PRÁTICAS DA MAGIA NO MUNDO ROMANO (SÉC. II A.C- … · John G. Gager, em Curse Tablets and...

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1 doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03013 PRÁTICAS DA MAGIA NO MUNDO ROMANO (SÉC. II A.C- II D.C.) CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa (NEA/PPGH/UERJ/CAPES) Um antigo autor latino ha muitos séculos nos disse em seus escritos: Graecia capta ferum victorem cepit artis intulit agresti Latio 1 . A partir desta assertiva iniciamos as nossas reflexões sobre as interações culturais no Antigo Mediterrâneo. Através do apontamento de Horácio e dos textos clássicos de Plutarco nos é perceptível as interações 2 entre gregos e romanos na Antiguidade. Na obra Vidas Paralelas de Plutarco, nós notamos um discurso enaltecedor da cultura grega, a qual possuíria uma primazia na produção artística, arquitetônica, divinatória entre outras áreas. Na visão da historiadora Maria A. de Oliveira Silva, nos escritos plutarquianos haveria uma formulação da identidade grega constituída de ritos e práticas que foram assimilados e reproduzidos por outros povos (SILVA,2009:167). De acordo com a pesquisadora Maria A. Oliveira da Silva, as práticas culturais helênicas foram o elemento de atração para os romanos, os quais almejavam possuir um modelo de vida grego (SILVA,2009:171). Sendo assim percebemos via vestígios arqueológicos e documentação textual a presença helênica, naquilo que foi a extensão do Império Romano através da arquitetura, da religiosidade, das artes, do teatro e também, por meio da prática mágica do katádesmos-κατάδεσμος (grego) / defixiones-tabellae defixionum (latim). Segundo Maria Regina Candido, as terminologias apontadas tanto em grego, quanto em latim nos sugerem: “o movimento de ligar a alma de alguém junto aos mortos no mundo subterrâneo” (CANDIDO,2004:15). No que tange ao termo defixiones, outro 1 Na tradução temos a seguinte frase: “A Grécia capturada conquistou o agreste Lácio, com as suas artes(Horácio, Epístolas, II,1,156) 2 A interação seria o processo que ocorre quando um grupo de indivíduos estabelece o contato com outro, assim possibilitando trocas culturais entre os envolvidos. JOHSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1997, p.131.

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doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03013

PRÁTICAS DA MAGIA NO MUNDO ROMANO (SÉC. II A.C- II D.C.)

CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa (NEA/PPGH/UERJ/CAPES)

Um antigo autor latino ha muitos séculos nos disse em seus escritos: Graecia capta

ferum victorem cepit artis intulit agresti Latio1. A partir desta assertiva iniciamos as nossas

reflexões sobre as interações culturais no Antigo Mediterrâneo. Através do apontamento de

Horácio e dos textos clássicos de Plutarco nos é perceptível as interações2 entre gregos e

romanos na Antiguidade.

Na obra Vidas Paralelas de Plutarco, nós notamos um discurso enaltecedor da

cultura grega, a qual possuíria uma primazia na produção artística, arquitetônica,

divinatória entre outras áreas. Na visão da historiadora Maria A. de Oliveira Silva, nos

escritos plutarquianos haveria uma formulação da identidade grega constituída de ritos e

práticas que foram assimilados e reproduzidos por outros povos (SILVA,2009:167).

De acordo com a pesquisadora Maria A. Oliveira da Silva, as práticas culturais

helênicas foram o elemento de atração para os romanos, os quais almejavam possuir um

modelo de vida grego (SILVA,2009:171). Sendo assim percebemos via vestígios

arqueológicos e documentação textual a presença helênica, naquilo que foi a extensão do

Império Romano através da arquitetura, da religiosidade, das artes, do teatro e também, por

meio da prática mágica do katádesmos-κατάδεσμος (grego) / defixiones-tabellae

defixionum (latim).

Segundo Maria Regina Candido, as terminologias apontadas tanto em grego,

quanto em latim nos sugerem: “o movimento de ligar a alma de alguém junto aos mortos

no mundo subterrâneo” (CANDIDO,2004:15). No que tange ao termo defixiones, outro

1 Na tradução temos a seguinte frase: “A Grécia capturada conquistou o agreste Lácio, com as suas artes” (Horácio, Epístolas, II,1,156) 2 A interação seria o processo que ocorre quando um grupo de indivíduos estabelece o contato com outro, assim possibilitando trocas culturais entre os envolvidos. JOHSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1997, p.131.

