PRÁTICAS DA MAGIA NO MUNDO ROMANO (SÉC. II A.C- … · John G. Gager, em Curse Tablets and...
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doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03013
PRÁTICAS DA MAGIA NO MUNDO ROMANO (SÉC. II A.C- II D.C.)
CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa (NEA/PPGH/UERJ/CAPES)
Um antigo autor latino ha muitos séculos nos disse em seus escritos: Graecia capta
ferum victorem cepit artis intulit agresti Latio1. A partir desta assertiva iniciamos as nossas
reflexões sobre as interações culturais no Antigo Mediterrâneo. Através do apontamento de
Horácio e dos textos clássicos de Plutarco nos é perceptível as interações2 entre gregos e
romanos na Antiguidade.
Na obra Vidas Paralelas de Plutarco, nós notamos um discurso enaltecedor da
cultura grega, a qual possuíria uma primazia na produção artística, arquitetônica,
divinatória entre outras áreas. Na visão da historiadora Maria A. de Oliveira Silva, nos
escritos plutarquianos haveria uma formulação da identidade grega constituída de ritos e
práticas que foram assimilados e reproduzidos por outros povos (SILVA,2009:167).
De acordo com a pesquisadora Maria A. Oliveira da Silva, as práticas culturais
helênicas foram o elemento de atração para os romanos, os quais almejavam possuir um
modelo de vida grego (SILVA,2009:171). Sendo assim percebemos via vestígios
arqueológicos e documentação textual a presença helênica, naquilo que foi a extensão do
Império Romano através da arquitetura, da religiosidade, das artes, do teatro e também, por
meio da prática mágica do katádesmos-κατάδεσμος (grego) / defixiones-tabellae
defixionum (latim).
Segundo Maria Regina Candido, as terminologias apontadas tanto em grego,
quanto em latim nos sugerem: “o movimento de ligar a alma de alguém junto aos mortos
no mundo subterrâneo” (CANDIDO,2004:15). No que tange ao termo defixiones, outro
1 Na tradução temos a seguinte frase: “A Grécia capturada conquistou o agreste Lácio, com as suas artes” (Horácio, Epístolas, II,1,156) 2 A interação seria o processo que ocorre quando um grupo de indivíduos estabelece o contato com outro, assim possibilitando trocas culturais entre os envolvidos. JOHSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1997, p.131.
2
problema emerge quanto a sua designação no masculino ou no feminino. Notamos no
campo historiográfico que há uma tendência em utilizá-lo, no masculino tanto nos textos
franceses, quanto nos de língua portuguesa. Todavia, ao realizarmos uma revisão de nossas
pesquisas, no que tange ao emprego da palavra, percebemos que a terminologia no singular
seria a defixio, sendo de terceira declinação e o seu plural nominativo as defixiones3.
Quanto à historiografia de cunho anglo-saxão4, há preferência no uso do termo curse
tablets, o que causaria alguns problemas, pois nem todas as placas encontradas no local são
de maldição.
De acordo com a filóloga Amina Kropp, as publicações referentes ao trabalho de
investigação arqueológica, sobre os tabletes imprecatórios na Europa se iniciaram
provavelmente em 1897, com os trabalhos de R. Wünsch, na obra Defixionum Tabellae
Atticae (com mais de duzentas lâminas catalogadas, somente em grego) (KROPP,2008:05).
Em 1904, foi à vez de Auguste Audollent publicar um corpus de trezentos e cinco lâminas
de chumbo, de matriz em grega e latina, no seu livro Defixionum Tabellae quotquot
innotuerunt tam in graecis Orientis quam in totius Occidentis partibus praeter Atticas in
Corpore Inscriptionum Atticarum editas.
As pesquisas sobre os tabletes de chumbo foram se ampliando, ao longo do tempo.
Karl Preisendanz produziu em 1928, uma obra intitulada de Papyri Graecae Magicae I. O
autor através de diversos colaboradores conseguiu elaborar uma publicação, sobre os
papiros tidos como mágicos, de matriz grega. A proposta desta obra seria mais antiga, pois
o idealizador de tal projeto foi Albrecht Dieterich, no final do séc. XIX
(CANDIDO,2002:34). Na visão de Gager, os apontamentos realizados por Preseindanz
seria uma peça norteadora para os estudantes de papiros mágicos da Antiguidade Grega e
Romana (GAGER,1987:80-1).
