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1 Potencial de implantação de Abordagens Holísticas no Desenvolvimento de Competências segundo a avaliação de Líderes Empresariais Autoria: Ana Claudia Valentini Montenegro, Patricia Wazlawick, Wesley Lacerda e Silva Resumo Este artigo tem como objetivo analisar os diferenciais de um modelo de desenvolvimento de competências desenhado a partir dos valores organizacionais e quais os resultados obtidos em relação ao desenvolvimento de gestores de pessoas segundo a análise de líderes empresariais. Quando se aborda o modelo de gestão de competências, o que se observa em muitos casos é que este é utilizado apenas parcialmente, e algumas vezes como meio de diminuição dos salários ou como justificativa para as demissões de pessoal, perdendo deste modo a sua grande possibilidade de desenvolvimento humano, que de início deveria ser o seu principal objetivo, dado que são as competências das pessoas que movimentam a vida da organização. Baseado na abordagem holística de competências proposta por Cheetham & Chivers e em autores que estudam a importância da reflexão e do autoconhecimento para o desenvolvimento de competências, foram entrevistados 23 líderes, entre sócios, diretores e gerentes, de uma empresa de Tecnologia da Informação que implantou com êxito o modelo de gestão de competências, visando levantar as suas experiências e compreensões sobre o novo modelo implantado e a sua efetividade em relação ao foco em desenvolvimento dos gestores empresariais também como gestores de pessoas. A investigação seguiu as orientações metodológicas da pesquisa qualitativa aplicada, utilizando como estratégia de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a análise de conteúdo como meio de interpretação das informações coletadas. Os resultados revelaram que a implantação de um modelo de competências visando exclusivamente o desenvolvimento pode ser eficaz através da estimulação à reflexão e ao autoconhecimento dos gestores, já que a formação global dos gestores que fazem as avaliações é o ponto fundamental para o modelo possibilitar a identificação e gestão das competências. Uma formação que inclua o autoconhecimento pode ser considerada como ideal, pois o modelo de gestão possui uma ênfase subjetiva que é justamente o seu principal diferencial, contudo, é importante aprender a torná-lo objetivo, e isso se faz possível através de acurado autoconhecimento. Por meio de novas propostas que foquem os resultados não apenas econômicos, mas também sociais, é possível ter uma administração mais humanística e com possibilidades de atingir inclusive melhores resultados econômicos, visto que pessoas mais realizadas empregam melhor suas competências, são mais eficientes, criam um círculo virtuoso nos locais onde estão inseridas. Mediante a análise das entrevistas, concluiu-se que a empresa analisada adotou um modelo de gestão de competências mais abrangentes do que os normalmente implantados no mercado, e que isso acabou possibilitando a formação de profissionais não apenas em sentido técnico-funcional, mas, principalmente, como pessoas em sentido holístico.

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Potencial de implantação de Abordagens Holísticas no Desenvolvimento de Competências segundo a avaliação de Líderes Empresariais

Autoria: Ana Claudia Valentini Montenegro, Patricia Wazlawick, Wesley Lacerda e Silva

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar os diferenciais de um modelo de desenvolvimento de competências desenhado a partir dos valores organizacionais e quais os resultados obtidos em relação ao desenvolvimento de gestores de pessoas segundo a análise de líderes empresariais. Quando se aborda o modelo de gestão de competências, o que se observa em muitos casos é que este é utilizado apenas parcialmente, e algumas vezes como meio de diminuição dos salários ou como justificativa para as demissões de pessoal, perdendo deste modo a sua grande possibilidade de desenvolvimento humano, que de início deveria ser o seu principal objetivo, dado que são as competências das pessoas que movimentam a vida da organização. Baseado na abordagem holística de competências proposta por Cheetham & Chivers e em autores que estudam a importância da reflexão e do autoconhecimento para o desenvolvimento de competências, foram entrevistados 23 líderes, entre sócios, diretores e gerentes, de uma empresa de Tecnologia da Informação que implantou com êxito o modelo de gestão de competências, visando levantar as suas experiências e compreensões sobre o novo modelo implantado e a sua efetividade em relação ao foco em desenvolvimento dos gestores empresariais também como gestores de pessoas. A investigação seguiu as orientações metodológicas da pesquisa qualitativa aplicada, utilizando como estratégia de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a análise de conteúdo como meio de interpretação das informações coletadas. Os resultados revelaram que a implantação de um modelo de competências visando exclusivamente o desenvolvimento pode ser eficaz através da estimulação à reflexão e ao autoconhecimento dos gestores, já que a formação global dos gestores que fazem as avaliações é o ponto fundamental para o modelo possibilitar a identificação e gestão das competências. Uma formação que inclua o autoconhecimento pode ser considerada como ideal, pois o modelo de gestão possui uma ênfase subjetiva que é justamente o seu principal diferencial, contudo, é importante aprender a torná-lo objetivo, e isso se faz possível através de acurado autoconhecimento. Por meio de novas propostas que foquem os resultados não apenas econômicos, mas também sociais, é possível ter uma administração mais humanística e com possibilidades de atingir inclusive melhores resultados econômicos, visto que pessoas mais realizadas empregam melhor suas competências, são mais eficientes, criam um círculo virtuoso nos locais onde estão inseridas. Mediante a análise das entrevistas, concluiu-se que a empresa analisada adotou um modelo de gestão de competências mais abrangentes do que os normalmente implantados no mercado, e que isso acabou possibilitando a formação de profissionais não apenas em sentido técnico-funcional, mas, principalmente, como pessoas em sentido holístico.