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problema emerge quanto a sua designação no masculino ou no feminino. Notamos no

campo historiográfico que há uma tendência em utilizá-lo, no masculino tanto nos textos

franceses, quanto nos de língua portuguesa. Todavia, ao realizarmos uma revisão de nossas

pesquisas, no que tange ao emprego da palavra, percebemos que a terminologia no singular

seria a defixio, sendo de terceira declinação e o seu plural nominativo as defixiones3.

Quanto à historiografia de cunho anglo-saxão4, há preferência no uso do termo curse

tablets, o que causaria alguns problemas, pois nem todas as placas encontradas no local são

de maldição.

De acordo com a filóloga Amina Kropp, as publicações referentes ao trabalho de

investigação arqueológica, sobre os tabletes imprecatórios na Europa se iniciaram

provavelmente em 1897, com os trabalhos de R. Wünsch, na obra Defixionum Tabellae

Atticae (com mais de duzentas lâminas catalogadas, somente em grego) (KROPP,2008:05).

Em 1904, foi à vez de Auguste Audollent publicar um corpus de trezentos e cinco lâminas

de chumbo, de matriz em grega e latina, no seu livro Defixionum Tabellae quotquot

innotuerunt tam in graecis Orientis quam in totius Occidentis partibus praeter Atticas in

Corpore Inscriptionum Atticarum editas.

As pesquisas sobre os tabletes de chumbo foram se ampliando, ao longo do tempo.

Karl Preisendanz produziu em 1928, uma obra intitulada de Papyri Graecae Magicae I. O

autor através de diversos colaboradores conseguiu elaborar uma publicação, sobre os

papiros tidos como mágicos, de matriz grega. A proposta desta obra seria mais antiga, pois

o idealizador de tal projeto foi Albrecht Dieterich, no final do séc. XIX

(CANDIDO,2002:34). Na visão de Gager, os apontamentos realizados por Preseindanz

seria uma peça norteadora para os estudantes de papiros mágicos da Antiguidade Grega e

Romana (GAGER,1987:80-1).

Nós podemos verificar outra produção sobre os tabletes imprecatórios realizada por

Heikki Solin, em Eine Fluchtafel aus Ostia (1968). O autor realizou um estudo sobre as

práticas da magia na antiga cidade de Óstia (Itália), e apontou para o uso das defixiones na

3 Aproveitamos para agradecer ao Prof. Dr. Fábio Faversani (UFOP), pela contribuição no processo de reformulação da terminologia latina das defixiones.

4 De acordo com os termos utilizados BEARD, Mary; NORTH, John e PRICE, Simon. Religions of Rome, volume 2- A Sourcebook. Cambridge: University Press, 2008, p.266 e Daniel Ogden, em “Magic, Witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: A Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002, pp. 210-212.

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região. David Jordan, em seu artigo A survey of Greek defixiones not included in the

special corpora, publicado 1985, nos forneceu mais de cem novos tabletes imprecatórios

em sua catalogação, os quais eram desconhecidos até aquele período. Outra pesquisadora

das práticas da magia foi Maria Del Amor López Jimeno, em Las Cartas de Maldición, de

1990. A autora levanta uma problemática em tal artigo, sobre a classificação das

defixiones, como sendo um modelo de carta de maldição, a qual seria direcionada a uma

determinada divindade, com funções tidas como ctônicas5.

John G. Gager, em Curse Tablets and Binding Spells from the Ancient World

(1992), produziu um importante livro sobre as defixiones. Um dos objetivos do autor, na

obra seria o de definir elementos básicos, que poderiam servir nos debates acadêmicos

entre magia e religião (GAGER,1992:V). Além disso, o autor apresenta ao longo de seus

estudos os possíveis locais de depósitos das lâminas como sendo cemitérios e poços. Nas

publicações de Gager e Jordan notamos um ponto em comum, o qual seria a exposição de

que a magia das defixiones permeou diversas Sociedades Mediterrâneas.

