrontamento entre dois adversários, ou do vínculo de um em relação ao outro, do que da ordem do ‘governo’. Devemos deixar para este termo a significação bastante ampla que tinha no século XVI. Ele não se referia apenas às estruturas políticas e à gestão dos estados; mas designava a maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes. [...] Governar, neste sentido, é estruturar o eventual campo de ação dos outros. [...] Quando definimos o exercício do poder como um modo de ação de um sobre as ações dos outros, quando as caracterizamos como governo dos homens, uns pelos outros – no sentido mais extenso das palavras, incluímos um elemento importante: a liberdade. O poder só se exerce sobre ‘sujeitos livres’ enquanto ‘livres’ – entendendo- se por isso sujeitos individuais ou coletivos que tem diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer. [...] Não há, portanto, um confronto entre poder e liberdade, numa relação de exclusão. [...]; mas um jogo muito mais complexo neste jogo a liberdade aparecerá como condição de existência do poder. [...] Porém ela aparece também como aquilo que só poderá se opor a um exercício de poder que tende, enfim, a determiná-la inteiramente. A relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas. O problema central do poder [...] é a recalcitrância do querer e a intransigência (FOUCAULT, 1995, p. 244).
Dessa forma, reunida em torno de um projeto, a equipe é implicada em diferentes
níveis de elaboração e de execução, e os temas abordados, os objetivos e os
resultados esperados são avaliados no coletivo. Os prazos são definidos no
conjunto, e as competências individuais são articuladas entre si numa visão coletiva.
Os objetivos e as representações são compartilhados, o que permite o exercício das
competências transversais. Também o trabalho coletivo entre os estudantes possui
uma função pedagógica de heteroeducação, de organização e de aprendizagem
coletiva: um espaço de aprendizagem experiencial.
Ao contrário da pedagogia tradicional, na qual o professor é o centro do processo,
na pedagogia da alternância o monitor e o aluno estabelecem uma relação de
parceria que postula o reconhecimento da potencialidade de cada um, que
pressupõe relações de poder que afirmam a autonomia e o potencial de contribuição
de cada parte como princípio básico. Assim, uma grande importância é dada ao
diálogo e à participação, elementos-chave no desenvolvimento das relações de
proximidade, de comunicação e de colaboração mútua, o que desenvolve a
dimensão coletiva da relação pedagógica e da aprendizagem.
Para Cruz (2004), a relação entre o monitor, as famílias e os outros agentes da
sociedade local (sindicatos, associações da comunidade onde vivem seus alunos) é
um fator de fundamental importância ao trabalho da alternância. A relação entre os
138
dois agentes do meio escolar e socioprofissional é fundamental e segue a lógica da
cooperação mútua, numa alternância de interação entre os diferentes meios.
À luz dos princípios da alternância, no processo educativo, uma grande importância
é dada aos problemas de todas as ordens que são vividos no cotidiano. A idéia de
indagar, buscar compreender os problemas, buscar soluções aos problemas que
vivenciam não faz da abordagem pedagógica da alternância um puro imediatismo
nem um pragmatismo. Trata-se de uma visão e uma atitude voltada em prioridade
para o local onde se fazem visíveis as necessidades de desenvolvimento. Assim o
contexto não é algo que se coloca distante. Os contextos social, econômico,
histórico e cultural são concebidos como o lugar fonte de informações e de
conhecimentos, mas também de problemas e necessidades relacionados à vida dos
habitantes locais. Por isso, o contexto é importante, pois representa o meio de
vivência e o lugar de integração do projeto: os relacionamentos sociais (famílias,
comunidades), econômicos (lugar das atividades produtivas) e culturais de todos os
agentes educativos.
Essa pedagogia que intervém no contexto que o vê em movimento pelas mãos dos
homens e objeto de transformação, de desenvolvimento, destaca outro potencial da
pedagogia da alternância: a transformação.
No contexto especificamente da educação em alternância de internato, o período de
vivência com o coletivo é também formativo (QUEIROZ, 2004), pois as atividades
individuais e coletivas são revestidas de uma função pedagógica (os afazeres da
casa, a vida em comum). Trata-se do internato educativo. No internato, o educando
dispõe de um espaço privilegiado para o trabalho em equipe, a convivência, a
socialização e o aprender a ser.
A presença da equipe de monitores-educadores que acompanha o coletivo e cada
caso ajuda a estabelecer um clima de colaboração e respeito. O educando pode
aprofundar o seu projeto profissional vinculado como um todo ao processo formativo.
O currículo em desenvolvimento não apenas na sala de aula não se distancia da
realidade nem da cultura do estudante e de seu ambiente comunitário. As atividades
complementares de caráter informal visam ao estímulo da autonomia, à criatividade
e à auto-estima.
139
No ambiente socioprodutivo, comunitário e familiar, a alternância tenta afirmar-se
como uma pedagogia que não desterra o jovem do seu meio, possibilitando que ele
não se desvincule de sua família, amigos e comunidade. Tenta se afirmar como uma
formação que procura contextualizar sem destruir os vínculos sociais de parentesco
e de suas raízes. Além disso, incentiva o alternante a valorizar a cultura local e de
seu universo vivencial.
O objetivo da educação em alternância é desenvolver processos que integrem o
jovem ao seu meio, de maneira a possibilitar também que o educando olhe o seu
meio, compartilhe seus valores, suas virtudes, o ser camponês, exercite seus
conhecimentos e suas novas aprendizagens em campo. O jovem, tratado como
protagonista da vida social local, pode mais facilmente inserir-se em ações de
desenvolvimento local. Esses elementos de uma filosofia voltada para uma
educação do/no contexto, integra os auspícios da pedagógica da alternância,
colocam-se então como desafios permanentes que entrarão em jogo no
acontecimento dessa pedagogia.
Os elementos de uma espécie de filosofia de abordagem mencionados
anteriormente parecem superdimensionar a alternância enquanto pedagogia. Assim,
estaria ela resolvendo o complexo problema do abandono do campo pelos jovens,
do fetiche da cidade e do modo de vida urbano que exerce um fascínio entre os
jovens do campo? A troca do campo pela cidade é um problema trazido pelos
estudos de Briffaud (1989), que aborda o fenômeno em várias regiões da França. A
pedagogia da alternância estaria operando a tão sonhada recuperação do gosto pelo
campo? Que pedagogia é essa? A “salvação da lavoura”? Ou uma pedagogia que,
com a sua abordagem, sua metodologia e sua filosofia de educação, se insere em
outro contexto de produção partilhada do conhecimento?
Trata-se de propor um outro discurso teórico-prático que vai a contrapelo das
políticas de educação hegemônicas inspiradas nos modelos neoliberais que
estimulam a competição, o desenvolvimento de habilidades e competências
individuais fortemente voltadas para a urbanidade. Nesse sentido, a alternância
insere-se numa proposta diferente e inclusiva que “pode” representar em termos de
novas/outras políticas coletivas de educação que tentam desconstruir práticas
dominantes.
140
Posto isso, é preciso dizer que há alguns desafios e problemas no exercício da
alternância. Segundo Gimonet (1996, p 42), o exercício da alternância autêntica não
é o de uma facilidade pedagógica, “Com ela, saímos de uma pedagogia plana para
um modelo complexo”.
O ensino em alternância é ligado à gestão da complexidade. Um projeto global e
integrado, relações efetivas entre os dois meios. O monitor deve ter uma atuação
pro positiva no processo que é dinâmico e permanentemente desafiador, pois se
trata de um projeto em movimento. No plano da formação, o professor/monitor deve
engajar-se num processo de formação contínua e permanente, além de, igualmente,
ajudar a articular as relações entre os diferentes agentes. Esse ensino exige
reciprocidade e uma grande abertura na gestão das diferentes relações (GIMONET,
1999).
Se para Foucault (1995), não existe uma sociedade sem relações de poder. Ele, o
poder, se manifesta por meio das práticas em que atua, funciona e se espalha
universalmente e de modo capilar.
O que será próprio de uma relação de poder é que essa relação é um modo de ação sobre as ações. Ou seja, as relações de poder encontram-se profundamente arraigadas no nexo social, e não constituem, por cima da sociedade, uma estrutura suplementar cujo desaparecimento se possa sonhar. De qualquer forma, viver em sociedade é viver de modo tal que seja possível que uns atuem sobre as ações dos outros (FOUCAULT, 1995, p. 246).
Ao analisar o saber e sua relação com o poder Foucault vai mais adiante. Para ele o
conhecimento não é uma faculdade humana (ligada à disposição biológica, cerebral,
natural), mas um elemento articulado ao poder, como uma estratégia. Assim, saber
e poder não são pólos distintos, mas sujeitos no jogo. “E para que isso seja possível,
o saber entra como correia transmissora e naturalizadora do poder, de modo que
haja consentimento de todos aqueles que estão nas malhas do poder. No interior
das relações de poder, todos participam, todos são ativos” (VEIGA-NETO, 2005, p.
143).
[...] Temos antes que admitir que o poder produz saber; que o poder e saber são diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Essas relações de <poder-saber> não devem então ser analisadas a partir de um sujeito do conhecimento que seria ou não livre em relação ao poder; mas é preciso considerar, ao contrário, que o sujeito que conhece os objetos a conhecer as modalidades de
141
conhecimento são outros tantos feitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas transformações históricas. [...] O saber reconduz e reforça os efeitos de poder. Sobre essa realidade- referência vários conceitos foram construídos e campos de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc. sobre ela técnicas e discursos científicos foram identificados; a partir dela valorizam-se as reivindicações morais do humanismo. Mas não nos devemos enganar: a alma é a ilusão dos teólogos, não foi substituída por uma imagem real, objeto de saber, de reflexão filosófica ou de intervenção técnica. O homem de que nos falam e que nos convidam a liberar já é em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele. (Foucault, 1981, p.30-32).
O desafio que se coloca é o da afirmação de práticas de liberdade nas relações de
poder. Se para Foucault a relação de poder não é má em si mesma, o desafio que
se coloca consiste não simplesmente em negar o poder, mas sim de conceber o
poder como exercício de um jogo, com um mínimo de dominação.
No campo educativo das práticas em alternância, esse entendimento coloca ao
monitor que medeia as relações com os outros sujeitos, principalmente na sociedade
escolar, o exercício de práticas não arbitrárias nas quais os alunos sejam sujeitos e
não assujeitados do autoritarismo de um “educador”.
As contribuições e repercussões da escola em alternância em termos de
desenvolvimento local dependem da gestão global das diferentes faces ou âmbitos
(gerir a complexidade). O exercício de uma autêntica alternância, segundo Gimonet
(1999), que possibilite uma integração em vários níveis entre os dois meios é o
desafio. Ainda segundo o autor, a alternância integrativa é uma pedagogia de
interface com as diferentes dimensões (institucional, pedagógica, didática e
relacional). Ou seja, uma pedagogia que propõe uma formação global e em
movimento, que se mantém aberta ao desenvolvimento do meio e do seu próprio
dispositivo. As relações entre os diferentes agentes são abertas e permanentes. A
articulação dessas dimensões em torno de uma alternância pedagógica concorre
para a eficácia do modelo ao serviço do sucesso escolar e da inserção
socioprofissional.
142
7 O DISCURSO DOS MONITORES: DO CONTEXTO E DAS
PRÁTICAS DOS CEAS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Os monitores localizam-se em diferentes tipos de estabelecimentos que atendem a
diferentes níveis de ensino em diferentes faixas etárias que agrupados formam
diferentes redes ou sub-redes com diferentes modos de organização e gestão da
alternância.
O quadro seguinte mostra a distribuição dos monitores por tipo de estabelecimento,
por nível de ensino e idade dos alunos:
Tipo de Estabelecimento/Nível de Ensino
EFA
MEPES
EFA
autônoma
EPOR-MST
ECORM Jaguaré
Idade dos
alunos
Número
de monitores
Número
de escolas
Fundamental 4 1 2 2 10 a 14
anos
10 09
Fundamental e médio profissional
1 10 a 14
anos e de 14 a 18
anos
1 1
Médio profissional exclusivo
2 14 a 18
anos
2 2
Total
7
1
2
2
-
13
12
Quadro 3 - Monitores entrevistados por tipos de estabelecimentos, por nível de ensino e por faixa etária dos alunos Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
Conforme apresenta o quadro 3 mostrado anteriormente, a grande maioria das
escolas oferecem o ensino do nível fundamental. O público alvo da pedagogia da
alternância constitui-se majoritariamente de crianças, pré-adolescentes e
adolescentes que se situam na faixa etária de 10 a 15 anos. Isso mostra que a
pedagogia da alternância no Espírito Santo está voltada para o público infanto-
juvenil. Esses dados são apresentados em mais detalhes no quadro 4 que tratará
143
dos diferentes grupos de CEAs espalhados pelo interior do Espírito Santo.
Os sujeitos da pesquisa são 13 monitores apresentam as seguintes características
sociais: sexo, 07 masculinos e 06 femininos; faixa etária, 09 têm mais de 30 anos e
04 menos de 30 anos; estado civil, 07 são casados e 06 solteiros.
É importante destacar que a maioria das escolas, notadamente aquelas do MEPES,
possuem infra-estrutura para habitação no espaço da escola (que inclui o terreno ou
o sítio da escola). Todavia, isso não parece encorajar os monitores casados a
morarem na propriedade da escola, pois a maioria deles, 08 monitores, habitam nas
comunidades rurais no entorno da escola. Outro fator que deve ser considerado é a
relação entre a origem e a condição social dos monitores, visto que na escola rural a
origem dos monitores e de suas famílias é também rural; dos entrevistados 13 são
de origem rural. Quando o monitor atua em um CEA de determinada região de
assentamentos, geralmente, moram no assentamento e compartilham da condição
socioeconômica de assentados.
7.1 AS ESCOLAS EM ALTERNÂNCIA E SEUS AGRUPAMENTOS
Constatamos a partir dos dados obtidos que, no Estado do Espírito Santo, há quatro
grupamentos (redes) de escolas rurais de ensino fundamental e médio que
desenvolvem a pedagogia da alternância. No primeiro agrupamento encontram-se:
- as "Escolas Famílias Agrícolas" (EFA), das quais quinze centros pertencem ao
"Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo" (MEPES);
- as "Escolas Populares de Assentamento" (EPA), das quais oito centros pertencem
ao "Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Brasil", setor Espírito Santo (MST-
ES.)81;
81 STEDILE, J. P. et SERGIO,. F., em artigo intitulado A luta pela Terra no Brasil, 1995, 107 p. O Movimento dos Sem-Terra (MST) nasceu no fim dos anos 70, seguindo o agravamento dos problemas agrários durante a ditadura. As famílias de agricultores que foram expulsos da reserva indígena de Anoni, no estado do Rio grande do Sul, em 1978, e que acamparam por 4 anos ao longo de uma estrada, fizeram com que o movimento nascesse. Essas famílias não queriam mudar-se para as periferias das grandes cidades, nem migrar para o norte do país, seguindo a política desejada pelos militares. Seu primeiro congresso aconteceu em 1985, em Brasília. Suas palavras de ordem
144
- as "Escolas Comunitárias Rurais Municipais" (ECORM), das quais três centros
pertencem ao município de Jaguaré; e
- as escolas "autônomas". Esses CEAs formam uma associação de sete centros,
embora não exista relação organizacional entre eles.
A seguir, apresentaremos o Quadro 4 referente à distribuição dos estabelecimentos
em alternância (os CEAs) no Espírito Santo e seus respectivos agrupamentos.
Grupamento das Escolas/
Nível de ensino
EFA -
Escolas Famílias Agrícolas (MEPES)
EFA - Escolas
Famílias Agrícolas
(Autônomas)
EPA -
Escolas Populares de assen-tamento (MST)
ECORM - Escolas
Comunitárias Municipais (Jaguaré)
Total de
estabelecimentos
Escolas fundamentais
10 6 8 3 27
Escolas fundamentais e de ensino médio profissional
3
3
Escolas de ensino médio profissional
2
1
3
Total
15
7
8
3
33
Quadro 4 - Distribuição dos estabelecimentos em alternância (Os CEAs) no Espírito Santo e seus respectivos agrupamentos Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
Conforme detalha o quadro acima, os CEAs nos níveis fundamental e médio no
Estado do Espírito Santo totalizam 33 centros em funcionamento.82
são: “Terra para quem a trabalha”, “ Não para o latifúndio improdutivo”, “ Ocupar, Resistir e Produzir”. O MST, hoje, tornou-se o mais numeroso e mais importante movimento organizado de camponeses de toda a América. Sua reivindicação mais importante é “Uma reforma agrária nacional imediata” para os 11 milhões de camponeses brasileiros que se tornaram Sem Terra. 82 Podemos juntar a esse quadro, também, o Centro de Formação dos monitores fundado pelo MEPES, que se ocupa da formação inicial e continuada dos monitores das escolas do MEPES e outras, principalmente as localizadas no sul do Espírito Santo.
145
7.2 ESCOLARIDADE E EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL DOS
MONITORES
monitores com formação secundária 3 monitores com formação superior em curso 4 monitores com formação superior 6 monitores com formação de nível de pós- graduação 3 monitores com formação específica em alternância 11 monitores sem formação específica em alternância 2
Quadro 5 - Nível Qualificação
Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
A maioria dos monitores entrevistados possui formação superior ou, ao menos, a
mesma está em curso, conforme quadro 5. A exigência de escolaridade na área
específica da pedagogia da alternância não se confirma, uma vez que dos 13
monitores da pesquisa, 02 não possuem formação específica na área da alternância.
Esse fator, quando comparado ao período de atuação profissional dos monitores
(QUADRO 6), é no mínimo questionável que no discurso sobre a exigência de
formação específica o que se sobressai como indiscutível é a exigência de formação
específica para atuar nos CEAs do Espírito Santo e do Brasil.
monitores dando aulas por mais de 5 anos 4 monitores dando aulas por mais de 10 anos 5 monitores dando aulas por mais de 15 anos 3 monitores dando aulas por mais de 20 anos 1 monitores dando aulas para ensino fundamental ( 5ª a 8ª série)
10
monitores dando aulas para ensino fundamental ( 5ª a 8ª serie) e secundário
1
monitores do ensino secundário 2 Quadro 6 - Experiência Profissional Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
No que diz respeito à experiência profissional dos monitores o quadro 6 mostra que
a experiência mínima dentre os monitores é superior a 05 anos sendo a maioria dos
monitores abordados, 08 deles, possuem uma experiência variável entre 10 e 15
anos.
146
7.2.1 Exigências, grau de formação oferecido e o público-alvo
O tipo de ensino oferecido nos CEAs corresponde ao nível pós-primário
(fundamental) de quinta a oitava série (04 anos). Em algumas escolas,
especificamente nas do MEPES, os estudantes nesse caso podem continuar a
formação no ensino médio profissional com uma duração de 04 anos.
Em geral, os CEAs são escolas mistas (sexos masculino e feminino) do tipo seriado,
o que significa que cada monitor se ocupa de uma classe de 5ª, 6ª 7ª ou 8ª séries e
dá cursos em diferentes disciplinas. Assim, um monitor pode ser responsável por
duas ou três disciplinas. Esse procedimento é adotado igualmente nas escolas de
ensino médio.
A correspondência entre a formação do monitor e as disciplinas ministradas não é
assegurada nos dois níveis de ensino, o que demonstra a existência de
incompatibilidade entre a formação do monitor e disciplinas sob sua
responsabilidade
Para apresentar os itens indicados – exigências para ingresso, tipo de formação,
duração, público do ensino em alternância, segundo o modelo EFA –, apresentamos
dois quadros, sendo o primeiro relativo ao ensino fundamental e o segundo ao
ensino médio profissional. Neles são mostradas as características gerais dessa
modalidade de formação.
