Prado, A. L. - Kamasutra - Versão em Português - 032012

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É muito comum nesta obra os olhos ficarem inebriados com as imagens e o cérebro se perderum pouco da mensagem. Isto é sabido por todos. Nesta versão, tomamos o cuidado de descartarmosas imagens (mantendo apenas umas poucas para reverenciar monumentos hindus) enos detivemos no texto. Assim, muito mais que os olhos, apurem a mente, e boa viagem.

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O KAMASUTRAO Tratado Hindu do Amor e do Sexo

Mallanga Vtsyyana

Do original em espanhol

2011

O KAMASUTRA

Mallanga Vtsyyana

APRESENTAO PARA ESTA VERSO BRASILEIRAO Kamasutra, obra atemporal de Mallanga Vtsyyana ao mesmo tempo uma leitura alegre e instigadora. Instigadora porque, escrito h mais de mil e oitocentos anos, pinta um retrato com todos os matizes de uma sociedade extica e maravilhosa. A cultura hindu , no mnimo, curiosa... Alegre, porque trata de um tema tabu at os nossos dias (pelo menos na sua forma textual) e, fazendo isso no transcurso dos Sculos, acrescenta pitorescas pitadas de nossa!. Kama o significado hindu para amor, prazer, satisfao, enquanto que o sutra quer dizer tratado onde se encontram reunidas, sob a forma de aforismos as regras dos rituais, da moral e da vida quotidiana dos hindus. Da que o trabalho do nosso mestre quer se referir a um tratado sobre a arte do amor e do prazer. Enquanto isso insere informaes importantes e interessantes sobre a fascinante cultura e a sociedade hindu e mais aprofundadamente na casta brmane. uma boa oportunidade para uma revisitao histrica e social que tem sido explorado sob o aspecto, muitas vezes da excentricidade, para dizer o mnimo. muito comum nesta obra os olhos ficarem inebriados com as imagens e o crebro se perder um pouco da mensagem. Isto sabido por todos. Nesta verso, tomamos o cuidado de descartarmos as imagens (mantendo apenas umas poucas para reverenciar monumentos hindus) e nos detivemos no texto. Assim, muito mais que os olhos, apurem a mente, e boa viagem. Divirtam-se! E se puderem ampliar seus horizontes, melhor ainda; afinal, a inteno do nosso mestre Vtsyyana, ainda no Sculo III era exatamente esta: lembrar o que a natureza ensinou e o homem tenta melhor ao longo do tempo.

Alexandre L.Prado Para esta verso em portugus

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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O KAMASUTRA

Mallanga Vtsyyana

INTRODUO

N

enhuma obra literria da ndia clssica e, pensando bem, nenhuma outra de uma civilizao to remota teve a sorte, no Ocidente, de ser to clebre como o Kamasutra, o livro de arte ertico escrito por Mallanga Vtsyyana no Sculo III d.C. O prprio termo Kamasutra tem assumido, em linguagem comum, o sinnimo de sensualidade, que no deixa lugar a dvidas ou ao acaso, e s vezes, soa excessivo e extravagante, para no dizer inverossmil. Esta fama acompanha o Tratado Sobre o Amor assim poderamos traduzir o ttulo em snscrito criado a partir de fartas descries contidas na segunda parte do livro, das posturas amorosas, beijos, abraos, arranhes, mordidas e atos tais, que, sem dvida, soam um tanto surpreendentes para um leitor ocidental, um pouco longe da sua concepo do que seja usual, comum, ou permitido em um tema to delicado, e principalmente quando colocado de forma textual. Por seus efeitos causados pela distncia cultural o texto foi criando cmplices, com tradues especializadas com acesso fcil, ou mesmo desatualizadas ou ainda negligenciadas das suas reais intenes. De qualquer forma, da surpresa ao juzo apressado h uma distncia muito tnue, e por isto, para a maioria das pessoas, o Kamasutra foi convertido em um livro se no pornogrfico, pelo menos picante, luxurioso, e imoral. Quo longe foi este sbio, Vtsyyana, com inteno to nobre e sria!

Em primeiro lugar, o Kamasutra no se ocupa apenas das prticas erticas, mas da totalidade das relaes entre homem e mulher. Impe-se aqui uma advertncia: A ndia nunca entendeu estas relaes em termos de uma dedicao afvel, sentimental, recproca1; toda a concepo indiana de amor deriva do desejo sexual, da atrao fsica, que no se degrada nunca a um plano inferior. O sexo est, naturalmente, submetido a normas e a vetos inclusive muito mais rigorosos que os vigentes no ocidente de ordem social e religiosa, mas, nem por isso, evoca nenhum rechao nem remete ao pecado. Reconhecido como expresso de uma exigncia natural, ele considerado entre as necessidades bsicas: as aes relacionadas com o Amor tm a mesma natureza que a alimentao, j que contribuem para a sustentao do corpo. Em uma viso deste tipo, no surpreende que os abraos dos amantes sejam considerados o prazer supremo nesta terra, e que, ao contrrio, o amor insatisfeito evoque abismos de sofrimento. O Kamasutra um tratado com intenes cientficas e educativas, criado para ensinar aos homens e s mulheres o comportamento que devem ter frente ao desejo, e que indicaes de1 No deve ser fcil, para uma mulher ocidental, viver num pas cheio de crenas, supersties e rituais, onde ela, por exemplo, s pode pronunciar o nome do marido no dia do casamento e, jamais, poder chamar sua sogra pelo nome. // Uma moa (ou menina) no pode escolher seu pretendente, pois o compromisso da unio com a casta a que pertence e no com seus sentimentos. E, para proteg-la contra a esperteza do corao, nada melhor que lhe providenciar um casamento, o quanto mais jovem possvel. Por isso vemos tantas crianas vivas, sofrendo o martrio do afastamento social). Editado a partir de http://www.almacarioca.net/as-mulheres-na-cultura-indiana-lu-dias/. (NT)

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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vem seguir para conseguir uma vida amorosa feliz. A funo da sensualidade est definida no conjunto de relaes entre os sexos, examinadas em mincias: os princpios ticos, as preliminares bsicas, a conquista, o casamento, as relaes com mulheres distintas em uma poca de poligamia, a prostituio, o adultrio. Vtsyyana no se cala s coisas que desaprova. Ao multiplicarem-se as situaes, estudam-se os estados de nimo e as reaes dos amantes com uma profunda base psicolgica; advertem-se sobre as implicaes sociais e as consequncias das decises tomadas, no se levando em considerao que certos costumes e aspiraes podem corresponder a realidades distintas e especficas. Com seu estilo expositivo, o Kamasutra quer colocar-se entre os textos oficiais do seu tempo, expresso de uma honorvel e ponderada doutrina: a forma de exortao realizada mediante uma srie de aforismos (sutra um aforismo para prosa) uma das privilegiadas entre os tratados em snscrito mais antigos. A base da composio de uma obra com este estilo encontra-se no apenas em uma viso benevolente da sensualidade, mas tambm em uma slida anlise da posio que esta deve ocupar na vida humana. Desde as primeiras palavras, Mallanga Vtsyyana alude doutrina clssica e fundamental que regula a tica brmane2 e mais tarde a hindu: enquanto est nesta vida, o homem est obrigado a cultivar um determinado grupo de valores definidos finalidades da vida - (purusartha), ou triada (trivarga) por antonomsia3 -, que devem contribuir ainda mais com o bem estar de si prprio e dos outros. Estes grupos de valores so o dharma, o artha e o kama. Para estes termos, e em particular para o primeiro, as lnguas ocidentais no tm uma correspondncia exata, o que significa que fizemos a traduo do Kamasutra utilizando a Lei Sagrada, o til e o Amor. Convm ter claro que os significados subtendidos so especificamente hindus. Com dharma se indica a ordem csmica; no final da vida, a adequao do homem a esta ordem, ou seja, a observncia das normas rituais e das leis, compreendendo o respeito aos direitos e deveres da classe social qual se pertena. Em resumo, trata-se da uniformizao ativa com tudo o que consideram justo do ponto de vista tico e legal. O artha expressa, ao contrrio, a finalidade concreta pela qual vivemos, e em especial, pelos interesses materiais e pela riqueza. Mas que nenhum outro, a tutela da artha dever do soberano, cujo bem estar coincide com o do reino e o dos seus sditos em outras palavras, o artha o seu dharma pessoal. Com kama se designa, fundamentalmente, o desejo, como algum pode realmente orgulhar-se pela capacidade de dar prazer e satisfao; o que mais apetece e produz a satisfao suprema , naturalmente, o prazer ertico, e que, neste

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O Hindusmo uma das religies mais antigas do mundo. No h um fundador desta religio, ao contrrio de tantas outras - no Islamismo, por exemplo, temos Maom, e no Budismo, o prprio Buda. O Hindusmo, na verdade, se compe de toda uma interseco de valores, filosofias e crenas, derivadas de diferentes povos e culturas. // Para compreender o Hindusmo, fundamental situ-lo historicamente. Por volta de 3 000 a.C., a ndia era habitada por povos que cultuavam o Pai do Universo, numa espcie de f monotesta de castas -, comea a perder o sentido, pois existe um clamor tico por igualdade e solidariedade. // Tradicionalmente os hindus tm sido divididos em quatro castas: os Brmanes, os Kchatriyas, os Vaicyas e os Sudras. Os que no pertencem a nenhuma destas castas so chamados os intocveis! Lutas tribais entre castas so muito comum. // A casta Brmane considerada a mais elevada, a mais inteligente, superior. O casamento, associaes ntimas, negcios ou sociedades entre membros de castas diferentes so totalmente proibidos. Editado a partir de http://www.solbrilhando.com.br/Sociedade/Religiao/Hinduismo.htm. (NT)

3 Antonomsia: Figura que consiste em substituir o nome prprio por um nome comum ou por uma expresso que o d a entender e viceversa: O poeta das pombas (para significar Raimundo Correa), Um Rui Barbosa (para designar uma pessoa de grande talento). http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=antonom%E1sia&CP=14411&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50. (NT)

