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PRA QUE QUERER QUER UM CORAÇÃO NORMA (Recado ao Poeta - Paulo César Pinheiro e Eduardo Gudin)

Sergio Narcizo (2004)

Foto: Mário Luiz Thompson

"O que quero dizer mesmo é que o homem nasceu sozinho,

embora se junte, se agarre, mas nunca consegue escapar da solidão, são as solidões aglomeradas que se formam e se

desfazem, porque na verdade a solidão é o nascimento, a vivência e a morte". Paulo César Pinheiro

Como costuma acontecer, a maioria dos letristas não consegue que seus nomes sejam ligados aos

seus sucessos, permanecendo na memória do público os intérpretes. Não é diferente com Paulo César Pinheiro autor de Viagem, Lá se vão meus anéis (conhecida pela interpretação do grupo Os originais do samba), Lapinha (conhecida na voz de Elis Regina)... Responsável por uma lista de mais de 1500 composições sendo que, mais de 700 gravadas.

Carioca, 55 anos, nascido no subúrbio, conheceu João Aquino no período em que morou em Angra dos Reis, e veio ser seu parceiro. Com ele escreveu Viagem no ano de 1964.

Viagem (Paulo César Pinheiro e João de Aquino)

Oh! tristeza me desculpe, estou de malas/ prontas Hoje a poesia veio ao meu encontro, Já raiou o dia vamos viajar. Vamos indo de carona na garupa leve Do vento macio que vem caminhando, Desde muito longe, lá do fim do mar. Vamos visitar a estrela da manhã raiada Que pensei perdida pela madrugada Mas que vai escondida querendo brincar. Senta nesta nuvem clara, minha poesia, Anda, se prepara, traz uma cantiga, Vamos espalhando música no ar.

Olha quantas aves brancas, minha poesia, dançam nossa valsa pelo céu que o dia Fez todo bordado de raios de sol Oh! poesia me ajude, vou colher avencas, Lírios, rosas, dálias pelos campos verdes, Que você batiza de jardins do céu. Mas pode ficar tranqüila, minha poesia, Pois nós voltaremos numa estrela guia, Num clarão de lua quando serenar. Ou talvez, até quem sabe, nós só voltaremos No cavalo baio, no alazão da noite Cujo nome é raio, raio de luar.

Um ano depois, em São Cristóvão, conheceu o primo de João de Aquino, Baden Powell, que o convida para ser parceiro em suas músicas. Essa longa parceria rendeu verdadeiras pérolas da MPB. Em 1968, venceram a I Bienal do Samba, da TV Record, com a música Lapinha; em 1969, concorreram no IV FIC com a música Sermão; e, ainda, em 1969, fizeram uma temporada de 15 dias em Paris; em 1972, venceram o festival de música da Espanha com a música Diálogo.

Espelho (Paulo César Pinheiro e João Nogueira)

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Nascido no subúrbio nos melhores dias Com votos da família de vida feliz Andar e pilotar um pássaro de aço Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço Com as fardas mais bonitas desse meu país O pai de anel no dedo e dedo na viola Sorria e parecia mesmo ser feliz

Eh, vida boa Quanto tempo faz Que felicidade! E que vontade de tocar viola de verdade E de fazer canções como as que fez meu pai

Num dia de tristeza me faltou o velho E falta lhe confesso que inda hoje faz E eu me abracei na bola e pensei ser um dia Um craque da pelota ao me tornar rapaz Um dia chutei mal e machuquei o dedo E sem ter mais o velho pra tirar o medo Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Eh, vida à toa Vai no tempo vai E eu sem ter maldade Na inocência de criança de tão pouca idade Troquei de mal com Deus por me levar meu/ pai

E assim crescendo eu fui me criando sozinho Aprendendo na rua, na escola e no lar Um dia me tornei o bambambã da esquina Em toda brincadeira, em briga, em namorar Até que um dia eu tive que largar o estudo E trabalhar na rua sustentando tudo E assim sem perceber eu era adulto já

Eh, vida voa Vai no tempo, vai Ai, mas que saudade Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade E orgulho de seu filho ser igual seu pai Pois me beijaram a boca e me tornei poeta Mas tão habituado com o adverso Eu temo se um dia me machuca o verso

E o meu medo maior é o espelho se quebrar

Não pararam por aí suas parcerias, Paulo César Pinheiro criou com os mais significativos artistas da MPB. Como alguns exemplos podemos citar João de Aquino, Baden Powell, Tom Jobin, Guinga, Dori Caymmi, Edu Lobo, Francis Hime, Eduardo Gudin, Aldir Blanc, Moacir Luz, Maurício Tapajós, Mauro Duarte, Miltinho (MPB4), João Nogueira, entre outros.