O Quadro 07 a seguir apresenta as exigências para ingresso, tipo de formação,
duração, público alvo do ensino em alternância segundo o modelo CEFFA – EFA
147
Fórmula Tipos de formação
dispensada
Condições de acesso Duração Pré-
requisitos Certificação Contrato Público alvo
Nível funda-mental.
O ensino comporta duas dimensões : geral e a iniciação às técnicas agrícolas.
10 anos ou mais, e ter terminado o ensino primário, ou seja, a 4ª série.
4 anos, como formação regular.
Ter interesse no que concerne ao campo. O nível de ensino é, também, prepara-tório para o ensino secundário.
A Secretaria de Educação do Estado ou do município emite um certificado de conclusão do ensino fundamental.
Termo de compro-misso assinado pela família.
Crianças e jovens do meio rural em idade escolar, e jovens ou crianças sem opção de alguma outra forma de ensino.
Quadro 7 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino fundamental) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
Os tipos de ensino apresentados no quadro 8 compreendem a grande maioria das
escolas em alternância rural do Estado do Espírito Santo, mostrando que são
escolas que se encontram no meio rural83.
Essas escolas, com certa readaptação, inspiram-se nas Casas Familiares Rurais
francesas. Com exceção da pequena empresa familiar, o agente empresa,
geralmente, não é reconhecido como parte integrante do processo de formação. No
caso de estágios, na maioria das vezes, são as famílias, principalmente
representadas pelos pais, que realizam o acompanhamento.
O Quadro 08 a seguir apresenta as exigências para ingresso, tipo de formação,
duração, público alvo do ensino em alternância segundo o modelo CEFFA - EFA:
(ensino médio profissional).
83 Esse nível de ensino, como já enunciamos, compreende, igualmente, a grande maioria das escolas rurais em alternância no Brasil.
148
Fórmula Tipos de formação
dispensadas
Condições de acesso Duração Pré-
requisitos Certificação Contrato Público alvo
Nível médio profis-sional
O ensino comporta 2 dimensões : geral e técnico- profissional.
Ter terminado o ensino fundamental, ou seja, conclusão da 8ª série.
4 anos
Ter interesse na aprendizagem ao que concerne ao meio rural e, principalmente, na profissão de agricultor e técnico em agropecuária.
A secretaria de educação do estado emite o diploma.
Termo de compro-misso assinado pelo aluno e pelos pais.
Como prioridade, jovens do meio rural em busca de um aperfei-çoamento profissional para atuar em suas proprieda-des familiares. Pessoas que desejam ter um diploma de conclusão do ensino médio. Jovens sem outra opção de formação.
Quadro 8 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino médio) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
Os tipos de instituições de ensino em alternância em nível médio no Espírito Santo
totalizam atualmente 08 escolas84.
As modalidades de ensino são reunidas num programa que visa à formação do
técnico em agropecuária. Contudo, diferentes aspectos numa mesma formação
podem ser desenvolvidos de acordo com a realidade do aprendiz em alternância.
Essas escolas, com certa readaptação, inspiram-se no modelo das CFR francesas.
Como as escolas apresentadas na tabela 09, o agente empresa não é reconhecido
como parte integrante do sistema de formação profissional, com exceção da fazenda
ou propriedade familiar, vista como empresa familiar.
Na ocorrência de estágios, a maioria deles, geralmente, desenvolvem-se nas
84 As escolas em alternância no nível médio profissional no Brasil não são numerosas. Segundo Queiroz 2004, são 20 no total e segundo a UNEFAB 2007 conta-se atualmente 27. Número considerado pouco significativo para as dimensões geográficas e demográficas do Brasil.
149
propriedades familiares, os proprietários ou chefes de família são nesse caso
considerados acompanhadores de estágio.
7.2.2 Infra-estrutura das escolas
Os monitores entrevistados assinalaram dificuldades encontradas nas escolas em
que atuam ligadas à infra-estrutura, às instalações físicas das escolas que são, às
vezes, inacabadas ou precárias; à falta de monitores para os cursos comuns, de
recursos didáticos e de instrumentos para os trabalhos pedagógicos internos.
Os Centros Educativos em Alternância (CEA) são escolas que possuem uma
“população” de alunos variável entre 34 e 285 estudantes. Essas escolas podem ter
características específicas.
A maioria dos CEAs dispersados pelo Espírito Santo comportam uma estrutura
mínima para acolher e alimentar os jovens, que lá freqüentam (com ou sem
internato), trabalham (propriedades agrícolas) e estudam (sistema escolar).
A maioria dos formadores são chamados “monitores ou eventualmente professores”.
Nesses centros, o período passado na escola desenrola-se de acordo com as
diferentes modalidades de estadias e de funcionamento da escola, que vão do
internato exclusivo até o não-internato. Dessa maneira, os CEAs se diferem na
estrutura de acolhimento, (internato e semi-internato), no tamanho (dependências e
alojamentos) no modo de atendimento e funcionamento (somente nos turnos
matutino e vespertino). Alguns não possuem áreas agrícolas em torno da escola.
7.2.3 O trabalho produtivo na escola
O período passado nas escolas, principalmente naquelas que possuem propriedade
agrícola, não é somente dedicado ao ensino. Há, também, atividades práticas e/ou
produtivas que se aproximam das desenvolvidas pelos estudantes no seu meio de
vida externo.
150
Cada CEA, com exceção das Escolas Comunitárias Rurais Municipais (ECORM),
possui uma área agrícola chamada "terreno de práticas" ou "terreno demonstrativo"
ou chamado apenas de propriedade agrícola da escola. Trata-se de uma área que
deve apresentar as condições para a prática da agricultura diversificada, de acordo
com o clima, a topografia e as culturas de cada região (GIANNORDOLI, 1980).
As áreas agrícolas que constituem os espaços físicos dos CEAs têm uma dimensão
que varia entre 2,5 e 75 hectares. Indagados acerca dos objetivos das áreas
agrícolas, os monitores assinalaram diferentes objetivos, que podem ser situados
como objetivos pedagógicos, econômicos e socioambientais:
- O primeiro é de complementaridade ao ensino. Nesse espaço, os estudantes terão a oportunidade de aprender a trabalhar, cultivar, fazer experiências, e observar a aplicação de técnicas agrícolas, aplicáveis às propriedades na sua pequena região. (F 6) - O segundo objetivo é produzir rendimentos complementares para contribuir para as despesas do CEA, ou seja, gerir recursos alimentares e financeiros para proveito da escola. (F1) - O terceiro é motivar os agricultores e os pais na utilização dos recursos técnicos e de práticas agrícolas baseados na agricultura ecológica e no equilíbrio ambiental. (F4).
7.2.4 As condições socioeconômicas e culturais das famílias
Quanto às condições socioeconômicas e culturais dos pais e das comunidades onde
se encontram os CEAs, os dados das entrevistas permitem-nos afirmar que, em
geral, as famílias se encontram em regiões pobres (às vezes muito pobres). As
crianças começam a trabalhar nas propriedades familiares a partir dos dez anos.
A situação da educação nas regiões é considerada como difícil. A maioria dos CEAs
encontra-se num meio onde predomina a agricultura familiar em pequena escala, em
que as necessidades de escolarização e de formação são elevadas, especialmente
nos níveis pós-primário e médio (MAGALHÃES, 2004).
Esse problema afeta os jovens e os adultos do campo em várias regiões do Espírito
Santo. A quase totalidade dos pais da região de São Bento do Chapéu, uma das
pequenas regiões consideradas no nosso estudo, é analfabeta. Assim, muitas
crianças e jovens que moram perto da escola não têm a motivação, nem o apoio dos
pais para estudar. De acordo com um monitor entrevistado, "aquilo é ainda mais
151
surpreendente quando se constata que, em certas famílias que não habitam distante
da escola, os pais proíbem suas crianças, sobretudo as adolescentes e os jovens,
de estudarem". (F4).
Os CEAs, na maioria dos casos, são as únicas instituições educativas nas regiões
onde se instalaram, e oferecem a educação (reconhecida) de nível pós-primário e
em algumas regiões, o ensino médio profissional.
7.2.5 As escolas e suas jornadas com e sem internato
No interior dos CEAs, as atividades pedagógicas dos monitores são desenvolvidas
por disciplinas e, também, pela equipe. Em seguida, são repartidas entre os
monitores e os alunos. De acordo com a organização da instituição, a equipe de
monitores trabalha com todos os estudantes do centro, sobretudo nos que
funcionam com o regime de internato.
A maioria das escolas são chamadas de Escola Família Agrícola (EFA). Geralmente
elas alternam os períodos internos (passados no centro de formação em regime de
internato ou sem internato) e externos (passados no meio sociofamiliar).
De acordo com os formadores entrevistados, as atividades devem seguir horários
fixados em função das atividades escolares, da preparação das refeições e dos
diversos trabalhos para o funcionamento da instituição.
O período passado fora da escola, notadamente na propriedade familiar, tem
objetivos que variam de um grupo de escolas a outro.
As famílias e os jovens têm papéis, às vezes, específicos de participação na gestão
da instituição e na formação nesse tipo de ensino; assim como participam da gestão
do CEA em suas respectivas associações.
Como já havíamos mencionado, uma das particularidades dos CEAs é a alternância
com o internato ou sem internato. Dentro do CEA, os estudantes aprendem e
desenvolvem atividades socioeducativas, os conhecimentos práticos ligados ao tipo
de agricultura local e de atividades vinculadas ao trabalho rural. Tudo isso na
152
perspectiva de melhorar a qualidade do trabalho, a inserção social, desenvolvendo
ou aplicando novos conhecimentos sistematizados adquiridos na escola e na
propriedade da sua família ou de uma empresa, como afirma o monitor (F4).
De acordo com os monitores do grupo de escolas do MEPES, os estudantes vão
para a escola às segundas-feiras pela manhã e regressam às famílias aos sábados
à tarde.
As tarefas a serem realizadas durante a semana na escola são repartidas entre os monitores e os estudantes. As atividades seguem os horários, fixados em função das atividades escolares, da preparação das refeições e os diversos trabalhos para o funcionamento da instituição (F 2) .
Em relação à organização do trabalho, elaboramos a partir do relato de cada
formador, as grandes linhas de organização do trabalho pedagógico do CEA.
Constatamos nas entrevistas que os diferentes CEAs organizam seus trabalhos de
formação a partir dos "temas geradores" e os adaptam ao seu contexto local e
regional. Nesse caso, há uma trajetória a seguir em dois níveis:
No primeiro, os temas gerais apresentam certa homogeneidade, pois, de acordo
com os monitores, é em nível geral que a legislação educativa aprova os programas
de ensino. Os formadores devem, então, nas suas práticas, seguir uma
programação oficial. É a condição para garantir a certificação no término da
formação. Seguidamente, há uma programação informal ligada aos subtemas.
Assim, há uma real flexibilidade, dado que os conteúdos do ensino podem ser
adaptados à realidade local. A diferenciação entre os temas é constatada por meio
dos subtemas.
Com o objetivo de apresentar o segundo nível no qual a jornada é desenvolvida no
interior do centro, mostramos, a partir do depoimento de monitores, dois esquemas
que compreendem as escolas em regime de internato e as escolas sem internato.
O quadro 10 a seguir apresenta a jornada dos estudantes em internato.
153
Horários de segunda a sexta-feira
Tipos de atividades
6h – 6h30 Higiene do espaço pessoal. Uma equipe se ocupa de preparar o desjejum.
6h30 – 7h00 Desjejum. 7h00 – 11h30 Horário de aulas. 11h30 – 13h00 Almoço. 13h10 – 16h10 Horário de aulas, pela tarde. 16h10 – 16h30 Pequena pausa. 16h30 – 17h40 Atividades no sítio da escola. 17h40 – 18h30 Pausa. 18h30 – 19h40 Lanche da noite. 20h00 – 21h30 Atividades da noite. 22h00 Fim da jornada
Quadro 9 - Jornada dos estudantes em internato85 Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
Horários de segunda a sexta-feira
Tipos de atividades
7h00 – 9h00 Horário de aulas. 9h00 – 9h30 Desjejum. 9h30 – 11h30 Horário de aulas. 11h30 – 13h00 Almoço. 13h00 – 15h20 Horário de aulas. 15h20 – 17h00 Atividades no sítio da escola. 17h00 Fim da jornada.
Quadro 10 - Jornada dos estudantes sem internato Fonte: João Assis Rodrigues (2008).
O modo de alternância praticado de acordo com os formadores entrevistados é
constituído de períodos de estadias regulares na escola e no meio sociofamiliar, e o
período de estadia na escola é sempre igual ao passado em meio externo. Na
totalidade dos casos encontrados, o período nos dois meios é de uma semana.
A esse respeito, o monitor do CEA do nível médio informou que:
85 Os aprendizes em internato chegam numa segunda-feira entre 9h e 9h30. As atividades começam por volta das 10 horas. Nas escolas do MEPES, os aprendizes vão para suas casas no sábado, próximo das 10h, após o desjejum.
154
A EFA de Boa Esperança foi a única escola até 2002, que realizava uma alternância de 15 dias na escola e 15 dias em família. No fim de semana, a maioria dos alunos retornavam às suas casas. Para os que permaneciam, um grupo de dois monitores também permanecia na escola, como responsáveis da escola. Atualmente, porém, o período de alternância é de uma semana, o que, a meu ver, nada mudou para melhor, sobretudo para o monitor que continua na escola alternando apenas de turmas (F 12).
7.3 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS MONITORES
A dificuldade em falar na linguagem pessoal (primeira pessoa do singular) é
marcante. Os monitores estavam acostumados em falar em terceira pessoa do
singular e isso estava intimamente relacionado ao modo com que trabalhavam e
desenvolviam suas práticas.
Havia uma insistência no olhar teleológico e a certeza de que trabalham para um
mundo melhor que parecia o “ainda não”, mas o melhor está adiante, no futuro. Esse
mundo parecia de alguma maneira, profetizado ou predito, seja por influência
religiosa ou por orientação ideológica. Há uma influência ideológica marcante no
discurso dos monitores. Acredito que tal influência, vem das ideologias libertárias ou
libertadoras, da teologia da libertação, da teoria crítica, do materialismo dialético.
Enfim, parece que estavam imersos no mundo da “revolução necessária”.
Quando falavam de suas práticas, das relações, do trabalho com os outros
monitores, outros personagens da escola, dos instrumentos metodológicos, traziam
diferentes vozes para o nosso estudo. Ou seja, enunciavam questões, tomavam
uma posição diante das enunciações que também interpelavam em suas relações
cotidianas. Seus enunciados não saiam do nada, de abstrações emergidas da
psique, mas de seus posicionamentos valorativos erigidos ao longo da vivência
social e mais especificamente da vivência pedagógica.
Muito do que indagamos não parecia surpreendê-los. Muitos dos temas das
questões por nós colocadas pareciam já ter sido foco de suas reflexões, por isso não
pareciam inseguros (ou vulneráveis) no que diziam. Essa dinâmica, aparentemente
pouco produtiva, de repente nos surpreendia à medida que a disposição em
responder, em argumentar os colocava em situações de dizer algo inesperado,
incerto, inusitado. Essa dinâmica parecia rica em aspectos a serem explorados.
155
A pedagogia da alternância é entendida como uma pedagogia da mudança visto que
estamos numa sociedade doente que parece caminhar para o pior e é preciso fazer
algo. “Meu trabalho pode ajudar a fazer a diferença”(F2). “O que a escola tradicional
faz é corroborar com tudo isso que está aí”. “Por isso temos que persistir no trabalho
de uma pedagogia transformadora” (F8).
A transformação da escola, porém, não se faz no abstrato, de um ponto sem lugar.
“Ela começa na escola real dentro da qual eu estou nas pequenas práticas
metodológicas, organizativas, curriculares, políticas, enfim numa contra escola
dentro da escola”. (F12).
O discurso normatizante era substituído por outro não sem regras ou sem normas,
um pouco teleológico talvez, mas que se pretendia produtor-instaurador de uma
nova ordem, uma ordem melhor. A diferenciação produzida pelas palavras em
contraponto aos discursos normatizantes tampouco formava um discurso qualquer.
Tal perspectiva aparece nas falas:
Para mim é difícil separar a escola do projeto da pedagogia da alternância. Para mim a escola não apenas tem um projeto implícito. Como ela mesma é um projeto e, nesse sentido, participamos de um projeto educativo transformador do campo como atores dessa mudança. Por isso, procuramos oferecer uma educação libertadora. (F7). É claro que temos limitações, mas numa sociedade cheia de problemas, como a falta de desenvolvimento, não podemos fazer um trabalho neutro. É preciso mudar essa sociedade que nos cerca. Fazer pequenas melhorias não adianta. Procuramos direcionar nosso trabalho orientando o aluno para que ele tenha capacidade de mudança. Para isso, a vida coletiva, os saberes aprendidos na escola, a integração da escola ao contexto possibilitam que o aluno aprenda a ser cidadão, trabalhe e aprenda a se organizar dentro e fora da escola. Isso serve ao nível do comportamento, ao nível da aprendizagem e ao nível de ação social. (F13). O resultado de uma pedagogia que integra a escola com o meio socioprodutivo, Vê o contexto como lugar de mudança. Ela intervém para mudar a realidade. (F5) Apesar da várias limitações que nos são impostas, não fazemos um trabalho descolado da realidade. De certo modo, somos uma escola que se inspira nas necessidades do contexto e procuramos responder ao contexto. Isso para nos é essencial na alternância que praticamos. (F11)
O papel de intervenção social é reconhecido pelos pais e agricultores. O diálogo
escola e sociedade não se faz num via de mão única.
Aqui na escola somos às vezes consultados pelos pais ou por agricultores das comunidades próximas. Eles querem saber o modo correto de podar as plantas, como preparar defensivos agrícolas e outros procedimentos da agricultura orgânica, querem saber informações sobre animais doentes, sobre o preparo da terra, enfim demandas de pessoas que querem
156
aprender coisas novas e mais ecologicamente corretas, pois a escola tem uma preocupação especial com o meio ambiente. Nesse caso, nós “os” ensinamos o que conhecemos. Para as coisas que não conhecemos, ou que não podemos fazer, nós os enviamos para conhecer e dialogar com alguma propriedade de alguma família, ou de ex-alunos que desenvolvem práticas inovadoras de agricultura, ou, a outras pessoas: técnicos, ou instituições que poderiam consultar. (F2) As famílias percebem que nossas orientações vão no sentido do desenvolvimento local e na introdução de novas práticas agrícolas que não agridem o meio ambiente, novos cuidados no trato com animais, aves e peixes e junto com isso novos hábitos de higiene, alimentação e na produção em suas propriedades. Enfim conhecimentos e saberes para melhorar a qualidade de suas vidas. (F10) A maioria das famílias tem uma pequena horta perto de casa. Nós incentivamos os alunos a aplicarem seus conhecimentos na horta introduzindo o cultivo de frutas e diversificando os legumes e raízes para melhorar o nível da alimentação doméstica. Olha, os resultados e seus impactos na melhoria da qualidade alimentar são surpreendentes! (F3)
No trabalho pedagógico dos monitores, a abordagem do contexto social, econômico,
histórico e cultural é um elemento chave da pedagogia da alternância. O contexto é
concebido como o lugar onde a vida acontece. Como afirma o monitor F 6.
O lugar onde se desenvolve a vida das pessoas pois é nele que tudo acontece. Tudo o que fazemos em uma escola de educação em alternância está ligado no contexto de vida dos alunos. São os alunos que levam isto para a escola, e somos nós que tentamos trabalhar em cima dos problemas, das necessidades, das demandas. Resumindo: vivemos em função do contexto. (F6)
Por isso, a importância do contexto é fundamental e é concebida como inseparável
das práticas pedagógicas dos monitores. Ele representa o meio de vida e de
trabalho, o lugar de integração do projeto educativo dos estudantes aprendizes.
Nossa indagação sobre o contexto propunha compreender como a valorização do
contexto, que é um importante elemento da proposta pedagógica da alternância, tem
contribuído na construção de sujeitos de engajamento, ou seja, jovens que se
engajam com suas famílias em movimentos de luta por melhorias na saúde,
educação e dignidade no campo. O que significa que o trabalho da escola não é
neutro e situa-se dentro de uma visão não apenas pedagógica, mas também política
em sua relação com o meio onde está inserida.
Segundo Magalhães (2004), a maioria da população das áreas rurais no Estado do
Espírito Santo não tem como concluir nem ao menos o ensino fundamental,
precisando se deslocar para as cidades, enfrentando os problemas do transporte
escolar, da homogeneização no tipo de ensino oferecido a essa população.
157
Como essa é uma realidade do Brasil, é uma tendência que segundo Silva (2003) e
Jesus (2007), tem se agravado nos últimos anos. Sucessivas políticas educacionais
têm alegado que as escolas rurais são mais onerosas e por isso e para “reduzirem
os custos” estimulam crianças e jovens a deslocarem-se para os centros urbanos,
por longos trajetos e estradas precárias.
É nesse contexto de “economia de recursos”, de homogeneização de políticas que
desconsideram a cultura, a história e os valores do campo que emergem os CEAs
no Espírito Santo com uma política diferente que traz consigo uma outra forma de
conceber as relações da escola do campo. Nesse sentido Magalhães (2004 p.88)
escreve: um CEFFA não surge de cima para baixo:
[...] ele somente é criado se assim for do interesse das famílias de uma determinada comunidade, pois são elas que serão as responsáveis pela condução da escola, participando da Associação da Escola, das assembléias de pais, da gestão e do cotidiano escolar. A escola nesta proposta, não se constitui em uma “doação” do poder público. Ela é resultado de um processo coletivo no qual se busca implantar uma escola que possa promover a educação no campo, respeitando a cultura e a realidade destas populações.
Já que são escolas da região, criadas pelas pessoas do lugar, para as pessoas do
lugar. Segundo Gimonet (1999, p. 40), “A associação constitui um lugar de
intercâmbio, reflexão, exercício de responsabilidade, poder, formação e
engajamento. Ela se constitui no exercício da responsabilidade do meio, do trabalho
e do assumir seus próprios destinos”, buscando promover a pessoa humana na sua
dimensão individual e coletiva em primeiro plano.
O engajamento da família, o processo participativo em todos os níveis inclusive na
gestão e no cuidado da escola é uma nova forma trazida pelo CEFFA que propõe
um novo modo de existir que rompe com as formas hegemônicas de gerir e
participar do cotidiano da escola. Essa idéia não ratifica o privatismo pregado pelas
políticas neoliberais que visa a “livrar” o Estado de suas responsabilidades com a
educação e a transformar a escola numa empresa lucrativa. Também não ratifica o
papel do Estado como instância tutelar e dotada de um enorme poder sobre a
escola. O CEFFA é simplesmente uma escola dos agricultores. Sobre esse tema
afirma um dos protagonistas dos CEFAs pelo mundo:
Em nosso movimento é necessário resistir a duas tentações: de uma parte, temos necessidade do Estado, de outra parte, não devemos nos tornar um
158
movimento estatal. Os CEFFAs não devem estar sob o controle absoluto do estado, ser simplesmente uma engrenagem administrativa. Mas é necessário, no entanto, sua ajuda e seu controle. Por outro lado, como movimento, e é sua originalidade, é de essência familiar, como ele é o prolongamento da família, ainda que a maior parte das famílias que confiam seus filhos a nossas instituições seja atualmente católicas, é claro que o movimento não deve tornar-se um movimento sob o controle direto da Igreja. Portanto, o movimento pode ser sustentado pela Estado, ele pode e deve ser numa larga medida ajudado mesmo inspirado pela religião; mas ele não será absorvido nem pelo Estado, nem e pela Igreja. É a família que, em última análise, constitui o impulso do movimento. Temos que permanecer ligados fortemente a esta formula familiar e profissional, senão o movimento perderá todo o seu caráter específico original; e portanto não será mais a escola dos agricultores (NOVÉ-JOSSERAND, 1987 p. 37).
Nessa perspectiva, a escola nasce pela vontade de um coletivo, principalmente dos
agricultores pais e mães de alunos, e é gerida por esse coletivo com preocupações
voltadas ao desenvolvimento sociocultural, mas também político econômico do lugar
onde se situa. Isso implica numa mudança no modo pelo qual a comunidade se
relaciona com a escola, de como os conteúdos são definidos e tratados. Nesse
sentido o currículo é uma construção coletiva, os conteúdos não são definidos de
fora para dentro num processo fragmentado. Trata-se de um arranjo em que todos
se sentem parte integrante da escola. As decisões de pequeno, médio e longo prazo
são tomadas em assembléia, que é o espaço soberano, a instância máxima das
decisões. A participação é real e dentro de um processo de co-gestão. O modo de
gestão dessa escola é diferente segundo o monitor F 7,
Existe a associação regional de pais que se organizam em nível estadual que se chama Rede das Associações dos Centros Familiares de Formação por Alternância do Espírito Santo (RACEFFAES) e a associação local com seu estatuto e com assembléias periódicas que discute e delibera. Todas as escolas ou centros têm a associação que conta com doze representantes que compõem o Conselho Administrativo. Esse conselho gere, estabelece metas, e aprova o projeto político pedagógico do centro e acompanha o trabalho, o projeto e avalia o alcance das metas.
Depois da criação da RACEFFAES um grupo de CEAs colocou em discussão a
questão do incentivo da participação das famílias nos assuntos não apenas
educativos, mas também no próprio fortalecimento da associação. Nesse sentido, os
CEAs públicos do ES se reuniram em 2003, discutiram e estabeleceram em suas
associações alguns princípios de participação da família. Entre eles:
Ser sócio ativo da associação; Conhecer o projeto do CEFFA para o estudo dos seus filhos e dos outros alunos; Decidir e cumprir tarefas no coletivo em nível político e de manutenção; Preparar o projeto CEFFA junto às outras famílias;
159
Ocupar cargo dentro da Associação; Garantir o princípio da gerência na mão do agricultor (Relatório Outubro de 2003, p. 3).
Esses princípios reconhecem a importância da família como parceira em todos os
projetos de formação em alternância no Espírito Santo. Para o monitor F 13 quanto
maior o engajamento da família, maior o impacto positivo no trabalho da escola.
Em minha escola, realizamos um trabalho articulado com a associação dos pais e a comunidade local. O envolvimento das famílias, dos alunos e das organizações sociais locais fortalecem a dinâmica da pedagogia da alternância e as relações interescolares. Os pais participam efetivamente em todas as instâncias da escola. Os pais ajudam na alimentação dos filhos. A associação dos pais ajuda a administrar a escola através do conselho administrativo. No meio externo o papel da família como educadora externa e motivadora é fundamental no CEFFA. Os pais são os verdadeiros parceiros no acompanhamento das atividades externas e dos estágios. Muitos pais e agricultores são mestres de estágio e atendem a diversos alunos. Ainda temos que avançar mais na nossa integração com os outros parceiros. Na verdade, um trabalho que deve ser objeto de construção permanente e integrado à escola (F13).
A intensidade na participação das famílias e de membros da comunidade é variável
de uma escola para outra. Todavia, há casos em que a crise se instala e ocorre a
diminuição da participação das famílias. Quando isso ocorre, é preciso que os três
lados tenham a humildade de sentar juntos e avaliar o que está ocorrendo. Nesse
sentido, a equipe de monitores precisa ser humilde o bastante para ajudar a
articular, abrir espaços e se avaliar no processo (relata um monitor que participa da
formação com os pais no projeto de “Formação dos Pais” no CEFFA onde trabalha).
Mesmo reconhecendo que os pais tiveram um papel decisivo na implantação da escola, percebemos em nosso CEFFA que o papel educativo da família foi pouco a pouco sendo deixado por conta dos monitores. Essa diminuição da participação gerou um efeito negativo ao processo da alternância. Ao perceberem os impactos negativos dessa reduzida participação os próprios pais começaram a discutir junto com um grupo de monitores e levaram o problema para a Associação regional. A (RACEFFAES) que atualmente realiza um projeto de formação das famílias. Eu acho que o plano de formação está funcionando, hoje as famílias se formam para melhor compreender, acompanhar e participar do que se passa no interior da pedagogia da alternância. É por isso que apoiamos o trabalho de formação das famílias que não é a meu ver, um problema só do camponês. Muito daquilo que os pais nos perguntam ou se perguntam durante a formação são levadas aos pais pelos filhos ou filhas que estão estudando e discutindo aqueles temas na escola. Mas não é só isso. As famílias também querem entender de ecologia, de economia, de educação e de novas práticas solidárias. Mas também de novas constituições familiares, novas relações entre pessoas, a sexualidade, o problema das drogas, novos comportamentos, o computador. As novidades que entram no cotidiano como: o celular, a moda, a novela, o funk. (F3).
160
Os tempos mudaram, mudou o modo de acesso às informações, não há modelos a
seguir, receitas a copiar. É tarefa dos pais reinventarem maneiras de educar seus
filhos, o diálogo permanente aliado à busca de informação “encontrando parcerias
solidárias semelhantes aos seus propósitos” (CRUZ, 2004, p. 112). É preciso
repensar a composição familiar ocidental sedimentada em nossas mentes. Noutras
sociedades, mesmo vizinhas, legaliza-se o casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Em breve esse será um tema em que deveremos nos posicionar. Será preciso
mudanças significativas nos conceitos e valores arraigados em nossa cultura. E
então, como ficam as certezas num tempo em que as certezas caem por terra?
Para Costa:
Trata-se de um tempo em que são colocadas sob suspeita boa parte das certezas edificadas ao longo dos cinco últimos séculos, ao longo da modernidade. Os sistemas explicativos, as verdades estabelecidas, as metanarrativas, colocam-se sob completa suspeição. Há mudanças radicais não apenas nas formas de pensar sobre o mundo, mas nas formas como o mundo se organiza e funciona, nas formas como ele é gerido, nas formas como o habitamos. As mudanças nos modos de vida decorrentes das novas tecnologias (telemática, informática etc.) indicam transformações, inclusive, nas nossas formas de sermos humanos [...]. Estaríamos radicalmente inscritos na história, em permanente recomposição e reinvenção de nossas identidades. (Costa 2002, p. 149-150).
É tempo de viver a era planetária, em que os novos acontecimentos, fatos e
fenômenos inserem o homem na cotidianidade e na complexidade da vida social, a
novidade chega e passa a fazer parte da vida social com uma rapidez estonteante
(Morin, 2004). As novidades chegam como rápida e simultaneamente. Enquanto se
incorpora uma novidade, outra chega sem intervalo. Um tempo em que o sujeito
“encarnado” do velho espera por um novo que traga mais respostas do que
incertezas ao seu viver.
O processo de ensino-aprendizagem no CEA não é trivializado, isso porque à
medida que se torna objeto de preocupação central do educador. A abordagem
pedagógica está articulada a todo um projeto que envolve princípios inspirados
numa filosofia de educação que tem na sua base a visão do humano. O que se
comprova na fala de um monitor:
Eu já trabalhei em escolas urbanas de redes municipal e estadual. Lá os conteúdos já são predeterminados no livro didático. Ao professor cabe repassar a matéria pedir que façam os exercícios ou deveres e aplicar provas. Quem ficou acima da mínima tudo bem, quem ficou abaixo vai para
161
a recuperação. Como a tal recuperação é mal feita o azar é do aluno e pronto ou então o aluno é promovido sem aprender. O professor se situa num outro patamar e não há diálogo com o aluno e nem com os pais. Os problemas de aprendizagem não são tratados, não há diálogo entre os professores é cada um pra si. Eu não gostava de ser professor e pensava em abandonar tudo. Foi ai que me convidaram pra trabalhar numa escola que utiliza a pedagogia da alternância no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil o MST. Logo no início me apaixonei e me envolvi me reanimei continuar “professor”. Aqui não se fala na escola isolada mas num bloco de escolas porque fazem parte de um projeto educativo e social mais amplo. Aqui nada se faz no isolamento. Somos chamados de professor e temos algumas diferenças dos CEFFAs e das Escolas Famílias do MEPES. Mas a filosofia participativa com ênfase no comunitário ou no coletivo, a alternância, a abordagem da aprendizagem, a concepção de desenvolvimento local, de agricultura, de ecologia, e do campo são semelhantes aos CEFFAs. (F10).
De acordo com o relato do professor F 10, o trabalho com a pedagogia da
alternância é diferente do modelo de educação predominante no meio rural que
distancia a criança e o jovem do seu meio, seus valores e ignora suas
especificidades. Já na escola da alternância os conteúdos se revestem de
significado para os alunos. O trabalho do monitor nesse processo que trata do
ensinar e do aprender são dimensões criativas, interativas e contextualizadas numa
busca permanente de integração ao contexto. O trabalho do monitor se inscreve no
processo de participação interativa que também é auto-formativo, confirma o monitor
F 8.
Quando comecei a trabalhar com a pedagogia da alternância eu me entusiasmei. Eu fiquei muito empolgado de ver alunos, ex-alunos e os pais participando. Só achava “difícil” as reuniões aos sábados. Eu queria que tudo ocorresse durante a semana. Aos poucos fui percebendo que para a comunidade e os pais dos alunos o sábado era o dia melhor porque dava mais condições aos pais de se reunirem. Então eu tenho reuniões quase todos os sábados na escola.
O trabalho do monitor, ou do educador de um CEA, não é algo mecânico e
desestimulante. Ao contrário, ele se reveste de sentido, pois também é um fazer
constante e criativo. Os saberes trabalhados estão sempre articulados a uma “leitura
crítica” da realidade e sempre contextualizados. O CEA não é uma instituição neutra
e distante dos conflitos sociais.
Nesse sentido, Barros (apud MAGALHÃES 2004, p. 94) alerta que “para pensarmos
diferente do que pensamos, é necessário conhecermos as condições históricas que
nos levaram a ser o que somos hoje, produzindo ruptura nas evidências”. Trata-se
de uma prática pedagógica baseada numa busca constante da problematização da
realidade e processos de produção de sujeitos comprometidos com a transformação
162
de si mesmo e do seu meio social. Esse diferencial é assim percebido pelo monitor
ao afirmar que:
Não estou na escola por acaso, sou ex-aluno e escolhi trabalhar na escola para ajudar no desenvolvimento local, não podemos estar na escola e esquecer de tudo o que ela pode fazer para desenvolver, ajudar as pessoas a crescerem a aprenderem a organizar, a tornarem-se autônomas, para resolverem seus problemas. Meu trabalho nasce do contexto e se volta para ele. Pra mim, desconsiderar o que se passa no contexto onde vive o aluno em alternância é negligenciar ou deixar de lado a sua realidade e abraçar outra que não tem nada a ver com ele. Isso a meu ver não faz sentido. (F3)
Isso demonstra uma prática educativa que considera a realidade como algo não
compartimentado e em constante movimento de construção histórica dos sujeitos do
campo objetivando uma escola.
[...]que contribua para a formação humana, emancipadora e criativa da pessoa; orientada por princípios de justiça e solidariedade. Que assuma, de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente como instrumento de um projeto de desenvolvimento do campo (SILVA, 2003, p. 243).
A discussão acerca de educação em alternância do campo e o do enfoque
pedagógico dos CEAs nos remete à compreensão dos seus objetivos de formação,
tanto no nível do ensino fundamental quanto no nível do ensino médio profissional.
Se o enfoque da pedagogia da alternância prioriza o contexto, como situar as
práticas pedagógicas em relação às dimensões micro e macro do conhecimento?
Nesse sentido, o monitor do ensino médio comenta:
As notícias que temos do desempenho de nossos ex-alunos e alunas em concursos, de vestibular não são ruins. Mas a preparação para o vestibular não faz parte dos nossos objetivos de formação. Nesse jogo onde não se pode ser neutro, trabalhamos com uma outra filosofia que prima por parâmetros de qualidade numa formação geral e específica com um currículo flexível constantemente problematizado. Acho que não se pode dizer que oferecemos um ensino fraco. Ao contrário, digo com toda a convicção que nosso ensino é intenso, que nosso aluno recebe uma formação qualificada e torna-se mais consciente até mesmo para decidir se quer ou não continuar seus estudos. (F. 12).
Uma educação de qualidade passa pela garantia de acesso aos conteúdos
produzidos historicamente e sua consequente contextualização. Isso é fundamental
para que os trabalhadores do campo possam construir seus projetos, formas de luta
e de desenvolvimento local.
A luta dos trabalhadores do campo, da agricultura familiar, dos pequenos
proprietários, dos assentamentos e da pecuária em pequena escala, tem o seu
163
contraponto nos setores da agricultura patronal, da agricultura e pecuária em larga
escala, de amplo acesso ao crédito. É o setor que domina, não apenas o acesso ao
crédito, mas também as modernas tecnologias de produção, da genética, de
gerenciamento, da produção e de informações do mercado. Nesse processo em que
o saber-poder ou de poder-saber, jogam um jogo dos grandes contra os pequenos.
Também não podemos dissociar educação e política e vê-las como práticas sociais
independentes, pois ambas são faces de um mesmo processo. Em relação a isso,
afirma Barros (1997, p. 210):
Prática pedagógica e prática política não constituem pólos distintos a serem articulados. São práticas que vão se ligando e produzindo no social. Um momento não antecede o outro. O discurso sobre a especificidade do pedagógico reafirma o liberalismo e o tecnicismo pedagógico a que a proposta histórico - critica diz se opor.
O domínio do conhecimento, da tecnologia e da informação está intimamente
articulado ao saber-poder nas relações sócio-culturais, políticas e econômicas. A
luta dos educadores pelos avanços na educação é uma luta pedagógica e política.
Nesse sentido, Frigotto (2001) afirma que a luta da escola, na sociedade capitalista,
é fundamentalmente uma luta pelo conhecimento e da sua articulação com os
interesses de classe. O autor ainda acrescenta que sendo a escola um local de
disputa, a classe trabalhadora (incluindo aí o camponês), tem interesse na qualidade
do saber que se pode desenvolver e veicular através dela e o que se deve discutir é
basicamente é: qual a escola se articula com os interesses dessa classe?.
Basta ver o cotidiano de nosso centro. Nossa abordagem é diferenciada porque o estudante não é tratado como aluno. Também eu não sou um professor. A relação entre os estudantes dentro da política de formação da pedagogia da alternância tem o foco na pessoa em formação, as atividades partilhadas têm a mão e a co-responsabilidade de todos. Todo mundo está envolvido contribuindo nas tarefas de dentro e de fora da sala de aula. Também o aluno em formação vai percebendo que não somos uma escola da exclusão e da reprovação. Aqui se o estudante tem problema de aprendizagem ou algum outro problema, não importa qual, ele não é deixado de lado ( F1).
