Pra Você Dar o Nome: uma canção ressignificada através dos ... ·...
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"Pra Voc Dar o Nome": uma cano ressignificada atravs dos covers de fs no YouTube 1
Dani GURGEL2
Prof. Dr. Luli RADFAHRER3 Universidade de So Paulo, So Paulo, SP
Resumo
O pblico da msica apresenta-se hoje como um prossumidor ativo, que cria seu
prprio contedo, relendo, remixando e ressignificando a msica original. Para os fins
desta pesquisa, detalhada a relao do pblico com a cano "Pra voc dar o nome",
composta por T Brandileone e lanada comercialmente pelo grupo 5 a Seco, cujas
verses alternativas publicadas no YouTube ganham vida prpria, independente da
cano original. Uma anlise das 5 variaes meldicas presentes em 7 verses da cano
disponveis no site de vdeos explicitam o caminho que a cano tomou em suas verses.
Palavras-chave
YouTube, Prossumidores, Msica, Videoclipe
Corpo do trabalho
A msica em si raramente havia sido uma experincia exclusivamente sonora, at
que o disco e o rdio transformaram o seu consumo, transportando-a da sala de concerto
para a casa do pblico. A prpria sala de concerto j uma conformidade clssica da
expresso musical anterior, que estava mais em contexto com a vida real. Mesmo numa
apresentao formal, uma pea musical ao vivo acompanhada de todo um sistema de
gestos interpretativos (MACHADO, 2000).
Arlindo Machado destaca o ato de fechar os olhos para se concentrar na msica como
um cacoete do sculo XX, que reflete o vcio do pblico em ouvir aquela msica em
ambiente hermeticamente controlado, dentro de sua casa sem qualquer influncia visual.
Ainda mais, pode-se completar que os olhos fechados ajudam o ouvinte a imaginar
1 Trabalho apresentado para o GP Comunicao, Msica e Entretenimento do XVII Encontro dos Grupos de
2 Mestranda do PPGCOM da ECA-USP, membro do grupo de pesquisa Datacracia. e-mail: [email protected] 3 Professor do PPGCOM da ECA-USP, e-mail: [email protected]
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aquela msica sendo executada, e involuntariamente forma uma imagem mental que
ilustra aquele som, e a sim temos a concentrao total.
O videoclipe surgiu nos anos 80 como uma tentativa da indstria musical de abraar
novas mdias que distraam seus fs. As rdios FM perdiam ouvintes para os programas
de TV e videogames, at que a MTV, lanada em 1981, baseada na dinmica dos
programas de rdio, consolidou o formato do videoclipe, criando uma grande
movimentao na indstria atravs da convergncia entre os formatos (HOLZBACH,
2014). Desde seu incio, o videoclipe no vem como um ilustrador de canes, segundo
Ariane Holzbach (2014). Arlindo Machado pontua que o videoclipe traz sua prpria
linguagem, caracterstica pela liberdade frente s regras da publicidade, do cinema e da
televiso; fugindo de um acabamento que se reconheceria como industrial, e permitindo
uma imagem suja, desfoques, gro e rudo, instabilidade; quaisquer elementos que
contribuam para passar a mensagem desejada.
Outra tendncia importante do atual videoclipe o abandono ou a rejeio total das regras do "bem fazer" herdadas da publicidade e do cinema comercial. O que vale agora a energia que se imprime ao fluxo audiovisual, a fria desconstrutiva e libidinosa que sacode e dissolve as formas bem definidas impostas pelo aparato tcnico. Nada daquele controle de qualidade que poderia imprimir ao produto a chancela de um acabamento industrial. Em lugar da competncia profissional ou da mera demonstrao de um bom aprendizado das regras e truques do feudo audiovisual, agora presenciamos o retorno a um primitivismo deliberado, imagem "suja", mal iluminada, mal ajustada, mal focada e granulada, o corte na rebarba, a cmera sem estabilidade e sacudida por verdadeiros terremotos, todas as regras mandadas para o vinagre e todo o visvel reduzido a manchas disformes, deselegantes, gritantes, inquietantes. (MACHADO, 2000, p. 177)
Desde o seu surgimento, ainda nos meios de produo profissionais, o videoclipe
serve como um espao de vanguarda, com a liberdade de experimentao que os artistas
audiovisuais no encontravam em quaisquer outras reas comerciais de atuao. A
apropriao dessa linguagem pelos produtores amadores e seus meios de
compartilhamento e alcance sero analisados a seguir.