Desde muito novo manifestou sua criatividade poética que, aliada as suas leituras de Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, Drummond, Vinícius e Guimarães Rosa, mais as parcerias com os grandes nomes da MPB, foram responsáveis por uma imensa produção de obras-primas da música brasileira. Uma de suas mais notadas influências literárias vem de Guimarães Rosa, expressada nas

letras de Sagarana e Matita Perê, iniciada por Tom Jobim em homenagem a Guimarães Rosa, Mário Paumério e Drummond, e terminada por Paulo César Pinheiro.

Matita Perê

Pintura de Paulo Jobim, que serviu de capa central do disco Matita Perê de Tom Jobim. Gravado em Nova Iorque, em 1973.

Matita Perê (Antonio Carlos Jobim e Paulo César Pinheiro)

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Homenagem a: Guimarães Rosa Carlos Drummond de Andrade Mario Palmério

No jardim das rosas De sonho e medo Pelos canteiros de espinhos e flores Lá, quero ver você Olerê, Olará, você me pegar

Madrugada fria de estranho sonho Acordou João, cachorro latia João abriu a porta O sonho existia

Que João fugisse Que João partisse Que João sumisse do mundo De nem Deus achar, Ierê

Manhã noiteira de força viagem Leva em dianteira um dia de vantagem Folha de palmeira apaga a passagem O chão, na palma da mão, o chão, o chão

E manhã redonda de pedras altas Cruzou fronteira de servidão Olerê, quero ver Olerê

E por maus caminhos de toda sorte Buscando a vida, encontrando a morte Pela meia rosa do quadrante Norte João, João

Um tal de Chico chamado Antônio Num cavalo baio que era um burro velho Que na barra fria já cruzado o rio Lá vinha Matias cujo o nome é Pedro Aliás Horácio, vulgo Simão Lá um chamado Tião Chamado João

Recebendo aviso entortou caminho De Nor-Nordeste pra Norte-Norte Na meia vida de adiadas mortes Um estranho chamado João No clarão das águas No deserto negro A perder mais nada Corajoso medo Lá quero ver você

Por sete caminhos de setenta sortes Setecentas vidas e sete mil mortes Esse um, João, João E deu dia claro E deu noite escura E deu meia-noite no coração Olerê, quero ver Olerê

Passa sete serras Passa cana brava No brejo das almas

Tudo terminava No caminho velho onde a lama trava Lá no todo-fim-é-bom Se acabou João No Jardim das rosas De sonho e medo No clarão das águas No deserto negro Lá, quero ver você Lerê, lará Você me pegar

Não pára por aí a produção desse poeta, sua obra inclui ainda:

12 músicas para a trilha sonora da novela O semideus, da TV Globo (1970) Trilha sonora do filme A vingança dos doze, de Marcos Farias (1970) Músicas para o filme Tati, a garota, de Bruno Barreto (1973) Músicas para a peça A teoria na prática é outra, de Antônio Pedro (1973) Trilha sonora do filme A batalha dos Guararapes, de Paulo Thiago (1978) Música Pedrinho e Jabuticaba, para o programa Sítio do pica-pau amarelo, TV

Globo (1978) Trilha sonora do programa Castelo rá-tim-bum, TV Cultura (1978) entre outros...

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Obs.: Os trabalhos acima contaram com diversas parcerias.

Lançou os seguintes livros de poesia:

Canto brasileiro (1976) Viola morena (1982) Atabaques, violas e bambus (2000)

Discografia:

Tudo o que mais nos uniu, com Eduardo Gudin e Márcia (1996) Parceria - João Nogueira e Paulo César Pinheiro (1994) Afros e afoxés da Bahia (1989) Poemas escolhidos (1983) Paulo César Pinheiro (1980) O importante é que a nossa emoção sobreviva nº 2, com Eduardo Gudin e

Márcia (1976)

O importante é que a nossa emoção sobreviva nº 1, com Eduardo Gudin e Márcia (1975) Paulo César Pinheiro (1974)

Foi ainda o vencedor do GRAMMY de melhor canção brasileira em 2002 e do Prêmio Shell de 2003.

Além de toda essa produção, contribuiu estando alerta, alertando e trazendo sempre uma palavra de esperança nos "anos de chumbo" da ditadura militar.

Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Quando o muro separa, uma ponte une Se a vingança encara, o remorso pune Você vem me agarra, alguém vem me solta Você vai na marra, ela um dia volta E se a força é tua, ela um dia é nossa Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem/ chegando Que medo você tem de nós, olha aí Você corta um verso, eu escrevo outro Você me prende vivo, eu escapo morto

De repente, olha eu de novo

Perturbando a paz, exigindo troco Vamos por aí eu e meu cachorro Olha um verso, olha o outro Olha o velho, olha o moço chegando Que medo você tem de nós, olha aí O muro caiu, olha a ponte Da liberdade guardião braço do Cristo, horizonte Abraça o dia de amanhã, olha aí

Veja mais sobre Paulo César Pinheiro na internet:

- http://mpbnet.com.br/musicos/paulo.cesar.pinheiro

- http://dicionariompb.com.br/paulo-cesar-pinheiro