O CEFFA é uma escola preocupada com a realidade do campo e nela inserimos o
camponês e todo o mais que introduz uma diversidade naquilo, que de modo mais
amplo, chamamos de mundo rural porque hoje “preferimos falar mais de integração
do que de antagonismo entre a cidade campo” (F1). Cada vez mais se percebe que
o camponês não quer se privar de recursos que lhe permitem melhorar a sua
qualidade de vida e também sua sintonia com o mundo mais amplo. O homem do
164
campo se situa cada vez mais ante aos desafios de não ver seus valores e seus
costumes serem devorados ou obscurecidos por valores alienígenas (CRUZ, 2004).
Ao mesmo tempo, ele quer melhores estradas, melhores meios de comunicação,
quer viver em rede, conectado com os outros meios sociais que não os do campo.
Atualmente, o mais simples camponês em qualquer parte do mundo, segundo
Briffaud (1989), não quer o isolamento nem o distanciamento das conquistas
advindas do progresso. A vida conectada ou a vida solidária é uma vida em rede, a
pessoa apóia-se na outra, no coletivo e nos diversos coletivos entre si. Por isso na
Bélgica, Paises Baixos e na França, criou-se uma política pública de promoção da
relação entre os vizinhos.
Segundo Briffaud (1989), são práticas solidárias em que se forma uma espécie de
rede que ao mesmo tempo em que se busca desenvolver práticas de integração e
de qualidade na convivência com o vizinho, se tem também um outro vizinho que
procura fazer o mesmo em relação aos outros, numa atividade circular.86.
Se olharmos práticas da filosofia do cooperativismo incentivado pelas EFAs no
Espírito Santo, perceberemos que essa já é uma prática relativamente conhecida
pelos trabalhadores rurais que tentam organizar-se nos diversos movimentos sociais
do campo: associações, Comunidades Eclesiais de Base, cooperativas e sindicatos
de agricultores, coletivo de mulheres, movimentos de reforma agrária e de
assentados.
Há também outros movimentos de igrejas não católicas voltados para o
desenvolvimento de práticas de difusão de conhecimentos, informações, técnicas e
experiências bem sucedidas, na produção, na comercialização, no estabelecimento
de parcerias na agricultura orgânica, e no cuidado de rios, florestas e em novas
práticas relacionadas ao cuidado de si e dos outros. Encontramos vários exemplos
que podem ser vistos em vários projetos apoiados pelo MEPES, por igrejas, e em
diferentes esferas do poder público municipal ou estadual. Esses projetos, abrem as 86 Na Bélgica onde vivemos por quatro anos, assistimos a uma campanha nacional pelo rádio e pela televisão, com o tema: “dê bom dia ao seu vizinho”. Num programa de rádio (a rádio Bel-RTL), o radialista sempre perguntava: “já deu bom dia ao seu vizinho”? ou “o que você fez hoje para o seu vizinho”? Em que pese a necessidade desse tipo de campanha em sociedades muito individualistas como na velha Europa, onde a densidade demográfica permite sempre ter vizinhos por perto, o que pode, para muitos, não significar nada, destaca-se todavia, a importância de políticas públicas que promovam a integração, a solidariedade e a qualidade de vida.
165
escolas para reuniões de formação; de produção de remédios caseiros; de
distribuição de mudas de plantas, sementes, ervas e plantas medicinais e até para o
cultivo de hortas e viveiros comunitários.
Primeiro forma-se um coletivo preocupado em buscar soluções em conjunto, em torno da idéia de conhecer e utilizar plantas medicinais. Ai vemos a primeira atitude de começar o projeto. Cada comunidade vai dando o seus retoques regionais. Aprende-se muito com isso. Não há como dissociar disso outras práticas solidárias de cultivo, de incentivo ao desenvolvimento da agricultura em pequena escala, que acaba sempre na criação de uma horta comunitária, de pequenas hortas domésticas ou mesmo do cantinho medicinal na casa dessas trabalhadoras rurais. (monitor F 11).
Uma das políticas visíveis em todos os CEAs e presentes no discurso dos diferentes
monitores entrevistados diz respeito à educação para a prática da agricultura não
convencional em que são usados “venenos” e adubos agroquímicos. Ensina-se e
demonstra-se nas visitas de estudos feitas nas propriedades, uma nova postura
diante das práticas que destroem a vida, a natureza e fomentam o espírito do lucro,
da exploração da terra, sem a preocupação com as gerações futuras.
Nesse caso, quando o jovem ou a jovem estudante questiona a postura dos pais
sobre o uso de técnicas nocivas ao meio ambiente, evidencia efeitos do processo
ensino aprendizagem com ele trabalhado. Esse estudante está recriando novas
formas de conceber e intervir no mundo agrícola. Trata-se do desenvolvimento de
uma cultura da resistência à práticas hegemônicas, mas também da abordagem da
natureza que inclui a noção de cuidado.
Acrescentamos o cuidado com o lixo, as garrafas pets, a destinação do óleo usado no trator, da cozinha e até da moto, a destinação dos vidros e das garrafas vazias, das pilhas, a reciclagem e o aproveitamento do lixo orgânico, que não chamamos mais de lixo. Nesse sentido o conceito de destruição do lixo que não é nenhuma destruição, pois, nada se destrói, trata-se apenas de mudar a forma de maltratar a natureza, muitas vezes com a queima de plásticos, óleos e papeis. Então para evitar a palavra destruição em suas várias formas, preferimos substituir o conceito falando de arrumação, organização, reaproveitamento do lixo (F 8).
Trata-se de não fomentar a cultura da obsolescência, do empacotado, da
industrialização. Isso é tido como moderno. Muitos camponeses acabam adotando
uma postura de adoração aos produtos alheios e desprezam os produtos do próprio
meio, tornam-se consumidores de informações e de produtos ligados a uma lógica
alienígena. O indivíduo deixa o lugar de sujeito que lhe é próprio e passa a viver sob
os ditames e os valores impostos pelo grande mercado liberal. Ao negar seu lugar
166
de protagonista e ao tomar o lugar de assujeitado, passa a habitar um outro ideario
de objeto do mercado e do consumismo.
Quando pedimos aos alunos para trazer abóbora, batata doce, mandioca, inhame, frutas e legumes entre outros alimentos, para o seu próprio consumo na escola, eles preferem os produtos industrializados, plastificados porque sentem-se envergonhados de trazer o que produzem nas comunidades e na região. (Afirma o monitor F8).
Diante disso, a família rural não pode congelar os seus hábitos, nem abandoná-los,
deve manter uma postura aberta e refletida sobre a novidade. O trabalho da escola,
envolvendo toda a equipe de monitores, também deve caminhar nessa direção. É
preciso fincar os pés nas raízes das tradições para se construir novos jeitos de
ser/estar no mundo, recriar as “ferramentas” de uso para não tornar vulnerável os
hábitos e costumes do lugar.
Não é só trocar o sapato pelo tênis, o embornal pela mochila, a sacola de pano pela
sacola de plástico, o suco pelo refrigerante. Estamos na era do descartável e do
trocável, tudo está sendo substituído por outro mais industrializado e “moderno”, e
muito mais nocivo ao meio ambiente. Há muita gente no campo e na cidade
entrando adotando a escolha por desinformação e pela intensa propaganda do
consumo.
A formação dos camponeses deve passar pela valorização do que produzem, pelo
desenvolvimento de novas formas de ressignificar seu próprio mundo, sua cultura,
seus costumes, trabalhar sua auto-estima e os valores do campo, inserir-se nas
lutas sociais como sujeitos conscientes e de sua importância como ser humano.
Com relação ao trabalho do monitor e os seus efeitos de aprendizagem, o monitor
F8 após destacar a importância da reflexão, acrescenta que não se pode ficar
somente discutindo, é preciso dar o exemplo. Segundo ele, uma das formas é
demonstrar a sua responsabilidade, o seu compromisso com novas práticas. E diz
“Eu tenho minha pequena propriedade. Nela crio animais, peixes. Eu tenho minha
hortinha e consumo muito do que produzo. Tenho que fazer a minha parte não é”
(F 8).
É importante destacar aqui que a preocupação com práticas de não agressão ao
meio ambiente, com as nascentes, com a agricultura orgânica, com a alimentação,
167
com a criação de animais, com o desenvolvimento local, é antes de tudo uma
preocupação com as gerações, com o coletivo. Traz portando consigo uma
avançada cultura da alteridade.
O monitor F 7 diz:
Participei recentemente de um congresso agro-ecológico. Eu fiquei muito decepcionado e percebi que aqui na escola, estamos muito na frente porque lá no congresso os palestrantes, falavam muito em novas tecnologias, no agrobusness, biotecnologia, no cuidado com o meio ambiente mas tudo concorria para se perceber um novo modo de se ganhar dinheiro com as “novidades da cultura orgânica”. Falou-se até em bio capitalismo, eco capitalismo e eu me perguntava; Como fica as pessoas, o indivíduo, a sociedade, a possibilidade de uma nova sociedade? O foco da nossa proposta de educação agro-ecológica está na integração das práticas ao coletivo. O foco é nas pessoas. A partir dai, ao desenvolvimento de uma cultura da paz e não de uma sociedade fundada nas relações de exploração, no lucro. Procuramos desenvolver uma espécie de eco-democracia.
Nas suas estratégias táticas de vida do/no campo, o camponês sabe que não se
pode negar o coletivo. Ninguém ganha com o isolamento. O camponês de hoje
mudou e vem mudando. Ele quer rapidez, quer encurtar distâncias, quer a melhor
imagem de televisão, a telefonia celular, a internet, as boas vias de transporte para
escoar a sua produção e isso não tem nada a ver com “cultura urbana”.
A interpretação equivocada disso pode levar pessoas do campo a ver o seu meio
social como lugar de atraso, o que pode acabar abalado sua estima e muitas vezes
levá-las a abandonar o campo. Um dos grandes equívocos é pensar que a
proximidade, a rapidez, a estrada asfaltada, o acesso a canais de televisão, a posse
do computador, o acesso à internet, o uso de celular, o trabalho em atividades fora
da roça, são costumes urbanos. Ora, a “desinformação” que leva a tal modo de
pensar e conceber o campo; o meio rural é também uma questão ideológica ligada à
produção social da ignorância e a história que constitui o Brasil contemporâneo; e a
formas instituídas de dominação política e econômica com a consolidação de um
tipo de capitalismo no campo.
O problema do desinteresse do jovem pelo campo é uma questão complexa no
Brasil, e em muitos países que tentam enfrentar e discutir esse fenômeno em
tempos pós-modernos. Esse também é um tema de preocupação das escolas que
trabalham com a pedagogia da alternância não apenas no Brasil, mas também em
vários países.
168
Para Cruz (2004, p. 111):
O trabalho concebido como necessidade natural de efetivar o intercambio material entre o homem e a natureza, [...] e de manter a vida humana (MARX, apud FRIGOTTO, 2002), é parte constitutiva do ser humano, sendo este um direito subjetivo e inalienável. Assim, o objetivo que os alunos e pais devem atingir e não somente estudar a realidade atual, mas também se deixar impregnar por ela por meio do trabalho.
O estudo de Baudoin e Briffaud (1992), apresenta uma pesquisa feita com jovens
filhos e filhas de agricultores na França. De cada 10 jovens consultados 07
gostariam de ir para a cidade e apenas 03 gostariam de ficar no campo. Sobre o
gosto pelo trabalho rural entre os jovens; de cada 10 jovens consultados apenas 02
disseram gostar do trabalho no campo.
Essa difícil missão da escola e da família que forma o jovem para o trabalho precisa
ser objeto de permanente diálogo e de busca de alternativas de ser/ viver no campo.
A família, por um lado, precisa dar continuidade às gerações futuras, proteger o
meio ambiente, produzir a sua alimentação mais saudável, encaminhar o jovem
numa profissão que lhe seja digna e não o massifique. Sobre a questão do
desinteresse do jovem pela vida e o trabalho no campo, diz um monitor:
Acho que há coisas que não sabemos direito como vamos abordar e isso colocamos abertamente para os alunos mas o fato é que não dá pra deixar passar e pronto. Temos que enfrentar. Para mim trabalhar a auto-estima do jovem, os valores éticos, a consciência política estão entre essas coisas. De certo modo é a massificação produzida nos tempos atuais que leva o jovem a ficar desinteressado. Se o aluno não gosta da escola, do trabalho e do campo, temos que primeiro saber o por quê de não estarem interessados e tentar construir meios de formar, se formar e de reconstruir outros valores. Esse é um trabalho da escola em conjunto com a família (F7).
O Brasil sem escolas, o meio rural sempre teve políticas de “produção de ausências”
(CERTEAU, 2001). Nesse sentido, podemos falar de uma política de educação que
produz a desescolarização, que fortalece o latifúndio em detrimento da agricultura
familiar e dos pequenos e médios agricultores. O resultado disso é a exclusão, o
analfabetismo e a criação de pequenas e médias aglomerações urbanas que
abrigam, em sua maioria, os novos pobres expropriados da terra.
O Brasil sem estradas, com políticas de transporte que constrói estradas de ferro e
de asfalto, sistemas de comunicações e rede elétrica para ligar grandes centros
urbanos ou em zonas de alta produção agropecuária e grandes fazendas, ou zonas
de produção de minerais ou mesmo, para destruir florestas de madeira nobre. Por
169
isso a concepção do campo ou do meio rural sem estrada, energia, educação,
serviços de saúde, sem meios de comunicação que não permitem ao camponês
uma vida digna e cidadã é uma concepção distorcida pelo preconceito, pela
produção da desinformação. Integram-se à política das elites à frente do Estado.
Essas políticas deixaram um legado de dois Brasis, que culminou numa sociedade
cindida (PERUZZO, 1994).
De um lado, o Brasil das grandes cidades87 que mantém uma relação centro-
periferia baseada na exclusão, cujos efeitos de pobreza, ausência de infraestrutura e
grandes índices de violência, constituem o verdadeiro Brasil de grande maioria
pobre, portadora do analfabetismo funcional (a mercê do abandono) e do
subdesenvolvimento.
No cotidiano da escola as relações entre o monitor e os alunos é fundada na
autoridade do monitor, mesmo que o monitor não perceba. Se não há sociedade
sem relações de poder, na escola como uma micro sociedade, o monitor tem a
autoridade e necessita dela. Essa autoridade, porém não é baseada nas relações de
dominação é antes um exercício do poder como gerador de afirmação de
subjetividades.
É só não confundir o ambiente de colaboração e de liberdade com libertinagem, nem uma liberdade sem limite. Eu considero uma maneira muito importante de ensinar e de aprender juntos. Estou satisfeito com esta relação, pois a idéia de ter autoridade me dá arrepios. Se defendo a democracia e a liberdade é isto que eu tento colocar em prática. (F3)
È comum escutar do monitor: Minha relação não é baseada na autoridade, mas no
respeito e no diálogo com o aluno. (F8) ou que tem uma relação de autoridade mas,
sem autoritarismo. Eu me torno um colega. Não estou preocupado, pois sou
respeitado sem impor o respeito.(F7)
Os alunos do CEFFA são “bem comportados”, “nossos jovens sabem o que é
normal” (F 9), o que quer dizer que agem da maneira que o monitor aprova, não
manifestando gestos que possam comprometer as regras da escola. A disciplina faz
com que as pessoas não somente façam o que queremos, mas que operem como
queremos (Foucault, 1987). 87 As estatísticas do IBGE (2007), indicam que 84% da população brasileira está nas cidades e 70% da população urbana brasileira, habita nas cidades da costa atlântica. Se incluirmos as cidades de São Paulo e Curitiba que são cidades relativamente próximas da costa. Ou seja, em menos de 30 anos tornamos-nos um país costeiro.
170
Os mecanismos de disciplinamento entram discretamente em jogo para que os
alunos não manifestem comportamentos ou situações que tragam “problemas” para
a escola. Seja os problemas de sala, seja os problemas do conjunto de alunos
noutros lugares, ou os problemas mais caros à desestabilização de um conjunto
historicamente marcado das identidades.
Existe, portanto, um conjunto de regras não escritas, mas que é do domínio do
coletivo e que fazem parte do disciplinamento. Assim, um conjunto de regras
interiorizadas – como não namorar, não fumar, não deixar de cumprir as tarefas, não
se atrasar – e o dever ser cordial, pontual, participativo dentro e fora da sala de aula
refletem um conjunto de regras que determinam o que é normal e o que não é.
Sobre a diferenciação entre lei e norma, Veiga-neto (apud FOUCAULT, 2005, p. 26),
destaca:
Antes que a lei imponha ou proíba pela força explícita, a norma aponta e separa o que é normal daquilo que não o é, ao mesmo tempo em que estabelece os limites toleráveis para os casos desviantes. Como são os discursos científicos que fixam, melhor do que quaisquer outros, essas normas, eles tornam-se também gerais, isso é ao mesmo tempo são apropriados pelo corpo social e dele se apropriam [...]. Nesse sentido os discursos científicos estabelecem, também e até, os critérios modernos para o julgamento moral.
A distinção entre o que é permitido e o que é proibido nas relações entre os sexos
no interior da escola, e intensificada na vida em internato, é fabricada na dimensão
política que as relações escolares abarcam, quando nela se distribuem diferenças
de legitimidade social para o que deve contar na movimentação dos corpos e do
grau de intensidade das interferências discursivas. Dessa maneira:
A questão política se manifesta como decorrente dos diferenciais nas capacidades de cada um interferir nas ações alheias, diferenciais esses presentes em todas as relações que acontecem na rede social (VEIGA-NETO, 2005, p. 26).
Ao falarem sobre o modo de organização da alternância, os monitores procuram
destacar a preocupação de que a escola da alternância é uma escola não
convencional, uma formação que se desenvolve entre dois meios. O modo de
funcionamento da alternância leva em conta a vida ativa do aluno no meio externo.
Constatam-se tentativas de sair da lógica predominantemente escolar. Todavia,
percebe-se que o período passado na escola tem maior importância, tendo em vista
171
as várias dificuldades e limitações para que eles, os monitores, se interem com o
meio de vivência familiar e socioprofissional do aluno.
Aqui na escola o aluno fica o período de uma semana na escola e uma semana no meio familiar. No período de estadia na escola, ele segue um ritmo de funcionamento escolar. No período externo, não temos responsabilidade sobre o aluno que realiza algumas atividades práticas propostas para o período externo. (F2) Nossa escola funciona em regime de internato. Os jovens ficam um período de estudos na escola e um outro período no meio sociofamiliar ou socioprodutivo. Na semana de permanência na escola ou no centro de formação, as atividades seguem um plano elaborado no início da semana. Paralela às atividades pedagógicas, uma série de atividades ligadas ao funcionamento interno são organizadas e distribuídas entre monitores e alunos. (F11) Em nossa escola, o aluno do curso médio profissional tem uma extensa carga horária de estágio obrigatório, um total de 360 horas, haja vista que esses alunos estão em formação profissional. Porém, nós preferimos denominar, ao invés de estágio, de período de atividades com a família. O acompanhamento das atividades externas e/ou estágios não têm sido acompanhadas pelos monitores por falta de recursos econômicos e financeiros da própria escola. Então passamos essas responsabilidades para os pais ou responsáveis. (F13)
A abordagem pedagógica da alternância situa o monitor, e também o aluno, como
atores ativos no trabalho pedagógico desenvolvido no interior da escola. Assim, fala-
se em participação ativa do aluno; no tema gerador; no plano de pesquisa; em
questões provocativas colocadas pelo monitor; em trabalhos em grupo; em
levantamento de opiniões de observações do coletivo; em enquetes; enfim, de
elementos relacionados a um tipo de pedagogia voltada para a ligação entre o que
se passa na realidade do aluno e o que é ensinado por meio dos planos, dos temas
geradores e dos conhecimentos trabalhados na escola.