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caso, o prazer ertico seja entendido quase como um sinnimo de satisfao. Desta forma, a sensualidade ocupa o primeiro lugar na viso hindu do amor. At agora se falou dos homens. E que lugar ocupam as mulheres? Na sociedade brmane, sua vida transcorre por caminhos muito estreitos [como vimos em nota de rodap anterior (NT)]. Relegadas a uma posio de constante inferioridade, geralmente consideradas seres perigosos e impuros, a ortodoxia as exclui da educao, da cincia sagrada e da participao no rito vdico, relegando-as aos estratos mais inferiores da coletividade. Elas no so mais que o prolongamento de um homem, do qual dependem sempre e ao qual seguem presas seguindo-o em seu destino: pai de minhas filhas, ento um marido indispensvel. Este tem que ser honrado como um deus; em particular, a ele se devem a procriao e o cuidade dos filhos homens, e apenas estes so importantes para ele j que um dia cumpriro os ritos necessrios para mant-lo no cu. Mas, precisamente nesta funo, comea a aparecer para a mulher a possibilidade de resgate. Se a mulher capaz de, sem se retrair, aceitar este ideal de dedicao e fidelidade absoluta, redimida da infmia e da iniquidade que lhe cobrada congnitamente, tornando-se, ento, um ser sublime. dever do dharma de uma mulher, ao un-la de forma indissolvel a um homem, coloc-la a servio do Amor. Isto vale para todos os casos; se renuncia misso de esposa, pode esperar reconhecimento social apenas como prostituta. Poderiamos pensar que, ao se considerarem seres inferiores, no mbito ertico, s mulheres caberia apenas o papel de objeto no prazer masculino. Mas, por uma espcie de milagre cultural, acontece exatamente o contrrio; dado que o amor sua misso reconhecida, na sensualidade ela adquire igualdade absoluta com o homem. De outro lado, como se poderia dar a verdadeira satisfao do desejo, que por si mesmo um valor que temos que buscar, sem a participao e o envolvimento de ambos? A literatura snscrita no cessa de propor companheira, como modelo, um parceiro ntimo desinteressadamente satisfeito, caso contrario este ir reivindicar os seus direitos. Para Mallanga Vtsyyana este um ponto forte. Muitas das partes do Kamasutra, em particular a seo sobre o amor fsico, resultariam absolutamente inconcebveis se no plano ertico as mulheres no fossem consideradas, para todos os efeitos, em igualdade de condies com os homens. O amor, portanto, tem como base a sensualidade, ocupa um posto reconhecido na vida do homem e a essncia da mulher. Na satisfao do amor ambos podem reclamar as mesmas exigncias. Por isto, na literatura normativa brmane, onde como regra o interlocutor somente o macho, o Kamasutra se apresenta como uma clamorosa exceo: o nico tratado que se dirige, abertamente, tambm a um pblico feminino, e as convida, tanto s nobres quanto s cortess, a estud-lo com o mximo proveito. Uma ltima observao: se o amor se compreende a partir do prazer recproco, no nos pode surpreender a ausncia da sensualidade e, como fim, da procriao. Embora seja bvio que os filhos nasam em obedincia ao kama, estes pertencem, na verdade, esfera do dharma. Do ponto de vista religioso e social, ao mundo dos deveres.Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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O kama na India brmane um ingrediente da tica humana estabelecido oficialmente; e Mallanga Vtsyyana, ao decidir-se a escrever este tratado, no alterou a sua tica individual de avaliao e inspirao, tal como, por exemplo, Ovdio em Ars Amatoria4. Em relao com o poeta latino, um autor da antiga ndia mantm laos distintos com sua obra e com a cultura na qual se move. Um sintoma disso a dificuldade em definir datas, que, por regra, acompanha a literatura snscrita, sobretudo dos autores mais famosos, e que tem uma soluo parcial em termos de cronologia relativa; alem disso, h que se considerar, sempre, o mistrio que sempre ronda esses autores. Mallanga Vtsyyana no uma exceo: no se conhece com certeza nenhum dado sobre sua vida. E sobre sua atuao no Sculo III d.C. o resultado de minuciosas referncias, obra de estudos modernos. Traos caractersticos da ndia, concepo mtica da histria e a debilidade da noo de indivduo excluem, quase sempre, os dados biogrficos em benefcio de citaes fictcias, carregadas de simbolismos. Mas isso no nos parece to grave: se uma civilizao rejeita peremptoriamente certos tipos de informao porque essas informaes nos lhes parecem indispensveis. Baseado em pressupostos despersonalizantes, a cultura indiana tende a mover-se em ondas objetivas, onde cada voz se liga ao pensamente que a precede para reelabor-lo; e pretende que nos enfrentemos com ela em termos de histria das ideias e no da mera cronologia e da inovao revolucionria do indivduo. Mallanga Vtsyyana se coloca, consciente e orgulhoso, nesta tradio. Quando produziu sua obra, o bramanismo tinha redigido os textos fundamentais sobre o dharma e sobre o artha, ou seja, o Dharmasastra atribuido a Manu e o Arthasastra atribuido a Kautilya. Vatyayana copia, evoca e imita distintas sees do tratado anterior, que toma como modelo tanto no esprito quanto na estrutura e estilo. Mas sobre o kama, como enfatiza o autor do Kamasutra desde o primeiro pargrafo, exibe uma literatura nova, florescente, que ele toma como fonte e justificativa. Mallanga Vtsyyana vincula a teoria da origem e finalidade da vida a fins celestiais, atribuindo a elaborao desta teoria a Prajapati, deus criador da literatura vdica. Os ensinamentos do Senhor supremo teriam logo se subdividido e sido copiados por trs autores distintos: cada um deles teria se ocupado de expor sobre uma finalidade: Manu, o dharma, Brhaspati, o artha e Nandin, servo do deus Siva, o kama. Manu, considera que o primeiro homem pela mitologia, o presumido autor de um tratado sobre o dharma. Contudo, esse, bem como os autores dos outros tratados incluem-se entre os personagens que no se podem considerar fidedignos para efeitos de dados biogrficos. A extenso que o Kamasutra atribui ao tratado de Nandin (mil captulos) demasiado ampla para poder ser atribuda como expresso da verdade ou obra real. A situao muda quando Mallanga Vtsyyana decide ocupar-se de uma das finalidades da vida: o kama. As nvoas da lenda se desvanecem. Svetaketu, que trabalhou no resumo da ampla obra de Nandim, parece ter vivido realmente, e, sobretudo, parece que a sua autoria foiA Arte de Amar ("Ars Amatoria", em latim) uma srie de trs livros do poeta romano Ovdio. Escrita em versos, tem como tema a arte da seduo. Os primeiros dois volumes da srie, escritos entre 1 a.C. e 1 d.C., falam 'sobre conquistar os coraes das mulheres' e 'como manter a amada', respectivamente. O terceiro livro, dirigido s mulheres e ensinando-as como atrair os homens, foi escrito depois. A publicao da Arte de Amar pode ter sido ao menos em parte responsvel por Ovdio ter sido banido de Roma pelo imperador Augusto. A celebrao do amor extraconjugal pode ter sido tomada como uma afronta intolervel a um regime que promovia os 'valores da famlia'. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ars_Amatoria. (NT)4

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atribuda a um tratado sobre o Amor. Mallanga Vtsyyana, no transcurso de sua obra, convalida, inclusive com citaes, a existncias desses predecessores a partir da obra de Svetaketu. A consistncia histrica e os laos com o Kamasutra so mais chamativos quando passamos ao personagem Babhravya del Pancala, que se apresenta como alguem que resume o livro de Svetaketu. Na poca de Mallanga Vtsyyana, o texto de Babhravya era a fonte mais autorizada sobre o kama. A partir deste tratado foi que o autor do Kamasutra tirou a inspirao fundamental e o material bsico da sua obra, e, sobretudo, a subdiviso do tratado em sete sees, cada uma dedicada a um tema especfico. A obra de Babhravya, todavia muito extensa, foi reformulada por sete autores que tentaram sistematizar cada uma das sete sees individualmente, separando-a do restante da obra. Dattaka, por convite das cortess da cidade mais importante da ndia daquela poca, Pataliputra (hoje Patna), sistematizou o captulo sobre a prostituio; Carayana trabalhou com a parte geral; Suvarnanabha com a unio ertica; Ghotakamukha com as relaes com as donzelas; Gonardiya dedicou-se a sistematizar a seo que tratou sobre as mulheres casadas; Gonikaputra dedicou-se s esposas dos outros e Kucumara s doutrinas secretas. Esta a situao que se apresentava antes de Mallanga Vtsyyana. E, para ele, havia chegado o momento de colocar ordem no caos. Muito grande para um estudo rpido e de fcil compreenso, o tratado de Babhravya corria o risco de ser esquecido em um ba de recordaes, inclusive por culpa de imitaes fragmentadas do seu trabalho; sobre este trabalho, sua utilidade fica limitada, pois cada um confrontado com uma parate de um tema amplo; por este motivo Mallanga Vtsyyana decide compor seu Kamasutra resumindo toda a matria em um pequeno livro. Desde as primeiras linhas, Mallanga Vtsyyana no se apresenta como um autor original, seno como um reelaborador, em termos da atualizao de doutrinas que, em sua poca, eram mais antigas. A prova disso est entre aspas, ou melhor, em parfrases, que aparecem continuamente nesta obra, do pensamento dos seus predecessores desde Svetaketu. Quando no for adicionado qualquer comentrio - e o meio mais comum, de acordo com um procedimento recorrente do estilo em snscrito -, porque o texto compartilhado na sua totalidade. Crticas mais frequentes vm da parte de invocados "professores noidentificados", talvez apenas em razo da necessidade de discusso. Para entrar no debate e colocar a sua viso pessoal, cita-se Mallanga Vtsyyana na terceira pessoa; quando essa forma no existir, quer dizer que o autor apenas tenta melhorar o que j foi dito poca, em textos de Babhravya, da sua escola e dos seus sete epgonos5. O autor do Kamasutra emerge como o continuador de uma efervescente tradio literria, entre os que no querem cortar as razes de suas venerveis doutrinas e sempre reclamam a autoridade de todos os que nobremente os precedem. Aurlia Nicsio

5 Epgonos: Representante da gerao seguinte. Seguidor, discpulo de um grande mestre nas letras, nas cincias, nas artes. http://www.dicio.com.br/epigono/. (NT)

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PARTES

APRESENTAO A ESTA VERSO BRASILEIRA INTRODUO I PARTE GERAL1 Resumo do tratado 2 Realizao das trs finalidades da vida 3 Exposio do saber 4 A vida do homem elegante 5 Exame das amantes, dos amigos e da funo dos alcoviteiros

2 3 12 12 13 16 19 22 25 25 28 29 31 33 35 36 38 39 40 42 45 48 50 50 53 53 55 56 59

II UNIO ERTICA1 Descrio do prazer segundo as medidas, a durao e o temperamento a Distintas classes do amor 2 Anlise dos abraos 3 Variedades do beijo 4 Diferentes formas de arranhar 5 Regras para morder a Costumes locais 6 Diversas maneiras de deitar-se6 a Unies extraordinrias 7 Utilizao de tapas. Como recorrer a gemidos apropriados 8 O amor como homem. As iniciativas do homem durante a unio 9 O amor com a boca 10 Incio e final da unio 11 As diferentes classes de unio a As disputas de amor

III RELAES COM AS DONZELAS1 Normas para pedir em casamento a Comprovao das relaes 2 Como inspirar confiana s donzelas7 3 Como se iniciar com uma donzela6

Deitar-se: aqui utilizado como neologismo para fazer sexo ou fazer sexo deitado Para o Kamasutra a donzela a mulher de at dezesseis anos de idade.