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1. Introdução

Durante o século XX, principalmente na segunda metade, começou-se a discutir sobre a importância das pessoas para o crescimento das organizações e culminou, na última década, com a identificação do fator humano como sendo crucial para atingir os resultados esperados por qualquer empresa. Hoje, sabe-se que antes de qualquer fator tecnológico, o que mais impacta no sucesso de uma organização são as pessoas, afinal, quem programa um sistema? Quem imputa os dados para gerar os relatórios empresariais? Quem analisa as conjunturas para definir a estratégia da empresa? Quem cria alternativas de gestão? E quem as implementa? São pessoas. As organizações dependem das competências de pessoas.

Com a mudança de visão sobre o papel e importância das pessoas no âmbito organizacional, teve início a discussão sobre como gerir e desenvolver este capital humano, como identificar os diferentes potenciais, como fazer com que as pessoas produzam o máximo de valor para a empresa e para si mesmas. Para solucionar essas questões, surgiram diversas propostas de modelos de gestão de pessoas que foram evoluindo, diversificando-se e, também, desaparecendo ao longo do tempo. Um dos modelos que vem sendo cada vez mais discutido e estudado é o de gestão de competências.

Em muitos casos, o que se observa é que o modelo de gestão de competências é utilizado como meio de diminuição dos salários e como justificativa para as demissões de pessoal, perdendo deste modo a sua grande possibilidade de desenvolvimento, que de início, deveria ser o seu objetivo. Além disso, existe a premissa de que muitas avaliações são subjetivas e isso pode gerar uma dificuldade dos gestores de saberem avaliar corretamente as pessoas e de conseguirem individuar as suas respectivas competências. A dificuldade do fator subjetivo está presente em toda metodologia de gestão, mas prepondera no modelo de competências, pela própria essência da competência que é ter dimensões altamente individuais e difíceis de serem alinhadas com a globalidade da organização. Por isso, quando uma empresa transpõe a dificuldade do critério subjetivo, equivale dizer que encontrou meios de identificar e desenvolver as competências individuais no contexto global da organização, bem como encontrou meios de sensibilizar pessoas para assumir como próprias as competências organizacionais, com ganho de crescimento para ambos, empresa e colaborador.

Neste sentido, a presente pesquisa foi realizada através do estudo de caso de uma empresa de TI que implantou o modelo de desenvolvimento de competências buscando desenhá-lo conforme a sua realidade e valores organizacionais e com foco no desenvolvimento de sua equipe de gestores, sem estar alinhada à remuneração, mas visando torná-los, também, gestores de pessoas. O objetivo da pesquisa foi analisar os diferenciais do modelo proposto pela empresa e quais os resultados que ela tem obtido em relação ao seu objetivo de desenvolvimento de gestores de pessoas.

1.1 Principais abordagens no estudo de competências

Conceituar o que é competência não é tarefa tão simples, já que este termo toma diversas interpretações dependendo da abordagem e do autor que o utiliza. A palavra competência se origina do latim competere, que significa: cum = conjunto e petere = esforço, ou seja, um esforço conjunto, fazer convergir a um único ponto (CORTELAZZO & ZOLLI, 1994). Nos estudos acadêmicos pertinentes ao tema competência, verifica-se que os autores fundamentam o conceito sob duas perspectivas principais, a americana e a francesa. A americana possui uma visão mais comportamentalista, focada nas capacidades dos indivíduos

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e a francesa observa o indivíduo sob uma ótica construtivista, vinculando trabalho e educação (PEREIRA, 2005; FISCHER et al., 2008).

Na perspectiva americana (BOYATZIS, 1982; MCCLELLAND, 1973), o conceito de competência é pensado como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que justificam um alto desempenho, acreditando-se que os melhores desempenhos estão fundamentados na inteligência e personalidade das pessoas. Em outras palavras, a competência é percebida como o estoque de recursos que o indivíduo detém. Embora o foco de análise seja o indivíduo, a maioria dos autores americanos sinaliza a importância de se alinharem as competências às necessidades estabelecidas pelos cargos ou posições existentes nas organizações. Ou seja, tanto na literatura acadêmica, como nos textos que fundamentam a prática administrativa, a referência que baliza o conceito de competência é o conjunto de tarefas pertinentes a um cargo.

Já na concepção francesa (LE BOTERF, 2003; ZARIFIAN, 2001) a competência é construída através da aquisição de conhecimentos, do processo de aprendizagem. Neste modelo a habilidade apresenta-se como experiência, caracterizando-se pela capacidade que o indivíduo possui de mobilizar o conhecimento adquirido em uma determinada situação. A atitude é expressa como sendo a “vontade de fazer”. Portanto, a competência do indivíduo não é um estado, não se reduz a um conhecimento ou know how específico.