Eu procuro utilizar de todos os meios que possam trazer a realidade do aluno para
dentro da sala de aula. (F9)
Trabalho com o plano de pesquisa da realidade com socialização em sala de aula. Essa associação é feita a partir de perguntas provocativas dirigidas aos alunos e as atividades de discussão em grupo. Tudo isso a serviço de uma pedagogia ativa na escola. (F7) Começo o meu trabalho a partir de um tema do programa (o que chamamos de tema gerador), indagando os alunos o que eles realizaram, que problemas poderíamos relacionar com o tema gerador da disciplina. Os depoimentos, as questões, as opiniões são muito variadas. Então fazemos um trabalho em grupo para sintetizar e definir os principais pontos a serem trabalhados dentro da minha disciplina naquela semana. (F8) Eu procuro partir dos temas geradores. Os temas geradores surgem após reunião entre todas as escolas da rede de ensino ligadas ao MST. Eles são definidos após a consulta aos alunos, às famílias e às comunidades. Daí desenvolvemos os planos de estudos externos, onde o aluno faz suas pesquisas pessoais e trazem para a socialização em classe. Utilizamos
172
também vários instrumentos didáticos baseados na pesquisa-ação, observação, enquetes na comunidade, participação em atividades externas numa visão de uma pedagogia viva e mobilizante. (F11)
Os monitores concebem os processos de aprendizagem como construção do
conhecimento como algo que vai se acumulando. “A gente pode imaginar a
construção de uma casa onde cada um vai dando sua contribuição”, diz o monitor
(F13). Mas aprendizagem não é apenas restrita à construção; à aprendizagem; é
também à síntese de um processo de problematizar a realidade; de refletir sobre as
experiências individuais, as experiências dos outros, o relacionamento dos
diferentes fatos e situações. Assim, a socialização e a discussão das contribuições
de cada um permitem as trocas, o novo e o enriquecimento dos conhecimentos.
A aprendizagem tem um sentido fortemente orientado para a resposta às
necessidades e o aluno tem um papel de sujeito de sua aprendizagem.
Para mim a aprendizagem tem que partir do particular para o geral e não o contrário. O aluno tem que aprender a pensar, decidir e fazer. Enquanto a escola tradicional se preocupa apenas em aprovar ou reprovar, aqui na escola, quando percebemos que o aluno, a classe não “vai” bem, organizamos uma reunião entre os monitores e decidimos no coletivo como ajudar os mais fracos. (F4) Minha abordagem junto ao aluno consiste em não partir de coisas abstratas, não oferecer esquemas teóricos. Tento criar situações, ir ao terreno, presenciar, colocar a mão na massa. Depois fazemos a ligação com a teoria. É um trabalho que fazemos de modo integrado. (F11)
Trata-se de uma abordagem que prioriza e parte da experiência vivencial. A relação
com o saber nesse caso é focalizada sobre o problema. O método é centrado na
relação educador/educando que não reforça o estatuto normativo pois se apóia no
movimento, na indagação.
O sentido da aprendizagem passa por uma outra dinâmica que permite a
recolocação de novos problemas. A pedagogia problematizadora, no sentido
freireano, articula-se com processos em que se trabalha a realidade, o concreto. O
que possibilita diferentes intervenções, a compreensão e leitura do mundo que é
objeto de transformação e de mudança.
Tenho sempre a preocupação de desenvolver a reflexão a partir das situações concretas, as interrogações, dúvidas trazidas pelos alunos. Para citar o que eu chamaria de situação concreta, eu parto de um exemplo: eu discutia com os alunos a vida social. As diferentes sociedades, os grupos, o trabalho cooperativo, a relação entre os indivíduos. Então eu tomei o exemplo das abelhas e das formigas que são exemplos bem conhecidos dos alunos. Por exemplo: como vivem? O que é uma colméia? Quais são as
173
relações de convivência entre estes insetos e o meio ambiente mais amplo? Dentro das experiências de cada um, escutamos os depoimentos, relações com outros conhecimentos escolares onde os alunos e eu aprendemos coisas novas do cotidiano e do modo de vida das comunidades humanas. Então eu diria que desta forma parte-se do concreto e depois se vai ao abstrato. (F2)
Conceber a pedagogia da alternância na perspectiva da invenção nos remete a uma
filosofia da educação em que o processo de aprendizagem é concebido como
recognição e aprendizagem inventiva. Se no campo da invenção não há receitas
prontas, nem métodos únicos, nada é definitivo, absoluto. Nada está
aprioristicamente garantido (KASTRUP, 1999).
Para mim a aprendizagem tem um sentido. O trabalho pedagógico deve se orientar para a mudança da realidade, deve trazer sempre algo de importante para as pessoas. Para mim uma prática pedagógica descolada da realidade, que não responde às necessidades das pessoas, aos problemas do meio de vida, torna-se simples transmissão e isto para mim é alienação (F1).
Se a aprendizagem desenvolve-se numa lógica diferente daquela preestabelecida
num referencial de programa e que o monitor entra na roda dialógica dos sujeitos
que inventam e reinventam; isso implica a transgressão do papel tradicional do
professor como aquele que se coloca como o centro da aprendizagem. Nesse caso,
os meios pedagógicos utilizados seguem o princípio da metodologia de ensino pró-
ativa. Incentiva-se assim a participação do aluno mediante instrumentos
pedagógicos da alternância, como temas geradores, plano de estudo, pesquisa da
realidade por meio de enquetes, trabalhos de observação da realidade, de execução
e levantamento de experiências vividas. Entretanto, as diferentes falas revelam que
a aprendizagem tenta trabalhar de modo a integrar a relação teoria e prática.
Minha metodologia de trabalho é centrada no aluno. Eu utilizo o método ativo em sala de aula. O aluno é para mim o motor de aprendizagem. É do aluno que partimos: seus conhecimentos e suas experiências, pois é ele quem conhece a sua realidade e suas necessidades. Temos que fazer da sala de aula e da escola um espaço vivo e de construção coletiva do saber. (F3). Minha abordagem metodológica utiliza instrumentos, tais como: pesquisa de campo, relato oral da experiência, relatório sintético sobre fatos. Enfim, atividades que exigem participação do aluno. Temos que considerar o potencial do aluno como alguém que observa o seu contexto, e identifica suas necessidades, elabora questionamentos sobre seu mundo. Ainda no espaço escolar e extra sala de aula temos atividade de aplicação de alguns conhecimentos práticos. (F4)
Os processos que potencializam a participação do aluno desafia o papel do monitor
como mediador de situações que possibilitem que os sujeitos se afirmem num
174
coletivo em que todos agem como criador de caminhos. Ressalta a chamada
aprendizagem circular na qual é impossível hierarquizar. O monitor torna-se
acompanhador, é prudente e usa a cautela necessária para não tomar espaços de
expressão e criação de novas performances. O monitor tem consciência da dinâmica
das relações de poder, ou seja, o poder que enaltece a autoridade pode ser
transformado no poder que afirma práticas de circulação do discurso, de exercício
da alteridade e de multiplicação de autores de discurso.
A semana escolar começa com a revista do caderno de acompanhamento. Isso é feito em sala de aula. Em seguida, divididos em grupos, os alunos fazem a colocação em comum das atividades externas realizadas através do plano de estudos. Dedicamos boa parte do primeiro dia para reunirmos os representantes dos grupos para apresentar a conclusão de cada grupo. Em seguida, discutimos com toda a sala e efetuamos a síntese que é copiada por todos os alunos. As atividades prosseguem com as disciplinas, laboratórios, visita de estudos, atividades de educação física, serões, trabalhos de limpeza das dependências da escola, trabalhos na fazenda da escola e lazer. No fim da semana, preparamos as atividades de alternância externa. (F5)
Se não há alternância integrativa sem um plano de ação, um projeto coletivo que
envolva todos os diferentes sujeitos da escola (GIMONET, 1999), a pedagogia da
alternância deve ser concebida como uma pedagogia do projeto, ou seja, nela
diferentes projetos educativo e/ou formativos se mesclam pois, o projeto do aluno se
articula ao projeto da escola. Não se trata portanto de projetos desarticulados.
Todavia, questionamos: qual é o espaço de manobra da escola para não sucumbir a
processos de desmobilização, descaso, sucateamento que sufocam o trabalho da
escola e repercute no trabalho do professor?
Eu trabalho seguindo as linhas diretivas e ideológicas do MST. Tenho pouco espaço de autonomia. Na verdade, pouco se decide dentro da escola. Acrescenta-se ainda falta de sustentação econômica do Estado. Em resumo, há mais interferência externa e isso enfraquece a autonomia da escola para decidir sobre sua problemática, suas questões econômicas e seus problemas pedagógicos. (F1)
O fato de se ter um projeto não basta é necessário estratégias de ação que apontem
para a autonomia, gestão participativa. Quando esses princípios são desrespeitados,
por quem quer que seja, é preciso reerguer novas bandeiras de luta. Cada CEA
insere-se num dado contexto vivencial e esses centros educativos não são a prova
de crises.
Não trabalho dentro de um projeto explícito. Eu digo que há um projeto implícito com uma lógica compartilhada pelos monitores, mas desvinculadas
175
da família. Acho que as coisas precisam ser mais bem definidas. Por exemplo, as escolas não têm um diretor, isso às vezes atrapalha quando o assunto é hierarquia, autoridade, assinaturas de declarações, conta bancária, enfim, acho que temos que explicitar um projeto, os papéis, os objetivos, prioridades, e isto ainda não faz parte da nossa prática na escola. (F13) Aqui nesta escola não existe um projeto institucional ou pedagógico, explícito como dizem por aí. Mas não dá pra pensar a pedagogia da alternância sem metas coletivas que orienta uma certa direção. É como um plano de metas. Em minha disciplina, eu e os alunos procuramos trabalhar juntos. A unidade dos monitores tem sido difícil, temos problemas de convivência entre nós mesmos e isso de certo modo deixa cada um com sua disciplina entende? (F5).
Cada questionamento precisa ser entendido em relação ao seu contexto, não há
questões universalmente válidas, nem respostas a serem universalmente copiadas.
Também não há universos fechados, problemas sem novas perguntas, criações que
não podem ser recriadas, significações que não podem ser ressignificadas. Para
isso o trabalho em rede dos CEA ajuda a buscar alternativas antes não
experimentadas.
Nesse sentido, encontrar uma escola, um centro que se fechou em si mesmo e
prefere não ouvir, não buscar alternativas, não compartilhar seus problemas e
simplesmente deixar acontecer?. Assim, volta-se a práticas do cada um pra si,
abandona-se o projeto da escola ou a oportunidade de fazê-lo, espera-se que o
governo faça alguma coisa, ou que as soluções de uma crise venham de fora sem
comprometer os sujeitos?. Ora, atitudes como essa não tem nada a ver com uma
escola que se organiza dentro dos princípios de uma pedagogia da alternância.
Pensamos que a escola precisa rever urgentemente seu projeto e interrogar-se
sobre seu modo de gestão, suas relações internas e externas, e buscar caminhos de
um trabalho edificante que passa pela superação dos atuais problemas com o
reencontro urgente das bases de gestão coletivas construídas pelos diferentes
sujeitos e protagonistas da escola.
Processos de gestão coletiva ou co-gestão de co-engendramento, interação em
todos os sentidos e processos de negociações vivos e contínuos. “Sujeitos em
equipe alteram o rumo reversível (e não irreversível) de seu isolamento, de um
processo fragmentado, individualizado, marcado pela competição e quebra das
alianças coletivas. Sujeitos com maior autonomia, co-responsáveis” (BENEVIDES de
BARROS; BARROS, 2007 p. 18).
176
Com relação ao saber, o monitor não é portador soberano do saber. Ele é portador
de um importante saber formal. Suas experiências portam uma visão mais ampla do
mundo (condição oficial para ser monitor). Sua autoridade é reconhecida pelos
alunos, mas seu trabalho é exercido com o objetivo de levar o aluno a partir de sua
realidade a refletir e a exprimir suas conclusões.
Já que o saber não tem dono e já que o saber das pessoas também pode constituir saberes importantes para o meu trabalho, então eu estou num ambiente onde eu e o aluno podemos criar e não apenas repetir o que já está estabelecido no currículo. (F 10) Tenho uma prática de respeitar os conhecimentos, e os valores da cultura das pessoas. Por isso, eu os tomo como principal ponto de partida para começar uma formação capaz de permitir ao aluno vislumbrar seu futuro, de ser alguém que desenvolve sua curiosidade de buscar o conhecimento. (F4) O currículo da escola tradicional estabelece o que é conhecimento válido: é o que consta na grade curricular. Não considera o saber ou os saberes aprendidos da experiência, trazidos pelas pessoas. Você age como se outros saberes não existissem. Aí, sem diálogo, não há espaço para outros saberes. Olha, o trabalho com a pedagogia da alternância nos possibilita ver o outro lado, partir do ponto inverso e mostrar que não apenas há outros saberes também significativos, como também a possibilidade de se dialogarem. (F6)
Ao perguntar a cada um dos monitores sobre a maneira de tratar os diferentes
saberes, constatamos uma polarização das falas no sentido de dar maior
importância ao saber informal. Para os monitores, o saber formal é concebido como
o saber dos livros.
Para mim o saber formal perde o seu lugar quando trabalhamos com os saberes experienciais, como: noções de espaço e tempo, relações sociais, economia, cultura local, conhecimento da natureza e da vida e história local. (F8)
Sem deixar de considerar os conhecimentos aprendidos da vida escolar anterior, os
monitores destacam a importância do saber elaborado a partir das experiências
vividas. Esses saberes devem dispor de um lugar central como ponto de partida e de
chegada. A escola é vista como o lugar de formalização de novos saberes. O
monitor (F10) destaca também o saber informal como ponto de partida e também de
chegada. Ele é um ponto de passagem na relação prática versus teoria. Nesse
sentido, ele afirma:
Eu sigo a teoria de Freire, que nos aconselha a partir dos saberes anteriores, da dimensão empírica, do cotidiano das pessoas. Eu tento nos momentos de trabalho prático na escola fazer uma ligação com o saber formal. O conhecimento vindo da experiência de vida dos alunos é a mais rica fonte de aprendizagem. Vivenciamos freqüentemente situações “onde” não é necessário buscar uma relação com o saber formal. (F10)
177
O saber não-formal é composto de experiências pessoais e coletivas, de saberes
vindos da tradição cultural (história, valores, hábitos e crenças) e de informações.
Esse saber é aprendido no decorrer da vida. A relação entre os diferentes saberes é
baseada na simples associação entre teoria e prática; essa ligação não se dá de
modo efetivo.
Existe uma compreensão de que a teoria é uma coisa e a prática é outra coisa. O
trabalho do educador consiste em colocar uma para dialogar com a outra. Um
conceito de teoria e de prática diferente da perspectiva foucaultiana que, segundo
Veiga-Neto (2005), não são duas coisas ou coisas separadas.
Procuramos partir das situações problemáticas. Não colocamos nunca a teoria na frente. A teoria nos serve para explicar, compreender e enriquecer nossa prática. Assim, devemos integrar a teoria à prática. Por exemplo, para trabalhar a história dos primatas e das sociedades pré-históricas, nós partimos dos fatos concretos: a família, a comunidade, diversos grupos sociais, etc., do contrário, o aluno terá dificuldades de compreender e de fazer associações mais complexas. (F5)
Procuro em sala de aula relacionar o saber com o fazer. Acho que esta integração é
difícil, pois freqüentemente paramos no fazer. (F2)
O trabalho em equipe entre os monitores é regular e ocorre nas atividades teóricas e
práticas, visto como algo essencial no modo de funcionamento da alternância
integrativa. Isso reforça a coesão interna entre os monitores e permite as trocas
entre as diferentes disciplinas do programa.
O trabalho dos educadores na escola é um trabalho em equipe. Isso está de acordo com os próprios monitores e também com as diretrizes do MST. Na equipe, temos espaço de aprendizagem do coletivo, realizamos trocas de idéias, tiramos dúvidas, nos organizamos melhor e isso nos torna mais solidários. Somos uma família. (F10)
O trabalho em equipe é essencial na viabilização do trabalho interdisciplinar e do
ensino de qualidade.
A equipe pedagógica se constitui um grupo estratégico. Seu trabalho influencia na qualidade do funcionamento da alternância. O trabalho em equipe consegue integrar os diferentes monitores, de diferentes disciplinas, que interagem e isso ajuda na aprendizagem do aluno. (F12). As reuniões de organização do trabalho em equipe “ao nível” dos monitores contribuem com meu trabalho, pois essas reuniões têm mais o objetivo de organizar a vida escolar, decidir e planejar as visitas de estudos, discutir problemas da escola. Isso permite um trabalho de modo que a minha disciplina fique ligada a um tema central ao que chamamos de tema gerador. (F13)
178
Minha filosofia de trabalho na escola é centrada no trabalho em equipe. Na equipe realizamos trocas de experiências, colaboramos e recebemos colaboração. Colocamos os problemas e organizamos o nosso trabalho pedagógico. (F5) Fazemos um trabalho de educação na escola com o enfoque voltado para o desenvolvimento sustentável do mundo rural. Nosso trabalho em alternância não é bem aceito pelas autoridades do sistema educativo oficial. Somos uma escola inserida em um meio social difícil, conflituoso, mas também marginalizado porque somos ligados ao movimento nacional dos trabalhadores sem terra. Nós lutamos por uma reforma agrária verdadeira. Então todos os meus alunos pertencem à família de trabalhadores rurais que lutam por um pedaço de terra. Temos dificuldade em estabelecer parcerias externas. (F9).
A prática discursiva dos monitores evidencia elementos de uma pedagogia da
transformação. Isso reforça o discurso da pedagogia da alternância como uma
pedagogia que intervém nos processos de mudança social. Isso porém não bastaria
para considerá-la uma pedagogia da transformação
A defesa de uma educação que não ignora o contexto, que ao contrário, volta-se a
ele, a relevância dada à participação do/no coletivo, a participação do monitor em
todos os eventos, não apenas os intra-escolares, mas também naqueles em que se
estende o espaço de ação da escola (extramuros) da alternância. Essa participação
concebida como essencial para os monitores entrevistados, inclusive para alguns
deles defendida como militância, evidencia um caráter de uma pedagogia que
ultrapassa o âmbito pedagógico alcançando outras esferas do agir humano. No
interior desse movimento dialógico que exige a interação entre diferentes agentes
escolares e os não escolares, a co-responsabilidade, a partilha do saber e do poder.
Exige também uma outra abordagem de ambos que aponta para a produção de
novos sujeitos que se auto-produzem e se movem, criadores de novos modos de ser
e de estar no mundo. O discurso dos monitores da alternância parece, todavia,
permanecer num nível ideal não concretizado nas práticas discursivas dos
educadores da alternância. Eis um dos desafios de tornar a pedagogia da
alternância uma pedagogia edificante.
