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    1/6 1FEMINA| Fevereiro 2007|vol 35| n 2

    Resu

    mo

    Abstrac

    t

    Hierglifos egpcios, pinturas rupestres e esculturas da Antiguidade demonstram que a

    mulher sempre buscou instintivamente uma postura verticalizada na hora de parir. Atribui-

    se o fenmeno da horizontalizao do parto ao advento dos cirurgies obsttricos e

    marginalizao das parteiras na assistncia obsttrica no sculo XVII. Estudos randomizados

    revelam que as posturas verticais durante o parto apresentam vantagens tanto do ponto de

    vista gravitacional como no aumento dos dimetros plvicos maternos quando comparado

    litotomia dorsal devendo, portanto, ser adotadas preferencialmente na assistncia ao

    parto nvel de evidncia A. A mulher pode adotar a postura em que se sentir mais

    confortvel (ereta ou sentada, de ccoras, de quatro ou de mos-joelho e em decbito

    lateral esquerdo), e o profissional que a assiste deve conhecer as vantagens e desvantagens

    de cada uma delas. A posio litotmica tradicional deve ser reservada somente aos partos

    vaginais operatrios por restringir a perfuso tero-placentria (sndrome da hipotenso

    supina) podendo levar acidemia fetal.

    Lucas Barbosa da Silva1,2

    Manoela Porto Silva2

    Paula Cristina Martins Soares1

    Qusia Tamara Mirante Ferreira1

    Palavras-chaveParto

    Trabalho de PartoPosio maternaLitotomia dorsal

    KeywordsDelivery

    LaborMaternal positionDorsal lithotomy

    Maternal positions in labour and childbirth

    Posies maternas no trabalho de parto e parto

    Egyptians petroglyphs and ancient pictures and sculptures demonstrate that women always

    took instinctively an upright posture in labour. The horizontalization phenomena of birth is

    attributed to the advent of obstetric surgeons and the midwives marginalization in obstetric

    practice in the 17th century. Randomised researches shows that upright positions have

    advantages as a gravitational point of view increasing the maternal pelvic dimensions when

    compared with dorsal lithotomy and should, therefore, be adopted preferencially in labor

    assistance- evidence level A. The women can adopt a more confortable position (upright

    or semi-sitting, squatting, kneeling or left lateral decubit) and the professional should know

    the advantages and disadvantages of each one. The traditional lithotomic position should

    be reserved to operative vaginal deliveries because it diminish the utero-placental perfusion

    (Supine hypotension syndrome) and can cause fetal acidemia.

    1Hospital Sofia Feldman, Belo Horizonte (MG)2

    Hospital das Clnicas da UFMG, Belo Horizonte (MG)

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    Posies maternas no trabalho de parto e parto

    Introduo

    Em todos os mamferos quadrpedes, o parto se realiza

    em apresentao plvica. O surgimento do bipedalismo e

    da postura ereta na classe dos homindeos promoveu uma

    transformao na pelve feminina h cerca de 5 milhes de

    anos. Uma das transformaes mais marcantes foi o desenvol-

    vimento do promontrio sacral, que tornou o canal de parto

    mais longo e curvo e fez com que o processo do nascimento

    se tornasse mais difcil no homem em relao aos outros

    mamferos. Essas mudanas na conformao plvica levaram

    encefalizao do nascimento no gnero homo h cerca de

    2 milhes de anos (Pecorari, 2002; Trevathan, 1999).

    Em vista dessas mudanas, vemos em pinturas rupestres,

    hierglifos egpcios e esculturas da Antiguidade que a mulher

    sempre buscou instintivamente uma postura verticalizada

    na hora de parir (Jarcho, 1934). Engelman, observando po-

    vos primitivos durante o processo da parturio em 1882,impressionou-se como elas se movimentavam durante o

    trabalho de parto evitando o decbito dorsal: ... elas va-

    riavam suas posies em vrias etapas do trabalho de parto

    de acordo com a posio da cabea da criana na plvis

    (Engelmann, 1882).

    O processo de horizontalizao do parto se processou

    simultaneamente medicalizao do nascimento com o

    advento dos cirurgies obsttricos. Foi sob a influncia da

    escola obsttrica francesa, liderada por Franois Mauriceau

    no sculo XVII, que o parto horizontal foi introduzido.Mauriceau, com grande influncia na corte francesa de Lus

    XIV, ao assistir ao parto da rainha Louise De La Vallire,

    o fez na posio horizontal numa cama de parto (lit de

    misere) para que o rei tambm o assistisse. Dois anos

    aps, Mauriceau recebeu a visita de Hugh Chamberlen,

    membro da aristocracia britnica e que possua o segredo

    do frcipe, e conheceu o valioso instrumento. A posio

    horizontal facilitava as intervenes mdicas como o uso

    do frcipe e o estudo fsico do mecanismo de parto e foi de

    extrema importncia no alijamento do saber emprico dasparteiras e marginalizao da sua prtica no sculo XVIII.

