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PORTUGAL, UMA RETROSPECTIVA N.º 15

ANA PAULA MEGIANI

DIRECÇÃO DE RUI TAVARES

P Ú B L I C O & T I N TA ‑ D A ‑ C H I N A | L I S B O A M M X I X

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Apesar de os editores desta colecção optarem pela norma ortográfica anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, respeitou ‑se, em cada volume, a opção ortográfica dos respectivos autores.

© 2019, PÚBLICO Comunicação Social SAe Edições tinta ‑da ‑china, Lda

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Título: Portugal, uma retrospectiva: 1580 (vol. 15)Direcção: Rui TavaresAutora: Ana Paula MegianiRevisão: GoodSpellAssistência à coordenação científica: Maria Carla AraújoComposição: Tinta ‑da ‑chinaCapa: Tinta ‑da ‑china (V. Tavares), a partir de gravura representandoD. António, prior do Crato

1.ª edição: Setembro de 2019

ISBN 5602227309529 ‑000015Depósito Legal 459763/19

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Para nós, 1580 é um ano de cesura na história portuguesa: o ano que muitos tratam como sendo o da perda da independência do reino, mas que pode ser entendido — de forma muito mais ade-quada às perceções doutrinais da época — como sendo o do início de uma união dinástica com os mesmos reis que reinavam em Es-panha. Vamos mais devagar: aquilo que a nós parece dado como adquirido é menos do que evidente para quem viveu o início da-quele confuso ano de 1580 — ou para quem nele morreu, como o poeta Camões. 

A historiadora brasileira Ana Paula Megiani lista no início deste seu volume as dúvidas que estavam por responder na cabeça dos portugueses daquele ano: «Onde estaria o corpo do rei D. Se-bastião, cujo exército fora derrotado em agosto de 1578 nos areais de Marrocos? Permanecia o rei vivo e desmemoriado, vagueando pelo deserto, ou prisioneiro de inimigos infiéis? Voltaria para assumir a sua coroa, vazia após a morte do seu velho tio, o rei D. Henrique, em 31 de janeiro de 1580? E se D. Sebastião não voltasse, ou estivesse morto, quem ocuparia a coroa de Portugal de entre os herdeiros da linhagem de D. Manuel? D. António, o prior do Crato? D. Catarina, duquesa de Bragança? O príncipe de Parma, Rainúncio Farnésio? Manuel Felisberto, duque de Saboia? Filipe II, rei de Espanha? Ou ainda Catarina de Médici, rainha de França e descendente longín-qua de D. Afonso III? Afinal, a muitas cabeças reinantes e católicas interessava ocupar a coroa portuguesa e, com ela, os seus domínios

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ultramarinos ricos em ouro, diamantes, especiarias, e em braços para a escravidão e almas por converter.»

A resposta a estas perguntas não poderia deixar de ter um impacto decisivo sobre a política europeia e global, a qual fasci-na todos os historiadores desde então — e também, certamente, os leitores de hoje. Mas para recolher os fios à meada de incertezas do ano de 1580 é necessário vir atrás, aos reinados de Dom Manuel e Dom João III, e entender a sucessão de imbricadas alianças matri-moniais e imprevistas mortes de príncipes e herdeiros do trono que deixaram Portugal à espera de um Desejado, ainda recém-nasci-do. É também necessário seguir a trajetória do curto reinado do rei Dom Sebastião, que o leva ao território marroquino, onde jogará a sua vida. E é ainda preciso entender de que modo a resistência à unificação da Península Ibérica sob uma mesma cabeça coroa-da da dinastia de Habsburgo se corporizou em alternativas mais ou menos realistas ou místicas: desde o contra-reinado de António, prior do Crato, sediado na Ilha Terceira e apoiado por potências es-trangeiras, até às irrupções de falsos «dons sebastiões» que fizeram do jovem rei desaparecido em Marrocos novamente desejado, agora depois da sua morte.

Acontecimentos como estes precisam de ser entendidos no seu contexto da história cultural e política, do sincretismo religioso en-tre milenarismo cristão e messianismo criptojudaico, bem como das dinâmicas e dificuldades da criação de uma administração impe-rial agregando as duas monarquias imperiais ibéricas e espalhan-do-se por quatro continentes, num tempo de primeira globalização e emergência do capitalismo. É todo este riquíssimo panorama que — debruçando-se sobre um ano de viragem como poucos na histó-ria de Portugal — Ana Paula Megiani nos dá a conhecer.

