PRADO, P. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira

6
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Cia das Letras, 1997. Paulo Prado descreve a manifestação da cobiça pelas ações do aventureiro que corria atrás da prata e do ouro que, durante quase dois séculos, tais pedras preciosas não foram outra coisa, senão ilusões e desenganos. Sendo, para o sustento de tal desejo, necessário trabalhar a terra para o sustento diário, fazendo do século XVI um século com pouco progresso na lavoura e no comércio rudimentar, pois o europeu vivia da caça pesca e frutas. Só nos Sertões do norte, iria ter o Paulista a sua missão povoadora ligada à indústria pastoril. A história do Sertão foi a história dos catadores, faiscadores e lavageiros de ouro, pratas e pedrarias. Lá durante longos anos, foi o cativeiro do gentio, a febre do ouro e da riqueza mineira, com uma obsessão diabólica que convergia para uma idéia fixa avassaladora: ouro, ouro, ouro, ouro. No anseio do enriquecimento cometeram todos os crimes que os homens podem praticar para satisfação das paixões. Mas, apesar destes e outros obstáculos, às vezes de caráter natural, como perigos, fadigas ou desilusões, esmoreceriam os aventureiros. A fascinação da mina invadira o Brasil inteiro. A obsessão foi contínua, espalhada por todas as classes, como uma loucura coletiva. A fama das descobertas em 1698 já se espalhava por todo o Brasil, e das cidades, vilas, recôncavos e sertões afluíam brancos, pardos, pretos e índios, conforme Paulo Prado, contado por uma testemunha da época. 1

description

Paulo Prado descreve a manifestação da cobiça pelas ações do aventureiro que corria atrás da prata e do ouro no Brasil colonia, o qual, durante quase dois séculos, tal corrida, empenho e esforço, por angariar pedras preciosas, nada mais traria do que ilusões e desenganos.

Transcript of PRADO, P. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira

PRADO, Paulo

PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. So Paulo: Cia das Letras, 1997.Paulo Prado descreve a manifestao da cobia pelas aes do aventureiro que corria atrs da prata e do ouro que, durante quase dois sculos, tais pedras preciosas no foram outra coisa, seno iluses e desenganos. Sendo, para o sustento de tal desejo, necessrio trabalhar a terra para o sustento dirio, fazendo do sculo XVI um sculo com pouco progresso na lavoura e no comrcio rudimentar, pois o europeu vivia da caa pesca e frutas. S nos Sertes do norte, iria ter o Paulista a sua misso povoadora ligada indstria pastoril. A histria do Serto foi a histria dos catadores, faiscadores e lavageiros de ouro, pratas e pedrarias. L durante longos anos, foi o cativeiro do gentio, a febre do ouro e da riqueza mineira, com uma obsesso diablica que convergia para uma idia fixa avassaladora: ouro, ouro, ouro, ouro.No anseio do enriquecimento cometeram todos os crimes que os homens podem praticar para satisfao das paixes. Mas, apesar destes e outros obstculos, s vezes de carter natural, como perigos, fadigas ou desiluses, esmoreceriam os aventureiros. A fascinao da mina invadira o Brasil inteiro. A obsesso foi contnua, espalhada por todas as classes, como uma loucura coletiva. A fama das descobertas em 1698 j se espalhava por todo o Brasil, e das cidades, vilas, recncavos e sertes afluam brancos, pardos, pretos e ndios, conforme Paulo Prado, contado por uma testemunha da poca. Porm, para o Brasil o sculo XVIII foi o sculo de seu martrio, pois o ouro, diz Prado, empobrecia esta colnia com guerra civil, com abusos de fisco, e epidemias de fome, paralelamente ao abandono da cultura, como a da terra (agricultura), como a criao. poca do Tijuco, dos contratadores de diamantes e dos novos ricos de fortunas fabulosas, tendo, por exemplo, o Joo Fernandes de Oliveira, celebre pela fortuna e pela grande paixo pela mulata Chica da Silva.No entanto, o Brasil em plena prosperidade nos primeiros anos do sculo XVIII, apesar de sangrado e exausto, se encontrava no fim deste mesmo sculo devastado e destrudo a sua capitania. E junto aos novos descobertos vinha morrer enfraquecida a bandeira. Pois, justamente o que lhes faltaram, como nos diz Paulo Prado, foram os estimulantes afetivos de ordem moral e os de atividade mental, nunca sabendo transformar em gozo a riqueza conquistada. Pois, a energia destes aventureiros concentrou-se num sonho de enriquecimento de sculos mas sempre ilusrio e fugidio... morrendo com essa enganao da mesma fome, sede e loucura, ouro, ouro, ouro, ou seja, de cobia.Paulo Prado cita padre Vieira o qual dizia que a palavra furtar se conjugava de todos os modos na ndia Portuguesa. Da Europa do Renascimento nos veio o colono vido de gozo e vida livre, em seguida vindo o portugus da governana, sendo o nosso colonizador. Na histria do Brasil, foram trs fatores contribuintes ao culto do vcio sexual: o clima, a terra, a mulher indgena / a escrava africana. E dos excessos da vida sensual, diz Prado, ficaram traos indelveis no carter de nossa sociedade. Na luta entre sensualismo e paixo do ouro, sem preocupao poltica, intelectual ou artstica, criava-se a melancolia, a tristeza, a qual sucedeu intensa vida sexual do colono, desviadas s perverses erticas, no que conclui Prado, dum fundo atvico. Concluindo ainda, com um discurso de carter fisiolgico, talvez maneira de Nietzsche, Prado nos diz que: a cobia uma entidade mrbida, uma doena do esprito, com seus sintomas suas causas e evoluo, podendo absorver toda a energia psquica, sem remdios para seu desenvolvimento, sem curas para seus males... pois no anseio da procura afanosa, na desiluso do ouro, esse sentimento tambm melanclico, pela inutilidade do esforo e pelo ressaibo da desiluso.