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O KAMASUTRAa Atitudes e expresses 4 Cortejo por parte do homem, sem intermedirios a A conquista do homem eleito b O que uma donzela obtm do cortejo 5 Diferentes formas de contrair matrimnio

Mallanga Vtsyyana 61 62 64 64 66 69 69 72 73 74 74 75 76 76 78 78 80 80 81 83 84 86 90 93 96 98 98 100 101 103 105 105 106 109 112

IV MULHERES CASADASa O comportamento da mulher quando a nica esposa b Conduta durante as viagens do marido 1 Como deve se comportar a esposa mais velha ante as outras mulheres a Como deve se comportar a esposa mais jovem b A viva que volta a se casar c A esposa que cai em desgraa d A vida no harm e As relaes do homem com muitas esposas

V AS ESPOSAS DE OUTRO HOMEM1 A ndole da mulher e do homem, e os motivos da rejeio a Os homens que tm sucesso com as mulheres b Mulheres que podem ser conquistadas sem esforo 2 Maneiras de conhecer melhor as mulheres a O namoro 3 Exame da prestao de contas 4 As funes do alcoviteiro 5 As aventuras amorosas dos reis e soberanos 6 O comportamento das mulheres no harm a Como ser o guardio das esposas

VI A PROSTITUIO1 Anlise dos amigos, dos homens com os quais pode-se ou no estabelecer uma relao e as razes para se estabelecer uma relao a Como atrair um possvel cliente 2 Como o prazer com um amante 3 Mtodos para se obter dinheiro a Como reconhecer um homem desencantado por amor b Como descartar um amante 4 Reconciliao com um amante 5 Diferentes tipos de renda 6 Perdas e ganhos: Exame das consequncias e diferentes categorias de prostitutas

VII AS DOUTRINAS SECRETAS1 Como ser atraenteVerso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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O KAMASUTRAa Como vencer b Estimulantes da virilidade 2 Como reacender o desejo que se apaga a Como engrossar o pnis b Simpatias

Mallanga Vtsyyana 118 119 121 122 122

NOMES BOTNICOS CITADOS NO TEXTO LOCAIS DA NDIA CITADOS NO TEXTO MAPA DA NDIA ATUAL

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I - PARTE GERAL1 RESUMO DO TRATADO

R

econhea-se os mritos da Lei Sagrada, do til e do Amor, pois disto fala o tratado8; e reconhea-se tambm os mritos dos mestres que expuseram estas doutrinas, pela relao que estas tm com este tratado.

De fato, no princpio, Prayapati9, depois de haver criado os seres vivos, props, em cem mil captulos, as normas para a consecuo das trs finalidades da vida. Normas estas, que so, para as seres vivos, o fundamento da sua existncia. Mais tarde, Manu Svayambhuva acrescentou a sua parte Lei Sagrada; Brhaspasti separou o que se referia ao til e Nandim, servo de Mahadeva, separou, dentre os mil captulos, aqueles que tratavam do Amor10. Logo Svetaketu, filho de Uddalaka11, reduziu este tratado a quinhentos captulos e, por sua vez Babhravya, de Pacala, reduziu a obra a cento e cinquenta captulos, divididos em sete sees: parte geral; unio ertica; a relao com as mulheres donzelas; as mulheres casadas; as esposas dos outros; a prostituio; e por ltimo, as doutrinas secretas. Deste resumo, Dattaka tratou, em separado, na sexta seo, das prostitutas, a pedido das cortess de Pataliputra. Carayana, seguindo seu exemplo, exps, em obra separada, a parte geral; Suvarnanabha exps a parte sobre a unio ertica; Ghotakamuka, das relaes com as donze-

8 A Lei Sagrada (dbarma), o til (ariba) e o Amor (kama) so as trs finalidades da vida, geralmente definidos com o nome conjunto de trivarga, que, segundo as doutrinas brhmanes e logo hindus, cada homem est obrigado a conseguir no curso de sua existncia. Os componentes do trivarga esto indissoluvelmente unidos entre si, e por isto Mallanga Vtsyyana, que trata especificamente do kama, no pode deixar de examinar as relaes com os demais valores. 9

Senhor das Criaturas: o deus que, desde o incio do mundo, deu origem a todos os seres vivos.

10 Prayapati, Manu, Brhaspati e Nandin so seres mitolgicos. Svayambhuva significa filho do que existe por si mesmo; este Manu o primeiro representante da humanidade a quem o criador deu vida. Mahadeva (Grande Deus) Siva, uma das divindades mais importantes do panteo hindu. 11

A partir deste autor, nos encontramos com personagens histricos e tratados sobre o Amor, que parecem ter existido.

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las; Gonadiya, das mulheres casadas; Gonikaputra, das esposas dos outros; e Kucumara, das doutrinas secretas12. E assim, escrita parte por parte, pea por pea, por muitos mestres, a obra de Babhravya caiu quase em desuso. Chegando-se a este ponto, fragmentado, a obra elaborada por Dattaka e os outros autores e o texto de Babhravya ficou difcil de ser estudado e entendido dada a sua extenso. Ento, se comps este kamasutra, na forma de um pequeno livro13.

2 REALIZAO DAS TRS FINALIDADES DA VIDA

O

homem, cuja vida pode alcanar cem anos, deve distribuir seu tempo e dedicar-se as trs finalidades da vida, subordinados entre si, e de tal forma que um no prejudique o outro. Quando criana, procure adquirir cultura e aspectos ligados ao til; se entregue ao Amor durante a juventude, e, na velhice, Lei Sagrada e Liberao14. Ou, dada a incerteza da vida, pode dedicar-se a cada uma dessas fases assim que tenha a oportunidade. O perodo juvenil dos estudos, no entanto, deveria durar at o final previsto para a instruo.

Agir conforme a Lei Sagrada consiste em fomentar, segundo as doutrinas, algumas aes, como os sacrifcios aos deuses, que no se cumprem por necessidade, j que no pertencem a este mundo e no se percebem as vantagens; e ao descartar, sempre segundo as doutrinas, atos como alimentar-se de carne15 como costumam fazer, pois pertencem a este mundo, logo percebem os resultados. A Lei Sagrada pode ser aprendida nos textos da Revelao16 e tendo contato com especialistas. O til procurar cultura, terras, ouro, ganhos, bens materiais, amigos e coisas parecidas e sempre aumentar o que houver obtido. Pode-se aprender com o comportamento dos empregados, dos conhecidos, daqueles que conhecem as tcnicas dos profissionais e dos comerciantes.

12 Estes autores so conhecidos por outras fontes literrias, exceo de Suvamanabha, cujo nome (Umbigo de Ouro) faz crer em um pseudnimo; o mesmo que Gonikaputra, que parece um nome desfigurado, onde o o representaria um a para eliminar um significado difamatrio, ou seja, filho de uma puta. 13

O termo sutra (aforismo sinttico em prosa) indica a forma literria em que est composta a obra sobre o kama.

14 Refere-se importante doutrina dos estgios da vida, prescrita pelos textos para os que pertencem s trs primeiras classes sociais, sobre todos os brmanes. correto que um homem passe por um perodo na sua juventude dedicado aos estudos sagrados (brahmacarya), onde se obriga castidade; aps isso, se case e seja o cabea da famlia (grhastha). Uma vez nascido o filho do seu fiho seu neto -, pode deixar sua casa e retirar-se para o bosque como um eremita (vanaprastha), dedicando-se aos rituais, penitncia e meditao; finalmente, j ancio, pode decidir-se por abandonar todos os seus bens terrenos para tornar-se asceta mendicante (sannyasin) e buscar a perfeio espiritual. A cada um desses estados corresponde a busca de um fim especfico da vida e uma forma de complement-los.

15 No tempo de Mallanga Vtsyyana, o vegetarianismo j estava difundido na ndia desde Sculos antes, em sintonia com as doutrinas da no violncia. Era, e , uma prtica que segue de forma particular, a classe dos brmanes, sacerdotes e intelectuais, qual que pertencia o autor. 16

Por Revelao entende-se o corpus dos Veda, os textos sagrados mais antigos da ndia, considerados atemporais pelos profetas e transmitidos por eles a toda a humanidade.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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O KAMASUTRA

Mallanga Vtsyyana

O Amor atuar de forma que resulte agradvel a audio, ao tato, a viso, ao paladar e ao olfato, cada um ao seu modo, todos controlados pela mente unida alma. Mas, especificamente, o Amor a sensao adequada alma transbordante de alegria que brota da conscincia rica em resultados e relacionada com um contato especial17. Isto se pode aprender no Kamasutra e no contato com as pessoas. Quando a Lei Sagrada, o til e o Amor entram em conflito, o que precede sempre mais importante. O til, contudo, o mais importante para um soberano, porque nele se fundamenta o curso regular do mundo; e tambm para uma prostituta. Assim se conseguem as trs finalidades da vida. Algum pode objetar: se a Lei Sagrada no pertence a este mundo, conveniente a existncia de um tratado que a explique; e esta observao vale tambm para o til, dado que, para valer, necessrio que haja um mtodo e este se consegue com um manual. Mas o Amor, pelo fato da sua espontaneidade at nos animais, por ser inato, no precisa de um tratado; a opinio de alguns especialistas. Contudo, como depende da unio ertica de um homem e de uma mulher, exige um mtodo, que se consegue com o Kamasutra, diz Vtsyyana. Entre os animais, ao contrrio, a vida sexual no necessita de mtodos, porque as fmeas no se mantm escondidas; o acasalamento ocorre at a satisfao, durante todo o perodo do cio, e as unies no so acompanhadas de nenhuma reflexo. Outros asseguram que no se devem realizar as aes recomendadas pela Lei Sagrada, pois apenas produzem resultados no futuro e que torna essas aes incertas. Quem, se no est tonto, daria a outro o que tem nas mos? prefervel um pombo hoje que um pavo real amanh; melhor uma moeda de ouro segura que um colar de ouro incerto; a opinio dos materialistas18. Mallanga Vtsyyana diz, ao contrrio, que se devem realizar as obras previstas pela Lei Sagrada, pois as escrituras no podem suscitar dvidas; vemos que os sortilgios e os exorcismos tm existido s vezes. As constelaes, a lua, o sol e o conjunto dos planetas parecem atuar em benefcio do mundo; alm disso, o curso regular das coisas no mundo est determi-

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Kama, palavra analisada sob diversas conotaes. Em primeiro lugar, Mallanga Vtsyyana o define como toda experincia agradvel. A partir desta concepo geral o autor passa a uma segunda, mais especfica, onde kama se identifica com o amor ertico. E se poderia parafrasear assim a definio: se tem kama quando a alma leva o estmulo sensorial ao nvel dos rgos sexuais (a partir de um estmulo ou contato especial), e vive-se uma experincia real e conciente (no sentido prprio), que coroada com o prazer do orgasmo (rica em resultados). O pr-requisito para que isto acontea a relao entre dois seres humanos sob a influncia da paixo, uma vez que isso traz a "alegria" de "conscincia", que acontece nos beijos, nas carcias e similares.

18 Os materialistas reduziam toda a realidade a nica atividade da matria; negavam a existncia dos deuses, de uma alma transcendente e da vida depois da morte, e rechaavam, naturalmente, a santidade e a autoridade dos Veda.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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nado pela observncia das normas sobre as classes sociais e sobre os estgios da vida19 e evidente que a semente que temos nas mos se planta em funo da colheita futura. Para alguns ainda no se deve tomar como obrigatrias as medidas relacionadas com o til. Benefcios perseguidos com grande esforo podem no chegar nunca, ou podem no ser conquistados sem uma busca especfica por eles. Uma vez que tudo obra do destino, ele realmente leva os homens riqueza ou pobreza, ao sucesso ou ao fracasso, felicidade ou tristeza. O destino transformou Bali20, o destino o destronou; o destino ser sempre colocado em um pedestal. a argumentao preferida pelos pessimistas e fatalistas21 .