—RUI TAVARES

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ÍNDICE

Introdução 11

1 Visões historiográficas 17

2 Um reino e o seu vasto mundo 24

3 1580: um ponto de chegada 31

4 O Portugal (do) desejado 36

5 Do areal ao nevoeiro 56

6 Por mar e por terra: a ocupação de Portugal 74

7 1580: um pacto, uma cerimónia 90

Conclusão 101

Notas 105

Bibliografia 107

Notas biográficas 111

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Túmulo de Luís Vaz de Camões (c. 1524-1580) no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa.

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INTRODUÇÃO

No dia 10 de junho de 1580 o poeta Luís Vaz de Camões deixou o mundo dos vivos, provavelmente vitimado pelo surto de peste que assolou Lisboa e parte de Portugal. Acredita ‑se que o seu corpo tenha sido sepultado numa vala comum para os acometidos do flagelo, mórbida alegoria do estado de desolação pelo qual pas‑sava o reino de Portugal naquela altura. Trazida nas embarcações juntamente com o grande fluxo de pessoas e mercadorias oriun‑das das várias partes do mundo, a peste era um mal recorrente no reino, proliferando principalmente nas cidades litorais, abar‑rotadas de pessoas a viver em condições precárias e com pouca higiene. Marcado ainda pela fome e pelo luto da conquista, o ano de 1580 em Portugal é um retrato de um tempo terrível e repleto de acontecimentos de dor, perda e morte.

A acrescer ao flagelo e à morte, as dúvidas também não eram poucas: onde estaria o corpo do rei D. Sebastião, cujo exército fora derrotado em agosto de 1578 nos areais de Marrocos? Per‑manecia o rei vivo e desmemoriado, vagueando pelo deserto, ou prisioneiro de inimigos infiéis? Voltaria para assumir a sua co‑roa, vazia após a morte do seu velho tio, o rei D. Henrique, em 31 de janeiro de 1580? E se D. Sebastião não voltasse, ou estivesse morto, quem ocuparia a coroa de Portugal de entre os herdei‑ros da linhagem de D. Manuel? D. António, o  prior do Crato? D. Catarina, duquesa de Bragança? O príncipe de Parma, Rainún‑cio Farnésio? Manuel Felisberto, duque de Saboia? Filipe II,

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rei de Espanha? Ou ainda Catarina de Médici, rainha de França e descendente longínqua de D. Afonso III? Afinal, a muitas cabe‑ças reinantes e católicas interessava ocupar a coroa portuguesa e, com ela, os seus domínios ultramarinos ricos em ouro, dia‑mantes, especiarias, e em braços para a escravidão e almas por converter.

E quando teria fim o processo de resgate dos combatentes cativos de Alcácer Quibir, cujas famílias se encontravam deses‑peradas por notícias e entregavam todos os seus pertences de valor na esperança de rever um filho, um marido, um sobrinho, um neto? Perguntas para as quais o tempo daria respostas, mas que nunca deixaram de intrigar quem se dedica a investigar e a pensar sobre esse período da história de Portugal.

Volvidos quase 440 anos desde que todas essas questões vieram atormentar a população portuguesa, os historiadores continuam a indagar acerca dos fatores que levaram à incor‑poração de Portugal na monarquia dos Habsburgos durante 60 anos, situação que levaria ainda mais 28 anos de uma guerra longa e lenta, que teve o seu fim em 1668. Nas últimas quatro décadas as pesquisas recolocaram e clarificaram os elementos da negociação que rodearam esse processo, não descartando, contudo, a abordagem que enfatiza os aspetos da violência uti‑lizada contra as populações de Lisboa e do reino e, sobretudo, contra os partidários do prior do Crato que resistiram à adesão de Portugal a Filipe II. Definitivamente, para Portugal o ano de 1580 foi uma enorme encruzilhada. E hoje, de cada vez que nos debruçamos para pensar sobre os antecedentes e as vicissitudes dos acontecimentos que envolveram esse marco cronológico, as respostas às perguntas formuladas são ainda múltiplas e reple‑tas de ambiguidades. Temos a convicção de que os episódios do passado não são matéria objetiva sobre a qual temos certezas por nos encontrarmos distantes deles no tempo; pelo contrário,

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diante de tudo o que esse tempo nos apresenta, temos apenas a possibilidade de construir uma reflexão e lançar, sempre, novas perguntas.