Neste sentido, Le Boterf (2003) aponta que a competência do indivíduo pode ser entendida segundo três eixos fundamentais: pelas características da pessoa (sua biografia, socialização), pela sua formação educacional e pela sua experiência profissional. Neste sentido, sua abordagem enfatiza que a competência é um saber agir responsável e que é reconhecido pelos outros, implica saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades num contexto profissional determinado. Os conhecimentos e o know how não adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e utilizados. Assim, o desenvolvimento das competências humanas depende não apenas do sistema de educação corporativa, mas também de um ambiente organizacional que incentive a aprendizagem e do interesse da pessoa em aprender e agir. O agir é fundamental quando se fala em competência, mas deve ter uma finalidade que faça sentido para o profissional. Este autor introduz ainda a importância da cultura como fornecedora dos elementos simbólicos que serão utilizados pelo profissional no momento em que deverão agir.

Zarifian (2001) também incorpora a cultura em seus estudos e afirma que para o indivíduo desenvolver suas competências, ele precisa se identificar com a cultura e valores da organização, pois estes não podem ser impostos, mas devem emergir naturalmente. O autor aborda que o trabalho e o trabalhador não podem ser separados e as competências dos trabalhadores não podem mais ser resumidas a uma lista de tarefas a serem realizadas, mas elas são a capacidade do indivíduo de enfrentar e resolver eventos inesperados. A competência deve ser sempre mobilizada pelo próprio trabalhador diante de um evento, demonstrando que a competência não é uma característica passiva, mas que deve ser ativada pela vontade do indivíduo.

1.2. Novas propostas sobre o desenvolvimento de competências

Nas últimas décadas, alguns autores têm se preocupado em olhar para as competências de modo mais abrangente, holístico, incluindo aspectos como a formação integral do individuo, o significado do trabalho, a importância da reflexão, da ética e dos valores. Cheetham & Chivers (1998) focam as suas pesquisas em como os profissionais adquirem e mantêm as suas competências e qual a contribuição da educação formal e dos programas de

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desenvolvimento para este escopo. O objetivo não era construir um modelo que reunisse todas as hipóteses conflitantes, mas um modelo holístico que juntasse elementos coerentes de abordagens diferentes. O núcleo do modelo proposto (Figura 1) possui quatro componentes essenciais da competência profissional:

Conhecimento / Competência cognitiva Competência funcional Competência pessoal ou comportamental Valores / Competência ética

Figura 1 – Modelo de competência profissional (modificada pelos autores). Fonte: Cheetham & Chivers, 1998.

O conhecimento ou competência cognitiva é composto pelo conhecimento

tácito/prático (conhecimentos ligados a funções específicas ou competências pessoais - o que Schon (1983) chama de "saber-em-ação"), o conhecimento técnico/teórico (a base do conhecimento subjacente às profissões, incluindo princípios, teorias etc.), conhecimento procedural (consiste no como, o que, quando etc., das tarefas mais rotineiras), o conhecimento contextual (bagagem de conhecimentos específica sobre uma organização, cliente, contexto

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etc.) e aplicação do conhecimento (inclui toda a capacidade de síntese e contextualização do conhecimento, bem como sua aplicação e transferência).

A competência funcional é subdividida em ocupações específicas (consiste nas diversas tarefas que dizem respeito a uma determinada profissão), processual, organizacional (tarefas de natureza genérica, por exemplo, planejamento, delegação, avaliação etc.), habilidades mentais (estas são habilidades que envolvem principalmente atividades mentais primárias – habilidade literária, numérica etc.) e habilidades físicas (estas são as habilidades de natureza física – destreza manual, habilidade no teclado etc.).

A competência pessoal ou comportamental é subdividida em social/vocacional (relacionado mais às características pessoais e comportamentos que se relacionam com o desempenho das principais tarefas profissionais – autoconfiança, persistência, controle das emoções ou estresse etc.) e intraprofissional (comportamentos que dizem respeito principalmente à interação com outros profissionais – coleguismo, aderência às normas profissionais etc.). E os valores ou ética profissional abrangem aqueles pessoais (por exemplo, adesão à moral pessoal / códigos religiosos, sensibilidade às necessidades e valores dos outros etc.) e os profissionais (por exemplo, adesão ao código profissional, foco no cliente, julgamento ético etc.).

Embasando esses quatro componentes essenciais das competências os autores determinaram sete metacompetências ou transcompetências, ou seja, a partir dessas metacompetências é que se desenvolvem as demais competências. Além disso, o modelo reconhece os macro-resultados, os micro-resultados e os resultados parciais, que podem ser observados pela própria pessoa e pelos outros derivados da competência profissional. E a reflexão é o elemento fundamental, que os autores colocam como uma super meta e também como uma metacompetência. Como super meta ela tem o escopo de análise dos efeitos das ações do próprio indivíduo e das metacompetências e dos componentes da competência de modo a se desenvolver e melhorar a competência profissional. Ela ser também colocada como uma metacompetência significa que ela baseia todo o desenvolvimento da competência, é um pré-requisito e também que ela transpassa todos os componentes.