Um mtodo, no entanto, o fundamento de toda a atividade, porque pressupe o esforo do homem. O benefcio da segurana, para a maioria, depende de alguns fatores. Um homem ocioso no pode depender s da sorte. a opinio de Mallanga Vtsyyana. Para alguns, finalmente, no se deve tomar as aes relacionadas ao Amor como eles enfrentam a Lei Sagrada e o til, que so as coisas so mais importantes e, portanto, com pessoas honestas, podem induzir um homem a ter contatos com pessoas indignas e impuras e comprometer o seu futuro. Provocam, alm disso, negligncia, desconfiana e excluso por parte de outras pessoas. Se ouve muito falar de escravos do Amor, que tiveram final horrvel, junto dos seus; assim foi com Dandakya, rei dos Bhoja, que por amor violou a filha de um brhmane22 terminando arruinado com sua estirpe e o seu reino. E basta pensar no rei dos deusas com Ahalya, no poderosssimo Kicaka com Craupadi, em Ravana com Sita, e em muitos outros, que viveram mais tarde: escravos do Amor, como se pode ver, gravemente castigados23. o que entendem os defensores do til.

19 As classes em que se divide a sociedade hindu, segundo um rgido esquema de finais de poca vdica, em ordem decrescente de importncia na organizao social: brhmanes (brabmana), os sacerdotes e intelectuais; ksatriya, reis e guerreiros; vaisya, campesinos e comerciantes; sudra, os empregados de outras classes. Apenas os que pertencem s trs primeiras classes so universalmente considerados arya, nobres, enquanto que os sudra ficam excludos de qualquer participao nos rituais da cultura vdica. 20 Trata-se da famosa lenda do demnio Bali, que consegiu tanto poder que ameaou substiuir Indra, rei dos deuses. Contudo, Vishnu venceu-o utilizando-se de um estratagema em uma de suas descidas ao mundo. Vishnu apareceu para ele sob a forma de um ano e pediu-lhe a concesso de terras em que pudesse cobrir em trs etapas. Bali fez a concesso, imaginando que, como ano, no poderia fazer nada. Vishnu se tornou um gigante e em dois passos, assenhorou-se do cu e da terra, abrindo mo do inferno (os trs mundos concedidos) para ser governado por Bali.

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Os fatalistas provavelmente so os Ajivika, cujas doutrinas fazem depender o curso do mundo exclusivamente do destino, visto como fora csmica impessoal. O homem no tem livre arbtrio nem responsabilidade moral pelo curso do mundo. Diz-se que o rei Dandakya ou Dandaka, da linhagem dos Bhoja, teria seduzido a filha do eremita Bhargava. Este, como maldio, teria enterrado o reino do rei sob uma chuva de areia.

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23 Indra, rei dos deuses, seduziu Ahalya, a esposa do sbio eremita Gautama, naquele que foi, sem dvida, o adultrio mais famoso de toda a literatura snscrita. Draupadi a esposa dos cinco irmos Pandava, protagonistas do Mahabbarata; o guerreiro Kicaka, que colocou armadilhas, para raptar Draupadi, pagou seu gesto com a morte nas mos de Bhima, um dos cinco irmos. O rapto de Sita, a virtuosa esposa de Rama, perpetrado pelo demonaco rei Ravana, que foi assassinado, e seu reino, Lanka, caiu devastado, a trama central da grande epopia hindu, Ramayana.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Na realidade, as aes relacionadas com o Amor tm a mesma natureza que a alimentao, j que contribuem com o sustento do corpo e so fruto da Lei Sagrada e do til24. Mas convm fugir s consequncias negativas. De fato, no se deixa de colocar as panelas do fogo porque h mendigos por perto; nem se deixa de semear a terra porque j existem brotos. Esta a opinio de Mallanga Vtsyyana. Algumas valorosas estrofes sobre o assunto em questo:

Um homem que se dedique como temos dito, ao til, ao Amor e Lei Sagrada consegue a felicidade sem espinhos, infinita, tanto aqui na terra como em qualquer outro mundo. Os sbios se ocupam das aes onde dvidas no h sobre as consequncias, e nas quais se encontram alguma satisfao sem causar prejuzo algum ao til. Que se tome iniciativa que resulte eficaz para realizar as trs finalidades da vida, ou ao menos duas, ou ainda uma; mas no conseguir apenas uma, prejudicando s duas outras.

3 EXPOSIO DO SABER

Umarido.24

m homem deveria estudar o Kamasutra e as cincias complementares sem roubar o tempo do estudo da Lei Sagrada e do til e das cincias auxiliares. Uma mulher deveria dedicar-se a esse estudo antes da juventude25, e uma vez casada, a critrio do seu

Alguns sbios sustentam que, partindo da premissa de que as mulheres no entendem os textos cientficos, intil instru-las neste livro. Mas, se elas entendem o aspecto prtico, porque este se baseia em um tratado; assim que pensa Vtsyyana. E no apenas nesta rea, mas em todas as reas. Apenas uns poucos conhecem os textos cientficos e, contudo, a prtiA sensao que, observando as regras da Lei Sagrada e buscando um bemestar econmico adequado, ser o chefe da famlia ter o direito de garantir, por direito divino, o desfrute das alegrias do amor.

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De acordo com a classificao de um tratado de erotismo posterior (o Ratirahasya), uma mulher donzela (bala) at os dezesseis anos; dos dezesseis at os trinta anos taruni (que quer dizer jovem); at os cinqenta e cinco anos praudha (madura), e, depois velha (vrddha).

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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ca lhes afeta a todos. Ainda que remotamente, sempre h a possibilidade de haver instrues de ordem prtica. Existe a gramtica, mas, mesmo sem serem gramticos, os que realizam os sacrifcios, utilizam uha26 durante os rituais. Existe a astrologia, mas mesmo quem no a domina leva a bom termo o compromisso com os dias propcios. O mesmo que os pastores de cavalos e elefantes, que sabem como cuid-los sem haver estudado para isso. Pelo fato de existir um soberano, o povo, que est longe dele, no ignora as leis impostas por ele. assim que as coisas so. Na verdade, cortess, filhas de reis ou de altos dignatrios, ocuparam sua inteligncia com este tratado. Por isso, uma mulher deveria aprender, de forma reservada e atravs de pessoa de confiana, sobre os aspectos prticos deste tratado, ou pelo menos uma parte do mesmo. Quando donzela deve estudar, em segredo sobre as plantas, e sobre as sessenta e quatro artes ou cincias complementares que se aplicam ao exerccio feminino. Em outros casos, podem ser mestres da donzela: a filha da sua ama de leite ou bab, que tenha crescido com ela e que tenha se unido a um homem; ou uma amiga com as mesmas caractersticas, com a qual ela possa conversar sem nenhum perigo, ou uma tia materna que tenha a mesma idade que ela; uma velha escrava de total confiana, que ocupe o lugar desta ltima, ou uma monja mendicante que a donzela j conhea, e uma irm, se se pode confiar nela. As sessenta e quatro cincias complementares do Kamasutra, que formam suas subdivises secundrias27 so as seguintes:o canto, a msica instrumental, a dana, a confeco de adesivos para a testa28, a criao de decoraes ornamentais com arroz e flores; a decorao com flores; o clareamento dos dentes; o cuidado e a ateno com a roupa do corpo; trabalhos de incrustao com pedras; arrumao de camas; arranjos sonoros usando gua; criar jogos com asperso de gua; criar truques surpreendentes; tranar colares de maneiras variadas; fazer diademas e coronitas29; saber fazer seu prprio asseio pessoal; formas diferentes de adornar os lbulos das orelhas; preparar perfumes; enfeitar a casa; saber a arte da magia; conhecer os remdios de Kucumara; destreza com as mos; preparar diferentes tipos de verduras, sopas e alimentos slidos; preparar bebidas, sucos, temperos e licores; trabalhos de costura em tecido; jogos de carretis; tocar msica com o alade e com o tambor; resolver enigmas; escrever sob a forma de estrofes; fazer trava lnguas; recitar trechos de livros; conhecer as obras teatrais e os contos; conhecer de memria estrofes de poesias; conhecer diferentes formas de tecer correias e cintas de juncos; fazer trabalhos de artesanato com barro; carpintaria; ter noes de arquitetura; saber distinguir a prata e as pedras preciosas de outros metais e minerais; metalurgia; conhecer a cor e os lugares de origem das pedras preciosas; saber aplicar as doutrinas sobre o cuidado com os rboles30; preparar peles de carneiro, galos e perdizes; ensinar papagaios e estorninhos a falar; ser especialista em esfregar com as mos; dar massagens e pentear cabe-

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Modificao: Tem lugar quando, em um ritual, se muda um vocbulo para adequ-lo s necessidades do momento.

27 Comumente chamadas artes, Mallanga Vtsyyana elenca nesta famosa passagem, tcnicas de grande valor intrnseco em conjunto, formando a bagagem cultural da amante perfeita. 28

As mulheres indianas tm o costume de colocar um distintivo decorativo no centro da testa. (NT) Coronita: tipo de bebida. (NT) Tipo de rvore. (NT)

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Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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los; comunicar-se utilizando a mmica; conhecer as diversas linguagens convencionais; falar em dialetos; interpretar os orculos celestes; decifrar os pressgios; conhecer o alfabeto dos diagramas msticos31; dominar a tcnica da memorizao; saber recitar um texto em tertlias32; compor poesias mentalmente; conhecer o significado das palavras; conhecer a mtrica da formao de frases; conhecer as normas poticas; saber imitar outra pessoa; conhecer tcnicas de disfarce com roupas; conhecer os diversos jogos de azar (principalmente o jogo de dados); conhecer as brincadeiras de crianas; ser especialista em boas maneiras; ser especialista em estratgias e em exerccios fsicos.

As sessenta e quatro artes de Babhravya so distintas; explicaremos sua utilizao, assentados em argumentos, na seo dedicada unio ertica, j que o amor consiste nestas artes.

Uma prostituta, que se destaca, e tenha um bom carter, beleza e qualidades, consegue o ttulo de cortes e um posto na assemblia pblica. O soberano sempre a respeita, os homens superiores a louvam, se lhe desejam, digna de receber visitas, e considerada como modelo. A princesa e a filha de um alto dignatrio que conhea estas artes submete seu esposo mesmo que no harm haja mil mulheres. Por este motivo, embora o marido esteja longe, ou tenha cado em terrvel desgraa, uma mulher pode viver bem com estas cincias em um pas estrangeiro. Um homem especialista nestas artes, espirituoso e sedutor.31 Os diagramas msticos, dedicados a diversas divindades, servem para concentrar as foras espirituais do devoto por motivos religiosos ou mgicos. Refere-se ao conhecimento das palavras sagradas inscritas nos mesmos, s quais se atribui um poder extraordinrio. 32 Tertlia - Reunio familiar; Agrupamento de amigos; Assemblia literria; Pequena agremiao literria, menos numerosa que as academias e arcdias. Assemblia. (NT)

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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mesmo que seja um desconhecido, consegue com facilidade o corao das mulheres. O xito no amor se consegue quando se aprendem estas artes: mas convm utiliz-las ou no, tendo em conta o lugar o momento.