Este breve estudo sobre o ano de 1580 em Portugal pretende realizar um percurso de busca pela elucidação das razões por detrás de tantas incertezas, mais do que dar ‑lhes respostas, na tentativa de compreender em que medida elas marcaram aquela época e os tempos que se seguiram, bem como os espaços que, naquele momento, estavam conectados ao reino de Portugal. No sábio dizer de Vitorino Magalhães Godinho, «1580 é um ponto de chegada»2, e é com essa ideia que desenvolveremos o nosso percurso pelo passado.

Muitos afirmaram, e provaram, que a união entre as coroas de Portugal e Espanha foi uma medida tomada a fim de se evi‑tar o risco de uma vacância régia no caso de uma repentina au‑sência de herdeiros, tanto para o trono espanhol quanto para a coroa portuguesa. Os casamentos entre príncipes e infantes dos dois reinos eram frequentes desde finais do século xv como recurso de preservação da autonomia política das coroas penin‑sulares em relação a outros reinos da Europa. O fortalecimento do poder da casa de Habsburgo em relação à coroa espanhola, com a chegada de Carlos I ao trono em 1518, colocou o proble‑ma num patamar diferente, na medida em que fazia de Espa‑nha não mais um reino ameaçado, mas a sede do Sacro Impé‑rio Romano ‑Germânico, favorecendo uma provável união com Portugal, pois desde sempre a melhor política fora a de deixar em aberto uma possível sucessão, mesmo que fosse necessário evitá ‑la de todas as formas possíveis.

A capacidade de resistência de Portugal a manter ‑se separa‑do do avanço castelhano era grande, já que o reino luso se havia conservado integral e progressivamente autónomo desde a rutu‑ra do pacto feudo ‑vassálico, em 1139, entre D. Afonso Henriques e

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Afonso VII de Castela, e a posterior concessão pela Igreja de Roma da graça e do direito do rei de Portugal aos seus territórios em 1179. Mesmo as complicadas questões sucessórias que envolve‑ram as jurisdições de poder da monarquia portuguesa em 1383, resultando na guerra com Castela e na aclamação de D. João de Avis em 1585, não impediram que Portugal se conservasse como reino autónomo. Contudo, entre os séculos xi e xv, nesse contex‑to de formação e fortalecimento daquilo a que se chamaria Esta‑dos modernos, há inúmeras questões a serem debatidas em torno dessa «autonomia», sobretudo quando se trata de um período em que as elites dos reinos ibéricos se preocupavam em garantir, au‑mentar e preservar o seu património, cada vez mais por meio de acordos matrimoniais ou relações clientelares e de parentesco. Nesse processo foi imperativo que a realeza também se fortale‑cesse como poder central, administrador e distribuidor de jus‑tiça. Para frei Álvaro Pais (1275 ‑1352), na obra Espelho dos reis, «os reis não são proprietários do seu reino, mas sim seus defensores, administradores e acrescentadores […]; ao rei pertence todo o poder, defesa e governação, aos indivíduos singularmente con‑siderados a propriedade. Que é, pois, o rei? É aquele que rege a multidão de uma cidade ou província com vista ao bem comum»3.

À semelhança do que já se passara anteriormente, em fi‑nais dos anos 70 do século xvi, a autonomia de Portugal estava fragilizada, sob risco de vacância de poder e sem um herdeiro legítimo que o pudesse assumir com segurança. A morte de to‑dos os descendentes do casamento entre D. João III e D. Catari‑na da Áustria era uma fatalidade dinástica, colocando o próprio reinado de D. Sebastião (1568 ‑1578) sob a sombra da ausência de um rei, que, de facto, ocorreria, apesar de todas as previsões e vaticínios. Para Mafalda Cunha, a união das coroas peninsulares era um dos desfechos previsíveis, se não mesmo desejados, da

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política de alianças matrimoniais entre as casas de Avis e dos Habsburgos:

Inaugurou ‑se de modo sistemático com D. Afonso, filho de D. João II, revelou ‑se quase obsessiva nos três casamentos de D. Manuel e prosseguiu com D. João III, as infantas D. Isabel e D. Maria, o príncipe D. João e as insistentes, mas falhadas, tentativas de casar D. Sebastião com a mais nova das filhas de Filipe II. Ou seja, dos onze casamentos realizados pela casa real portuguesa ao longo de três gerações, oito concretizaram ‑se em Castela.4