O filólogo Fritz Graf, em 1994 publicou o livro La Magie dans L’ Antiquité Gréco-

Romaine. Na obra o autor indica que as inscrições das defixiones são na maioria dos casos

realizadas no chumbo. O autor adota como modelo de classificação das lâminas, as

terminologias que foram desenvolvidas anteriormente por Audollent: defixiones

judiciários, de amor, agonísticos, contra caluniadores/ladrões e as lâminas contra

concorrentes econômicos. Kai Brodersen realizou em 2001, uma publicação sobre as

lâminas denominada de: Briefe in die Unterwelt. Religiöse Kommunikation auf

griechischen Fluchtafeln. Uma das visões apresentadas pelo autor, em seus escritos seria a

dos tabletes de chumbo como sendo cartas que eram enviadas ao mundo dos mortos, as

quais os gregos visavam realizar através desta prática uma imprecação contra os seus

adversários para conquistarem os seus objetivos. Brodersen possui muitos pontos de

convergência, com os escritos de Jimeno sobre a defixio em forma de carta de maldição.

O historiador Daniel Ogden, Magic, witchcraft, and ghosts in the Greek and Roman

worlds : a sourcebook, de 2002 reservou o décimo capítulo de seu livro para tecer

5 O termo ctônico está relacionado com divindades subterrâneas que transportavam e/ou acompanhavam as almas até o mundo dos mortos, ou que possuem uma ligação com a terra.Ver: FLINT, V.; GORDON, R.; LUCK,G.; OGDEN, D. Withcraft and Magic in Europe: Ancient Greece and Rome. London: The Athlone Press, 1999 e Learning from curse tablets: what the defixiones tell us of the ancient world. Acessado em: 17/09/2009. Capturado do site: http://www.pinktink3.250x.com/essays/tablets.htm

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considerações e realizar análises sobre as lâminas de chumbo. Segundo o autor existem

aproximadamente 1.600 tabletes de chumbo, a maioria foi escrito em grego, com datação

mais recuada no VI séc. a.C. O autor argumenta que os tabletes podem ser encontrados por

toda região do Antigo Mediterrâneo (OGDEN,2002:210). O que endossaria a nossa

reflexão de que teria ocorrido um processo de interações culturais das sociedades

mediterrâneas com os gregos e os romanos.

Josep Corell elaborou em 2002, um catálogo intitulado de Inscripcions romanes del

país Valencià: (Saguntum i el seu territori). O autor apresenta em seus escritos uma

diversidade de inscrições romanas, as quais foram encontradas na região de Valencia –

Espanha. Entre o material utilizado por Corell, nós conseguimos detectar a catalogação de

seis defixiones latinas localizados em Sagunto.

Adams publicou as suas reflexões sobre as defixiones bretãs em 2006, no artigo

The social and cultural implications of curse tablets [DEFIXIONES] In Britain and on the

Continent. O autor analisa os tabletes de chumbo, como sendo uma forma alternativa, que

a população da província da Britannia Romana, se valeram para conseguir obter justiça ou

vingança por um dano, que sofreram em suas vidas. Artur Ribeiro, no artigo As tabellae

defixionum: Características e propósito, de 2006 mapeou as defixiones encontrados na

Península Ibérica. Ribeiro observa que nem sempre a motivação para a realização da

imprecação está contida na lâmina (RIBEIRO,2006:240) possivelmente para assegurar o

sigilo do solicitante.

No cenário brasileiro notamos que o estudo da magia das defixiones vem sendo

explorado por uma parte diminuta dos pesquisadores. A maior parte dos trabalhos

produzidos em nosso país foram enfocados nas defixiones de matriz grega, como vemos

nos estudos da helenista Maria Regina Candido, que se iniciou em tal pesquisa com a obra:

A violência das palavras nas imprecações judiciárias, de 1998 e nos trabalhos da

pesquisadora Tricia Magalhães Carnevale, com o artigo: Mito e Magia no discurso dos

katadesmoi na Atenas dos V e IV séculos a.C., de 2004. Um campo pouco explorado nesta

seara seria das lâminas latinas, o qual é nosso objeto de estudo.