Adicionado a tudo isto, reconhecem que a personalidade e a motivação do indivíduo possuem um papel fundamental na competência profissional. A personalidade pode contribuir ou não com qualquer aspecto da competência e alguns traços de personalidade podem ajudar ou prejudicar no desempenho de determinadas atividades. A motivação pode afetar tanto o desempenho da função quanto a disponibilidade para resolver ou melhorar as próprias competências e por isso também devem ser consideradas. A reflexão pode estimular mudanças na motivação e, ao longo do tempo, também na personalidade. Além disso, como já apontado por Boyatzis (1982), as competências dependem do indivíduo, mas também do ambiente em que este se encontra, desta forma o ambiente e o contexto do trabalho influenciam na mobilização da competência ou não.

Em um outro ângulo também mais abrangente, diversos autores têm enfatizado a importância fundamental para a competência e o seu desenvolvimento de se compreender como o trabalho é vivenciado pelo profissional. Sandberg (2000) e Sandberg e Dall’Alba (2006) demonstraram em seus estudos que a compreensão do trabalho realizado é a base para o desenvolvimento da competência profissional, pois o modo como o indivíduo compreende o seu trabalho determina a competência que desenvolverá e o uso que fará dela na realização das suas tarefas e decisões de ação. Estes autores enfocam ainda a importância do autoconhecimento e da reflexão para o desenvolvimento da competência. O autoconhecimento é visto como a base para a liderança empresarial e desenvolver uma profunda compreensão sobre o que significa ser um ser humano nas organizações e na sociedade é fundamental. Reforçando este sentido, Meneghetti (2010) traz na sua abordagem

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sobre a formação de líderes que viver, agir focando o dinheiro pelo dinheiro é como já estar morto e que isso não é concebido no verdadeiro líder, pois este possui valores que são interiores e totais.

O líder é produtor de funcionalidade do contexto social em sentido cívico-humanístico: cívico em relação à comunidade local, humanístico no sentido de um valor superior que, para além das divergências e dos modos das diversas culturas, apresenta uma entidade que nos especifica semelhantes” (MENEGHETTI, 2010, p. 274).

Na visão tanto de Meneghetti (2008; 2010) quanto de Sandberg e Dall’Alba (2006), ao falarmos de líder devemos ter foco no autodesenvolvimento dos próprios líderes, bem como que eles são os impulsionadores para o desenvolvimento e crescimento dos colaboradores e de outras pessoas na sociedade. Segundo Meneghetti (2010), um líder não se forma apenas a partir das competências técnicas e dos conhecimentos adquiridos, mas ele é formado sempre de um outro líder, dos ensinamentos de um outro líder para depois desenvolver a própria liderança. O líder, antes de fazer para os outros, deve fazer para si mesmo, deve se autoconhecer profundamente, somente assim é possível ajudar aos outros conforme constrói a própria obra e se realiza através dela.

Nesse sentido, Sandberg e Dall’Alba (2006) reforçam que o indivíduo desenvolve a compreensão de si mesmo através da reflexão e é também através da reflexão que se pode mudar a própria compreensão a respeito do trabalho que se realiza. Essa compreensão é que governa a performance no trabalho e o desenvolvimento da competência do profissional, porém, é difícil compreender sozinho sobre o próprio trabalho, por isso o modo como os outros vêem também é importante. O aspecto da interação no desenvolvimento de competência aparece justamente na seguinte definição:

Desenvolvimento de competência é o processo contínuo e articulado de formação e desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes no qual o indivíduo é responsável pela construção e consolidação de suas competências (autodesenvolvimento) a partir da interação com outras pessoas no ambiente de trabalho, familiar e/ou em grupos sociais (escopo ampliado), tendo em vista o aprimoramento de sua capacitação, podendo, dessa forma, adicionar valor às atividades da organização e da sociedade e a si próprio (autorrealização)” (BITENCOURT, 2005, p.137).

1.3. A gestão de competências e seus desafios

O viés mais encontrado no estudo de competências é aquele funcionalista, que busca

implantar os modelos de gestão de competências em larga escala nas empresas. Um desses modelos é o de Brandão e Guimarães (2001), o qual, de maneira geral, primeiro considera a definição de todo o planejamento estratégico da empresa e a definição das competências essenciais da empresa. O passo seguinte é fazer o diagnóstico das competências humanas e um levantamento das competências já existentes na organização e aquelas necessárias para o alcance do objetivo desejado e verificar o gap existente entre ambas. Posteriormente, para diminuir esse gap, pode-se fazer uma seleção de competências externas, tanto no nível individual, através de seleção de pessoas, como no nível organizacional, através de joint-ventures, por exemplo. Um outro meio é através do desenvolvimento de competências internas da organização, através da aprendizagem no nível individual e de investimentos em pesquisa no nível organizacional. Em seguida, deve-se definir os planos operacionais e de gestão e os indicadores de desempenho e remuneração dos profissionais e das equipes e, por fim, fazer o acompanhamento e avaliação utilizando-se do feedback.

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Para se fazer o levantamento ou mapeamento de competências, inicia-se com uma pesquisa documental sobre a missão, visão e estratégia da organização e depois se faz uma coleta de dados com algumas pessoas–chave da organização para comparar com os dados documentais. Essa coleta de dados com pessoas que conheçam muito bem a organização, sua cultura e estratégia é fundamental para colher a percepção deles daquilo que de fato ocorre na organização.