    De Lee postulou no primeiro nmero do Jornal Americano

    de Ginecologia e Obstetrcia, em 1920, que os partos

    em primparas deveriam ser realizado por um especialista

    em Obstetrcia sob o sono crepuscular da anestesia geral

    com o auxlio de um frcipe eletivo e episiotomia (De

    Lee, 1920). Sob a influncia desses preceitos, o parto

    em litotomia dorsal tornou-se de eleio na Obstetrcia

    Ocidental (Gupta & Nikodem, 2000).

    Posio materna no trabalho de parto e parto

    Em 1668, Franois Mauriceau publicava em Trait des

    Malaides des Femmes Grosses et Accouches suas observaes

    sobre os benefcios da deambulao durante o trabalho de

    parto: ... as mulheres sempre tiveram trabalhos de parto

    mais difceis quando permaneceram demasiado tempo em

    suas camas durante o trabalho de parto, sobretudo muito

    pior quando se tratava dos primeiros filhos, do que quando

    lhes foi permitido andar e movimentar-se, suportando sua

    barriga sob seus braos, se necessrio; pois desta maneira,

    o peso da criana, estando a mulher de p, faz com que o

    orifcio interno do tero se dilate mais cedo do que na cama;

    suas dores serem menos fortes e freqentes, e seu trabalho de

    parto muito mais curto.

    Caldeyro-Barcia et al., 1960, confirmaram cientificamente

    essas observaes no clssico estudo sobre o efeito da postura

    materna na contratilidade uterina. Eles constataram que as

    mulheres na posio vertical apresentavam contraes uteri-

    nas mais rtmicas, intensas e eficientes do que em decbito.

    Read et al., 1981, revelaram que o estmulo deambulao

    parece exercer o mesmo efeito da conduo intravenosa do

    trabalho de parto com ocitcicos. Entretanto, Bloom et al.,

    1998, no encontraram, em estudo randomizado com 1.067

    mulheres, efeitos da deambulao sobre a durao da fase

    de dilatao do trabalho de parto, a necessidade de uso de

    ocitcicos e analgesia, a taxa de parto vaginal operatrio e

    cesrea e os resultados neonatais.Mendez-Bauer et al., 1975, constaram um incremento

    de 25-30 mmHg na presso intra-amnitica devido somente

    ao efeito gravitacional da postura. Se analisarmos que as

    metrossstoles e os puxos involuntrios do perodo expul-

    sivo contribuem cada um com cerca de 40 a 50 mmHg na

    presso intra-amnitica, a postura verticalizada representa

    uma economia de 30 a 40% no esforo materno na hora

    de parir. Michel et al., 2002, demonstraram, atravs da

    pelvimetria ssea obsttrica realizada pela Ressonncia

    Nuclear Magntica, que nas posies verticais (ccoras,sentada e de mos-joelho) ocorre um aumento signi-

    ficativo dos dimetros interespinhoso, intertuberoso e

    cocci-subpbico em relao ao decbito, sugerindo uma

    facilitao do processo do nascimento.

    Os estudos sobre o efeito da postura materna durante o

    trabalho de parto e parto em relao aos resultados perina-

    tais apresentam na maioria falhas metodolgicas. Quando

    analisam o perodo expulsivo, enfocam geralmente o uso

    de cadeiras de parto. O Quadro 1 enumera as mudanas na

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    Posies maternas no trabalho de parto e parto

    primeira e segunda fases do trabalho de parto com a verti-

    calizao, segundo revises baseadas em ensaios clnicos

    controlados e randomizados, da Biblioteca Cochrane e da

    Biblioteca Nacional Eletrnica Britnica.

    Posies verticais

    As posturas verticais durante o trabalho de parto e parto

    apresentam vantagens tanto do ponto de vista gravitacio-

    nal como no aumento dos dimetros plvicos maternos.

    Promovem uma retificao do canal de parto e alinhamento

    do feto na bacia materna maximizando os puxos expulsivos

    maternos e facilitando o desprendimento fetal, devendo

    portanto serem adotadas preferencialmente na assistncia

    ao parto nvel de evidncia A (Lewis et al., 2004; Gupta

    & Nikodem, 2000)

    Posio sentada ou semi-sentada (45) em bancosou cadeiras de parto

    A utilizao de bancos ou cadeiras de parto propicia

    uma posio mais confortvel para a parturiente (Figura 1).