Em nossas pesquisas partimos do pressuposto que as lâminas latinas foram

produzidas nas sociedades mediterrâneas, após os contatos destas localidades com os

romanos. Tal fato se torna endossado ao verificarmos que as datações referentes às

produções dos tabletes de chumbo, são posteriores ao contato destas regiões com a cultura

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romana. Para analisarmos a expansão romana pelo Mediterrâneo vamos nos utilizar dos

pensamentos do historiador Guarinello. Para o autor, o Império Romano seria o produto de

um processo lento de expansão militar e de uma política centralizadora, que teria se

iniciado em Roma e se expandido sobre a Itália. Com o passar dos tempos tal avanço

romano conquistou as regiões que estavam às margens do Mediterrâneo e se estendendo

até a Bretanha. O referido pesquisador ressalta que este império seria composto de uma

diversidade de culturas (GUARINELLO,2009:149).

O romanista Norberto Luis Guarinello expõe que o governo imperial romano, se

utilizou do latim no Mediterrâneo Ocidental e a promoção do sincretismo religioso, para

gerencia e controlar a diversidade da área imperial. Tal procedimento na região ocidental

teria gerado uma política – cultural de latinização, assim almejando elaborar uma

identidade romana baseada numa história em comum e na incorporação do modelo de vida

romano6. Complementamos a visão de Guarinello com os estudos de Marc Mayer.

Segundo o pesquisador seria perceptível o impacto da latinização em território ibérico, por

exemplo, pois teria produzido uma intensa absorção do alfabeto latino, em detrimento da

utilização daquilo que seria o antigo sistema de escrita ibérico (MAYER,2005:260).

A magia das defixiones baseados na matriz latina poderia ser encontrada em

diversas regiões do Mediterrâneo Antigo, como Jordan, Gager e Ogden apontaram. No que

corresponderia a Byzacena, uma lâmina foi detectada na atual Tunísia / antiga Thysdrus, e

datada como pertencente aos meados do IV sec. Outro conjunto de lâminas foi encontrado

na antiga região de Hadrumetum, nos é perceptível que a produção de grande parte das

quarenta e duas lâminas econtradas ocorreu no período compreendido entre os séculos II e

III d.C. No que tangeria a Numidia, nos foi possível detectar a existência de uma lâmina

latina do IV séc. d.C encontrada na região de Cirta, atual Constantine. No território que foi

denominado pelos romanos de África Proconsularis, região na qual se encontrava Cartago

percebemos uma produção de trinta e sete lâminas de chumbo. A maioria das defixiones

encontradas na região foram datadas entre os séculos II e III d.C. e havendo somente um

tablete imprecatório datado como pertencente ao IV século d.C.

6 Na visão de Guarinello os hábitos e os costumes romanos a serem adotados, pelos demais povos seriam: as vestimentas, arquitetura, fundação de cidades, uniformização dos estutos municipais, na frequencia a escolas de cultura latina para as elites locais. Além destes pontos levantados, nós acrescentamos a inserção da religiosidade romana nas áreas coloniais. GUARINELLO, Norberto Luis. Império Romano e Identidade Grega. In: FUNARI, Pedro Paulo A. & SILVA, Maria A. de Oliveira.Política e Identidades no Mundo Antigo. São Paulo: Ed. Annablume; Fapesp, 2009, p.153.

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Na antiga província romana da Britannia, foi encontrado um corpus de dezentos e

trinta e duas lâminas de chumbo. Os dois pontos de maior depósito dos tabletes foram:

Bath (88) e Uley com (39) com grande parte das suas lâminas sendo periodizadas entre os

séc. II e IV d.C. É interessante frisar que todas as defixiones da Britannia estão em latim e

as datações são posteriores ao séc. I d.C. Possivelmente as defixiones bretãs seriam a

bricolagem, que aconteceu a partir do séc. I a.C, com os processos de interação cultural

entre nativos e romanos, e que se intensificou no séc. I d.C.

No território referente à antiga província romana da Gália foram descobertos cerca

de quarenta e oito defixiones, distribuídos pela: Bélgica, Lugdunensis, Aquitania e

Narbonensis. A localidade com maior número de depósito foi à Bélgica, com dezenove

lâminas, com as datações entre o II e o V séc. d.C. Nas outras regiões da província as

periodizações variam entre o I e o IV séc. d.C.