Nós podemos verificar outra produção sobre os tabletes imprecatórios realizada por
Heikki Solin, em Eine Fluchtafel aus Ostia (1968). O autor realizou um estudo sobre as
práticas da magia na antiga cidade de Óstia (Itália), e apontou para o uso das defixiones na
3 Aproveitamos para agradecer ao Prof. Dr. Fábio Faversani (UFOP), pela contribuição no processo de reformulação da terminologia latina das defixiones.
4 De acordo com os termos utilizados BEARD, Mary; NORTH, John e PRICE, Simon. Religions of Rome, volume 2- A Sourcebook. Cambridge: University Press, 2008, p.266 e Daniel Ogden, em “Magic, Witchraft, and Ghosts in the Greek and Roman Worlds: A Sourcebook. New York: Oxford University Press, 2002, pp. 210-212.
3
região. David Jordan, em seu artigo A survey of Greek defixiones not included in the
special corpora, publicado 1985, nos forneceu mais de cem novos tabletes imprecatórios
em sua catalogação, os quais eram desconhecidos até aquele período. Outra pesquisadora
das práticas da magia foi Maria Del Amor López Jimeno, em Las Cartas de Maldición, de
1990. A autora levanta uma problemática em tal artigo, sobre a classificação das
defixiones, como sendo um modelo de carta de maldição, a qual seria direcionada a uma
determinada divindade, com funções tidas como ctônicas5.
John G. Gager, em Curse Tablets and Binding Spells from the Ancient World
(1992), produziu um importante livro sobre as defixiones. Um dos objetivos do autor, na
obra seria o de definir elementos básicos, que poderiam servir nos debates acadêmicos
entre magia e religião (GAGER,1992:V). Além disso, o autor apresenta ao longo de seus
estudos os possíveis locais de depósitos das lâminas como sendo cemitérios e poços. Nas
publicações de Gager e Jordan notamos um ponto em comum, o qual seria a exposição de
que a magia das defixiones permeou diversas Sociedades Mediterrâneas.
O filólogo Fritz Graf, em 1994 publicou o livro La Magie dans L’ Antiquité Gréco-
Romaine. Na obra o autor indica que as inscrições das defixiones são na maioria dos casos
realizadas no chumbo. O autor adota como modelo de classificação das lâminas, as
terminologias que foram desenvolvidas anteriormente por Audollent: defixiones
judiciários, de amor, agonísticos, contra caluniadores/ladrões e as lâminas contra
concorrentes econômicos. Kai Brodersen realizou em 2001, uma publicação sobre as
lâminas denominada de: Briefe in die Unterwelt. Religiöse Kommunikation auf
griechischen Fluchtafeln. Uma das visões apresentadas pelo autor, em seus escritos seria a
dos tabletes de chumbo como sendo cartas que eram enviadas ao mundo dos mortos, as
quais os gregos visavam realizar através desta prática uma imprecação contra os seus
adversários para conquistarem os seus objetivos. Brodersen possui muitos pontos de
convergência, com os escritos de Jimeno sobre a defixio em forma de carta de maldição.
O historiador Daniel Ogden, Magic, witchcraft, and ghosts in the Greek and Roman
worlds : a sourcebook, de 2002 reservou o décimo capítulo de seu livro para tecer
5 O termo ctônico está relacionado com divindades subterrâneas que transportavam e/ou acompanhavam as almas até o mundo dos mortos, ou que possuem uma ligação com a terra.Ver: FLINT, V.; GORDON, R.; LUCK,G.; OGDEN, D. Withcraft and Magic in Europe: Ancient Greece and Rome. London: The Athlone Press, 1999 e Learning from curse tablets: what the defixiones tell us of the ancient world. Acessado em: 17/09/2009. Capturado do site: http://www.pinktink3.250x.com/essays/tablets.htm
4
considerações e realizar análises sobre as lâminas de chumbo. Segundo o autor existem
aproximadamente 1.600 tabletes de chumbo, a maioria foi escrito em grego, com datação
mais recuada no VI séc. a.C. O autor argumenta que os tabletes podem ser encontrados por
toda região do Antigo Mediterrâneo (OGDEN,2002:210). O que endossaria a nossa
reflexão de que teria ocorrido um processo de interações culturais das sociedades
mediterrâneas com os gregos e os romanos.