A escola da alternância carrega dentro de si uma não escola (PINEAU, 1999). As
práticas discursivas dos educadores não apresentaram elementos que fortalecem a
alternância pedagógica demonstrando que as práticas estão demasiadamente
circunscritas ao interior da escola. Se um dos elementos de força da alternância é a
pedagogização do/no espaço extra-escolar, o discurso dos monitores precisa ir mais
além e considerar a estadia fora da escola como período espaço-temporal que
179
dialoga, interpela, se interpõe ao que se passa no interior do escola. A pedagogia da
alternância está também naquilo que faz caducar a escola intramuros. Ela desafia a
escola a sair de dentro de si e a interagir com o mundo exterior quebrando seus
muros e acontecendo conjuntamente. Anuncia, assim, uma outra escola que ajuda a
inaugurar novas alternativas de escola/educação e sua relação com o mundo. Esse
desafio da alternância como uma pedagogia não escolar está posto aos monitores.
Reconhecendo que uma pedagogia que não considera a interdisciplinaridade, que
não a insere num projeto de ser e estar no mundo é uma pedagogia sem futuro. A
interdisciplinaridade destacada como uma abordagem do saber necessário ao
desenvolvimento da pedagogia da alternância apontada como necessária ao
trabalho interno desta pedagogia não pode ser tratada isoladamente de sua
dimensão mais ampla a transdisciplinaridade. É a transdisciplinaridade que convida
para a transgressão do disciplinar e que ultrapasse o interdisciplinar. Um elemento
ainda desconcertante nas discussões da escola que quer no hoje iniciar o amanhã.
Alternância para o desenvolvimento e o desenvolvimento da alternância é um
caminho de mão e contramão que vem sendo percorrido pelo ensino em alternância
no Brasil. Parece todavia, ser de grande atualidade o que Nosella (1977) e
Rodrigues (1999) alertaram: a alternância não é nem pode ser tomada como uma
pedagogia pronta, importável e exportável. Venha de onde vier ela não possui um
modo de usar. Qualquer tentativa de colocá-la acima da história, contexto cultural,
dos valores e das tradições regionais pode converter-se num erro grave. A
pedagogia da alternância somente ganha valor quando re-apropriada criticamente e
reinventada pelos atores locais.
O trabalho em equipe é indispensável, enriquecedor e estimulante, mas corre o risco
da mistificação. A mistificação do coletivo, da equipe, não pode obscurecer o
individual, o sujeito não pode perder a condição do sujeito e tornar-se um
assujeitado. Não há uma concepção única de alternância no ES e muito menos no
Brasil.
180
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordamos nossa problemática de pesquisa por três ângulos complementares: no
primeiro ângulo foi feita uma abordagem a partir do contexto de produção discursiva
e a sua influência sobre as práticas discursivas em alternância; no segundo ângulo,
uma abordagem examinando se as diferentes produções discursivas sistematizadas
acerca da alternância, a integração entre os agentes, a metodologia, a relação entre
os sujeitos e a articulação da dimensão teórico-prática evidenciam elementos de
reprodução ou de diferenciação na pedagogia da alternância. E finalmente, no
terceiro ângulo, uma abordagem interrogando, a partir do discurso dos educadores
do/no ensino em alternância, se as práticas discursivas contribuem para uma
pedagogia do presente.
As análises dos dados expressos no discurso dos educadores e seus respectivos
agrupamentos nos permitiram assinalar que as diferentes práticas pedagógicas dos
monitores são ligadas ao contexto sociopolítico, econômico e cultural dos atores.
Assim, o modo de alternância foi desenvolvido sob formas específicas, cuja
constituição está relacionada às condições históricas, econômicas e políticas vividas
pelos atores em cada contexto. Destacamos também pontos críticos ligados às
concepções de aprendizagem, de alternância, de educação, de modos de
organização e de funcionamento, ao papel atribuído aos monitores, às abordagens
pedagógicas, aos papéis atribuídos aos atores internos e externos que merecem
interrogações, mas que também merecem uma análise cautelosa, visto que a todo
momento corremos o risco de nos remetermos a modelos, formas e limitações no
nosso próprio discurso de “analisador” de uma prática discursiva em movimento.
Em virtude dessas afirmações, apontamos várias considerações que no presente
nos levam a pensar e a criar pensamento. Como diz Foucault (apud EIZIRIK, 2004),
a provisoriedade dessas considerações afirma o sentido de movimento e sua
circularidade. As práticas discursivas na pedagogia da alternância são produzidas no
hoje, para responder o movimento existencial e porque não dizer também
“resistencial” do presente. Nesse sentido apontamos alguns desequilíbrios nos
modos de funcionamento da alternância, na mediação de seus dispositivos
pedagógicos, nos tipos de papeis desenvolvidos pelos monitores e na relação
181
pedagógica no interior e exterior da escola.
Os monitores centralizam os dispositivos pedagógicos da alternância e dão
primazia ao modo de organização escolar que tem sua base no modo de
organização e funcionamento intramuros da instituição. Há um desequilíbrio
entre o papel interno e a secundarização do papel externo dos monitores que
passam incessantemente de uma atividade à outra nas numerosas atividades
internas das escolas: reuniões, aulas, (os serões para as escolas em internato),
visitas de estudos no exterior, trabalhos na propriedade agrícola da escola,
atividades de aplicação de saberes e de limpeza, e arrumação dos espaços de
uso quotidianos de educadores e estudantes.
O desequilíbrio entre esse ativismo interno e externo parece incompatível com
as exigências do desenvolvimento pedagógico da escola da alternância. Nessa
escola o monitor é, sobretudo, um profissional da educação que tem que estar
ciente da dedicação ao aspecto pedagógico da alternância. O deslocamento
provocado pelo ativismo do modo de organização da escola em desfavor de
uma alternância pedagógica, não pode produzir a inversão dos papéis. O ser
menos educador e mais um “faz de tudo” produz uma secundarização ou
trivialização daquilo que se pode constituir numa prática discursiva
efetivamente voltada para um trabalho de qualidade da pedagogia da
alternância.
Ligado ao desequilíbrio acima apontado está a repartição do tempo em
períodos de 50% na escola e 50% no meio exterior, o que permite somente aos
alunos mudarem de meio, ritmo e atividade. O processo alternante vivido pelos
alunos e seus contextos tem uma característica muito diferente daquela dos
monitores. Ao permanecer na escola o monitor não muda de contexto, ritmo,
nem de lógica espaço-temporal, enquanto o aluno parte para o meio externo.
Para o monitor há uma mudança apenas de público com a alternação de
turmas na escola. O monitor vivencia uma alternância diferente daquela dos
alunos, com suas especificidades e peculiaridades, algo que dificulta, segundo
as afirmações dos próprios monitores, a ação externa dos educadores. Decorre
dessa situação que o monitor não consegue cuidar ou cuida precariamente dos
alunos externos e acaba priorizando os alunos que estão na escola.
182
À unanimidade os monitores declaram que na escola da alternância se trabalha
demais. Há necessidade de mais monitores para dividir tantos afazeres do
cotidiano do CEA. Não estaria na hora de se repensar o modo de organização
da alternância? Por que a homogeneização da experiência de uma semana na
escola e outra no exterior? Por que não pensar em alternativas largamente
desenvolvidas em CEFFAs de outros países? Isso poderia influir na tentativa
de equalizar um outro problema: a carência de profissionais (monitores) da
escola.
No que tange às relações entre a escola e o meio externo, os diferentes relatos
não parecem pôr os monitores em posição de força. Há falta de meios, de
recursos humanos e de estratégias específicas da alternância como uma
pedagogia da/na relação escola-meio. O projeto da escola da alternância tem
mostrado suas fragilidades no que diz respeito ao acompanhamento do aluno
durante os períodos de permanência exterior à escola. No meio externo, resta
muito a fazer em termos de acompanhamento, de criação de condições
efetivas para fazer funcionar uma real pedagogia da alternância, nos termos de
que trata Geay, (1994) e Gimonet, (1998).
O papel educativo externo dos monitores evidencia essa fragilidade. Dessa
maneira, a “ajuda” das famílias no processo torna-se uma forma de
imediatismo, dando lugar ao “cada família faz o que pode” ou o que é possível
fazer, sem nenhum projeto com linhas claras de integração entre a escola e a
família. Examinando as diferentes modalidades de alternância, principalmente
aquelas não integrativas, que além de se organizarem em torno de um único
pólo, dicotomizam também a relação teoria-prática numa espécie de pseudo-
alternância, indagamos: se a família representa um dos pilares da filosofia de
educação da pedagogia da alternância é então necessário que os monitores
revejam, com urgência, os fundamentos de suas práticas para superarem
práticas discursivas que excluem ao invés de incluírem.
Enfocando ainda a relação com o meio externo, vemos que o modo de
funcionamento da alternância que obriga o monitor a se dedicar quase
exclusivamente à organização interna da escola não favorece a integração
entre os monitores e os agentes externos, por exemplo: as famílias, as
183
comunidades, empresas, cooperativas, sindicatos entre outros. Interroga-se
sobre as possibilidades de se desenvolver uma pedagogia de parceria sem
uma agenda das atividades externas, sem um tempo previsto na carga horária
do monitor para as atividades de acompanhamento externo. Sem as condições
propiciadoras, sem um tempo assegurado, torna-se difícil desenvolver uma
efetiva parceria num contexto de relações, de diálogo e de interesses
diferenciados e, portanto complexos.
Uma outra consideração se refere ao número de monitores temporários
contratados que vem aumentando progressivamente nos últimos anos, paralelo
à diminuição de monitores efetivos das escolas. Isso faz parte de uma política
de governos estaduais e municipais, e configuram o modo pelo qual os
diferentes governantes tratam as questões da educação no nosso país.
Todavia, nas escolas da alternância o impacto dessas políticas de
sucateamento é maior e mais grave. O quadro só não fica pior devido ao fato
de as escolas da alternância trabalharem com diferentes formas de
colaboração chamadas de parcerias, no modo de organização e funcionamento
da instituição, na gestão coletiva das atividades internas da escola. Isso tem
feito a diferença. Mas até quando essa situação criticada pelos próprios
monitores perdurará?
O conceito de parceria, termo muito comum na linguagem dos monitores, faz
parte da política da pedagogia da alternância. Mas o que significa parceria
quando as práticas são confundidas com a simples colaboração? A grande
maioria dos monitores não tem em conta a complexidade do conceito como a
co-responsabilidade, a partilha do saber-poder, o aproveitamento das
diferentes potencialidades dos diferentes parceiros. Enfim, as parcerias
mencionadas nas falas dos monitores é mínima e restringe-se ao trio monitor
pais e alunos. O que não é suficiente nem coerente com os princípios da
filosofia dos CEAs mencionados neste trabalho.
No que tange ao papel da família no processo educativo, alguns monitores
questionaram o nível de engajamento das famílias. A pedagogia da alternância
praticada com os camponeses no Brasil é na maioria dos CEAs (dentre eles: os
CEFFAs, as EFAs, os CFRs, CdFRs), ancorada na família, mas se de um
184
lado, os monitores ocupam um demasiado espaço em todo o processo
educativo, inclusive ocupando o espaço das famílias, do outro os mesmos
monitores criticam a não participação da família no processo. Eis ai uma
contradição à medida que os próprios monitores fazem o discurso da inclusão,
mas na realidade, não facilitam a participação efetiva e autônoma das famílias.
Se as famílias são parceiras, é necessário que elas se façam presentes em
todo o processo de formação. Nesse caso, se as condições sociopolíticas e
estruturais de exercício das atividades se concentra nas mãos dos monitores,
como garantir a participação efetiva das famílias? É necessário que se discuta
a “ausência”, ou a falta de “engajamento” das famílias a partir do ângulo da
resistência a formas de poder que aponta a luta por novas formas de exercê-lo
na pedagogia da alternância.
No que tange à formação do monitor se converge a idéia de que a formação
inicial deve ser acompanhada da formação continuada dos educadores em
alternância. Esse pensamento se constitui unânime entre os monitores. Porém,
a falta de formação inicial e, em diversos casos, continuada dos monitores dos
CEAs indica pontos de fragilidade que deveriam estar no centro das
preocupações dos gestores e ordenadores das políticas de formação dos
educadores da alternância. A formação inicial e continuada dos monitores é
uma exigência do presente.
Os desafios da formação inicial e continuada vão ao encontro da questão da
relação entre a produção acadêmica na área da alternância e o seu acesso por
parte dos monitores. Um problema que precisa se tornar objeto de discussão
local, regional e nacional com iniciativas que coloquem ao alcance dos
monitores o conhecimento produzido na área, para que os educadores possam
compartilhar e se apropriar de uma literatura pertinente à pedagogia da
alternância e aos problemas vividos pelas práticas educativas do campo.
A abordagem pedagógica da pedagogia da alternância tem a sua base nas
pedagogias ativas, emancipatórias, pós-construtivistas, e outras leituras das
tendências pedagógicas que apontam para as lutas e os embates que buscam
mudar, transformar a realidade. Os relatos permitiram-nos considerar o
185
conjunto das práticas influenciadas das pedagogias construtivistas, nas quais a
primazia da produção individual ou coletiva do saber tem um sentido mais
importante do ponto de vista pedagógico do que o consumo de informações.
Para além do construtivismo, as diferentes experiências de aprendizagens e
vivências são, em certa medida, objeto das discussões e das problematizações
da própria educação em alternância. Essa percepção e modo de tratar a
aprendizagem na pedagogia da alternância nos levam a considerar a
aprendizagem como produção de saberes e de valores vinculados às
necessidades da sociedade local.
É necessário levar em conta o contexto (a realidade vivida) dos alunos, os
estudos pessoais e coletivos, o reconhecimento dos saberes, as discussões e
interações entre os alunos e entre os monitores. Tudo isso destaca uma
abordagem da aprendizagem que permanece aberta. Isso nos parece um
ponto de força e um potencial de inovação na pedagogia da alternância.
Considerações acerca dos pontos de força das práticas discursivas da/na
pedagogia da alternância.
Nos diferentes relatos desta pesquisa, uma grande
importância é dada ao trabalho em equipe entre os
formadores e os estudantes, na interação social e na
socialização das experiências entre os alunos, destacando-
se uma filosofia de socialização do saber e do saber-fazer no
interior da instituição. Essa filosofia que subjaz o trabalho em
equipe em todos os níveis, com os conteúdos emergentes do
meio dos estudantes e centrados numa perspectiva de
abordar o saber como inacabamento e em constante
evolução, evidenciam práticas de diferenciação e não
reprodução na pedagogia da alternância. Portanto,
elementos de uma pedagogia do presente.
A aplicação de diferentes instrumentos metodológicos,
186
sempre tomando como ponto de partida o "plano de estudo"
e a "colocação em comum". A partir da “colocação em
comum”, a maneira de tratar os outros instrumentos, os
temas, e o modo de conduzir as disciplinas são semelhantes
entre as escolas. Todas as falas, porém, demonstraram que
mesmo desenvolvendo instrumentos diferenciados, a
preocupação com a aprendizagem está ancorada na
problematização e na busca de compreender o mundo
partindo do próprio contexto.
Um conceito de educador (o monitor) com um papel de
acompanhamento dos estudantes. A abordagem diferenciada
do processo ensino-aprendizagem, o processo educativo que
se movimenta em direção à mudança, a experiência do
coletivo como exercício do político destaca-se como inovação
na pedagogia da alternância.
Um ponto de forte consideração na pedagogia da alternância
está na questão metodológica. Assim, uma metodologia em
que a função do monitor é a de estar junto, que efetivamente
desempenha o papel de mediador das relações propiciadoras
de reflexão, de diálogo de acesso ao conhecimento que
representa uma via importante de superação das abordagens
pedagógicas tradicionais centradas no professor.
O ensino ou a formação é compreendido para além de uma
perspectiva da simples transmissão. O monitor não detém o
saber para transmiti-lo aos alunos. Não há um programa
fechado a ser seguido de maneira inflexível. A aprendizagem
tem um sentido fortemente orientado para a mudança das
pessoas e do meio.
187
Outros pontos a destacar
As práticas pedagógicas em alternância no contexto estudado pressupõem a
existência de divórcio entre os saberes formal e não-formal. Os livros e os
textos são tratados, de modo secundários, tal é a força dada ao saber não-
formal. O risco nesse caso é o da mistificação ou do superdimensionamento do
saber do senso comum e em contrapartida o subdimensionamento do saber
formal. Qualquer tentativa de priorizar uma das duas formas fortalece a falsa
dicotomia entre essas duas formas de saberes.
A questão da prática-teoria ou teoria-prática vista como aspectos diferentes no
discurso dos monitores, precisa ser superada por um discurso que ultrapasse a
dicotomia. Isso sim, numa linha edificante, pode possibilitar novos caminhos de
uma abordagem que não trate a relação teoria e prática como dicotomias.
Na alternância pedagógica, altera-se o olhar do outro. A abordagem da
aprendizagem está voltada para as relações de alteridade. Nesse caso,
abandona-se a lógica das prescrições, desenvolve-se objetivos, projetos, novas
relações e papeis diversificados. A pedagogia da alternância com sua
especificidade pedagógica destaca-se como uma abordagem preocupada com
a articulação das relações entre os dois meios e se abre a novos modos de
ser/estar no mundo.
Entre os treze formadores entrevistados, apenas um (o monitor F1) enunciou
claramente a existência de um projeto político pedagógico e a sua importância
como orientador dos objetivos a atingir na organização e na condução do
conjunto das atividades da escola onde atua. No entanto, ainda que os outros
monitores não tenham mencionado a palavra projeto pedagógico ou político,
pode-se perceber a sua existência porque as práticas relatadas o
demonstraram: uma maneira de conduzir e os objetivos a atingir. Uma
formação geral por meio de disciplinas que obedecem à legislação nacional e
uma parte que concebe uma educação ligada à realidade rural. Existe, por
conseguinte, um projeto implícito, qual seja o projeto da pedagogia da
alternância.
Encontramos diferenças entre as expectativas dos monitores em relação ao
188
papel dos pais. Por exemplo, os que subestimam o papel dos pais,
considerando-os simples extensão do monitor em casa: "zelar para que os
alunos possam fazer os deveres sem erros, os trabalhos externos" (F 5). Há,
porém, na maioria dos casos, os que consideram os pais como portadores de
conhecimentos vindos da experiência, enfim, possuidores de conhecimentos
não escolares para ensinar às crianças, aos jovens. Isso evidencia a
necessidade de se ampliar a discussão do papel educativo dos pais e co-
educativos de outros agentes sociais ante a novas abordagens dos saberes na
pedagogia da alternância. Na esteira dessa discussão está a
transdisciplinaridade.
A transdisciplinaridade é uma atitude filosófica ante ao saber humano e
articula-se a uma abordagem não positivista do conhecimento e uma abertura
ilimitada aos múltiplos saberes não formalizados, sobretudo aqueles vindos do
saber popular e da tradição. O caso registrado nesse estudo, trata-se de uma
consideração inovadora dos saberes do homem do campo. Essa atitude
presente no discurso dos monitores é também expressa na metodologia da
alternância principalmente no instrumento denominado “plano de estudo”. Isso
remete a uma abordagem específica da questão não prevista em nosso
objetivo de pesquisa. O que ao nosso ver exige um estudo específico.
Hoje os CEAs, os CEFFAs e as EFAs, enfim, as escolas que trabalham com a
pedagogia da alternância tendo obtido o reconhecimento através de lei do
Conselho Nacional de Educação, não conquistaram ainda a valorização por
parte do Estado. A valorização é bandeira de uma outra luta ainda a ser
travada pelas diferentes escolas que trabalham com a pedagogia da
alternância e passará sem dúvida, por discussões acerca da formação e do
papel do educador. Uma discussão polêmica que se anuncia, pois o nome
“monitor” não é um nome consensual no próprio interior dos CEFFAs, nem vem
conquistando espaço na literatura pedagógica acerca da formação do professor
no Brasil.
