É POSSÍVEL RESPONDER CONCLUSIVAMENTE · PDF fileÉ POSSÍVEL...
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É POSSÍVEL RESPONDER CONCLUSIVAMENTE SOBRE QUAL SÃO JOÃO É O PADROEIRO DA
MAÇONARIA?
Pode parecer estranho que o título deste artigo seja finalizado com uma interrogação,
sobretudo quando o mesmo refere-se a uma questão tão substantiva quanto é a desse
enunciado. Seria lógico pensar que a seleção de um padroeiro/patrono por uma comunidade
ou instituição refletiria um consenso claro e partilhado entre os integrantes da mesma, que,
portanto, o significado e o conteúdo dessa escolha não deixaria espaço para dúvidas, afinal,
essa seria uma opção que espelharia um critério identitário, uma convicção, um modelo
aglutinador. No entanto, na Maçonaria, não é isso o que ocorre, apesar de haver aqueles,
talvez muitos, que tenham essa questão como definitivamente resolvida.Todavia, os fatos nos
mostram ser essa uma decisão um tanto apressada.
Para escrever este breve artigo consultei mais de vinte textos (as referências
bibliográficas podem chegar a centenas), escritos por distintos autores, e, a exemplo de outros
símbolos da cultura maçônica, as interpretações do significado simbólico desse elemento
ritualístico são variadas e até discordantes.
Essa polêmica teve sua origem no panteão de santos portadores dessa nomenclatura,
ou seja, conforme a listagem adotada existe, na hagiografia, mais de trinta personagens
intitulados São João, seguidos de algum adjetivo; São João Batista, São João Evangelista, São
João Esmoler, São João de Jerusalém, São João de Acre, São João da Escócia, São João
Nepomuceno, etc. Cada um desses santos possui seus atributos virtuosos, espirituais,
caritativos, etc, que se encaixariam perfeitamente nas postulações comportamentais e
existenciais recomendadas pela Maçonaria. Por outro lado, um número menor de autores
maçons, mais alinhados com o Rito Moderno, advoga que, sendo a Maçonaria uma instituição
não religiosa, eclética, não seria correto determinar um santo católico como
padroeiro/patrono da instituição, pois haveria aí um “dirigismo” que poderia incomodar os
devotos de outros sistemas religiosos não-católicos.
No dia 25 de junho de 2008, portanto um ano atrás, o Boletim do GOB/MS publicou
um artigo intitulado “Por que São João, nosso padroeiro” de autoria de José Castellani. Esse
artigo foi selecionado na literatura maçônica pelo Ir:. Vilmar Benites e expôs os argumentos
utilizados pelo consagrado autor maçônico para sustentar o ponto de vista de que o São João,
padroeiro da maçonaria, subentende uma duplicidade, isto é, na verdade essa expressão
refere-se ao São João Batista e ao São João Evangelista. Porém, esse ponto de vista não é
consensual entre os autores maçons.
Neste artigo não pretendemos assumir uma posição, e sim, apenas, problematizar a
questão, já que sendo este veículo o boletim oficial do GOB/MS, devemos respeitar a
pluralidade de opiniões. Para não abrir brechas para o totalitarismo, optamos, somente, por
expor os fundamentos das principais vertentes interpretativas, sugerindo assim que cada leitor
aprofunde suas leituras e construa sua própria versão.
Retomando os textos consultados, verificamos que a tendência majoritária dirige-se
para o modelo interpretativo que vê São João Batista como o padroeiro da Maçonaria. Esse
olhar elenca como argumentos principais algumas evidências, tais como: a fundação da
Grande Loja de Londres, deu-se no dia 24 de junho de 1717, dia em que se comemora o
nascimento de São João Batista (descendente direto do irmão de Moisés, Aarão) e também o
solstício de verão no hemisfério norte, portanto um culto ao dia mais ensolarado do ano, à luz
solar - o Templo Maçônico é uma reprodução arquitetônica da mecânica celeste; 24 de junho é
a data oficial e convencional para a posse de Veneráveis Mestres das Lojas e dos Grão-Mestres
das Potências ; em sua pregação eremita, no deserto (simbolicamente, a falta de sentido, o
vazio da vida no mundo profano [simplicidadeXconsumismo] que leva à solidão), São João
Batista adotava procedimentos ritualísticos iniciáticos, pregava o Amor Fraternal, foi São João
Batista que batizou/iniciou Jesus, seu primo, nascido seis meses após o seu misterioso
nascimento (a vinda de São João Batista ao mundo, também foi anunciada por um anjo, para
pais muito idosos que não acreditavam mais ser isso possível) no solstício de inverno, Aquele
que veio para trazer a Luz no dia mais escuro do ano, realizando, assim, o ciclo do nascimento,
da morte, da ressurreição – Jesus viveu mais três anos após o batismo; São João Batista, foi o
último sacerdote (mestre) do Antigo Testamento, mas também foi o elo de ligação do Antigo
com o Novo; São João Batista era um contestador implacável dos desvios da pureza dos
ensinamentos do Antigo Testamento, do que seria o justo, atacando, sobretudo, a classe
sacerdotal judaica corrompida pela promiscuidade palaciana de Herodes – São João foi, por
isso, decapitado, mas não abriu mão de seus princípios, o sinal de ordem do aprendiz pode ser
interpretado como um simbolismo desse gesto; no processo movido contra os Templários, o
culto secreto à uma cabeça foi uma das acusações da Inquisição Papal contra eles; enfim, as
interpretações simbólicas da vida de São João Batista e suas aplicações na cultura da
Maçonaria são ilimitadas, daí a sua força e conquista de inúmeros adeptos.
Provavelmente a segunda vertente predominante é aquela que advoga que o São João
padroeiro da Maçonaria é o São João Evangelista. Nascido em 27 de dezembro, nos remete
novamente ao solstício do inverno. Este Santo, irmão de Tiago, primo e apóstolo preferido de
Jesus. Quarto e o mais místico dos evangelistas, autor do Livro do Apocalipse, único apóstolo
presente ao pé da Cruz, recebeu a incumbência de Jesus de cuidar de sua Mãe, Maria.
Testemunhou a Ressurreição foi o último dos doze apóstolos a partir para o Oriente Eterno, fez
de sua vida evangelizadora a materialização do Amor Fraternal, idéia que ele cunhou na sua
fala “Sermos irmãos, colocando-nos a serviço uns dos outros”. O caráter esotérico de seu
Evangelho, ao mesmo tempo, considerado o mais fiel aos fatos, permite múltiplas
interpretações, vinculando-as ao simbolismo empregado na Maçonaria.
A terceira tendência interpretativa, não é tão abrangente quanto as anteriores, porém
foi popularizada, entre nós, maçons brasileiros, por um autor maçom consagrado no universo
literário maçônico nacional, José Castellani. Esse escritor defende um ponto de vista que
engloba as duas opções anteriores, ou seja, para ele o fato de nos rituais o termo São João
aparecer sem nenhum designativo o acompanhando, permite pensar que isso foi deliberado,
isto é, uma insinuação de que esse simbolismo nos remeteria ao dualismo do piso mosaico, do
tipo, verão/inverno, calor/frio, luz/escuridão, água/fogo (água-batismo/fogo-apocalipse), etc.
Assim, os dois joãos seriam os padroeiros, tese, segundo ele, reforçada pelo fato de que no
hemisfério sul as datas e os significados dos solstícios se inverteriam. Pode-se acrescentar a
essas justificativas também o simbolismo do deus romano, Jano, o deus com duas faces
olhando em direção opostas. Talvez esse simbolismo possa ter alguma relação com imagens
encontradas em construções Templárias que representam cabeças humanas bicéfalas, ou até
mesmo os dois cavaleiros templários montados no mesmo cavalo.
Após as opções acima enumeradas, o santo, São João Esmoler ou São João de
Jerusalém é aquele que reúne mais adeptos como padroeiro da Maçonaria. Este santo, João,
nascido em Chipre, no século VI da era cristã, portanto séculos antes da formação da Ordem
Templária e das Cruzadas, abandonou a vida faustosa em que nasceu para se dedicar
integralmente ao auxílio dos pobres, recolhendo esmolas e as redistribuindo entre os mais
necessitados. Dirigiu-se a Jerusalém para orar ao redor do Santo Sepulcro e outros locais de
peregrinação cristã na Terra Santa, onde também aí auxiliava com esmolas e outros tipos de
ajuda os peregrinos que necessitavam de conforto material e espiritual. Por essa atividade
religiosa e caritativa em Jerusalém, em auxílio aos peregrinos necessitados, São João Esmoler
era um santo muito adorado pelos cavaleiros Templários, com o qual se identificavam. Essa
devoção dos Templários a São João de Jerusalém pode ter sido introduzida na Maçonaria
medieval durante o convívio desses cavaleiros com os maçons operativos no âmbito dos
canteiros de obras das construções das magníficas catedrais góticas da Idade Média européia.
Nesta breve revisão bibliográfica é bem conveniente citar a opinião de dois dos mais
consagrados pesquisadores contemporâneos da História da Maçonaria, os ingleses Christopher
Knight e Robert Lomas, autores de obras que já se tornaram clássicos da literatura maçônica,
entre elas, A Chave de Hiram. No livro, O Segundo Messias, traduzido e lançado no Brasil pela
Editora LandMark, São Paulo, 2002, na página 84, esses autores se referem à questão de São
João como padroeiro da Maçonaria da seguinte forma:
“(...) É interessante notar que a Grande Loja da Inglaterra foi estabelecida no dia de São João,
em 1813. Existem dois dias dedicados a São João por ano, ambos muito importantes para a Maçonaria,
e mesmo que isto possa parecer uma observação cristã, é atualmente encarado como um retorno ao
antigo (possivelmente egípcio) culto ao sol. Estes dias sagrados correspondem aos festivais de solstícios
de verão e inverno de um culto solar que foi absorvido pelo calendário cristão. O fato de ambos serem
significativos para a Maçonaria indica uma origem que há muito se perdeu na memória.”
Finalmente, cabe falarmos ainda que existe algumas visões no interior da Maçonaria
que interpretam o simbolismo de São João, na ritualística, como sendo um produto do
sincretismo religioso, um gesto de cautela necessária na época do surgimento da maçonaria
especulativa, no século XVIII, como forma de evitar conflitos com a Igreja, evitando assim a
acusação de que os maçons seriam adeptos de cultos solares.
Concluímos este artigo endossando o ponto de vista do Ir;. Charles Evaldo Boller, que,
assim se expressou no site “Segredo Maçônico”, editado em setembro de 2008: “O véu que
encobre a intenção da mensagem simbólica da Maçonaria só e revelado para aquele que tem
olhos bem abertos, e, com denodo, perspicácia e isenção a estuda. A cada passo, um mesmo
símbolo ou personagem se transforma em idéia totalmente diferente da primeira intuição. (...)
Definir São João, na Maçonaria, é pura especulação” .
Campo Grande, 24 de junho de 2009.
Gilson Rodolfo Martins – A:.R:.L:.S:. “Generosidade Amor”, Oriente de Anastácio/GOB-MS.