4 - A VIDA DO HOMEM ELEGANTE

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epois de terminar os estudos e converter-se em cabea da famlia graas ao patrimnio acumulado com doaes, vitrias militares, comrcio ou um estipndio, ou ainda recebido por herana j ganha ou herdada, um homem deve levar vida de elegante33. Viva em uma capital, em uma cidade, em um bairro ou em um importante centro, onde viva gente de bem. Tambm pode faz-lo em outro lugar, de acordo com seus meios de cia. Que ele construa uma casa com dois quartos, com gua corrente, que tenha um jardim com rvores e um ptio para trabalhos diversos. Em um dos quartos trate de colocar uma cama macia, com almofadas em um dos extremos, macia no centro e com uma colcha branca e um peque sof adicional em um dos cantos. Junto cabeceira da cama, um assento de palha (para cumprir com os rituais aos deuses) e uma banqueta. Em cima desta, pomada, uma grinalda, um cesta de cera, um caixa de perfume, folhas de limo e betel34. Uma escarradeira no cho. Ainda no quarto, no muito longe da cama, no cho, deve ficar um assento redondo com apoio de cabea e um uma mesa prpria para o jogo de dados e uma outra para outros jogos. A sala deve ter um alade, uma mesa de desenho, uma caixa de tintas para desenho, algumas guirlandas de amaranto35 amarela.

Fora da casa, viveiros para pssaros domesticados. De um lado um local para trabalhos de carpintaria e outras atividades de entretenimento. No jardim arborizado um balano confort33

Elegante refere-se a um homem culto e refinado, que dispe de meios, tempo livre e leva uma vida social ativa.

34 Betel uma planta trepadeira (espcie de videira), cujas folhas se mastigam junto com pedaos de noz, cal e outras substncias; perfuma a boca, ajuda a digesto e sacia a fome, produzindo ligeira embriaguez. Como resultado do seu uso, produz salivao vermelho escura, tornando necessrio o uso de escarradeira.

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Amaranto - Planta desse gnero, particularmente a espcie Amarantus caudatus, cultivada por sua espiga densa vermelho-carmesim, que se assemelha a uma cauda de raposa. Cor vermelho-prpura. A.-branco: erva amarantcea, glabra e ereta, que vai a 1 m de altura (Celosia argentea); tambm chamada celsia-branca, crista-de-galo, veludo-branco. (NT)

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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vel, sombra, e um pouco de terra viva, coberto por um caramancho, propcio para o plantio de flores. Esta deve ser a disposio da casa. O homem elegante deve procurar levantar-se sempre boa hora e procurar cumprir com suas obrigaes: escovar os dentes, passar uma dose moderada de pomada, de incenso e colocar uma grinalda. Passar um pouco de cera de abelhas e lpis nos lbios. Deve olhar-se no espelho e tomar um pouco de betel para perfumar a boca. Logo aps, deve iniciar suas ocupaes. Banhe-se todos os dias; a cada dois dias, esfregue-se; a cada trs, esfregue-se com uma concha de jibia36 do joelho para baixo; a cada quatro, faa a barba, a cada cinco dias ou dez dias (segundo o mtodo), depile as partes ntimas, sem excees; e, diariamente, remova o suor das axilas. Alimente-se, pela manh e tarde; pela manha e noite, na opinio de Carayana. Aps o caf da manh, pode se dedicar a ensinar papagaios e estorninhos a falar. Organize rinhas de perdizes, galos e carneiros, e dedique-se tambm a passatempos artsticos. Ocupe-se de relacionarse bem com o pithamarda, o vita e o vidusaka37e, logo a seguir, tire um bom descanso. tarde, depois de realizar seu asseio pessoal, dedique-se a jogos de tertlia e, noite, aos espetculos musicais. Ao terminar a noite, com os amigos, em sua casa, bem acomodado e na companhia de transbordante e perfumado incenso, deite-se confortavelmente na cama espera das mulheres em visitas ntimas. Providencie para que um alcoviteiro de sua confiana v pessoalmente escolher algumas mulheres ou v voc mesmo cumprir essa enfadonha tarefa. Receba-as (as mulheres) na companhia de amigos com palavras corteses e gentis e com gestos amveis. Preocupe-se pessoalmente para que estas moas as que lhe venham visitar - nem seus amigos tenham que se importar com as intempries do mau tempo. Nada os pode perturbar nesses momentos de descontrao amorosa. Seja atencioso com todos durante todo o tempo. Utilize-se das vrias ocupaes possveis para o dia e para a noite. Alm disso, saiba organizar procisses38, promover encontros em seu crculo de conhecidos, sees de degustao, excurses campestres nos arredores da casa e jogos de grupos de pessoas. O dia da quinzena ou do ms39 que todos j conheam d uma festa com homens encarregados da organizao no templo de Sarasvati40. Atores de fora sero contratados para fazer um espetculo, e, no dia seguinte, recebam o tratamento e a compensao acordada. A seguir, segundo a vontade, eles podem ficar ou serem dispensados. Se os atores convidados para as36

Mineral marinho em forma de concha com propriedades adstringentes. (NT) As pessoas que formam a corte (entourage) do homem elegante. (NT)

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Entendido aqui no sentido de visitas surpresa casa de outros homens elegantes como forma de estreitar relacionamentos pessoais e amorosos e de seguir ritos dirigidos a divindades. (NT) O ms hindu, que consta de trinta dias lunares, se divide em duas partes: a quinzena chamada escura, com a lua em quarto minguante, que termina com a lua nova, e a quinzena clara, com a lua em quarto crescente, que acaba com a lua cheia. Este calendrio, utilizado mesmo na vida religiosa, prev que alguns dias fixos de ambas as quinzenas sejam reservados para a venerao de uma divindade distinta; como citado, por exemplo, no seguinte comentrio: o oitavo dia se dedicar ao culto de Shiva, o quinto a Sarasvati, e assim sucessivamente.40 39

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A deusa Sarasvati, sempre representada com luminosos vestidos brancos e com um alade e um livro entre as mos, considerada a protetora do saber e das artes.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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festividades no comparecerem, devero ser substitudos por locais. O mesmo vale para as procisses, com suas normas especficas e para cada uma das divindades. A tertlia tem lugar quando homens de cultura, inteligncia, carter, posses econmicas e idades mais ou menos equivalentes se renem com suas amantes na casa de uma destas mulheres, em um salo, ou na casa de um deles. Trocam opinies sobre poesia e arte. Rendem homenagens queles que so brilhantes e queridos pela gente, e formulam-se convites aos que so muito estimados. Organizam-se as festas de forma alternativa: uma vez na casa de um, outra vez na casa de outro. E os homens elegantes convidam as amantes a beberem. Logo, eles bebem madhu, maireya e asava41 com petiscos: saladas base de frutas, verduras e hortalias amargas, picantes e ctricas. As mesmas bebidas e petiscos consumidos nos passeios. No incio da manh, os homens iro a cavalo, elegantemente vestidos, companhia das suas amantes e com os seus criados aos passeios. Comem, bebem e passeiam, organizam brigas de galos, perdizes e carneiros, jogos e atividades ldicas. tarde, ao voltarem para casa, sempre trazem lembranas dos passeios. Alm disso, os homens elegantes podem se divertir mesmo com a estao do calor, aproveitando os locais onde no haja animais para banhar-se em pequenos rios ou lagos na companhia de suas amantes e dos seus amigos. Diverses nos passeios da sociedade: a noite dos yaksa42, viglia de Kaumudi, a festa da primavera, colher mangas, comer gros tostados; degustar fibras de ltus; praticar o jogo das folhas verdes, jogarem gua uns nos outros com canudos, imitar bonecas, o jogo da rvore nica de salmali; o dia da cevada; o dia da liteira; a festa do deus Amor; colher flores de Artemsia; o carnaval; colher e fazer coroas de flor de asoka; jogo dos galhos de manga; quebrar canas de acar; lutas com flores de kadamba. Os homens elegantes participam destes e de outros passatempos, universais e locais, distinguindo-se da gente comum. Se voc est sozinho, se comporta em funo de suas riquezas;

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Bebidas inebriantes: o madh era feito, provavelmente, a base de mel, enquanto que o maireya e o asava se obtinham a partir do melao e de ervas, misturando o primeiro (o maireya) com distintas especiarias e com mel o segundo (o asava).

42 Os yaksa so divindades menores associadas a Kubera, o deus que vigia as fabulosas riquezas que provm das entranhas da terra, ou seja, minerais, metais e pedras preciosas. A noite que leva o seu nome cai em lua nova do ms hindu de Karttika (outubro/novembro), momento culminante de uma celebrao que dura trs dias e que muitas vezes chamada dipavali, iluminar, pois se enfeita acendendo muitas lmpadas. La Kaumudi (luz da lua) a festa da lua cheia do mesmo ms de Karttika. O dia da cevada cai em um ms de Vaixakha (abril/maio): neste dia, jogada fora farinha de cevada perfumada. As outras festividades esto relacionadas com o deus Amor, que na ndia se chama com diversos nomes, entre os quais Kama e Madana (o Inebriante), e conhecido como um jovem fascinante, armado com um arco em que a corda feita com abelhas em enxame, e as flechas so flores. A festa da primavera, dedicada a ele, a mais explcita festa do deus Amor. Nessa poca, as mulheres rendem homenagem ao deus, pagando tributo a rvore asoka, consagrada ao deus Amor, rendendo-lhe sua homenagem. Unido ao deus Amor esta tambm o carnaval hindu, celebrado em dia de lua cheia do ms de Phalguna (fevereiro/maro), derivado da festa da fertilidade; neste dia, as pessoas jogam umas nas outras um p que provoca riso e lquidos coloridos de vermelho. Durante o dia do lixo, no ms de Sravana (julho/agosto), a imagem do deus Amor vem para ser adorada sobre uma espcie de liteira, tambm chamada columpio.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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assim se ilustra tambm o comportamento da cortes e da jovem com as amigas e com os homens elegantes.

5 EXAME DAS AMANTES, DOS AMIGOS E DA FUNO DOS ALCOVITEIROS

O

amor devotado a uma mulher que no teve outro homem de igual classificao dentro das quatro classes sociais de acordo com a escritura, tendo filhos, confere honra e corresponde aos caminhos do mundo43. O oposto e proibido, o amor com mulheres de classe superior44 casadas com outro homem. O amor com mulheres de classe inferior, no expulsas da sociedade, com prostitutas e com vivas que voltam a se casar no se aconselha nem se probe pois s tem validade para a realizao do prazer. Neste sentido, as amantes so de trs tipos: as donzelas, as vivas que voltam a se casar e as prostitutas. Existe ainda uma quarta alternativa: tambm possvel um amante casar com outra mulher diz Gonikaputra. Este o caso quando um homem pensa, "Esta uma mulher sem escrpulos. uma situao que tem sido contestada, mas se unir a ela certamente no uma transgresso Lei Sagrada. Assim, se unir a uma viva, uma mulher que j pertenceu a outro homem, que j foi possuida por outro tambm no transgride a Lei. H situaes em que o homem estabelece: Esta exerce uma presso forte sobre o marido, um grande senhor com boas relaes com meu inimigo; se ficar ntima minha, manter, por afeto a seu esposo, esse indivduo longe. Far com que seu marido mude de opinio fazendo-o pensar que eu no seja hostil e que no posso causar prejuzos. Atravs dela, ganharei um amigo (o marido), e graas a ele saberei quem est comigo e quem contra mim e assim, fazer-me alguma coisa ficar difcil. Conseguida a intimidade dela, matar seu marido e obter o poder que este tem. Ou ainda: Assedi-la no apresenta nenhum risco e traz vantagens para mim, que sou pobre e no tenho meios de subsistncia. Assim, poderei me apoderar, sem esforo, das suas extraordinrias riquezas. Ela conhece meus pontos fracos, e est muito apaixonada por mim; se eu a rechao, ela me arruinar divulgando meus pontos fracos. Me acusar de um delito no cometido, crvel e difcil de defender, e que poder decretar minha runa. Indispor contra mim seu poderoso e dcil esposo, e o alinhar com todos aqueles que me odeiam; o far ela mesma ataques contra mim. Seu marido violar meu harm, e portanto pagar corrompendo suas esposas. Por ordem do rei terei que matar um inimigo seu, que esteja escondido nas cercanias...