O modelo proposto por Wood e Piccarelli (1999) (Figura 2) esquematiza o processo mais comum de implantação de um modelo de gestão de competências:

Figura 2 - Identificação de competências Fonte: Wood e Piccarelli, 1999.

Nos estudos conduzidos por Fernandes e Comini (2008) em diversas empresas brasileiras, pode-se individuar diversas dificuldades na implantação dos seus modelos de competências, como: as organizações não trabalham adequadamente o conceito de competências organizacionais antes de implantar seus modelos, não dedicam tempo suficiente para implantar o modelo, contentam-se com modelos-padrão utilizados pelas consultorias e enfatizam o desenvolvimento de competências gerenciais, sem incorporar as especificações técnicas de processos essenciais e os valores do negócio. Além disso, os autores ressaltam que o modelo pode estar descolando das prioridades estratégicas organizacionais, mas enfatizam que as possíveis limitações à viabilidade e ao alto potencial do modelo de Gestão de Competências não derivam de problemas estruturais à sua concepção, mas da frouxidão conceitual e metodológica que cercam alguns projetos de implantação do modelo.

Wood e Piccarelli (1999) apontam que uma das principais dificuldades para implantação deste modelo é que poucas empresas possuem posicionamento estratégico claro, ou visão clara sobre seu futuro, o que dificulta a definição de quais competências têm que ser desenvolvidas para se chegar a essa estratégia. No estudo realizado por Gramigna (2002), os principais pontos de fracasso para a implantação de um modelo de gestão de competências são:

 

 

 

 

 

 

Experiência de outras empresas

Lista de competências                 

Com

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ênci

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s Visão de futuro Missão da empresa

Direcionamento estratégico

Competências essenciais do negócio

Competências genéricas

Competências específicas

Análise dos processos

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Problemas de venda e patrocínio: ocorre quando não há a adesão da alta direção às mudanças, quando não existe um trabalho de “venda” eficaz para todos os colaboradores, ou quando se mantém uma estrutura centralizadora.

Problemas técnicos: definição de perfis de competência incompatíveis com a realidade da empresa, inadaptação dos modelos de competências e ferramentas de suporte às características da empresa, implantação das ferramentas de modo desconectado dos demais processos da empresa, uso da medição das competências para demissões ou remanejamentos de forma inadequada.

Problemas de planejamento: descontinuidade das ações, implantação do modelo de forma desordenada, falta de estratégias sistematizadas para gerir as mudanças, dificuldades para compreender a dimensão das intervenções iniciais na cultura empresarial, ausência de planos de sucessão e projetos de aproveitamento dos talentos.

Problemas culturais: predominância de estilos gerenciais centralizadores, costume de agir “apagando incêndios”, presença de jogos de poder entre as áreas em que as equipes adotam postura competitiva com relação aos seus pares.

2. Metodologia da pesquisa

A pesquisa foi realizada com um dos principais grupos brasileiros da área de Tecnologia da Informação, presente no mercado há duas décadas. Atualmente possui cerca de 315 clientes, 511 projetos ativos, aproximadamente 850 colaboradores, tem atuação nacional e internacional e já recebeu diversos prêmios de destaque no setor, além de possuir certificação CMMI (Capability Maturity Model Integration) nível 2 e estar se preparando para solicitar a avaliação para o nível 3. Em 2008 a empresa cresceu 70% e em 2009, 40%, mesmo diante da crise internacional.

Em relação à cultura organizacional, a missão da organização é “prover soluções em Gestão e Tecnologia da Informação, com confiabilidade, inovação e compromisso superiores”; a visão é “tornar-se um dos principais grupos brasileiros na área de Tecnologia da Informação, com atuação internacional”; e os valores da empresa são: atendimento personalizado ao cliente, comprometimento entre os públicos, crescimento com rentabilidade, pessoas comprometidas com o resultado, pessoas realizadas e aprimorar constantemente o servir.

A empresa nunca teve um sistema de gestão de pessoas formalizado, pois era uma pequena empresa e os sócios sempre gerenciavam diretamente as carreiras dos profissionais. Foi com o rápido crescimento a partir de 2005 que a empresa começou a sentir necessidade de uma formalização do modelo de gestão, pois não conseguiam mais gerenciar a carreira de todos os colaboradores e começaram a sentir a necessidade de formar os diretores e gerentes para também fazerem esse papel com as suas equipes, já que a grande maioria possuía um perfil muito técnico. Apesar de não terem na época um modelo formalizado de gestão, os sócios tinham muito claro a premissa fundamental que gostariam do modelo: o desenvolvimento dos seus líderes como gestores de pessoas.

Em relação à metodologia empregada, este estudo de caso é uma pesquisa qualitativa aplicada, porque, segundo Silva e Menezes (2001), objetiva gerar conhecimentos para a aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos. Este tipo de pesquisa, a partir dos dados, também pode apresentar sugestões para a melhoria de determinada prática, no caso desta pesquisa sugestões para a melhoria na implantação de modelos de desenvolvimento de competências. A natureza deste estudo é qualitativa, que segundo Triviños (1994), caracteriza-se por adotar o ambiente natural como fonte direta dos dados, por ter o

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pesquisador como instrumento-chave, por ser uma pesquisa descritiva que se preocupa mais com o processo do que com os resultados e o produto, por analisar os dados indutivamente e por se preocupar mais com o significado do que com a quantificação dos dados.