Josep Corell elaborou em 2002, um catálogo intitulado de Inscripcions romanes del
país Valencià: (Saguntum i el seu territori). O autor apresenta em seus escritos uma
diversidade de inscrições romanas, as quais foram encontradas na região de Valencia –
Espanha. Entre o material utilizado por Corell, nós conseguimos detectar a catalogação de
seis defixiones latinas localizados em Sagunto.
Adams publicou as suas reflexões sobre as defixiones bretãs em 2006, no artigo
The social and cultural implications of curse tablets [DEFIXIONES] In Britain and on the
Continent. O autor analisa os tabletes de chumbo, como sendo uma forma alternativa, que
a população da província da Britannia Romana, se valeram para conseguir obter justiça ou
vingança por um dano, que sofreram em suas vidas. Artur Ribeiro, no artigo As tabellae
defixionum: Características e propósito, de 2006 mapeou as defixiones encontrados na
Península Ibérica. Ribeiro observa que nem sempre a motivação para a realização da
imprecação está contida na lâmina (RIBEIRO,2006:240) possivelmente para assegurar o
sigilo do solicitante.
No cenário brasileiro notamos que o estudo da magia das defixiones vem sendo
explorado por uma parte diminuta dos pesquisadores. A maior parte dos trabalhos
produzidos em nosso país foram enfocados nas defixiones de matriz grega, como vemos
nos estudos da helenista Maria Regina Candido, que se iniciou em tal pesquisa com a obra:
A violência das palavras nas imprecações judiciárias, de 1998 e nos trabalhos da
pesquisadora Tricia Magalhães Carnevale, com o artigo: Mito e Magia no discurso dos
katadesmoi na Atenas dos V e IV séculos a.C., de 2004. Um campo pouco explorado nesta
seara seria das lâminas latinas, o qual é nosso objeto de estudo.
Em nossas pesquisas partimos do pressuposto que as lâminas latinas foram
produzidas nas sociedades mediterrâneas, após os contatos destas localidades com os
romanos. Tal fato se torna endossado ao verificarmos que as datações referentes às
produções dos tabletes de chumbo, são posteriores ao contato destas regiões com a cultura
5
romana. Para analisarmos a expansão romana pelo Mediterrâneo vamos nos utilizar dos
pensamentos do historiador Guarinello. Para o autor, o Império Romano seria o produto de
um processo lento de expansão militar e de uma política centralizadora, que teria se
iniciado em Roma e se expandido sobre a Itália. Com o passar dos tempos tal avanço
romano conquistou as regiões que estavam às margens do Mediterrâneo e se estendendo
até a Bretanha. O referido pesquisador ressalta que este império seria composto de uma
diversidade de culturas (GUARINELLO,2009:149).
O romanista Norberto Luis Guarinello expõe que o governo imperial romano, se
utilizou do latim no Mediterrâneo Ocidental e a promoção do sincretismo religioso, para
gerencia e controlar a diversidade da área imperial. Tal procedimento na região ocidental
teria gerado uma política – cultural de latinização, assim almejando elaborar uma
identidade romana baseada numa história em comum e na incorporação do modelo de vida
romano6. Complementamos a visão de Guarinello com os estudos de Marc Mayer.
Segundo o pesquisador seria perceptível o impacto da latinização em território ibérico, por
exemplo, pois teria produzido uma intensa absorção do alfabeto latino, em detrimento da
utilização daquilo que seria o antigo sistema de escrita ibérico (MAYER,2005:260).
A magia das defixiones baseados na matriz latina poderia ser encontrada em
diversas regiões do Mediterrâneo Antigo, como Jordan, Gager e Ogden apontaram. No que
corresponderia a Byzacena, uma lâmina foi detectada na atual Tunísia / antiga Thysdrus, e
datada como pertencente aos meados do IV sec. Outro conjunto de lâminas foi encontrado
na antiga região de Hadrumetum, nos é perceptível que a produção de grande parte das
quarenta e duas lâminas econtradas ocorreu no período compreendido entre os séculos II e
III d.C. No que tangeria a Numidia, nos foi possível detectar a existência de uma lâmina
latina do IV séc. d.C encontrada na região de Cirta, atual Constantine. No território que foi
denominado pelos romanos de África Proconsularis, região na qual se encontrava Cartago
percebemos uma produção de trinta e sete lâminas de chumbo. A maioria das defixiones
encontradas na região foram datadas entre os séculos II e III d.C. e havendo somente um
tablete imprecatório datado como pertencente ao IV século d.C.