As primeiras tentativas nacionalistas aqui no Brasil, comparativamente libertao da Amrica, ligaram-se declarao de Independncia dos EUA, onde vigorava a propaganda da Enciclopdia, aparecendo, deste modo, o Brasil como a terra da liberdade. Porm, aqui, no Brasil-Colnia em sculo XVIII, se prolongou a indigncia intelectual de l da metrpole. A civilizao se limitou faixa litornea; uma parte da emigrao, acentua Paulo Prado, acordaria nas delcias da mestiagem num desleixo tropical entre mulatas e festas religiosas. E neste ambiente marcado pela sensualidade e ignorncia o qual, de vez em quando, encontrava uma individualidade culta, formou-se um grupo escolhido de valor moral e intelectual a quem coube a direo dos negcios pblicos, e na comdia parlamentar que veio a ser a histria poltica do Imprio.No Brasil, Prado nos diz que o desvarios dos nossos poetas e a altiloqncia dos nossos oradores foram responsveis pela separao do lirismo romntico com a positividade da vida moderna, juntamente com as foras vivas e inteligentes constitutivas da realidade social... hipertrofia da imaginao e sensibilidade, resultando em misantropia e pessimismo. Quase todos os poetas de nosso tempo, determina Paulo Prado, alm de morrerem moos, pressentiam morte e amor. E o desejo de morrer vinham-lhes da desorganizao da vontade e da melancolia desiludida, representando, assim, a astenia da raa e o vcio das origens mestias do Brasil, vivendo tristes, conclui Prado, numa terra radiosa.A hiperestesia sexual como trao especial no desenvolvimento tnico no Brasil, segundo Paulo Prado, teria evitado a segregao do africano, sendo diferente no caso dos EUA. A luxuria e o desleixo social reuniram as raas, se fazendo uma amlgama pelos acasos sexuais sem repugnncia fsica ou moral.

O negro no um inimigo: viveu, e vive, em (...) intimidade com os brancos e com os mestios que j parecem brancos. Nascemos juntos e juntos iremos at o fim de nossos destinos.No cruzamento, sobremaneira, contnuo da nossa vida, desde a poca colonial, o negro desaparece aos poucos, dissolvendo-se, discorre Prado, at a falsa aparncia de ariano puro. No Brasil, a arianizao aparente eliminara as diferenas somticas e psquicas, j no se sabendo quem branco e quem preto. Demos ao mundo um espetculo dum povo habitando um territrio que a lenda considera imenso torro de inigualveis riquezas, e no sabendo explorar o seu quinho. Pois, para Paulo Prado, hipoteticamente, dos agrupamentos humanos de razovel importncia, o Brasil seria talvez o mais atrasado. Imperando, assim, um vcio nacional: o vcio da imitao, na associao de Paulo Prado, o que significaria importao. Em resumo, Paulo Prado deduz que a nica questo vital para o pas a questo poltica. Sendo este um problema premente para resolver, a questo dos homens pblicos.

PAGE 1