No que era considerado por Roma, como Germânia Superior, nós identificamos

cerca de cinquenta e três defixiones produzidos na região. O período de produção

corresponderia em sua maioria - entre os séculos I e III d.C. A área de maior concentração

de indícios arqueológicos foi Kreuznach (Alemanha), com onze defixiones.

No que correponderia a antiga Hispania, até o presente momento nós encontramos

o total de vinte e três lâminas produzidas, em todo território da Península Ibérica. As

localidades de maior concentração dos indícios arqueológicos, por nós estudados foram:

Emporion – seis defixiones com datações compreendidas entre os séculos I a.C e II d.C.,

Saguntum – seis tabletes com a periodização referente aos séculos I e II d.C., Corduba –

com cinco lâminas, as quais foram delimitadas cronologicamente entre os séculos II a.C e I

d.C.

Na Península Itálica foram encontrados oitenta tabletes de imprecação

(KROPP:2008,p.14). As defixiones se encontram distribuídos pela antiga região da

Etruria, a qual conta com seis tabletes. A maioria das lâminas etruscas não possuem

datação, apenas duas foram datadas. Uma pertenceria a Cerveteri, território no qual foram

encontradas diversas necróplis etruscas, a lâmina seria referente ao século II/I a.C.A outra

ao século II d.C e foi localizada em Arezzo. Picenum foi uma antiga região da Itália

romana banhada pelo mar Adriático, na qual notamos a presença das defixiones. De acordo

com a catalogação de Amina Kropp, a lâmina não possui uma datação exata, assim como

foi detectado apenas um tablete sem datação especificada, em Marsi.

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Continuando nossas análises sobre a Antiga Itália, nós notamos que na Campania,

foram encontrados oito defixiones latinas, com maior incidência em Pompéia. Contudo se

faz necessário frisar que apenas uma lâmina pompeiana foi datada. Tal tablete pertenceria

ao século II a.C, a maioria das outras defixiones da Campania pertenceria ao século I d.C.

No que era compreendido na Antiguidade, como Latium foram encontradas vinte e duas

lâminas de chumbo. As datações variam entre o I séc. a.C. e o séc IV d.C. No que foi

conhecido como Lucania, notamos que o território possuiria apenas uma lâmina sem

datação.

Venetia et Histria foi um dos territórios romanos reorganizados pelo imperador

Augusto e naquela localidade detectamos a descoberta de nove defixiones. No que tangeria

as datações elas variam entre o I a.C e o III d.C. Na Aemilia duas lâminas sem datação

específica foram encontradas, em um urna funerária na Necrópoles della Marabina. Na

Corsica foi perceptível a presença de uma defixios, o qual se encontra se uma

periodização. No que foi a Sardinia notamos que foram descobertos duas lâminas datadas,

com a temporalidade de uma delas demarcada no séc. I d.C. No que pertenceria a Sicilia,

foi encontrada uma lâmina do séc II d.C.

De acordo com a estatística da pesquisadora Amina Kropp (2008:p.14), as regiões

do Império Romano com a menor incidência de defixiones latinas foram: Delos, Moesia,

Noricum, Panônia e Récia. No que corresponderia à localidade das Ilhas Cíclades, na

Grécia nos foi possível destacar a presença de uma lâmina de chumbo na região de Delos,

a qual foi produzida na segunda metade do século II a.C. A procedência da lâmina seria de

uma antiga Necrópoli da região. No antigo território da Moesia, foi encontrada uma

lâmina, provavelmente no que seria uma antiga termas romana. O tablete possui a datação

referente à primeira metade do século II d.C. A região ficava situada no que conhecemos

como Balcãs, ao longo da margem sul do rio Danúbio. Ela incluiria os respectivos atuais

territórios do norte da República da Macedônia, Sul da Sérvia, norte da Bulgária, Sudeste

da Roménia, Moldávia Sul e Budjak .

Noricum foi um antigo território céltico. Se estenderia ao longo da região da atual

Áustria e uma parte da Eslovénia. Com o processo de expansão romana tornou-se uma

província do império, no século I a.C. Na parte que hoje compreende a Áustria foram

encontrados uma defixio em Mautern e outro em Wilhering. A primeira lâmina foi

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periodizada como pertencente a meados do séc. II d.C, já a segunda não foi possível

estabelecer uma datação precisa.