6 Na visão de Guarinello os hábitos e os costumes romanos a serem adotados, pelos demais povos seriam: as vestimentas, arquitetura, fundação de cidades, uniformização dos estutos municipais, na frequencia a escolas de cultura latina para as elites locais. Além destes pontos levantados, nós acrescentamos a inserção da religiosidade romana nas áreas coloniais. GUARINELLO, Norberto Luis. Império Romano e Identidade Grega. In: FUNARI, Pedro Paulo A. & SILVA, Maria A. de Oliveira.Política e Identidades no Mundo Antigo. São Paulo: Ed. Annablume; Fapesp, 2009, p.153.
6
Na antiga província romana da Britannia, foi encontrado um corpus de dezentos e
trinta e duas lâminas de chumbo. Os dois pontos de maior depósito dos tabletes foram:
Bath (88) e Uley com (39) com grande parte das suas lâminas sendo periodizadas entre os
séc. II e IV d.C. É interessante frisar que todas as defixiones da Britannia estão em latim e
as datações são posteriores ao séc. I d.C. Possivelmente as defixiones bretãs seriam a
bricolagem, que aconteceu a partir do séc. I a.C, com os processos de interação cultural
entre nativos e romanos, e que se intensificou no séc. I d.C.
No território referente à antiga província romana da Gália foram descobertos cerca
de quarenta e oito defixiones, distribuídos pela: Bélgica, Lugdunensis, Aquitania e
Narbonensis. A localidade com maior número de depósito foi à Bélgica, com dezenove
lâminas, com as datações entre o II e o V séc. d.C. Nas outras regiões da província as
periodizações variam entre o I e o IV séc. d.C.
No que era considerado por Roma, como Germânia Superior, nós identificamos
cerca de cinquenta e três defixiones produzidos na região. O período de produção
corresponderia em sua maioria - entre os séculos I e III d.C. A área de maior concentração
de indícios arqueológicos foi Kreuznach (Alemanha), com onze defixiones.
No que correponderia a antiga Hispania, até o presente momento nós encontramos
o total de vinte e três lâminas produzidas, em todo território da Península Ibérica. As
localidades de maior concentração dos indícios arqueológicos, por nós estudados foram:
Emporion – seis defixiones com datações compreendidas entre os séculos I a.C e II d.C.,
Saguntum – seis tabletes com a periodização referente aos séculos I e II d.C., Corduba –
com cinco lâminas, as quais foram delimitadas cronologicamente entre os séculos II a.C e I
d.C.
Na Península Itálica foram encontrados oitenta tabletes de imprecação
(KROPP:2008,p.14). As defixiones se encontram distribuídos pela antiga região da
Etruria, a qual conta com seis tabletes. A maioria das lâminas etruscas não possuem
datação, apenas duas foram datadas. Uma pertenceria a Cerveteri, território no qual foram
encontradas diversas necróplis etruscas, a lâmina seria referente ao século II/I a.C.A outra
ao século II d.C e foi localizada em Arezzo. Picenum foi uma antiga região da Itália
romana banhada pelo mar Adriático, na qual notamos a presença das defixiones. De acordo
com a catalogação de Amina Kropp, a lâmina não possui uma datação exata, assim como
foi detectado apenas um tablete sem datação especificada, em Marsi.
7
Continuando nossas análises sobre a Antiga Itália, nós notamos que na Campania,
foram encontrados oito defixiones latinas, com maior incidência em Pompéia. Contudo se
faz necessário frisar que apenas uma lâmina pompeiana foi datada. Tal tablete pertenceria
ao século II a.C, a maioria das outras defixiones da Campania pertenceria ao século I d.C.
No que era compreendido na Antiguidade, como Latium foram encontradas vinte e duas
lâminas de chumbo. As datações variam entre o I séc. a.C. e o séc IV d.C. No que foi
conhecido como Lucania, notamos que o território possuiria apenas uma lâmina sem
datação.
