POTENCIALIDADES, DIFICULDADES E DESAFIOS DAS RPPN LOCALIZADAS EM SILVA JARDIM, RJ.

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O objetivo deste estudo é fazer uma leitura, sem tentar esgotar o assunto, sobre as potencialidades, dificuldades e desafios relacionados ao conjunto das dez Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) localizadas no município de Silva Jardim, Rio de Janeiro. Para isso, usou-se como referencial de discussão e aprofundamento, o conhecimento gerado por MELO (2004).

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POTENCIALIDADES, DIFICULDADES E DESAFIOS DAS RESERVAS

PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL (RPPN) LOCALIZADAS EM

SILVA JARDIM, RJ.

MELO, A. L.1 MAGALHÃES, M. A. F.2

VALCARCEL, R.3

MESQUITA, C. A. B.4

1. Engenheiro Florestal, Mestrando em Ciências Ambientais e Florestais/IF/UFRuralRJ [email protected] UFRuralRJ - Laboratório de Manejo de Bacias Hidrográficas/Instituto de Florestas -

BR 465 - Km 7, CEP: 23.851-970 – Seropédica - RJ; 2. Acadêmica de Engenharia Florestal/ UFRuralRJ, estagiária do LMBH/UFRuralRJ; 3. Professor Adjunto IV/IF/UFRuralRJ; 4. Instituto BioaAtlântica -

coordenador de conservação em terras privadas.

RESUMO O objetivo deste estudo é fazer uma leitura, sem tentar esgotar o assunto, sobre as potencialidades, dificuldades e desafios relacionados ao conjunto das dez Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) localizadas no município de Silva Jardim, Rio de Janeiro. Para isso, usou-se como referencial de discussão e aprofundamento, o conhecimento gerado por MELO (2004). Como potencialidades do referido sistema de reservas privadas (10 RPPN), apontou-se o benefício financeiro caso o ICMS Ecológico fosse consolidado no estado; a compensação pela produção de água; a inclusão das reservas em roteiro turístico; o estabelecimento de centros de pesquisa; e a criação de RPPN em nível estadual e até mesmo municipal. Como dificuldades, faz-se considerações, sobretudo, em relação a falta de esclarecimentos dos proprietários quanto ao fato de serem donos, e por isso gestores, de uma unidade de conservação e não de uma propriedade rural de baixa utilização. Os desafios foram associados à estratégia que deverá ser adotada pelos proprietários e instituições que apóiam as RPPN do município para a superação das dificuldades, numa visão que considera este conjunto de RPPN como um sistema de reservas privadas. Conclui-se que sensibilização, mobilização e participação quanto ao referido sistema de reservas privadas devem ser consolidadas, reforçando que o ato voluntário dos proprietários na criação destas unidades de conservação deve se transformar em ações que busquem o estabelecimento de parcerias, a fim de salvaguardar a rica biodiversidade protegida pelas RPPN de Silva Jardim.

ABSTRACT.- This article has the objective to provide a reading, without trying to exaust the subject, about potentialities, difficulties and challenges related to one of the greatest private reserves local systems of Brasil, in Silva Jardim, Rio de Janeiro. A knowledge developed by MELO (2004) was used as a discussion reference. Some potentialities of the private reserves system were quoted, like the financial benefit, if there was Ecological ICMS consolidation in the state; the water production compensation; the inclusion of reserves in a touristy itinerary; research centers establishment; and RPPN creation in state and municipal levels. Some considerations are pointed about difficulties, above all, the lack of lightenment of the proprietaries in relation with the fact they are owners, and because of it, managers, of a easement conservation and not of a rural property with low utilization. The challenges were associated to a strategy that must be taken by proprietaries and the institutions that support the Siva Jardim’s RPPN to overcome the difficulties, in a point of view that considerate this

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group of RPPN as a private reserves system. It’s concluded that sensibilization, mobilization and participation, about the reported system, must be consolidated, enhancing that the voluntary act of creating these easement conservation must become in actions, looking for partnership estabilishment, with the objective to conservate the biodiversity protected by Silva Jardim’s RPPN.

INTRODUÇÃO

Diversos autores têm demonstrado que os esforços governamentais para a criação de áreas naturais protegidas não têm sido suficientes para conter a perda de habitats e a conseqüente perda de biodiversidade em escala mundial, sobretudo nos países tidos como “em desenvolvimento”, onde as prioridades de investimento dos recursos públicos precisam atender a demandas consideradas mais prementes, como saúde, educação e geração de empregos (LANGHOLZ, 1996; MESQUITA, 1999; MORSELLO, 2001).

No caso da Mata Atlântica brasileira, em especial, TABARELLI et al. (2005) afirmam que ainda que as iniciativas de conservação tenham aumentado em número e escala durante as últimas décadas, ainda são insuficientes para garantir a manutenção da biodiversidade existente neste bioma, considerado como um dos mais importantes do planeta.

A maior parte das terras com relevância para conservação da biodiversidade está sob domínio privado (RAMBALDI E OLIVEIRA, 2003) e o orçamento governamental é escasso para criação de novas unidades de conservação (ALGER E LIMA, 2003; MESQUITA E VIEIRA, 2004). Neste contexto a criação voluntária de áreas protegidas particulares surge como instrumento de conservação da biodiversidade in situ, complementar aos esforços governamentais, fundamental para o fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Além disso, tal instrumento viabiliza a convocação de toda a sociedade brasileira em zelar pelo patrimônio natural, como preconiza o Artigo 225 da Constituição.

No Brasil, 664 Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN protegem cerca de 525 mil hectares, que representam mais de 40% do número de reservas privadas existentes atualmente na América Latina e mais de 25% da superfície protegida por áreas protegidas estabelecidas voluntariamente em terras privadas no continente, segundo dados da Aliança de Redes Latino-Americanas de Conservação Privada (2005).

LANGHOLZ (2002), afirma que as reservas privadas têm se proliferado por todo o mundo, tanto em países industrializados quanto em nações em desenvolvimento. Entretanto, só recentemente tem se aprimorado o conhecimento técnico e científico sobre o perfil, as características e os principais desafios dessas reservas, assim como suas potencialidades e dificuldades. Ainda assim, no Brasil, um sucesso considerável tem sido atingido em relação ao estabelecimento de RPPN (SILVA, 2005). Por outro lado, THEULEN (2003) menciona que, embora esse processo tenha sua importância, nem sempre os resultados em termos de conservação da biodiversidade são expressivos.

O estado do Rio de Janeiro possui atualmente 44 RPPN (MESQUITA E VIEIRA, 2004), sendo que 10 estão localizadas no município de Silva Jardim, o que faz deste município um dos destaques em termos de RPPN (MELO, 2004), junto com Coronel Vivida, no Paraná, que possui 11 reservas (IAP, 2005) e Presidente Figueiredo, no Amazonas, com 10 RPPN (IBAMA, 2004).

Neste contexto, o objetivo deste artigo é sistematizar algumas observações e análises sobre grandes áreas com elevada concentração de RPPN, focando no município de Silva Jardim, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar as discussões, por ocasião de sua ampla natureza.

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METODOLOGIA

Este estudo é parte de um estudo maior (inserido em uma linha de pesquisa), desenvolvido no âmbito do Laboratório de Manejo de Bacias Hidrográficas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (de 2003 a 2004), no município de Silva Jardim, região centro-norte do estado do Rio de Janeiro (22o 30` e 22o 33`S e 42o 15`e 42o 19`W Gr.), que descreve e analisa o perfil dos proprietários das 10 RPPN inseridas no território deste município (MELO et al., 2004; MELO, 2004).

Figura 1: Localização do município de Silva Jardim, Rio de Janeiro Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica/INPE, 2000. No tópico resultados e discussão, foram desenvolvidas reflexões e cons iderações a partir

da percepção dos autores sobre o assunto, e não de um método científico específico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Potencialidades O conjunto de RPPN situado em Silva Jardim está estabelecido em uma região de ampla

relevância ecológica, estando totalmente inserido no polígono MA-690 do MMA (2002), considerado como de “extrema alta” prioridade para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade brasileira. Por sua importância ecológica, esta região situa-se dentro da área do Corredor de Biodiversidade da Serra do Mar, o qual caracteriza-se como local de ocorrência de espécies raras e endêmicas.

Por estarem localizadas nas faldas das montanhas da Serra do Mar, local com topografia acidentada e difícil acesso, as RPPN são responsáveis pela proteção de parte de habitats de inúmeras espécies raras e endêmicas. Segundo seus proprietários, as 10 RPPN de Silva Jardim ainda abriga exemplares de diversas espécies, tais como onça-pintada (Panthera onca), mico-leão-dourado (Leonthopitecus rosalia), bugio (Aloatta sp.), macaco-prego (Cebus apella), cutia (Dazyprocta sp.), veado (Mazama sp.), paca (A. paca), onça-parda (Puma concolor), tamanduá (Myrmecophaga sp.), maracajá (Felis sp.), guaxinim (Procyon cancrivorus), tucano (Neomorphus sp.) e bicho-preguiça (Bradypus torquatus). Estas ocorrências potencializam a importância destas unidades de conservação, ainda que apresentem pequenos tamanhos (Figura 2), realçando seu papel funcional como corredor entre remanescentes florestais nativos, proteção de espécies ameaçadas de extinção e laboratório in situ de estudos faunísticos e florísticos (LANGHOLZ, 1996; FERNANDES et al., 2004; RYLANDS E BRANDON, 2005).

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20%

0%

20%

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101 - 200

201 - 300

>300

Figura 2: Tamanho das Reservas Particulares do Patrimônio Natural de Silva Jardim, Rio de Janeiro, distribuídas em classes (n= 10 reservas). A maioria das RPPN de Silva Jardim contribuem para a proteção dos atributos naturais

de diversas microbacias hidrográficas, tributárias do rio São João, considerado o maior rio genuinamente fluminense e principal abastecedor de água da Região dos Lagos, uma das zonas turísticas mais importantes do país, onde se localizam cidades como Búzios, Cabo Frio, Araruama e Saquarema. Esta região apresenta demanda de água não só para os habitantes da bacia hidrográfica, mas também para os milhares de turistas que visitam-na em finais de semana e feriados, quando observa-se aumento de até 10 vezes o tamanho da população. Portanto, as unidades de conservação em questão contribuem de maneira clara para o abastecimento de água destinado à população que reside à jusante desta bacia hidrográfica, fato este que pode viabilizar a captação de recursos financeiros pelas reservas a partir de mecanismos econômicos e instrumentos jurídicos de compensação pelo serviço ambiental1 de produção de água. Como a falta de recursos financeiros foi identificado por MELO et al. (2004) como sendo um dos principais problemas enfrentados pelas RPPN de Silva Jardim, tal compensação contribuiria para a implementação de pelo menos as atividades básicas de manejo e proteção das reservas. Segundo MESQUITA (2004b), na Costa Rica há alguns exemplos de compensações financeiras e econômicas pela água “produzida” em reservas privadas.

No estado do Paraná, a Lei Complementar nº 59/91, em seu artigo 3º, dispõe que os municípios que abrigam parte ou o todo de bacias hidrográficas de mananciais de abastecimento público para municípios vizinhos, podem ser contemplados com recursos do ICMS Ecológico, demonstrando que esse tipo de compensação já é uma realidade brasileira. Embora a Lei Federal nº9.985/00(SNUC) trate deste tema, por meio dos Artigos 47 e 48, ainda não há regulamento específico para catalisar este processo. Espera-se que o novo regulamento da categoria RPPN aborde este assunto e aponte diretrizes para a regulamentação e implementação de mecanismos similares.

As RPPN de Silva Jardim representam uma das ferramentas mais importantes adotadas pela Associação Mico-Leão-Dourado para a viabilidade ecológica, em longo prazo, das populações de mico- leão-dourado (Leontophitecus rosalia Lesson.), primata endêmico da região, uma vez que as unidades de conservação públicas existentes na região não são suficientes para suprir a área mínima necessária para sobreviência e reprodução desta espécie (FERNANDES et al. 2004). Somadas, as RPPN de Silva Jardim contribuem com uma superfície de 1.086,17 ha legalmente protegidos do habitat do mico- leão-dourado.

As potencialidades das RPPN de Silva Jardim se ampliam na medida de sua complementaridade com as demais unidades de conservação existentes na região, como as Reservas Biológicas Poço das Antas e União, a Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio

1 Segundo Gordon E Folke, serviços ambientais são definidos como processos ecológicos e suas interações que satisfazem e sustentam a vida humana.

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São João/Mico-Leão-Dourado e o Parque Estadual dos Três Picos. As unidades inseridas em Silva Jardim credenciam este município para o recebimento de recursos financeiros oriundos do ICMS Ecológico, caso o mesmo estivesse consolidado no estado do Rio de Janeiro, podendo ser então repassados às RPPN, como já ocorre no Paraná. Conforme afirma LOUREIRO (2003), existe a necessidade de ações sinérgicas para que a lei do ICMS Ecológico no estado do Rio de Janeiro seja aprovada. O Projeto de Lei de autoria dos deputados Carlos Minc e Alice Tamborindeguy, segundo esse mesmo autor, já está minutado e chegou até a ser colocado em votação em regime de urgência. Mas, segundo VALLEJO (2004), a fraqueza institucional dos órgãos estaduais de meio ambiente do Rio de Janeiro, assim como a falta de prioridades dos governos anteriores e atuais para a temática ambiental, são entraves que debilitam os avanços nesta área e, por conseqüência, a questão do ICMS Ecológico.

Esse instrumento econômico, segundo IAP (2005), foi considerado pela UICN como uma das sete experiências mais bem sucedidas para a conservação da biodiversidade na América Latina e Caribe. Por sua parte, o Ministério do Meio Ambiente brasileiro lista o ICMS Ecológico entre as 100 mais importantes iniciativas da administração pública brasileira para a conservação da biodiversdidade. Por isso, como afirma YOUNG (2005), este instrumento tem sido muito efetivo na tomada de decisão para a criação de unidades de conservação, não apenas no Paraná, estado pioneiro no ICMS Ecológico, mas também em diversos outros estados que têm adotado este sistema.

Mas para receber recursos financeiros oriundos do ICMS Ecológico as RPPN devem estar em conformidade com as normas do referido instrumento econômico, que por sua vez perpassam critérios não só quantitativos (número de reservas) mas também qualitativos (manejo adequado), como dispõe a Portaria 232/98/IAP/GP (Art. 8º e 9º). Baseando-se nesta experiência, caso seja de interesse do município de Silva Jardim se preparar para este benefício de crédito, as RPPN devem estar incluídas em suas políticas públicas de meio ambiente, sobretudo, no que tange à sua implementação pois, caso contrário, as dificuldades de acesso ao benefício serão inevitáveis.

O crescimento do ecoturismo e do turismo rural é outra potencialidade identificada para as RPPN de Silva Jardim. A região apresenta não só apelo ecológico como também cultural, pois ainda há comunidades próximas as RPPN com seus costumes mantidos, como é o caso de Aldeia

Velha. Além disso, as próprias reservas apresentam atributos naturais atrativos aos turistas, sobretudo, cachoeiras e a presença do mico- leão-dourado. Já está em andamento um projeto denominado Circuito Turístico Eco-Rural, que inclui 3 das 10 RPPN de Silva Jardim, em um roteiro próprio, chamado Circuito Reservas Naturais. Estão envolvidas na concepção deste projeto tanto o governo local como as ONGs e as empresas de turismo públicas e privadas. Atualmente, as 10 RPPN estudadas são responsáveis pela contratação de 41 funcionários, sendo 24 temporários e os demais fixos. Deste total, 75% vivem em comunidades do entorno.

Dificuldades das RPPN As principais dificuldades enfrentadas pelas RPPN de Silva Jardim parecem ser

derivadas de uma questão que, por outro ponto de vista, representa seu maior desafio, como veremos mais à frente. O fato dos proprietários destas reservas enxergarem suas terras mais como uma propriedade rural de baixa utilização e menos como uma unidade de conservação da natureza, está na base de boa parte dos problemas declarados (MELO, 2004). Essa questão parece influenciar bastante as principais dificuldades apresentadas pelas RPPN de Silva Jardim, que, em ordem de importância, segundo seus proprietários, são: falta de apoio institucional; pressão de caça; falta de recursos financeiros. A pressão de caça, atividade

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culturalmente arraigada na região, tem sido um dos grandes fatores de perda direta de biodiversidade relacionado as RPPN e seu entorno.

Tais problemas são os mesmos daqueles encontrados para as reservas privadas da América Latina por MESQUITA (1999) e África Sub-Sahariana, por LANGHOLZ (1996), mudando somente em ordem de importância. Ou seja, são dificuldades encontradas pelas reservas privadas de todo o mundo, em geral, problemas estes que não se diferem muito daqueles encontrados nas áreas protegidas públicas.

Para o caso de Silva Jardim, a falta de tempo para o trato das questões relacionadas ao manejo adequado das RPPN e dedicação ao seu planejamento (os proprietários de RPPN são 80% veranistas, isto é, visitam a reserva apenas em finais de semana e feriados), somado a falta de esclarecimentos da maioria dos proprietários quanto aos deveres de ser dono de uma unidade de conservação, agravam os problemas existentes e maximizam as dificuldades.

Além disso, o fato de que a criação das RPPN de Silva Jardim tenha se dado sobretudo por objetivos conservacionistas, em detrimento daqueles de caráter social e econômico (MELO, 2004), parece dificultar o estabelecimento efetivo de ações de pesquisa científica e educação ambiental, por exemplo. Mesmo sendo objetivos opcionais dados pelo SNUC aos proprietários de RPPN, esses são considerados de extrema relevância para o sucesso do manejo da unidade de conservação, quando desenvolvidos de maneira planejada e adequada. Apenas uma RPPN em Silva Jardim desenvolve, ações de pesquisa científica, e apenas 2 reservas desenvolvem atividades de educação ambiental com escolas do entorno.

Ainda que “só para proteger a natureza” seja a motivação principal para a criação de RPPN, como é o caso de 7 das 10 reservas estudadas, planejar é preciso e, para isso, diante das dificuldades e potencialidades apontadas, parcerias, constituídas de maneira inteligente e criativa, parece ser uma palavra chave. THEULEN (2003b) postula que é necessário que haja postura mais madura da parte dos proprietários. Por outro lado, este parece ser o momento de maior maturidade, sensibilização e mobilização dos proprietários de RPPN, a julgar pelas 13 associações e pela confederação nacional existentes hoje.

Como mencionam ALGER E LIMA (2003), a realidade brasileira aponta para a falta de orçamento governamental até mesmo para os setores básicos de cidadania. Esse fato deve ser incorporado pelo proprietário, sobretudo para que a busca de parcerias seja uma das estratégias claras para viabilizar o processo de manejo de sua RPPN.

Desafios O principal desafio das RPPN de Silva Jardim pode ser resumido pela conclusão obtida

no estudo conduzido por MELO et al. (2004): “as RPPN de Silva Jardim são manejadas não como unidades de conservação e sim como propriedades rurais de baixa utilização”.

A concepção de Reserva Particular do Patrimônio Natural como uma categoria de unidade de conservação, diante da Lei 9.985/00, conferiu as mesmas objetivos a serem cumpridos, quais sejam: conservação da biodiversidade, pesquisa científica e recreação com fins de educação ambiental e turístico. Mas a grande questão, que argumenta-se ser um grande desafio para a conservação da biodiversidade em terras privadas no Brasil, é como fazer com que as RPPN sejam efetivas em seu manejo e cumpram com os objetivos para os quais foram criadas?

Assim como o ato de criação de uma RPPN é voluntário, o mesmo acontece com o desenvolvimento das atividades permitidas pelo SNUC, que determina o que o proprietário pode fazer e lhe faculta o direito de não fazê-lo. Essa versatilidade da categoria certamente contribui para o seu sucesso, mas, por outro lado, há flexibilização quanto à realização de educação ambiental e pesquisa científica, que não são obrigatórias. O desafio é fazer com que os proprietários se sintam estimulados não só a proteger a natureza, mas também estudá- la,

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gerando conhecimento como subsídio ao manejo da reserva e para a ciência como um todo. De outra forma, como garantir que a natureza está de fato sendo preservada, se não houver monitoramento baseado em critérios claramente definidos?

Antes disso, naturalmente, há outros desafios, como envidar esforços para que os proprietários sejam devidamente informados que uma RPPN, por mais que esteja sob domínio de sua propriedade, possui status de uma unidade de conservação, parte de um sistema nacional, tal qual os parques nacionais e reservas biológicas, e que isso lhe dá responsabilidades e compromissos que devem ir além de proteger a área.

Não pode haver dúvidas sobre a necessidade de elaboração de um plano de manejo para as RPPN, embora a elaboração deste instrumento ainda goze da fama de ser algo extremamente complexo, demorado e caro, para desespero dos proprietários de RPPN, já demasiadamente onerados pelos esforços em manter suas reservas livres de caçadores, madeireiros, palmiteiros e outros agentes de degradação ambiental. THEULEN (2003) questiona como viabilizar um planejamento para estas áreas, uma vez que há dificuldades até mesmo para suprir suas necessidades básicas? Por outro lado, como identificar claramente estas tais “necessidades básicas” se não houver um mínimo de estudo, monitoramento e planejamento? A resposta parece estar no desafio de se elaborar diretrizes simples para planejamento de cada tipo de RPPN, uma vez que esta categoria do SNUC possui características de uma “meta-categoria”, sob a qual estão abrigadas diversas categorias de proteção integral, como parque, reserva biológica, estação ecológica, monumento natural e refúgio de vida silvestre.

Com bom senso, competência e criatividade, baseando-se nas diversas experiências de elaboração de planos de manejo para RPPN existentes hoje, será possível desenhar, a partir do Roteiro Metodológico para Elaboração de Plano de Manejo de RPPN, elaborado pelo IBAMA com participação de diversos especialistas e proprietários de RPPN, roteiros específicos para cada tipo de RPPN. É importante que seja considerado o fato de que a maioria dos proprietários de RPPN são pessoas leigas nos assuntos de planejamento para conservação, fator que torna imperativo a elaboração de manuais com linguagem simples e acessível a todos eles. Desta forma, uma RPPN que apresente potencial e interesse do proprietário para diversas formas de uso público, demandaria um planejamento de maior complexidade, enquanto que aquelas cujos donos queiram apenas “preservar a natureza” podem ser seu planejamento voltado apenas para esta finalidade, de maneira bem mais simples e objetiva.

Para equacionar essa situação será preciso mobilização e participação, não só dos proprietários de reservas, mas também das instituições conservacionistas, governamentais e não governamentais. A criação de um conselho consultivo para dar suporte ao conjunto de RPPN de Silva Jardim poderia contribuir para mitigar ou sanar problemas, potencializar a implementação de ações benéficas as RPPN e a região como um todo, e, ainda, colaborar para superar as dificuldades, aproveitar as potencialidades e vencer os desafios. Com isso, técnicos e até mesmo adeptos da causa conservacionista seriam reunidos no que THEULEN (2003) denomina como “rede de relações”, que contribua tanto para as reservas individualmente quanto para o sistema como um todo.

É importante evidenciar que o maior desafio do conjunto de RPPN de Silva Jardim, em última instância, é fazer com que a conservação da biodiversidade aí encontrada se efetive de maneira perpétua, assim como são perpétuos os atos que definiram a criação e os limites destas reservas.

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CONCLUSÃO

As RPPN localizadas em Silva Jardim apresentam potencialidades, dificuldades e desafios a serem superados que, de maneira geral, podem ser extrapolados para as reservas encontradas em outros municípios e regiões do Brasil. Contudo, por estarem em um região de rica biodiversidade, estas RPPN apresentam um potencial excepcional para a geração de conhecimento científico, usufruindo dos mesmos em seu manejo e compartilhando-os com as comunidades do seu entorno, com a ciência e com os tomadores de decisão, ações estas que certamente contribuirão para reverter ou mitigar as pressões incidentes sobre elas.

As dificuldades presentes nessas unidades de conservação não podem prescindir da capacitação de seus proprietários, despertando-os para o cenário ambiental que os circunda e para a importância das ações realizadas pela RPPN dentro e fora de seus limites. Nesse viés, o planejamento sistemático seria incorporado ao manejo da reserva, de tal forma que a concepção de parcerias e mobilização sejam potencializadas diante das demandas identificadas para o planejamento, bem como para a superação das dificuldades e desafios.

A mobilização em torno do tema da conservação em terras privadas tem avançado em escala mundial, e como exemplo recente tem-se a criação da Aliança Latino-Americana de Redes de Conservação Privada, da qual a Confederação Nacional de RPPN faz parte. Em todo o Brasil já são 13 Associações de proprietários de RPPN. Esta categoria deverá ser a primeira a ser regulamentada após a promulgação da Lei do SNUC. Já há um roteiro metodológico para elaboração de plano de manejo e o número de publicações sobre o assunto tem crescido muito ultimamente, contando inclusive com uma revista especializada editada trimestralmente.

O município de Silva Jardim é exemplo da dimensão com a qual o fenômeno das RPPN apresenta-se atualmente. Outrora pólo pecuário do estado do Rio de Janeiro, o município se destaca hoje por abrigar 10 RPPN oficialmente reconhecidas, além de outras 10 em processo de criação.

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