A Panônia foi uma antiga região romana, a qual foi anexada no século I a.C. Na

sua geografia ela é banhada ao norte e ao leste pelo rio Danúbio. Fazia fronteira com

Noricum a oeste e com a Itália superior, e ao sul com a Dalmácia e Moesia superior.

Pannonia estava localizada sobre parte do atual território da Hungria, com partes na

Áustria, Croácia, Sérvia, Eslovénia, Eslováquia e Bósnia-Herzegovina. Na região os

vestígios arqueológicos apontam para a existência de defixiones. Uma defixio foi

encontrado em Kupa na Croacia, outro em Ljubljana (Eslovênia), uma lâmina em Petronell

(Áustria) e um na região de Ptuj, que faz parte na atualidade da Eslovênia. As lâminas

possuem a datação entre os séculos I e II d.C.

No que foi conhecido como província da Récia, os contatos com o mundo romano

podem ser datados desde o século I a.C., como vemos nos escritos de Políbios (Histórias,

XXXIV,10). Na região temos um total de oito lâminas de chumbo. Os tabletes

imprecatórios foram analisados como pertencentes aos séculos I e III d.C. e havendo maior

número de depósito das defixiones nas regiões de Bregenz (Áustria) e Neustadt

(Alemanha).

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Tabela com o número de lâminas por região7

O mapeamento e uso da documentação apontada foi possível pelas mudanças na

área da escrita da História, que vieram ocorrendo nas últimas décadas do século XX.

Novos olhares foram lançados sobre os objetos de pesquisa e aplicações metodológicas.

Tal fato levou a uma modificação do conceito de documento histórico e a adoção da

perspectiva multidisciplinar, que é cada vez mais exigida em decorrência da diversidade da

natureza da documentação que passa a ser utilizada nas pesquisas em História (SAMARA,

2006:11). Setores da sociedade, que até determinado momento estavam deixados à

margem das análises foram englobados nos estudos históricos. O historiador italiano Carlo

7 Tabela produzida pelo pesquisador Carlos Eduardo da Costa Campos tendo como base o livro: KROPP, Amina. Defixionies – Ein Aktuelles Corpus Lateinischer Fluchtafeln.Speyer: Kartoffeldruck – Verlag Kai Brodersen, 2008.

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Ginzburg ressalta em “O Inquisidor, como antropólogo”, que o diálogo da História com a

Antropologia teria provocado uma transformação nos eixos de análises e nas aplicações

metodológicas, para dar conta das especificidades existentes como vemos na História

Cultural (GINZBURG,1991:205).

Norberto Guarinello, foi outro importante pensador sobre a questão teórico-

metodológica, nas pesquisas históricas. Em suas concepções a teoria e a metodologia nos

permitem tecer uma análise aprofundada sobre a documentação, assim possibilitando

extrair informações contidas de forma desconexas e colocando-as em interação

(GUARINELLO, 2003:44). O apontamento em questão converge com os de Hartog, pois a

relação entre o pesquisador e o documento, não é simples e nem imediata (HARTOG,

2003: 190). As concepções do romanista Norberto Guarinello convergem com os

pensamentos do historiador francês François Hartog, sobre os documentos históricos, pois

percebemos que para o autor a figura do historiador seria importante, para realizar a

mediação entre os vestígios históricos e a elaboração do passado, pois a documentação não

fala por si.

Tendo em vista a necessidade do aparato metodológico foi aplicada a análise do

discurso mágico. A metodologia citada foi desenvolvida pela Prof.ª Dr.ª Maria Regina

Candido, para lidar com objetos arqueológicos que apresentavam em sua inscrição uma

mensagem mágico-religiosa. Mediante as nossas análises percebemos que as lâminas

latinas se diferenciam em dois modelos: uma voltada para a ação imperativa e outra para a

súplica8.