Entre o trágico desaparecimento do Desejado em Alcácer Qui‑bir, em agosto de 1578, e a tomada de Lisboa pelas tropas do du‑que de Alba, em agosto de 1580, passaram ‑se dois anos exatos, tempo curto diante dos 60 anos que viriam pela frente, mas su‑ficiente para causar grande convulsão nas instâncias de poder em Portugal. Especialmente para a coroa portuguesa, aqueles foram meses de extrema insegurança e muitas negociações, na tentativa de assegurar a autonomia e de impedir que se lançasse mão do último recurso de preservação da segurança — a aclama‑ção de Filipe II como rei de Portugal. O reinado do idoso cardeal D. Henrique, embora tenha garantido a autonomia temporária, não resultou na continuidade da linhagem dos reis de Avis; pelo contrário, aumentou o vazio e permitiu o aparecimento de su‑blevações que tentavam ocupar o trono por outras vias.

Por um lado, nesses dois anos, fortaleceram ‑se os partidá‑rios de D. António, que passaram a reivindicar, de todas as ma‑neiras, a sua pertença à gloriosa dinastia, já que o seu líder era neto ilegítimo do Venturoso. Por outro, foi o tempo necessário para que Filipe II reunisse todos os seus recursos — diplomáti‑cos e militares — e consolidasse as negociações que concretiza‑riam a união das duas coroas.

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Já os demais candidatos à sucessão tinham poucas opor‑tunidades de a disputar, sendo a mais viável deles D. Catari‑na, duquesa de Bragança, herdeira pela via paterna. Assim, excetuando ‑se os três candidatos que receberam maior visibili‑dade na polémica dinástica — D. Catarina, D. António e Filipe II —, os outros eram Rainúncio Farnésio, duque de Parma e neto de D. Duarte, que invocava a primogenitura da sua mãe D. Maria sobre D. Catarina; Manuel Felisberto, duque de Saboia, filho da infanta D. Beatriz; e Catarina de Médici, filiada numa hipotética descendência do primeiro casamento de D. Afonso III. Desde o início das conexões referidas, havia muito mais pontos comuns entre as elites dos reinos ibéricos do que entre elas e as ou‑tras camadas sociais no interior de cada reino. Isso explica, por exemplo, por que motivo, em 1580, teria sido relativamente fácil a um nobre luso bem situado na corte de Filipe II, D. Cristó‑vão de Moura — o marquês de Castelo Rodrigo —, convencer a maior parte dos representantes da nobreza e do clero presentes nas Cortes de Almeirim a se colocarem a favor da candidatura do rei de Espanha e não de D. Catarina de Bragança — herdeira de D. Manuel pela via masculina.

Além das questões dinásticas da sucessão, o processo vio‑lento ao qual foram submetidos o reino, Lisboa e as cidades alia‑das de D. António — Setúbal e Santarém, entre outras — pode ser comparado a outros conflitos ocorridos na mesma altura, em França e nos Países Baixos. Desse modo, o interregno que antecedeu a união das coroas despertou paixões na historiogra‑fia, pois não restam dúvidas de que a ousadia de D. António ao tentar evitar a entrada de Filipe II em Portugal é um aconte‑cimento digno dos melhores autores de ficção histórica, e que começa a ser valorizado pela atual historiografia ibérica.

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NOTABIOGRÁFICA

ANA PAULA TORRES MEGIANI (Votuporanga, Brasil, 1965) é, desde 2003, docente e investigadora em história ibérica no Departamento de História da FFLCH, Universidade de São Paulo. Escreveu os livros O jovem rei en-cantado: expectativas sobre o messianismo régio em Portugal (sécs. xiii ‑xvi) e O rei ausente: festa e cultura política nas visitas dos Filipes a Portugal (1581--1619). Organizou os volumes Inês de Castro: a época e a memória, O império por escrito e O Brasil na Monarquia Hispânica (1580 -1668): novas interpreta-ções. É actualmente pesquisadora da Cátedra Jaime Cortesão do Instituto Camões na Universidade de São Paulo e membro da Cátedra de Estudos Luso ‑Brasileiros da Universidade Autónoma de Lisboa. Em 2019 passou a coordenar o Finisterra_lab – Laboratório de Estudos sobre os Impérios Ibéricos, sediado na Universidade de São Paulo.

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foi impresso na SIG, Sociedade Industrial Gráfica,

no mês de Agostode 2019.

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