Venetia et Histria foi um dos territórios romanos reorganizados pelo imperador
Augusto e naquela localidade detectamos a descoberta de nove defixiones. No que tangeria
as datações elas variam entre o I a.C e o III d.C. Na Aemilia duas lâminas sem datação
específica foram encontradas, em um urna funerária na Necrópoles della Marabina. Na
Corsica foi perceptível a presença de uma defixios, o qual se encontra se uma
periodização. No que foi a Sardinia notamos que foram descobertos duas lâminas datadas,
com a temporalidade de uma delas demarcada no séc. I d.C. No que pertenceria a Sicilia,
foi encontrada uma lâmina do séc II d.C.
De acordo com a estatística da pesquisadora Amina Kropp (2008:p.14), as regiões
do Império Romano com a menor incidência de defixiones latinas foram: Delos, Moesia,
Noricum, Panônia e Récia. No que corresponderia à localidade das Ilhas Cíclades, na
Grécia nos foi possível destacar a presença de uma lâmina de chumbo na região de Delos,
a qual foi produzida na segunda metade do século II a.C. A procedência da lâmina seria de
uma antiga Necrópoli da região. No antigo território da Moesia, foi encontrada uma
lâmina, provavelmente no que seria uma antiga termas romana. O tablete possui a datação
referente à primeira metade do século II d.C. A região ficava situada no que conhecemos
como Balcãs, ao longo da margem sul do rio Danúbio. Ela incluiria os respectivos atuais
territórios do norte da República da Macedônia, Sul da Sérvia, norte da Bulgária, Sudeste
da Roménia, Moldávia Sul e Budjak .
Noricum foi um antigo território céltico. Se estenderia ao longo da região da atual
Áustria e uma parte da Eslovénia. Com o processo de expansão romana tornou-se uma
província do império, no século I a.C. Na parte que hoje compreende a Áustria foram
encontrados uma defixio em Mautern e outro em Wilhering. A primeira lâmina foi
8
periodizada como pertencente a meados do séc. II d.C, já a segunda não foi possível
estabelecer uma datação precisa.
A Panônia foi uma antiga região romana, a qual foi anexada no século I a.C. Na
sua geografia ela é banhada ao norte e ao leste pelo rio Danúbio. Fazia fronteira com
Noricum a oeste e com a Itália superior, e ao sul com a Dalmácia e Moesia superior.
Pannonia estava localizada sobre parte do atual território da Hungria, com partes na
Áustria, Croácia, Sérvia, Eslovénia, Eslováquia e Bósnia-Herzegovina. Na região os
vestígios arqueológicos apontam para a existência de defixiones. Uma defixio foi
encontrado em Kupa na Croacia, outro em Ljubljana (Eslovênia), uma lâmina em Petronell
(Áustria) e um na região de Ptuj, que faz parte na atualidade da Eslovênia. As lâminas
possuem a datação entre os séculos I e II d.C.
No que foi conhecido como província da Récia, os contatos com o mundo romano
podem ser datados desde o século I a.C., como vemos nos escritos de Políbios (Histórias,
XXXIV,10). Na região temos um total de oito lâminas de chumbo. Os tabletes
imprecatórios foram analisados como pertencentes aos séculos I e III d.C. e havendo maior
número de depósito das defixiones nas regiões de Bregenz (Áustria) e Neustadt
(Alemanha).
9
Tabela com o número de lâminas por região7
O mapeamento e uso da documentação apontada foi possível pelas mudanças na
área da escrita da História, que vieram ocorrendo nas últimas décadas do século XX.
Novos olhares foram lançados sobre os objetos de pesquisa e aplicações metodológicas.
Tal fato levou a uma modificação do conceito de documento histórico e a adoção da
perspectiva multidisciplinar, que é cada vez mais exigida em decorrência da diversidade da
natureza da documentação que passa a ser utilizada nas pesquisas em História (SAMARA,
2006:11). Setores da sociedade, que até determinado momento estavam deixados à
margem das análises foram englobados nos estudos históricos. O historiador italiano Carlo
7 Tabela produzida pelo pesquisador Carlos Eduardo da Costa Campos tendo como base o livro: KROPP, Amina. Defixionies – Ein Aktuelles Corpus Lateinischer Fluchtafeln.Speyer: Kartoffeldruck – Verlag Kai Brodersen, 2008.