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Amador, Prossumidor e o YouTube
O amador, na qualidade de produtor alternativo de cultura, consome a cultura de
profissionais e outros amadores de uma maneira mais lcida, crtica, e at interativa. Essa
relao no oriunda da revoluo digital. No sculo XIX, John Philip Sousa, conhecido
no meio musical por ter cunhado o termo "mquinas infernais"4 sobre os primeiros
fongrafos, criticava a possibilidade de se consumir msica gravada, apontando que ela
desestimularia a execuo de msica como um todo. Seu medo era que as pessoas se conectariam menos com aquela cultura, por
pratic-la menos. O amadorismo, para este profissional, era uma virtude, no porque produzisse tima msica, mas porque produzia uma cultura musical; um amor e uma apreciao pela msica que o amador recriava, um respeito pela msica que ele tocava, e portanto uma conexo com uma cultura democrtica. 5(LESSIG, 2008, p. 4748)
O amadorismo apresentado por Lawrence Lessig, atravs de Sousa, como um fator
essencial para o consumo da cultura, seja ela produzida por profissionais ou por outros
amadores.
Alvin Toffler apresenta, em seu livro The Third Wave6 (1980), o termo prosumer, na
traduo ao portugus prossumidor, atravs da unio de produtor e consumidor de
bens. Segundo o autor, em um primeiro momento a primeira onda as pessoas
consumiam o que elas prprias produziam. Com a revoluo industrial a segunda onda
produtores e consumidores foram separados em categorias distintas, que voltam a se
misturar na atual terceira onda. Cresce a cultura do faa voc mesmo7, em que o
consumidor trabalha mais (escolhendo seus prprios sapatos, abastecendo seu prprio
carro, comprando suas prprias ferramentas) para pagar um pouco menos, segundo
Toffler.
4 Traduo livre dos autores de "Infernal machines. 5 Traduo livre dos autores do original em ingls: His fear was that people would be less connected
to, and hence practiced in, creating that culture. Amateurism, to this professional, was a virtue, not because it produced great music, but because it produced a musical culture: a love for, and an appreciation of, the music he re-created, a respect for the music he played, and hence a connection to a democratic culture.
6 Editado no Brasil em 1981 pela editora Record com o nome A Terceira Onda. 7 Do it yourself, em traduo livre.
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Imagem amadora
A produo caseira de imagens acompanha a histria da fotografia, desde o
lanamento da Kodak Brownie em 1900, segundo Lev Manovich (2016), passando pelas
instantneas como Kodak Instamatic e Polaroid nas quais o autor explica que foram
inspirados o formato quadrado e alguns filtros do Instagram. O prprio termo point-and-
shoot8, usado para cmeras compactas de filme 35mm entre os anos 70 e 90, depois
revisitado em campanha da cmera digital compacta Sony Cybershot em 2005 com o
slogan Dont think. Shoot.9, deixa claro o seu objetivo de facilitar e popularizar a
produo de imagens.
Vilm Flusser, em A filosofia da caixa preta (2002), descreve um fotgrafo
profissional restrito tcnica, aquele que detm o domnio do equipamento, e a ele
designa o monoplio do saber fazer fotogrfico. Talvez esse fotgrafo profissional no
tenha reinado sozinho por tanto tempo quanto sugerido pelo autor, dando espao a um
fotgrafo amador formado por um mercado de aparelhos automticos e simples.
A imagem suja citada por Arlindo Machado como uma liberdade tomada pelo
diretor de videoclipes no sculo XX agora quase padro. Mais de trs dcadas depois da
criao da MTV, a linguagem antes proposital carrega hoje tambm o produto da falta de
conhecimento tcnico e artstico de muitos realizadores. Uma linguagem do autorretrato,
da "selfie", da autoproduo e da autogravao fortalecida pela crescente popularizao
da tecnologia. Vdeos feitos por fs tm taxas de visualizao muito altas: independente
de seu contedo musical, o remake feito por fs da msica Tik Tok da cantora Ke$ha,
que alcana 152.608.342 visualizaes no YouTube10, quase a metade das 353.958.640
do videoclipe oficial da msica na mesma plataforma11.
A facilidade atual de gravao de vdeo de qualidade usando cmeras e lentes
fotogrficas, hoje ainda mais acessveis e fceis de manusear, instiga toda uma gerao
de prossumidores de contedo, j ambientados com a produo amadora, a produzir e
8 Em traduo livre, "aponte e dispare". 9 Em traduo livre, "No pense. Dispare.". 10 TIK TOK KESHA Parody: