Potencialidades de inserção da educação científica CTS no...

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Silva, Neves. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt21):1-22 Potencialidades de inserção da educação científica CTS no Ensino Médio Integrado a partir da análise do discurso de professores técnicos. GT21 – Estudos CTS e educação CTS: articulações pertinentes Fabio Ramos da Silva Marcos Cesar Danhoni Neves Resumo: Este trabalho apresenta uma reflexão acerca da inserção da educação científica CTS nos itinerários formativos do Ensino Médio Integrado tomando como referência o discurso de professores de uma área técnica que não possuem envolvimento explícito com a temática CTS. O objetivo da pesquisa é buscar, junto aos formadores profissionais, subsídios empíricos que justifiquem a aproximação entre esses dois campos teóricos e práticos. A amostra consistiu em quatro docentes da área de edificações de uma escola técnica federal. Os dados foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas e, para a análise dos mesmos, recorreu-se a análise estrutural de entrevistas de Bardin. Os resultados apontam que a maioria dos docentes destacam a interdisciplinaridade, a integração curricular e a criticidade dos estudantes como problemáticas dos seus discursos. Esses aspectos denotam que o ensino integrado demanda uma formação ampla e crítica, que supere a formação profissional tradicional. Por fim, argumenta-se que a educação científica CTS pode vir ao encontro desses anseios formativos, embora, se sublinhe que ela não é a única perspectiva educacional a trabalhar com essas dimensões.

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Silva, Neves. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt21):1-22

Potencialidades de inserção da educaçãocientífica CTS no Ensino Médio Integrado a partirda análise do discurso de professores técnicos.

GT21 – Estudos CTS e educação CTS: articulações pertinentes

Fabio Ramos da SilvaMarcos Cesar Danhoni Neves

Resumo: Este trabalho apresenta uma reflexão acerca da inserção da educação científica CTS nositinerários formativos do Ensino Médio Integrado tomando como referência o discurso de professoresde uma área técnica que não possuem envolvimento explícito com a temática CTS. O objetivo dapesquisa é buscar, junto aos formadores profissionais, subsídios empíricos que justifiquem aaproximação entre esses dois campos teóricos e práticos. A amostra consistiu em quatro docentes daárea de edificações de uma escola técnica federal. Os dados foram coletados mediante entrevistassemiestruturadas e, para a análise dos mesmos, recorreu-se a análise estrutural de entrevistas deBardin. Os resultados apontam que a maioria dos docentes destacam a interdisciplinaridade, aintegração curricular e a criticidade dos estudantes como problemáticas dos seus discursos. Essesaspectos denotam que o ensino integrado demanda uma formação ampla e crítica, que supere aformação profissional tradicional. Por fim, argumenta-se que a educação científica CTS pode vir aoencontro desses anseios formativos, embora, se sublinhe que ela não é a única perspectivaeducacional a trabalhar com essas dimensões.

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Introdução

A introdução e a articulação da educação científica na vertente CTS nas

dinâmicas educacionais de nível fundamental, médio e superior constitui uma

problemática atual para pesquisadores e educadores engajados com essa

perspectiva. No contexto brasileiro, algumas experiências vêm sendo feitas

articulando os campos da pesquisa e do ensino; autores como Bazzo (2002),

Carletto e Bazzo (2007) discutem essa questão na formação em engenharia, outros,

como Pinheiro, Silveira e Bazzo (2007), voltam-se para a educação média;

abordagens CTS no ensino fundamental também estão na pauta de investigadores

(SANTOS, 2007).

De modo geral, trabalhos nessa linha, buscam compreender elementos da

realidade educacional e social em questão, propondo a inclusão de discussões CTS

como alternativas para a superação de dificuldades e limitações formativas. Nesse

sentido, é inegável que a introdução de temáticas CTS têm contribuído para a

renovação do ensino de ciências no país (ROSA; AULER, 2016) e principalmente,

ampliado as possibilidades de construção de uma educação cidadã e democrática,

nas quais, a reflexão sobre a realidade e a produção de conhecimentos são parte do

currículo escolar.

De maneira correlata, na contemporaneidade, o ensino integrado consiste em

uma concepção educacional que tem atuado para a modificação dos itinerários

formativos educacionais. Ele materializa a sua oferta quase que totalmente no

Ensino Médio Integrado, buscando, também, a compreensão ampla da realidade e

dos conhecimentos (RAMOS, 2012). Nessa empreitada, os saberes profissionais

são respeitados e contemplados nas formações que reúnem formação geral e

profissionalizante.

Nesse cenário, cabe-se analisar as implicações dessas duas iniciativas,

educação CTS e ensino integrado, para as realidades educacionais considerando a

existência de convergências entre esses dois campos inconformados com o status

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quo social e educacional, em especial, em ciências e profissional em nosso país

(SILVA; NEVES, 2017).

Assim, é importante buscar elementos empíricos que respaldem a pertinência

dessa aproximação visando a superação de desafios concretos; essa é a inspiração

desse trabalho, ou seja, trazer a análise do discurso de alguns professores com

formação técnica/tecnológica sobre a problemática da formação profissional no

contexto da educação integrada. Os resultados apontam que muitas das

preocupações reveladas por eles são comuns aos professores e pesquisadores em

educação científica CTS, apontado para a possibilidade de contribuições mútuas

entre essas duas perspectivas.

Ensino integrado e o Ensino Médio Integrado

O ensino integrado e o Ensino Médio Integrado representam alternativas às

formações básicas e profissionais tradicionais. A sua história está ligada à luta

política que buscava uma educação pública de qualidade com características

politécnicas para a juventude popular brasileira (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,

2012).

A aspiração, de educar por meio da ciência, da tecnologia, do trabalho e da

cultura sempre esteve associada às demandas populares e aos intelectuais

engajados; de modo que o seu percurso histórico sofreu todo o tipo de entraves e

até mesmo a sua proibição legal (BRASIL, 1997).

Porém, como a história também possui os seus reveses, a jovem e

controversa democracia brasileira permitiu que o poder fosse deslocado, ao menos

em parte, para um governo trabalhista que acolheu algumas demandas de apelo

popular, como a educação integrada.

Com isso, criou-se uma legislação que permitiu a sua existência, e não menos

importante, forjou-se as condições materiais necessárias para a sua oferta na rede

federal de educação profissional, científica e tecnológica, por meio dos institutos

federais (BRASIL, 2004).

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A concepção de ensino integrado possui influência de setores da educação

profissional que nunca se conformaram com a sua existência fragmentada e

desvinculada da educação formal. De modo que o ensino integrado é materializado

nos percursos formativos que contemplam formação geral e profissional; porém,

essa não é uma condição necessária (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015).

Ramos (2008) sintetiza as posturas epistemológicas e pedagógicas que

demarcam o ensino integrado: busca da formação humana omnilateral;

indissociabilidade entre educação profissional e básica e integração de

conhecimentos básicos e específicos como uma totalidade.

De certa forma, todos esses sentidos decorrem da concepção de trabalho

como um princípio educativo. Segundo Ramos (2008) há que se superar a sua

compreensão ingênua, que o vê como sinônimo de emprego, de atividade

econômica simplesmente. Ele consiste em toda a produção material ou intelectual

que visa a satisfação das necessidades humanas.

A formação humana omnilateral busca o desenvolvimento amplo de

capacidades e saberes. Assim, não faz sentido segregar os conhecimentos práticos

ou profissionais dos canônicos, pois ambos fazem parte da cultura humana. Em

contrapartida, a educação tradicional seria unilateral, por privilegiar uma única

dimensão formativa, ou seja, a educação para o emprego ou para a continuidade

nos estudos.

A indissociabilidade entre educação básica e profissional decorre da formação

omnilateral e é possibilitada na realidade do Ensino Médio Integrado, assim como o

entendimento dos conhecimentos específicos e básicos como constituintes de uma

totalidade.

Educação científica CTS

Os estudos sociais em ciência e tecnologia compõem um amplo espectro de

análises críticas relacionadas com as implicações do desenvolvimento científico e

tecnológico na sociedade contemporânea; eles tiveram origem nos Estados Unidos

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e Europa a partir da segunda metade do século XX e se proliferaram nas duas

décadas seguintes (PREMEBIDA; NEVES; ALMEIDA, 2011).

O interesse estava em problematizar e denunciar a associação da atividade

científica e tecnológica com o setor bélico, o agravamento das questões ambientais,

e também as consequências sociais desagradáveis de algumas tecnologias, como

agrotóxicos e fármacos, dentre outros (TEIXEIRA, 2003; SANTOS; MORTIMER,

2002; AULER; BAZZO, 2001).

Essas análises e os movimentos civis relacionados receberam a alcunha de

movimento CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade); tiveram repercussão em alguns

sistemas educacionais dos países nos quais se originou (AIKENHEAD, 2005); de

modo que, a esperança de uma mudança na percepção pública da ciência e da

tecnologia dependiam, em parte, de mudanças na formação escolar em ciências.

Para Aikenhead (2005), o acrônimo CTS catalisava o desejo de rompimento

com o status quo e se apresentava como uma possibilidade para o desenvolvimento

de uma visão mais holística da Ciência, por meio da humanização do currículo de

ciências, que a tornaria relevante para a maioria dos alunos (HURD, 1986 apud

AIKENHEAD, 2005).

Na década de 80 do século passado, deram-se as primeiras propostas

educacionais que agregavam ideias CTS no currículo de ciências; elas ocorreram na

América do Norte, na Europa e na Austrália, porém, todas não provocaram

mudanças estruturais no status quo (AIKENHEAD, 2005). Fensham (1988 apud

AIKENHEAD, 2005) explica que as mudanças curriculares somente têm efeito

quando são acompanhadas de câmbios na realidade social, de modo que o currículo

e a realidade se impliquem.

Esse relativo fracasso levou a que alguns pesquisadores a decretassem o

declínio do movimento CTS na educação científica, com a justificativa de que todas

as tendências curriculares na educação científica que atingiram o seu apogeu, ao

não serem capazes de realizar os seus objetivos, acabaram se eclipsando

(AIKENHEAD, 2005).

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Porém, esse não foi o caso dos estudos e propostas CTS; provavelmente,

isso se deve a capacidade desse campo em aglutinar pesquisadores e educadores

inconformados com o status quo. No século XX, os movimentos civis e ambientais

foram os motores do movimento CTS, na contemporaneidade, questões como os

alimentos transgênicos, crises econômicas, crises humanitárias, projeto genoma

humano, aquecimento global, entre outras, cumprem a mesma função

(AIKENHEAD, 2005).

Nesse mesmo sentido, o desenvolvimento econômico dos países emergentes

trouxe consigo uma série de problemáticas sociais e ambientais, de modo que, o

movimento CTS gestado no contexto das nações industrializadas encontrou um

terreno fértil nessas sociedades (AULER, BAZZO, 2001; LINSINGEN, 2007).

Na América Latina, o movimento CTS teve um desenvolvimento particular;

considera-se que o pensamento latino americano em ciência, tecnologia e sociedade

(PLACTS) tenha sido o marco das discussões CTS na região (LINSINGEN, 2007;

ROSO; AULER, 2016). Foi um movimento de intelectuais, engenheiros argentinos na

sua maioria, que nas décadas de 60 e 70 do século passado, discutiam o papel da

ciência e da tecnologia nas relações de dependência da região, assim como, em

alternativas para o desenvolvimento autônomo das nações latinas.

Embora seja inegável a importância do PLACTS para os estudos sociais em

ciência e tecnologia latinos, o mesmo não teve repercussão no cenário educacional

local; essa influência se deu, décadas mais tarde, com a importação de literatura do

hemisfério norte.

Metodologia da pesquisa

O presente trabalho buscou compreender alguns elementos concretos que se

relacionam com a possibilidade de articulações entre a educação científica CTS e o

ensino integrado. Essas informações foram buscadas no discurso de alguns

professores técnicos por meio de uma entrevista que versava sobre a formação

profissional dos alunos.

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A questão que essa pesquisa procura apontar evidências pode ser resumida

como: Quais problemáticas da educação profissional no ensino integrado,

apontadas por professores técnicos, se aproximam de preocupações formativas

CTS?

Os dados foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas com quatro

professores de edificações de uma escola técnica federal. Os discursos foram

gravados e transcritos e, depois, submetidos à análise estrutural de entrevistas

(BARDIN, 2016).

O roteiro foi composto pelas perguntas: Quais as disciplinas técnicas que

você leciona? Dessas, quais você considera como fundamentais para a prática

profissional futura dos estudantes? Por quê? Quais das disciplinas citadas

dependem mais de instrumentos técnicos? Seriam instrumentos presentes na

prática profissional futura dos estudantes? Desses instrumentos quais são os mais

utilizados? Você consegue perceber quando o aluno está se tornando um técnico?

Análise estrutural de entrevistas

A análise estrutural de entrevistas é uma técnica analítica descrita por Bardin

(2016) como uma ferramenta para a interpretação e decifração de discursos. A

autora resume o objetivo do método como:

Sob a aparente desordem temática, trata-se de procurar a estruturação

específica, a dinâmica pessoal, que, por detrás da torrente de palavras, rege

o processo mental do entrevistado (BARDIN, 2016, p. 96).

Esse processo, conforme a autora, consiste em seis etapas: análise temática,

de características associadas aos temas centrais, análise sequencial, análise de

oposições, análise da enunciação e esqueleto da entrevista (estrutural e semântico).

A análise temática diz respeito, no desenrolar do discurso, aos temas que

surgem. A anotação das características associadas ao tema central se refere ao

registro dos significados utilizados pelo sujeito de pesquisa no desenvolvimento de

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um tema. Nesse sentido, um recurso é dar atenção aos adjetivos utilizados e aos

juízos de valor.

A análise sequencial refere-se à divisão do texto em partes menores,

sequências, de modo a facilitar a análise. Para isso, pode-se levar em conta critérios

semânticos (relacionados ao tema) ou estilísticos (rupturas ou mudanças no estilo).

A análise de oposições é uma etapa de síntese do texto, que busca as

controvérsias, as comparações, as hesitações do entrevistado com relação às

temáticas. Dessa problemática, pode-se indicar uma solução particular.

A análise da enunciação não se preocupa com o tema sobre o qual se diz algo

e sim como a informação é expressa, frases curtas, longas, sujeitos em primeira,

segunda pessoa, do plural, do singular, uso de exemplos, vícios de linguagem etc.; o

interesse dessa análise é trazer informação relevante sobre o que não é dito

diretamente.

Por fim, tem-se o esqueleto da entrevista, que é a sua estrutura, é um trabalho

de redução, composto por todas essas etapas anteriores, permitindo a inferência da

lógica do sujeito pesquisado.

As diferentes abordagens anteriores permitem agora esclarecer o miolo

substancial desta entrevista, tanto no plano da organização cognitiva como

no da temática profunda (ou seja, latente, no sentido em que o locutor não

tenha clara consciência disso) (BARDIN, 2016, p. 106).

Conforme a sugestão da autora, as etapas de análise temática, de

características, sequencial e de enunciação ocorrem em conjunto, na tarefa de

decifração do texto, ou seja, sobre o material bruto; a análise de oposições e

esqueleto da entrevista são posteriores e se referem à síntese, à redução da

entrevista.

Nesse trabalho, em razão do tamanho do texto, apenas os esqueletos das

entrevistas serão discutidos nos resultados.

Resultados

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Discute-se a seguir os esqueletos das entrevistas e deles busca-se uma

articulação com alguns objetivos da educação científica CTS; vale ressaltar que os

discursos se referem à formação geral do técnico em edificações e não somente ao

seu percurso nas disciplinas científicas. De modo que essa análise deve ser

entendida como reveladora de indícios de colaboração do ensino de ciências na

vertente CTS para a efetivação da educação integrada.

Quanto a amostra da pesquisa, não serão feitos apontamentos para evitar a

identificação dos entrevistados. De modo geral, os quatro são docentes efetivos da

educação básica, técnica e tecnológica da rede federal, são engenheiros e possuem

pós-graduação stricto sensu (três mestres e uma doutora) na mesma área.

Entrevista 1

A primeira entrevista destacou uma tensão entre as características que atraem

e afastam o interesse dos estudantes para a área técnica. Há um contraste entre o

que o técnico em edificações pode fazer, ser um fiscal ou empreiteiro, com o que um

pedreiro faz.

Desse conflito inicial, as reflexões partem para o curso em si e maneira como

ele funciona. A estrutura curricular e a forma como os docentes se envolvem nas

suas atividades é criticada. O que interessa nesse caso, são as soluções que são

apontadas pelo investigado. A figura 1 apresenta o esqueleto dessa entrevista, que

deve ser lida de ‘cima para baixo’, primeiramente com a apresentação dos conflitos,

do problema e das soluções ao final da mesma.

Figura 1 – Esqueleto da entrevista 1.

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Fonte: Dados da pesquisa.

A problema de se conceber o curso como um presente, que pode decepcionar

ou encantar, como qualquer presente, dá origem a propostas de solução que

envolvem da estrutura curricular do curso às questões comportamentais e

pedagógicas.

É interessante o destaque que se dá a necessidade de um maior envolvimento

entre professores e alunos, o que se pode entender como uma demanda do Ensino

Integrado. Nesse sentido, algumas pesquisas em educação científica CTS reportam

que a inclusão das mesmas no ensino científico propiciou melhorias no envolvimento

dos atores, sobretudo dos alunos (TENREIRO-VIEIRA; VIEIRA, 2005; REBELO;

MARTINS; PEDROSA, 2008; CARLETO, 2016).

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Voltando à entrevista, percebe-se que essa questão vai além do problema de

relacionamento entre professores e alunos, parece se referir a um diálogo horizontal,

crítico, próximo à ideia de dialogicidade de Freire (2005).

[...] é aquele momento que ele começa a desenvolver, a querer fazer, ele

começa a exigir, né, do professor, ele quer mais, então eu sempre falo isso,

naquele momento em que o aluno fala assim, professor nós não vamos para

o laboratório? Nós não vamos fazer isso? (Entrevistado 1)

Isso implica em uma interação na qual o estudante possui protagonismo tal

qual o professor. Seguramente, essa é uma preocupação que deveria estar presente

em qualquer processo educacional, no caso em estudo, pode-se supor que o ensino

integrado demanda posturas mais ativas dos seus atores, o que traz preocupações

como as levantadas pelo entrevistado, sendo também, uma questão apontada por

estudos CTS (FERNANDES; STRIEDER, 2015).

Entrevista 2

Essa entrevista se desenvolve por meio de temas ligados à atuação do técnico

em oposição à sua formação. Em alguns momentos, se destaca que essa é uma

profissão exigente, difícil, enquanto que a sua formação se volta, muitas vezes,

apenas para o realce de características estéticas ou mesmo lúdicas.

Para o entrevistado, o interesse e a própria formação profissional dos

estudantes dependem de vocação. Desse ponto de vista controverso, defende-se

que mesmo aqueles que não são vocacionados devem continuar a estudar e a

desenvolver-se profissionalmente. A figura 2 apresenta o esqueleto dessa entrevista.

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Figura 2 – Esqueleto da entrevista

Fonte: dados da pesquisa.

O tema de comparação da profissão do técnico em edificações com os

trabalhadores braçais volta a aparecer; o que aparentemente realça o Ensino Médio

Integrado como um espaço de tensão, no qual, as características dualísticas da

educação média ficam mais aparentes.

Do ponto de vista da subjetividade do entrevistado, percebe-se que o interesse

pela formação técnica é concebido como uma vocação, o que deixa poucas

perspectivas de mudanças nas suas denúncias de desinteresse estudantil e pouco

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rigor formativo. Uma outra questão revelada, é preocupação que a formação deve

ter com os aspectos conflitivos da profissão e não apenas as suas características

estéticas e lúdicas, o que aponta para uma perspectiva da educação como

desveladora da realidade.

Assim, o sujeito de pesquisa aponta algumas soluções para esse problema.

Seriam necessárias mudanças nas visitas técnicas, de modo que, elas se tornem

‘visitas técnicas integradas’ com várias disciplinas e com planejamento e cobranças.

Essa opção, se aproxima com a proposta do ensino interdisciplinar e

transdisciplinar, perspectiva próxima das alternativas CTS na educação científica

(NASCIMENTO; LINSINGEN, 2006; SANTOS, 2008). Principalmente, quando se

realça a necessidade de discussão dos saberes não científicos.

Entrevista 3

A análise dessa entrevista revela a percepção de algumas oposições

presentes no itinerário formativo em questão; esses pontos dizem respeito às

questões sociais, como a presença de alunos com baixo capital social ou estudantes

que estão a muitos anos afastados da educação formal, e aos fatores naturais, como

o desenvolvimento dos adolescentes de crianças à profissionais.

Também se dá destaque às questões comportamentais ligadas a comunicação

e expressão e a criticidade, ou seja, no processo educacional, muitos alunos que no

início eram muito calados e passivos passam a se expressar mais e a reivindicar as

suas demandas. A figura 3 apresenta o esqueleto dessa entrevista.

Figura 3 – Esqueleto da entrevista.

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Fonte: dados da pesquisa

O curso é visto como um processo de transformação em vários sentidos;

biológico, pois acompanha a adolescência, social, pois um grande número de

estudantes provém de camadas sociais com baixo capital cultural, o que não os

impede de se destacar no mercado de trabalho e no exercício da profissão e

comportamental, com melhorias na argumentação e criticidade.

Nesse sentido, alguns estudos CTS (VIEIRA; BAZZO, 2008; LENHARO;

LOPES, 2013; ZANI, 2013), sobretudo os que se voltam para a discussão de temas

controversos, têm contribuído para a melhoria da argumentação dos estudantes. O

que parece se alinhar com uma das preocupações da investigada, ou seja, promover

a comunicação dos aprendizes.

Entrevista 4

Nessa entrevista, o conflito que transparece é entre a formação profissional e

a ‘boa formação’ para o vestibular, ou seja, preparação para o ensino superior; essa

é uma tensão que era esperada na análise, pois, o ensino integrado é uma tentativa

de superar essa controvérsia.

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Nesse sentido, transparece as características dualísticas históricas da

educação brasileira, desvalorização social da formação técnica e obsessão pelo

treinamento visando o sucesso em exames de seleção. A figura 4 apresenta o

esqueleto dessa entrevista.

Figura 4 – Esqueleto da entrevista.

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Fonte: dados da pesquisa.

A solução apontada pela entrevistada é a proposição de mudanças

institucionais, pedagógicas e no discurso institucional. No caso pedagógico, os

projetos integradores são apontados como uma alternativa para atenuar o problema

da dualidade escolar.

Semelhante à entrevista 2, aponta-se para a interdisciplinaridade como saída

para as dificuldades enfrentadas pela docente no contexto do ensino integrado.

Nesse sentido, a educação científica CTS, por seu caráter interdisciplinar

(NASCIMENTO; LINSINGEN, 2006), pode vir a colaborar para a efetivação do

ensino integrado.

Conclusões

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Percebe-se, a partir da análise do discurso dos professores, que as

inquietações quanto a formação dos alunos tangencia pontos que estão

relacionados com discussões e experiências do campo CTS. Vale ressaltar, que

provavelmente, a maior convergência entre essas duas vertentes, educação CTS e

ensino integrado, seja a busca por compreensões amplas da realidade, seja pela

perspectiva da ciência ou do trabalho (SILVA; NEVES, 2017).

Voltando aos dados desse trabalho, entende-se que as problemáticas

docentes destacaram a necessidade de incrementar o envolvimento docente e

discente nos processos educacionais, de incentivar o protagonismo estudantil e a

criticidade; no mesmo sentido, a preocupação em desenvolver a argumentação

discente também esteve presente.

A busca por integração escolar e trabalho interdisciplinar como meios para

melhorar a qualidade do ensino e motivar os estudantes e professores foi apontado

como um desafio dos docentes.

Destaca-se que alguns estudos mostram que há relação entre a inserção de

abordagens CTS no ensino de diferentes níveis e as características problemáticas

reveladas nos discursos docentes, porém, outras perspectivas educacionais também

apontam saídas para esses dilemas, como as propostas interdisciplinares

(FAZENDA, 1994; LAVAQUI; BATISTA, 2007), de incentivo à argumentação

(SASSERON; CARVALHO, 2011), dentre outras.

De modo que a opção pela inserção da educação científica na perspectiva dos

estudos sociais da ciência e da tecnologia no ensino integrado, e em qualquer

modalidade formativa, depende de decisão política, além dos aspectos

epistemológicos e indícios empíricos; caso seja assumida, arrisca-se que essa

posição provavelmente estará associada com o inconformismo com a fragmentação

escolar e suas vertentes utilitárias, que dificultam as compreensões e ações críticas

e totalizantes.

REFERÊNCIAS

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