Como sujeitos de pesquisa, foram pesquisados os três sócios, os cinco diretores e os quinze gerentes, tanto da área técnica e de projetos como da área comercial, através de entrevistas semi-estruturadas. Além disso, utilizou-se a pesquisa documental para analisar a estrutura do modelo da empresa e os relatórios disponibilizados de algumas avaliações já realizadas. As informações obtidas foram analisadas conforme a Análise de Conteúdo que se caracteriza por ser um conjunto de técnicas de análise dos dados, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos, obter indicadores que permitam a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens (BARDIN, 1977).

3. Análise da implantação do modelo de desenvolvimento de competências

Para a implantação do modelo de desenvolvimento de competências, finalizado em março de 2006, foram realizadas reuniões quinzenais com os sócios, nas quais foram definidos os pré-requisitos e expectativas em relação ao modelo que seria implantado. Definiu-se que primeiro seria feita a implantação com os diretores e gerentes para desenvolver as competências deles e, deste modo, tornarem-se aptos a ajudar os colaboradores a desenvolverem as suas. Uma expectativa explicita era a importância do alinhamento do modelo aos valores e à cultura da empresa, motivo pelo qual foi definido desenhá-lo com base nos valores organizacionais. A idéia principal dos sócios era que conforme os colaboradores adotassem os valores da empresa como próprios, um “verdadeiro” alinhamento de valores ocorreria e seria possível o desenvolvimento e a satisfação tanto dos colaboradores como da própria empresa.

Em toda a minha carreira eu nunca consegui me imaginar trabalhando em uma empresa que tivesse os valores muito diferentes dos meus, que fizesse coisas que na minha visão não fossem corretas ou que fossem contra algo que eu acreditava. Acredito que muitas pessoas sejam iguais a mim neste sentido, por isso digo sempre à equipe que eles devem conseguir ver a empresa como deles, devem se identificar com os nossos valores, senão é inútil quererem trabalhar aqui, pois eu vejo constantemente que quem cresce conosco é porque possui os mesmos valores. Nós queremos pessoas realizadas e felizes conosco e isso só é possível se os nossos objetivos forem os mesmos. (Presidente)

De acordo com Meneghetti (2010), o profissional deve ter amor por aquilo que a empresa faz, pois este é um modo de ganhar, de descobrir a si mesmo, a própria carreira, o próprio crescimento. A melhor escola do mundo é a empresa, pois é a partir dos erros e das qualidades dos outros que se aprende a singularidade de si mesmo. E é inútil estar em uma empresa na qual o profissional não se identifica, apenas para fazer contraposição, pois não se cresce e não acrescenta nada nem para si mesmo nem para a empresa. Para a implantação do modelo, a empresa seguiu as seguintes etapas: 1) Revisão do Planejamento Estratégico; 2) Escolha de um executivo responsável pelo acompanhamento completo do desenho do modelo; 3) Definição das competências organizacionais em base aos valores corporativos; 4) Definição dos comportamentos que identificam as competências; 5) Workshops de divulgação das competências para as equipes de liderança;

Observa-se que a implantação do modelo adotou em parte os passos normalmente seguidos conforme relatado por Wood e Piccarelli (1999). A empresa iniciou a implantação do modelo após a revisão do Planejamento Estratégico, fato importante já que segundo Fleury

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e Fleury (2001) as competências organizacionais devem estar de acordo com a estratégia da organização e com o âmbito de atuação da empresa. Ou seja, a revisão garante que o modelo que será desenvolvido estará de acordo com a estratégia atual da empresa. Além disso, o fato de um dos sócios da empresa conduzir pessoalmente todo o processo foi fundamental para não correrem o risco do modelo ficar com o padrão de mercado, sem estar alinhado aos valores do negócio e às expectativas da empresa, uma das principais dificuldades apontadas por Fernandes e Comini (2008).

No entanto, um fato inovador no desenho deste modelo foi terem transformado os próprios valores da organização nas competências. Analisando o modelo adotado pela empresa com base no modelo proposto por Cheetham & Chivers (1998) notou-se que os quatro componentes essenciais da competência profissional encontram-se presentes no modelo da empresa. Os três primeiros componentes normalmente já são englobados nos modelos tradicionais, uns com maior e outros com menor profundidade. Porém, a tentativa de incluir os valores como a base da competência é uma tentativa de incluir este quarto componente, que apesar de ser o valor da empresa, se for considerada a visão de Meneghetti (2010) e do próprio presidente da empresa de que os valores do profissional devem se assemelhar aos da empresa para o seu desenvolvimento, ele também está relacionado ao valor do indivíduo.

O modelo de Cheetham & Chivers (1998) traz ainda que a competência profissional deve ser percebida pelo próprio indivíduo e por outras pessoas e esse aspecto também está englobado no modelo desenvolvido pela empresa, pois a avaliação de cada gestor é feita através da avaliação 360º, onde são escolhidos 1 gestor, 1 par, 2 colaboradores da sua equipe, 1 cliente (através de pesquisa de satisfação) e o próprio indivíduo para o avaliarem. Todas as avaliações são compiladas pelo RH e passadas ao superior do gestor que fará a avaliação e o plano de desenvolvimento juntamente com o gestor avaliado. Apesar do tempo empregado ser um fator considerável, pois em média cada avaliação dura em torno de 2,5 horas, sem contar o tempo de preenchimento da avaliação 360º e da compilação das informações que devem ser de modo qualitativo e não quantitativo, os resultados obtidos têm valido a pena na visão dos gestores.