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a mulher com que ele pode, de fato, contrair legtimas npcias para realizar o dharma.

44 Este matrimnio est universalmente desaconselhado: se define como pratiloma, ou seja, contrrio ordem natural; quanto maior for a diferena, mais desaconselhvel ser a unio, e, normalmente, os filhos sero de posio inferior dos pais na escala social.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Ou por ltimo: outra mulher se junta com uma mulher que quero. Atravs dela, muito eu posso conseguir. Ela poder me proporcionar uma donzela, inalcanvel por qualquer outro meio, que esteja submetida a ela, rica e bela. Meu inimigo se far ntimo do esposo dela (da outra mulher). atravs da sua mulher, a far provar uma poo envenenada. Por esses e outros motivos parecidos pode-se seduzir a esposa de outro homem. E por esse motivo o adultrio no apenas se realiza pela paixo. So vrias as razes para unir-se esposa de outro. Por motivos idnticos, h um quinto tipo de amante, segundo Carayana: uma viva ligada a um alto funcionrio e ao rei, ou relacionada parcialmente com eles a forma outro tipo de unio a que se confiam responsabilidades. Para Suvarnanbha, um sexto tipo a unio com uma monja mendicante com as mesmas caractersticas. Ghotakamukha opina que uma stima categoria corresponde filha, ainda virgem, de uma cortes ou de uma serva. um oitavo tipo, para Gonardiya, a jovem de boa famlia que superou a infncia, j que com ela se procede de forma diferente. Entretanto, uma vez que a ordem no difere, tambm estas amantes esto includas dentre as que tratamos acima. Por isto Vatsyayaba tem a opinio que as categorias de amantes so apenas a donzela, a viva que volta a se casar, a prostituta e a esposa de outro homem. Alguns autores enumeram ainda como uma quinta categoria, a dos eunucos, como uma categoria distinta. Um homem amante conhecido por todos de um s tipo. Um segundo tipo secreto, que consegue algo especial. Em funo dos mritos ou por falta deles, pode-se reconhecer se um bom, um mdio ou um pssimo amante. Falaremos das qualidades e dos defeitos dos amantes no captulo destinado s prostitutas. Tambm existem as mulheres s quais no se deve frequentar nunca: uma leprosa; uma louca; uma mulher expulsa da sociedade; uma mulher que revele segredos; a que expressa seus desejos em pblico; a que quase passou da juventude45; a mulher branca demais ou negra demais; a mulher que cheira mal; aquela a que se ligado por laos de parentesco; uma mulher por quem se nutre fortes laos de amizade; uma monja; as esposas dos familiares, dos amigos, dos sbios brhmanes ou a esposa do rei.

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A mulher que quase passou dos trinta anos de idade. (NT)

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Os discpulos de Babhravya so de opinio que se pode manter relaes com qualquer mulher que j tenha tido at cinco homens. Gonikaputra diz que a exceo so as esposas dos familiares, dos amigos de outros brahmanes ou do rei. Um amigo o homem com quem se viveu desde criana, com o qual se ache vinculado por um favor, que tenha o mesmo carter e inclinaes, um colega que conhece suas fraquezas e segredos, ou que seja filho da sua ama e tenha crescido junto com voc. Um amigo perfeito o hereditrio, cujo bisav j era amigo do seu bisav. o que mantem a palavra, que tem firmeza de objetivos, dcil, constante, de bom carter, que no se deixa influenciar e que no dado a fazer fofocas. So amigos: o lavadeiro, o barbeiro, o florista, o farmacutico, o garom, os monjes mendicantes, o vaqueiro, o vendedor de betel, o joalheiro, o pithamarda46, o vita, o vidusaka, entre outros. Os homens elegantes devem ser amigos, at mesmo de suas esposas, Vtsyyana diz. Realiza a funo do alcoviteiro, o amigo comum dos amantes, sincero com ambos, e, sobretudo, com ele, e que goza de total confiana da amada. As caracatersticas do alcoviteiro so: destreza, audcia, capacidade de compreender atitudes e expresses, sentido de orientao, conhecimento dos pontos fracos das pessoa, que imponha autoridade, facilidade de convencimento, conhecimento do lugar e do tempo oportunos, rapidez e reflexos, compreenso imediata acompanhada de grande astcia. Um verso sobre o assunto:

Um homem dono de si, com muitos amigos e inteligente, que conhece o carter e distingue o tempo e o lugar, conquista sem fazer grandes esforos inclusive a mulher mais difcil de conseguir.

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- pithmarda espcie de professor de todas as artes; vita espcie de bom malandro; vidusaka espcie de bobo da corte

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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II UNIO ERTICA1 DESCRIO DO PRAZER, SEGUNDO AS MEDIDAS, A DURAO E O TEMPERAMENTOs diferentes tipos de amante masculino, em relao com o rgo sexual, so lebre, touro e cavalo. A amante, ao contrrio, pode ser cervo, gua ou elefante. Neste mbito, quando a relao tem lugar, se do trs unies iguais. Em caso contrrio, existem seis unies desiguais47. Entre as desiguais, se a preponderncia do homem, quando a relao se efetua entre categorias contguas, so possveis duas unies altas. No contgua, existe apenas uma unio superior48. Se a preponderncia da mulher, ao contrrio, entre categorias contguas, se do duas unies baixas, e, no contgua, uma unio inferior. Entre estas, as unies iguais so as melhores; as piores, as marcadas pelo comparativo. As outras so modera-damente boas. Inclusive, em uma situao mdia, uma unio definida como alta prefervel a uma unio definida como baixa. So as nove unies segundo as medidas. Quem, por ocasio de abraos, encontra-se desanimado, tem pouca virilidade e no aguenta os carinhos um homem fraco de paixo. O contrrio, so homens de paixo ardente; o mesmo vale para as mulheres. Tambm assim, no que se refere s medidas, os tipos de unio so nove.

O

47 Refere-se, sem dvida, s possveis combinaes entre os distintos tipos de amantes. Por exemplo, a unio entre homem lebre e mulher cervo igual, assim como lebre e gua desigual. 48 Uma unio alta , por exemplo, a do homem touro e da mulher cervo; a unio superior entre categorias extremas, ou seja, cavalo e cervo. O mesmo raciocnio, ao contrrio, vale para as unies chamadas baixa e inferior.

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Em relao durao, os amantes podem ser velozes, mdios ou lentos. H diversidade de opinies a respeito da mulher. H quem sustente que ela no consegue a satisfao igual ao homem, mas que seu desejo continuamente aplacado pelo macho. Esse desejo satisfeito, se vem acompanhado da alegria da conscincia, um prazer diferente, em que a mulher tem o conhecimento do deleite. Por outro lado, o prazer do homem pertence s categorias definidas como ato cognitivo. E no basta perguntar: Como o seu prazer?49 Ento, um deles poderia protestar: como se pode entender (que o prazer da mulher seja distinto)? Porque o homem, tendo atingido o orgasmo e satisfeito os seus desejos, pra, sem se preocupar com a mulher; ela, contudo, no se comporta assim. o que afirma Svetaketu. discutvel: quando o amante demora muito tempo no ato, as mulheres ficam satisfeitas; enquanto que, se rpido, no percebendo que eles alcanaram a satisfao, elas se irritam. Tudo isso indica se elas alcanaram, ou no, a satisfao. No uma explicao muito vlida, pois a simples satisfao do desejo se aprecia, se dura muito. E como a dvida persiste, a objeo no prova nada. Svetaketu conclui:

Na unio, o homem silencia o desejo da mulher; se acompanhado de conscincia, se chama satisfao.Para outros, a jovem consegue a satisfao de forma continuada, desde o incio. O homem, ao contrrio, apenas no final. Isto parece lgico. Efetivamente, se ela no conseguisse o deleite, no teria lugar a concepo. a opinio dos discpulos de Babhravya. Mesmo o fato de que as mulheres fiquem satisfeitas com os amantes que prolongam muito o ato suficiente para dissipar as dvidas. Poder-se-ia dizer: se as mulheres alcanam o prazer de forma continuada no seria normal se no incio se sentissem indiferentes, e sim o contrrio, quer dizer, muito ansiosas; logo, ficariam entediadas, sem se preocupar-se com as reaes do seu corpo e quereriam parar o ato? Isso no quer dizer, na realidade, nada. Para a roda do oleiro, o fato de a roda girar em torno do eixo em um movimento constante parece normal; no incio lenta, e ento, gradualmente, aumenta a rotao at atingir a velocidade mxima. E a parada s ocorre porque ocorre o gozo e a ejaculao. Por esta razo no h motivos para apor objees. Para os discpulos Babhravya as coisas so assim:

Os homens gozam ao final do amor,O sentido o seguinte: o prazer do homem pertence conscincia, vai mais esfera dos sentidos; por isto no se pode saber quando, por conhecimento, se entende a percepo direta. Alm disso, dado que nem a mulher nem o homem podem experimentar uma forma de prazer diferente da sua, impossvel uma comunicao real entre eles sobre o prazer individual.49

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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O KAMASUTRAe as mulheres em continuidade; vem o desejo de parar porque no h mais smen.