A escola da alternância no Brasil jamais se beneficiou de facilidades, e
participa das dificuldades semelhantes às de outras instituições que lutam por
democracia, direitos civis e educação do camponês. O problema do baixo
189
salário, do atraso, da instabilidade profissional e da precariedade de recursos
financeiros mostra que o projeto da pedagogia da alternância se fortalece na
adversidade, apesar das dificuldades a nós relatadas e daquelas que
conhecemos, porque não estamos distantes e sem diálogo com as escolas e
principalmente com os monitores, evidencia a resistência ou re-existência
dessa escola.
Os formadores assinalaram várias vezes o problema da idade dos alunos e
indicaram motivações e abordagens pedagógicas diferenciadas. Eles têm uma
idéia de uma aprendizagem que evolui com a idade. Verifica-se, entretanto que
os instrumentos da pedagogia da alternância são adaptados mais a uma
metodologia de formação de jovens e de adultos. Por conseguinte, os
estudantes que têm mais de 14 anos são mais adaptados a essa metodologia,
a essa modalidade pedagógica. Isso a nosso ver deveria suscitar o debate
sobre a pedagogia da alternância no Brasil, pois, as experiências educativas
vêm se multiplicando justamente junto ao público infantil e pré-adolescente e é
junto a esse público que a pedagogia da alternância vem se expandindo em
grande escala no Brasil. A escola da alternância abre suas portas para um
público que precisa de educação escolar, que quer estudar e habitam em
contextos em que o estado e as políticas públicas de educação não se fazem
suficientemente presentes.
A questão que se coloca, então, está na urgência de se discutir sobre o público
alvo da escola da alternância principalmente, mas não exclusivamente o
público infantil e pré-adolescente independentemente da presença ou ausência
de políticas públicas no meio rural ou em qualquer outro lugar. Outros estudos
acerca da alternância principalmente na Europa, demonstram que a educação
em alternância não é uma modalidade educativa que se desenvolve apenas
junto aos adolescentes e aos jovens camponeses, mas também aos jovens e
adultos do meio urbano.
Todos os formadores do CEA entrevistados são originários da mesma região
onde se encontra a escola; são também ex-alunos. Não há dados suficientes
para afirmá-lo com segurança, mas esses critérios parecem fortemente
considerados para ser formador num CEA. O relato dos formadores (F2), (F4) e
190
(F6) vai nesse sentido. A esse respeito, o formador (F2) considera um ponto
positivo porque conhece as pessoas, as suas línguas nativas e os seus
problemas; vive na comunidade e conhece as suas necessidades. Os CEAs
parecem não abrir mão desse critério de valor ético.
O conceito de desenvolvimento contido nas entrevistas evidencia o
desenvolvimento humano e social e seus efeitos nas políticas locais. Passador
(2003) e Queiroz (2004 e 2006), vêm estudando esse tema: os efeitos dos
pequenos projetos de desenvolvimento sustentável de um assentamento, de
uma comunidade, de uma família. Os estudos dos efeitos de desenvolvimento
local e regional e sua articulação com iniciativas de educação e formação são
elementos que não apenas reforçam as iniciativas dos projetos educativos em
alternância no Espírito Santo, mas são indicadores de significativo interesse
para se pensar em novas políticas educativas.
Não existe uma pedagogia da alternância em forma de modelo ou tipo ideal.
Pensamos que não existe a priori, modelos pedagógicos no campo da
alternância. Com efeito, é o desenvolvimento da alternância que primeiro os faz
existir. A eficácia e a importância de uma iniciativa educativa em alternância
pertencem aos protagonistas locais. Por isso não existem modelos universais e
eficazes de alternância. As formas educativas são objeto de constante re-
apropriação crítica e construção histórica em cada cultura.
9 REFERÊNCIAS
191
1 ABRAMOVAY, O futuro das regiões rurais. Porto Alegre, UFRGS, 2003
2 ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado ; nota sobre os
aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1983
3 ALVES, Nilda. No cotidiano se escreve uma história diferente da que
conhecemos até agora In : COSTA (org). A escola tem futuro?. 2º Ed.
Lamparina, 2007
4 ALVES, Rosa Cristina Porcaro. Análise de uma Escola Família Agrícola como Proposta Pedagógica para o Meio Rural. UFV, MG, Dissertação
(Mestrado), 1994.
5 ANTOINE F., GROOTAERS, D., TILMAN, F. De L’école à l’entreprise, manuel de la formation en alternance. Collection Chronique Sociale, Vie
Ouvrière, Bruxelles. 1988.
6 ARROYO, Miguel; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna.
(Organizadores). Por Uma Educação do Campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
7 AZEVEDO, Antúlio José de. A Formação de Técnicos Agropecuários em
Alternância no Estado de São Paulo: uma Proposta Educacional Inovadora. UNESP, Marília/SP, Tese de Doutorado. 1999. 192p.
8 BARROS, Maria Elizabeth Barros de. A transformação do cotidiano: vias
de formação do educador, a experiência de Vitória. Vitória, ES: EDUFES.
1997.
9 __________. DE BARROS, R. B. A potência formativa do trabalho em
equipe no campo da saúde, a potência da equipe em situação de trabalho. 2006 (snt). 10 BARROS. De amoladores de facas e cartógrafos, a atividade do
192
cuidado: o outro como a face do cuidado, é possível garantir o direito humano
de ser? 2006 (snt).
11 BAUDELOT, C. e ESTABLET. R. A escola capitalista. Rio de Janeiro,
Hucitec-Siglo Veiteuno, 1977.
12 BEGNAMI, João Batista. Formação Pedagógica de Monitores das Escolas Famílias Agrícolas e Alternâncias – Um estudo intensivo dos
processos formativos de cinco monitores. Brasília, UNL: 2004. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
13 __________. Pedagogia da Alternância como Sistema Educativo. In:
Revista da Formação por Alternância. União Nacional das Escolas Famílias
Agrícolas do Brasil. Ano 1, N.2, julho 2006, p.24-47.
14 BERCOVITZ, A., Vers une clinique du pédagogique, un itineraire en
sciences de l’éducation, Vigneux, Édition Matrice. 1982
15 BEZERRA NETO, Luiz. Sem-Terra Aprende e Ensina. Estudo sobre as
Práticas Educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do
Brasil (MST). Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
16 BOURDIEU, P. e PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975.
17 BOURGEON, G. Socio-pédagogie de l’alternance Collection Maurecourt,
Mésonance, n° 2 – II. UNMFREO, Ed. Universitaires. 1984.
18 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional. Lei n. 9394/96
19 BRASIL. Referências Nacionais para a Educação do Campo. Brasilia, 2004
20 CALIARI, Rogério Omar. Pedagogia da Alternância e Desenvolvimento Local. Dissertação de Mestrado. UFLA, Lavras/MG, Dissertação de Mestrado,
193
2002, 237p.
21 CALVÓ. Pedro Puig. Definiciones de alternancia. Colóquio na sesión de
avaliación de Monitores, UNEFAB, Brasília. 2001. (apostila, texto de circulação
interna).
22 __________.”Centros Familiares de Formação por Alternância”. In:
UNEFAB. Pedagogia da Alternância. Alternância e Desenvolvimento. I
Seminário Internacional. Salvador, 03 a 05 de novembro de 1999, p. 15-24.
23 __________. Que orientação profissional é possível promover no ensino
fundamental ? In: Revista da Formação por Alternância, UNEFAB Ano 1,
N.1, setembro 2005, p. 22-36. Revista da Unefab nº1 2005
24 CARVALHO, J..M. (Coord) Diferentes Perspectivas da Profissão Docente na Atualidade. Vitória: EDUFES, 2002.
25 __________. Do projeto às estratégias/táticas dos professores como
profissionais necessários aos espaços/tempos da escola pública brasileira.
(org). Diferentes perspectivas da profissão docente na atualidade Vitória:
EDUFES, 2002. p. 9-45.
26 __________. A questão da interdisciplinaridade: integração de disciplina ou
construção coletiva de um projeto político-pedagógico. Vitória: Programa de
Pós-graduação em Educação. 1996. Cadernos de Pesquisa v.2, nº2, p.27-35,
fevereiro 1996.
27 CHAIX. et all, Contribution à la clarification du concept d’alternance, in les
formation en alternance, Recherche en formation continue, La
documentation française. 1993.
28 CHARTIER, D. Naissance d’une Pédagogie de l’alternance. Maurécourt,
Mésonance N° 1 IV, 1978, 189 p.
194
29 __________. A l’aube des formations par alternance : histoire d’une
pédagogie associative dans le monde agricole et rural. Collection Mésonance,
Editions Universitaires, UNMFREO, 1986.
30 __________. Soixante ans d’histoire de créations en Maison Familiale
Rurale Edition UNMFREO, 1997.
31 __________. et all, Formations par alternance em France, in les formation
en alternance, Recherche en formation continue, Paris: La documentation
française. 1995 p.281-286.
32 __________. et all, Formations par alternance de type intégratif mises en
œuvre dans les maisons familiales rurales, in les formation en alternance,
Recherche en formation continue, Paris : La documentation française. 1993
p. 312-320.
33 CHAVES, Ana Paula Pacheco e. Educação e Desenvolvimento Social.
Uma Análise de Sua Relação em Três Experiências de Pedagogia da
Alternância. UNESP, Marília/SP, Tese de Doutorado. 2004. 595 p Vol.1 e 2.
34 CHOLSON et LAFORGE. et all, Contribution à la clarification du concept
d’alternance, in les formation en alternance, Recherche en formation
continue, La documentation française. 1993.
35 CLÉNET, J. Représentations formations et alternance. Paris, Editions
L’Harmattan. 1998
36 COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no Campo Brasil 2005.
Goiânia: CPT Nacional, 2006.
37 CONCAGH, V B., A Escola Família Agrícola no Espírito Santo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n°68, Fevereiro l989, p 89-98.
38 CONGRESSO INTERNACIONAL DA ASSOCIATION INTERNATIONALE
195
DES MAISON FAMILIALLES RURALES (AIMFR), 6., 1996, Guarapari.
Memorial. Documento Final do VI Congresso. Espírito. Santo Brasil, 29 p.
39 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB No 1, de 3 de
abril de 2002.
40 CRUZ, Nelbi Alves da. Pedagogia da Alternância: (re) significando a
relação pais-monitores no cotidiano da Escola Comunitária Rural Municipal de
Jaguaré-ES. UFES, Vitória/ES, Dissertação de Mestrado, 2004, 217p.
41 COSTA, Marisa Vorraber (org). Caminhos Investigativos II: outros modos
de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
42 __________.(org). A escola tem futuro?. 2º Ed. Lamparina, 2007
43 DE BOURGHGRAVE, A participação social: seus conceitos e a
necessidade de uma pedagogia. In: Revista da Formação por Alternância.
União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, Nº 3,
dezembro 2006, p. 16-33.
44 __________.FRANÇA A profissão de monitor (a) de CEFFA: a busca do
reconhecimento. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília, União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, nº 4. julho de 2007 p. 39-46.
45 DELAHAYE. et al, Contribution à la clarification du concept d’alternance, in
les formation en alternance, Recherche en formation continue, La
documentation française. 1993.
46 DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir – Relatório
para a Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século
XXI. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
47 DRAGHI M. et al, Contribution à la clarification du concept d’alternance, in
196
les formation en alternance, Recherche en formation continue, La
documentation française. 1993.
48 DUFFAURE, A., Education milieu et alternance collection Mésonance,
Paris, Editions Universitaires, 1985.
49 __________. Soixante ans d’histoire de création en Maisons Familiales
publié par l’UNMFREO 1997
50 EIZIRIK, Marisa Faerman. Michel Foucault. Um pensador do presente
Ijui, 2º Ed. Unijui, 2005.
51 ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA: Prazer em conhecer, alegria em conviver.
Simone da Silva Ribeiro, João Batista Begnami, Willer Araújo Barbosa,
(Organizadores). Belo Horizonte: AMEFA; Viçosa, MG: CTA ZM; Anchieta, ES:
UNEFAB, 2001.
52 Estatuto do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo 1999,
Anchieta, MEPES.
53 FERRAÇO, Carlos Eduardo. Currículos e conhecimento em redes : as artes
de dizer e escrever sobre a arte de fazer. In : ALVES Nilda ; GARCIA Regina
Leite (Org). O Sentido da escola. 3 ed. Rio de Janeiro : DP&A. 121-150.
54 FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. In:
Cadernos de Pesquisa, n. 114. Fundação Carlos Chagas. São Paulo, 2001, p.
197-223.
55 FOERSTE, E. Parceria na Formação de Professores. São Paulo : Cortez,
2005.
56 FREINET, E., Naissance d’une pédagogie populaire, Paris, Maspero,
1974.
197
57 FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 9.ed. Rio de Janeiro : paz e
terra, Editora, 1983, 93 p.
58 _________ Educação como prática da liberdade. 25. ed. Rio de Janeiro
Paz e Terra, 2001.
59 _________ Pedagogia da esperança : um reencontro com a pedagogia do
oprimido, Ed. Paz e terra, São Paulo, 2002.
60 __________ Pedagogia do oprimido. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000
61 FIBGE (Fundação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
Anuário Estatístico do Brasil, Rio de Janeiro,1995.
62 FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de
Raquel Ramalhete, ed. Petrópolis, Vozes 1977.
63 __________. História da sexualidade: a vontade de saber. 3 ed. Rio de
Janeiro: Graal, 1980. v.1
64 __________. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
65 __________.O nascimento da clínica, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1984.
66 __________. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1995
67 __________. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert, RABINOW, Paul.
Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da
hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.231-249.
68 _________.Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001
198
69 _________. A ordem do discurso . 10 ed. São Paulo: Loyola, 2004.
70 _________. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004a
71 __________. História da loucura: na Idade clássica; São Paulo:
Perspectiva 2007.
72 FROSSARD, Antônio Carlos. Identidade do Jovem Rural Confrontando com Estereótipo de Jeca Tatu – Um estudo qualitativo com os jovens da EFA
Rei Alberto I. Brasília, UNL: 2004. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Nova de Lisboa, Brasília.
73 FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)
exame das relações entre a educação e estrutura econômica-social e
capitalista. São Paulo: Cortez, 2001.
74 GEAY, A. L’école de l’alternance, Paris, l’Harmattan 1994.
75 __________. Le système alternance in : Images de l’alternance à l’éducation nationale sous la direction de Georges Lerbet, L’Harmattan, Paris,
1994 p.248.
76 __________. Actualité de l’alternance in : Revue Française de Pédagogie,
N 128, juillet-aôut-septembre 1998, p. 107.
77 __________. L’Alternance. In : Revue Française de Pédagogie, N 115,
juillet-aôut-septembre 1993, p. 101 a 127.
78 GÉRARD, C. CLÉNET, J. Partenariat et alternance en éducation, Paris,
L’harmattan. 1994
79 GIANORDOLLI, R. L. Nova perspectiva para a educação rural :
pedagogia da alternância. Dissertação de Mestrado em educação; Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1980, 190p.
199
80 GIMONET, J.C. Alternance et relations humaines collection Mésonance,
Paris, UNMFREO, Editions Universitaires 1984.
81 __________. et al. L’alternance en formation. Méthode pédagogique ou
nouveau système éducatif ? L’expérience des Maisons Familiales Rurales in
Alternance, développement personnel et local. Paris, L’Harmatan 1998.
82 __________. et al. Pedagogia da Alternância: alternância e
desenvolvimento. Textos do I Seminário Internacional sobre a alternância
realizado no Brasil novembro 1999. Brasília Editora Dupligráfica 2002.
83 __________. Pedagogia da Alternância como Sistema Educativo. In:
Revista da Formação por Alternância, UNEFAB Ano 1, N.2, julho 2006, p.24-47.
84 __________. Alternância, adolescência e pré-adolescência In: Revista da Formação por Alternância, UNEFAB Ano 1, N.1, setembro 2005, p. 5-21.
85 __________. Praticar e Compreender a Pedagogia da Alternância dos CEFFAs. Tradução de Thierry de Burghgrave. Petrópolis, RJ: Vozes, Paris:
AIMFR – Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação
Rural - (Coleção Aidefa – Alternativas Internacionais em Desenvolvimento,
Educação, Família e Alternância). 2007. 167p.
86 __________. Perfil, estatuto e funções dos Monitores. In UNEFAB.
Pedagogia da Alternância: alternância e desenvolvimento. Belo Horizonte
– Minas Gerais; Dupligráfica, 1999.p.39-48.
87 GIROD DE L’AIN B L’enseignement supérieur en alternance. Les actes
du Colloque National de Rennes. La Documentation française, Paris, 1974, 340 p.
88 _________ Le furet de l’alternance-petite histoire socio-linguistique d’une idée qui court beaucoup, Education et alternance, Paris, Edilig, p. 219-236.
1982.
200
89 GNOATTO, Almir Antônio. A Casa Familiar Rural e a Pedagogia da Alternância. Dissertação de Mestrado. UNESP, Marília/SP, Dissertação de
Mestrado, 2000, 132p.
90 __________. Pedagogia da alternância: uma proposta de educação e
desenvolvimento no campo. In: Revista da Formação por Alternância, Ano 1,
N.2, julho 2006, p. 67-90.
91 GORE, Jennifer M. et al. O sujeito da educação – estudos foucaultianos.
Rio de Janeiro: 5 ed. Petrópolis:Vozes, 1995.
92 GRAZIANO DA SILVA, José. O novo rural Brasileiro. Campinas: Instituto
de Economia Unicamp (série Pesquisas, 1) 2001.
93 __________. O fim do êxodo rural. Revista Globo Rural Ed. 186, abril
2001.
94 GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos e duelos – São Carlos: Editora Claralux, 2007. 3 edição.
95 GRZYBOWSKI, C. et al. Agricultura familiar e reforma agrária no século
XXI, Rio de Janeiro. Garamond, 2001.
96 IANNI, O, Ditadura e agricultura. São Paulo : Editora Brasiliense, 1979,
180.p.
97 ILLIC, I. Por uma sociedade sem escolas. Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1975.
98 INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS DA RELIGIÃO (ISER). Pesquisa de
avaliação do MEPES 1968 a 1990. Rio de Janeiro, 1991.
99 JESUS, J. G. Saberes e formação de professores na pedagogia da
201
alternância. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-
Graduação em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória,
2007.
100 Jornal editado pela União Nacional das Escolas Familiares Agrícolas do
Brasil (UNEFAB), ano XV, n° 15, junho, 1996. P. 2.
101 Jornal editado pela União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do
Brasil (UNEFAB), 2000.
102 Jornal editado pela União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do
Brasil (UNEFAB), 2003.
103 KASTRUP, Virgínia. A aprendizagem da atenção na cognição inventiva.
Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v 16, n. 3, p.46-52, set/dez.2004
104 LANDRY, Carol. (Org) La Formation em alternance: état des pratiques et
des recherches. Québec: Presses de L’Université du Québec, 2002
105 LARROSA, J. et al. O sujeito da educação – estudos foucaultianos. Rio
de Janeiro: 5 ed. Petrópolis:Vozes, 1994.
106 LAVILLE, Christian & DIONE, Jean. A construção do saber. Porto
Alegre : Artmed ; Belo Horizonte : UFMG, 1999.
107 LEGROUX, Jacques Outils pédagogiques et alternance. collection
Mésonance, Paris, UNMFREO, Editions Universitaires 1979.