10
Ginzburg ressalta em “O Inquisidor, como antropólogo”, que o diálogo da História com a
Antropologia teria provocado uma transformação nos eixos de análises e nas aplicações
metodológicas, para dar conta das especificidades existentes como vemos na História
Cultural (GINZBURG,1991:205).
Norberto Guarinello, foi outro importante pensador sobre a questão teórico-
metodológica, nas pesquisas históricas. Em suas concepções a teoria e a metodologia nos
permitem tecer uma análise aprofundada sobre a documentação, assim possibilitando
extrair informações contidas de forma desconexas e colocando-as em interação
(GUARINELLO, 2003:44). O apontamento em questão converge com os de Hartog, pois a
relação entre o pesquisador e o documento, não é simples e nem imediata (HARTOG,
2003: 190). As concepções do romanista Norberto Guarinello convergem com os
pensamentos do historiador francês François Hartog, sobre os documentos históricos, pois
percebemos que para o autor a figura do historiador seria importante, para realizar a
mediação entre os vestígios históricos e a elaboração do passado, pois a documentação não
fala por si.
Tendo em vista a necessidade do aparato metodológico foi aplicada a análise do
discurso mágico. A metodologia citada foi desenvolvida pela Prof.ª Dr.ª Maria Regina
Candido, para lidar com objetos arqueológicos que apresentavam em sua inscrição uma
mensagem mágico-religiosa. Mediante as nossas análises percebemos que as lâminas
latinas se diferenciam em dois modelos: uma voltada para a ação imperativa e outra para a
súplica8.
Um ponto importante detectado foram os locais de depósitos das lâminas. Notamos
que as defixiones ficavam guardadas em sepulturas, fundo dos poços, as fendas dos
santuários, dentro dos templos dos deuses ctônicos, nas margens dos rios e em cemitérios
ou necrópoles. Uma alternativa além das apresentadas acima, é a de colocar a defixio num
local próximo da vítima como a casa, para agilizar o processo de dano devido a
proximidade entre o objeto mágico e o seu alvo. Possivelmente os lugares de enterramento
8 A grade foi adaptada pelo pesquisador Carlos Eduardo da Costa Campos, para lidar com lâminas mágicas que possuíam um discurso de súplica. O método se encontra exposto nas páginas: 76 a 84, na monografia: CAMPOS, CARLOS EDUARDO DA COSTA. As Tabellae Defixionum de Sagunto: As Práticas da Magia e as Interações Culturais na Península Ibérica, séc. I e II d.C. Apresentada e aprovada na UERJ, para obtenção do título de Bacharel em História, no ano de 2009. Disponibilizada no site:
http://www.nea.uerj.br/publica/monografias/MonografiaCarlosEduardodaCostaCampos.pdf
11
dos objetos são importantes na maneira de fazer o ritual do tablete de imprecação devido
ao contato do espaço utilizado apresentar uma ligação com a esfera do sagrado. Devemos
somar ao fator apresentado anteriormente outra motivação que seria a de se ocultar os
artefatos para não serem utilizados posteriormente em processo por feitiçaria e assim
guardando o sigilo do solicitante da magia e do mago. Recorremos aos pensamentos de
Maria Regina Candido para endossar nossa visão. No livro “A Feitiçaria na Atenas
Clássica”, a autora argumenta que a região na qual as defixiones são localizadas ratificaria
o seu potencial mágico (CANDIDO,2004: 65). Outros autores que partilham dessa
concepção seriam Mary Beard, John North e Simon Price. Na obra: “Religions of Rome,
volume 2- A Sourcebook” (2008) os historiadores salientam que na maneira de fazer9 as
defixiones latinas haveria a necessidade de se depositar as lâminas de chumbo em lugares
considerados como sagrados para a sociedade romana, para a eficácia da magia
(BEARD,2008:266).
Além das divindades das divindades evocadas nas lâminas, também fica perceptível
o uso dos mortos, sobre os quais o mago deteria certo tipo de conhecimento nessa
modalidade mágica. Tais almas dos indivíduos falecidos seriam daqueles que morreram no
que chamamos de “fora do tempo do ciclo de vida”. O ciclo seria composto das fases:
nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte.10 As pessoas consideradas
como mortas antes do tempo seriam mulheres falecidas no parto, crianças mortas,
indivíduos assassinados e suicidas, por exemplo.