    Um estudo japons revelou que os puxos expulsivos so

    mais intensos e eficientes nessa posio quando comparada

    posio litotmica (Chen et al., 1987). Entretanto, o uso

    de bancos e cadeiras de parto associa-se significativamente

    a edema vulvar e aumento no risco de sangramento uteri-

    no acima de 500 mL aps a dequitao, sem aumentar a

    necessidade de transfuso (Gupta & Nikodem, 2000). Porisso aconselhvel evitar que a parturiente fique sentada

    por perodos prolongados na 2 fase do trabalho de parto

    devido ao risco de edema vulvar por dificuldade de retorno

    venoso e se realize a dequitao placentria em decbito

    dorsal nvel de evidncia A .Figura 1- Posio sentada em bancos (A) ou semi-sentada em cadeiras departo (B). (Figura extrada do site: http://www.humanization.org)

    B

    A

    1 Fase (dilatao) 2 Fase (expulso)

    Menor durao Dores menos intensas (menor necessidade de peridural e narcticos) Menor taxa de padres anormais do bcf CTG No altera a taxa de cesrea e resultados neonatais Dificulta a monitorizao fetal durante a 1 fase

    Menor durao (media = 5,4 min) Dores menos intensas (OR = 0,59) Reduo dos partos operatrios (OR = 82) Reduo de episiotomia (OR = 0,73) Menor taxa de padres anormais do bcf CTG (OR = 0,31) Puxos mais eficientes, maior pH mdio da artria umbilical

    Aumento discreto lacerao 2 grau (OR = 1,30) Aumento no risco de sangramento > 500mL (OR = 1,76), sem

    aumento necessidade de transfuso (cadeiras de parto)

    Quadro 1- Vantagens e desvantagens da verticalizao da 1 e 2 fase do trabalho de parto.

    OR = odds ratio; bcf = batimentos cardiofetais; CTG = cardiotocografia.

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    Posies maternas no trabalho de parto e parto

    Posio indgena ou de ccoras

    O parto de ccoras foi introduzido na cultura ocidental

    aps a observao do processo de parturio em ndias

    (Loomis & Taylor, 1985) (Figura 2).Essa postura aumenta em

    28% a rea do plano de sada da pelve ou em 1,0 a 1,5 cm

    os dimetros do estreito inferior da bacia (Russel, 1982). A

    flexo das coxas sobre o abdome tambm contribui para umaretificao da curvatura lombo-sacra e rotao superior da snfise

    pbica, tendo o mesmo efeito da Manobra de McRoberts sobre

    a distcia de ombro, porm, sem os efeitos hemodinmicos

    adversos da posio supina (Gonik et al., 1983).

    Os exerccios de levantar e abaixar de ccoras um recurso

    fisioterpico eficaz para fortalecimento da musculatura perineal

    e dos membros inferiores durante o pr-natal. Apesar desses

    benefcios, uma postura desconfortvel para as mulheres

    ocidentais, gerando cimbras e dores musculares e dificulta

    a realizao de manobras extrativas ou episiotomia peloatendente, quando necessrio.

    Posio inglesa, de quatro, de mos-joelho oude Gaskin

    A assistncia ao parto na postura de quatro uma prtica

    popular entre as midwives inglesas (Figura 3). Puddicombe

    introduziu em 1958 os exerccios na posio mos-joelhos no

    pr-natal com o intuito de facilitar a rotao fetal espontnea

    nas apresentaes ceflicas occipito-sacra e occipito-transversa

    persistentes (Puddicombe, 1958). Apesar de ser adotada fre-

    qentemente, uma reviso da Biblioteca Cochrane (Hofmeyr

    & Kulier, 2002) e recente estudo multicntrico randomizado

    australiano no encontraram evidncias que dem suporte

    a essa prtica (Kariminia et al., 2004).

    Os efeitos na durao do 2 estgio e no bem estar fetal

    no foram estudados, entretanto, essa posio tem revelado

    facilitar o desprendimento biacromial na distcia de ombro

    (manobra de Gaskin) e pode diminuir as laceraes perineais

    por facilitar a proteo perineal (accoucher) durante a deflexo

    ceflica (Bruner et al., 1998).

    Posies horizontais

    Posio francesa ou lateral esquerda ou de Sims

    A assistncia ao parto em decbito lateral esquerdo

    (DLE) representa a posio ideal quando se deseja evitar a

    hipotenso supina e oferecer uma melhor oxigenao fetal no

    perodo expulsivo (Figura 4). Por isso, postura de escolhaFigura 3- Posio inglesa, mos-joelho, de quatro ou de Gaskin.(Figura extrada do site: http://www.humanization.org)

    Figura 2- Posio indgena ou de ccoras.(Figura extrada do site:http://www.humanization.org)

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    Posies maternas no trabalho de parto e parto

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