108 __________. De L’Information à la connaissance., collection
Mésonance, Paris, UNMFREO, Editions Universitaires, 1981.
109 LERBET, G. Le flou et l’écolier : la culture du paradoxe. Paris, UNMFREO
Ed. Universitaires 1990.
202
110__________. L’Ecole du dedans, Paris, Hachette éducation 1992.
111 __________. Système, personne et pédagogie, Paris, ESF 1993.
112 __________. Bio-cognition, formation et alternance. Paris, l’Harmattan
1995.
113 LERBET SERENI, F. Les régulations de la relation pédagogique, Paris,
L’Harmattan. 1997.
114 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL – LDB.
Ministério da Educação e Cultura MEC. Lei no. 9.394 de dezembro de 1996.
MEC
115 LESNE, M. Education et alternance, Ouvrage collectif, Paris, Edilig. 1982.
116 LESNE, M. « Le concept d’alternance », in Les cahiers de l’ADMES,n°
1.1989.
117 __________ Le concept d’alternance, in Les cahiers de l’ADMES,n°
1..1989
118 LIMA, Elianeide Nascimento. A Participação dos Pais na Pedagogia da Alternância: a Escola Família Agrícola Bontempo. UFSCAR, São
Carlos/SP, Dissertação de Mestrado, 2004. 124p.
119 LOCATELLI, Antônio. Da agricultura tradicional à agricultura familiar inovadora: contributo das formações no rito de passagem. Brasília, UNL:
2004. Dissertação (Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
120 LORENZINI, A formação dos(as) monitores (as) como pré-requisito para a
atuação nos CEFFAs. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília,
União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, nº 4. julho de
2007 p. 25-38.
203
121 LÜDKE, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU 1996.
122 MACHADO, B. A Pedagogia da alternância como modalidade de
educação: alguns desafios para a extensão rural. Dissertação de Mestrado
2000 em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. 224 p.
123 MAGALHÃES, Marinely Santos. Escola Família Agrícola: uma Escola-
Movimento. UFES, Vitória/ES, Dissertação (Mestrado em Educação).
Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espírito
Santo 2004, 159p.
124 MALGLAIVE G. Typologie de l’alternance, Revue Française de Pédagogie. 1975
125 __________ et all, Formations par alternance de type intégratif mises en
œuvre dans les maisons familiales rurales, in les formation en alternance,
Recherche en formation continue, Paris: La documentation française. 1993
p.185-190.
126 __________ Savoirs, la prátique et l’alternance. In : Ministére du travail, de
l’emploi et de la Formation Professionnele. Les formations en alternance,
Paris : La documentation française. 1993. p.290-295.
127 MANFIO, Desenvolvimento local na perspectiva dos Centros Familiares de
Formação por Alternância - CEFFAs. In: Revista da Formação por Alternância, Ano 1, N.2, julho 2006, p.48-66.
128 Mapeamento das Instituições que utilizam a pedagogia da alternancia.
MEC/SECAD/CGEC, abril 2007.
129 MARCONDES, Kathy Amorim. Educação Arteira : fundamentos e experiência do fazer artístico na aprendizagem inventiva. Tese
204
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Espírito Santo Vitória, 2008.
130 MAROY,C et FUSULIER, B (1998). Institutionnalisation et marginalité : la
place de la formation en alternance en Communauté française de Belgique. In
Critique régionale 26/27 Cahiers de Sociologie et d’Economie régionales
Université Libre de Bruxelles p. 77-120.
131 MARTINS, José de Souza. Educação e Cultura nas lutas do campo :
reflexões sobre uma pedagogia do conflito. In : SEVERINO, Antônio Joaquim et
al. Sociedade Civil e Educação. Campinas, SP : Papirus, 1992.
132 MAUBANT, et al, Contribution à la clarification du concept d’alternance, in
les formation en alternance, Recherche en formation continue, La
documentation française. 1993.
133 MEC. Relatório do Seminário sobre Educação do Campo. Brasília, outubro
de 2003.
134 MEIRIEU, P. Enseigner, scénario pour un métier nouveau, ESF
éditeur, Paris, 1995.
135 MENEZES, Raquel Reis. Novo Paradigma Educativo e Práticas Pedagógicas das EFA’s: análise e planos de estudos inovadores em relação
aos sete saberes da educação do futuro de Morin. Brasília, UNL: 2004.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
136 MERLE. et al, Contribution à la clarification du concept d’alternance, in les
formation en alternance, Recherche en formation continue, La
documentation française. 1993.
137 MONACO. M. et al, Contribution à la clarification du concept d’alternance, in les formation en alternance, Recherche en formation continue, La
documentation française. 1993.
205
138 MONEQUI, I. O papel dos agricultores na gestão dos CEFFAs. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília, União Nacional das Escolas Famílias
Agrícolas do Brasil. Ano 2, N. 3, dezembro 2006, p.53-63.
139 MOREIRA, Flávio. Formação e Práxis dos Professores em Escolas Comunitárias Rurais: por uma Pedagogia da Alternância. Dissertação
(Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação.
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES. 2000.
140 MOREIRA, F. PIZZETA, A. J. A formação de professores na e para a
Pedagogia da Alternância, constatações, implicações: o intertexto necessário.
In: Cadernos de Pesquisa em Educação/ Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro Pedagógico, Programa de Pós-Graduação em Educação. V.7 n.
07, 1998, p. 09-41.
141 MORIN, E. Introduction à la pensée complexe, Paris, ESF.1991
142 Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo. Estatuto.
Anchieta (ES) 1987.
143 __________. Relatório anual de atividades do Movimento de Educação
Promocional do Espírito Santo Ano 1996 Anchieta (ES) 1996.
144 __________. Relatório anual de atividades do Movimento de Educação
Promocional do Espírito Santo Ano 2000 Anchieta (ES) 2000.
145 __________. Relatório anual de atividades do Movimento de Educação
Promocional do Espírito Santo Ano 2003 Anchieta (ES) 2003.
146 __________. Relatório anual de atividades do Movimento de Educação
Promocional do Espírito Santo Ano 2006 Anchieta (ES) 2006.
147 NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. A Educação Camponesa como
206
espaço de resistência e recriação da cultura: um estudo sobre as
concepções e práticas educativas da Escola Família Agrícola de Goiás –
EFAGO. Campinas, UNICAMP: 2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.
148 __________. VASSOLER, O relacionamento do (a) monitor (a) com os
atores da alternância. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília,
União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, nº 4. julho de
2007 p. 19-24.
149 NOSELLA, P. et. all. Um novo educador para o meio rural - plano
pedagógico do curso de formação para novos monitores das Escolas da
Família Agrícola. Espírito Santo, 1975.
150 __________. Uma nova educação para o meio rural: sistematização e
problematização da experiência educacional das Escolas Famílias Agrícolas do
Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo ; Dissertação
(Mestrado em Filosofia da Educação), Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 1977 204 p.
151 __________. Militância e profissionalismo na educação do homem do
campo. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília, União Nacional
das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, nº 4. julho de 2007 p. 5-18.
152 NOVÉ-JOSSERAND, F., L’étonnante histoire des Maisons Familiales Rurales, Editions France Empire 1987.
153 OLIVEIRA, Isabel Xavier de Oliveira. Caderno da Realidade: Contributos para a Formação Integral do (a) Educando (a). Brasília, UNL:
2004. Dissertação (Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
154 OLIVEIRA, Samuel de Louzada Castro de. Implicações discursivas na
prática da formação docente. Dissertação de Mestrado em Educação,
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do
207
Espírito Santo, Vitória, 2004
155 OLIVEIRA, I. B. e ALVES, N. (Org) Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
156 OLIVEIRA, I. B (Org). A democracia no cotidiano escolar. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
157 PASSADOR, Cláudia de Souza. Um Estudo do Projeto Escola do Campo – Casa Familiar Rural (1990-2002) do Estado do Paraná: a
Pedagogia da Alternância como Referencial de Permanência. USP, São
Paulo/SP, Tese de Doutorado, Educação, 2003.
158 PEREIRA, Avaliação formativa e pedagogia da alternância In: Revista da Formação por Alternância, UNEFAB Ano 1, N.1, setembro 2005, p. 56-76.
159 PESSOTTI, A. L. A Escola da Família Agrícola : uma alternativa para o
meio rural. Dissertação (Mestrado em educação), Programa de Pós-Graduação
em Educação. Fundação Getulio Vargas, l978, 194 p.
160 __________.A Escola Família e o ensino de l° Grau, In Revista do
Centro Pedagógico - UFES - Universo Pedagógico. Vitória v.4, n. 6, p 43-48,
Janeiro/Junho 1991.
161 __________. Ensino médio rural: as contradições da formação em
alternância. Vitória UFES/ Secretaria de Produção e Difusão Cultural 1995.
162 PINEAU, Gaston. Éducation ou alienation permanente. Repères
mythiques et politiques. Paris: Bordas; Montreal. Sciences et Culture, 1977.
163 __________.La formation experientielle en auto-éco et co-formation.
Revue Education Permanente n° 100/101, 1989 p. 23-30.
164 __________.Temps et contretemps en formation permanente. Paris:
208
Éditions universitaires, 1986.
165 __________.Alternance et recherche d’alternative: histoire de temps et de
contretemps. In: Revue Éducation Permanente-Alternance, une alternative
éducative? n.115, p. 89-97, 1993.
166 __________. Entre le bricoleur, le technicien et l’ingenier: qui sont les paysans?. Paris: Èditons l’Harmattan, 1989.
167 __________. Respirer sa vie: déverrouller l’apprentissage des rytmes
vitaux. In: Revue Éducation Permanente, n.163, p. 111-130, 2005
168 __________. As relações entre a teoria e a prática no âmbito da educação
permanente. Cadernos de Pesquisa em Educação/ Universidade Federal do
Espírito Santo, Centro Pedagógico, Programa de Pós-Graduação em
Educação. V. 8, n. 15, p. 142-174, 2002.
169 __________ Alternância e desenvolvimento pessoal: a escola da
experiência In: Pedagogia da Alternância. Alternância e Desenvolvimento.
Coletânea de textos do Primeiro Seminário Internacional. Salvador 03 a 05 de
novembro de 1999.p. 56-65, 1999.
170 __________. Temporalidades na formação: rumo a novos
sincronizadores. Tradução de Lucia Pereira de Souza. TRIOM, São Paulo,
2004.
171 PINTO, (J.B.), Educação agrícola: uma prática educativa transformadora?
Mimeog. 1992. 18p.
172 PIZETTA, Adelar João. Formação e Práxis dos Professores de Escolas
de Assentamentos: a Experiência do MST no Espírito Santo. Dissertação
(Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação.
Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, Vitória, 1999. 331p.
209
173 QUEIROZ, João Batista Pereira de. O processo de Implantação da
Escola Família Agrícola (EFA) de Goiás . Dissertação (Mestrado em
Educação), Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 1997. 277p.
174 __________. O processo de Implantação da Escola Família Agrícola (EFA)
de Goiás. Artigo publicado na revista da Universidade Federal de Goiás,
Goiânia pagina 21-37, 1997.
175 __________. Construção das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ensino Médio e Educação Profissional. Tese de doutorado em sociologia da
Educação da Universidade de Brasília. Brasília, Março de 2004. 210p.
176 __________. Impactos da Alternância contados pelos sujeitos dos
CEFFAs. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília. União Nacional
das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 1 nº 2. julho 2006. p. 91-96
177 __________. Para onde caminha a UNEFAB? Revista da Formação por
Alternância. Brasília, União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil.
Ano 1 nº1 setembro 2005. p. 90-94.
178 __________. A participação dos agricultores na construção dos CEFFAs.
In: Revista da Formação por Alternância. Brasília, União Nacional das
Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, nº 3. dezembro de 2006 p. 5-15.
179 Regional da Associação dos Centros Familiares de Formação em
Alternância do Espírito Santo. (RACEFFAES). Relatório do III Encontro
Regional de Monitores do Espírito Santo. Marilândia (ES), 2004.
180 RAMIREZ, L C. Education Rural et Technologie Agricola Pour le Développement Rural au Brésil : le cas du municipe de Campinapolis. Thèse
de Doctorat en Extension Rurale Paris.1989.
181 Revista da Formação por Alternância. União Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil. Brasília. Ano I. nº. 1, setembro 2005.
210
182 Revista da Formação por Alternância. União Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil. Brasília. Ano I. nº. 2, julho 2006.
183 Revista da Formação por Alternância. União Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil. Brasília. Ano I. nº 3, dezembro 2006.
184 Revista da Formação por Alternância. União Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil. Brasília. Ano 2. nº.4, julho 2007.
185 RODRIGUES, J. A. Ecoles Familiales Agricoles : un modèle de
développement pour le milieu rural. Mémoire présenté à l’Université Catholique
de Louvain UCL Louvain-La-Neuve 1999.
186 SANTOS, I. F. e PINHEIRO,J. E. L. O CEFFA e o projeto profissional do
jovem In: Revista da Formação por Alternância, UNEFAB Ano 1, N.1,
setembro 2005, p. 78-84.
187 SANTOS, E. L. e SOARES, J.D.G. A função de monitor (a) vista pelo
mesmo: depoimentos.. In: Revista da Formação por Alternância. Brasília,
União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, nº 4. julho de
2007 p. 47-53.
188 SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 35 Ed. Rev. Campinas – São
Paulo : Autores Associados, 2002. v. 5 (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).
189 SCHMITZ e SLONGO. Avaliação formativa e pedagogia da alternância In: Revista da Formação por Alternância, UNEFAB Ano 1, N.1, setembro 2005, p. 56-
77.
190 SCHNEIDER, J. Réussir la formation en alternance. Organiser le
partenariat Jeune-entreprise-organisme de formation. INSEP Editions Paris
2000, 270 p..
211
191 SCWARTZ, B. Une autre école, Paris, Flammarion, 1977, 257 p.
192 SEDAC/MEC. Parecer CNE/CEB Nº. 1/2006. Relator: Murílio de Avellar
Hingel. Dias letivos para a aplicação da Pedagogia de Alternância nos Centros
Familiares de Formação por Alternância (CEFFA). 2006.
193 SILVA, Jaider Batista da. Da Efetividade da Educação Ambiental nas Escolas Família Agrícola: o caso da EFA Chico Mendes. UNIMEP,
Piracicaba/SP, Dissertação de Mestrado. 1999.
194 SILVA, L. H. Representações sociais e educação da relação educativa Escola-Família no Universo das Experiências Brasileiras de Formação em alternância Tese de Doutorado em Psicologia da Educação Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo 2000. 283p.
195 __________. Modalidades, representações e práticas de alternância na
formação de jovens agricultores In: Revista da Formação por Alternância,
UNEFAB Ano 1, N.2, julho 2005, p. 5-23.
196 __________.Educação do Campo em foco: avanços e perspectivas da
Pedagogia da Alternância em Minas Gerais. Caxambu: ANPED, 2005.
197 SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). O sujeito da educação – estudos
foucaultianos. Rio de Janeiro: 5 ed. Petrópolis:Vozes, 1994.
198 SIMÕES, Regina Helena Silva; CARVALHO, Janete Magalhães. A
identidade profissional do professor: um retrato delineado a partir dos
periódicos nacionais. Caderno de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, V. 1, n. 1,p.
84-128, dez 1995.
199 __________. Formação continuada do professor por meio da pesquisa da
sua própria prática. Vitória: Programa de Pós-Graduação em Educação, 1996.
Cadernos de Pesquisa. V.3,n.4, p.51-65, fev. 1997.
212
200 SLONGO (org) A gestão da associação da CFR de Santa Maria do Oeste
contada pelas famílias. In: Revista da Formação por Alternância. União
Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, N.3, dezembro
2006, p. 64-68.
201 SOMMERMAN, Américo. Formação e Transdisciplinaridade – Uma
pesquisa sobre as emergências formativas do CETRANS. Brasília, UNL: 2004.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
202 SOUZA, Maria Antônia. Educação do Campo. Propostas e Práticas Pedagógicas do MST. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
203 ROQUE, T. Resistir a quê? Ou melhor, resistir o quê? Como a matemática pode servir para pensar o estatuto da resistência, mesmo, e sobretudo, quando ela não fala de resistência? 2006 (snt).
204 TREVISAN, Francisco. A Escola de Ensino Fundamental Rural no Desenvolvimento do seu Meio – Um estudo comparativo. Brasília, UNL:
2004. Dissertação (Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
205 TRIVIÑOS, A. N. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo Atlas, 1993.
206 União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB.
Pedagogia da Alternância. Alternância e Desenvolvimento. Coletânea de
textos do Primeiro Seminário Internacional. Salvador 03 a 05 de novembro
de 1999.
207 __________. Revista da Formação por Alternância. Ano I – n. 1
(Setembro. 2005) 104p.
208 __________. Pedagogia da Alternância: formação em alternância e
desenvolvimento sustentável. Relatório (Anais) do Segundo Seminário
213
Internacional. UNEFAB. Brasília 12 a 14 de novembro de 2002.
209 __________. Família, Alternância e Desenvolvimento. Anais do Oitavo
Congresso Internacional. Dos CEFFAs Puerto Iguazu Argentina de 04 a 06 de
maio de 2005.
210 __________. ARCAFAR Sul e Norte. Plano de Formação Pedagógica
Inicial de Monitores. CEFFAs. Guia de Orientação para as Regionais.
Vitória/ES : novembro 2003.
211 __________. Histórico. Disponível em :
http://www.unefab.org.br/home/histórico. htm; acesso em 05 novembro de
2006.
212 UNMFREO. Les Maisons Familiales Rurales en France et dans le Monde.
Paris, novembre, 2000.
213 VEIGA, José Eli da. O Campo e o Censo. http://nead.org.br/artigodomes
214 __________. Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se
calcula. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
215 __________. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI.
São Paulo: Ed. Garamond, 2005.
216 VEIGA-NETO, A. et al. Foucault e a educação: Outros estudos
foucaultianos. Petrópolis, RJ. Vozes 1995. 217 __________. Foucault e a educação. Belo Horizonte 2 ed. Autêntica,
2005
218 __________. Pensar a escola como uma instituição que pelo menos
garanta a manutenção das conquistas fundamentais da modernidade. In
COSTA, Marisa Vorraber (Org). A escola tem futuro? Rio de Janeiro DP&A,
214
2005 cap. 5, p. 103-126.
219 VOISIN A. Formations par alternance de type intégratif mises en œuvre
dans les maisons familiales rurales, in les formation en alternance, Recherche en formation continue, La documentation française. 1993
220 __________. Alternance ou alternances ? Approche institutionnelle des formations alternées qualifiantes destinées aux jeunes, in Education
Permanente, 1993, n° 115
221 ZAMBERLAN, S., A pequena grande historia das Escolas da Família Agrícola (EFA) do Brasil. Piúma: Centro de Formação/MEPES. 1991.
222 __________ Pedagogia da Alternância: Escola da Família Agrícola.
Anchieta: Vila Velha (S.N.T.) (Francisco Giust). 1995.
223 __________. “O lugar da família na vida institucional da escola –
família” – Participação e relação do poder. Brasília, UNL: 2004. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Nova de Lisboa, Brasília.
224 __________. Desafio da participação das famílias na associação CEFFA.
In: Revista da Formação por Alternância. Brasília, União Nacional das
Escolas Famílias Agrícolas do Brasil. Ano 2, N.3, dezembro 2006, p.34-52.
225 ZEN, Elieser. Pedagogia da Terra: a formação do professor sem-terra.
Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de pós-graduação em
Educação. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006.