Diante destas considerações realizadas sobre a prática da magia das defixiones, a
vemos como uma possível tática11para subverter uma situação desfavorável em seu favor.
Assim como também poderiam modificar uma determinada estratégia de ordem social, de
dentro dela, e sem com isso modificá-la ou rompê-la. A maneira de fazer as tabellae
9 Segundo Michel de Certeau, as maneiras de fazer constituem as diferentes formas, pelas quais os usuários reapropriam elementos contidos no seu espaço. Ver a obra de CERTEAU, Michel. Invenção do Cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994, p. 41. 10 Conforme CARNEVALE, Tricia Magalhães. Katádesmos: Magia e vingança dos atenienses através dos mortos. In: Vida Morte e Magia no Mundo Antigo, VII Jornada de História Antiga - UERJ . Rio de Janeiro. Ed: NEA – UERJ, 2008, p.90. 11Ibidem, pp. 47-94-100. De acordo com Certeau, a tática é uma forma de se solucionar os problemas do cotidiano de acordo com os seus interesses, assim subvertendo uma ordem social, mas sem transformá-la.
12
defixionum apresentam em diversos pontos uma bricolagem12, que aconteceria por meio da
apropriação de elementos pertencentes de diversas culturas, como a grega, a fenícia e
havendo o uso do latim na escrita mágica. Em suma, as nossas considerações parciais
apontam para os indivíduos no Império Romano subvertendo uma situação desvantajosa
para eles através da maneira de usar13 das defixiones, para solucionar os seus problemas
cotidianos.
REFERÊNCIAS ARIÑO, Borja Díaz. Epigrafía latina republicana de Hispania. Volume 26 de Instrumenta (Barcelona). Barcelona: Edicions Universitat Barcelona, 2008. CORELL, Josep. Invocada la Intervención de Iau en una defixio de Sagunto (Valencia). Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik. Bonn, 2000. ______. Inscripcions romanes del país Valencià: (Saguntum i el seu territori). Vol.1. Valencia:Universidad de Valencia, 2002. GAGER, John G. A New Translation of Ancient Greek and Demotic Papyri, Sometimes Called Magical.The Journal of Religion, Vol. 67, nº: 1, 1987, pp. 80-86 JIMENO, Maria del Amor López. Las cartas de maldición. Minerva: Revista de filología clásica, nº 4, 1990, pp. 131-144 ______. La finalidad de las tablillas mágicas de maldición (defixiones). Estudios clásicos,Tomo 39, nº 112, 1997, pp. 25-34 ______. Sobre una nueva Defixio de Selinunte (SEG39, 1020).Cuadernos de filología clásica: Estudios griegos e indoeuropeos, nº 5, 1995, pp. 209-214. JORDAN, D. R. A survey of Greek defixiones not included in the special corpora. GRBS 26, 1985 a, 151–197. ______. Defixiones from a well near the Southwest corner of the Athenian Agora. — Hesperia 54.3, 1985 b, 205–255. ______. New Greek Curse Tablets (1985–2000). — GRBS 41, 2000, 5–46. KROPP, Amina. Defixionies – Ein Aktuelles Corpus Lateinischer Fluchtafeln.Speyer: Kartoffeldruck – Verlag Kai Brodersen, 2008. PREISENDANZ, Karl. Die griechischen und lateinischen Zaubertafehi. APF nº 9, 1928:119-54 e nº11, 1933:153-64. ______. Fluchtafel (Defixion).RAC, nº 8, 1972:1-29. ______. Papyri GraecaeMagicae: Die griechischen Zauberpapyri. 2ª ed. Rev. A. Henrichs. 2 vols. Stuttgart: Teubner, 1973-74. [PGM] Referência Bibliográfica: ADAMS, Geoff W. The social and cultural implications of curse tablets [DEFIXIONES] In Britain and on the Continent. Studia Humaniora Tartuensia, vol. 7, nº.5, 2006.
12 Ibidem, p.40. A bricolagem para Michel de Certeau seria caracterizada por ser o produto da apropriação por um grupo, de elementos pertencentes a culturas alheias, de acordo com os seus interesses. 13Ibidem, p.39. A maneira de usar são as formas que determinadas práticas, como a magia são empregadas no cotidiano da sociedade.
13
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