Eu devo ser sincero que no início achava que tudo isso era uma moda e que não serviria de nada e não fazia as avaliações com muita profundidade. Só que depois de um ano, que eu comecei a ver que alguns colegas meus estavam mudando, que o Diretor Comercial começou a ter um posicionamento diferente nas reuniões de comitê, que não era mais tão intransigente, comecei a me questionar e comecei a levar tudo mais a sério, principalmente a minha avaliação. Hoje vejo que não é uma perda de tempo, que ganhamos com isso, inclusive em produtividade. (Diretor Financeiro) Quando começamos todo este processo tivemos que enfrentar muitas resistências, muitas delas não eram explícitas, o que era mais difícil de tratar. Alguns dos nossos diretores fingiam fazer as avaliações, na nossa frente durante as avaliações eram de um modo, mas depois não concretizavam no dia-a-dia. Olha, não foi fácil. Algumas pessoas nas nossas equipes são muito “broncas”, excessivamente técnicas, mas insistimos com os nossos diretores que são bons gestores, que são pessoas muito humanas e o resultado nos ajudou a reverter a situação. Ainda hoje temos um gestor e 4 gerentes que são um desafio, não sei se conseguiremos que um dia se tornem também gestores de pessoas, hoje são apenas excelentes técnicos... (suspiro) mas vamos ver... (Vice-presidente de Pessoas e Serviços)

O aspecto da reflexão trazido como elemento-chave no modelo de Cheetham & Chivers (1998) e também nos estudos de Sandberg e Dall’Alba (2006) como fundamental para mudança da compreensão do trabalho, também podem ser percebidos no processo de avaliação e desenvolvimento de competências adotado.

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Eu achava que eu era um bom gerente, que a minha equipe tava satisfeita, afinal sempre batiam as metas, nunca reclamaram, apesar do Diretor de Projetos sempre dizer que eu era muito grosso quando falava com a equipe... Eu pensava “é meu jeitão e eles já estão acostumados, sabem que eu sou assim”. Mas depois de algumas avaliações vi que a equipe pensava assim também e fui aprendendo com o tempo que eu não preciso gritar para eles fazerem as coisas. (Gerente de Projetos 2) Olha... o que foi mais significante em tudo isso pra mim, foi ter me dado conto que eu sou capaz de fazer algumas coisas que eu tinha certeza que não era... (Gerente Comercial 4)

No modelo da empresa também é possível observar, mesmo que indiretamente, o papel da personalidade e da motivação ajudando ou dificultando no desenvolvimento das competências. Na própria fala do Vice-presidente de Pessoas e Serviços observa-se que a partir de um mesmo programa de desenvolvimento alguns incorporam e significam todo esse processo e se aprimoram, enquanto que outros não modificam minimamente o seu modo de pensar e agir. Além disso, observou-se a importância de um dos líderes como papel central para o desenvolvimento de outros líderes, conforme aponta Meneghetti (2010), pois em grande parte das entrevistas realizadas, os diretores ou gerentes apontavam a relevância de terem percebido coisas a seu respeito, a respeito do próprio trabalho etc. que o fizeram se aprimorar e que surgiram a partir das avaliações e do programa de desenvolvimento.

Um ponto importante que surgiu nas entrevistas foi a respeito da importância do autoconhecimento do gestor para que ele seja capaz de enxergar as potencialidades de desenvolvimento e as competências dos colaboradores de sua equipe. Este é o fator subjetivo ineliminável no processo de gestão de pessoas, que deve ser trabalhado para que não seja forçado um desenvolvimento para o qual a pessoa não possui potencialidades ou capacidades.

Eu já passei por 4 empresas grandes, 2 multinacionais na área de TI, e já vi muitos modelos de avaliação de desempenho diferentes, tudo quanto é tipo de treinamento, programa de RH... E nunca vi muito resultado em tudo isso, as coisas mudavam muito pouco na empresa, por isso, quando os sócios vieram com a idéia deste programa na empresa, pensei “eu já vi esse filme antes e sei que só vão jogar dinheiro fora”. Com o passar dos anos comecei a me dar conta que havia algo diferente, a dinâmica dentro da empresa começou a mudar, percebi mudanças na equipe de gerentes comerciais, e não apenas de resultados, mas pareciam mais felizes com o trabalho deles, relatavam menos problemas familiares (...) Quis começar a entender o que estava acontecendo e reparei que o chefe deles (Diretor Comercial) também tinha mudado bastante e fui conversar com ele, que me disse que realmente se sentia outra pessoa, que as avaliações tinham ajudado ele a se questionar não apenas sobre coisas do trabalho, mas da vida dele. A partir daí comecei a tentar ver as coisas, a minha equipe de outro modo. (Diretor de Consultoria Estratégica)

Realizando uma análise de todas as entrevistas, criou-se o gráfico da figura 3

relacionando alguns dos relatos presentes na maioria das entrevistas com seu respectivo percentual de presença nas respostas.