Um ponto importante detectado foram os locais de depósitos das lâminas. Notamos

que as defixiones ficavam guardadas em sepulturas, fundo dos poços, as fendas dos

santuários, dentro dos templos dos deuses ctônicos, nas margens dos rios e em cemitérios

ou necrópoles. Uma alternativa além das apresentadas acima, é a de colocar a defixio num

local próximo da vítima como a casa, para agilizar o processo de dano devido a

proximidade entre o objeto mágico e o seu alvo. Possivelmente os lugares de enterramento

8 A grade foi adaptada pelo pesquisador Carlos Eduardo da Costa Campos, para lidar com lâminas mágicas que possuíam um discurso de súplica. O método se encontra exposto nas páginas: 76 a 84, na monografia: CAMPOS, CARLOS EDUARDO DA COSTA. As Tabellae Defixionum de Sagunto: As Práticas da Magia e as Interações Culturais na Península Ibérica, séc. I e II d.C. Apresentada e aprovada na UERJ, para obtenção do título de Bacharel em História, no ano de 2009. Disponibilizada no site:

http://www.nea.uerj.br/publica/monografias/MonografiaCarlosEduardodaCostaCampos.pdf

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dos objetos são importantes na maneira de fazer o ritual do tablete de imprecação devido

ao contato do espaço utilizado apresentar uma ligação com a esfera do sagrado. Devemos

somar ao fator apresentado anteriormente outra motivação que seria a de se ocultar os

artefatos para não serem utilizados posteriormente em processo por feitiçaria e assim

guardando o sigilo do solicitante da magia e do mago. Recorremos aos pensamentos de

Maria Regina Candido para endossar nossa visão. No livro “A Feitiçaria na Atenas

Clássica”, a autora argumenta que a região na qual as defixiones são localizadas ratificaria

o seu potencial mágico (CANDIDO,2004: 65). Outros autores que partilham dessa

concepção seriam Mary Beard, John North e Simon Price. Na obra: “Religions of Rome,

volume 2- A Sourcebook” (2008) os historiadores salientam que na maneira de fazer9 as

defixiones latinas haveria a necessidade de se depositar as lâminas de chumbo em lugares

considerados como sagrados para a sociedade romana, para a eficácia da magia

(BEARD,2008:266).

Além das divindades das divindades evocadas nas lâminas, também fica perceptível

o uso dos mortos, sobre os quais o mago deteria certo tipo de conhecimento nessa

modalidade mágica. Tais almas dos indivíduos falecidos seriam daqueles que morreram no

que chamamos de “fora do tempo do ciclo de vida”. O ciclo seria composto das fases:

nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte.10 As pessoas consideradas

como mortas antes do tempo seriam mulheres falecidas no parto, crianças mortas,

indivíduos assassinados e suicidas, por exemplo.

Diante destas considerações realizadas sobre a prática da magia das defixiones, a

vemos como uma possível tática11para subverter uma situação desfavorável em seu favor.

Assim como também poderiam modificar uma determinada estratégia de ordem social, de

dentro dela, e sem com isso modificá-la ou rompê-la. A maneira de fazer as tabellae

9 Segundo Michel de Certeau, as maneiras de fazer constituem as diferentes formas, pelas quais os usuários reapropriam elementos contidos no seu espaço. Ver a obra de CERTEAU, Michel. Invenção do Cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994, p. 41. 10 Conforme CARNEVALE, Tricia Magalhães. Katádesmos: Magia e vingança dos atenienses através dos mortos. In: Vida Morte e Magia no Mundo Antigo, VII Jornada de História Antiga - UERJ . Rio de Janeiro. Ed: NEA – UERJ, 2008, p.90. 11Ibidem, pp. 47-94-100. De acordo com Certeau, a tática é uma forma de se solucionar os problemas do cotidiano de acordo com os seus interesses, assim subvertendo uma ordem social, mas sem transformá-la.

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defixionum apresentam em diversos pontos uma bricolagem12, que aconteceria por meio da

apropriação de elementos pertencentes de diversas culturas, como a grega, a fenícia e

havendo o uso do latim na escrita mágica. Em suma, as nossas considerações parciais

apontam para os indivíduos no Império Romano subvertendo uma situação desvantajosa

para eles através da maneira de usar13 das defixiones, para solucionar os seus problemas

cotidianos.

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12 Ibidem, p.40. A bricolagem para Michel de Certeau seria caracterizada por ser o produto da apropriação por um grupo, de elementos pertencentes a culturas alheias, de acordo com os seus interesses. 13Ibidem, p.39. A maneira de usar são as formas que determinadas práticas, como a magia são empregadas no cotidiano da sociedade.

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