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Com base nisso, Vtsyyana tem a opinio de que a manifestao do prazer da mulher deve ser julgada de igual forma que o do homem: como poderia haver diferena de resultados, se a espcie humana a mesma, se todos buscam alcanar o mesmo objetivo? Talvez pela diversidade de instrumentos e de conscincia? Mas como? A diversidade de instrumentos da natureza. O homem a parte ativa, a mulher a parte passiva. O agente realiza uma funo, a parte passiva realiza outra; ou seja, dada a diversidade de instrumentos, existente tambm uma diferena de conscincia. O homem d-se por satisfeito quando pensa: eu a conquistei; e a mulher se d por satisfeita ao pensar: ele me possuiu. Essa a opinio de Vtsyyana. Mas poder-se-ia argumentar: em funo da diversidade de instrumentos, no deveria dar-se tambm uma diferena de resultados? A diversidade de instrumentos est fundamentada na desigualdade de caractersticas: parte ativa e parte passiva; mas a diferena de resultados, sem base lgica, seria imprpria, j que no existe diversidade de espcies. Neste ponto, possvel dizer: os que trabalham juntos realizam apenas uma tarefa; mas os amantes trabalham individualmente a sua finalidade. Por isto, o planejamento no correto. evidente que se consegue mais em uma meta de cada vez, como uma batida de carneiros, quando investem um contra o outro, ou ainda da luta entre os lutadores. Se se objeta que aqui no h disparidade entre os agentes, a resposta que no nosso caso nem sequer a diversidade essencial, se foi dito antes que a diferena de instrumentos assim em virtude da natureza, o que nos leva concluso de que os dois amantes alcanam tambm igual satisfao. E conclui Vtsyyana:

J que a espcie no diferente, o esposo e a esposa buscam o mesmo prazer; por isto, por qu no acariciar a mulher para que ela seja a primeira a alcanar o prazer?Demonstrada a igualdade h, como no caso das medidas, nove tipos de unio segundo a durao, e baseados nisto, tambm segundo o temperamento. Os sinnimos de orgasmo so: prazer, deleite, amor, satisfao, paixo, ejaculao, obedincia. Os sinnimos de fazer amor so: relao sexual, unio, tabu, hora de dormir, xtase. Como cada uma das unies produzidas pela medida, durao e temperamento so de nove tipos, resulta impossvel, quando estes se mesclam, indicar os distintos modos do amor, so amplssimos. Para cada um, diz Vtsyyana, deve-se usar com critrio as iniciativas erticas. Pgina 26

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Durante a primeira unio o homem ardente e veloz, ao contrrio de nas sucessivas. A mulher, contudo e ao contrrio, age do mesmo modo at que o homem ejacule. Diz-se que o homem fica incapaz para o sexo antes de a mulher.

Pelo fato de serem ternas, graas s carcias e por natureza; as mulheres chegam ao prazer depressa, assim estabeleceram os mestres. At agora os estudiosos tm exposto a doutrina da unio: para ensinar aos menos preparados, vamos agora a uma descrio mais detalhada.

A - DISTINTAS CLASES DE AMOR Os especialistas dos tratados dizem que o amor de quatro tipos: por prtica e por conscincia, por convencimento e por sensualidade. O amor que nasce de uma percepo, e tem como caracterstica a reiterao, h que ser considerado amor por prtica como acontece com a caa ou atividades parecidas. O amor por aes nunca antes tentadas. que no se baseia em objetos sensoriais, mas que apenas nasce de uma vontade ser amor por conscincia. Este amor se reconhece com a boca dos eunucos ou das mulheres e nas diferentes iniciativas como beijos e coisas parecidas.Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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O KAMASUTRAQuem conhece os tratados chama o amor de fato, por convico, se pensa: isso, realmente!, quando a causa do afeto outra. amor, evidente, conhecido por todos, o que descansa nos objetos dos sentidos, porque d os frutos mais importantes: e deste adquirem significado tambm os outros. Uma vez examinados segundo o tratado estes tipos de amor definidos, se coloca em prtica de forma adequada, com base em como eles se apresentam.

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2 ANLISE DO ABRAO

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parte sobre a unio ertica denomina-se sessenta e quatro, porque existem sessenta e quatro pargrafos. A opinio de alguns mestres que com sessenta e quatro se completa um tratado sobre o amor como este. Ou, dado que as artes so sessenta e quatro, e estas formam um ramo da unio ertica, o conjunto das artes se denomina sessenta e quatro.

Alguns consideram que, como tambm as dez sees que formam o Rigveda se chamam assim, e tambm neste caso subsiste uma relao com o termo dez, existe talvez uma conexo com Pacala, os mestres do Rigveda utilizam esta denominao a ttulo honorfico. Para os discpulos de Babhravya, a unio tem outros aspectos: abraos, beijos, arranhes, mordidas, formas de se fazer sexo, gemidos, fazer amor com a boca, e cada um destes aspectos tm variedades distintas, por isso existem outros grupos de oito, que fazem sessenta e quatro. Contudo, parece evidente que alguns destes oito grupos de variedades tm (como veremos) um menor nmero de formas, ao mesmo tempo em que outros tm mais. Alm disso, entram nesse raciocnio, tambm, outros agrupamentos, como pegar, gritar, as iniciativas do homem, as unies extraordinrias e outros mais. Por este motivo, a opinio de Vtsyyana que sessenta e quatro uma forma de expressar-se, como se fala da rvore sete folhas ou do arroz cinco cores. Ou seja, para dois amantes que ainda no se uniram existem quatro tipos de abraos, que servem para mostrar os sinais do amor: o abrao que apenas para provocar uma primeira emoVerso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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o, o abrao que transfere, que mostra, que deixa clara a inteno, o abrao que roa, que apenas sinaliza a inteno, o abrao pecaminoso, que une os corpos e o abrao que aperta, que transmite a emoo. Em cada caso, j se indica a forma de atuar com o termo utilizado como definio. Quando a mulher que pretendemos abraar se apresenta diante de ns, se o homem d um passo adiante sob qualquer pretexto e toca o seu corpo, se tem o abrao que roa. Quando o homem que se seve conquistar est de p ou sentado em um lugar isolado, e a moa, ao pegar alguma coisa, o aperta com fora contra o seu corpo, e ele a agarra, abraando-a, esse o abrao que roa, que apenas provoca uma primeira emoo. Ambos tm lugar quando os dois no tem tido muita oportunidade de se falar entre si. Se no escuro, entre as pessoas, ou em um lugar isolado, andar devagar e esfregar os corpos um contra o outro durante um curto intervalo de tempo, tem-se o abrao pecaminoso, que une os corpos, que mexe com a libido. O mesmo, quando se aperta forte o outro contra uma parede ou coluna, travando-o. A se converte no abrao que aperta. Estes dois tm lugar entre os que conhecem reciprocamente seu estado de nimo. Os quatro tipos de abraos dados no momento do casamento so o entrelaamento na videira, escalando a rvore, gergelim e arroz e leite e gua. Entrelaamento na videira: A mulher, aproximandose como uma videira em torno de uma rvore, faz o rosto do homem se inclinar para beij-la, ou levanta o rosto, preso a ele, entre a luz e, com gemidos, fica um tempo olhando para ele com ternura e ele emaranhado na videira do seu abrao. Este abrao realizado de p. Escalando a rvore: A mulher se coloca de p sobre os ps do amante e coloca o outro p na sua coxa, e em seguida lana-lhe um brao em volta das suas costas e do seu ombro, gemendo e arrulhando um pouco, e vai subindo lentamente para beij-lo. Isto subir na rvore. Este abrao realizado de p. Gergelim e arroz: Deitados na cama, os amantes se abraam fortemente, cruzando as coxas e os braos, quase em uma luta. Este abrao ocorre no momento da paixo. Leite e gua: Ou paixo cega. Sem se preocupar em se machucar, como se para conseguir uma vitria um do outro, ela se senta nos joelhos do homem e o agarra firmemente pelo pescoo enquanto esto sentados na cama. Este abrao ocorre no momento da paixo. At agora, expusemos as diversas formas de abrao na conceo de Babhravya. No entanto, Suvarnanabha tambm enumera seus quatro tipos de abrao. Se um amante aperta o outro com toda sua fora, trabalhando com sua coxa um bloqueio em uma ou ambas as coxas doVerso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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outro, voc tem o "abrao das coxas." Se com a barriga apertando a barriga do outro, a mulher, balanando seu longo cabelo sobre o rosto do homem para poder arranh-lo, mordlo, bater nele e beij-lo, acontece o abrao do ventre". Se com os seios da mulher em seu peito, descansando delicadamente o seu peso o homem pratica o abrao ao seio". Unidos boca a boca, olhos nos olhos, o homem d um leve tapa na testa da mulher, voc tem o ornamento da testa". Alguns consideram que incluir a massagem um tipo de abrao, j que tem lugar um contato. Vtsyyana no concorda, pois a massagem se produz em um momento distinto, e diverge na finalidade j que no uma ao comum dos amantes.

Aos homens que perguntam o que querem conhecer, inclusive os que mostram toda a doutrina dos abraos lhes nasce o desejo do amor. Tambm outros abraos, que no consideramos mas que atiam a paixo, h que utiliz-los com cuidado, pois podem levar unio. O mbito dos acordos mostra que uma vez que os homens comecem a ficar excitados; uma vez movimentada a roda do prazer, nada mais vale o que est escrito.

3 VARIEDADES DO BEIJO

o h uma ordem estabelecida para os beijos, arranhes e mordidas, j que acontecem em momentos de excitao. Recorre-se aos mesmos, geralmente, antes da unio, enquanto que aos golpes e gemidos durante o ato. Vtsyyana diz, ao contrrio, que se pode fazer tudo a qualquer hora, j que a paixo no conhece horrios nem diferenas. Durante a primeira unio convm valer-se dos mesmos com uma mulher que j se sinta confiante, no demasiado abertamente e de forma alternativa; A partir da que se pratique com muito ardor e em grupos particulares, para inflamar o desejo. Beija-se a testa, os cabelos, o rosto, os olhos, o peito, os lbios e a boca. Beija-se tambm a virilha, as axilas e a rea abaixo do umbigo. Em funo da excitao e de costumes locais,Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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existem muitos outros lugares em que o beijo normal, mas nem todas as pessoas tm que recorrer a eles, a opinio de Vtsyyana. Os beijos das jovens so de trs tipos: o contido, o palpitante, e o que toca. O beijo contido acontece quando a jovem coloca os lbios nos lbios do outro, quase que obrigatoriamente, mas sem fazer qualquer movimento. Todavia, quando, um pouco envergonhada, deseja conter o lbio inferior do seu amante, que est invadindo a sua boca e faz tremer seu lbio inferior, mas no consegue, temos o beijo palpitante. Se apenas toca levemente os lbios do amante, com os olhos fechados, e com a ponta da lngua toca a ponta da lngua dele, tem-se o beijo que toca. Isso para as jovens. [Assim consideradas a mulher dos dezesseis at os trinta anos.] (N.T.) Os outros beijos inserem-se em quatro classes: de frente, de lado, vago e apertado. Existe ainda um quinto modo de se beijar apertado: quando o amante fora a abertura dos lbios da amante ou vice versa - entre os seus dedos, em forma de copa, sem usar os dentes. Nessas ocasies, pode-se comear uma brincadeira: ganha quem primeiro consegue beijar o lbio inferior do outro. Quando a mulher perde, deve, em lgrimas, movimentar as mos, fugir a ser mordida ou agarrada e propor uma nova aposta. Quando ha muito amor e confiana, ela pode agarrar os lbios do homem com os dentes para evitar que este lhe escape e ento rir, gritar, saltar, obter depoimentos e danar, e, agarrando seu cabelo e seu rosto fazer uma srie de comentrios. A mesma abordagem tambm vale para as disputas durante as brincadeiras de arranhes, mordidas e golpes. A estas brincadeiras s recorrem os amantes ardentes, j que lhes cai bem. Se a amante beija o homem, lhe aperta o lbio superior, tem-se o beijo do lbio superior. Quando se beija agarrando com os lbios os lbios do outro, em uma espcie de trava, os lbios do outro, o beijo em forma de taa, que se oferece a uma mulher ou a um homem que ainda no chegaram puberdade. Se o homem toca com a lngua os dentes, ou a lngua dela, se tem a disputa da lngua. E isto tambm vale quando a boca e os dentes de agarram e se oferecem com fora (ou seja, as disputas da boca e dos dentes). Em outras partes do corpo o beijo pode ser, segundo o local, comedido, apertado, curvilneo ou delicado. So os diferentes tipos de beijo. Se a mulher, contemplando o rosto do amante adormecido, o beija com desejo, o beijo se chama que incendeia a paixo Quando o amante est descuidado, ou discutindo, ou distrado com alguma outra coisa ou queira dormir, o beijo para tirar-lhe o sono (ou ainda para excit-lo) se chama que distraiVerso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Se se chega tarde durante a noite e se beija profundamente a amada que dorme na cama, ocorre um beijo que desperta. Portanto, caso a mulher deseje sondar os sentimentos do amante, pode fingir que dorme depois de haver se inteirado da hora da sua chegada. Beijar um espelho em uma parede ou a imagem do seu amado espelhada na gua um gesto que revela o estado de esprito do amante. Quando se beija uma criana, uma pintura ou se tatuado, ocorre o beijo "transferido" e o mesmo vale para o abrao. Algo semelhante ocorre quando, durante a noite, em um show ou em famlia, o homem, ao lado da amada, beija-lhe os dedos dos ps. Quando, finalmente, uma mulher lhe d massagens, para mostrar o seu estado de humor, e coloca o seu rosto entre as coxas do homem, como se vencida pelo sono e sem qualquer desejo beija-lhe o polegar dos ps, so beijos de "cortejar".