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Figura 3 – Frequência de algumas respostas nas entrevistas com os 23 gestores. As avaliações são realizadas a cada 6 meses e a partir delas o gestor com o próprio

avaliado formulam o plano de desenvolvimento para os próximos 6 meses e que é acompanhado através do feedback e das reuniões do dia a dia. As avaliações não são utilizadas como critério direto de promoção, apesar de ficar evidente quem se desenvolve e cresce e quem não. Porém, a remuneração variável não está atrelada às avaliações, o que faz com que o modelo ganhe credibilidade e seja realizado com maior sinceridade. Um outro fator que auxilia neste aspecto é que a seleção de quem avaliará um determinado profissional é feita pelo superior imediato juntamente com o RH, de modo que o profissional não sabe quem são seus avaliadores além do próprio superior.

Os sócios demonstram satisfação com o modelo implantado e acreditam que o objetivo inicial tem sido alcançado, percebem o crescimento dos seus gestores e que eles se sentem mais parte da empresa, inclusive os resultados da empresa também melhoraram. Apontam que apesar da crise, em que muitas empresas tiveram dificuldades, no ano retrasado eles cresceram 70% e no ano passado 40%. Relatam ainda que o crescimento dos gestores é muito variável, enquanto alguns se desenvolvem rapidamente e constantemente, outros não mudam nada, outros são intermitentes e que estão aprendendo muito sobre as variáveis das pessoas e de como administrar tudo isto dentro da empresa. Apontam que o próximo desafio é começar a implantar o modelo para toda a empresa, mas têm receio de que alguns gestores que não se desenvolveram com o programa sejam capazes de realizar as avaliações e desenhar com o colaborador o seu plano de desenvolvimento, pois se eles não foram capazes de gerar uma mudança em si mesmos, como auxiliarão outros.

4. Considerações finais

A partir da analise dos resultados da pesquisa, pode-se constatar a viabilidade de novas propostas em relação aos modelos tradicionais de desenvolvimento de competências que leva em consideração outros aspectos, buscando uma abordagem mais holística. Pode-se observar

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no estudo deste caso, que existe a possibilidade da empresa ter bons resultados valorizando aspectos mais humanos nas organizações, de modo a contribuir não apenas com o desenvolvimento dos colaboradores como profissionais, mas principalmente como seres humanos, corroborando a visão de Meneghetti (2010) que o líder é produtor de funcionalidade do contexto social em sentido cívico-humanístico. Observou-se que diversos aspectos presentes no modelo de Cheetham & Chivers (1998) encontram-se no caso estudado e que o desenvolvimento de competências profissionais são processos complexos e que requerem investimento e dedicação, pois o desenvolvimento das pessoas depende de diversos aspectos. No entanto, é possível propor adaptações do modelo conforme a cultura e valores da empresa, o que se mostrou fundamental no modelo apresentado. O fato da remuneração e da promoção não estarem diretamente vinculadas à avaliação e desenvolvimento das competências mostrou-se um aspecto importante para que as avaliações ocorressem de modo fidedigno e que o programa atingisse o objetivo inicial do desenvolvimento. Uma pergunta que permanece: é possível desenvolver competências efetivas quando a avaliação das competências está atrelada à promoção e à remuneração? Um ponto fundamental observado foi o papel da reflexão no processo de desenvolvimento e mudança dos gestores ao longo dos anos, já que em grande parte das entrevistas relatou-se aspectos relacionados à reflexão: como a pessoa passou a pensar sobre algo, ou que nunca tinha analisado por aquele ângulo, que passou a observar um colega etc. Este aspecto aponta para a importância do questionamento, da reflexão sobre todos os pormenores circunstantes e como isso possibilita se autoconhecer e mudar comportamentos e modos de pensar. É preciso começar a investigar como, com que atividades essa reflexão, o processo de autoconhecimento podem ser estimulados nas empresas, pois o presente estudo mostrou a importância de se incluir estes aspectos na gestão de pessoas e não apenas aspectos técnico-funcionais. Por se tratar de uma empresa de Tecnologia da Informação, a maioria dos gestores, são profissionais que cresceram da área técnica e que muitas vezes não possuem competências relacionadas à gestão de pessoas, portanto, devem ser desenvolvidas. O que ocorre na maioria das vezes é que o profissional é promovido e não recebe suporte para desenvolver essas competências, apesar de começar a ser cobrado também neste sentido. O estudo apontou que o desenvolvimento dessas competências devem ocorrer através de um compromisso conjunto entre a empresa, os seus líderes e os gestores que devem se desenvolver. O modelo de desenvolvimento de competências analisado mostrou uma das possibilidades da empresa contribuir nesse sentido e também que é fundamental a motivação e vontade do indivíduo em querer desenvolver determinadas competências, caso contrário, não é possível o êxito no processo. Constatou-se que não é o modelo que avaliação de competências em si que promove todos os resultados observados, mas o posicionamento e modo como os líderes conceberam e levam adiante o programa de desenvolvimento, eles de fato acreditam que o desenvolvimento da empresa só é possível com o real desenvolvimento das pessoas e investem nesse aspecto, atuando diretamente na formação dos outros líderes da empresa.

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