Trocam-se todas as aes, um golpe com outro golpe, e pelo mesmo motivo um beijo com outro beijo.

4 DIFERENTES FORMAS DE ARRANHARuando a paixo arrasadora, se recorre a arranhes, que consistem em produzir leves marcas com as unhas. Eles so usados no primeiro casamento, quando geralmente o homem retorna ou parte para uma viagem, quando um amante enfurecido vai se acalmando ou ainda quando est bbado. Mas nem sempre usado apenas para os apaixonados mais ardentes. Vale exatamente igual s pequenas mordidas, mas os costumes tambm devem ser levados em conta no caso dos arranhes. Os arranhes so de oito tipos, quais sejam: o crepitante, o meia lua, o crculo, a linha, a garra de tigre, a marca do pavo real, o salto da lebre, a folha de ltus azul. Os locais que usualmente podem ser arranhados so: as axilas, os seios, o pescoo, os ombros, a barriga e as coxas. Suvarnanabha opina que, uma vez que se inicia o jogo do prazer, no h que se fazer distino entre os locais adequados ou no adequados para se arranhar. Vale o momento e a excitao. Por isso, os amantes ardentes devem ter as unhas muito bem tratadas, limpas e bonitas. As da mo esquerda devem ser cortadas sempre rentes, de forma regular, e com duas ou trs pontas. Os homens de Gauda50 tendem a ter unhas compridas, que fazem suas mos muito atrativas aos coraes femininos. Os habitantes do Sul, contudo, as tm curtas, pois assim podem suportar qualquer tipo de trabalho e se adaptam ao prazer de realizar diferentes formas de arra-

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Gauda: territrio localizado em Bengala em tempos antigos e medievais. (NT)

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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nhes. No Maharastra51 os homens conservam as unhas mdias, e participam das qualidades de ambos os tipos. Quando, mantendo as unhas bem juntas, tocam-se suavemente as mas da face, os seios ou o lbio inferior sem que se deixe nenhum sinal, mas a ponto de arrepiar os cabelos tem-se o arranho crepitante. Usado com a mulher que se queira conquistar, massageando-lhe o corpo, pode-se, ao mesmo tempo, massagear-lhe a cabea ou espremer-lhe uma espinha para assust-la um pouco e ganhar-lhe a confiana. Se se deixa com as unhas uma marca em forma de curva no pescoo ou nos seios, se tem um arranho meia lua. Dois destes arranhes, colocados um em frente do outro, formam o crculo, que podem ser feitas abaixo do umbigo e nas ondulaes da virilha. Em qualquer parte do corpo se pode colocar uma linha, desde que no demasiado larga. Esta, se muito curva, a garra de tigre, que chega at a ponta do seio. Se se traa uma linha com as cinco unhas at o mamilo tem-se a marca do pavo real e se faz em uma mulher que quer alardear seus amores. Se as marcas das cinco unhas esto muito perto do mamilo tem-se o salto da lebre. Uma espcie de folha de ltus, impressa na curva dos seios ou na cintura a folha de ltus azul. Trs ou quatro linhas contguas nas coxas ou na curva do seio servem para deixar de recordao ao que vai viajar. assim que se deve utilizar das unhas. Alm desses, deve-se colocar outros arranhes com outras formas. Alguns mestres comentam: desde o momento em que as variedades so inmeras, infinitas so as possibilidades, ditadas pela experincia e pela prtica sem limites e, ademais, como o arranho nasce da paixo, quem pode examinar todos os diferentes modos? Mas embora a excitao seja viva, se deseja a variedade e, com a variedade, suscitar a paixo no outro. As cortess mais hbeis e seus amantes se desejam mutuamente; contudo, da mesma forma como no tratado sobre a cincia do tiro com arco e em outros manuais sobre armas, se exige variedade; por este motivo, considera Vtsyyana, com muito mais razo, h que aplic-la neste campo, referindo-se variedade de aranhes no sexo. Porm, um homem no deve comportar-se dessa maneira com mulheres casadas com outro; para essas mulheres, podem-se deixar marcas muito especiais em locais escondidos do corpo, como pequenas recordaes, e porque isto, sem dvida, vai aumentar a paixo.

Quando uma mulher descobre arranhes em locais secretos, que devido ao tempo foi esquecido, deixa-lhe um novo arranho, como que renovando um amor sincero.51 Maharastra ou Maarastra: Estado na costa central ocidental da ndia. Sua capital Bombaim, o centro econmico da ndia. Sua lngua oficial o marata. (NT)

Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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Se em muito tempo no se vive a paixo, o amor se evapora; se falta o arranho, o amor lamentar o descuido. Quem contempla uma jovem de longe, cujos seios tenham sido levemente arranhados e mostra, mesmo que seja de um estranho, isto provoca excitao, e inflama o desejo. O homem marcado em certos lugares com marcas de unhadas faz vacilar quase uma norma - o corao mais firme de uma mulher. No h maneira mais eficaz para aumentar a paixo que a que se realiza com as unhas e com os dentes.

5 REGRAS PARA MORDER

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e morde nas mesmas regies em que se beija, menos no lbio superior, dentro da boca e nos olhos.

Os dentes bonitos so os regulares, lisos, brilhantes, com tamanho e cores proporcionais, juntos e pontiagudos. Os dentes feios so irregulares, melados, grandes, muito separados, mal formados e mal cuidados. As mordidas podem ser do tipo: escondidas, inchadas, ponto, guirlanda de pontos, pedra de coral, colar de pedras, nuvem quebrada e mordida de javali. A mordida escondida se reconhece apenas pela cor arroxeada que deixa na pele. A mesma, se um pouco mais forte, se transforma em mordida inchada. Se ambas acontecem no lbio inferior, temos um ponto.Verso em portugus: Alexandre Prado (da verso em espanhol)

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A mordida inchada e a pedra de coral podem ser deixadas nas mas do rosto ou nas bochechas. O beijo do brinco de flores na orelha, as mordidas e os arranhes normalmente enfeitam a bochecha esquerda. A mordida em forma de pedra de coral faz-se apertando os dentes e lbios; o colar de pedras igual, mas em uma extenso maior da pele. O ponto se tem quando se aperta entre os dentes, como que travando e puxando uma poro da pele; a guirlanda de pontos se faz com todos os dentes. As mordidas do colar e da guirlanda so dadas geralmente no pescoo, nas axilas e na virilha. A guirlanda de pontos na testa e nas coxas. Em forma de crculo, com salincias irregulares, a mordida nuvem quebrada, que se faz na base da curva dos seios. Ambas so praticadas por amantes ardentes. So as diferentes formas de mordidas. Podem-se deixar arranhes e mordidas como sinais de cortejo, perto dos distintivos fixados na testa, perto dos brincos, na folha de betel ou de tamala52 da mulher que se deseja conquistar. [As folhas de tamala, bem como as de betel, eram usadas como ornamento pelas mulheres hindus.] (NT)

A COSTUMES LOCAIS Deve-se cortejar as mulheres seguindo os costumes locais. Os habitantes de Machyadesa, em geral arias53, mantm uma conduta pura e detestam os beijos e as marcas de unhas e dentes. O mesmo se aplica s mulheres de Bahlika e de Avanti, que tendem s chamadas unies extraordinrias, que veremos frente. As mulheres de Malava e de Abhira gostam, sobretudo, dos abraos, dos beijos e das sensaes dos arranhes e mordidas, mas detestam as marcas deixadas (sobretudo as que ferem). Para conquist-las, devem-se esbanjar atos de carinho. As habitantes da regio entre os rios54, dos quais o Indo o sexto, tendem prtica do amor com a boca. As do Extremo Ocidente e de Latta so fogosas e gostam de emitir gemidos roucos. No Strirajya e em Kosala as mulheres gostam de ser golpeadas fortemente, apaixonam-se selvagemente e, sobretudo, amam as brincadeiras erticas. As mulheres de Andhra so delicadas, buscam o prazer, tm desejos puros e modos corteses.52 Tamala - ou Cinnamomum Tamala Garcinia xanthochymus, planta de tronco reto, escuro, com folhas perfumadas, smbolo de Krishna. 53

Os pertencentes s trs primeiras classes sociais. Refere-se ao Punjhab, que significa regio dos cinco rios.

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As de Maharastra se inflamam ao empregar as sessenta e quatro artes, gostam de utilizar palavras grosseiras e na cama so ardorosamente decididas. O mesmo se aplica s mulheres da capital, Pataliputra, mas estas o demonstram mais discretamente. As mulheres de Dravida, ainda que em princpio demorem, se bem acariciadas pouco a pouco se excitam. As de Vanavasa so moderadamente apaixonadas, suportam tudo, cobrem seu corpo, riem umas das outras e evitam os homens crticos e vulgares. As de Gauda falam com doura, so muito afetuosas e tm corpos delicados. Para Suvarnanabha, os costumes que dependem do carter tm maior valor que os costumes dos lugares; para ele, no existem costumes locais. necessrio, ademais, ter claro que com o tempo os costumes, os hbitos e prticas passam de um pas a outro. Entre os abraos e outras prticas, o que precede sempre o melhor meio para acender a paixo, e o que se segue o que mais surpreendente.

A ferida que um homem assediado pode infligir, sem aceitao pela mulher, deve ser apagada pelos dois. Devolva o ponto com uma guirlanda, a guirlanda com uma nuvem quebrada, realize suas disputas de amor, como se estivesse irado. Ela levanta o rosto agarrando-lhe o cabelo e saboreando-lhe a boca; abraando-lhe, alimentada pela embriaguez, mordendo-o em todas as partes. Abraando o seio da amante, levanta-lhe a cabea, e marca seu pescoo com um colar de pedras e tudo mais que voc sabe. Mesmo que durante o dia se ria, discretamente os outros, pelas marcas deixadas pela noite de amor, o amante as mostra com orgulho s outras pessoas. Insinuan